SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA
AUDIÇÃO DO CONDENADO
IRREGULARIDADE PROCESSUAL
Sumário

Sumário:
(da responsabilidade da Relatora):
I. A ausência do técnico na audição do condenado, nos termos do artigo 495, nº 2 do CPP constitui uma irregularidade.
II. Estando presentes na audição do condenado, quer este, quer o seu defensor, e nada sendo arguido, a irregularidade encontra-se sanada nos termos do artigo 123, nº1 do CPP.
III. A ausência do técnico não afeta as garantias de defesa do condenado, acauteladas quer com a sua audição, quer com a presença do defensor.
IV. E também não afeta o valor do ato, quando o condenado de forma reiterada se recusa a responder às convocatórias da DGRSP e a colaborar com a mesma, sendo inexistentes, ou esporádicos, os contactos com técnico.

Texto Integral

Decisão sumária:

Art. 417º, n.º 6, al. b), do Código de Processo Penal.
Processo 913/22.9PZLSB.L1:
A)-Relatório:
No âmbito do processo 913/22.9PZLSB.L1, do Juízo Local Criminal de Lisboa - Juiz 13, por despacho datado de 18.2.2025, decidiu-se revogar a suspensão da execução da pena de prisão aplicada ao arguido AA.
Inconformado com este despacho veio o arguido interpor recurso.
Conclui nos seguintes termos:
“1. Não existe relatório social actualizado nos autos, ao que impede uma decisão correcta.
2. O Tribunal recorrido devia ter solicitado relatório actualizado.
3. A lei penal faz depender tal decisão da observância de tais exigências, como forma de garantir que seja a decisão mais acertada perante cada caso concreto.
4. Esta falta constitui uma irregularidade.
5. O Tribunal “a quo” tomou esta decisão sem ter efectuado todos os esforços para obter informações correctas e actualizadas.
6. Não foi igualmente ouvido o técnico responsável, pelo relatório social, para aferi dos motivos para a conduta do arguido”.
E assim, pretende:
a) A anulação da decisão de revogação de suspensão da pena aplicada nos presentes autos;
b) O Tribunal a quo diligencie pela obtenção de um relatório social actualizado;
O recurso foi admitido com efeitos suspensivos, a subir nos próprios autos.
O MP respondeu ao recurso, pugnando pela sua improcedência.
Conclui nos seguintes termos:
1ª Nos presentes autos, o arguido foi condenado pela prática de um crime de violência doméstica e de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, na pena de dois anos de prisão, suspensa na sua execução pelo mesmo período de tempo, com sujeição a regime de prova, acompanhado pela DGRSP.
2ª Desde logo, no que respeita ao alegado no recurso interposto quanto à ausência de relatório social, verifica-se que foi realizado plano de reinserção social, homologado nos autos. Contudo, aquele plano não pôde ser fiscalizado ou acompanhado pelos serviços competentes em virtude das sucessivas faltas de comparência por parte do arguido.
3ª Com efeito, foi o próprio arguido que voluntariamente ignorou os contactos do tribunal e dos serviços de reinserção social para comparecer quando convocado e apenas compareceu no Tribunal sob detenção.
4ª Assim sendo, não se diga que era necessário proceder à audição do técnico de reinserção social, já que, o incumprimento do regime de prova decorreu exatamente da total ausência de contacto do arguido com os técnicos, como resulta, à evidência, do teor do relatório de 6/03/24 da ERS.
5ª Na situação dos autos, o condenado apenas compareceu ao plano de reinserção social e, menos de um mês depois, os serviços informaram da manutenção de estilo de vida, ausência de inserção laboral, contacto com estupefacientes, faltas de contacto e de comparência.
6ª Deste modo, é manifesto o incumprimento grosseiro e repetido das obrigações de comparência inerentes ao regime de prova, pelo que se mostra totalmente infirmado o juízo de prognose favorável à suspensão da execução da pena de prisão.
