CONTRATO DE CONCESSÃO COMERCIAL
CAFÉ
ABUSO DE DIREITO
Sumário

No contrato de concessão comercial em que a sociedade concedente se obrigou a vender à sociedade concessionária e esta se obrigou a comprar-lhe determinadas quantidades de café de um determinado lote, perante o incumprimento da sociedade concessionária, relativamente às quantidades e lote de café adquirido, actua a sociedade concedente com abuso de direito, quando, depois de fazer uma interpelação admonitória, não exerce o seu direito durante nove anos, nomeadamente não reclamando as respectivas sanções contratuais e mantem-se durante esses nove anos a vender à ré café de lote e em condições diferentes do acordo de concessão comercial, correspondentes às condições propostos pela concessionária em negociações para a alteração do contrato de concessão mas não formalmente aceites e, só depois de decorrido o referido período de nove anos, vem reclamar as sanções contratuais do acordo concessão comercial.

Texto Integral

Acordam na 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa.

RELATÓRIO.
J…, SA intentou acção declarativa com processo comum contra 1) E… & R…, Lda e 2) R… alegando, em síntese, que em 27/3/2008 a sociedade que agora integra o seu património celebrou um contrato com os réus, mediante o qual se comprometeu a vender à ré 1 200 quilos de café T… lote Star Coffee na quantidade mínima de 20 quilos por mês ao preço das tabelas em vigor à data das efectivas vendas, comprometendo-se a ré a comprar-lhe o café nas referidas condições, comprometendo-se também a vendedora a conceder à ré uma bonificação de 10 870,64 euros quando a quantidade de café acordada estivesse totalmente adquirida, sendo também acordada a venda de equipamento à ré no mesmo valor de 10 870,64 euros com reserva de propriedade para a vendedora até ao seu integral pagamento, exigível até à data da aquisição da totalidade do café, sendo ainda acordado que que o incumprimento do contrato pela ré conferia à vendedora o direito de do o resolver e de exigir a restituição dos bens vendidos e de uma indemnização no montante correspondente a 20% do valor do café não adquirido, tendo o réu assumido a responsabilidade pelo pontual cumprimento do contrato pela ré.
Mais alegou que, mais tarde, em 31/12/2008, foi celebrado com os réus outro contrato em que a ré se comprometeu a comprar os mesmos 1 200 quilos de café T… lote Star Coffee em quantidades mínimas de 20 quilos por mês, comprometendo-se a vendedora a conceder uma bonificação de 1 500,00 euros quando a totalidade do café estivesse adquirida, tendo-lhe sido emprestada a quantia de 1 500,00 euros por conta da bonificação, convencionando-se a mesma consequência no caso de incumprimento da compradora e assumindo o réu a responsabilidade pessoal e solidária pelo cumprimento do contrato.
Alegou ainda que, pelo menos desde Dezembro de 2012, os réus, sem explicação ou aviso, não mais compraram café à autora, tendo sido comprados desde Março de 2008 a Dezembro do 2012 apenas 136 quilos dos prometidos 1 200 quilos, pelo que em 17/6/2013 a autora enviou cartas aos réus, comunicando-lhes que estava em falta a aquisição de 1 064 quilos de café e concedendo-lhes um prazo de 15 dias para ser retomada a execução do contrato, sob pena de o mesmo ser resolvido, mas os réus não retomaram o contrato, tendo devolvido apenas dois dos bens vendidos, no valor total de 4 950,86 euros, devendo assim ser resolvido o contrato, com as consequências acordadas no mesmo.
Concluiu pedindo que (1) Se considere resolvido o contrato nos termos enunciados, e consequentemente se condene os Réus a (2) Proceder à restituição da quantia que foi adiantada no valor de € 1.500,00 (Mil e quinhentos euros) abatido da bonificação a que teve direito pelas compras de cafés efectuadas no valor de € 170.00, o que perfaz a quantia de 1.330,00 €; (3) Proceder ao pagamento dos bens vendidos, titulados pela fatura nº …32, a cujo valor deve ser abatido o valor de € 4.950.86 atribuído aos bens entretanto devolvidos, o que perfaz a quantia de € 5.919,78; (4) Proceder ao pagamento da indemnização no valor de (…32)x€30,00x20%= € 6.384,00. Tudo no montante global de € 13.633,78 (€1.330,00+€5.919,78+€6.384,00).
O 2º réu contestou, arguindo a excepção de ilegitimidade da autora e alegando ainda, em síntese, que o contrato de 27/3/2008 foi integralmente cumprido e, por isso, foi celebrado o contrato de Dezembro de 2008, no decurso do qual o contestante, em 26/3/2012, cedeu a quota que detinha na ré, sendo certo que, enquanto foi sócio da ré, não houve qualquer incumprimento do contrato em causa, pelo que, a ter havido incumprimento, a responsabilidade não impende sobre si, mas sim sobre quem adquiriu a sua quota.
Mais alegou que foram indevidamente devolvidos à autora os bens vendidos no âmbito do 1º contrato, pois estes foram integralmente pagos pela bonificação acordada e pelo cumprimento integral desse contrato, não tendo, por outro lado, sido recebida a bonificação de 1 500,00 euros a que se refere o 2º contrato e invocou também o carácter abusivo das cláusulas penais acordadas e que ao contestante assiste o benefício da excussão prévia.
Concluiu pedindo a intervenção provocada dos adquirentes da sua quota, a procedência da excepção de ilegitimidade da autora e a improcedência da acção.
A 1ª ré contestou, arguindo as excepções da ilegitimidade da ré, da prescrição do direito invocado, da nulidade dos contratos por violação dos princípios concorrenciais, da nulidade dos contratos por violação das normas sobre as cláusulas contatuais gerais e invocando o carácter abusivo das cláusulas penais e já ter ocorrido a devolução das máquinas atribuídas a título de bonificação e a devolução da bonificação de 1 500,00 euros.
Alegou também, em síntese, que em 2012, quando os novos sócios assumiram a gestão da sociedade ré, ao serem confrontados com os contratos celebrados na gerência do ora réu e apenas por este assinados, não os aceitaram por não cumprirem os requisitos de vinculação da sociedade, pelo que contactaram a autora, transmitindo-lhe que o contratado não servia os interesses da ré e sugerindo novos termos contratuais que consistiam na devolução dos bens a que se refere o 1º contrato e da quantia de 1 500,00 euros a que se refere o 2º contrato e o compromisso de aquisição de café T… Imperial, de gama mais barata do acordado nos contrato, sem compromisso de aquisição de uma quantidade mínima mensal e sem exclusividade, condições aceites pela autora, que passou a vender à contestante a mercadoria nestes termos até suspender por sua iniciativa o fornecimento em 2022, o qual se encontra integramente pago, não havendo qualquer valor em dívida.
