AMPLIAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
FACTUALIDADE INSTRUMENTAL
Sumário

I - Além de estar sujeita aos ónus previstos para a impugnação da decisão da matéria de facto, a ampliação da decisão da matéria de facto requer o preenchimento da previsão da parte final da alínea c) do nº 2 do artigo 662º do Código de Processo Civil, ou seja, que se considere indispensável a ampliação da decisão da matéria de facto.
II - A ampliação da decisão da matéria de facto, quando necessária, processar-se-á no tribunal ad quem, desde que para tanto constem do processo todos os elementos que permitam essa ampliação, pressupondo que sobre a matéria em causa foi produzida prova, com a devida observância do contraditório.
III - A ampliação da decisão da matéria de facto não constitui um expediente processual para incluir factualidade instrumental na factualidade provada, pois não se pode considerar matéria indispensável para a dilucidação das questões que importa resolver e à luz das diversas soluções plausíveis das questões de direito, já que tem apenas relevo probatório dos factos essenciais.
IV - Por força da sua função probatória da factualidade essencial, a matéria instrumental não deve constar nos fundamentos de facto, antes deve operar em sede de motivação da decisão da matéria de facto para justificar a prova ou a não prova de algum facto essencial que haja sido alegado por qualquer das partes.

Texto Integral

Processo: 1004/20.2T8PNF.P1

Sumário do acórdão proferido no processo nº 1004/20.2T8PNF.P1 elaborado pelo relator nos termos do disposto no artigo 663º, nº 7, do Código de Processo Civil:

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Acordam os juízes subscritores deste acórdão, da quinta secção, cível, do Tribunal da Relação do Porto:

1. Relatório

Em 16 de abril de 2020, com referência ao Tribunal de Penafiel, Comarca do Porto Este, AA[1] por si e em representação de seu filho menor, BB instaurou a presente ação declarativa sob forma comum contra A..., Lda., CC, DD, EE, FF, GG, HH, B... Unipessoal, Lda. e II formulando a final os seguintes pedidos:

A- Declarar-se que o menor BB é o único e universal herdeiro do falecido JJ, seu pai, falecido em 31 de Dezembro de 2016, ninguém mais concorrendo com ele, nem lhe preferindo, na herança de seu falecido pai.

B- Declarar-se que o prédio identificado no artigo 16 desta petição foi adquirido pelo falecido JJ e pela demandante AA, que, nessa altura, estavam casados, um com o outro, no regime de comunhão de adquiridos, e que nunca partilharam esse prédio, após o divórcio de ambos.

C- Declarar-se que o prédio identificado no artigo 16 desta acção é um bem comum da demandante AA, e do menor BB, em virtude dela ser meeira do património comum que constituíra com o falecido JJ, e que não partilhara após o divórcio de ambos, e dele (BB) por ser único e universal herdeiro de seu pai.

D- Declarar que o direito de propriedade sobre o prédio identificado no artigo 16 desta petição integra o património o património comum de que são únicos titulares a demandante AA e o seu filho BB, por ela representado nesta acção, desde o ano de 1981, porque assim o adquiriram por usucapião, em forma de aquisição originária, e por força da aquisição derivada, por compra, registada em 12 de Maio de 1997.

E- Condenar-se os DEMANDADOS a reconhecerem os pedidos precedentes alíneas A, B, C e D.

F- Declarar-se inexistente o contrato (dito) de compra e venda outorgado pelo falecido JJ e pela demandante AA, em 28 de Novembro de 2015, com a demandada “A..., S.A”, ou, se assim se não entender, nulo e de nenhum efeito.

G- Declarar-se nulo e de nenhum efeito o contrato de compra e venda outorgado em 19 de Dezembro de 2016, entre as demandadas “A..., S.A” e HH.

H- Declarar-se nulo e de nenhum efeito o contrato de compra e venda outorgado em 3 de Janeiro de 2017, entre as demandadas HH. E “A..., S.A”.

I- Declarar-se nulo e nenhum efeito o contrato de compra e venda outorgado em 24 de Junho de 2019 entre as demandadas “A..., S.A” “B... Unipessoal, Lda.”.

J- Ordenar-se o cancelamento de todos os registos que contendem com o direito referido nos pedidos B, C, D e E.”.

Para fundamentar as suas pretensões, em síntese, os autores alegaram que a demandante casou em 11 de agosto de 1996 com JJ, em primeiras e únicas núpcias de ambos e que esse casamento se dissolveu em 05 de julho de 2013, por divórcio; deste casamento, no dia 23 de outubro de 2009, nasceu BB; em 31 de dezembro de 2016, faleceu o pai do autor BB; BB é o único descendente do falecido JJ, não tendo este deixado qualquer disposição de última vontade; em 12 de maio de 1997, a demandante e o então seu marido, JJ, requereram o registo provisório da aquisição, por compra, a KK e mulher LL, registo de aquisição convertido em definitivo, no dia 10 de outubro de 1997, do prédio urbano sito no lugar ..., freguesia ..., concelho de Paços de Ferreira, composto por casa de cave e rés do chão destinada a indústria, com logradouro, descrito na Conservatória do Registo Predial de Paços de Ferreira sob o nº ... – ..., e inscrito nos artigos ... e ... da matriz urbana da freguesia ...; em 2 de abril de 2003, a demandante e o falecido JJ apresentaram a registo a constituição de duas hipotecas sobre o prédio ora identificado, em favor do Banco 1..., S.A., para garantia da restituição de empréstimos que o Banco referido lhes fez, sendo um no montante de € 70 107,98 e o outro no montante de € 54 481,65; com essas quantias foram restituídos outros empréstimos, cujas restituições estavam garantidas por outras hipotecas que oneravam o prédio em causa, tendo esses registos sido cancelados em 3 de junho de 2003; aquando da celebração dos contratos de mútuo referidos acima, foi também celebrado um contrato de seguro com a Companhia de Seguros C..., S.A. e a demandante e o então seu marido, em favor do Banco mutuante, para garantia de satisfação dos seus créditos resultantes desses mútuos, no caso de morte de um dos mutuários; em 28 de novembro de 2015, por documento particular, a demandante e o falecido JJ declararam que pelo preço total de € 74 800,00, já recebidos, vendem à representada do segundo outorgante, o seguinte bem imóvel: “- PRÉDIO URBANO – sito em ..., freguesia ..., concelho de Paços de Ferreira, composto por casa de cave e rés-do-chão e logradouro destinada a habitação do tipo t-três e casa do chão destinada a indústria com logradouro, descrito na Conservatória do Registo Predial de Paços de Ferreira sob o número .../..., registado a favor dos PRIMEIROS OUTORGANTES pela AP. ... de 1997/05/12, inscrito nas respectivas matrizes prediais urbanas sob o artigo ... e ... da freguesia ..., concelho de Paços de Ferreira, com os valores patrimoniais, respectivamente, de 59.980,00 € (cinquenta e nove mil e novecentos e oitenta euros) e 14.770,00 € (catorze mil setecentos e setenta euros) e declarados de 60.000,00 € (sessenta mil euros) e 14.800,00 € (catorze mil e seiscentos euros)”; que no prédio ou transmitido existem os seguintes ónus e encargos: a) Duas hipotecas voluntárias registadas a favor do Banco 1..., S.A; b) Uma penhora no valor 1.971,04 (mil novecentos e setenta e um euros e quatro cêntimos registada a favor da Fazenda Nacional; que para a fração ora transmitida foi emitida licença de utilização n.º ..., em 12/11/1976 pela Câmara Municipal ..., declarando o segundo outorgante que, na qualidade em que intervém, aceita o presente contratos nos termos exarados e que o referido prédio se destina a revenda; em 30 de novembro de 2015, foi feito o registo do ato ora descrito, passando a demandada “A..., S.A” a figurar no registo como dona desse prédio; aquando da outorga desse ato dito, a demandada “A..., S.A” era administrada pelo demandados CC e DD, intervindo esta em representação da sociedade neste ato; em 19 de dezembro de 2016, por documento particular, DD, representada por MM, em nome da “A..., S.A”, de quem continuava a ser administradora com CC, declarou que vendia à HH, tendo esta declarado que comprava, o prédio antes identificado, pelo preço de € 75 000,00; nesse documento, a representante da demandada DD disse que a sociedade que representava já tinha recebido o preço por que declarava vender o imóvel, enquanto a demandada HH, também declarou que já o tinha pago; no dia 26 de dezembro de 2016 foi feito o registo desse ato, ficando a HH a figurar no registo como dona do prédio; em 3 de janeiro de 2017, por documento particular, HH declarou que vendia à “A..., S.A”, representada por DD, que, em nome da sua representada, declarou que comprava, o prédio antes identificado, pelo preço de € 76 000,00; nesse documento, HH disse que já tinha recebido o preço por que declarava vender o imóvel, enquanto DD declarou que a sociedade sua representada tinha recebido esse preço; nesse mesmo dia 03 de janeiro de 2017 foi feito o registo desse ato, passando a “A..., S.A” a figurar novamente no registo como dona do prédio; em 05 de outubro de 2017, foi registada, por renúncia, a cessação de funções do Presidente do Conselho de Administração da “A..., S.A”, CC; nesse mesmo dia 05 de outubro de 2017, foi registada a designação da demandada EE para o cargo de Presidente do Conselho de Administração da “A..., S.A”; em 09 de abril de 2018, estando a propriedade do prédio objeto destes autos registada em nome da “A..., S.A”, foi outorgada uma denominada “Declaração de Compromisso de Honra”, entre esta sociedade, como “PRIMEIRA OUTORGANTE”, representada por DD, e a demandante; nesse documento, por DD, em nome da “A..., Lda.” e pela demandante, sob as cláusulas n.º 1.ª, 2.ª, 3.ª, 4.ª e 5.ª, foi declarado o seguinte: “Cláusula 1.ª Por contrato de compra e venda celebrado a 28 de Novembro de 2015 com a Segunda Outorgante e JJ, a Primeira Outorgante é dona e legítima proprietária do prédio urbano sito na freguesia ..., concelho de Paços de Ferreira, composto por casa de cave e rés-do-chão e logradouro destinada a habitação do tipo T3 e casa de rés do chão destinada a indústria com logradouro, descrito na Conservatória do Registo Predial de Paços de Ferreira sob o nº .... Cláusula 2.ª O referido tem duas hipotecas voluntárias registadas a favor do Banco 1... S.A, respectivamente pelas Ap. ... de de 2003/04/02 e Ap. ... de 2003/04/02. Cláusula 3.ª Em virtude do óbito de JJ a 31 de Dezembro de 2016, a Segunda Outorgante vai intentar acção judicial contra a Companhia de Seguros C..., S.A com vista à efectivação do seguro do crédito habitação celebrado sob a apólice n.º .... Cláusula 4.ª As despesas inerentes à acção judicial serão da exclusiva responsabilidade da Primeira Outorgante, designadamente no que respeita aos honorários de mandatário judicial e taxas de justiça, sem prejuízo de eventual apoio judiciário concedido à Terceira Outorgante na modalidade de dispensa de pagamento de taxa de justiça e demais encargos com o processo. Cláusula 5.ª 1. A procedência da acção judicial importará a transmissão da propriedade do imóvel descrito na cláusula 1.ª para a segunda Outorgante por escritura a realizar em 60 dias após o trânsito em julgado da sentença. 2. A escritura será realizada em local a designar pela Primeira Outorgante que interpelará a Segunda outorgante por carta registada com a antecedência de 8 dias sobre a data da realização da escritura. 3. Na data da celebração da escritura a Segunda Outorgante liquidará o valor em dívida à Primeira Outorgante de €34.000,00 (trinta e quatro mil euros), no entanto da escritura resultará a transmissão da propriedade pelo valor de € 75 mil euros em virtude das mais-valias. Cláusula 6.ª 1. A improcedência da acção judicial importará a colocação à venda do imóvel descrito na cláusula 1.ª nos 8 dias seguintes ao trânsito em julgado da sentença pelo valor mínimo de € 110.000,00 (cento e dez mil euros), ou em valor inferior desde que os dois estejam de acordo e seja feito por escrito”; em 6 de dezembro de 2018, com fundamento em renúncia, foi registada a cessação de funções da Vice-Presidente do Conselho de Administração da “A..., S.A”, DD; em 6 de dezembro de 2018, foi registada nova composição do Conselho de Administração da “A...,S.A”, o qual passou a ser composto por EE, como Presidente, e GG, como Vice-Presidente; na declaração de 09 de abril de 2018 foi declarado que a autora ia intentar uma ação contra a seguradora que garantiu o pagamento dos valores em dívida ao Banco que era beneficiário das hipotecas que incidiam sobre o prédio; a ação foi intentada e correu seus termos nos autos do Processo n.º 1409/18 do Juízo Central Cível de Penafiel – Juiz 2, e, no âmbito desse processo, foi feito acordo, nos termos do qual a seguradora pagou ao Banco as dívidas garantidas pelas ajuizadas hipotecas, sendo posto termo à execução que já corria seus termos e a respetiva penhora foi cancelada; em 12 de junho de 2019, a autora interpelou a demandada “A...,S.A”, para honrar a cláusula 5ª da declaração de 09 de abril de 2018, no prazo de oito dias; a “A...,S.A” não deu resposta (até hoje) a essa carta, que terá recebido até ao dia 17 de junho de 2019; recebida a interpelação que a autora lhe remeteu, em 24 de junho de 2019, a “A..., S.A”, por documento particular, FF, na qualidade de procurador da “A..., S.A”, declarou vender à “B... Unipessoal, Lda”, representada pelo seu único sócio e gerente, II, declarando este, em nome da sociedade que representava, comprar o prédio objeto destes autos; na autenticação deste contrato de compra e venda, o autor da autenticação disse que “o pagamento foi efetuado através do cheque n.º ..., da Banco 2... datado de 24/06/2019”; no dia 27 de junho de 2019 foi feito o registo desse ato, passando a “B... Unipessoal, Lda.” a figurar no registo como dona do prédio; a sociedade “B... Unipessoal, Lda.” foi constituída em 23 de novembro de 2018 por II e desde a sua constituição da sociedade até ao presente, o demandado II é o seu único sócio e gerente; para além do “negócio” realizado em 24 de junho de 2019, nunca a referida sociedade fez qualquer negócio de relevo e nunca dispôs de meios financeiros para pagar o preço desse negócio; em 21 de agosto de 2019, foi registada a transformação da “A..., S.A”, em sociedade por quotas, passando a denominar-se “A..., Lda”; o capital social da sociedade manteve-se no valor de € 250.000,00, passando a ficar dividido em duas quotas, sendo uma de € 247.500,00, pertencente a EE, e a outra de 2 500 euros, pertencente a GG, passando a gerência desta sociedade a ser exercida por EE; ao contrário do que foi alegado no contrato de compra e venda, assinado em 28 de novembro de 2015, pela autora e JJ, que tomaram a posição de vendedores, e a “A..., S.A, que tomou a posição de compradora, é falso que a “A..., S.A” tivesse pago à autora e ao JJ a quantia de € 74.800,00 a título do preço da compra; as negociações entre as partes foram conduzidas por JJ e do lado da “A..., S.A”, por CC e por FF; essas negociações foram motivadas pelo facto do falecido JJ e a autora não disporem de meios nem rendimentos para continuarem a pagar ao Banco 1... as prestações devidas pelo reembolso dos empréstimos deste recebidos e garantidos pelas hipotecas antes referidas; dessas negociações resultou a convicção do falecido JJ de que CC e FF, amigos do referido NN [[2]], conseguiriam da banca um empréstimo de € 110.000,00, desde que o prédio objeto destes autos “fosse posto em nome da sua sociedade”, a “A..., S.A”; recebida essa quantia seriam pagas ao Banco 1... as dívidas que o JJ e a autora tinham perante esse banco, que, na altura, somavam cerca de € 75.000,00, e,com a restante quantia, seriam pagas despesas e impostos das transações a efetuar, ficando a “A..., S.A” com um lucro de € 10.000,00, sendo o remanescente entregue ao JJ e à autora; foi com base no acordo assim definido que o JJ e a autora tomaram a decisão de, em 28 de novembro de 2015, declarar que vendiam à “A..., S.A” o prédio objeto destes autos e nos termos referidos no documento outorgado nesse dia; a necessidade de pagarem as devidas garantidas pelas hipotecas que impendiam sob o ajuizado prédio e ainda receberem cerca de € 30.000,00, determinou a autora e o falecido JJ a declarar que vendiam o identificado prédio, e a confiança que tinham nos administradores da compradora e no referido NN determinou-os a acreditar que era necessário transmitir primeiro a propriedade do prédio para a sociedade, para esta obter o empréstimo com que seriam pagas as suas dívidas; CC e DD não quiseram comprar o prédio objeto destes autos, pois quiseram sim desapropriar os donos desse prédio através dos atos que praticaram, bem sabendo que desse modo causavam às pessoas que assim enganaram, a autora e o JJ, um dano de cerca € 110 000,00; para evitar a possibilidade da declaração judicial da invalidade do ato celebrado em 28 de novembro de 2015, CC e DD congeminaram sucessivas e aparentes vendas desse prédio para tornar difícil, ou impossível, a declaração de nulidade desse ato, contando para o efeito com a comparticipação dos demais demandados.