7ª De facto, o arguido revelou total alheamento e insensibilidade perante a
atuação das entidades policiais e dos serviços de reinserção social, inviabilizando o cabal acompanhamento da suspensão enquanto se manteve em liberdade.
8ª Deste modo, o desrespeito pelas regras e condições impostas à suspensão, não podem deixar de concluir que as razões que determinaram a suspensão de execução da pena de prisão se mostram absolutamente colocadas em crise, pelo que, muito bem andou a Mmª Juiz ao determinar a revogação daquela suspensão”.
*
Remetidos os autos a este Tribunal a Ex.m.ª Senhora Procuradora Geral Adjunta emitiu parecer nos seguintes termos:
Compulsados por nós os autos ouvida, constata-se que a 08.02.2024 foi homologado o Plano de Reinserção Social do arguido; foi informado pela equipa Lisboa Penal 5 a 19.04.2024 que o arguido “não compareceu nestes serviços, nem efetuou qualquer contacto de forma a justificar a sua ausência, encontrando-se interrompido o acompanhamento desenvolvido por esta Equipa da DGRSP.”
Foi o arguido notificado por decisão do tribunal, no prazo máximo de 10 dias comparecer na DGRSP a fim de permitir o seu acompanhamento por aquela Direcção Geral conforme ficou estabelecido por sentença, sob pena de, não o fazendo, vir a suspensão da execução da pena aplicada ser revogada e ser-lhe determinado o cumprimento de 2 anos de prisão (vide despacho de 02.05.2024 e prova de deposito a 13.05.2024.
Deste despacho foi igualmente notificado o seu mandatário.
A 01.07.2024 informou a DGRSP que: “informa-se V. Exa que AA não compareceu nestes serviços, nem efetuou qualquer contacto de forma a justificar a sua ausência, assim como não atendeu as nossas chamadas ou respondeu a mensagens enviadas via WhatsApp.
O condenado encontra-se igualmente em incumprimento por falta de comparência às entrevistas marcadas relativamente ao Proc. ...7.../19 do Juízo Local Criminal de Loures em que lhe foi prorrogada a medida judicial inicial (dois anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período) por mais um ano. Aproveitamos ainda para informar que no dia 27/6, foi solicitado a esta equipa, Relatório Social para julgamento, no âmbito do Proc. 350/23.8... do Juiz 2 Juízo Local de Pequena Criminalidade de Lisboa, com audiência marcada para 11/7/2024.”
Nesta sequência foi determinado nos termos e para o efeito previsto no art.º n.º 2 do art.º 495.º do Código de Processo Penal, (vide despacho de 22.10.2024) a audição do arguido em despacho devidamente fundamentado, o arguido faltou à diligência para o qual estava notificado, conforme prova de deposito a 31.10.2024, em virtude desta ausência, foram emitidos mandados d detenção para comparência a nova audiência, tendo o arguido sido detido para a realização da diligência.
Nesta, explicado ao arguido a finalidade da diligência bem como o alcance da decisão em que estava condenado, nomeadamente a importância do cumprimento do plano de reinserção social e do regime de prova determinado, o tempo que já havia decorrido desde o trânsito da decisão bem como da homologação do plano de reinserção social, , demostrou o arguido um total alheamento relativamente ao conteúdo da pena em que estava condenado, bem como à necessidade de cumprir o plano de reinserção social que lhe estava determinado – justificando que não recebeu a cartas porque estava fora, mas sem conseguir concretizar datas e locais em que devia comparecer, referindo que havia comparecido naquele tribunal , mas fora de horas.
Pelo exposto, constata-se que efectivamente o arguido não interiorizou o alcance da decisão de suspensão de execução da pena proferida, não aderindo ao plano de reinserção para si construído, não manifestando igualmente qualquer interesse naquele cumprimento. A falta de adesão do arguido, a ausência de ressonância relativamente ao conteúdo da condenação, a total apatia relativamente aos motivos do seu incumprimento bem como à gravidade da sua conduta, revelam um incumprimento grosseiro do regime de prova aplicado, por parte do arguido. o que, como referido na decisão, não mostra ser possível “manter o juízo de prognose favorável feito aquando da prolação da sentença”, não sendo de prever que a aplicação de qualquer das medidas previstas no artigo 55º do CPP, viesse a ter consequências positivas na adesão àquele cumprimento.