Concluiu pedindo a procedência das excepções e a improcedência da acção, com a condenação da autora como litigante de má fé.
A convite do tribunal, veio a autora responder às excepções, opondo-se e opondo-se também à intervenção provocada de terceiros, tendo, no mesmo articulado, formulado uma redução do pedido, alegando que, por lapso, foi reclamdo na PI o valor de 1 330,00 euros relativo à bonificação de 1 500,00 euros, quantia esta que foi devolvida pela ré.
Reduziu, assim, o pedido, que passou a ser o seguinte: (1) Considerar resolvido o contrato nos termos enunciados, e consequentemente condenar os Réus a: (2) Proceder ao pagamento dos bens vendidos, titulados pela fatura n.º …32, a cujo valor deve ser abatido o valor de € 4.950.86 atribuído aos bens entretanto devolvidos, o que perfaz a quantia de € 5.919,78; (3) Proceder ao pagamento da indemnização no valor de (1200 -136) x €30,00 x 20% = € 6.384,00. Tudo no montante global de € 12.303,78 (€ 5.919,78+€ 6.384,00).
Foi proferido despacho saneador que admitiu a redução do pedido da autora, não admitiu o chamamento de terceiros requerido pelo réu, julgou improcedentes a excepção de ilegitimidade da autora, a excepção de ilegitimidade da ré, a excepção de prescrição e a excepção de nulidade do contrato por violação dos princípios concorrenciais, relegando para final a apreciação das excepções de nulidade do contrato por desproporção da cláusula penal e por violação das cláusulas contratuais gerais.
Procedeu-se a julgamento, findo o qual foi proferida sentença que julgou a acção totalmente procedente e improcedentes todas as nulidades invocadas pela ré contestante e, consequentemente, condenou solidariamente os réus a pagar à autora a quantia de 12 303,78 euros, absolvendo a autora do pedido de condenação por litigância de má fé.
*
Inconformada, a ré interpôs recurso e alegou, formulando as seguintes conclusões:
DAS NULIDADES DA SENTENÇA ORA EM CRISE
A) DOS FUNDAMENTOS EM OPOSIÇÃO COM A DECISÃO – AMBIGUIDADE QUE TORNA A DECISÃO ININTELIGÍVEL – AL. C) DO N.º 1 DO ART.º 615.º DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL – Nos presentes autos o Tribunal a quo reconheceu, em nosso entender mal, o incumprimento contratual da ora Recorrida, mas fê-lo fazendo completa “tábua rasa” da própria causa de pedir da presente ação, da forma como a própria Autora configurou a mesma. Senão vejamos,
B) De forma a poder ser imputável à Recorrente qualquer incumprimento contratual e consequentemente obter uma condenação da ora Recorrente com base no direito que se arroga, afigurar-se-ia sempre crítico e indispensável a prova do art.º 14.º da Petição Inicial da ora Recorrida, que constitui o seu único facto essencial e consequentemente constituindo a causa de pedir da presente ação, sendo que o art.º 14.º da PI refere o seguinte:
14.º
Sucede que os Réus desde, pelo menos, Dezembro de 2012, sem explicação nem aviso, não mais compraram café à ora Autora.” Sublinhado e negrito nosso
C) No Ponto A da Matéria Dada por Não Provado, o Tribunal a quo deu por não provado a causa de pedir / o facto essencial da presente ação:
A) Os Réus desde, pelo menos, Dezembro de 2012, não mais compraram café à Autora”.
D) Não se provando o art.º 14.º da Petição Inicial (que era o único facto subsumível a um comportamento de incumprimento por parte da Recorrente, o facto essencial e causa de pedir) a possibilidade de obtenção de uma condenação da E… & R… teria forçosamente de “cair por terra”, por não ter sido provado o facto essencial onde a presente ação judicial assenta.
E) Tendo o Tribunal a quo avançado com a condenação da ora Recorrente quando a causa de pedir da presente ação não se encontra provada, feriu a Sentença ora em crise de nulidade nos termos da al. c) do n.º 1 do art.º 615.º do CPC, porquanto (i) dar por não provado o conteúdo do art.º 14.º da Petição Inicial conforme configurada pela Recorrida (conforme considerado pelo Tribunal a quo) (ii) não é compatível com uma decisão condenatória da Recorrente, o que importa a revogação da referida sentença e a substituição por outra compatível com o ponto A) da matéria dada por não provada, o que só poderia consubstanciar numa decisão de absolvição da Recorrente de todos os pedidos, o que desde já se requer para todos os devidos efeitos legais, de modo a se fazer a Costumada Justiça!!
F) NULIDADE N.º 2 - DA OMISSÃO DE PRONÚNCIA (ABUSO DE DIREITO) - AL. D) DO N.º 1 DO ART.º 615.º DO CPC – A Sentença ora em crise é igualmente nula por omissão de pronúncia nos termos da al. d) do n.º 1 do art.º 615.º do CPC porquanto o Tribunal a quo não se pronunciou sobre a exceção de Abuso de Direito nos termos do art.º 334.º do Código Civil que foi levantada pela ora Recorrente.
G) Com efeito, em sede de Audiência de Discussão e Julgamento, o mandatário da ora Recorrente suscitou de forma direta e concreta a questão do abuso de direito, quando nas suas Alegações Finais em sede de Audiência de Discussão e Julgamento referiu o seguinte:
(…)
H) Apesar de ser uma exceção de conhecimento oficioso, o Meritíssimo Juiz do Tribunal a quo concedeu, direta e explicitamente, a possibilidade ao mandatário da Recorrida exercer o seu direito ao contraditório especificamente sobre a questão levantada do Abuso de Direito, referindo o seguinte:
(…)
I) A verdade é que o Tribunal a quo não se pronunciou sobre a exceção de Abuso de Direito nos termos do art.º 334.º do Código Civil por parte da Recorrida em momento algum da Sentença ora em crise, pelo que a mesma é nula por omissão de pronúncia, nos termos da al. d) do n.º 1 do art.º 615.º do CPC, cujo reconhecimento se requer para todos os devidos efeitos legais, devendo em consequência a Sentença do Tribunal a quo ser revogada e substituída por outra que reconheça que a Recorrida encontra-se em Abuso de Direito por verificação de todos os requisitos legais para o efeito, o que só poderia consubstanciar numa decisão de absolvição da Recorrente de todos os pedidos, o que desde já se requer para todos os devidos efeitos legais, de modo a se fazer a Costumada Justiça!!