Citados, B..., Lda. e II contestaram impugnando o valor da causa, suscitando a ilegitimidade ativa da autora e a ilegitimidade passiva dos réus CC, DD, EE, FF e GG, excecionaram a caducidade da ação por força do disposto no nº 2 do artigo 291º, do Código Civil, impugnaram a generalidade da factualidade alegada na petição inicial e concluem pedindo a correção do valor da causa, a notificação da autora para oferecer habilitação de herdeiros por óbito de JJ com data anterior à data da propositura da ação, a absolvição da instância do réu II por ilegitimidade passiva e, assim não se entendendo, a caducidade da ação com consequente absolvição do pedido dos réus e, assim não se entendendo, a total improcedência da ação por não provada e consequente absolvição do pedido dos réus.

Citados, A..., Lda., CC, DD, EE, FF e GG contestaram impugnando o valor da causa, suscitando a ilegitimidade ativa da autora e a ilegitimidade passiva dos réus CC, DD, EE, FF e GG, impugnaram a generalidade da factualidade alegada na petição inicial, alegando, além do mais, factos tendentes a concluir que o JJ e o progenitor deste contraíram empréstimos junto de FF, no montante de € 73.668,93, valores que nunca foram liquidados, além de outros relativos aos preços de bens que lhes foram fornecidos, sendo o negócio de 28 de novembro de 2015 celebrado para garantia do pagamento dessas dívidas e deduzindo o réu FF reconvenção pedindo a condenação dos autores ao pagamento da quantia de € 17.368,21, a que acresce, na eventualidade de procedência da ação, a importância de € 82.868,15, concluindo pedindo a correção do valor da causa, a notificação da autora para oferecer habilitação de herdeiros por óbito de JJ com data anterior à data da propositura da ação, a absolvição da instância dos réus CC, DD, EE, FF e GG por ilegitimidade passiva e, assim não se entendendo, a total improcedência da ação por não provada e consequente absolvição do pedido dos réus, pedindo ainda, em todo o caso a procedência do pedido reconvencional com a condenação dos autores ao pagamento ao réu FF da quantia de € 17.368,21, a que acresce, na eventualidade de procedência da ação, a importância de € 82.868,15.

Os autores replicaram contestando a reconvenção pugnando pela sua inadmissibilidade e pronunciaram-se sobre as exceções deduzidas nas contestações pugnando pela sua total improcedência.

Realizou-se audiência prévia fixando-se o valor da causa após admissão da reconvenção no montante global de € 92 168,21, proferiu-se despacho saneador julgando-se improcedentes as exceções de ilegitimidade suscitadas pelos contestantes, relegando-se para final o conhecimento da exceção de caducidade, identificou-se o objeto do litígio, discriminaram-se os factos que já se podiam considerar assentes, enunciaram-se os temas da prova e conheceu-se dos requerimentos probatórios.

Determinou-se a realização de perícia colegial, tendo o relatório pericial sido junto aos autos em 10 de setembro de 2021.

Em 30 de setembro de 2021, a autora veio requerer a intervenção principal do lado passivo da sociedade D..., Lda..

Os réus opuseram-se ao incidente de intervenção principal.

Em 28 de outubro de 2021 foi admitido articulado superveniente alegadamente deduzido em 30 de setembro de 2021 e bem assim a intervenção principal provocada da sociedade D..., Lda..

Citada, a sociedade D..., Lda. contestou alegando ter adquirido de boa-fé e ser terceira, pugnando pela improcedência da ação, na parte que lhe diz respeito.

A autora replicou impugnando a defesa por exceção deduzida pela interveniente e suscitou a falsidade da prova documental oferecida pela mesma.

Em 27 de janeiro de 2022 foi proferido despacho a ampliar a matéria de facto assente e bem assim os temas da prova, conheceu-se dos meios de prova requeridos, determinando-se a ampliação da perícia.

Em 16 de março de 2022 foi junto aos autos relatório pericial pronunciando-se sobre as reclamações deduzidas contra o relatório pericial oferecido em 10 de setembro de 2021.

Em 20 de novembro de 2022, detetada a falta de citação da ré HH, ordenou-se que fosse citada e para, querendo, ratificar o processado já realizado.

Frustraram-se a citação postal e rogatória da ré HH, determinando-se então a sua citação edital.

Procedeu-se à citação edital da ré HH e, não tendo esta tido qualquer intervenção nos autos, ordenou-se a citação do Ministério Público em sua representação.

Citado o Ministério Público em representação de HH, não foi oferecida qualquer contestação.

Em 15 de novembro de 2023 foi proferido despacho a julgar sanada a falta de citação de HH e designaram-se datas para realização da audiência final.

A audiência final realizou-se em cinco sessões e em 23 de maio de 2024 foi proferida sentença[3] que terminou com o dispositivo que na parte pertinente ao conhecimento do objeto do recurso se reproduz de seguida:

Atento o exposto, julga-se a ação parcialmente procedente e, por consequência, declara-se que o menor BB é o único e universal herdeiro de JJ, seu pai, falecido em 31 de dezembro de 2016, ninguém mais concorrendo com ele, nem lhe preferindo, na herança de seu falecido pai, e que o prédio identificado no ponto 13.º dos factos provados foi adquirido pelo falecido JJ e pela demandante AA, que, nessa altura, estavam casados, um com o outro, no regime de comunhão de adquiridos, e que nunca partilharam esse prédio, após o divórcio de ambos, absolvendo-se os Réus do demais pedido, e julga-se a reconvenção improcedente, em consequência do que se absolvem os Reconvindos do pedido.

Em 09 de julho de 2024, inconformada com a sentença cujo dispositivo precede, AA interpôs recurso de apelação, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões:

(…)

Em 05 de setembro de 2024, no mesmo ato, A..., Lda., CC, DD, EE, FF, GG e B... Unipessoal, Lda. vieram oferecer contra-alegações, FF interpôs recurso subordinado subsidiário e A..., Lda. e B... Unipessoal, Lda. requereram ampliação do âmbito do recurso.

A..., Lda., CC, DD, EE, FF, GG e B... Unipessoal, Lda. pugnaram nas suas contra-alegações pela rejeição da impugnação da decisão da matéria de facto por inobservância dos ónus previstos nas alíneas a), b) e c) do nº 1 do artigo 640º do Código de Processo Civil e, no que tange à matéria de direito, pedem a confirmação da decisão recorrida.

A..., Lda. requereu a ampliação do âmbito do recurso oferecendo as seguintes conclusões:

(…)

Finalmente, ainda no mesmo ato, B... Unipessoal, Lda. requereu ampliação do âmbito do recurso, oferecendo para o efeito as seguintes conclusões:

(…)

O recurso interposto por AA foi admitido como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e no efeito meramente devolutivo.

Os autos foram aos vistos das Excelentíssimas Colegas que integram o coletivo, cumprindo agora apreciar e decidir.

2. Questões a decidir tendo em conta os objetos dos recursos delimitados pelos recorrentes nas conclusões das suas alegações e bem assim pelas recorridas nas ampliações do âmbito do recurso (artigos 635º, nºs 3 e 4 e 639º, nºs 1 e 3, ambos do Código de Processo Civil), por ordem lógica e sem prejuízo da apreciação de questões de conhecimento oficioso, observado que seja, quando necessário, o disposto no artigo 3º, nº 3, do Código de Processo Civil

2.1 Da apelação interposta por AA:

2.1.1 Da nulidade da sentença recorrida por ostensivas contradições na apreciação da prova e na aplicação do direito e por enfermar de ambiguidade que a torna parcialmente ininteligível;

2.1.2 Da impugnação da decisão da matéria de facto;

2.1.3 Da repercussão da eventual alteração da decisão da matéria de facto na ação.

2.2 Da ampliação do âmbito do recurso requerida por A..., Lda.:

2.2.1 Da impugnação do ponto 14 dos factos provados e 36 dos factos não provados;

2.2.2 Dos reflexos na posição jurídica da A..., Lda. da eventual alteração da decisão da matéria de facto.

2.3 Do recurso subordinado subsidiário interposto por FF:

2.3.1 Da impugnação do ponto 19 dos factos não provados;

2.3.2 Dos reflexos da eventual alteração da decisão da matéria de facto na reconvenção subsidiária deduzida pelo recorrente subordinado.

2.4 Da ampliação do âmbito do recurso requerida por B... Unipessoal, Lda.:

2.4.1 Da caducidade do direito potestativo da autora de opor a nulidade do contrato de compra e venda celebrado em 28 de novembro de 2015 à recorrida B... Unipessoal, Lda..

3. Fundamentos

3.1 Da nulidade da sentença recorrida por ostensivas contradições na apreciação da prova e na aplicação do direito e por enfermar de ambiguidade que a torna parcialmente ininteligível

No ponto quadragésimo segundo das suas alegações e na trigésima terceira conclusão das suas alegações de recurso, a recorrente suscita a nulidade da sentença recorrida por ostensivas contradições na apreciação da prova e na aplicação do direito e por enfermar de ambiguidade que a torna parcialmente ininteligível, afirmando para tanto e tão-só que a sentença “é nula por ocorrerem ostensivas contradições na apreciação da prova e na aplicação do direito, bem como sofre ambiguidades que a tornam parcialmente ininteligível, além de que é ostensiva a errada apreciação da prova (art.º 615.º, n.º 1, al. B, c) e d) e art.º 607.º 3 e 4 do C. P. Civil).

Cumpre apreciar e decidir.

Antes de mais enquadremos normativamente esta arguição de nulidade e tendo em atenção as previsões legais que a recorrente afirma estarem preenchidos, ou seja as alíneas b), c) e d) do nº 1 do artigo 615º do Código de Processo Civil.

De acordo com o previsto no artigo 615º, nº 1, alínea b) do Código de Processo Civil, é nula a sentença que não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão.

Tradicionalmente, invocando-se os ensinamentos do Professor Alberto dos Reis[4], é recorrente a afirmação de que o vício em análise apenas se verifica quando ocorre falta absoluta de especificação dos fundamentos de facto ou dos fundamentos de direito.

No entanto, no atual quadro constitucional (artigo 205º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa), em que é imposto um dever geral de fundamentação das decisões judiciais, ainda que a densificar em concretas previsões legislativas, de forma a que os seus destinatários as possam apreciar e analisar criticamente, designadamente mediante a interposição de recurso, nos casos em que tal for admissível, parece que também a fundamentação de facto ou de direito insuficiente, em termos tais que não permitam ao destinatário da decisão judicial a perceção das razões de facto e de direito da decisão judicial, deve ser equiparada à falta absoluta de especificação dos fundamentos de facto e de direito e, consequentemente, determinar a nulidade do ato decisório[5].

O artigo 615º, nº 1, alínea c) do Código de Processo Civil prevê que é nula a sentença quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível.

O vício previsto na primeira parte da alínea em análise verifica-se sempre que a fundamentação de facto e de direito da sentença proferida apontam num certo sentido e, depois, inopinadamente, surge um dispositivo que de todo não se coaduna com as premissas, sendo assim um vício na construção da sentença, um vício lógico nessa peça processual distinto do erro de julgamento que ocorre quando existe errada valoração da prova produzida, errada qualificação jurídica da factualidade provada ou errada determinação ou interpretação das normas legais aplicáveis.

Já o vício previsto na segunda parte da aludida previsão legal, decorrente da eliminação do fundamento de esclarecimento da sentença previsto anteriormente na alínea a), do nº 1, do artigo 669º do Código de Processo Civil, na redação que vigorava antes da vigência do atual Código de Processo Civil, aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26 de junho, ocorre sempre que alguma ambiguidade ou obscuridade, torne a decisão ininteligível. Ocorre ambiguidade sempre que certo termo ou frase sejam passíveis de uma pluralidade de sentidos e inexistam meios de, com segurança, determinar o sentido prevalecente. Verifica-se obscuridade, sempre que um termo ou uma frase não têm um sentido que seja percetível, determinável. Quer a ambiguidade, quer a obscuridade têm que se projetar na decisão, tornando-a incompreensível, insuscetível de ser apreciada criticamente por não se alcançarem as razões subjacentes e comprometendo a sua própria execução por força de tais vícios.

Nos termos do disposto no artigo 615º, nº 1, alínea d), do Código de Processo Civil, a sentença é nula sempre que o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.

Estabelece-se nesta previsão legal a consequência jurídica pela infração do disposto no artigo 608º, primeira parte do nº 2, do Código de Processo Civil. No entanto, como ressalva a segunda parte do número que se acaba de citar, o dever de o juiz apenas conhecer das questões suscitadas pelas partes cede quando a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.

As questões a decidir são algo de diverso dos argumentos aduzidos pelas partes para sustentar as posições que vão assumindo ao longo do desenvolvimento da lide[6]. As questões a decidir reconduzem-se aos concretos problemas jurídicos que o tribunal tem que necessariamente solver em função da causa de pedir e do pedido formulado, das exceções e contra-exceções invocadas, enquanto os argumentos são as razões ou fundamentos aduzidos para sustentar uma certa resposta a uma questão jurídica.

Importa salientar que a vinculação do tribunal às concretas questões ou problemas suscitados pelas partes é compatível com a sua liberdade de qualificação jurídica (artigo 5º, nº 3, do Código de Processo Civil). Por isso, o tribunal pode, sem violação da sua vinculação à problemática invocada pelas partes, qualificar juridicamente de forma diferente essas questões.

Ressalvado o caso da falta de assinatura do julgador (artigo 615º, nº 1, alínea a) e nº 2 do Código de Processo Civil), as restantes nulidades da sentença constituem uma patologia que não é de conhecimento oficioso (artigo 615º, nº 2, a contrario sensu e nº 4, ambos do Código de Processo Civil).

Daí que recaia sobre o arguente desta patologia o ónus de alegar os factos concretos que sustentam a arguição de nulidade.

A arguição de nulidade da sentença recorrida pela recorrente nas suas alegações e conclusões das alegações é genérica e, inequivocamente, não se reconduz à falta de fundamentação de facto e ou de direito da sentença recorrida, pelo que em caso algum se pode considerar preenchida a previsão da alínea b) do nº 1 do artigo 615º do Código de Processo Civil.

A alegada existência de ostensivas contradições na apreciação da prova e na aplicação do direito, além de genérica, pois não vêm individualizadas as concretas contradições na apreciação da prova e na aplicação do direito, não se enquadra em qualquer dos fundamentos de nulidade da sentença.

A eventual contradição no julgamento da decisão a matéria de facto constitui fundamento de conhecimento oficioso pelo Tribunal da Relação, nos termos previstos na alínea c) do nº 2 do artigo 662º do Código de Processo Civil e pode determinar a anulação total ou parcial da sentença ou, sempre que o processo contenha todos os elementos que permitam a alteração da decisão recorrida proferida sobre a matéria de facto. Trata-se de patologia que inquina a sentença de ilegalidade por erro na apreciação da matéria de facto, mas não integra nulidade da sentença recorrida.

Também a eventual contradição no julgamento da matéria de direito que não vem sequer individualizada pela recorrente determina a ilegalidade da decisão, patologia sindicável, nos termos gerais, em via de recurso, mas não constitui fundamento de nulidade da sentença.

A recorrente afirma que a sentença recorrida padece de nulidade por força de ambiguidades que a tornam parcialmente ininteligível. Porém, abstém-se de enunciar quais são essas ambiguidades a fim de por um lado verificar se de facto existem e, verificando-se, se são sanáveis por via interpretativa ou, não sendo esse o caso, se determinam a nulidade do ato decisório.

Uma vez mais, a recorrente não cuidou de substanciar esta arguição de nulidade o que obsta à sua procedência.

Finalmente, a recorrente sustenta que a sentença padece de nulidade por ostensiva errada apreciação da prova, sem uma vez mais cuidar de individualizar os casos em que tal alegado erro ocorreu.

O erro na apreciação da prova, seja ele ostensivo ou não, é um típico erro de julgamento da matéria de facto, sindicável em via de recurso através da impugnação da decisão da matéria de facto (veja-se o artigo 640º do Código de Processo Civil) e, sendo procedente, implica a alteração da decisão da matéria de facto e só excecionalmente a anulação da decisão recorrida, desde que se preencha a previsão da alínea c) do nº 2 do artigo 662º do Código de Processo Civil.

Por isso, mesmo que esta alegada patologia existisse, nunca seria caso de nulidade da sentença recorrida.

Assim, face ao exposto, improcedem as arguições de nulidade da sentença recorrida.

3.2 Da impugnação da decisão da matéria de facto

A recorrente insurge-se contra a decisão da matéria de facto detalhando no corpo das suas alegações os pontos de facto provados e não provados que motivam a sua insatisfação.

No corpo das alegações, a recorrente manifesta a sua insatisfação contra os pontos 16, 17, 24, 34, 47, 49 a 52, todos dos factos provados e bem assim contra os factos 1 a 18 dos factos não provados e 27 a 32 dos mesmos factos.