Entendemos dever o recurso improceder”.
Foi cumprido o artigo 417, nº2 do CPP.
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Da decisão recorrida:
É o seguinte o teor da decisão recorrida:
Da suspensão da execução da pena de prisão aplicada ao AA:
Por sentença datada de 31/10/2023 e transitada em julgado a 30/11/2023, foi o arguido AA condenado:
- Pela prática, em coautoria material e na forma consumada, de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, p. e p. pelo artigo 25.º, alínea a), por referência à Tabela I-C anexa ao Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro, na pena de 2 (dois) anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período. Suspensão essa que foi sujeita a regime de prova, a acompanhar e supervisionar pela DGRPS, mediante plano de reinserção.
A 31/01/2024 foi elaborado PRS do arguido, o qual veio a ser homologado a 8/2/2024.
Em virtude do envio, por parte da DGRSP, a 06/03/2024 e 19/04/2024, de relatórios de incumprimento do PRS relativos àquele arguido, foi designada data para audição do mesmo, o qual só veio a ser ouvido após conduzido via mandados de detenção, em data posterior.
Tomaram-se declarações ao condenado, nas quais afirmou abstratamente que não tomou conhecimento da notificação expedida para a sua audição em data anterior. Mais disse que não se tem apresentado junto da DGRSP porque tem tido diligências em tribunal (em julho), não tendo apresentado, contudo, motivo que justifique as demais faltas de comparecimento junto daquela entidade, nem tampouco uma justificação para o total incumprimento do PRS que para si foi elaborado e homologado. Explicou, também, que mora sozinho na casa do irmão, não apresentando ocupação estável, realizando sim biscates pontuais de descarga de mercadoria.
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A Digna Magistrada do Ministério Público promoveu a revogação da suspensão da execução da pena de prisão.
Notificada para exercício do contraditório, a defesa pugnou para que sejam tomadas as diligências necessárias para que o arguido possa cumprir o PRS. Cumpre decidir.
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Estatui o art. 56º do Código Penal:
“1 - A suspensão da execução da pena de prisão é revogada sempre que, no seu decurso, o condenado:
a) Infringir grosseira ou repetidamente os deveres ou regras de conduta impostos ou o plano de reinserção social; ou
b) Cometer crime pelo qual venha a ser condenado, e revelar que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas.”.
No caso vertente, resulta dos elementos constantes dos autos, mormente relatórios da DGRSP e, bem assim, das declarações do arguido, que este inviabilizou, por completo, o cumprimento do PRS para si homologado, sem motivo ou justificação atendível. Posto isto, é inegável que o arguido tem incumprido, culposamente, as regras de conduta que lhe foram impostas, uma vez que não comparece nos serviços da DGRSP, não atende as chamadas daquela entidade, não apresenta motivo ou justificação plausíveis para o efeito e não mostra demonstrou, perante este tribunal, vontade efetiva de concretizar aquele plano ou de já ter encetado esforços para o efeito. De facto, o discurso do arguido é pautado por uma ligeira dificuldade de comunicação escorreita pelo que, depois de explicado do conteúdo e alcance da diligência a que se reporta o art. 495º do Código de Processo Penal, apresentou uma postura de abstrata preocupação e distanciamento das consequências que dali possivelmente lhe poderiam advir.
Assim sendo, considera-se que o arguido tem vindo a infringir grosseira e repetidamente as regras de conduta impostas pela sentença, tanto mais que as informações que existem é que o mesmo se tem mantido inativo/instável na parte laboral. Da mesma forma e da informação fornecida pela DGRSP, o arguido incumpriu (não se tendo deslocado sequer) às consultas que para si tinham sido marcadas junto do Centro de Respostas Integradas de Loures, com o intuito de fazer diagnóstico para posterior integração em programa de controle de abstinência de produtos estupefacientes.