DOS ERROS NA APLICAÇÃO DO DIREITO
J) ERRO NA APLICAÇÃO DO DIREITO POR VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DO DISPOSITIVO; VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DA ESTABILIDADE DA INSTÂNCIA E ALTERAÇÃO DA CAUSA DE PEDIR - ART.º 260 E 264 DO CPC – Mesmo que não se entenda que a Sentença ora em crise é nula, o que sempre sem conceder apenas se admite por mero dever de prudente patrocínio, sempre se dirá que o Tribunal a quo esteve mal na aplicação do Direito à matéria provada e não provada, devendo a Sentença ora em crise ser revogada e substituída por outra em conformidade. Senão vejamos
K) O presente processo judicial, como todos os demais, é norteado pelo princípio do dispositivo, por intermédio do qual, coube à Autora definir o objeto e a causa de pedir da presente ação judicial. Sendo o art.º 14.º da PI “(…) desde, pelo menos, Dezembro de 2012, sem explicação nem aviso, não mais compraram café à ora Autora” – art.º 14.º da PI –o facto essencial que constitui a causa de pedir;
L) A Sentença ora em crise chega a uma situação paradoxal, na medida em que:
• Por um lado, deu como não provado o art.º 14.º da PI – o facto essencial que corresponde à causa de pedir – Ponto A da Matéria Não Provada;
• Mas, mesmo assim o Tribunal a quo julgou a presente ação totalmente procedente, condenando a ora Recorrente nos pedidos.
M) Esta situação, de facto paradoxal, apenas é possível porque, em alternativa, o Tribunal a quo deu como provado o ponto 39 da Matéria dada por Provada que refere o seguinte:
39 – Os Réus desde, pelo menos, Dezembro de 2012, não mais compraram café Lote Star à Autora”. Sublinhado e negrito nossos
N) Atente-se contudo que o art.º 14.º da PI – que constitui o facto essencial e a causa de pedir da presente ação diz apenas que:
“desde, pelo menos, Dezembro de 2012, sem explicação nem aviso, não mais compraram café à ora Autora”.
O) Sendo o lote irrelevante para a causa de pedir, da forma como a Autora configurou a presente ação. Ou seja, da forma como a Autora apresentou a presente ação judicial e configurou a sua Petição Inicial, interessaria saber e provar – tão só e somente, se a ora Recorrente, desde pelo menos Dezembro de 2012, comprou, ou não, café à JMV.
P) Quando o Tribunal a quo deu por provado o ponto 39 da Matéria dada por Provada, o Tribunal a quo esteve mal porquanto alterou ilegitimamente a causa de pedir da ação.
Violando assim o princípio da estabilidade da instância consagrado no art.º 260.º do CPC.
Q) Nesta conformidade, na ausência de qualquer enquadramento legal que sirva de suporte à alteração da causa de pedir operada pelo Tribunal a quo, teremos de concluir que o mesmo aplicou mal o Direito e violou o princípio da estabilidade da instância constante do art.º 39 da Matéria dada por Provada, devendo o ponto 39 da Matéria dada por Provado ser eliminado por não configurar a causa de pedir da presente ação da forma como a Autora configurou a sua Petição Inicial e em consequência, deve a Sentença do Tribunal a quo ser revogada e substituída por outra dê por não provada a causa de pedir da presente ação, o que só poderia consubstanciar numa decisão de absolvição da Recorrente de todos os pedidos, o que desde já se requer para todos os devidos efeitos legais, de modo a se fazer a Costumada Justiça!!
R) DO ABUSO DE DIREITO DA RECORRIDA– ART.º 334.º DO CÓDIGO CIVIL - Esteve mal o Tribunal a quo ao aplicar o Direito na Matéria dada por Provado e dada por Não Provada, nomeadamente por ter desconsiderado a flagrante situação de Abuso de Direito em que se encontra a Recorrida, não aplicando o art.º 334.º do Código Civil.
S) O Tribunal a quo na seleção da Matéria dada por Provada e Não Provada, reconhece o seguinte:
Ponto 31 da Matéria dada por Provada – (…)
Ponto 32 da Matéria dada por Provada – (…)
Ponto 35 da Matéria dada por Provada – (…)
Ponto 36 da Matéria dada por Provada – (…)
Ponto 37 da Matéria dada por Provada – (…)
Ponto 38 da Matéria dada por Provada – (…)
T) Encontram-se verificados todos os requisitos previstos para a aplicação à Recorrida do instituto do Abuso de Direito nos termos do 334.º do Código Civil (seguindo o Acordão do STJ de 12.11.2013 – processo 1464/11.2TBGRD-A.C1.S1 a saber:
• Existência dum comportamento anterior do agente suscetível de basear uma situação objetiva de confiança – Este requisito encontra-se verificado porquanto a ora Recorrida forneceu café à ora Recorrente durante mais de 10 anos nos exatos termos das novas condições contratuais que foram propostas pela Recorrente em 2012, gerando na esfera jurídica na Recorrente uma relação de confiança merecedora de tutela jurídica – Ponto 32 e 35 da Matéria dada por Provada
• Imputabilidade das duas condutas (anterior e atual) ao agente – Obviamente que tendo a Recorrida fornecido café durante mais de 10 anos de acordo com os termos contratuais acordados verbalmente corresponde a uma conduta imputável exclusivamente à ora Recorrida, estando a mesma sob a sua esfera de influência (aliás nem podia ser de outra maneira, considerando que foi a Recorrida que tomou a decisão de interromper o fornecimento de café);
Ponto 32 e 35 da Matéria dada por Provada
• A boa fé do lesado (confiante); a existência dum “investimento de confiança”, traduzido no desenvolvimento duma actividade com base no factum proprium – a ora Recorrente sempre esteve de boa-fé, na medida em que recebeu o café que foi fornecido ao longo de mais de 10 anos pela ora Recorrida, seguindo os termos contratuais acordados verbalmente, tendo aceite e pago (durante estes mesmos mais de 10 anos) todas as faturas emitidas relativamente ao café fornecido, o que, naturalmente, gerou a boa fé e confiança de que, na ótica da Recorrida, os termos contratuais que haviam sido propostos haviam sido aceites e tidos por conformes, o que levou ao fornecimento consecutivo e ininterrupto nesses termos; Ponto 36 e 37 da Matéria dada por Provada
• O nexo causal entre a situação objetiva de confiança e o “investimento” que nela assentou –
Existindo um nexo causal claro entre a confiança pelo fornecimento de café por mais de 10 anos em conformidade com os novos termos contratuais propostos pela Recorrente, uma vez que, caso a Recorrente imaginasse que a Recorrida iria entrar em litígio consigo e alega o incumprimento do contrato que se encontrava a ser executada, não iria naturalmente prosseguir com esta relação contratual.
