VENDA DE BENS DE CONSUMO
PRAZOS DE CADUCIDADE
DENÚNCIA
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
Sumário

I - O regime das garantias da venda de bens de consumo, previsto no decreto-lei 67/2003, de 8 de abril previa três prazos de caducidade, o prazo de um ano para a denúncia dos defeitos a contar do seu conhecimento; o prazo de três anos para o exercício dos direitos a contar da denúncia e o prazo máximo de cinco anos de garantia.
II - A cláusula segundo a qual o prazo de denúncia se inicia em momento anterior ao da celebração da compra e venda é nula, pois limita os direitos do consumidor adquirente.
III - Por não se afastar do equilíbrio e do valor relativo das decisões jurisprudenciais, é adequada a quantia de € 1.500,00 fixada a título de indemnização por danos não patrimoniais dos AA. em virtude da ansiedade e do desgosto causados por humidades e fragilidades da habitação.

Texto Integral

Processo: 657/19.9T8VCD.P1

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Sumário
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Relatora: Teresa Maria Sena Fonseca
1.º adjunto: Jorge Martins Ribeiro
2.ª adjunta: Maria de Fátima Andrade

Acordam no Tribunal da Relação do Porto
I - Relatório
AA e BB intentaram a presente ação declarativa sob a forma de processo comum contra “A... Lda.”. Pedem a reparação de defeitos em imóvel de que são proprietários e, em alternativa, a redução do preço do negócio que celebraram. Em qualquer dos casos, pedem a condenação da R. a pagar-lhes € 4.000,00 a título de danos não patrimoniais.
Alegaram:
- que a R. se dedica à construção civil para revenda dos imóveis;
- que adquiriram à R. imóvel para sua habitação;
- que o imóvel apresenta defeitos de construção, que descrevem;
- que logo que se aperceberam dos defeitos, os comunicaram à R.;
- que a R. omitiu a correção;
- que remeteu notificação judicial avulsa à R., em que dá conhecimento dos defeitos;
- que em virtude dos defeitos sofreram angústia.
A R. contestou, impugnando os defeitos descritos e a existência de danos não patrimoniais e invocando a caducidade do direito de denúncia.
Os AA. pugnaram pela improcedência das exceções.
Os AA. foram convidados a aperfeiçoar a petição inicial, convite a que acederam, tendo a R. respondido.
Os AA. requereram a ampliação do pedido, o que foi indeferido.
Foi dispensada a realização de audiência prévia e elaborado o despacho saneador, com fixação dos termos do litígio e de temas da prova.
Foi determinada a realização de perícia.
No decurso da audiência de julgamento, houve lugar a inspeção judicial.
Foi proferida sentença que:
A - condenou a R. a proceder à reparação dos seguintes defeitos na habitação dos AA.:
1 - no vazio sanitário, não existe ventilação para o exterior e o mesmo não se encontra limpo, sendo visíveis escombros e restos de obra;
2 - não foram retirados do vazio sanitário peças de madeira que poderão ter servido para o escoramento da laje térrea, sendo que, em algumas das peças, existem fenómenos de humidade, fungos e bolores;
3 - algumas abobadilhas da laje do vazio sanitário encontram-se partidas;
4 - as armaduras em varão de ferro existentes no vazio sanitário não se encontram recobertas, sendo visível alguma corrosão;
5 - na cobertura, não foram colocados os ralos de pinha;
6 - no interior da habitação, a vedação das caixilharias necessita de revisão, porquanto existem situações de entrada de humidade em praticamente todas as caixilharias;
7 - em consequência de tais problemas de vedação, existem situações de humidade nas paredes da habitação, nomeadamente na sala e quartos, bem como em alguns remates de madeira onde se encontram as caixilharias;
8 - na zona da sala, próximo do acesso ao escritório, o pavimento flutuante apresenta sinais de humidade, com fenómenos de levantamento nas arestas;
9 - a bancada da cozinha tem dois centímetros de espessura, quando deveria ter três centímetros no mínimo, e encontra-se partida em três locais;
10 - os sistemas de fechos das portas das caixilharias em alumínio, sendo em plástico, são muito frágeis, partem com facilidade e, uma vez que podem ser facilmente abertas pelo exterior, não oferecem segurança à habitação e seus ocupantes.
B - Em alternativa, caso a R. opte por não reparar os defeitos, determinar a redução do negócio e, consequentemente, condenar a R. a restituir aos AA. o valor equivalente ao custo da reparação dos defeitos, a determinar em sede de incidente de liquidação.
C - Em qualquer dos casos, condenar a R. no pagamento aos AA. de uma indemnização por danos não patrimoniais no valor de € 1.500,00.
D - Absolver a R. do demais peticionado.
As custas foram fixadas por AA. e R., na proporção de 35% para os AA. e 65% para a R..
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Inconformada, a R. interpôs o presente recurso, que rematou com as conclusões que em seguida se transcrevem.
1- Vem o presente recurso interposto da sentença que, julgando a ação parcialmente procedente, condenou a ré: a) a proceder à reparação de defeitos que elencou; b) em alternativa, caso a ré opte por não reparar os defeitos, determinar a redução do negócio e, consequentemente, condenar a ré a restituir aos autores o valor equivalente ao custo da reparação dos defeitos, a determinar em incidente de liquidação; c) em qualquer dos casos condenar a ré no pagamento aos autores de indemnização por danos não patrimoniais de 1.500,00€.
2- Na modesta opinião da recorrente, a sentença é merecedora de censura, quer no que se refere à apreciação da matéria de facto, quer à subsunção dos factos ao direito, não tendo feito a mais correta interpretação dos normativos aplicáveis.
3- É pacífico o enquadramento da situação «sub judice» no regime da venda de bens de consumo e das garantias a ela relativas consagrado pelo DL nº 67/2003, de 08/04, que procede à transposição para o direito interno da Diretiva n.º 1999/44/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de maio, relativa a certos aspetos da venda de bens de consumo e das garantias a ela relativas, com vista a assegurar a proteção dos interesses dos consumidores.
4- Uma desconformidade de um bem ou produto consiste na não correspondência entre o bem ou produto abrangidos pelo contrato de compra e venda e o desempenho do bem e produto que foi efetivamente entregue ao consumidor. Pode significar que o bem não é apto a satisfazer os fins a que se destina e a produzir os efeitos que se lhe atribui, segundo as normas legalmente estabelecidas ou de modo adequado às legítimas expectativas do consumidor, ou que não tem determinadas características contratadas.
5- No caso, estamos perante a venda de uma moradia em estado de usada. Foi nessa qualidade que a mesma foi vendida, tal como decorre dos pontos 13 e 14 dos Factos Provados, sendo certo que não é a circunstância de o vendedor ter sido o seu construtor que legitima que se perspetive a situação com se estivéssemos perante um contrato de empreitada, como parece, às vezes, ter perpassado pela mente do Mmo. Julgador, na apreciação da prova.
6- Pese embora a escritura tenha sido realizada apenas em 26 de maio de 2017, tal como se logrou demonstrar, os autores passaram a habitar no imóvel a partir da data da celebração do contrato-promessa de compra e venda, em 15 de março de 2016 – Vide ponto 4 dos Factos Provados, o que é dizer que essa corresponde à data da entrega do bem.
7- Daqui decorre que a escritura de compra e venda foi feita decorridos 434 dias após a entrega do bem e de os autores terem passado a viver na moradia.
8- Apesar disso, o tribunal «a quo» veio a considerar atempada a denúncia dos defeitos elencados na PI que os autores fizeram através de uma notificação judicial avulsa (NJA) concretizada em 29-09-2018, dois anos e meio após a entrega do bem.
Erro na apreciação da prova
9- A ré não se conforma com o sentenciado, entendendo ter existido erro na apreciação da prova, no que se refere aos pontos 7, alíneas a), d), f), g) e h), 11, 12 e 15 dos Factos Provados, bem como o ponto 7 dos Factos Não Provados, motivo pelo qual impugna, quanto a esses pontos, a decisão sobre a matéria de facto, nos termos supra, para que se remete.
10- No que se refere ao ponto 7 dos Factos provados, tendo-se o tribunal ancorado exclusivamente na perícia, não pode na matéria provada extravasar o que da mesma resultou apurado.