Desta feita e considerando o caso concreto, entende-se que será de aplicar a al. a) do n.º 1 do art. 56º do Código Penal. E isto porque, pese embora ainda não tenha decorrido todo o prazo de suspensão, entende-se que já não é possível manter o juízo de prognose favorável feito aquando da prolação da sentença, porquanto o arguido, volvido mais de 1 ano do período da suspensão, abandonou as entrevistas na DGRSP, não frequentando as mesmas há praticamente 1 ano, sem apresentar qualquer justificação, nem tampouco se apresentou junto do CRI de Loures.
Assim, considera-se que não foi, não está e não será possível alcançar, de forma adequada e suficiente, as finalidades da punição do arguido, através da suspensão da execução da pena de prisão que lhe foi aplicada.
Posto isto, atendendo a todos os fundamentos acima expostos, considera-se que terá de ser revogada a suspensão da pena de prisão ora aplicada a este arguido (cfr. art. 56º, n.º 1, al. a) do Código Penal). Em consequência:
Decide-se revogar a suspensão da execução da pena ora aplicada ao arguido AA nos presentes autos, e, consequentemente, determina-se o cumprimento da pena principal de 2 (anos) de prisão efetiva, cfr. art. 56º, n.º 2 do Código Penal.
Notifique.
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Após trânsito em julgado do presente despacho:
a) Remeta os boletins ao registo criminal (cfr. art. 6º, al. a) da Lei n.º 37/2015, de 5 de maio);
b) Comunique o teor do mesmo aos serviços da DGRSP;
c) Emita os mandados de detenção e condução do arguido AA ao Estabelecimento Prisional”.
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B) -Fundamentação:
Impõe-se desde logo determinar quais são as questões a decidir em sede de recurso.
“É à luz das conclusões da motivação do recurso que este terá de apreciar-se, donde resulta que o essencial e o limite de todas as questões a apreciar e a decidir no recurso, estão contidos nas conclusões(…)”], sem prejuízo da eventual necessidade de conhecer oficiosamente da ocorrência de qualquer dos vícios a que alude o artigo 410º, do Código de Processo Penal nas decisões finais (conhecimento oficioso que resulta da jurisprudência fixada no Acórdão nº 7/95, do STJ, in DR, I série-A, de 28/12/95- O objeto do recurso está limitado às conclusões apresentadas pelo recorrente -cfr. Ac. do STJ, de 15/04/2010:).
Assim, o conhecimento do recurso está limitado às suas conclusões, sem prejuízo das questões/vício de conhecimento oficioso.
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Na situação concreta é a seguinte a questão a decidir:
- Da irregularidade do despacho recorrido por falta de relatório social e da presença do técnico na audição do condenado.
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Vejamos então:
Na situação concreta foi o recorrente condenado, por sentença datada de 31/10/2023 e transitada em julgado a 30/11/2023:
Pela prática, em coautoria material e na forma consumada, de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, p. e p. pelo artigo 25.º, alínea a), por referência à Tabela I-C anexa ao Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro, na pena de 2 (dois) anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período. Suspensão essa que foi sujeita a regime de prova, a acompanhar e supervisionar pela DGRPS, mediante plano de reinserção.
Entendeu-se no despacho recorrido revogar a suspensão da execução da pena de prisão por se considerar que o arguido tem vindo a infringir grosseira e repetidamente as regras de conduta impostas pela sentença.
A audição do condenado para efeitos de revogação da suspensão está expressamente consagrada no artigo 495 do CPP, nas situações de regime de prova, nos seguintes termos:
“1 - Quaisquer autoridades e serviços aos quais seja pedido apoio ao condenado no cumprimento dos deveres, regras de conduta ou outras obrigações impostos comunicam ao tribunal a falta de cumprimento, por aquele, desses deveres, regras de conduta ou obrigações, para efeitos do disposto no n.º 3 do artigo 51.º, no n.º 3 do artigo 52.º e nos artigos 55.º e 56.º do Código Penal.