U) Em face da observância dos requisitos do “venire contra factum proprium" nos presentes autos, em face da prova produzida, deveria o Tribunal a quo ter julgado o direito a que a ora Recorrida se arroga como ilegítimo nos termos do at.º 334.º do Código Civil. Não o tendo feito, considerando a ilegitimidade do direito que a ora Recorrida se arroga nos termos do art.º 334.º do Código Civil (e que não foi considerada pelo Tribunal a quo), importa a revogação da Sentença emitida pelo Tribunal a quo e a substituição por outra que reconheça a ilegitimidade do direito que a ora Recorrida se arroga nos termos do at.º 334.º do Código Civil, e consequentemente, consubstanciar numa decisão de absolvição da Recorrente de todos os pedidos, o que desde já se requer para todos os devidos efeitos legais, de modo a se fazer a Costumada Justiça!!
V) DA DUALIDADE DE CRITÉRIOS UTILIZADO PELO TRIBUNAL A QUO EM DETRIMENTO DA ORA RECORRENTE NO QUE CONCERNE AO ART.º 334.º DO CÓDIGO CIVIL - O Tribunal a quo manteve uma dualidade de critérios na aplicação deste instituto a ambas as partes, na medida em que (1) por um lado, apressou-se a aplicar o art.º 334.º do Código Civil no que concerne à exceção da ilegitimidade substantiva da Recorrente, por falta de assinatura de um dos gerentes nos contratos em causa para sustentar a realidade material e existência dos contratos ora em discussão no período compreendido entre 2008 e 2012; mas por outro lado (2) o Tribunal a quo ignorou por completo a aplicação deste mesmo instituto e da mesma forma, à existência da realidade material de um contrato existente entre as partes e que vigorou desde 2012 e 2022 segundo os termos contratuais propostos pela ora Recorrente (ver Ponto 32 da Matéria dada por Provada), termos contratuais a ora Recorrida aceitou, passando a executar o contrato nesses mesmos termos (ver Ponto 35), e por se mostrarem conformes aos termos propostos, a ora Recorrente aceitou os respetivos fornecimentos e procedeu ao pagamento de todas as faturas emitidas (ver Ponto 36 e 37 da Matéria dada por Provada).
W) Com efeito, se invertermos o raciocínio lógico operado pelo Tribunal a quo na resolução da questão da ilegitimidade substantiva pela falta da assinatura de um dos gerentes da E… & R…, verificamos que o Tribunal a quo, por maioria de razão teria de reconhecer a ilegitimidade do direito que a Recorrida se arroga por Abuso de Direito e aplicar o art.º 334.º do Código Civil.
X) Com efeito, vejamos, ponto por ponto, decalcando o raciocínio supra utilizado pelo Tribunal a quo para considerar que a Recorrente estava em Abuso de Direito quanto à exceção da ilegitimidade passiva da Ré, mas que já não aplicou (em nosso entender mal) o mesmo raciocínio ao direito que a Recorrida se arroga sobre os contratos. Senão vejamos:
Parte 1 - O Tribunal a quo refere quanto à exceção da ilegitimidade substantiva da ré que “resultou, igualmente, provado que o contrato esteve em vigor entre os anos de 2008 e 2012, tendo sido fornecidos 136 quilos de café dos 1200 prometidos em compra. Pois bem, quanto ao direito que a Recorrida se arroga sobre os contratos, consta do Ponto 35 da Matéria dada por Provado que “A Autora continuou a fornecer café à Ré do lote Imperial, de forma ininterrupta, até finais de 2022”. Acresce que constam dos autos, por intermédio de requerimento de junção de documentos com a referência CITIUS 44011589, todas as faturas emitidas pela ora Recorrente relativamente ao fornecimento de café no período entre 2012 e 2022 e que somando as quantidades de café fornecidas neste período, as mesmas ascendem a 413 quilos de café (!!!) somando as quantidades das faturas – logo este ponto do raciocínio também se aplica à ora Recorrente.
Parte 2 - quanto à exceção da ilegitimidade substantiva o Tribunal a quo refere (2) “entre 2008 e 2012 nenhuma questão foi levantada pela Ré relativa à assinatura do contrato”. Pois bem, quanto ao direito que a Recorrida se arroga sobre os contratos a ora Recorrida também forneceu café à Recorrente desde 2012 a 2022 (dez anos!!!) sem que fosse levantada qualquer questão – logo este ponto do raciocínio também se aplica à ora Recorrente.
Parte 3 - quanto à exceção da ilegitimidade substantiva o Tribunal a quo refere (3) tendo o contrato vigorado, tendo sido fornecido café do lote Star e tendo sido pagos valores relativos a esse fornecimento”. Pois bem, quanto ao direito que a Recorrida se arroga sobre os contratos relembra-se o Ponto 35 da Matéria dada por Provado que “A Autora continuou a fornecer café à Ré do lote Imperial, de forma ininterrupta, até finais de 2022” - logo este ponto do raciocínio também se aplica à ora Recorrente.
Y) Se o Tribunal a quo tivesse efetivamente aplicado o mesmo raciocínio que aplicou à exceção de ilegitimidade substantiva da Ré ao direito que a Recorrida se arroga por intermédio dos contratos em causa, chegaria seguramente à mesma conclusão que chegou quanto à Recorrente no que concerne à exceção da ilegitimidade substantiva, ou seja, que a conduta da Autora (em vez de Ré), ao aceitar que um contrato esteve em vigor durante dez anos (em vez de quatro anos) e pretendendo, agora (…) se arrogar da inexistência de contrato escrito, quando aceitou os termos contratuais propostos pela Recorrente e forneceu café em total conformidade com os termos contratuais propostos (Ponto 36 e 37 da Matéria dada por Provada) desde 2012 e 2022, alegar que não existe contrato e que a ora Recorrente está em incumprimento de um contrato cujo termos não eram aplicáveis neste relação contratual desde 2012, ultrapassa, manifestamente, os limites impostos pela boa fé.
Z) Não tendo aplicado o mesmo raciocínio a ambas as partes, o Tribunal a quo incorreu numa dualidade de critérios grave e injusta, razão pela qual, considerando a ilegitimidade do direito que a ora Recorrida se arroga nos termos do art.º 334.º do Código Civil (e que não foi considerada pelo Tribunal a quo), importa a revogação da Sentença emitida pelo Tribunal a quo e a substituição por outra que reconheça a ilegitimidade do direito que a ora se Recorrida se arroga por manifesto Abuso de Direito nos termos do at.º 334.º do Código Civil, e consequentemente, consubstanciar numa decisão de absolvição da Recorrente de todos os pedidos, o que desde já se requer para todos os devidos efeitos legais, de modo a se fazer a Costumada Justiça!!