11- Assim, apenas podendo ser levado à matéria provada o que consta do relatório pericial e nos seus precisos e rigorosos termos, as alíneas a), d), f) e g) do ponto 7 dos Factos provados, devem passar a ter a seguinte redação:
a) No vazio sanitário, a ventilação para o exterior é insuficiente, e o mesmo não se encontra limpo, sendo visíveis escombros e restos de obra;
d) No vazio sanitário existem duas armaduras em varão de ferro sem recobrimento, onde é visível alguma corrosão.
f) No interior da habitação, a vedação das caixilharias necessita de revisão, porquanto existem situações de entrada de humidade.
g) Existem pontualmente situações de humidade em pontos do piso 0 e do piso 1.
12- Por outro lado, a alínea h) do ponto 7 dos Factos provados deve passar para os Factos Não Provados, pois, remetendo embora a motivação para uma diligência de inspeção ao local, não se reconhece ao Mmo. Julgador conhecimentos técnicos que lhe permitam infirmar aquilo que resultou provado na Perícia, na medida em que no relatório pericial – que não mereceu reclamação por parte dos AA. – os 3 peritos afirmaram não verificarem nenhuma anomalia quanto ao pavimento (quesito C4).
13- O tribunal «a quo» analisou de modo absolutamente incongruente a prova no que se refere ao momento da denúncia, levando ao ponto 11 dos Factos provados – que deve passar para os Factos Não Provados – matéria que se encontra em total contradição com factos essenciais alegados pelos AA. na sua PI e na notificação judicial avulsa em que assentaram a causa de pedir, onde invocaram que «O imóvel vendido pela R. apresenta defeitos/desconformidades que se manifestaram no decurso do ano de 2018 e/ou que os réus só tiveram consciência dos mesmos em agosto de 2018» e que »devem os consumidores denunciar ao vendedor a falta de conformidade num prazo de um ano a contar da data em que a tenham detetado», b «o que os AA. prontamente fizeram, tal como mencionado no artigo 4.º da presente P.I. mediante Notificação Judicial Avulsa, datada de 18/09/2018.» (itens 3º, 19º e 20º da PI).
14- O que afirmam, claramente, nos pontos 3 e 4 da notificação judicial avulsa e que reiteram na resposta às exceções submetida em 31.10.2019 (ref.ª Citius 24083408), nos itens 18º a 21º.
15- Salvo o devido respeito, os autores não podem alegar e dizer ora uma coisa, e a seguir o seu contrário: - os autores estruturaram a sua petição inicial na Notificação Judicial Avulsa onde elencam os alegados defeitos existentes na moradia, cuja reparação peticionam à ré, afirmando, perentoriamente, só terem tido conhecimento dos mesmos no mês anterior ao da elaboração da NJA, ou seja, em agosto de 2018. Em resposta às exceções, e pronunciando-se especificamente sobre a caducidade invocada pela Ré, reiteraram apenas terem detetado os alegados defeitos em agosto de 2018, o que, sempre com o devido respeito, se têm por confissão irretratável. Não se trata aqui de uma declaração equívoca que possa permitir interpretações várias; tal foi afirmado pelos AA., objetiva e contextualizadamente, na sua tomada de posição sobre a caducidade do seu direito à denúncia.
16- Ora, em oposição a isto, em 11º dos Factos Provados, o tribunal dá como assente que os autores já conheciam os defeitos existentes na moradia, que foram reclamando à medida que deles iam tomando conhecimento.
17- É manifesto que mal andou, errando no julgamento deste ponto de facto, sendo certo ainda que não existe qualquer prova documental de reclamações, fossem mensagens pelo whatsapp, sms ou emails, como decorre das regras da experiência e da normalidade, sendo vulgar ocorrer e, por isso, razoavelmente de supor que, se tivessem havido troca de comunicações referentes aos defeitos, teriam assumido alguma dessas formas. Por outro lado, e de igual forma, tendo a escritura sido realizada mais de um ano depois de os autores habitarem na casa, decorreria também das regras da normalidade de vida que um consumidor que já reclamou vários defeitos ao vendedor, transmita ao vendedor por escrito, antes da escritura, que se encontram ainda pendentes de resolução esta, esta e esta situações…
18- Cremos que o Mmo Juiz a quo, ante o desenvolvimento da produção de prova, nomeadamente por a ré – visando provar a caducidade do direito dos AA.– ter logrado demonstrar que os AA. conheciam os alegados defeitos em momento anterior, só poderia concluir que em relação ao momento do seu conhecimento, a versão dos factos carreada pelos AA. na PI foi infirmada.
19- Todavia, isso não tem o alcance de alterar a confissão relativa ao momento da denúncia, feito por diversos meios e momentos nos autos.
20- Acresce que, e sem prescindir, ignora-se totalmente quais os concretos defeitos que o tribunal entendeu foram reclamados por essa via, não sendo admissível a generalização feita pelo tribunal, atento o grande universo de alegados defeitos elencados na PI., sendo certo ainda, como afirma a sentença, que os autores nunca concretizaram as datas desses contactos, tendo o tribunal «a quo» presumido que eram realizados de forma cabal e contemporânea ao conhecimento, pelos autores, de cada um dos problemas dados por demonstrados, sem que tivesse partido para essa conclusão de uma premissa objetiva, o que, salvo o devido respeito, não lhe é admissível.
21- No caso, o tribunal recorrido presume que houve reclamações, embora não ancore a mesma em nenhum facto conhecido e, para mais, apesar de essa conclusão estar em flagrante oposição com aquilo que os AA. invocaram sem sede de causa de pedir e nos factos essenciais que alegaram na PI para concretização do seu invocado direito, incorrendo, para além do erro na apreciação da prova, em violação da lei no que se refere à prova por presunção.
22- Ainda sem prescindir, mal andou, ainda, nos termos supra referidos em detalhe, na análise dos depoimentos prestados, chamando-se a atenção para o depoimento do autor marido, minutos [00:37:18 a 00:37:30] e das testemunhas CC [aos minutos 00:15:14, 00:17:22, 00:22:42 a 00:23:39] e DD [00:17:12, 00:24:06 a 00:24:30], a propósito do que se lembra serem estas testemunhas comuns e não tendo sido colocada em causa pela sentença a verdade dos depoimentos de uns e outros, deveria sempre decidir de acordo com as regras do ónus da prova, nos termos do artigo 342.º do Código Civil e do disposto no artigo 414.º do Código de Processo Civil, de modo desfavorável aos autores, tanto mais quanto os raciocínios do Julgador constantes da motivação da decisão de facto, enfermam das várias incongruências acima elencadas.
23- Neste concreto circunstancialismo, e sem prescindir, entendemos seria sempre de censurar a decisão de dar como provado o que levou ao ponto 11, apenas e exclusivamente com base nas declarações de parte, por as mesmas não lograrem alcançar o standard de prova exigível para o concreto litígio em apreciação.
24- Em conclusão, o tribunal recorrido andou mal ao ter dado como demonstrado um padrão comportamental por parte dos autores, sem o mínimo arrimo em prova; quando deveria, partindo de um facto conhecido – a Notificação Judicial Avulsa e seu teor, confessório, por parte dos autores, de que não tinham conhecimento das desconformidades/ defeitos em data anterior a Agosto de 2018 – e deitando mão de uma presunção, como é próprio e adequado ao Julgador, concluir que, se os autores escreveram o que escreveram na Notificação através da qual denunciaram à ré os defeitos, e se o reiteraram nestes autos, é porque não tinham, ainda, antes, feito a sua denúncia e reclamação.
25- Impõe-se, portanto que este ponto 11 passe para os Factos Não Provados.
26- O ponto 7 dos Factos Não Provados deve passar para a Matéria Provada, visto tratar- se de facto que resultou provado por confissão constante de todos os citados articulados, válida para não mais ser retirada (artigos 46º e 465º nº 2 do CPC) e do documento constante do processo, nessa parte não impugnado.
27- Ao que acresce que, como resulta da motivação da decisão de facto, foi dado como não provado pelos motivos pelo qual o tribunal deu como provado o ponto 11 acima tratado.
28- O ponto 12 dos Factos Provados deve passar a ter a seguinte redação: «Os Autores remeteram à ré notificação judicial avulsa, datada de 18 de setembro de 2018, que correu termos sob o proc. nº 1548/18.6T8PVZ, onde relataram vários problemas, e que a ré rececionou.», por ser apenas isso o que a ré aceitou em 4º da contestação, extravasando o mais aquilo que foi expressamente admitido.