2 - O tribunal decide por despacho, depois de recolhida a prova, obtido parecer do Ministério Público e ouvido o condenado na presença do técnico que apoia e fiscaliza o cumprimento das condições da suspensão, bem como, sempre que necessário, ouvida a vítima, mesmo que não se tenha constituído assistente”.
Ora, a falta de audição do condenado constitui nulidade insanável, prevista no artigo 119, al.c) do CPP.
E tal assim terá de ser, sob pena de violação das garantias de defesa do arguido e do princípio do contraditório, ainda mais quando está em causa a privação da liberdade.
Como consta do sumário do ac. da RC de 24.4.2018 (em que é relator Brizida Martins in base de dados do igfej) : I-“A jurisprudência bem como a doutrina têm sufragado que o despacho de revogação da suspensão da execução da pena de prisão sujeita a regime de prova é precedido de audição pessoal do arguido”.
Em sentido idêntico ac. da RG de 8.11.2021 (em que é relator António Teixeira, in base de dados do igfej) : “I- Como claramente se extrai da conjugação dos Artºs. 32º, nº 5, da Constituição da República Portuguesa, e 61º, nº 1, al. b), do C.P.Penal, o despacho de revogação da suspensão da execução da pena de prisão sujeita a regime de prova é em regra precedido obrigatoriamente de audição pessoal e presencial do arguido, tanto mais que Artº. 495º, nº 2, do C.P.Penal, consigna expressamente que o condenado seja ouvido “na presença do técnico que apoia e fiscaliza o cumprimento das condições da suspensão”.
A audição é obrigatória não só quando a suspensão está sujeita a regime de prova, mas sempre que esteja em causa a revogação da mesma, como acórdão de Fixação de Jurisprudência, 11/2024 (DR-175-2024, Série I de 10.9.2024) : “O despacho previsto no artigo 495.º, n.º 2, do CPP, com fundamento no disposto no artigo 56.º, n.º 1, alínea b), do Código Penal, deve ser precedido, salvo em caso de ausência por facto que lhe seja imputável, de audição presencial do condenado, nos termos dos artigos 495.º, n.º 2, e 61.º, n.º 1, alíneas a) e b), ambos do Código de Processo Penal, constituindo a preterição injustificada de tal audição nulidade insanável cominada no artigo 119.º, n. º 1, alínea c), do Código de Processo Penal”.
Na situação concreta como consta da ata de audição o condenado foi ouvido.
Contudo, da mesma ata extrai-se que nessa audição não se encontrava presente o técnico que apoiou e fiscalizou o cumprimento das condições da suspensão.
Assim, se a nossa lei processual não impõe a obrigatoriedade da elaboração de um relatório social para a revogação da suspensão da execução da pena de prisão, sem prejuízo de, em algumas situações, se revelar um elemento importante a considerar pelo tribunal, já o mesmo não sucede em relação à presença do técnico.
De acordo com o artigo 118 do CPP:
1 - A violação ou a inobservância das disposições da lei do processo penal só determina a nulidade do acto quando esta for expressamente cominada na lei.
2 - Nos casos em que a lei não cominar a nulidade, o ato ilegal é irregular”.
No nosso CPP vigora a taxatividade da enunciação das nulidades, não sendo permitida qualquer interpretação extensiva das mesmas.
Logo, manifestamente no que tange à falta de relatório social atualizado inexiste qualquer nulidade, nem, aliás, o recorrente esclarece de que nulidade se trata.
Assim, quando a violação de uma qualquer disposição legal não é expressamente cominada na lei com o regime das nulidades, constitui uma irregularidade.
“ As meras irregularidades resultam da inobservância das lei de processo que a lei não considera nulidades, o ato irregular produz efeitos se não foi invalidado” (CPP anotado Henriques Gaspar, pág. 384).
Uma irregularidade constitui, assim, a violação de uma norma que o legislador considera de menor gravidade, por referência às nulidades.