AA) VIOLAÇÃO DOS DEVERES DE COMUNICAÇÃO DAS CLÁUSULAS CONTRATUAIS GERAIS – ART.º 5.º DO DL 446/85, DE 25 DE OUTUBRO (CLÁUSULAS CONTRATUAIS GERAIS E SUAS ALTERAÇÕES) - Com o devido respeito que o Tribunal a quo nos merece, entendemos que esteve mal ao não considerar os contratos objeto de discussão nos presentes autos como contratos de adesão nos termos do DL 446/85, de 25 de Outubro Cláusulas Contratuais Gerais, quando claramente o eram, assim como, sujeitos a especiais obrigações de comunicação nos termos do art.º 5.º do referido diploma que não foram cumpridos.
BB) Por um lado, pela análise do depoimento do Diretor Geral na RAM, o Sr. G…, se consegue perceber claramente que estamos perante um contrato de adesão:
(…).
CC) Sendo um contrato de adesão, os contratos em apreço encontram-se sujeitos ao regime das Cláusulas Contratuais Gerais, forçosamente também será aplicável o art.º 5.º do referido diploma que impõe especiais deveres de cuidado na comunicação dos termos do contrato, assim como, remete o ónus da prova da comunicação adequada e efetiva de quem se arroga o direito, que neste caso é a Recorrida.
DD) Ora, não foi produzida qualquer tipo de prova no que diz respeito ao cumprimento da comunicação adequada e efetiva dos contratos em questão e o próprio mandatário da Recorrida impossibilitou a produção dessa prova (de cujo ónus de produção da prova era da parte que representava nos termos do n.º 3 do art.º 5.º das Cláusulas Contratuais Gerais), quando ao iniciar o depoimento do comercial T…, o comercial que apresentou os contratos ora em discussão à ora Recorrente, refere logo o seguinte:
(…)
EE) Termos em que os contratos devem ser considerados como inválidos e inoponíveis à ora Recorrente por incumprimento do ónus da prova que incumbia à Recorrida no sentido de demonstrar que foi cumprida a comunicação adequada e efetiva dos contratos ora em discussão nos termos do n.º 3 do art.º 5.º das Cláusulas Contratuais Gerais e, em consequência, deve a Sentença do Tribunal a quo ser revogada e substituída por outra que atesta a inoponibilidade dos contratos ora em discussão à ora Recorrente e, consequentemente e por este motivo, deve a Recorrente ser integralmente absolvida dos pedidos para todos os devidos efeitos legais.
FF) Mesmo que assim não se entenda, o que sempre sem conceder apenas se admite por mero dever de prudente patrocínio, sempre se dirá que da prova produzida em sede de Audiência de Discussão e Julgamento resulta prova abundante e clara que demonstra inequivocamente que os deveres que impõe o art.º 5.º das Cláusulas Contatuais Gerais não foram efetivamente cumpridos, porquanto o Sr. G…, Diretor Geral da Recorrida na RAM refere o seguinte:
(…)
GG) Em nosso entender e salvo melhor opinião em contrário, nunca e em circunstância nenhuma, se poderá entender que o facto de um comercial (sem formação jurídica), “deixar lá” o contrato no cliente (leia-se, na ora Recorrente) como um ato suscetível de cumprir a comunicação adequada e efetiva dos contratos ora em discussão, termos em que os contratos devem ser considerados como inválidos e inoponíveis à ora Recorrente por incumprimento do ónus da prova que incumbia à Recorrida no sentido de demonstrar que foi cumprida a comunicação adequada e efetiva dos contratos ora em discussão nos termos do n.º 3 do art.º 5.º das Cláusulas Contratuais Gerais e, em consequência, deve a Sentença do Tribunal a quo ser revogada e substituída por outra que atesta a inoponibilidade dos contratos ora em discussão à ora Recorrente e, consequentemente e por este motivo, deve a Recorrente ser integralmente absolvida dos pedidos para todos os devidos efeitos legais, fazendo-se assim a Costumada Justiça!!!
IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
Da Impugnação da Matéria dada por Provada
HH) No que concerne à matéria de facto, e com o devido respeito pelo Tribunal a quo, em nosso entender e salvo melhor opinião em contrário, existem um conjunto de erros na apreciação da prova produzida nos presentes autos e que levaram a uma incorreta apreciação dos pontos 12, 21, 22, 23, 34, 35, 38, 39, 42 da Matéria dada por Provada e dos pontos E) e F) da Matéria dada por Não Provada
PONTO 12 DA MATÉRIA DADA POR PROVADA – “12 – NESSE CONTRATO AS PARTES DECLARARAM EXPRESSAMENTE QUE O CONTRATO FOI DISCUTIDO EM TODO O SEU CLAUSULADO COM CERCA DE DEZ DIAS DE ANTECEDÊNCIA”.
PONTO 21 DA MATÉRIA DADA POR PROVADA –“ 21 - NESSE CONTRATO OS RÉUS DECLARARAM QUE O TEOR DO CONTRATO LHES FOI FACULTADO POR CÓPIA INTEGRAL, COM DEZ DIAS DE ANTECEDÊNCIA EM RELAÇÃO À DATA DA SUA OUTORGA, TENDO-LHES SIDO PRESTADA EXPLICAÇÃO BASTANTE DE TODOS OS SEUS TERMOS, PELO QUE FICARAM ABSOLUTAMENTE CIENTES DE QUE O MESMO CORRESPONDE, INTEGRAL E FIELMENTE ÀS SUAS MANIFESTAÇÕES DE VONTADE.”
PONTO 22 DA MATÉRIA DADA POR PROVADA –“ 22 - OS TERMOS DOS CONTRATOS CELEBRADOS EM 2008 FORAM ELABORADOS PELA AUTORA, E EXPLICADOS POR UM PROFISSIONAL DA ÁREA COMERCIAL DA AUTORA.
E
PONTO 23 DA MATÉRIA DADA POR PROVADA –“ 23- OS RÉUS TIVERAM OS CONTRATOS NA SUA POSSE DURANTE, PELO MENOS, DEZ DIAS ANTES DE ASSINAREM OS MESMOS”.
II) Como vimos acima, cabia à ora Recorrida a demonstração do ónus da prova sobre a referida comunicação adequada e efetiva do teor dos contratos nos termos do art.º 5.º das Cláusulas Contratuais Gerais, sendo que o Tribunal a quo esteve mal ao dar o ponto 12 da Sentença Recorrida como provado, na medida em que o facto de um comercial (sem formação jurídica), “deixar lá” (leia-se no cliente) um contrato desta natureza e complexidade, não equivale à discussão do contrato e todo o seu clausulado.