29- O ponto 15 dos Factos Provados deve passar para Não Provado, por não terem os AA. logrado fazer a respetiva prova, pois, como supra se demonstra e resulta dos depoimentos do A. marido, ao minuto 00:53:36 e da testemunha EE, do minuto 00:11:53 a 00:12:30], outros são/foram os motivos de ansiedade e nervosismo, não podendo ser imputáveis à ré.
Do direito
30- No que se refere à matéria de direito, na modesta opinião da recorrente, a sentença não faz a mais correta subsunção jurídica, violando, nomeadamente os artigos 762º do Código Civil, artigo 2º nº 3, artigo 5º nº 1, artigo 5.º-A, n.º 2, 10º nº 1 do Decreto- Lei n.º 67/2003.
31- A sentença recorrida enquadrou a situação no disposto no artigo 2º nº 1 e 2 al. a) do DL nº 67/2003. E, com efeito, decorre do diploma aplicado, nomeadamente do disposto no citado normativo, que o vendedor de bens de consumo, como é o caso, está obrigado a entregar ao comprador os bens conformes com o contrato. Sendo que essa conformidade se afere, entre outros aspetos, pelas características e qualidades dos bens descritos pelo vendedor.
32- O vendedor está obrigado, na sua relação contratual, a falar com verdade e a agir de boa-fé. E agir de boa-fé implica, não só a obrigação de realizar pontualmente a prestação a que se vinculou (artigo 762.º, do Código Civil), como mostrar o bem e descrever as suas qualidades com verdade. A descrição feita pelo vendedor a que a alínea a) do preceito se referem, integra necessariamente o conteúdo do contrato, devendo a prestação recair sobre o objeto acordado, ou seja, sobre o objeto que tem as características descritas e que cumpre os objetivos referidos pelo vendedor (neste sentido, vide Jorge Morais Carvalho, Manual de Direito do Consumo, 7.ª edição, Almedina, pág. 298).
33- Foi, precisamente, o que a ré vendedora fez aquando do contrato, falou verdade e transmitiu aos compradores que se tratava de uma moradia em estado de uso que, como tal, lhes mostrou.
34- Jamais em tempo algum a ré transmitiu aos autores que a moradia fosse nova ou que tivesse sido construída com materiais de primeira qualidade e não apresentasse nenhum problema, o que aliás foi dado como não provado (vide decisão da matéria de facto – Factos Não Provados).
35- Por isso, bem, foi dado como provado, precisamente que: (13) previamente à celebração do contrato-promessa de compra e venda com os autores, o imóvel já tinha sido habitado por outras pessoas, que também haviam celebrado contrato-promessa com a ré e que (14) tal facto era do conhecimento dos autores à data da celebração do contrato-promessa.
36- No caso, para além deste circunstancialismo, ocorre que, também como provado, (4) os autores passaram a habitar no imóvel após a data da celebração do contrato-promessa (15-03-2016), (8) tendo, desde aí, conhecimento dos problemas existentes na bancada e dos fechos das caixilharias em alumínio; e (9) bem assim, dos problemas existentes no vazio sanitário desde outubro de 2016.
37- Decorrendo do disposto no artigo 762º do Código Civil que o devedor cumpre a obrigação quando realiza a prestação a que se vinculou, não restam dúvidas de que a ré cumpriu a sua obrigação de vendedora, vendendo o imóvel aos autores no estado em que se encontrava e que eles, inequivocamente, conheciam.
38- Conclusão a que se chega, aliás, pela circunstância de a escritura ter vindo a ser outorgada um ano e meio após a entrega do imóvel, onde habitavam desde então, e não constar da mesma qualquer ressalva em relação a qualquer desconformidade do objeto da venda, num comportamento que consubstancia, nos termos do disposto no artigo 1218º do Código Civil, que se pode aplicar por analogia, aceitação inequívoca do bem pelos autores.
39- Face à matéria provada em 8 e 9 dos Factos Assentes na sentença, é inequívoco que em 26-5-2017, data em que foi celebrado o contrato definitivo de compra e venda, em relação à bancada da cozinha, ela já estava partida; que a vedação das caixilharias e os fechos dos caixilhos das portas já eram frágeis; e que o vazio sanitário já tinha os problemas de que os AA. elencaram na PI; e que os AA. já tinham conhecimento dessas faltas de conformidade, não podendo razoavelmente ignorá-las.
Trata-se de alegados defeitos aparentes, visíveis a olho nu e que os A.A. confessaram existirem e serem do seu conhecimento desde o início, sendo, na expressão do A. marido, “visíveis a um leigo qualquer.” (não era esse o caso do A., que, no dizer do próprio, percebe de construção).
40- Aqui chegados, temos que, ao contrário do que a sentença em crise entendeu, a ré logrou provar o enquadramento da situação sub judice, na cláusula de exclusão prevista do nº 3 do artigo 2º do DL nº 67/2003:
«3 - Não se considera existir falta de conformidade, na aceção do presente artigo, se, no momento em que for celebrado o contrato, o consumidor tiver conhecimento dessa falta de conformidade ou não puder razoavelmente ignorá-la ou se esta decorrer dos materiais fornecidos pelo consumidor.»
41- Assim não concluindo, a sentença violou o disposto no nº 3 do artigo 2º do DL nº 67/2003.
Sem prescindir,
42- Discorda-se ainda, e por outro lado, do entendimento do tribunal «a quo» no que concerne à exceção da caducidade, pois verifica-se a caducidade do artigo 5.º-A, n.º 2 do Decreto-Lei n.º 67/2003, por falta de denúncia, em relação a cada um dos vários alegados defeitos enunciados no ponto 7 dos Factos Provados.
43- Ensina a Doutrina (João Calvão da Silva, op. cit.) que a falta de cumprimento do ónus de denúncia tempestiva, a provar pelo vendedor réu na ação nos termos dos nºs 2 dos arts.342° e 343°, acarreta a caducidade dos direitos de reparação ou substituição da coisa e dos direitos de redução do preço ou de resolução do contrato direitos conferidos ao consumidor nos termos do nº1 do art.º 4º do Decreto-Lei n° 67/2003, ex vi nº1 do art.º 12° em apreço.
44- Os prazos de caducidade – como o que está em causa, atinente à denúncia de desconformidades de uma compra e venda com entrega realizada em março de 2016 – justificam-se, pois, em nome da rápida definição da situação jurídica.
45- Independentemente do prazo de garantia de cinco anos previsto no nº 1 do artigo 5º do Decreto-Lei n° 67/2003, no nº 2 do artigo 5º A do mesmo diploma, a lei faz impender sobre o consumidor o ónus de denúncia dos defeitos: «Para exercer os seus direitos, o consumidor deve denunciar ao vendedor a falta de conformidade num prazo de dois meses, caso se trate de bem móvel, ou de um ano, se se tratar de bem imóvel, a contar da data em que a tenha detetado.»
46- A denúncia é, assim, uma condição, da qual depende o conhecimento do exercício dos direitos do consumidor, constituindo um ónus cujo cumprimento impende sobre o comprador, como realça o saudoso professor Calvão da Silva.
47- Não é apenas a ré quem assim o entende; também os autores, claramente o afirmam no item 19º ss. da sua PI, quando invocaram a tempestividade do exercício do direito, por estar alegadamente dentro do prazo de um ano posterior à denúncia.
48- A sentença recorrida andou mal, confundindo o teor do artigo 5º nº 1, que estabelece o prazo geral de garantia de cinco anos a contar da entrega do bem, com o prazo do nº 2 do artigo 5ºA, que se refere especificamente ao prazo de denúncia, prevendo que, para exercer os seus direitos, o consumidor deve denunciar ao vendedor a falta de conformidade num prazo de dois meses, caso se trate de bem móvel, ou de um ano, se se tratar de bem imóvel, a contar da data em que a tenha detetado.»
49- Tratam-se de prazos totalmente distintos, não colhendo, de todo, a argumentação da sentença.
50- Consequentemente, impunha-se que o tribunal «a quo» aferisse, em detalhe, e tendo isto presente, o cumprimento pelos autores desse prazo de denúncia no respeitante aos problemas descritos no ponto 7 dos Factos Provados, os únicos que, em face da prova produzida, relevam, em consonância com os factos provados, nomeadamente em 2, 4, 7, 9 e 10 da sentença.