Estes pontos de facto têm o seguinte conteúdo:

- A “A..., S.A.” passou a pagar as prestações do crédito bancário em dívida ao Banco 1... (ponto 16 dos factos provados);

- A “A..., S.A.” permitiu que o KK ficasse a residir na parte do imóvel afeta à habitação (ponto 17 dos factos provados);

- Nesse documento, a demandada HH disse que já tinha recebido o preço por que declarava vender o imóvel, enquanto a demandada DD declarou que a sociedade sua representada tinha recebido esse preço (cf. doc. 7 junto com a PI, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido) (ponto 24 dos factos provados);

- Em 12 de junho de 2019, a demandante interpelou a demandada “A..., S.A.”, nos termos constantes da carta:

«Conforme é do conhecimento de V. Exas, sobre o imóvel descrito em assunto, com data de 28-11-2015, foi feito um contrato de compra e venda entre mim, o meu falecido (ex)marido, JJ, e a v/sociedade imobiliária, destinado a garantir um empréstimo tratado por nós, e pelo pai do meu falecido marido, com o Exmo. Sr. CC, uma vez que o preço mencionado no referido contrato não foi pago nem recebido.

Como é também do v/ conhecimento, o falecimento do meu marido (e suas circunstâncias) deu origem a um contencioso com a Companhia de Seguros C... S.A. que terminou com um acordo a partir do qual foi efectivada a responsabilidade do seguro para pagamento do crédito garantido por hipoteca(s) sob o imóvel.

Nos termos da cláusula 5.ª da “Declaração de Compromisso de Honra” de 9 de Abril de 2018, a procedência da ação judicial importará a transmissão da propriedade do imóvel para a aqui signatária, por escritura a realizar em 60 dias após o trânsito em julgado da sentença, sendo que tal escritura será realizada em local a designar por V. Exas. mediante aviso com oito dias de antecedência por carta registada.

Acresce de que, na data da realização da escritura, a signatária liquidará a V. Exas. o valor em dívida no montante de € 34.000,00 (trinta e quatro mil euros), ainda que o valor a constar no documento de transmissão da propriedade seja de € 75.000,00

(setenta e cinco mil euros), por virtude de mais-valias fiscais.

Ora, nesta data, ainda não foi transmitida a propriedade do referido imóvel, conforme previsto no “Compromisso de Honra”, nem recebi qualquer carta com a marcação da escritura.

Em face do exposto, venho solicitar a V. Exas. por mim e em representação do meu filho menor BB, herdeiro de JJ, que marquem a referida escritura, num prazo de oito dias, conforme exarado no aludido contrato, sob pena de acionar os meios legais ao dispor.

Sem mais assunto de momento, apresento a V. Exas. os meus melhores cumprimentos» (cf. doc. 10 junto em 20/4/2020, cujo teor aqui se dá por reproduzido) (ponto 34 dos factos provados).

- Nas ocasiões referidas nos pontos que antecedem não constava do registo dos imóveis a instauração desta ação (ponto 47 dos factos provados).

- O gerente da D..., Lda., OO, foi pessoa de relações próximas do falecido JJ, marido da autora (ponto 49 dos factos provados);

- Após a celebração do negócio referido em 13, o réu FF procedeu à transferência dos seguintes valores:

a) € 6.464,08 (seis mil, quatrocentos e sessenta e quatro euros e oito cents) para contas tituladas por KK e JJ – conforme documentos n.ºs 4 e 5, junto com a Contestação respetiva, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;

b) € 2.607,36 (dois mil, seiscentos e sete euros e trinta e seis cents) para conta titulada por JJ, conforme documento n.º 6, junto com a Contestação, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;

c) € 600,00 (seiscentos euros) para conta titulada por JJ – conforme documento n.º 8, junto com a contestação, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido (ponto 50 dos factos provados);

- Após o decesso do JJ, o réu FF liquidou dívidas daquele à Autoridade Tributária, no valor global de € 851,58 (oitocentos e cinquenta e um euros e cinquenta e oito cents) – conforme doc. n.º 10, junto com a Contestação, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido (ponto 51 dos factos provados);

- E ainda dívidas bancárias no valor de € 5 643,19 (cinco mil, seiscentos e quarenta e três euros e dezanove cents) – conforme doc. n.º 11, junto com a Contestação, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido (ponto 52 dos Factos provados);

- O falecido JJ e a demandante emitiram as declarações assentes em 13 no pressuposto de que os demandados CC e FF, amigos do falecido marido da demandante, conseguiriam da banca um empréstimo de 110 000 euros, desde que o prédio identificado “fosse posto em nome da sua sociedade” (que era a “A..., S.A”) (ponto 1 dos factos não provados);

- Combinaram então que, recebida essa quantia seriam pagas ao Banco 1... as dívidas que o JJ e a Demandante tinham perante esse banco, que, na altura, somavam cerca de 75 000 euros, e, com a restante quantia, seriam pagas despesas e impostos das transações a efetuar, ficando a “A..., S.A” com um lucro de 10.000 euros, sendo o remanescente entregue ao JJ e Demandante (ponto 2 dos factos não provados);

- Foi com base no acordo assim definido que o falecido JJ e a demandante subscreveram as declarações assentes em 13 (ponto 3 dos factos não provados);

- Foi a necessidade de pagarem as dívidas garantidas pelas hipotecas que impendiam sob o ajuizado prédio e ainda de receberem cerca de 30 000 euros, que determinou a demandante e o falecido JJ a declarar que vendiam o identificado prédio, sendo que a confiança que tinham nos administradores da compradora determinou-os a acreditar que era necessário transmitir primeiro a propriedade do prédio para a sociedade, para esta obter o empréstimo com que seriam pagas as suas dívidas (ponto 4 dos factos não provados);

- Os demandados CC e DD não quiseram comprar o prédio (ponto 5 dos factos não provados);

- Os demandados CC e DD congeminaram vendas sucessivas desse prédio para tornar difícil ou mesmo impossível a declaração de nulidade das declarações assentes em 13, para o que contaram com a comparticipação dos demais demandados (ponto 6 dos factos não provados);

- Ao contrário do declarado nos termos assentes em 20, a “A..., S.A” não quis vender esse imóvel à demandada HH, nem esta o quis comprar (ponto 7 dos factos não provados);

- Na sequência desse negócio, a “A..., S.A” não entregou o imóvel à demandada HH, nem esta lhe pediu nem exigiu essa entrega (ponto 8 dos factos não provados);

- Ao contrário do declarado nesse documento, a demandada HH não pagou à “A..., S.A” o declarado preço, nem esta o recebeu (ponto 9 dos factos não provados);

- Mediante a declaração sob 20 dos factos assentes, a “A..., S.A” visava impedir os efeitos práticos de uma ação que a demandante e o falecido JJ intentassem contra si, a fim de ser declarada a nulidade do contrato de compra e venda que aparentemente celebraram em 28 de dezembro de 2015 (ponto 10 dos factos não provados);

- A demandada HH tinha perfeito conhecimento desse facto e com o ato que se prontificou a realizar com a “A..., S.A” deu assim a ajuda que esta sociedade pretendia, a de impedir os efeitos práticos da ação que a demandante e o JJ viriam, certamente, a intentar (ponto 11 dos factos não provados);

- Bem assim ao contrário do declarado conforme 35 dos factos assentes, a “A..., S.A” não quis vender esse imóvel à demandada B... Unipessoal, Lda., nem esta o quis comprar (ponto 12 dos factos não provados);

- Na sequência desse negócio, a “A...” não entregou o imóvel à demandada “B...”, nem esta lhe pediu nem exigiu essa entrega (ponto 13 dos factos não provados);

- A demandada “B...” não pagou pelo imóvel o preço que declarou ter pago, nem a demandada “A...” recebeu o preço que declarou ter recebido (ponto 14 dos factos não provados);

- O ato praticado entre estas duas sociedades tinha por fim, apenas, impedir a eficácia prática de uma ação que declarasse nulo o contrato de compra e venda outorgado em 28 de novembro de 2015, entre o falecido JJ e a demandante, na qualidade de vendedores, e a “A...”, na qualidade de compradora (ponto 15 dos factos não provados);

- O único sócio e gerente da demandada “B...” tinha conhecimento dos factos descritos (ponto 16 dos factos não provados);

- Todos os demandados agiram sempre em concertação de esforços, e com o fim deliberado de desapropriarem a demandante e seu falecido marido JJ do imóvel (ponto 17 dos factos não provados);

- Os réus “B...” e seu gerente desconhecem todos os negócios e seus contornos de compra e venda anteriores à aquisição pela ré “B...”, do imóvel em causa nos presentes autos, a 24 de junho de 2019 (ponto 18 dos factos não provados);

- O gerente da D..., Lda., Sr. OO, é “velho” amigo dos sócios da ré “A...” bem como dos sócios da ré “B...” (ponto 27 dos factos não provados);

- Acompanhou o negócio celebrado entre o falecido JJ e autora com a ré “A...”, que envolvia os bens imóveis em causa nos autos (ponto 28 dos factos não provados);

- Conhecia os seus contornos e os seus objetivos (ponto 29 dos factos não provados);

- Igualmente sabia da realização [do] negócio celebrado entre a “A...” e a “B...”, que teve por objeto os mesmos bens (ponto 30 dos factos não provados);

- Sempre conheceu os termos da presente ação ou, pelo menos, sabia da sua existência, sabendo, igualmente, que esta ação tem por objeto os prédios declarados adquirir e quais os objetivos que a autora persegue com a mesma (ponto 31 dos factos não provados);

- A declarada compra foi-o pela interveniente em conluio com as rés “A...” e “B...” (ponto 32 dos factos não provados).

Nas conclusões das alegações, a recorrente abstém-se de indicar quais os concretos pontos de facto que impugna, como havia feito no corpo das alegações[7], limitando-se, nalgumas conclusões, a repetir as razões aduzidas no corpo das alegações para sustentar a pretendida impugnação. Assim sucede com a conclusão décima sétima relativamente ao ponto 16 dos factos provados, e com a décima oitava conclusão relativamente ao ponto 24 dos factos provados.

Nalguns casos, a recorrente limita-se a, assertivamente, indicar nas conclusões das alegações a matéria de facto que pretende seja objeto de ampliação, como se verifica com a décima nona conclusão relativamente ao ponto 34 dos factos provados, à vigésima conclusão relativamente ao ponto 47 dos factos provados e à vigésima primeira conclusão relativamente ao ponto 49 dos factos provados.

Noutros casos, a recorrente indica nas conclusões a matéria de facto que pretende seja dada como provada e refere as razões aduzidas no corpo das alegações para sustentar a pretendida impugnação, como sucede com a vigésima quarta conclusão relativamente aos pontos 12 e 14 dos factos não provados.

Noutras situações, a recorrente indica nas conclusões a matéria de facto que pretende seja dada como provada, como sucede com a vigésima segunda conclusão relativamente ao ponto 4 dos factos não provados, com a vigésima terceira conclusão relativamente ao ponto 5 dos factos não provados, com a primeira parte da vigésima quinta conclusão relativamente ao ponto 16 dos factos não provados e com a trigésima conclusão relativamente aos pontos 28, 29, 30 e 31 dos factos não provados.

Ao longo de cerca de sessenta e cinco páginas a recorrente transcreveu excertos dos depoimentos produzidos por CC, DD, EE, FF, II, OO, NN, PP, QQ, RR e esclarecimentos aos identificados “Perito 2”, “Perito 41” [será lapso? Será “Perito 1”?] e “Perito 1”, localizando no tempo cada um dos excertos transcritos e seguindo-se a cada uma das transcrições observações críticas sobre o que resultou de cada um dos depoimentos, salvo no que respeita aos depoimentos de QQ e RR e aos esclarecimentos tomados aos Senhores Peritos que não são seguidos de quaisquer observações críticas.

Nenhum dos excertos transcritos vem associado a um concreto ponto de facto ou a um bloco de factos impugnados.

As razões que a recorrente aduz para sustentar a sua impugnação são, em síntese, as que a seguir se resumem.

O ponto 16 dos factos provados não se podia ter dado como provado porque não existe nos autos um único documento que demonstre esse facto, resultando a sua prova apenas do depoimento do sócio da A..., o Sr. FF, sem qualquer corroboração documental (veja-se o ponto 14 do corpo das alegações).

Quanto ao ponto 17 dos factos provados “tendo em consideração toda a demais prova produzida (nomeadamente por depoimentos e pelos documentos juntos aos autos, nomeadamente a “Declaração de Compromisso de Honra”, jamais este facto podia ter sido julgado provado mas sim não provado” (veja-se o ponto 15 do corpo das alegações).

Relativamente ao ponto 24 dos factos provados, “não obstante ter sido considerado provado que a HH declarasse vender o imóvel e que havia recebido o preço mesmo, face às declarações do FF, conjugadas com as do Sr. NN (genro da referida SS), com a perícia e com os esclarecimentos prestados pelos peritos, devia ter sido julgado provado que não recebeu o preço do mesmo” (ponto 16 do corpo das alegações).

O ponto 34 dos factos provados “devia ter sido mais abrangente, pois nele devia constar que essa carta não obteve qualquer resposta por parte da ré A..., nem esta lhe prestou qualquer esclarecimento” (veja-se o ponto 17 do corpo das alegações).

O ponto 47 dos factos provados “está incompleto, porquanto se devia ter julgado igualmente provado, que o sócio D... sabia da existência da presente acção e que a mesma não foi registada por esquecimento do Tribunal” (veja-se o ponto 18 do corpo das alegações).

O ponto 49 dos factos provados “está incompleto, pois deverá ter sido julgado provado que o OO, sócio da D..., além de ser pessoa das relações próximas do falecido JJ, o foi também da autora, do NN, do FF e do II” (veja-se o ponto 19 do corpo das alegações).

Os pontos 50, 51 e 52 dos factos provados “os mesmo nada têm a ver com o negócio efectuado, ou pelo menos, que os documentos que sustentam esses factos, não demonstrem qualquer divida do JJ” (veja-se o ponto 20 do corpo das alegações).

Os pontos 1, 2, 3 e 4 dos factos não provados “deveriam ter sido, ao contrário,considerados provados. tanto mais que há notória contradição entre o que é referido no ponto 15 dos factos provados e o que é referido no ponto 1, 2, 3 e 4 dos factos não provados” (veja-se o ponto 21 do corpo das alegações).

No que respeita ao ponto 5 dos factos não provados “há uma clara contradição com o facto provado (14 dos factos provados) que refere que é falso que a A..., cujos sócios eram o CC e a DD, tivesse pago à autora e ao JJ 74.800,00 €. Ora quem não paga o que compra quer enganar o vendedor. E, mais ainda, esqueceu-se, por completo dos factos essenciais: a “Declaração de Compromisso de Honra” (facto 29 e 30 dos factos provados) a carta remetida à A..., (facto 34 dos factos provados) e ainda a ausência de resposta a esta carta. Quem compra e pretende efectivamente fazê-lo, não acorda com o vendedor as condições futuras alienações do bem comprado, do preço de uma futura venda, etc., etc., etc. ou seja, tudo aquilo que resulta daquela “Declaração de Compromisso de Honra”. Deste modo este facto não podia ter sido julgado como não provado mas sim provado: os demandados CC e DD não quiseram comprara o prédio. mas sim apropriar-se ilegitimamente do mesmo” (veja-se o ponto 22 do corpo das alegações).

O ponto 6 dos factos não provados que sustenta dever ser provado pois “devia ter sido conjugada com o que acabou de ser referido a propósito do facto 5. Que congeminavam vendas para se apropriarem ilegitimamente do bem, não o pagaram e pretendiam dificultar, com as sucessivas alienações, a declaração de nulidade das declarações assentes em 13 dos factos provados” (veja-se o ponto 23 do corpo das alegações).

No que respeita às respostas aos pontos 7 a 11 dos factos não provados “basta visitarmos os depoimentos de quase todas os depoentes, para se apurar que a A... nunca entregou o imóvel à demandada HH a qual nunca o ocupou e, nem sequer, o conhecia por dentro. E, consequentemente, que nunca quis vender-lhe o mesmo nem este o quis comprar” (ponto 24 do corpo das alegações).

O ponto 12 dos factos não provados deve julgar-se provado pois resulta “claramente das peritagens efetuadas (nunca foi pago o preço nem havia disponibilidades financeiras para tal, entre outros motivos) e dos próprios depoimentos do FF e do II” (veja-se o ponto 25 do corpo das alegações).

Quanto ao ponto 13 dos factos não provados que deve passar a provado “resulta isto claramente, dos depoimentos das várias testemunhas e do próprio sócio da B..., ou seja, que o prédio nunca foi entregue a esta sociedade” (veja-se o ponto 26 do corpo das alegações).