Logo, tendo em conta o disposto no artigo 495, nº2 do CPP a falta do técnico na audição do condenado constitui uma irregularidade.
E a tal conclusão chegamos se tivermos em conta que a ausência do técnico não se encontra prevista nem no artigo 119º do CPP, nem no artigo 120 do mesmo diploma.
Volvendo ao caso em recurso, como referido, o técnico não esteve presente na audição do condenado.
Aliás, como consta do despacho que designou data para a audição, o técnico nem sequer foi convocado para a mesma (despacho com a referência: 439401092).
E tal, sem dúvida, configura uma irregularidade.
Preceitua o artigo 123 do CPP:
“1- Qualquer irregularidade do processo só determina a invalidade do ato a que se refere e dos termos subsequentes que possa afetar quando tiver sido arguido pelos interessados no próprio ato ou, se a este não tiverem assistido, nos três dias a contar daquele em que tiverem sido notificados para qualquer termo do processo ou intervindo em algum ato nele praticado.
2- Pode ordenar-se oficiosamente a reparação de qualquer irregularidade, no momento em que da mesma se possa tomar conhecimento, quando ela puder afetar o valor do ato praticado.”
Acontece que na situação concreta quer o recorrente quer o seu Defensor estiveram presentes na audição e nada disseram.
Logo, tal irregularidade encontra-se sanada nos termos do artigo 123, nº1 do CPP.
É certo que nos termos do nº2 do citado artigo 123º, quando a irregularidade afeta o valor do ato e as garantias fundamentais do processo penal, o tribunal pode oficiosamente ordenar a sua reparação.
Acontece que este Tribunal não vislumbra, no caso em recurso, de que modo quer a ausência de relatório social, quer a ausência do técnico, podem ter afetado o valor do ato ou as garantias fundamentais do processo penal, nomeadamente o direito de defesa do arguido, que foi garantido quer com a sua audição, quer com a presença do defensor.
Na verdade, resulta dos autos que o condenado apesar das várias notificações e convocatórias não compareceu nos serviços da DGRSP e não deu qualquer explicação.
Assim, em 1 de julho de 2024 esta entidade informou:
Em resposta ao solicitado, informa-se V. Exa que AA não compareceu nestes serviços, nem efetuou qualquer contacto de forma a justificar a sua ausência, assim como não atendeu as nossas chamadas ou respondeu a mensagens enviadas via WhatsApp.
O condenado encontra-se igualmente em incumprimento por falta de comparência às entrevistas marcadas relativamente ao Proc. 474/19 do Juiz 4 do Juízo Local Criminal de Loures em que lhe foi prorrogada a medida judicial inicial (dois anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período) por mais um ano.
Aproveitamos ainda para informar que no dia 27/6, foi solicitado a esta equipa, Relatório Social para julgamento, no âmbito do Proc. 350/23.8... do Juiz 2 Juízo Local de Pequena Criminalidade de Lisboa, com audiência marcada para 11/7/2024”.
Acontece que já anteriormente, em 6 de março de 2024, esta equipa tinha informado que:
Apesar das convocatórias remetidas e dos contactos telefónicos via WhatsApp, AA não voltou a comparecer nos nossos serviços, para além do dia 15 de outubro de 2023, após contacto telefónico com o irmão, que intercedeu de forma a que tal acontecesse para elaboração do Plano de Reinserção Social.
Segundo sabemos AA mantem a mesma situação habitacional e não tem qualquer atividade laboral, sendo raros os biscates que realiza.
A fragilidade emocional e o consumo diário de estupefacientes que AA mantém concorreram para a sua instabilidade emocional, que se traduz sobretudo nas limitações ao nível cognitivo, da compreensão e interpretação do meio envolvente, mantendo quase sempre um discurso muito confuso. A insistência num estilo de vida desorganizado, sem regras, sem hábitos de trabalho e até de higiene são aspetos que tem contribuído para o afastamento do irmão mais velho (com quem viveu desde criança) que não concorda com a vivência do familiar, que insiste em manter um estilo de vida marginal e delinquente. O facto de ter constituído o seu próprio agregado familiar e de ter agora outras responsabilidades, não lhe permite ter uma postura de supervisão.