51- Donde se verificaria que, uma vez que estes defeitos apenas foram denunciados à ré em 29-09-2018, através da Notificação Judicial Avulsa junta com a PI – com a falsa alegação de que os AA. só deles tiveram conhecimento no antecedente mês de agosto (vide ponto 3 da mesma) – os AA. não exerceram os direitos que o diploma em que estribavam a sua pretensão lhes conferia de forma tempestiva, tendo caducado o seu direto de ação em relação, à data da propositura da ação.
52- A esta mesma conclusão se chega se se considerar – por hipótese de raciocínio – o início do prazo na data da escritura, ou seja, 26 maio de 2017, pois contado daí o seu termo era maio de 2018 e a NJA apenas foi concretizada em 29-09-2018.
53- A sentença violou, consequentemente, os citados normativos, nomeadamente o disposto no nº 2 do artigo 5ºA do DL nº 67/2003, impondo-se a sua revogação.
54- O tribunal «a quo» argumenta, na análise desta questão, que, no caso, a ré não logrou demonstrar que os autores apenas tenham comunicado os defeitos com o envio da notificação judicial avulsa; todavia, sucede que são eles próprios que o confessam no texto da NJA!
55- Mal andou, ainda, a sentença ao declarar nula a Cláusula Quarta do contrato-promessa, dada por reproduzida no ponto 3 dos Factos Provados, ao abrigo do art.º 10º nº 1 do DL nº 67/2003, pois a situação não tem enquadramento neste normativo, na medida em que se trata de uma cláusula que não tem nada de inovatório em relação ao regime previsto no diploma e, por outro lado, que não exclui, nem limita os direitos do consumidor previstos no diploma (através da indicada cláusula as partes clarificaram que era a partir daquela data, com a entrega e posse do imóvel, que começavam a correr os prazos de denúncia de defeitos, o que resulta dos normativos supracitados, nomeadamente do disposto no nº 2 do artigo 5ºA do citado diploma).
56- A sentença violou, na interpretação que fez, o disposto no art.º 10º nº 1 do DL nº 67/2003.
57- Por último, e no que tange à condenação pelos danos não patrimoniais, em consonância com a impugnação da matéria de facto supra, verificado que os AA. não lograram a prova da matéria atinente, soçobra manifestamente a condenação.
58- Com todo o respeito, não nos parece que os AA. tenham provado quaisquer danos suscetíveis de serem considerados danos não patrimoniais merecedores de tutela pelo direito.
59- Neste particular, é consensual a ideia de que só são indemnizáveis os danos não patrimoniais que afetem profundamente os valores ou interesses da personalidade física ou moral, medindo-se a gravidade do dano por um padrão objetivo; ora, sob esse ponto de vista objetivo, não se verifica. Donde, não deve, de uma forma ou de outra, haver lugar a qualquer indemnização.
60- Sempre e sem prescindir, a quantia arbitrada é manifestamente exagerada e desproporcionada.
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II - Questões a dirimir:
a - da reapreciação da matéria de facto;
b - da caducidade do direito dos AA.;
c - do cumprimento defeituoso do contrato por parte da R.;
d - do direito dos AA. a indemnização por danos não patrimoniais.
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III - Fundamentação de facto
Factos provados:
1. A Ré é uma empresa cujo objeto corresponde à construção civil para posterior revenda dos imóveis que constrói.
2. Por contrato-promessa de compra e venda outorgado em 15/03/2016, a Ré prometeu vender aos Autores que por sua vez prometeram comprar, o imóvel correspondente a casa de rés-do-chão e andar com logradouro, descrita na conservatória sob o nº ... da freguesia ..., inscrita na respetiva matriz predial sob o artigo ... da matriz predial Urbana de Vila do Conde, pelo preço de € 155.000,00.
3. No âmbito de tal contrato, ficou convencionado entre as partes, no âmbito da Cláusula Quarta, n.º 1, que: “se os 2ºs Contraentes [aqui Autores] vierem a ocupar a casa (ocorrendo a transmissão da posse), a garantia de construção começa a correr a partir desse mesmo dia em que entrarem na posse”.
4. Com a celebração do aludido contrato, houve entrega das chaves do imóvel aos Autores, passando os mesmos a aí habitar.
5. Foi igualmente celebrado entre Autores e Ré um contrato de comodato, de forma a permitir a ligação dos serviços de água e eletricidade à moradia para nela habitarem.
6. No dia 26/05/2017, Autores e Ré assinaram o contrato definitivo de compra e venda do imóvel em apreço.
7. A moradia em causa apresenta os seguintes problemas:
a) No vazio sanitário, não existe ventilação para o exterior e o mesmo não se encontra limpo, sendo visíveis escombros e restos de obra;
b) Não foram retirados do vazio sanitário peças de madeira que poderão ter servido para o escoramento da laje térrea, sendo que, em algumas das peças, existem fenómenos de humidade, fungos e bolores;
c) Algumas abobadilhas da laje do vazio sanitário encontram-se partidas;
d) As armaduras em varão de ferro existentes no vazio sanitário não se encontram recobertas, sendo visível alguma corrosão;
e) Na cobertura, não foram colocados os ralos de pinha;
f) No interior da habitação, a vedação das caixilharias necessita de revisão, porquanto existem situações de entrada de humidade em praticamente todas as caixilharias;
g) Em consequência de tais problemas de vedação, existem situações de humidade nas paredes da habitação, nomeadamente na sala e quartos, bem como em alguns remates de madeira onde se encontram as caixilharias;
h) Na zona da sala, próximo do acesso ao escritório, o pavimento flutuante apresenta sinais de humidade, com fenómenos de levantamento nas arestas;
i) A bancada da cozinha tem dois centímetros de espessura, quando deveria ter três centímetros no mínimo, e encontra-se partida em três locais;
j) Os sistemas de fechos das portas das caixilharias em alumínio, sendo em plástico, são muito frágeis, partem com facilidade e, uma vez que podem ser facilmente abertas pelo exterior, não oferecem segurança à habitação e seus ocupantes.
8. Os Autores tomaram conhecimento dos problemas existentes na bancada da cozinha e dos fechos das caixilharias em alumínio quando passaram a residir na habitação, o que ocorreu no ano de 2016.
9. Os problemas existentes no vazio sanitário chegaram ao conhecimento dos Autores quando o Autor marido visitou tal área, o que ocorreu em outubro de 2016.
10. Os problemas de insuficiente vedação das caixilharias chegaram ao conhecimento dos Autores ao longo do ano de 2017, na medida em que as chuvas foram causando as infiltrações no imóvel.
11. Os Autores iam comunicando à Ré os problemas existentes na moradia, por via telefónica, à medida que os mesmos iam surgindo, solicitando e aguardando uma resolução para os mesmos.
12. Atenta a inércia da Ré na resolução dos problemas acima descritos, os Autores remeteram-lhe notificação judicial avulsa, datada de 18 de setembro de 2018, que correu termos sob o proc. n.º 1548/18.6T8PVZ, onde relataram, entre outros, tais problemas.
13. Previamente à celebração do contrato promessa de compra e venda com os Autores, o imóvel já tinha sido habitado por outras pessoas, que também haviam celebrado contrato promessa com a Ré e que vieram a incumprir.
14. Tal facto era do conhecimento dos Autores à data da celebração do contrato promessa.
15. Em consequência dos problemas acima referidos e da ausência de resolução, os Autores padeceram de ansiedade e sentiram-se desgostosos, padecendo o Autor marido de alguma dificuldade em adormecer.
Factos não provados:
1. Que o imóvel dos Autores apresente quaisquer outros problemas para além dos descritos na matéria de facto dada como provada, designadamente quanto ao solo do vazio sanitário, quanto à irregular execução da tubagem da rede de saneamento, quanto à tubagem de águas pluviais, na cobertura (com exceção da falta de colocação dos ralos de pinha) e claraboia, quanto às caixas de estores e mais cheiro na casa de banho do rés-do-chão.
2. Que as paredes interiores do imóvel sejam objeto de falta de limpeza ou de manutenção.
3. Que os problemas existentes nos fechos das caixilharias das janelas se devam a falta de manutenção.
4. Que a reparação dos defeitos existentes no imóvel dos Autores tenha um custo de € 14.000,00.
5. Que os Autores tenham sido informados, aquando da venda, que o imóvel tenha sido construído com materiais de primeira qualidade e que não apresentava qualquer problema.