O ponto 14 dos factos não provados “está em absoluta contradição com os relatórios da peritagem e com os esclarecimentos dos peritos. Desses relatórios e desses esclarecimentos, resulta que a B... não pagou nem a A... recebeu o preço da alegada “venda” à B.... Pelo que este facto deverá ter sido julgado como provado, ou seja, que a B... não pagou nem a A... recebeu qualquer preço” (veja-se o ponto 27 do corpo das alegações).

Os pontos 15 a 17 dos factos não provados “foram, do mesmo modo, erradamente julgados como não provados. Na verdade, os sócios da A... e da B... eram e são grandes amigos, há muitos anos e, actualmente, por força dessa amizade, são sócios também da B... !!! Pelos factos acabados de referir anteriormente, ou seja, de que a B... não pagou o preço à A..., que nunca ocupou o imóvel e ainda pelos vários depoimentos a este propósito, claro se torna que o sócio da B... pretendeu, em conluio com o seu amigo e sócio FF (A...) impedir a eficácia de uma acção que viesse a pedir que se declarasse nulo o negócio primitivo entre a autora, o JJ e a A.... Pelo que se devia ter julgado provados os factos constantes nos pontos referidos” (veja-se o ponto 28 do corpo das alegações).

O ponto 18 dos factos não provados “está em absoluta contradição com o facto do ponto 16” [dos factos não provados[8]] (veja-se o ponto 29 do corpo das alegações).

Quanto aos factos não provados nos pontos 27 a 32, a recorrente afirma que “a prova foi erradamente apreciada, tendo em condenação os vários depoimentos transcritos, nomeadamente os do demandado FF (que referia que este OO sabia da lenda toda), e das testemunhas DD e II. Perante isto, esses factos deviam ter sido julgados provados. Acresce ao exposto que o afirmado no ponto 31 está em contradição com o referido no ponto 36” (veja-se o ponto 30 do corpo das alegações).

Os pontos de factos impugnados no corpo das alegações da recorrente estão motivados na decisão recorrida da forma que segue:

No que respeita ao facto n.º 16, relevou o depoimento de parte do réu FF, segundo o qual, com a venda do ajuizado imóvel, a “A...” passou a pagar as prestações ao Banco 1... da dívida que o JJ tinha perante esse banco.

O facto n.º 17 foi dado como provado com base no depoimento das testemunhas TT, a qual referiu que o Sr. KK, pai do Sr. JJ, continuou a viver na casa até ao seu falecimento; UU, a qual, após o falecimento do primo, ficou a viver na casa para auxiliar os tios, e referiu que o Sr. KK viveu na casa até falecer, e NN, que referiu que o Sr. KK, de quem foi amigo, ficou a viver na casa, com a mulher D. LL, até falecerem.

(…)

Com relação aos factos n.ºs 23 e 24, foi tido em consideração o teor do documento n.º 7 junto com a Pi.

(…)

Com relação ao facto n.º 34, foi tido em consideração o teor do documento n.º 10 junto em 20/4/2020.

(…)

Com relação ao facto n.º 47, foi tido em consideração o teor do documento n.º 4 junto com a Pi e da certidão permanente junta em 6/12/2021.

(…)

O facto n.º 49 foi confirmado pelo próprio legal representante da D..., Lda., OO, bem como pelo réu FF.

Com relação ao facto n.º 50, foi tido em consideração o teor dos documentos n.ºs 4, 5, 6 e 8, juntos com a contestação da ré A..., Lda. e outros.

Com relação ao facto n.º 51, foi tido em consideração o teor do documento n.º 10 junto com a Contestação da ré A..., Lda. e outros.

Por último, e com relação ao facto n.º 52, foi tido em consideração o teor do documento n.º 11, junto com a contestação da ré A..., Lda. e outros.

No que se refere à matéria de facto dada como não provada, a parte a quem competia o respetivo onus probandi não logrou produzir prova bastante, tendente à demonstração das concretas afirmações de facto aí vertidas.

Daí que, na ausência de outros subsídios probatórios, e atentas as implicações neste domínio do princípio estabelecido no art.º 414.º do Cód. Processo Civil, propende-se no sentido de dar como não demonstrada a aludida matéria de facto.

Nomeadamente no que se refere aos factos n.ºs 7 e 9, foram os mesmos dados como não provados, desde logo, com base no teor do Relatório Pericial junto em 10/9/2021, conjugado ainda com o depoimento do réu FF e com o depoimento da testemunha NN.

Com efeito, referiram os Srs. Peritos, em resposta ao quesito «Venda dos imóveis inscritos nas respetivas matrizes prediais urbanas sob os Artigos ... e ..., da freguesia ..., Concelho de Paços de Ferreira, a HH, em 19 de dezembro de 2016» que «A sociedade (A...) fez os pertinentes registos das vendas desses imóveis em dezembro de 2016, registando nas contas de vendas ... e ..., por contrapartida do cliente conta ... - HH (Doc. 7).

O movimento financeiro relativo ao recebimento da venda desses imóveis, foi registado pela conta 1202 (Bancos) – Banco 3..., ou seja, a empresa recebeu um cheque no valor de 75.000,00 €, que depositou na conta bancária atras identificada, (Doc. 8 -extrato bancário) e (Doc.9 – cópia do cheque).»

O Réu FF referiu que vendeu (os ajuizados imóveis) à D. HH por intermédio do genro Sr. VV, do Banco 3....

Acrescentou o depoente que a D. HH comprou, pagou, arrependeu-se, passados 15 dias/um mês, e voltou a vender o prédio à “B...”. Ia dar-lhe um cheque, mas a D. HH não queria em cheque, mas em dinheiro. O dinheiro foi levantado pela WW e foi entregue ao Sr. VV.

A testemunha NN, funcionário bancário, genro da Ré HH, referiu que, em finais de 2016, a sua sogra tinha perdido um filho há pouco tempo, com quem vivia em Londres. A Segurança Social deu-lhe dinheiro para uma habitação. A testemunha soube pelo FF que havia uma casa à venda em .... Viu a casa e achou que seria interessante para a sua sogra. A D. HH adquiriu o imóvel. Viu-o por fora. Os restantes filhos da D. HH, quando souberam do negócio, não acharam bem. Foi pedido à testemunha para falar com o Sr. FF, para reverter a situação. Representou a sua sogra na venda do imóvel à “A...”. A sua sogra quis o dinheiro em notas.

O facto n.º 12 foi igualmente dado como não provado com base no teor do Relatório Pericial junto em 10/9/2021.

Com efeito, referiram os Srs. Peritos, em resposta ao quesito «A venda dos imóveis, inscritos nas respetivas matrizes prediais urbanas sob os artigos ... e ..., da freguesia ..., Concelho de Paços de Ferreira, à empresa B... Unipessoal Lda, em 24 de junho de 2019.», que «A sociedade fez os pertinentes registos das vendas desses imóveis em junho de 2019, registando nas contas de vendas ... e ..., por contrapartida da conta de cliente – ... – B... Unipessoal Lda. (Doc.17)

Nota: Não se encontra o registo, nos anos 2019 e 2020, o recebimento resultante da venda desses imóveis, pois a conta cliente ..., até 31/12/2020, está com saldo em aberto. Pelos registos contabilísticos, é legítimo concluir que não existiu movimento financeiro para o respetivo pagamento (Doc. 18).»

Ao quesito «A sociedade fez os pertinentes registos das compras desse imóvel, que diz ter feito em 24/6/2019?», responderam os Srs. Peritos que «A sociedade (B...) fez os pertinentes registos das aquisições desses imóveis, em junho de 2019, registando-os nas contas de compra (... e ...), por contrapartida do fornecedor, conta ... (A...), pelo valor total de 78.000,00 euros, sendo que o valor de registo contabilístico do artigo 2177 oi de 62.000 euros e o do 2178 foi de 16.000 euros. (Doc.16 e 19).»

Ao quesito «E dos registos contabilísticos da sociedade resulta a prova de que pagou efetivamente (não apenas contabilisticamente), o preço declarado no contrato? E resulta que a sociedade tivesse disponibilidade financeira, como capitais próprios, para pagar esse preço? É se não tinha capitais próprios, obteve efetivos capitais alheios para fazer essa compra?», responderam os Srs. Peritos que «Não existe, no ano de 2019 e 2020, qualquer registo (contabilístico ou financeiro) que evidencie o pagamento das aquisições dos dois imóveis (artigo ... e ...).»

Ao quesito «Da escrita da sociedade resulta que o imóvel consta do seu ativo? A titulo de bem para revenda ou como imobilizado?», responderam os Srs. Peritos que «Confirma-se que a empresa adquiriu esses imóveis, para revenda, pois contabilisticamente foram registados em compra de existências e no final do ano 2019, constam do balancete analítico, como existências de mercadorias (contas ... e ...).»

Quanto ao facto n.º 14, referiram os Srs. Peritos, no Relatório Pericial junto em 10/9/2021, que «Não se encontra o registo, nos anos 2019 e 2020, o recebimento resultante da venda desses imóveis, pois a conta cliente ..., até 31/12/2020, está com saldo em aberto. Pelos registos contabilísticos, é legítimo concluir que não existiu movimento financeiro para o respetivo pagamento (Doc. 18).»

Nos esclarecimentos prestados em 16/3/2022, referiram os Srs. Peritos que «pela análise da conta ”111 – Caixa”, contabilisticamente existia saldo suficiente ara proceder ao respetivo pagamento. No entanto, apesar do respetivo registo contabilísticos, não é possível garantir que existisse, à data, essa quartia de dinheiro nos “cofres” da sociedade.»

Ao quesito «se existiam disponibilidades financeiras para a compra do prédio em causa de modo que o cheque sacado tivesse provisão independentemente da proveniência dessas disponibilidades (capitais próprios ou alheios)», esclarecem os Srs. Peritos que «efetivamente nos meses de junho de 2019, dezembro de 2019 e dezembro de 2020, a empresa não possuía disponibilidades financeiras para efetuar o pagamento relativo a compra do referido prédio. Tal conclusão resulta da análise dos elementos contabilísticos que nos foram disponibilizados pelos quais foi possível concluir que não existiam disponibilidades financeiras, em numerário ou na conta de depósitos à ordem que permitisem efetuar o respetivo pagamento. E consequentemente, é possível concluir que a conta bancária não estava provisionada para “cobrir” o cheque emitido.»

Em sede de esclarecimentos prestados em audiência de julgamento, referiram os Srs. Peritos que, posteriormente, em 2021 e 2023, foi pago este imóvel.

(…)

No que respeita aos factos n.ºs 28 e 30, referiu o réu FF que conheceu o Sr. OO há dois anos, quando falou com o Sr. NN (a testemunha NN), porque já tinha ouvido falar do Sr. OO e pretendia indicá-lo como testemunha.

Cumpre apreciar e decidir.

Como é frequente na prática judiciária, a recorrente deduz pretensões de ampliação e de impugnação da decisão da matéria de facto de forma indiscriminada.

Por isso, antes de mais, ajuizemos se a pretensão da recorrente autora de ampliação da factualidade provada reúne os requisitos legalmente estabelecidos.

Além de estar sujeita aos ónus previstos para a impugnação da decisão da matéria de facto, a ampliação da decisão da matéria de facto requer o preenchimento da previsão da parte final da alínea c) do nº 2 do artigo 662º do Código de Processo Civil, ou seja, que se considere indispensável a ampliação da decisão da matéria de facto.

De facto, nos termos do disposto na alínea c) do nº 2 do artigo 662º do Código de Processo Civil, a Relação deve, ainda, mesmo oficiosamente anular a decisão proferida na 1ª instância, quando, não constando do processo todos os elementos que, nos termos do número anterior, permitam a alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto, repute deficiente, obscura ou contraditória a decisão sobre pontos determinados da matéria de facto, ou quando considere indispensável a ampliação desta.

Deste modo, o tribunal ad quem apenas deve proceder à ampliação da matéria de facto sempre que conclua que, à luz das diversas soluções plausíveis das questões decidendas, existe matéria de facto alegada que não foi conhecida pelo tribunal recorrido, emitindo um juízo de provado ou não provado e isso desde que se trate de matéria indispensável à dilucidação das aludidas soluções plausíveis.

Pode ainda a ampliação da decisão da matéria de facto decorrer de factualidade complementar ou concretizadora da que as partes tenham alegado e que se tenha vindo a revelar no decurso da instrução da causa, tal como previsto na alínea b) do nº 2 do artigo 5º do Código de Processo Civil e que se revele indispensável com referência às diversas soluções plausíveis das questões decidendas.

A ampliação da decisão da matéria de facto, quando necessária, processar-se-á no tribunal ad quem, desde que para tanto constem do processo todos os elementos que permitam essa ampliação, pressupondo que sobre a matéria em causa foi produzida prova, com a devida observância do contraditório [9].

A ampliação da decisão da matéria de facto não constitui um expediente processual para incluir factualidade instrumental na factualidade provada, pois não se pode considerar matéria indispensável para a dilucidação das questões que importa resolver e à luz das diversas soluções plausíveis das questões de direito, já que tem apenas relevo probatório dos factos essenciais.

Na realidade, por força da sua função probatória da factualidade essencial, a factualidade instrumental não deve constar nos fundamentos de facto, antes deve operar em sede de motivação da decisão da matéria de facto para justificar a prova ou a não prova de algum facto essencial que haja sido alegado por qualquer das partes.

A recorrente pretende a ampliação dos pontos 34, 47 e 49 dos factos provados.

A ampliação que a recorrente pretende seja feita ao ponto 34 dos factos provados e que resulta do que havia alegado no artigo 36º da sua petição inicial tem, quando muito, relevo instrumental, sendo inequívoco que não se trata de factualidade essencial e por isso indispensável para a dilucidação do caso objeto destes autos.

Não tem por isso essa matéria as necessárias caraterísticas para se constituir como objeto de ampliação.

A factualidade que a recorrente pretende ver aditada ao ponto 47 dos factos provados constitui, em parte, contraprova da alegação da interveniente D... de que desconhecia o histórico do prédio e de eventuais compras e vendas anteriores, tal como desconhecia qualquer problema que o prédio pudesse ter, só tomando conhecimento do eventual problema após a sua chamada à lide (artigo 11 e 12 da contestação da D... oferecida em 06 de dezembro de 2021 e artigo 19 da resposta a esta contestação em 19 de fevereiro de 2020). A questão do registo da ação resulta dos próprios autos, bastando para tanto atentar no despacho proferido em 04 de outubro de 2021.

Assim, também quanto ao pretendido aditamento ao ponto 47º dos factos provados verifica-se que não se trata de matéria indispensável, mas antes de matéria de contraprova de factualidade essencial alegada pela D..., pelo que também não deve ser admitida esta requerida ampliação da decisão da matéria de facto a este ponto de facto.

Finalmente, a matéria que a recorrente pretende seja aditada ao ponto 49 dos factos provados integra matéria instrumental relevante para a contraprova dos factos integradores da alegada boa-fé da D... na aquisição do imóvel em 29 de maio de 2021.

Deste modo, também esta factualidade não tem os necessários atributos para se poder constituir como objeto de ampliação da decisão da matéria de facto.

Pelo exposto, conclui-se pela total improcedência das pretendidas ampliações aos pontos 34, 47 e 49 dos factos provados, por não estar em causa matéria indispensável à decisão das questões solvendas nestes autos e à luz das diversas soluções plausíveis das questões de direito, já que está em causa matéria instrumental ou que constitui mera contraprova de factualidade essencial.

Debrucemo-nos agora sobre a impugnação da decisão da matéria de facto propriamente dita.

A impugnação da decisão da matéria de facto sujeita o impugnante a variados ónus processuais que, em caso de inobservância, implicam a rejeição dessa pretensão na parte em que se verifique a não satisfação desses ónus.

Assim, em primeiro lugar, o impugnante deve obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição, os concretos pontos de facto impugnados (artigo 640º, nº 1, alínea a) do Código de Processo Civil), especificação que também deve ser feita nas conclusões das alegações de recurso já que se trata de elementos conformadores do objeto do recurso[10].

Em segundo lugar, o recorrente deve indicar os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada que sustentem a sua pretensão de alteração da decisão da matéria de facto (artigo 640º, nº 1, alínea b) do Código de Processo Civil), especificação que não tem de constar das conclusões do recurso[11].

Em terceiro lugar, o impugnante deve especificar a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas (artigo 640º, nº 1, alínea c) do Código de Processo Civil), especificação que dominantemente se tem entendido não ter que constar das conclusões das alegações[12].

Em quarto lugar, fundando-se a impugnação da decisão da matéria de facto em meios de prova que hajam sido gravados, o recorrente deve, sob pena de imediata rejeição do recurso na parte em que se verifique a inobservância do ónus, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes (artigo 640º, nº 2, alínea a) do Código de Processo Civil).

Ajuizemos agora da satisfação pela recorrente dos ónus processuais que sobre a mesma incidem, iniciando a nossa apreciação pela indicação, nas conclusões das alegações de recurso, dos concretos pontos de facto impugnados.

Em momento anterior deste acórdão deu-se já nota que formalmente a recorrente não especifica nas conclusões das alegações os concretos pontos de facto impugnados[13], como fez no corpo das alegações.