JJ) O Tribunal a quo também não poderia deixar de valorar o incumprimento do ónus da prova da comunicação adequada e efetiva que impõe o n.º 3 do art.º 5.º das Cláusulas Contratuais Gerais, incumprimento deste ónus da prova que é por demais evidente quando a Recorrida, por intermédio do seu mandatário, procurou limitar mesmo a produção de prova sobre esta matéria (mesmo sabendo que o ónus da prova era seu), conferir pelo depoimento Testemunha T…, ficheiro áudio: Diligencia_5166-22.6T8FNC_2024-02-01_11-19-55 a partir do minuto 02.13.
KK) Nestas circunstâncias, sendo óbvio e notório que não existiu qualquer comunicação adequada e efetiva do contrato, nem tão pouco, foi cumprido o ónus da prova que era imposto à Recorrida nos termos do n.º 3 do art.º 5.º das Cláusulas Contratuais Gerais, devem os pontos 12, 21, 2 e 23 da Sentença Recorrida dar-se por não provados para todos os devidos efeitos legais, E, em consequência, deverá revogar-se a Sentença Recorrida, substituindo-a por outra que ateste a inoponibilidade dos contratos ora em discussão à ora Recorrente e, consequentemente e por este motivo, deve a Recorrente ser integralmente absolvida dos pedidos para todos os devidos efeitos legais, fazendo-se assim a Costumada Justiça!!!
PONTO 34 DA MATÉRIA DADA POR PROVADA –“ 34 - A AUTORA ELABOROU UM CONTRATO ESCRITO RELATIVO AO LOTE IMPERIAL, MAS A RÉ “E… & R… LDA.” RECUSOU A ASSINAR O MESMO, POR NÃO ESTAR DE ACORDO COM OS TERMOS.”
E
PONTO 35 DA MATÉRIA DADA POR PROVADA –“ 35 - A AUTORA CONTINUOU A FORNECER CAFÉ À RÉ DO LOTE T… IMPERIAL, DE FORMA ININTERRUPTA, ATÉ FINAIS DE 2022.”
LL) Sobre estes dois pontos, o depoimento do sócio da ora Recorrida é muito claro ao referir que o contrato que lhe foi proposto quanto ao lote Imperial não correspondia aos termos acordados e por essa razão não o assinou, quando o mesmo refere o seguinte:
(…)
MM) Mas a verdade, é que a Recorrida aceitou abdicar da imposição à Recorrente de um consumo mensal à Recorrente, tendo as partes prosseguido a execução do contrato nos novos termos do contrato acordados verbalmente, conforme se pode aferir pelo depoimento do Sr. G… Diretor Geral da Recorrida na RAM que referiu o que se segue:
(…)
NN) Em face aos depoimentos, diga-se claríssimos, quer do sócio da Recorrente RE…, quer do Diretor Comercial (e Diretor Geral da empresa na Região Autónoma da Madeira) Sr. G…, impõe a retificação dos pontos 34 e 35 da Matéria dada por Provada da seguinte forma:
Retificação dos Pontos 34 e 35 da Matéria dada por Provada
“34 - A Autora elaborou um contrato escrito relativo ao lote Imperial, mas a Ré “E… & R… Lda.” recusou a assinar o mesmo, por o mesmo incluir a obrigação de consumo mensal de café que não refletia o acordo verbal entre as partes.”
“ 35 - A Autora aceitou a não imposição de consumo mensal de café à Ré e continuou a fornecer café à Ré do lote T… Imperial, de forma ininterrupta, até finais de 2022, nos termos verbalmente acordados.”
OO) E, em consequência, deverá revogar-se a Sentença Recorrida, substituindo-a por outra que reconheça a existência da execução do contrato verbalmente acordado entre as partes, não sendo imputável à ora Recorrente qualquer incumprimento contratual e, em consequência, deve a Recorrente ser integralmente absolvida dos pedidos para todos os devidos efeitos legais, fazendo-se assim a Costumada Justiça!!!
PONTO 38 - A AUTORA INTERROMPEU OS FORNECIMENTOS DO LOTE T… IMPERIAL À RÉ.
PP) Resulta claro e notório por intermédio do depoimento do Diretor Geral da Recorrida da RAM que a J….Lda tomou a decisão de interromper o fornecimento de todo e qualquer tipo de café à Recorrente.
(…)
QQ) Termos em que se impõe a retificação do ponto 38 da Matéria dada por Provada da seguinte forma:
Retificação do Ponto 38 da Matéria dada por Provada
“38 - A Autora, por sua iniciativa, interrompeu os fornecimentos de café à Ré.”
RR) E, em consequência, deverá revogar-se a Sentença Recorrida, substituindo-a por outra que reconheça a inexistência de qualquer incumprimento contratual imputável à Recorrente e, em consequência, deve a Recorrente ser integralmente absolvida dos pedidos para todos os devidos efeitos legais, fazendo-se assim a Costumada Justiça!!!
PONTO 39 - OS RÉUS DESDE, PELO MENOS, DEZEMBRO DE 2012, NÃO MAIS COMPRARAM CAFÉ LOTE STAR À AUTORA.
E
PONTO 42 - OS RÉUS NÃO VOLTARAM A ADQUIRIR CAFÉ LOTE STAR COFEE APÓS ESSA CARTA.
SS) Face à prova produzida nos presentes autos e nomeadamente a prova produzida em Audiência de Discussão e Julgamento os pontos 39 e 42 da Matéria dada por Provada é deturpador da realidade material impondo-se a sua retificação.
TT) Conforme já visto supra, a partir de Dezembro de 2012 as partes acordaram verbalmente entre si novos termos contratuais que passaram a regular a sua relação comercial desde Dezembro de 2012 até 2022, altura em que a Recorrida unilateralmente interrompeu o fornecimento de todo e qualquer tipo de café à Recorrente, conforme depoimento do Diretor Geral da Recorrida na RAM transcrito supra, razão pela qual se impõe a retificação dos pontos 39 e 42
Retificação do Ponto 39 da Matéria dada por Provada
“39 - Os Réus desde, pelo menos, Dezembro de 2012, não mais compraram café lote Star à Autora, passando a comprar café do Lote Imperial nos termos contratuais acordados verbalmente entre as partes, fornecimento o qual perdurou até 2022, altura em que a Autora interrompeu unilateralmente o fornecimento de todo e qualquer tipo de café.”
Retificação do Ponto 42 da Matéria dada por Provada
“42 - Os Réus não voltaram a adquirir café lote Star Cofee após essa carta, passando a adquirir ininterruptamente até 2022 o lote Imperial, conforme acordado entre as partes.”
UU) E, em consequência, deverá revogar-se a Sentença Recorrida, substituindo-a por outra que reconheça a inexistência de qualquer incumprimento contratual imputável à Recorrente e, em consequência, deve a Recorrente ser integralmente absolvida dos pedidos para todos os devidos efeitos legais, fazendo-se assim a Costumada Justiça!!!