6. Que os Autores se tenham apercebido dos problemas no tampo da cozinha aquando da realização da primeira visita à habitação, previamente à celebração do contrato promessa.
7. Que a comunicação dos problemas existentes na habitação pelos Autores à Ré apenas tenha ocorrido com o envio da notificação judicial avulsa.
8. Que o estado depressivo de que Autor atualmente padece tenha sido originado unicamente pelos problemas existentes na habitação.
9. Que os problemas existentes na habitação tenham gerado um tal grau de ansiedade no casal que tenha colocado em causa a sua paz familiar e afetado o seu casamento.
*
Fundamentação jurídica
a - Da reapreciação da matéria de facto
A apelante pretende que o ponto 7 da matéria assente, no que se refere às alíneas a), d), f) e g), passe a ter a seguinte redação:
a) No vazio sanitário, a ventilação para o exterior é insuficiente, e o mesmo não se encontra limpo, sendo visíveis escombros e restos de obra;
d) No vazio sanitário existem duas armaduras em varão de ferro sem recobrimento, onde é visível alguma corrosão;
f) No interior da habitação, a vedação das caixilharias necessita de revisão, porquanto existem situações de entrada de humidade;
g) Existem pontualmente situações de humidade em pontos do piso 0 e do piso 1.
Mais entende que a alínea h) deverá passar para os factos não provados.
A redação das alíneas indicadas no ponto 7 tal como consta da sentença é a seguinte:
7. A moradia em causa apresenta os seguintes problemas:
a) No vazio sanitário, não existe ventilação para o exterior e o mesmo não se encontra limpo, sendo visíveis escombros e restos de obra;
d) As armaduras em varão de ferro existentes no vazio sanitário não se encontram recobertas, sendo visível alguma corrosão;
f) No interior da habitação, a vedação das caixilharias necessita de revisão, porquanto existem situações de entrada de humidade em praticamente todas as caixilharias;
g) Em consequência de tais problemas de vedação, existem situações de humidade nas paredes da habitação, nomeadamente na sala e quartos, bem como em alguns remates de madeira onde se encontram as caixilharias
No que concerne à alínea a) a diferença consiste entre ausência de ventilação e ventilação insuficiente.
Consta da perícia que existe um tubo (de ventilação) que atravessa as duas moradias, mas do qual não são percetíveis as saídas para o exterior, em mais que um local e em sítios opostos, de modo a promover a circulação de ar.
De modo o tornar a resposta mais precisa e factual, altera-se a alínea a) para os termos seguintes:
existe um tubo (de ventilação) que atravessa as duas moradias, mas do qual não são percetíveis as saídas para o exterior, em mais que um local e em sítios opostos, de modo a promover a circulação de ar.
Quanto à alínea d), o que consta da sentença é que as armaduras em varão de ferro existentes no vazio sanitário não se encontram recobertas, sendo visível alguma corrosão, pretendendo a recorrente que passe a constar que no vazio sanitário existem duas armaduras em varão de ferro sem recobrimento, onde é visível alguma corrosão. A diferença consiste na alusão a duas armaduras.
Do relatório pericial emerge que existem duas situações pontuais, de armaduras em varão, que não estão convenientemente protegidas com betão e que não é possível classificar o grau de corrosão e que armaduras em varão de ferro sem recobrimento são suscetíveis a terem corrosão.
Assim, para melhor esclarecimento, altera-se a alínea d), aí se passando a ler que no vazio sanitário existem duas situações pontuais, de armaduras em varão, que não estão convenientemente protegidas com betão, que não é possível classificar o grau de corrosão e que armaduras em varão de ferro sem recobrimento são suscetíveis de apresentar corrosão.
No que se refere à alínea f), a recorrente visa que fique a constar que no interior da habitação, a vedação das caixilharias necessita de revisão, porquanto existem situações de entrada de humidade. O que consta na sentença é o seguinte: f) No interior da habitação, a vedação das caixilharias necessita de revisão, porquanto existem situações de entrada de humidade em praticamente todas as caixilharias. A diferença reporta-se à expressão praticamente todas as caixilharias.
Tomando-se em consideração que da perícia resulta apenas que a vedação das caixilharias necessita de revisão, porque existem situações de entrada de humidade, a alínea f) passará a adotar a seguinte redação, tal como, aliás, preconizado pela recorrente: no interior da habitação, a vedação das caixilharias necessita de revisão, porquanto existem situações de entrada de humidade.
No tocante à alínea g), consta da sentença que em consequência de tais problemas de vedação, existem situações de humidade nas paredes da habitação, nomeadamente na sala e quartos, bem como em alguns remates de madeira onde se encontram as caixilharias. A recorrente visa que passe a constar que existem pontualmente situações de humidade em pontos do piso 0 e do piso 1. É o que resulta do relatório pericial.
Assim, a alínea g) passará a adotar a seguinte redação: em consequência de tais problemas de vedação, existem pontualmente situações de humidade em pontos do piso 0 e do piso 1.
Quanto à eliminação da alínea h) do ponto 7, transitando para os factos não provados, tem esta alínea o seguinte teor: Na zona da sala, próximo do acesso ao escritório, o pavimento flutuante apresenta sinais de humidade, com fenómenos de levantamento nas arestas.
A apelante requer que se elimine a alínea h), por esta se fundar na inspeção ao local, não reconhecendo valia técnica ao juiz.
A inspeção ao local realiza-se sempre que o tribunal o julgue conveniente. Podem ser inspecionadas pessoas ou coisas, a fim de que o juiz se esclareça sobre qualquer facto que interesse à decisão da causa (cf. art.º 490.º do C.P.C.).
Do auto consta que junto à porta de acesso ao escritório foi possível verificar que o soalho apresenta um pequeno desnível bem com um ligeiro alto.
A legenda da fotografia 4 do auto é a seguinte: estado do soalho junto à porta de entrada do escritório.
Não está em causa matéria de natureza eminentemente técnica e a questão não é complexa. Nada impede que o juiz tenha surpreendido por si mesmo uma caraterística visível do revestimento do piso do imóvel. Trata-se de matéria do conhecimento comum. Acresce que foi tirada fotografia que pode ser compulsada por via de recurso. O visionamento fotográfico permite constatar desnivelamento em régua do soalho.
Assim, para maior precisão, expurgando-se o aí considerado quanto à origem do desnível, sendo que essa não pode, efetivamente, ser comprovada, a alínea h) passará a ter o seguinte teor: na zona da sala próxima do acesso ao escritório o pavimento flutuante apresenta desnivelamento em régua do soalho.
A R. pretende que o facto 7 não provado passe para a matéria provada.
O facto 7 não provado é o seguinte: que a comunicação dos problemas existentes na habitação pelos Autores à Ré apenas tenha ocorrido com o envio da notificação judicial avulsa.
A R. mais requer que o ponto 11 dos factos provados passe para os factos não provados. O teor do ponto 11 é o seguinte: os Autores iam comunicando à Ré os problemas existentes na moradia, por via telefónica, à medida que os mesmos iam surgindo, solicitando e aguardando uma resolução para os mesmos.
Aduz que os AA. não podem contraditar o que consta da notificação judicial avulsa. Ora aí consta que só em agosto de 2018 se aperceberam do que consideravam ser os defeitos da obra. Disseram só ter sabido dos defeitos em agosto de 2018, tendo, em seguida, procedido à notificação judicial avulsa. A notificação judicial avulsa é de 18 de setembro de 2018, dizendo os AA. ter dado conta dos defeitos a partir de agosto de 2018, tendo dado início aos contatos telefónicos e por e-mail.
Na petição inicial lê-se o seguinte:
3.º
O imóvel vendido pela R. apresenta, à data, defeitos/desconformidades que se manifestaram no decurso do ano de 2018 e/ou que os AA. só tiverem consciência dos mesmos em agosto de 2018.
4.º
Ora, de imediato, denunciaram os AA. os defeitos detetados à R., nomeadamente através de contactos telefónicos e posteriormente através de Notificação Judicial Avulsa, datada de 18 de setembro de 2018, que correu termos sob o número de processo 1548/18.6T8PVZ, os quais se recusaram prontamente a efetuar quaisquer reparos - documento 2-A junto ao diante.