De facto, nalgumas das conclusões das alegações a recorrente limita-se a repetir as razões aduzidas no corpo das alegações para sustentar a pretendida impugnação, a indicar a matéria de facto que pretende seja dada como provada referindo as razões aduzidas no corpo das alegações para sustentar a pretendida impugnação ou a indicar nas conclusões a matéria de facto que pretende seja dada como provada.

Será o procedimento diversificado adotado pela recorrente bastante para observar o ónus de especificação da matéria de facto impugnada?

A nosso ver, aquele modo de proceder da recorrente nas conclusões, permite identificar, ainda que nem sempre de forma direta, a factualidade que pretende impugnar, ou seja, os factos provados dos pontos 16, 24, 34, 47 e 49, sendo que estes três últimos pontos de facto foram já analisados em sede de ampliação da decisão da matéria de facto e ainda os factos não provados sob os nºs 4, 5, 12, 14, 16 e 28 a 31.

Pelo exposto conclui-se que a recorrente observa suficientemente o ónus de especificar nas conclusões os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados relativamente aos factos provados nos nºs 16 e 24 e aos factos não provados sob os nºs 4, 5, 12, 14, 16 e 28 a 31, pelo que por inobservância deste ónus deve ser rejeitada a impugnação dos pontos 17, 50 a 52 todos dos factos provados e dos pontos 1 a 3, 6 a 11, 13, 15, 17 e 32 estes dos factos não provados.

Apreciemos agora da observância dos restantes ónus relativamente aos factos provados nos nºs 16 e 24 e aos factos não provados sob os nºs 4, 5, 12, 14, 16 e 28 a 31.

No que respeita aos factos provados no ponto 16 dos factos provados deve considerar-se parcialmente observado o ónus de indicação das provas que sustentam a impugnação na parte em que se afirma a inexistência de prova documental dessa matéria e inobservado na parte em que remete para o depoimento de FF por falta de referenciação das concretas passagens que sustentam esta impugnação. Ainda assim, no que respeita esta prova pessoal, deve relevar-se a razão de ciência deste depoente indicada pela recorrente e que se reconduz ao facto de ser réu nesta ação.

Nestes casos de inobservância parcial do ónus de indicação das provas que sustentam a impugnação, a sua apreciação cingir-se-á ao segmento da impugnação em que o ónus foi cumprido.

Quanto ao ponto 24 dos factos provados deve também considerar-se parcialmente observado o ónus de indicação das provas que sustentam a impugnação na parte em que se apoia no relatório pericial e inobservado na parte em que se apoia nos depoimentos de FF e NN e nos esclarecimentos prestados pelos Senhores Peritos na audiência final por falta de referenciação das concretas passagens que sustentam esta impugnação.

No que tange o ponto 4 dos factos não provados a recorrente não observa o ónus de indicação das provas que suportam a sua pretensão de impugnação deste ponto de facto. Porém, como vem invocada a contradição deste ponto de facto com o ponto 15 dos factos provados e porque se trata de patologia de conhecimento oficioso (artigo 662º, nº 2, alínea c) do Código de Processo Civil) ir-se-á conhecer deste vício e, existindo e se possível, removê-lo.

Relativamente ao ponto 5 dos factos não provados a recorrente invoca a contradição com o ponto 14 dos factos provados e não indica provas que sustentam a sua impugnação, mas sim e apenas os factos provados nos pontos 29, 30 e 34 que, na sua perspetiva, bastariam para o dar como provado. Apesar de os factos provados não constituírem provas, sendo de admitir, em tese, que se possam extrair deles outros factos provados, considera-se suficientemente observado o ónus de indicação das provas que suportam a impugnação, sendo certo, além disso, que a invocada contradição, por ser vício de conhecimento oficioso, sempre obrigaria este tribunal a aferir da ocorrência ou não de tal maleita.

Quanto aos pontos 12 e 14 dos factos não provados a recorrente observa o ónus de indicação das provas quando se apoia no relatório pericial, mas inobserva-o quando remete para os depoimentos de FF e II por falta de referenciação das concretas passagens que sustentam esta impugnação.

No que respeita ao ponto 16 dos factos não provados a recorrente não observa o ónus de indicação das provas em que se funda a sua impugnação ao remeter genericamente para os vários depoimentos sobre esta matéria, não concretizando os depoentes a que se refere e muito menos assinalando em tais depoimentos as concretas passagens que sustentam a sua pretensão recursória.

Deve por isso rejeitar-se a impugnação deste ponto dos factos não provados ao abrigo do disposto na alínea a) do nº 2 do artigo 640º do Código de Processo Civil.

Vejamos agora o ponto 18 dos factos não provados.

No que respeita este ponto dos factos não provados a recorrente limita-se a indicar que se acha em contradição com o ponto 16 dos factos não provados. Como já antes se referiu, a contradição na fundamentação de facto integra vício de conhecimento oficioso pelo que se irá conhecer deste vício e, existindo e se possível, removê-lo.

Quanto aos pontos 28 a 30 dos factos não provados, aos remeter para os depoimentos transcritos e nomeadamente os de FF, de DD[14] e de II, a recorrente não observa o ónus previsto na alínea a) do nº 2 do artigo 640º do Código de Processo Civil, razão pela qual, se rejeita a impugnação destes pontos de facto.

Finalmente, relativamente ao ponto 31 dos factos não provados, além da inobservância do ónus previsto na alínea a) do nº 2 do artigo 640º do Código de Processo Civil nos mesmos termos do que sucedeu quanto aos pontos 28 a 30 dos factos não provados, a recorrente suscita a contradição deste ponto de facto com o ponto 36 dos factos provados, patologia que como também já antes se referiu é de conhecimento oficioso, pelo que se irá conhecer deste vício e, existindo e se possível, removê-lo.

Em conclusão, cumpre agora apreciar a impugnação dos pontos 16, 24 dos factos provados e 5, 12, 14, 18 e 31 dos factos não provados, com a limitações que antes se foram enunciando.

A recorrente insurge-se contra o ponto 16 dos factos provados por ter sido dado como provado apenas com base no depoimento de FF e sem o conforto ou corroboração de qualquer prova documental.

Que dizer?

Não existe qualquer norma legal a impor que a prova do pagamento de prestações bancárias só possa ser feita por via documental.

No entanto, é da experiência comum, que, seja mediante extratos bancários, seja através de recibos dos pagamentos efetuados, esses movimentos deixam um rasto escrito ou pelo menos eletrónico.

O tribunal recorrido motivou a resposta ao ponto 16 dos factos provados exclusivamente no depoimento de FF, réu nestes autos, marido da gerente da A... e procurador desta sociedade no negócio celebrado em 24 de junho de 2019 com a sociedade B..., sendo sócio e também gerente desta última sociedade desde 21 de abril de 2021 e 20 de outubro de 2021, respetivamente (veja-se o documento junto na sessão da audiência final realizada em 08 de fevereiro de 2024).

De acordo com o disposto na primeira parte do nº 5 do artigo 607º do Código de Processo Civil, “[o] juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto”.

Será prudente relevar o depoimento de alguém que é réu na causa e tem relações especiais com outros réus na lide, por isso com interesses opostos aos dos autores, sem qualquer corroboração documental, num setor em que por razões de segurança jurídica são documentados física ou eletronicamente os pagamentos realizados?

Não o cremos.

A nosso ver, sem corroboração documental, não deve ser relevado o depoimento de alguém que é parte na causa e que tem interesses opostos aos das partes que o facto provado afeta.

Assim, pelo exposto, deve o ponto 16 dos factos provados julgar-se não provado, procedendo nesta medida a impugnação da recorrente.

Debrucemo-nos agora sobre o ponto 24 dos factos provados.

A prova pericial que a recorrente invoca para impugnar o ponto 24 dos factos provados não é pertinente para esse efeito já que, atento o conteúdo do documento nº 6 oferecidos pelos autores com a petição inicial, não arguido de falso pelos autores, é inquestionável a emissão das declarações dadas como provadas neste ponto dos factos provados.

Essa prova pericial indicada pela recorrente poderia servir para impugnar o ponto 9 dos factos não provados, cuja impugnação este tribunal não pode conhecer por a recorrente não ter observado os ónus que impendem sobre o impugnante da decisão da matéria de facto. Anote-se que embora a recorrente inclua o ponto 9 dos factos não provados no lote dos factos impugnados, se atentarmos às razões aduzidas pela recorrente no ponto 24 do corpo das alegações para justificar a impugnação deste ponto dos factos não provados, constata-se que essas razões não se referem ao ponto 9 dos factos não provados.

Assim, face ao exposto, improcede a impugnação do ponto 24 dos factos provados.

Apreciemos agora a impugnação do ponto 4 dos factos não provados.

A recorrente afirma que este ponto dos factos não provados está em contradição com o ponto 15 dos factos provados.

O ponto 4 dos factos não provados tem o seguinte teor:

- Foi a necessidade de pagarem as dívidas garantidas pelas hipotecas que impendiam sob o ajuizado prédio e ainda de receberem cerca de 30 000 euros, que determinou a demandante e o falecido JJ a declarar que vendiam o identificado prédio, sendo que a confiança que tinham nos administradores da compradora determinou-os a acreditar que era necessário transmitir primeiro a propriedade do prédio para a sociedade, para esta obter o empréstimo com que seriam pagas as suas dívidas;

Por seu turno, o ponto 15 dos factos provados tem o seguinte conteúdo:

- Subjacente às declarações assentes em 13 [estas declarações são as que corporizaram a venda do imóvel objeto destes autos pela autora e falecido marido em 28 de novembro de 2015 à sociedade A...] estava o facto do falecido JJ e a demandante não disporem de meios nem rendimentos para continuarem a pagar ao Banco 1... as prestações devidas pelo reembolso dos empréstimos deste recebidos e garantidos pelas hipotecas referidas na matéria assente.

É jurisprudência corrente que a não prova de um facto equivale à sua não articulação, tudo se passando como se não existisse[15], não se podendo retirar da não prova de certo facto a prova do facto contrário. Daí que não possa ocorrer contradição entre respostas negativas.

E bem se compreende que assim seja porquanto a resposta à matéria de facto não constitui um mero exercício de lógica. De facto, as respostas negativas podem resultar de nenhuma prova ter sido produzida quanto à matéria em causa ou ainda de a prova produzida não ter sido convincente quanto a todos os pontos de facto em apreço, circunstâncias em que bem se percebe que a não prova de certo segmento factual não constitui arrimo seguro para que se dê como provada a factualidade oposta também controvertida.

Se acaso a resposta negativa a certo segmento de facto deriva da prova do contrário é que, se tal facto contrário também está quesitado, deve essa matéria, necessariamente, obter resposta positiva. No entanto, se tal facto contrário também merecer do tribunal resposta negativa, não se tratará nessa eventualidade de contradição entre respostas negativas, mas antes de um erro de julgamento da matéria de facto.

Situação diversa e que não colhe a unanimidade do nosso mais alto tribunal é a da contradição entre respostas negativas e positivas[16], como no caso em apreço sustenta a recorrente.

Na nossa perspetiva, do ponto de vista lógico, salvo casos extremos[17], não pode um nada em que se traduz uma resposta negativa colidir com algo em que se traduz uma resposta positiva. Porém, bem podem os pressupostos de uma resposta negativa envolver, necessariamente, a não prova, de outro facto quesitado, bem como verificar-se a situação inversa. Contudo, nesta situação, à semelhança do que já se afirmou a propósito da contradição entre respostas negativas, o vício que se verifica não é de ordem lógica, sendo antes um erro na apreciação da prova.

E para que esse eventual erro na apreciação da prova possa ser sindicado pela Relação deve ser impugnada a matéria de facto de forma a que se evidencie esse erro na apreciação da prova.

Ora, no caso em análise, a recorrente limitou-se a invocar a contradição do ponto 4 dos factos não provados com o ponto 15 dos factos provados, contradição que de facto não existe, já que tudo se passa como se o facto não provado não tivesse sido alegado.

Assim, pelo exposto, improcede a impugnação do ponto 4 dos factos não provados.

Apreciemos agora a impugnação do ponto 5 dos factos não provados[18], cuja resposta pretendida é a seguinte:

- os demandados CC e DD não quiseram comprar o prédio, mas sim apropriar-se ilegitimamente do mesmo.

Importa desde já vincar que se porventura a impugnação do recorrente fosse fundada, a parte final da proposta de resposta da recorrente[19], nunca poderia ser dada como provada, por se tratar de matéria conclusiva e de direito.

Vejamos antes de mais se este ponto dos factos não provados se acha em contradição com o ponto 14 dos factos não provados[20].

Dando por reproduzido o que antes se expôs sobre a contradição entre factos não provados e provados, é ostensivo que o facto provado sob o nº 14 respeita a uma realidade totalmente diversa da que é objeto do ponto 5 dos factos não provados.

O facto 14 dos factos provados respeita à compra e venda celebrada em 28 de novembro de 2015, em que foi adquirente a A..., enquanto o ponto 5 dos factos não provados respeita a duas pessoas singulares e não a estas pessoas enquanto membros do conselho de administração daquela sociedade.

Por outro lado, dos pontos 29, 30 e 34 dos factos provados nada se pode retirar no sentido da formação de uma convicção positiva quanto à realidade do facto não provado em 5, pois que todos estes factos provados respeitam à A... e não às pessoas singulares que então integravam o seu conselho de administração.

Diga-se, ainda, que a circunstância de na compra e venda celebrada em 28 de novembro de 2015 não ter sido pago o preço declarado não contende necessariamente com a onerosidade do ato, pois pode estar em causa uma dação em pagamento ou uma alienação em garantia.

A factualidade provada em 29 e 30 apenas revela, volvidos mais de dois anos sobre a celebração da compra e venda, a existência de uma dívida, então liquidada em € 34 000,00 por parte dos alienantes do imóvel à A... e a disposição desta sociedade para operar a reversão da titularidade do imóvel desde que pago o montante então em dívida.

A factualidade provada em 34 apenas confirma a matéria que resulta dos factos provados em 29 e 30, mas, a nosso ver, não tem qualquer reflexos na prova ou não prova da factualidade não provada no ponto 5. O que revela, dado o que se passou ulteriormente, é a vontade da A... não cumprir a “Declaração de Compromisso de Honra”[21] subscrita em 09 de abril de 2018, praticando atos que, a ser admissível a execução específica do denominado compromisso de honra, determinam a impossibilidade de cumprimento dessa vinculação.

Conclui-se assim pela improcedência da impugnação do ponto 5 dos factos não provados.

Apreciemos agora a impugnação do ponto 12 dos factos não provados[22].

A recorrente apenas observou o ónus de indicação das provas que suportam a sua impugnação remetendo para a prova pericial produzida nestes autos e da qual, na sua perspetiva, resulta que a B... nada pagou à A... por conta da compra e venda celebrada em 24 de junho de 2019.

No quesito 4º formulado aos Senhores Peritos e em que se questionava a venda celebrada em 24 de junho de 2019 pela A... a favor da B..., estes escreveram unanimemente o seguinte: “Análise: A sociedade fez os pertinentes registos das vendas desses imóveis em junho de 2019, registando nas contas de vendas ... e ..., por contrapartida da conta de cliente – ...- B... Unipessoal Lda. (Doc 17)”.

Segue-se a seguinte nota: “Não se encontra o registo, nos anos 2019 e 2020, o recebimento resultante da venda desses imóveis, pois a conta cliente ..., até 31/12/2020, está com saldo em aberto. Pelos registos contabilísticos, é legítimo concluir que não existiu movimento financeiro para o respetivo pagamento (Doc 18)”.

Nos quesitos relativos à escrita da B..., deve destacar-se o quesito segundo, com o seguinte teor: “E dos registos contabilísticos da sociedade resulta a prova de que pagou efetivamente (não apenas contabilisticamente), o preço declarado no contrato? E resulta que a sociedade tivesse disponibilidade financeira, como capitais próprios, para pagar esse preço? E se não tinha capitais próprios, obteve efetivos capitais alheios para fazer essa compra?

A resposta unânime dos Senhores Peritos foi a seguinte: “Não existe, no ano de 2019 e 2020, qualquer registo (contabilístico ou financeiro) que evidencie o pagamento das aquisições dos dois imóveis (artigo ... e ...).

Importa ainda atentar nos esclarecimentos unânimes prestados pelos Senhores peritos em relatório datado de 14 de março de 2022 e junto aos autos em 16 de março de 2022, relativamente à B....

O segundo pedido de esclarecimento tem o seguinte teor: “É solicitado que se esclareça se “terá havido lapso na resposta dos senhores peritos quando afirmam não ter havido quaisquer movimentos financeiros relativos ao pagamento do cheque referido na escritura de 24/06/2019 [no documento particular que formalizou a compra e venda datada de 24 de junho de 2019, na autenticação desse contrato, o autor da autenticação disse que “o pagamento foi efetuado através do cheque n.º ..., da Banco 2... datado de 24/06/2019”]”.

Responderam os Senhores Peritos: “Esclarece-se que não houve qualquer lapso pois como se disse e como foi verificado na conta corrente respetiva, o valor manteve-se com a A... credora daquele valor.