Da Impugnação da Matéria dada por Não Provada
PONTO E) DA MATÉRIA DADA POR NÃO PROVADA - AS PARTES ACORDARAM EM REVOGAR OS CONTRATOS EXISTENTES QUE HAVIAM SIDO CELEBRADOS EM 2008 E ESTABELECER UM NOVO CONTRATO QUE, ALIÁS, VIGOROU ATÉ OUTUBRO DE 2022.
E
PONTO F) - A AUTORA ACEITOU MODIFICAR O CONTRATO CELEBRADO EM 2008 E SUBSTITUÍ-LO POR UM COM OS TERMOS PROPOSTOS PELA RÉ EM 2012.
VV) Com base no depoimento do Sr. G… que atestou e confirmou a existência de um acordo verbal que manteve-se em vigor até 2022 (conforme ponto 35 da Matéria dada por Provada), o ponto E e F da Matéria dada por Não Provado deveria ter sido considerado pelo Tribunal a quo como provado para todos os devidos efeitos legais
WW) E EM CONSEQUÊNCIA, DEVERÁ REVOGAR-SE A SENTENÇA RECORRIDA, SUBSTITUINDO-A POR OUTRA QUE RECONHEÇA A INEXISTÊNCIA DE QUALQUER INCUMPRIMENTO CONTRATUAL IMPUTÁVEL À RECORRENTE E, EM CONSEQUÊNCIA, DEVE A RECORRENTE SER INTEGRALMENTE ABSOLVIDA DOS PEDIDOS PARA TODOS OS DEVIDOS EFEITOS LEGAIS, FAZENDO-SE ASSIM A COSTUMADA JUSTIÇA!!!
*
Não foram oferecidas contra-alegações e o recurso foi admitido como apelação com subida imediata, nos autos e efeito devolutivo.
As questões a decidir são:
I) Nulidade da sentença.
II) Impugnação da matéria de facto.
III) Contratos celebrados entre as partes e comunicação de cláusulas contratuais gerais.
IV) Responsabilidade dos réus contratual dos réus e abuso de direito.
*
FACTOS.
São os seguintes os factos considerados provados e não provados pela sentença recorrida:
Provados.
1- A Autora, no ano de 2009, incorporou no seu património a globalidade do património da empresa P…, Lda. por fusão.
2- A P…, Lda., no exercício do seu comércio de venda, por grosso, de cafés, no dia 27 de Março de 2008, celebrou com os Réus o contrato 004/MAO/96.
3- A sociedade “E… & R… Lda.” vinculava-se com a assinatura dos dois gerentes.
4- A sociedade tinha, à data, como gerentes o Réu R… e E….
5- O contrato apenas foi assinado pelo gerente R….
6- Nesse contrato, os Réus obrigaram-se a comprar 1200 quilos de café T… lote Star Coffee em quantitativos mínimos mensais de 20 quilos, ao preço de tabela em vigor às datas de venda efetivas, sendo o preço do Kg à data da celebração do contrato de 28,50 €.
7- A P…, Lda. prometeu conceder aos Réus uma bonificação de € 10.870,64 quando a totalidade de café prometida em venda pela Autora se mostrasse totalmente adquirida e paga pelos Réus.
8- Na data da celebração do contrato a P…, Lda. vendeu aos Réus os seguintes bens, mencionados na fatura …32, de 27 de Março de 2008:
- 2 máquinas de café expression 2GR, nºs série 10320 e 10332.
- 2 moinhos Doge com os nºs de série 5759 e 5249.
9- Os bens mencionados na fatura …32, tinham o valor de € 10.870,64 com IVA incluído, reservando a P…, Lda. para si a propriedade de tais bens até o seu integral pagamento.
10- O contrato previa que o incumprimento do contrato, conferiria ao promitente vendedor o direito de o anular/resolver e o de reclamar:
- A restituição dos bens vendidos;
- A indemnização em montante equivalente a 20% do valor do café prometido em compra e ainda não adquirido.
11- O 2.º Réu assumiu a responsabilidade pelo pontual cumprimento do contrato.
12- Nesse contrato as partes declararam expressamente que o contrato foi discutido em todo o seu clausulado com cerca de dez dias de antecedência.
13- A P…, Lda., no exercício do seu comércio de venda, por grosso, de cafés, no dia 31 de Dezembro de 2008, celebrou com os Réus o contrato 032/MAO/96.
14- A sociedade tinha, à data, como gerentes o Réu R… e E….
15- O contrato apenas foi assinado pelo gerente R….
16- Os Réus obrigaram-se a comprar 1.200 quilos de café T… lote Star Coffee em quantitativos mínimos mensais de 20 quilos.
17- A P…, Lda. prometeu conceder aos Réus uma bonificação de € 1500,00, quando a totalidade de café prometida em venda se mostrasse totalmente adquirida e paga pelos Réus.
18- Foi emprestada a quantia de €1.500,00, por conta da bonificação acordada.
19- Convencionou-se que o incumprimento do contrato, conferiria ao promitente vendedor o direito de o anular/resolver e o de reclamar:
- A restituição da quantia adiantada;
- A indemnização em montante equivalente a 20% do valor do café prometido em compra e ainda não adquirido.
20- O 2.º Réu assumiu a responsabilidade pessoal e solidária pelo pontual cumprimento do contrato.
21- Nesse contrato os Réus declararam que o teor do contrato lhes foi facultado por cópia integral, com dez dias de antecedência em relação à data da sua outorga, tendo-lhes sido prestada explicação bastante de todos os seus termos, pelo que ficaram absolutamente cientes de que o mesmo corresponde, integral e fielmente às suas manifestações de vontade.
22- Os termos dos contratos celebrados em 2008 foram elaborados pela Autora, e explicados por um profissional da área comercial da Autora.
23- Os Réus tiveram os contratos na sua posse durante, pelo menos, dez dias antes de assinarem os mesmos.
24- Em Fevereiro de 2009 o sócio gerente E… faleceu.
25- A sua quota foi transmitida, em comum e sem determinação de parte ou direito, para a sua esposa, Sra. AE… e seus filhos, Sr. RE… e Sra. JE….
26- No dia 26 de Março de 2012, o Réu R… cedeu a quota que era titular na Ré “E… & R…, Lda.” a AE…, a RE… e a JE….
27- Nessa data renunciou às funções de gerente que vinha exercendo na Ré “E… & R…, Lda.”.
28- Nessa data, a quota do Sr. R… foi transmitida para os sócios AE…, RE… e JE…, ficando estes como únicos detentores de quotas da A., assumindo, totalmente, a sua gestão.
29- Enquanto o Réu R… foi sócio e gerente da Sociedade “E… & R… Lda.” não se verificaram incumprimentos do contrato celebrado com a Autora.