Da matéria assente consta o seguinte:
8. Os Autores tomaram conhecimento dos problemas existentes na bancada da cozinha e dos fechos das caixilharias em alumínio quando passaram a residir na habitação, o que ocorreu no ano de 2016.
9. Os problemas existentes no vazio sanitário chegaram ao conhecimento dos Autores quando o Autor marido visitou tal área, o que ocorreu em outubro de 2016.
10. Os problemas de insuficiente vedação das caixilharias chegaram ao conhecimento dos Autores ao longo do ano de 2017, na medida em que as chuvas foram causando as infiltrações no imóvel.
11. Os Autores iam comunicando à Ré os problemas existentes na moradia, por via telefónica, à medida que os mesmos iam surgindo, solicitando e aguardando uma resolução para os mesmos.
12. Atenta a inércia da Ré na resolução dos problemas acima descritos, os Autores remeteram-lhe notificação judicial avulsa, datada de 18 de Setembro de 2018, que correu termos sob o proc. n.º 1548/18.6T8PVZ, onde relataram, entre outros, tais problemas.
É verdade, portanto, que os AA. produziram alegação na notificação judicial avulsa e na petição inicial diferente de quanto se veio a apurar.
As partes alegaram que os AA. tomaram conhecimento dos defeitos em momentos que explicitaram e foram apurados os momentos em que o conhecimento efetivamente ocorreu.
O acolhimento da pretensão da apelante corresponderia a dizer que ou se prova que um determinado facto aconteceu na data alegada por alguma das partes ou deve ser dado como não provado. Isto pese embora se tenha determinado qual ou quais os momentos em que o conhecimento se verificou. Ora não está em causa facto não alegado pelas partes - que invocaram que o conhecimento dos defeitos ocorreu em tais e em tais momentos -, mas, isso sim, a fixação em concreto de quando esse conhecimento ocorreu. Não estão em causa factos complementadores ou concretizadores, mas sim meras precisões temporais - isto independentemente da respetiva relevância jurídica.
O atual Código de Processo Civil coloca como superior objetivo o alcançar da verdade material com vista à efetiva administração da justiça. Esta não pode ser entendida como meramente formal.
Não tendo sido posta em crise a materialidade apurada por confronto com a prova produzida, não há fundamento para pôr em causa a matéria fáctica tal como vertida nos factos assentes.
Indefere-se, por isso, o requerido quanto ao facto 7 não provado e ao facto 11 provado.
A apelante pede que o ponto 12 dos factos provados passe a adotar a redação constante da 28.º conclusão.
O facto 12 tal como assente pelo tribunal é o seguinte: atenta a inércia da Ré na resolução dos problemas acima descritos, os Autores remeteram-lhe notificação judicial avulsa, datada de 18 de setembro de 2018, que correu termos sob o proc. n.º 1548/18.6T8PVZ, onde relataram, entre outros, tais problemas.
A redação sugerida pela recorrente é a seguinte: 28 - Os Autores remeteram à ré notificação judicial avulsa, datada de 18 de setembro de 2018, que correu termos sob o proc. nº 1548/18.6T8PVZ, onde relataram vários problemas, e que a ré rececionou.
Para que não restem dúvidas do que foi aceite pela R., e expurgando-se a matéria do elemento introdutório com cariz conclusivo, o ponto 12 passará a adotar a seguinte redação: Os Autores remeteram à ré notificação judicial avulsa, datada de 18 de setembro de 2018, que correu termos sob o proc. nº 1548/18.6T8PVZ, que a ré rececionou, onde enunciaram o que entendiam ser as desconformidades da obra relativamente ao acordado.
A apelante pretende que o ponto 15 dos factos provados passe para a matéria não provada.
O aludido ponto 15 tem o seguinte teor:
15. Em consequência dos problemas acima referidos e da ausência de resolução, os Autores padeceram de ansiedade e sentiram-se desgostosos, padecendo o Autor marido de alguma dificuldade em adormecer.
A recorrente alega que não foi produzida prova da matéria em causa e que outras foram a causa da ansiedade e desgosto referidos. Remete para as declarações de parte do A. e para o depoimento da testemunha EE. Destes decorreria que o seu estado de espírito e o seu ânimo tiveram origem diversa.
Entende-se não lhe assistir razão. O apelado referiu que desde que a mulher teve a criança que toma antidepressivos. EE aludiu a questões existentes entre o casal. A matéria dada como assente não remete, porém, para a depressão do A., nem exclui fontes de perturbação que em nada se prendem com a questão dos autos. Aduz apenas que as anomalias da casa e a circunstância de estas não se resolverem deixou os AA. ansiosos e desgostosos. Mais reporta alguma dificuldade do A. em adormecer originada no mesmo conjunto de circunstâncias.
É precisamente o que se retira das declarações dos AA. e da testemunha aludida e, como bem salienta a sentença recorrida, é o que resulta das regras de normalidade e da experiência.
Indefere-se, por conseguinte, a alteração requerida.
*
b - Se se verifica a caducidade do direito à reparação ou à substituição
Entende a apelante que os direitos que os AA. se arrogam caducaram por apenas terem sido denunciados em 29-9-2018, através da notificação judicial avulsa junta com a petição inicial - com a falsa alegação de que os AA. só deles tiveram conhecimento no antecedente mês de agosto. Esta caducidade verificar-se-ia, quer se contabilize o prazo a contar da data do contrato-promessa com tradição da coisa, em 15-3-2016, quer da data do contrato de compra e venda, em 26-5-2017.
Emerge dos factos provados que os AA. tomaram conhecimento do defeito da bancada da cozinha e dos fechos em 2016, do estado do vazio sanitário em outubro de 2016 e da insuficiente vedação das caixilharias em 2017.
A questão que se perfila nos autos consiste em determinar se aquando da propositura da ação o direito dos AA. por força dos invocados defeitos no imóvel persistia ou se, ao invés, já se havia extinto pelo decurso do tempo.
A caducidade é uma forma de extinção dos direitos que atua quando estes, devendo ser exercidos em determinado prazo específico, o não sejam. Trata-se de uma figura que gera a cessação dos efeitos negociais, sem carácter retroativo. Prende-se com o direito de ação judiciária. A caducidade é estabelecida com o fim de, dentro de certo prazo, se tornar certa, se consolidar, se esclarecer determinada situação jurídica; por isso, o reconhecimento impeditivo da caducidade tem de ter o mesmo efeito de tornar certa a situação (Vaz Serra, Revista de Legislação e Jurisprudência, ano 107, p. 24).
Lê-se no ac. da Relação de Lisboa, de 21-3-2012 (proc. 209/09.1TVLSB-A.L1-2, Sérgio Almeida): quer a prescrição (impium remedium lhe chamaram os antigos) quer a caducidade assentam no não exercício do direito durante determinado período (cf. Mota Pinto, Teoria Geral do Direito, 3ª ed., 373); com a diferença que em regra na primeira o direito foi criado sem prazo de vida, mas extingue-se pelo não exercício duradouro; enquanto a caducidade (art.º 298/2, Código Civil) prende-se com a morte de um direito já criado com um certo prazo de vida (neste sentido diz Dias Marques que “a prescrição «mata» o direito, enquanto na caducidade é o direito que «morre»” – cf. Noções Elementares de Direito Civil, 7.ª ed., 118). E ao contrário da outra, a caducidade opera com prazos cegos, valorativamente neutros. As razões de uma de outra são diversas: enquanto a prescrição se prende com a negligência do titular do direito (o que permite compreender que tenha por consequência um direito potestativo a recusar o cumprimento da obrigação, doravante convolada em mera obrigação natural - art.º 303, 304, 304 e 402), a caducidade estriba-se em considerações de certeza e segurança jurídica, que acarretam a perda da titularidade do direito e, mais, a sua extinção.
No que concerne aos defeitos no contrato de empreitada, dispõe o art.º 1225.º/1 do C.C. que, sem prejuízo do disposto no art.º 1219.º e seguintes, se a empreitada tiver por objeto a construção, modificação ou reparação de edifícios ou outros imóveis destinados por sua natureza a longa duração e, no decurso de cinco anos a contar da entrega, ou no decurso do prazo de garantia convencionado, a obra, por vício do solo ou da construção, modificação ou reparação, ou por erros na execução dos trabalhos, ruir total ou parcialmente, ou apresentar defeitos, o empreiteiro é responsável pelo prejuízo causado ao dono da obra ou a terceiro adquirente.