O terceiro pedido de esclarecimento tem o seguinte conteúdo: “É solicitado que se esclareça “em relação ao quesito 2º e considerando que o último parágrafo do mesmo não foi formulado da forma mais adequada, o qual devia ser: “se existiam disponibilidades financeira para a compra do prédio em causa de modo que o cheque sacado tivesse provisão independentemente da proveniência dessas disponibilidades (capitais próprios ou alheios)”, se na verdade havia essas disponibilidades.

Responderam os Senhores Peritos por unanimidade: “Esclarece-se que efetivamente nos meses de junho de 2019 e dezembro de 2020, a empresa não possuía disponibilidades financeiras para efetuar o pagamento relativo a compra do referido prédio. Tal conclusão resulta da análise dos elementos contabilísticos que nos foram disponibilizados pelos quais foi possível concluir que não existiam disponibilidades financeiras, em numerário ou na conta de depósitos à ordem que permitissem efetuar o respetivo pagamento. E consequentemente, é possível concluir que a conta bancária não estava provisionada para “cobrir” o cheque emitido.

Face a todos estes dados fácticos que é possível dar como provado?

De forma direta, pode dar-se como provado que no contrato celebrado em 24 de junho de 2019, a B... não pagou à A... o preço da compra.

Na motivação da decisão da matéria de facto refere-se que em esclarecimentos os Senhores Peritos informaram que o referido preço foi pago em 2021 e 2023, e confirmou-se esta referência do tribunal recorrido ouvindo os esclarecimentos prestados pelos Senhores Peritos[23].

Estes alegados pagamentos são posteriores à instauração da ação e às contestações das rés A... e B... e não foram introduzidos nos autos através do meio próprio que, salvo melhor opinião, seria um articulado superveniente.

Assim, considera-se que estes esclarecimentos dos Senhores Peritos, nesta parte, não podem ser relevados probatoriamente.

Assim, mantém-se o nosso juízo de que de forma direta pode dar-se como provado que no contrato celebrado em 24 de junho de 2019, a B... não pagou à A... o preço da compra.

Porém, o conteúdo do ponto 12 dos factos não provados não é atinente ao preço desse negócio, mas sim à vontade real dos outorgantes desse negócio.

Será a falta de pagamento do preço elemento bastante para de forma indireta dar como provada a factualidade contida no ponto 12 dos factos não provados?

A prova em pleitos em que se discuta matéria de ordem reservada, nomeadamente negócios com intuitos fraudatórios[24], nem sempre é passível de ser produzida por meios diretos.

Neste contexto, há que proceder com particular cautela na produção de prova, no sentido de identificar elementos indiretos que conjugados entre si e com a prova pessoal e documental possam relevar para a prova dos factos controvertidos.
Assim, embora se reconheça que aquela prova terá de ser em certos casos necessariamente indireta, não menos verdade é que tal tipo de prova não dispensa uma rigorosa análise dos factos que lhe servem de base e o apuramento de uma concatenação dos mesmos em ordem a firmar uma conclusão final segura e racional por parte do tribunal.
As provas indiretas ou por presunção são legalmente admissíveis face ao disposto no artigo 349º do Código Civil.
No entanto, por força de tal natureza indireta ou mediata, as denominadas provas indiretas ou indiciárias, na terminologia dos nossos vizinhos espanhóis, devem ser usadas com particular cautela, a fim de evitar erros judiciários com consequências tanto mais devastadoras quanto maior for a gravidade ou o relevo social ou patrimonial dos factos objeto de julgamento[25].
Assim, a utilização segura e racional deste tipo de provas[26] exige:
a) em primeiro lugar e em regra, uma pluralidade de elementos indiciários, joeirando-se os casos de pluralidade aparente dos casos de real pluralidade; tal pluralidade só não será de exigir quando o relevo probatório da prova indireta for de tal forma forte que é desnecessário qualquer outro elemento corroborador, como poderá suceder nalguns casos de recolhas positivas de vestígios biológicos;
b) em segundo lugar, importa que tais elementos sejam concordantes;

c) em terceiro lugar, importa que, tendo em conta uma observação de acordo com as regras da experiência, tais indícios afastem, para além de toda a dúvida razoável, a possibilidade de os factos se terem passado de modo diverso daquele para que apontam aqueles indícios probatórios, isto é, importa que tais indícios sejam inequívocos[27].

No caso em apreço, além do não pagamento do preço da declarada compra e venda celebrada em 24 de junho de 2019 deve atentar-se no momento em que esses atos são praticados, ou seja, volvidos poucos dias sobre uma comunicação da autora à ré A... a fim de ser cumprida a declaração de compromisso de honra subscrita em 09 de abril de 2018 (ponto 34 dos factos provados[28]), criando assim uma situação de impossibilidade de cumprimento.

Um outro elemento que a nosso ver deve ser relevado é a preocupação de documentação do alegado pagamento do preço[29] que, a final, pelo exame à escrita das duas sociedades envolvidas no negócio se veio a verificar não ter ocorrido. Há assim uma intenção de criar uma aparência de pagamento do preço da compra e venda celebrada que leva a questionar a seriedade e veracidade das declarações dos outorgantes da compra e venda celebrada com data de 24 de junho de 2019.

Assim, tudo sopesado, conjugando os juízos periciais antes referidos com o momento em que foi celebrada a compra e venda de 24 de junho de 2019 e a preocupação de documentação de pagamento do preço, afigura-se-nos que todos estes elementos indiretos apontam no sentido de nem a A... ter querido vender o imóvel, nem a B... ter querido comprar o mesmo imóvel, sendo assim base suficiente para que a matéria contida no ponto 12 dos factos não provados seja julgada provada, procedendo, nesta parte, a impugnação da decisão da matéria de facto.

Apreciemos agora a impugnação do ponto 14 dos factos não provados e que se refere ao não pagamento do preço da compra e venda celebrada em 24 de junho de 2019 pela B... à A....

Aquando da apreciação do ponto 12 dos factos não provados apreciou-se a prova pericial produzida sobre esta matéria, tendo-se concluído que da mesma resultava inequívoco o não pagamento do preço, ao invés do que nesse instrumento contratual foi declarado, tanto pelas partes como pela entidade certificadora desse documento.

Referiu-se também que os esclarecimentos dos Senhores Peritos de que esse pagamento havia sido feito em duas frações, em 2021 e 2023, não podiam ser relevados probatoriamente.

Por isso, neste contexto probatório deve julgar-se provada a factualidade constante do ponto 14 dos factos não provados, procedendo também nesta parte a impugnação da recorrente.

Debrucemo-nos agora sobre a impugnação do ponto 18 dos factos não provados.

A recorrente afirma que este ponto dos factos não provados está em contradição com o ponto 16 dos factos não provados.

O ponto 16 dos factos não provados tem o seguinte teor:

- O único sócio e gerente da demandada “B...” tinha conhecimento dos factos descritos.

Por sua vez, o ponto 18 dos factos não provados tem o seguinte conteúdo:

- Os réus “B...” e seu gerente desconhecem todos os negócios e seus contornos de compra e venda anteriores à aquisição pela ré “B...”, do imóvel em causa nos presentes autos, a 24 de junho de 2019.

Como já se salientou em momento anterior deste acórdão, a não prova de um facto não importa a prova do facto contrário.

De acordo com a motivação do tribunal recorrido a não prova destes factos resultou da insuficiência da prova produzida sobre esta matéria.

Não existe qualquer contradição na não prova de duas realidades contraditórias, já que tudo se passa como se tais factualidades não tivessem sido alegadas.

Assim, face ao exposto, improcede a impugnação do ponto 18 dos factos não provados.

Finalmente, apreciemos a impugnação do ponto 31 dos factos não provados.

Sustenta a recorrente que este ponto dos factos não provados está em contradição com o ponto 36, segundo se crê, dos factos não provados.

O ponto 31 dos factos não provados tem o seguinte conteúdo:

- Sempre conheceu os termos da presente ação ou, pelo menos, sabia da sua existência, sabendo, igualmente, que esta ação tem por objeto os prédios declarados adquirir e quais os objetivos que a autora persegue com a mesma [[30]].

Por seu turno, o ponto 36º dos factos não provados tem o seguinte teor:

- O negócio referido em 13 [[31]] foi-o de livre vontade, bem sabendo a autora que a venda servia para compensar/pagar os valores emprestados pelo réu FF ao falecido JJ e ao seu pai e que estes não conseguiam devolver.

Repetindo o que se escreveu no conhecimento da impugnação do ponto 18 dos factos não provados, não existe qualquer contradição na não prova de duas realidades contraditórias, sejam elas total ou parcialmente contraditórias, já que tudo se passa como se tais factualidades não tivessem sido alegadas.

Assim, face ao exposto, improcede a impugnação do ponto 31 dos factos não provados.

Em conclusão, improcede a pretendida ampliação da decisão da matéria de facto e a impugnação da decisão da matéria de facto procede apenas relativamente aos pontos 16 dos factos provados e relativamente aos pontos 12 e 14 dos factos não provados, nos termos que ficaram precedentemente expostos.

3.3 Fundamentos de facto exarados na sentença recorrida com as alterações decorrentes da parcial procedência da impugnação da decisão da matéria de facto e expurgados das meras remissões probatórias

3.3.1 Factos provados


3.3.1.1

A autora foi casada com JJ, em primeiras e únicas núpcias de ambos.

3.3.1.2

O casamento foi celebrado em 11 de agosto de 1996.

3.3.1.3

E dissolveu-se, por divórcio de ambos, em 5 de julho de 2013.

3.3.1.4

Deste casamento houve apenas um filho, BB, que nasceu no dia 23 de outubro de 2009.

3.3.1.5

Em 31 de dezembro de 2016, faleceu o pai do menor BB, JJ.

3.3.1.6

O menor BB é o único descendente do falecido JJ.

3.3.1.7

O falecido não deixou qualquer disposição de última vontade.

3.3.1.8

Em 12 de maio de 1997, a autora AA e o então seu marido, JJ, pela apresentação Ap. ... e Inscrição ..., requereram o registo provisório da aquisição, por compra, a KK e mulher LL, enquanto vendedores, a qual (aquisição) foi convertida em definitiva, no dia 10 de outubro de 1997, pela Ap. ..., do Prédio Urbano sito no lugar ..., freguesia ..., concelho de Paços de Ferreira, composto por casa de cave e rés do chão destinada a indústria, com logradouro, descrito na Conservatória do Registo Predial de Paços de Ferreira sob a descrição n.º ... – ..., e inscrito nos artigos ... e ... da matriz urbana da freguesia ....

3.3.1.9

Em 2 de abril de 2003, a mesma demandante e o falecido JJ apresentaram a registo a constituição de duas hipotecas sobre o prédio acima identificado, em favor do Banco 1..., S.A., para garantia da restituição de empréstimos que o Banco referido lhes fez, sendo um no valor de € 70 107,98 e o outro no valor de € 54 481,65.

3.3.1.10

Aquelas quantias mutuadas serviram a restituição de outros empréstimos, cujas restituições estavam garantidas por outras hipotecas que oneravam o prédio em causa, tendo esses registos sido cancelados em 3 de junho de 2003.

3.3.1.11

Aquando da celebração dos contratos de mútuo referidos, foi também celebrado um contrato de seguro entre a autora e o então seu marido, em favor do Banco mutuante, para garantia de satisfação dos seus créditos resultantes desses mútuos, no caso de morte de um dos mutuários.

3.3.1.12

Esse contrato de seguro foi celebrado com a Companhia de Seguros C..., S.A.

3.3.1.13

Em 28 de novembro de 2015, por documento particular escrito, assinado e autenticado no Escritório do Solicitador XX, sito na Avenida ..., na ..., a demandante e o falecido JJ, já divorciados entre si, declararam:

«Que pelo preço total de 74.800,00 € (setenta e quatro mil e oitocentos euros), já recebidos, vendem à representada do Segundo Outorgante (a A..., S.A.), o seguinte bem imóvel:

“Prédio Urbano – sito em ..., freguesia ..., concelho de Paços de Ferreira, composto por casa de cave e rés-do-chão e logradouro destinada a habitação do tipo t-três e casa do chão destinada a indústria com logradouro, descrito na Conservatória do Registo Predial de Paços de Ferreira sob o número .../..., registado a favor dos Primeiros Outorgantes pela AP. ... de 1997/05/12, inscrito nas respetivas matrizes prediais urbanas sob o artigo ... e ... da freguesia ..., concelho de Paços de Ferreira, com os valores patrimoniais, respetivamente, de 59.980,00 € (cinquenta e nove mil e novecentos e oitenta euros) e 14.770,00 € (catorze mil setecentos e setenta euros) e declarados de 60.000,00 € (sessenta mil euros) e 14.800,00 € (catorze mil e seiscentos euros).

Que no prédio ora transmitido existem os seguintes ónus e encargos:

a) Duas hipotecas voluntárias registadas a favor do Banco 1..., S.A respetivamente pelas Ap. ... de 2003/04/02 e Ap. ... se 2003/04/02;

b) Uma penhora no valor 1.971,04 (mil novecentos e setenta e um euros e quatro cêntimos registada a favor da Fazenda Nacional, pela Ap. ... de 2015/05/07.

Que para a fração ora transmitida foi emitida licença de utilização n.º ..., em 12/11/1976 pela Câmara Municipal ....

Disse o Segundo Outorgante:

Que, na qualidade em que intervém, aceita o presente contrato nos termos exarados e que o referido prédio se destina a revenda.

Assim o disseram e contrataram.».


3.3.1.14

Pese embora o declarado no negócio descrito em 13 [3.3.1.13] é falso que a A..., S.A” tivesse pago à demandante e ao JJ a quantia de € 74.800,00, a título do preço da compra e que dela (ou de outrem) tenham recebido esse preço.

3.3.1.15

Subjacente às declarações assentes em 13 [3.3.1.13] estava o facto do falecido JJ e a demandante não disporem de meios nem rendimentos para continuarem a pagar ao Banco 1... as prestações devidas pelo reembolso dos empréstimos deste recebidos e garantidos pelas hipotecas referidas na matéria assente.

3.3.1.16

A “A..., S.A.” permitiu que o KK ficasse a residir na parte do imóvel afeta à habitação.

3.3.1.17

Em 30 de novembro de 2015, foi feito o registo do ato ora descrito, passando a demandada “A..., S.A.” a figurar no registo como dona desse prédio.

3.3.1.18

Aquando da outorga do negócio referido em 13 [3.3.1.13], a demandada “A..., S.A.” era administrada pelos demandados CC e DD, esta última que nele interveio em representação da sociedade.

3.3.1.19

Em 19 de dezembro de 2016, por documento particular escrito, assinado e autenticado no Escritório do Solicitador XX, sito na Avenida ..., na ..., a demandada DD, representada por MM, em nome da demandada “A..., S.A.”, de quem continuava a ser administradora com o demandado CC, declarou que vendia à demandada HH, tendo esta declarado que comprava, o Prédio identificado em 13 [3.3.1.13], pelo preço de € 75.000,00.

3.3.1.20

Nesse documento, a representante da demandada DD disse que a sociedade que representava já tinha recebido o preço por que declarava vender o imóvel, enquanto a demandada HH, também declarou que já o tinha pago.

3.3.1.21

No dia 26 de dezembro de 2016 foi feito o registo desse ato dito de compra e venda, ficando a demandada HH a figurar no registo como dona do prédio.

3.3.1.22

Em 3 de janeiro de 2017, por documento particular escrito, assinado e autenticado no Escritório do Solicitador XX, sito na Avenida ..., na ..., a demandada HH [declarou que vendia] e a demandada DD, administradora com o demandado CC [da A..., Lda.], em nome da sua representada, declarou que comprava, o prédio identificado em 13 [3.3.1.13] pelo preço de € 76.000,00.

3.3.1.23

Nesse documento, a demandada HH disse que já tinha recebido o preço por que declarava vender o imóvel, enquanto a demandada DD declarou que a sociedade sua representada tinha recebido esse preço.

3.3.1.24

Nesse mesmo dia 3 de janeiro de 2017 foi feito o registo desse ato dito de compra e venda, passando a demandada “A..., S.A.” a figurar novamente no registo como dona do prédio.

3.3.1.25

Em 5 de outubro de 2017, pela Ap. ..., foi registada, por renúncia, a cessação de funções do Presidente do Conselho de Administração da demandada “A..., S.A.”, o demandado CC.

3.3.1.26

E nesse mesmo dia 5 de outubro de 2017, foi registada a designação da demandada EE para o cargo de Presidente do Conselho de Administração da demandada “A..., S.A.”.

3.3.1.27

O Conselho de Administração da “A..., S.A.” passou a ter a demandada EE, no cargo de presidente, e a demandada DD, no cargo de vice-presidente.

3.3.1.28

Em 9 de abril de 2018, já após a morte do JJ, estando a propriedade do ajuizado prédio registado em nome da demandada A..., S.A., foi outorgada uma denominada “Declaração de Compromisso de Honra”, entre esta sociedade, como “Primeira Outorgante”, representada pela demandada DD, e a demandante.