Apesar de termos solicitado o apoio do Centro de Respostas Integradas de Lisboa Oriental, para consulta de diagnostico e tratamento, tendo em conta os seus problemas com drogas, AA não compareceu às consultas marcadas e remarcadas, não existindo qualquer preocupação em justificar as faltas, percebendo-se o seu total desinteresse e alheamento.
O condenado encontra-se igualmente em incumprimento na medida imposta no Proc. 474/19.6... do Juiz 4 do Juízo Local Criminal de Loures, em que AA foi condenado pela prática de dois crimes de roubo na pena de 3 (três) anos e 3 (três) meses, suspensa na sua execução por igual periodo, com sentença transitada em 6/7/2022 e cujo termo só acontecerá em 06/10/2025. Recentemente, nos termos do art.º 495, n. º2 do C.P. Penal foi pedida a nossa comparência no Tribunal, de Loures, estando designada audição para o dia 14/3/2024”.
Em face desta informação foi o condenado notificado “para retomar de imediato o acompanhamento da DGRSP no âmbito do regime de prova a que está sujeito, sob pena de, assim não fazendo, poder vir a ser revogada a suspensão da execução da pena de prisão aplicada nestes autos”.
Não obstante, o recorrente voltou a ignorar as convocatórias da DGRSP.
Perante tal, a única conclusão a extrair é que a falta do técnico na audição do condenado e a solicitação de um novo relatório, que certamente não seria elaborado, tendo em conta a postura do arguido, não assumem qualquer relevância e como tal, não justificam qualquer reparação da irregularidade.
Na verdade, o técnico apenas teve um contacto com o recorrente, sendo que este, a partir daí, nunca mais respondeu às convocatórias.
Não deixa de ser curioso que o recorrente considere a elaboração de um novo relatório social e a presença do técnico essenciais para o Tribunal aferir da revogação da suspensão da execução da pena de prisão, quando, manifestamente, não pretende colaborar com a equipa da DGRSP.
Durante todo este período, como documentado nos autos, várias foram as tentativas frustradas da DGRSP em contactar o recorrente que, apesar de estar elucidado das consequências da sua conduta, se recusou a colaborar e a cumprir o regime de prova determinado, não só nestes autos, com em outros.
Assim, quer a presença do técnico na diligência que apenas serviria para confirmar os relatórios, quer a ausência de mais um relatório, revelam-se atos inúteis, não prejudicando os direitos de defesa do recorrente.
Atento o exposto, mostra-se o presente recurso manifestamente improcedente.
De acordo com o artigo 417º, nº1 do CPP: “Colhido o visto do Ministério Público o processo é concluso ao relator para exame preliminar”.
Acrescentando o nº 6, al.b) que o relator profere decisão sumária sempre que “o recurso dever ser rejeitado”.
Decorrendo ainda do artigo 420º do mesmo diploma que:
“1 - O recurso é rejeitado sempre que:
a) For manifesta a sua improcedência”.
Ora, lendo os fundamentos do presente recurso (motivação e conclusões) é manifesto que o mesmo não tem fundamento, não podendo proceder.

C) Decisão:
Pelos fundamentos expostos, porque é manifesta a improcedência, rejeita-se o presente recurso, nos termos do disposto nos arts. 417.º, n.º 6 al. b) e 420.º, n.º 1 al. a), ambos do CPP.
Custas pelo recorrente, com taxa de justiça que se fixa em 3 Ucs, acrescida de igual montante pela rejeição, cfr. arts. 515.º, n.º 1, al. b) e 420.º, nº 3, todos do CPP e art. 8.º, n.º 9 do RCP e tabela III anexa a este último diploma legal.
Notifique.

Lisboa, 23 de junho de 2025
Ana Paula Guedes