Assente-se, assim, em que estando em causa defeitos da obra, a responsabilidade do empreiteiro perdura durante cinco anos.
Nos termos do n.º 2, a denúncia, em qualquer dos casos, deve ser feita dentro do prazo de um ano e a indemnização deve ser pedida no ano seguinte à denúncia, ou seja, o dono da obra (como o comprador) tem de exercer judicialmente o seu direito após a denúncia do defeito ao vendedor/construtor, dentro do prazo de um ano (cf. ainda os artigos 298.º/2 e 267.º/1 do C.C.).
Prevê o n.º 3 que os prazos previstos no número anterior são igualmente aplicáveis ao direito à eliminação dos defeitos previstos no art.º 1221.º.
E o n.º 4 que o disposto nos números anteriores é aplicável ao vendedor do imóvel que o tenha construído, modificado ou reparado.
Estes os prazos a tomar em atenção também para efeitos de prazo de caducidade para o exercício de reparação de coisa defeituosa.
O art.º 1225.º do C.C. abarca, pois, três prazos de caducidade: o prazo de garantia (supletivo) de 5 anos, contados a partir da entrega do imóvel ao adquirente; o prazo de 1 ano, a contar do conhecimento do defeito, para exercer o direito de denúncia e o prazo de 1 ano, subsequente à denúncia, dentro do qual terá de ser instaurada a ação destinada a exercitar o direito à eliminação dos defeitos ou à indemnização (cf. ac. do S.T.J., de 14-1-2014, proc. 378/07.5TBLNH.L1.S1, Moreira Alves).
Na sentença vem sustentada a aplicação ao caso concreto do regime das garantias da venda de bens de consumo, previsto no decreto-lei 67/2003, de 8 de abril, que transpôs para a ordem jurídica nacional a Diretiva 1999/44/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de maio de 1999, sobre aspetos da venda de bens de consumo e das garantias a ela relativas, com as alterações introduzidas pelo decreto-lei 84/2008, de 21 de maio.
O decreto-lei 67/2003, de 8 de abril foi revogado pelo decreto-lei 84/2021, de 18/10. Este diploma, aplicável aos contratos celebrados após a sua entrada em vigor (cf. art.º 53.º), mais acentuou os direitos dos consumidores. Assinaladamente, eliminou a obrigação que impendia sobre o consumidor de denunciar o defeito dentro de determinado prazo após o seu conhecimento, restabelecendo-se a inexistência de obstáculos ao exercício de direitos de que o consumidor dispõe durante o prazo de garantia dos bens. Reforçam-se ainda os direitos do consumidor em caso de falta de conformidade dos bens imóveis, alargando-se o prazo de garantia dos bens imóveis a respeito de faltas de conformidade relativas a elementos construtivos estruturais para 10 anos, mantendo-se o atual prazo de cinco anos quanto às restantes faltas de conformidade.
A posição assumida na sentença recorrida de aplicação do decreto-lei 84/2008, de 21 de maio é amplamente defensável, já que os AA. se assumem como não profissionais, estando em causa uma moradia particular.
Em termos de empreitada de consumo é possível definir três prazos de caducidade, quais sejam o prazo para a denúncia dos defeitos (vícios ou desconformidades) e a contar do seu conhecimento; o prazo para o exercício dos direitos (v.g., de eliminação dos defeitos) a contar da denúncia e o prazo máximo de garantia (os defeitos devem evidenciar-se ou manifestarem-se dentro daquele período temporal).
Em súmula, neste regime legal é de três anos, a contar da denúncia, o prazo para a caducidade dos direitos dos consumidores, no confronto com profissionais, quando se trate da compra e venda de um imóvel defeituoso. Este regime tinha como vantagem, na ótica do consumidor, relativamente ao estatuído no Código Civil, no que concerne a prazos, o facto de no n.º 3 do seu art.º 5.º-A se prever que o prazo de caducidade sobre a data da denúncia é de três anos.
Sumaria-se no ac. da Relação do Porto de 21-3-2022 (proc. 3072/16.2T8VNG.P1, Jorge Seabra):
I - Versando o contrato de empreitada de consumo um bem imóvel (edificação ou reconstrução de um novo imóvel), os aludidos prazos são os seguintes:
a) Quanto ao primeiro prazo (denúncia) vale, no âmbito da empreitada de consumo, não o prazo de 30 dias previsto no artigo 1220.º, n.º 1, do Código Civil, mas o prazo de 1 ano, a contar da data em que tiver sido detetado o defeito – artigos 1225.º, n.º 2 e artigo 5.º-A, do DL n.º 67/2003 de 8.04.
b) Quanto ao segundo prazo (exercício do direito) vale, no mesmo caso, o prazo de 3 anos, a contar da denúncia dos defeitos – vide artigo 5.º-A, n.º 3 do DL n.º 67/2003.
c) Por seu turno, quanto ao terceiro prazo (garantia), vale para o mesmo caso, não o prazo de 2 anos previsto no artigo 1224.º, n.º 2 do Código Civil, mas o prazo de 5 anos a contar da entrega do imóvel, em conformidade com o previsto nos artigos 1225.º, n.º 1 do Cód. Civil e 5º, n.º 1 do mesmo DL n.º 67/2003.
A denúncia do defeito funciona como o ato do credor que certifica e comunica ao devedor o seu cumprimento defeituoso para que este possa corrigir a prestação e ainda como pressuposto para o exercício posterior do direito de ação.
No caso dos autos, consta do facto assente n.º 11 que os AA. iam comunicando à R. os problemas existentes na moradia, por via telefónica, à medida que os mesmos iam surgindo, solicitando e aguardando uma resolução para os mesmos.
Mais se apurou que os AA. denunciaram os defeitos do imóvel pelo menos em 18-9-2018, por intermédio de notificação judicial avulsa.
Não se obnubila que os invocados defeitos não se terão manifestado todos de imediato e com a mesma intensidade, extensão, grau ou relevância.
A presente ação foi proposta em 21-5-2019.
Forçoso é, pois, concluir, que quer o direito de denúncia, quer o direito à propositura de ação foram exercidos em devido tempo.
Defende, porém, a apelante que a sentença errou ao declarar a nulidade da cláusula quarta do contrato-promessa, dada por reproduzida no ponto 3 dos factos provados, ao abrigo do art.º 10.º/1 do decreto-lei 67/2003. A situação não teria enquadramento neste normativo. A cláusula não seria inovatória em relação ao regime previsto no diploma. Não excluiria, nem limitaria os direitos do consumidor previstos no diploma. Cingir-se-ia a clarificar que a partir da data aí indicada, a data da entrega e posse do imóvel, começariam a correr os prazos de denúncia de defeitos.
Consta do ponto 3 dos factos assentes que ficou convencionado entre as partes, no âmbito da cláusula quarta, n.º 1, que se os 2ºs Contraentes (ora apelados) viessem a ocupar a casa (ocorrendo a transmissão da posse), a garantia de construção começaria a correr a partir desse mesmo dia em que entravam na posse.
Segundo o art.º 10.º do aludido decreto-lei 67/2003, de 8 de abril, sob a epígrafe imperatividade, no seu n.º 1, sem prejuízo do regime das cláusulas contratuais gerais, é nulo o acordo ou cláusula contratual pelo qual antes da denúncia da falta de conformidade ao vendedor se excluam ou limitem os direitos do consumidor previstos no presente diploma.
Poder-se-á defender que a partir do momento da entrega os adquirentes estavam em condições de aferir do estado do imóvel. Não é, porém, inequívoco, nem que assim seja, nem que a sua perspetiva relativamente ao direito de denúncia seja a mesma, já que bem sabiam não ter ainda adquirido para si o direito de propriedade.
É forçoso concluir que a cláusula segunda a qual o prazo de denúncia se inicia em momento anterior ao da celebração da compra e venda limita inequivocamente os direitos dos AA.. Não assiste, por conseguinte, razão à recorrente na sua defesa de que a cláusula é consentânea com o regime legal.
Conclui-se que os AA., mesmo tomando em atenção a data da entrega do imóvel em data anterior á da compra e venda, denunciaram tempestivamente os defeitos e propuseram a ação em devido tempo.