3.3.1.29

Nesse documento, pela demandada DD, em nome da demandada A..., S.A., e pela primeira autora, sob as cláusulas n.º 1.ª, 2.ª, 3.ª, 4.ª e 5.ª, foi declarado o seguinte:

«Cláusula 1.ª

Por contrato de compra e venda celebrado a 28 de Novembro de 2015 com a Segunda Outorgante e JJ, a Primeira Outorgante é dona e legítima proprietária do prédio urbano sito na freguesia ..., concelho de Paços de Ferreira, composto por casa de cave e rés-do-chão e logradouro destinada a habitação do tipo t3 e casa de rés do chão destinada a indústria com logradouro, descrito na Conservatória do Registo Predial de Paços de Ferreira sob o nº ....

Cláusula 2.ª

O referido tem duas hipotecas voluntárias registadas a favor do Banco 1... S.A, respectivamente pelas Ap. ... de 2003/04/02 e Ap. ... de 2003/04/02.

Cláusula 3.ª

Em virtude do óbito de JJ a 31 de Dezembro de 2016, a Segunda Outorgante vai intentar acção judicial contra a Companhia de Seguros C..., S.A. com vista à efectivação do seguro do crédito à habitação celebrado sob a apólice n.º ....

Cláusula 4.ª

As despesas inerentes à acção judicial serão da exclusiva responsabilidade da Primeira Outorgante, designadamente no que respeita aos honorários de mandatário judicial e taxas de justiça, sem prejuízo de eventual apoio judiciário concedido à Terceira Outorgante na modalidade de dispensa de pagamento de taxa de justiça e demais encargos com o processo.

Cláusula 5.ª

1. A procedência da acção judicial importará a transmissão da propriedade do imóvel descrito na cláusula 1.ª para a segunda Outorgante por escritura a realizar em 60 dias após o trânsito em julgado da sentença.

2. A escritura será realizada em local a designar pela Primeira Outorgante que interpelará a Segunda outorgante por carta registada com a antecedência de 8 dias sobre a data da realização da escritura.

3. Na data da celebração da escritura a Segunda Outorgante liquidará o valor em dívida à Primeira Outorgante de € 34.000,00 (trinta e quatro mil euros), no entanto da escritura resultará a transmissão da propriedade pelo valor de € 75 mil euros em virtude das mais-valias.

Cláusula 6.ª

1. A improcedência da acção judicial importará a colocação à venda do imóvel descrito na cláusula 1.ª nos 8 dias seguintes ao trânsito em julgado da sentença pelo valor mínimo de € 110.000,00 (cento e dez mil euros), ou em valor inferior desde que os dois estejam de acordo e seja feito por escrito.» (cf. doc. 8).


3.3.1.30

Em 6 de dezembro de 2018, pela Ap. ..., foi registada, por renúncia, a cessação de funções da Vice-Presidente do Conselho de Administração da demandada “A..., S.A.”, a demandada DD.

3.3.1.31

Na mesma data de 6 de dezembro de 2018, pela Ap. ..., foi registada nova composição do Conselho de Administração da demandada “A..., S.A.”, o qual passou a ser composto pelas demandadas EE, como Presidente, e GG, como Vice-Presidente.

3.3.1.32

Correram os seus termos uns autos de Processo n.º 1409/18 do Juízo Central Cível de Penafiel – Juiz 2, no âmbito dos quais foi feito acordo, nos termos do qual a seguradora referida em acima satisfez ao Banco credor as dívidas garantidas pelas hipotecas descritas acima, tendo sido posto termo à execução que já corria e a respetiva penhora foi cancelada, na sequência do Ap. ... de 23 de fevereiro de 2019.

3.3.1.33

Em 12 de junho de 2019, a demandante interpelou a demandada “A..., S.A.”, nos termos constantes da seguinte carta:

«Conforme é do conhecimento de V. Exas, sobre o imóvel descrito em assunto, com data de 28-11-2015, foi feito um contrato de compra e venda entre mim, o meu falecido (ex)marido, JJ, e a v/sociedade imobiliária, destinado a garantir um empréstimo tratado por nós, e pelo pai do meu falecido marido, com o Exmo. Sr. CC, uma vez que o preço mencionado no referido contrato não foi pago nem recebido.

Como é também do v/ conhecimento, o falecimento do meu marido (e suas circunstâncias) deu origem a um contencioso com a Companhia de Seguros C... S.A. que terminou com um acordo a partir do qual foi efectivada a responsabilidade do seguro para pagamento do crédito garantido por hipoteca(s) sob o imóvel.

Nos termos da cláusula 5.ª da “Declaração de Compromisso de Honra” de 9 de Abril de 2018, a procedência da ação judicial importará a transmissão da propriedade do imóvel para a aqui signatária, por escritura a realizar em 60 dias após o trânsito em julgado da sentença, sendo que tal escritura será realizada em local a designar por V. Exas. mediante aviso com oito dias de antecedência por carta registada.

Acresce de que, na data da realização da escritura, a signatária liquidará a V. Exas. o valor em dívida no montante de € 34.000,00 (trinta e quatro mil euros), ainda que o valor a constar no documento de transmissão da propriedade seja de € 75.000,00

(setenta e cinco mil euros), por virtude de mais-valias fiscais.

Ora, nesta data, ainda não foi transmitida a propriedade do referido imóvel, conforme previsto no “Compromisso de Honra”, nem recebi qualquer carta com a marcação da escritura.

Em face do exposto, venho solicitar a V. Exas. por mim e em representação do meu filho menor BB, herdeiro de JJ, que marquem a referida escritura, num prazo de oito dias, conforme exarado no aludido contrato, sob pena de acionar os meios legais ao dispor.

Sem mais assunto de momento, apresento a V. Exas. os meus melhores cumprimentos».


3.3.1.34

Em 24 de junho de 2019, por documento particular escrito, assinado e autenticado no Escritório do Solicitador YY, sito na Rua ..., na ..., o demandado FF, marido da demandada e administradora da A..., S.A., declarou vender o imóvel em apreço à demandada B... Unipessoal, Lda., representada pelo seu único sócio e gerente, o demandado II[32].

3.3.1.35

Na autenticação do dito contrato de compra e venda, o autor da autenticação disse que “o pagamento foi efetuado através do cheque n.º ..., da Banco 2... datado de 24/06/2019” (cf. doc. 11 junto em 20/4/2020).

3.3.1.36

No dia 27 de junho de 2019 foi feito o registo desse ato dito da compra e venda, passando a demandada B... Unipessoal, Lda. a figurar no registo como dona do prédio.

3.3.1.37

A sociedade B... Unipessoal, Lda. foi constituída em 23 de novembro de 2018 pelo demandado II.

3.3.1.38

Desde a constituição da sociedade até ao presente [entenda-se até à instauração da ação] o demandado II é o único sócio e único gerente dessa sociedade.

3.3.1.39

A “B...” registou a sua aquisição a 27 de junho de 2019.

3.3.1.40

Bem assim ao contrário do declarado conforme 35 dos factos assentes [3.3.1.34], a “A..., S.A” não quis vender esse imóvel à demandada B... Unipessoal, Lda., nem esta o quis comprar.

3.3.1.41

A demandada “B...” não pagou pelo imóvel o preço que declarou ter pago, nem a demandada “A...” recebeu o preço que declarou ter recebido.

3.3.1.42

Em 21 de agosto de 2019, pela Ap. ..., foi feito o registo da transformação da demandada A..., S.A., em sociedade por quotas, passando a denominar-se A..., Lda..

3.3.1.43

O capital social da sociedade manteve-se no valor de 250 000 euros[33], passando a ficar dividido em duas quotas, sendo uma de 247 500 euros, pertencente à demandada EE, e a outra de 2 500 euros, pertencente à demandada GG.

3.3.1.44

A gerência da sociedade passou a ser exercida pela demandada EE.

3.3.1.45

A Autora deu entrada dos presentes autos a 16 de abril de 2020.

3.3.1.46

Por escritura pública realizada em 29/05/2021, os ali intervenientes declararam celebrar um contrato de compra e venda, no qual figura como vendedora a ré “B...” e como compradora a sociedade D..., Lda., o qual teve por objeto os prédios urbanos destinados a habitação, compostos de dois pisos e logradouro, inscrito na matriz sob o artigo ..., com valor patrimonial de € 52.760.00 e de um armazém e atividade industrial, composto de um piso e logradouro, inscrito na matriz sob o artigo ..., com valor patrimonial de € 13 040.00, descritos na Conservatória de Registo Predial de Paços de Ferreira sob o nº ...-....

3.3.1.47

O registo do direito de propriedade a favor da D..., Lda. foi-o em 04/06/2021.

3.3.1.48

Nas ocasiões referidas nos pontos que antecedem não constava do registo dos imóveis a instauração desta ação[34].

3.3.1.49

Os outorgantes da escritura referida em 45 [3.3.1.46] haviam outorgado um contrato-promessa, assinado em 04/03/2020.

3.3.1.50

O gerente da D..., Lda., OO, foi pessoa de relações próximas do falecido JJ, marido da autora.

3.3.1.51

Após a celebração do negócio referido em 13 [3.3.1.13], o réu FF procedeu à transferência dos seguintes valores:

a) € 6.464,08 (seis mil, quatrocentos e sessenta e quatro euros e oito cents) para contas tituladas por KK e JJ;

b) € 2.607,36 (dois mil, seiscentos e sete euros e trinta e seis cents) para conta titulada por JJ.

c) € 600,00 (seiscentos euros) para conta titulada por JJ.


3.3.1.52

Após o decesso do JJ, o réu FF liquidou dívidas daquele à Autoridade Tributária, no valor global de € 851,58 (oitocentos e cinquenta e um euros e cinquenta e oito cents).

3.3.1.53

E ainda dívidas bancárias no valor de € 5 643,19 (cinco mil, seiscentos e quarenta e três euros e dezanove cents).

3.3.2 Factos não provados


3.3.2.1

O falecido JJ e a demandante emitiram as declarações assentes em 13 [3.3.1.13] no pressuposto de que os demandados CC e FF, amigos do falecido marido da demandante, conseguiriam da banca um empréstimo de 110 000 euros, desde que o prédio identificado “fosse posto em nome da sua sociedade” (que era a “A..., S.A”).

3.3.2.2

Combinaram então que, recebida essa quantia seriam pagas ao Banco 1... as dívidas que o JJ e a Demandante tinham perante esse banco, que, na altura, somavam cerca de 75 000 euros, e, com a restante quantia, seriam pagas despesas e impostos das transações a efetuar, ficando a “A..., S.A” com um lucro de 10.000 euros, sendo o remanescente entregue ao JJ e Demandante;

3.3.2.3

Foi com base no acordo assim definido que o falecido JJ e a demandante subscreveram as declarações assentes em 13 [3.3.1.13].

3.3.2.4

Foi a necessidade de pagarem as dívidas garantidas pelas hipotecas que impendiam sob o ajuizado prédio e ainda de receberem cerca de 30 000 euros, que determinou a demandante e o falecido JJ a declarar que vendiam o identificado prédio, sendo que a confiança que tinham nos administradores da compradora determinou-os a acreditar que era necessário transmitir primeiro a propriedade do prédio para a sociedade, para esta obter o empréstimo com que seriam pagas as suas dívidas.

3.3.2.5

A “A..., S.A.” passou a pagar as prestações do crédito bancário em dívida ao Banco 1....

3.3.2.6

Os demandados CC e DD não quiseram comprar o prédio;

3.3.2.7

Os demandados CC e DD congeminaram vendas sucessivas desse prédio para tornar difícil ou mesmo impossível a declaração de nulidade das declarações assentes em 13 [3.3.1.13], para o que contaram com a comparticipação dos demais demandados.

3.3.2.8

Ao contrário do declarado nos termos assentes em 20 [3.3.1.19], a “A..., S.A” não quis vender esse imóvel à demandada HH, nem esta o quis comprar.

3.3.2.9

Na sequência desse negócio, a “A..., S.A” não entregou o imóvel à demandada HH, nem esta lhe pediu nem exigiu essa entrega;

3.3.2.10

.Ao contrário do declarado nesse documento, a demandada HH não pagou à “A..., S.A” o declarado preço, nem esta o recebeu.

3.3.2.11

Mediante a declaração sob 20 dos factos assentes [3.3.1.20], a “A..., S.A” visava impedir os efeitos práticos de uma ação que a demandante e o falecido JJ intentassem contra si, a fim de ser declarada a nulidade do contrato de compra e venda que aparentemente celebraram em 28 de dezembro de 2015

3.3.2.12

A demandada HH tinha perfeito conhecimento desse facto e com o ato que se prontificou a realizar com a “A..., S.A” deu assim a ajuda que esta sociedade pretendia, a de impedir os efeitos práticos da ação que a demandante e o JJ viriam, certamente, a intentar.

3.3.2.13

Na sequência desse negócio, a “A...” não entregou o imóvel à demandada “B...”, nem esta lhe pediu nem exigiu essa entrega.

3.3.2.14

O ato praticado entre estas duas sociedades tinha por fim, apenas, impedir a eficácia prática de uma ação que declarasse nulo o contrato de compra e venda outorgado em 28 de novembro de 2015, entre o falecido JJ e a demandante, na qualidade de vendedores, e a “A...”, na qualidade de compradora.

3.3.2.15

O único sócio e gerente da demandada “B...” tinha conhecimento dos factos descritos.

3.3.2.16

Todos os demandados agiram sempre em concertação de esforços, e com o fim deliberado de desapropriarem a demandante e seu falecido marido JJ do imóvel.

3.3.2.17

Os réus “B...” e seu gerente desconhecem todos os negócios e seus contornos de compra e venda anteriores à aquisição pela ré “B...”, do imóvel em causa nos presentes autos, a 24 de junho de 2019.

3.3.2.18

O falecido JJ e o seu pai KK foram pedindo ao demandado FF o empréstimo de várias quantias de dinheiro, titulando esses empréstimos mediante a entrega (por ambos) ao FF das seguintes letras, no total de € 73.668,93 (setenta e três mil, seiscentos e sessenta e oito euros e noventa e três cents) para assegurar o pagamento dos valores emprestados, conforme doc. n.º 2 junto com a contestação respetiva:

a) Com data de vencimento a 07/03/1999, no valor de € 7.322,35 (sete mil, trezentos e vinte e dois euros e trinta e cinco cents);

b) Com data de vencimento a 08/04/1999, no valor de € 6.524,28 (seis mil, quinhentos e vinte e quatro euros e vinte e oito cents);

c) N.º ..., com data de vencimento a 05/03/2001, no valor de € 4.987,98 (quatro mil, novecentos e oitenta e sete euros e noventa e oito cents);

d) N.º ..., com data de vencimento a 26/09/2001, no valor de € 16.535,15 (dezasseis mil, quinhentos e trinta e cinco euros e quinze cents);

e) N.º ..., com data de vencimento a 06/01/2002, no valor de € 2.643,63 (dois mil, seiscentos e quarenta e três euros e sessenta e três cents);

f) N.º ..., com data de vencimento a 26/03/2002, no valor de € 5.461,83 (cinco mil, quatrocentos e sessenta e um euros e oitenta e três cents);

g) N.º ..., com data de vencimento a 01/05/2002, no valor de € 11.931,24 (onze mil, novecentos e trinta e um euros e vinte e quatro cents);

h) N.º ..., com data de vencimento a 27/05/2002, no valor de € 4.369,47 (quatro mil, trezentos e sessenta e nove euros e quarenta e sete cents);

i) N.º ..., com data de vencimento a 28/06/2002, no valor de € 4.369,47 (quatro mil, trezentos e sessenta e nove euros e quarenta e sete cents);

j) N.º ..., com data de vencimento a 26/08/2002, no valor de € 2.730,00 (dois mil, setecentos e trinta euros);

k) N.º ..., com data de vencimento a 28/09/2002, no valor de € 3.000,00 (três mil euros);

l) N.º ..., com data de vencimento a 30/12/2002, no valor de € 2.289,00 (dois mil, duzentos e oitenta e nove euros);

m) N.º ..., com data de vencimento a 30/03/2003, no valor de € 1.689,00 (mil, seiscentos e oitenta e nove euros);

n) N.º ..., com data de vencimento a 04/06/2006, no valor de € 4.185,00 (quatro mil, cento e oitenta e cinco euros).


3.3.2.19

Em agosto de 2015, o falecido JJ e o seu pai ficaram a dever à E..., Ld.ª, gerida pelo mesmo FF, o valor de € 9.199,22 (nove mil, cento e noventa e nove euros e vinte e dois cents), em virtude de fornecimento de bens não pagos.

3.3.2.20

À data da outorga da declaração referida em 13 [3.3.1.13] a dívida existente entre o falecido JJ (o seu pai) e o FF (em nome pessoal e enquanto gerente da E..., Ld.ª) ascendia já a mais de € 82.868,15 (oitenta e dois mil, oitocentos e sessenta e oito euros e quinze cents).