Bem andou, por isso, a sentença recorrida ao desatender a exceção de caducidade invocada.
*
c - Do cumprimento defeituoso do contrato por parte da R.
Das alegações da apelante emerge que esta considera que devido à circunstância de a casa não ter sido entregue em estado de novo, os defeitos fariam parte integrante da coisa, sem que sobre si impendesse o dever de os reparar.
A apelante entende ter logrado provar o enquadramento da situação na cláusula de exclusão prevista do n.º 3 do art.º 2.º do decreto-lei 67/2003. Aí se estipula que não se considera existir falta de conformidade, na aceção do presente artigo, se, no momento em que for celebrado o contrato, o consumidor tiver conhecimento dessa falta de conformidade ou não puder razoavelmente ignorá-la ou se esta decorrer dos materiais fornecidos pelo consumidor.
Está em causa que os AA. tivessem conhecimento da falta de conformidade ou não pudessem razoavelmente ignorá-la.
Os vícios da coisa dividem-se essencialmente em três áreas.
A primeira reporta-se ao vazio sanitário (cf. ponto 7 dos factos assentes, alíneas a), b), c) e d)). Este consiste num espaço entre o chão e o piso térreo por onde o ar pode circular. Pelas suas caraterísticas intrínsecas não se trata de um espaço visível à vista desarmada e entendível por um leigo. É inaceitável a defesa de que os AA. teriam que ter tido conhecimento dos vícios reportados.
Quanto aos ralos de pinha na cobertura (alínea e), para além da localização em causa, trata-se, uma vez mais, de matéria de natureza eminentemente técnica, Não era exigível aos AA. que se apercebessem, ao menos num primeiro momento, da ausência dos ralos de pinha na cobertura.
No que se refere à necessidade de revisão das caixilharias e humidades (alíneas f), g) e h)), naturalmente, trata-se de questão que foi sendo suscitada pelo aparecimento de humidades. Como é sabido, não se trata de algo de surgimento imediato.
No tocante à bancada da cozinha e sua espessura, tampouco é exigível que os AA. soubessem qual a espessura indicada das bancadas.
Por referência à fissuração e à fragilidade das portas das caixilharias em alumínio, está provado no ponto 8) que os AA. tomaram conhecimento dos problemas existentes na bancada da cozinha e dos fechos das caixilharias em alumínio quando passaram a residir na habitação, o que ocorreu no ano de 2016. E no ponto 11 que os AA. iam comunicando à R. os problemas existentes na moradia, por via telefónica, à medida que os mesmos iam surgindo, solicitando e aguardando uma resolução para os mesmos. Se é certo que os AA. tomaram conhecimento destas questões quando passaram a viver no imóvel, o que, como já se viu, ocorreu em 2016, o contrato de compra e venda só em 26-5-2017 foi celebrado. Uma vez que vinham já reportando os defeitos e solicitando a sua resolução, não é defensável que se possa ter como inexistente a falta de conformidade nos termos e para os efeitos do preceituado no n.º 3 do art.º 2.º do decreto-lei 67/2003.
A objeção da R. não merece acolhimento.
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d - Do montante indemnizatório atinente aos danos não patrimoniais dos AA.: se deve haver lugar à revogação ou à alteração da condenação da R. no pagamento de indemnização por danos não patrimoniais.
A condenação da R. no pagamento de indemnização pela ansiedade e pelo desgosto causado, padecendo o A. marido de alguma dificuldade em adormecer foi posta em crise, quer sendo pedido que esta matéria fosse dada como não provada, quer quanto à fixação do montante da indemnização.
No âmbito da reapreciação da matéria de facto manteve-se o facto aludido.
No Código Civil de 1966 foi introduzida a norma genérica constante do art.º 496.º, declarando indemnizáveis todos os danos não patrimoniais, desde que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito.
Por aqui já se vê que o Código Civil não opera qualquer restrição quanto à origem dos danos de natureza não patrimonial, exigindo apenas que os danos revistam gravidade.
Perante a imaterialidade dos interesses em jogo, a indemnização dos danos não patrimoniais não tem por escopo a sua reparação económica, mas compensar o lesado pelo dano sofrido, proporcionando-lhe uma quantia pecuniária que lhe permita satisfazer interesses que apaguem ou atenuem o sofrimento causado pela lesão.
A compensação por danos não patrimoniais, para responder de forma atualizada ao comando do art.º 496.º do C.C., e constituir uma efetiva possibilidade compensatória, tem de ser significativa, viabilizando um lenitivo para os danos suportados e, porventura, a suportar.
Os danos não patrimoniais em questão tal como invocados são de molde a merecer a tutela do direito.
No que concerne ao montante indemnizatório, o que importa é não nos afastarmos do equilíbrio e do valor relativo das decisões jurisprudenciais mais recentes (ac. de 25 de junho de 2002 (www.dgsi.pt, proc. n.º 02A1321); nas palavras do acórdão deste Supremo Tribunal de 31 de Janeiro de 2012 (www.dgsi.pt, proc. nº 875/05.7TBILH.C1.S1), os tribunais não podem nem devem contribuir de nenhuma forma para alimentar a ideia de que neste campo as coisas são mais ou menos aleatórias, vogando ao sabor do acaso ou do arbítrio judicial. Se a justiça, como cremos, tem implícita a ideia de proporção, de medida, de adequação, de relativa previsibilidade, é no âmbito do direito privado e, mais precisamente, na área da responsabilidade civil que a afirmação desses vetores se torna mais premente e necessária, já que eles conduzem em linha reta à efetiva concretização do princípio da igualdade consagrado no art.º 13.º da Constituição (in ac. de 21-2-2013, proc. 2044/06.0TJVNF.P1.S1, Maria dos Prazeres Beleza).
Veja-se ainda o ac. Relação de Lisboa de 23-6-2022 (proc. 14842/20.7T8LSB.L1-6, Ana Azeredo Coelho): a questão da medida da indemnização implica um exercício de superior dificuldade qual seja o de traduzir quantitativamente o que é intrinsecamente qualitativo. Em consequência, têm de procurar-se critérios que levem à determinação do “indeterminável”, ou seja, a exprimir em valor patrimonial aquilo que o não tem, por ser de outra ordem. Nestas circunstâncias, o critério de fixação da indemnização funda-se na equidade, tem em conta os danos causados, o grau de culpa, a situação económica do lesado e do lesante e outras circunstâncias que concorram no caso – artigos 496º, nº3, e 494º, ambos do Código Civil – bem como a atribuição de uma indemnização cujo valor patrimonial proporcione nessa dimensão patrimonial algum conforto específico.
As concretas especificidades do caso concreto remetem-nos para o transtorno ocasionado aos AA. ao surpreenderem os defeitos elencados. Nestes avultam as humidades e as fragilidades com caixilharias em alumínio. Os transtornos arrastaram-se por vários anos - neste momento cerca de oito. A tanto acresce a inerente ansiedade sobre se a situação poderia ainda piorar e a falta de resposta da R.. Tem-se, assim, por razoável o montante indemnizatório fixado em 1.ª instância de € 1.500,00.
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V - Dispositivo
Nos termos sobreditos, acorda-se em julgar a apelação parcialmente procedente, na parte que integra a descrição dos defeitos a eliminar pela R. no que se refere às seguintes alíneas do ponto A do dispositivo da sentença:
A - 1: existe um tubo (de ventilação) que atravessa as duas moradias, mas do qual não são percetíveis as saídas para o exterior, em mais que um local e em sítios opostos, de modo a promover a circulação de ar;
A - 4: no vazio sanitário existem duas situações pontuais, de armaduras em varão, que não estão convenientemente protegidas com betão;
A - 6: no interior da habitação, a vedação das caixilharias necessita de revisão, porquanto existem situações de entrada de humidade.
A - 8: na zona da sala próxima do acesso ao escritório o pavimento flutuante apresenta desnivelamento em régua do soalho.
No mais, confirma-se a decisão recorrida, por razões que dela em nada dissentem.
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Custas pela apelante, que se fixam em 5/6 pela R. e em 1/6 pelos AA., atenta a proporção da sucumbência (art.º 527.º/1/2 do C.P.C.).
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Porto, 26-6-2025
Teresa Fonseca
Jorge Martins Ribeiro
Fátima Andrade