3.3.2.21

Razão pela qual, por iniciativa do falecido JJ e do seu pai, estes propuseram ao FF que, para garantir o cumprimento do valor em dívida, o imóvel onde vivia o KK passasse para o nome do FF.

3.3.2.22

O FF aceitou a proposta, com a condição do negócio ser celebrado com a sociedade “A...”, porque é o gerente de facto da sociedade e pelo facto de a mesma se dedicar à compra e venda de bens imóveis, indústria da construção civil, promoção e realização de loteamentos, promoção imobiliária e arrendamento de imóveis próprios.

3.3.2.23

A condição imposta pelo falecido JJ e pelo seu pai era a de que este último continuasse a poder habitar no imóvel, deixando livre, para indústria, a parte do imóvel não afeta a habitação.

3.3.2.24

Essa a realidade subjacente ao negócio assente em 13 [3.3.1.13].

3.3.2.25

A D..., Lda. não conhecia o histórico do prédio e das eventuais compras e vendas anteriores.

3.3.2.26

O gerente da D..., Lda., Sr. OO, é “velho” amigo dos sócios da ré “A...” bem como dos sócios da ré “B...”.

3.3.2.27

Acompanhou o negócio celebrado entre o falecido JJ e autora com a ré “A...”, que envolvia os bens imóveis em causa nos autos.

3.3.2.28

Conhecia os seus contornos e os seus objetivos.

3.3.2.29

Igualmente sabia da realização negócio celebrado entre a “A...” e a “B...”, que teve por objeto os mesmos bens.

3.3.2.30

Sempre conheceu os termos da presente ação ou, pelo menos, sabia da sua existência, sabendo, igualmente, que esta ação tem por objeto os prédios declarados adquirir e quais os objetivos que a autora persegue com a mesma.

3.3.2.31

A declarada compra foi-o pela interveniente em conluio com as rés “A...” e “B...”.

3.3.2.32

Com o objetivo de dificultar a posição da autora nos autos, na prossecução dos seus objetivos.

3.3.2.33

Nem a “B...” quis vender os bens, nem a interveniente quis comprar os mesmos.

3.3.2.34

Quiseram, antes, impedir que a autora possa satisfazer o seu direito invocado nos autos.

3.3.2.35

O negócio referido em 13 [3.3.1.13] foi-o de livre vontade, bem sabendo a autora que a venda servia para compensar/pagar os valores emprestados pelo réu FF ao falecido JJ e ao seu pai e que estes não conseguiam devolver.

3.3.2.36

A outorga referida em 29 dos factos assentes [3.3.2.29] foi-o na condição de a autora liquidar todos os valores em dívida do seu falecido ex-marido e ex-sogro, bem como todas as prestações bancárias liquidadas, às quais acresceriam as despesas havidas com o imóvel, designadamente de IMI, pagamento de penhoras, pagamento de prestações bancárias entretanto pagas, as despesas de honorários e taxas de justiça, bem como o pagamento ao Banco 1... do valor que não estava previsto pela apólice do seguro.

3.3.2.37

Porque a autora nunca se prontificou a pagá-las é que a ré vendeu o imóvel.

3.3.2.38

Após a celebração do negócio referido em 13 [3.3.1.13], o réu FF procedeu à transferência do valor de € 1.202,00 (mil duzentos e dois euros) (€ 410,00 + € 792,00) à Banco 4..., conforme documento n.º 7, junto com a Contestação.

3.3.2.39

O réu FF procedeu à transferência dos valores referidos em 50 [3.3.2.51] dos factos provados para ajudar o falecido JJ e o pai deste.

4. Fundamentos de direito

Da repercussão da eventual alteração da decisão da matéria de facto na sorte da ação

A recorrente pugna pela revogação da decisão recorrida essencialmente com base na alteração da factualidade provada em consequência da procedência da impugnação da decisão da matéria de facto por si deduzida, factualidade que a recorrente afirma integrar a prática por todos os demandados de um crime de burla qualificada, previsto e punido nos artigos 217º, nº 1, 218º, nº 2, alíneas a), c) e d), com referência aos artigos 202º, alínea b), 14º, nº 1, 26º e 29º, todos do Código Penal.

Cumpre apreciar e decidir.

Apesar de a impugnação da decisão da matéria de facto requerida pela recorrente ter procedido relativamente a um dos pontos de facto provados e a dois factos não provados, os factos essenciais em que os autores firmaram a ação e que a recorrente invoca para pugnar pela procedência da sua pretensão recursória, não se provaram.

Não resulta da factualidade provada que a recorrente e o seu falecido marido tenham sido enganados pela A... para celebrar o contrato de compra e venda em 28 de novembro de 2015.

O que resulta da factualidade provada é a celebração de um negócio translativo de um imóvel e que subjacente a esse negócio estava o facto do falecido JJ e a demandante não disporem de meios nem rendimentos para continuarem a pagar ao Banco 1... as prestações devidas pelo reembolso dos empréstimos deste recebidos e garantidos por hipotecas (ponto 3.3.1.15 dos factos provados), o que indicia que a iniciativa na conclusão daquele negócio partiu dos vendedores, pois eles é que tinham necessidade de o celebrar.

A falta de pagamento do preço por si só não basta para concluir pela verificação de um crime de burla, só assim não sendo na hipótese especial da burla para obtenção de bebidas, alimentos ou serviços (artigo 220º do Código Penal), caso em que o não pagamento da dívida contraída constitui uma condição objetiva de punibilidade.

Aliás, a ora recorrente nunca se queixou da falta de pagamento do preço, nem exigiu o seu pagamento, como resulta exuberantemente da “Declaração de Compromisso de Honra” datada de 09 de abril de 2018, declaração em que a ora recorrente reconhece dever à A... a quantia de € 34 000,00, quando a reversão da titularidade do prédio vendido em 28 de novembro de 2015 se vier a operar.

A recorrente limita-se a tecer inconsequentes considerações de ordem metodológica sobre a prioridade do caso sobre o direito, esquecendo convenientemente a problemática do círculo hermenêutico e não aduzindo qualquer argumento estritamente jurídico para infirmar a decisão recorrida em face dos factos que lhe serviram de base.

Neste circunstancialismo, na falta de quaisquer outros fundamentos aduzidos para revogação da decisão sob censura e não se divisando quaisquer motivos para isso de conhecimento oficioso deste tribunal, dada a vinculação deste tribunal na sua esfera de cognição à delimitação objetiva resultante das conclusões do recurso, deve concluir-se, sem mais, pela improcedência do recurso, sem prejuízo da parcial procedência da impugnação da decisão de facto, ainda que inócua para a sorte do litígio.

A improcedência do recurso de apelação prejudica o conhecimento das ampliações do âmbito do recurso requeridas por A..., Lda. e B... Unipessoal, Lda. e bem assim o recurso subordinado subsidiário interposto por FF.

As custas do recurso são da responsabilidade da recorrente, pois que a sua pretensão recursória de revogação da decisão recorrida improcedeu, mas sem prejuízo do apoio judiciário que lhe foi concedido.

5. Dispositivo

Pelo exposto, os juízes subscritores deste acórdão, da quinta secção, cível, do Tribunal da Relação do Porto acordam em julgar improcedente o recurso de apelação interposto por AA, sem prejuízo da parcial procedência da impugnação da decisão da matéria de facto e, em consequência, em confirmar a sentença recorrida proferida em 23 de maio de 2024.

Custas a cargo da recorrente, sendo aplicável a secção B, da tabela I, anexa ao Regulamento das Custas Processuais, à taxa de justiça do recurso, mas sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficia.


***

O presente acórdão compõe-se de setenta e uma páginas e foi elaborado em processador de texto pelo primeiro signatário.


Porto, 26/6/2025
Carlos Gil
Carla Fraga Torres
Ana Olívia Loureiro
______________
[1] Está junto aos autos expediente (trata-se do documento que se segue ao documento nº 8 oferecido com a petição inicial) que comprova a concessão a esta autora de apoio judiciário na modalidade de dispensa de pagamento de taxa de justiça e demais encargos com o processo.
[2] Lida e relida a petição inicial não se consegue perceber quem é o “referido NN”.
[3] Notificada às partes mediante expediente eletrónico elaborado em 24 de Maio de 2024.
[4] Veja-se o Código de Processo Civil Anotado, Coimbra Editora 1984, reimpressão, Volume V, página 140.
[5] Neste sentido veja-se o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 02 de março de 2011, relatado pelo Sr. Juiz Conselheiro Sérgio Poças, no processo nº 161/05.2TBPRD.P1.S1 e acessível no site da DGSI.
[6] A propósito veja-se, Código de Processo Civil Anotado, Volume 2º, 3ª edição, Coimbra Editora 2017, José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, páginas 712 a 714 e 737. Não obstante os argumentos não sejam questões, do ponto de vista retórico e da força persuasiva da decisão, há interesse na sua análise e refutação.
[7] Indicação simples de fazer por simples remissão para os números que identificam os pontos de facto provados e não provados impugnados.
[8] Chega-se a esta conclusão dado o conteúdo que a recorrente atribui ao ponto 16.
[9] Neste sentido vejam-se: Recursos em Processo Civil, 7ª Edição Atualizada, Almedina 2022, António Santos Abrantes Geraldes, primeiro parágrafo da página 358 e nota 564.
[10] Sobre esta exigência veja-se Recursos em Processo Civil, António Santos Abrantes Geraldes, 7ª Edição Atualizada, Almedina 2022, página 201, alínea b) e nota 346.
[11] A propósito veja-se Recursos em Processo Civil, António Santos Abrantes Geraldes, 7ª Edição Atualizada, Almedina 2022, página 201, alínea c) e nota 347.
[12] Neste sentido veja-se Recursos em Processo Civil, António Santos Abrantes Geraldes, 7ª Edição Atualizada, Almedina 2022, página 201, alínea e).
[13] A especificação não obedece a qualquer formulário, mas, a nosso ver, a forma mais simples e inequívoca de a fazer é indicar os números ou as alíneas que identificam cada um dos pontos de facto impugnados.
[14] Anote-se que foram ouvidas duas pessoas com o nome próprio “ZZ” na audiência final: a DD, na sessão realizada em 08 de fevereiro de 2024 e PP, na sessão que decorreu no dia 08 de março de 2024.
[15] Neste sentido, por todos, veja-se o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 20 de janeiro de 2005, relatado pelo Sr. Conselheiro Oliveira Barros, no processo nº 04B347, acessível no site do IGFEJ.
[16] No sentido da impossibilidade de contradição entre respostas negativas e positivas veja-se o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 15 de abril de 2010, relatado pelo Sr. Conselheiro Bettencourt de Faria, no processo nº 9810/036TVLSB.S1, acessível no site da DGSI. Em sentido oposto, em casos excecionais, veja-se o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 20 de maio de 2010, relatado pelo Sr. Conselheiro Alves Velho, no processo nº 2655/04.8TVLSB.L1.S1, acessível no site do IGFEJ.
[17] Por exemplo dando-se como provado que certo muro é branco e como não provado que o mesmo muro é branco, situação em que há uma clara violação de uma regra lógica de que a mesma coisa não pode ter e não ter os mesmos atributos. Claro está que mesmo nestes casos sempre se poderá dizer que o juízo probatório do tribunal é apenas isso e não um juízo ontológico, um juízo do domínio do ser. A circunstância de se julgar provado ou não provado certo facto não o torna realmente existente ou inexistente, embora a força do caso julgado possa em termos práticos dar essa aparência.
[18] Este ponto dos factos não provados, recorde-se, tem o seguinte conteúdo: “Os demandados CC e DD não quiseram comprar o prédio”.
[19] Além da prova de que os demandados CC e DD não quiseram comprar o prédio, a recorrente pretende que se dê como provado que quiseram sim apropriar-se ilegitimamente do mesmo”.
[20] Este ponto de facto tem o seguinte teor: “Pese embora o declarado no negócio descrito em 13 [este negócio é a compra e venda celebrada em 28 de novembro de 2015] é falso que a A..., S.A” tivesse pago à demandante e ao JJ a quantia de € 74 800,00, a título do preço da compra e que dela (ou de outrem) tenham recebido esse preço.
[21] A denominação desta declaração pode remeter-nos para a problemática dos simples acordos e sobre a sua vinculatividade jurídica (sobre esta questão, por todos, veja-se Teoria Geral da Relação Jurídica, Vol. II, 4ª Reimpressão, Almedina 1974, AAA, nº 62, páginas 28 a 33).
[22] Este ponto de facto tem o seguinte teor: “Bem assim ao contrário do declarado conforme 35 dos factos assentes, a “A..., S.A” não quis vender esse imóvel à demandada B... Unipessoal, Lda., nem esta o quis comprar.” O ponto 35 dos factos assentes tem o seguinte conteúdo: “Em 24 de junho de 2019, por documento particular escrito, assinado e autenticado no Escritório do Solicitador YY, sito na Rua ..., na ..., o demandado FF, marido da demandada e administradora da A..., S.A., declarou vender o imóvel em apreço à demandada B... Unipessoal, Lda., representada pelo seu único sócio e gerente, o demandado II.
[23] Esses pagamentos teriam sido em junho (?) de 2021 e março de 2023, não tendo sido esclarecido como foram feitos estes pagamentos e quais os seus montantes.
[24] Repare-se que mesmo na versão dos autores, a compra e venda celebrada em 28 de novembro de 2015 visava enganar uma entidade bancária para obter um empréstimo bancário, transferindo para tanto a propriedade do imóvel para a esfera jurídica da A....
[25] Estas provas indiretas ou indiciárias, como já antes deixámos escrito, são em matéria civil as denominadas presunções judiciais reguladas nos artigos 349º e 351º do Código Civil. Já houve no nosso direito uma regulação mais detalhada quanto à utilização da prova por presunções e em termos bastante próximos quanto àqueles que devem nortear a utilização das provas indiretas, regulação que constava do livro III, título V, artigo XXXII, § 969 do Código Comercial de 1833, previsão que é a tradução literal e quase integral do artigo 1353 do famoso Code Civil, vulgarmente conhecido como o Código Napoleão.
[26] Michele Taruffo in Simplemente la Verdad, El Juez y la Construcción de los Hechos, Marcial Pons 2010, páginas 189 a 190 critica a consagração legal destas regras racionais de apreciação de apreciação das provas indiretas.
[27] Sobre a prova indiciária em processo penal, mas em termos que cremos transponíveis para o processo civil vejam-se, com interesse, La Mínima Actividad Probatória en el Proceso Penal, J. M. Bosch Editor, 1997, M. Miranda Estrampes, páginas 231 a 249; La Prueba Indiciaria da autoria de Andrés Martínez Arrieta in La Prueba en el Proceso Penal, publicado por Centro de Estudios Judiciales, Colección Cursos, vol. 12, Madrid 1993, páginas 53 a 73; Tratado de la Prueba Criminal da autoria de C. J. A. Mittermaier, undecima edición adicionada y puesta al dia por Pedro Aragoneses Alonso, Editorial Reus, SA, 2004, páginas 363 a 366, 371 a 375 e 385 a 387. No domínio civil, reconduzindo a gravidade, precisão e concordância dos factos que servem de base à presunção à prudente apreciação do juiz veja-se, Boletim do Ministério da Justiça nº 110, Provas (Direito Probatório Material), Professor Vaz Serra, páginas 190 a 192.
[28] Neste ponto dá-se como provado que em 12 de junho de 2019 a autora interpelou a A... nos termos de uma carta que de seguida se reproduz. Esta carta está datada de 12 de junho de 2019 e tem a indicação de ter sido registada com aviso de receção. Porém, não existe qualquer comprovativo do registo desta carta ou da assinatura pela A... ou de alguém a ela ligado de um aviso de receção. O certo é que o tribunal a quo deu como provada a interpelação da A... em 12 de junho de 2019, não tendo essa factualidade sido impugnada.
[29] Recorde-se que no documento particular que formalizou a compra e venda datada de 24 de junho de 2019, na autenticação desse contrato, o autor da autenticação. declarou que “o pagamento foi efetuado através do cheque n.º ..., da Banco 2... datado de 24/06/2019”.
[30] Este conhecimento refere-se ao gerente da D..., o Sr. OO.
[31] Este negócio é a compra e venda celebrada em 28 de novembro de 2015.
[32] No documento nº 10 de que foi extraída esta factualidade, consta que II, na qualidade de gerente da sociedade B... Unipessoal, Lda. declarou aceitar o contrato para a sua representada e que o prédio se destinava a revenda.
[33] No artigo 46 da petição inicial e na sentença recorrida refere-se que o capital social da sociedade se manteve em “€ 25 000,00”, sendo ostensivo o lapso cometido na petição inicial e na sentença face ao que consta do documento nº 9 oferecido para prova desta matéria, lapso que se corrigiu oficiosamente.
[34] O registo da ação foi determinado por despacho proferido em 04 de outubro de 2021 e veio a efetivar-se em 11 de outubro de 2021 (veja-se o ofício de 18 de novembro de 2021, com a referência citius 7508989).