30- Quando os sócios AE…, RE… e JE… assumiram efetivamente a gestão do estabelecimento explorado da Ré em 2012, foram confrontados com os contratos anteriormente assinados com a Autora.
31- Os sócios consideraram a quantidade de café contratada com a Autora excessiva não as considerando alinhadas com os seus interesses na prossecução da gestão do estabelecimento.
32- O sócio RE… propôs os seguintes novos termos contratuais:
- Devolução uma das máquinas de café e moinho.
- Devolução do montante da bonificação de € 1500,00.
- A Ré passaria a comprar o T… Imperial (lote de gama inferior – mais barato – ao que se encontrava definido no âmbito dos Contratos – que era o T… Lote Star Coffee).
- A quantidade mensal de café a ser adquirida pela R. seria consoante as necessidades operacionais que fossem verificadas na Ré, não se encontrando sujeitas a uma periodicidade de aquisição mensal.
- A Ré não ficaria sujeita a quaisquer obrigações fixas de aquisição de café.
33- Nunca foi celebrado um novo contrato escrito entre as partes.
34- A Autora elaborou um contrato escrito relativo ao lote Imperial, mas a Ré “E… & R… Lda.” recusou a assinar o mesmo, por não estar de acordo com os termos.
35- A Autora continuou a fornecer café à Ré do lote T… Imperial, de forma ininterrupta, até finais de 2022.
36- A Ré aceitou os fornecimentos de café porque estes se encontravam conformes aos termos contratuais propostos pela própria Ré.
37- A Ré efetuou o pagamento de todas as faturas emitidas pela Ré por conta do referido fornecimento de café.
38- A Autora interrompeu os fornecimentos do lote T… Imperial à Ré.
39- Os Réus desde, pelo menos, Dezembro de 2012, não mais compraram café lote Star à Autora.
40- Desde Março de 2008 até Dezembro de 2012, foram comprados 136 quilos de café dos 1200 prometidos em compra.
41- No dia 17 de Junho de 2013 foram enviadas pela Autora aos Réus cartas com o seguinte conteúdo:
“Os nossos melhores cumprimentos,
Reportamo-nos aos contratos assumidos por V. Exas. a 27/03/2008 e a 31/12/2008, por via dos quais V. Exas. nos comprometeram comprar cafés T…, Lote Star Coffee, em quantidades mínimas mensais não inferiores a 20 quilos.
No pressuposto de que dariam cumprimento pontual e integral ao acordado, logo lhes creditamos na V/conta corrente, à data da celebração do contrato, a quantia de 1.500,00 Eur, e vendemos equipamentos (máquina de café e moinho) em condições extraordinariamente vantajosas (o pagamento do preço, por exemplo, só será devido no termo final do contrato).
Infelizmente V. Exas. não vêm adquirindo café, facto que viola frontalmente o acordado e nos permite por fim ao contrato e reclamar-lhes indemnização em montante correspondente a 20% do preço não adquirido, bem como pagamento imediato do preço dos bens vendidos e a devolução do crédito concedido.
Assim cumpre-nos informar que os contratos 004/MA08/96 e 032/MA08/96, celebrados entre as nossas duas empresas (sendo que referente a este último a J…, SA assumi a posição da P…, Lda), acusam um débito de compras de café de 1.064 kgs. de café Lote Star Coffee, o que de acordo com o clausulado contratual representa, de V/parte, as seguintes responsabilidades:
1.Restituição do crédito concedido, no valor de 1.500,00 € (mil e quinhentos euros);
2.Pagamento dos bens vendidos, no valor de 10.870,64 € (dez mil oitocentos e setenta euros e sessenta e quatro cêntimos).
3. Indemnização correspondente a 20% do café prometido em venda e ainda não adquirido, no valor de 6.384,00 € (seis mil trezentos e oitenta e quatro euros);
Num total em débito de 18.754,64 € (dezoito mil setecentos e cinquenta e quatro euros e sessenta e quatro cêntimos).
Tem V. Exas. um prazo de 15 dias a partir da receção desta carta para retomar o cumprimento do contrato nos termos ajustados, sob pena de, assim não acontecendo, lhe pormos termo final com todas as consequências mencionadas supra”.
42- Os Réus não voltaram a adquirir café lote Star Cofee após essa carta.
43- Os Réus devolveram uma máquina de café expresso nº de série 10320 e um moinho doge nº de série 5759.
44- Na sequência dessa devolução foi emitida pela Autora aos Réus uma nota de crédito no valor de 4.950,86 €.
45- Os Réus restituíram o crédito concedido no valor de 1.500 euros, através do pagamento em três prestações mensais e sucessivas de € 500,00 cada.
Não provados.
A) Os Réus desde, pelo menos, Dezembro de 2012, não mais compraram café à Autora.
B) O Réu R… comunicou aos sócios e gerentes AE…, RE… e JE… a existência do contrato datado de 31 de Dezembro de 2008 e da obrigação de o cumprirem.
C) Os bens titulados pela fatura …32 foram todos pagos ou devolvidos à Autora.
D) Os novos termos contratuais foram transmitidos à Autora por intermédio do Sr. O… o vendedor, na altura, alocado ao estabelecimento da Ré.
E) As partes acordaram em revogar os contratos existentes que haviam sido celebrados em 2008 e estabelecer um novo contrato que, aliás, vigorou até Outubro de 2022.
F) A Autora aceitou modificar o contrato celebrado em 2008 e substituí-lo por um com os termos propostos pela Ré em 2012.
*
ENQUADRAMENTO JURÍDICO.
I) Nulidade da sentença.
A apelante invoca a nulidade da sentença, invocando o artigo 615º nº1 alíneas c) e d) do CPC, que têm a seguinte redacção: nº1 “É nula a sentença quando: (…) c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível; d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não poderia tomar conhecimento;(…)”.
Para fundamentar a nulidade da alínea c), alega a apelante que, ao dar como não provado o facto “os réus, desde Dezembro de 2012, sem explicação nem aviso, não mais compraram café à ora autora”, alegado no artigo 14º da PI e incluído no ponto A) dos factos não provados, a sentença é contraditória nos seus fundamentos e decisão, pois este facto constitui a causa de pedir da autora, pelo que, não se provando, a decisão teria de ser necessariamente a improcedência da acção.
Manifestamente não tem razão a apelante, tendo em atenção que, face aos factos provados dos pontos 35 e 39, fica bem claro que a ré continuou a comprar café à autora, mas de um lote diferente daquele que foi o acordo em que a autora fundamenta o seu pedido.
Inexiste, pois, a apontada contradição.
Alega ainda a apelante que a sentença violou o princípio da estabilidade da instância prevista no artigo 260º, ao dar como provada a matéria do ponto 39 dos factos, o que, embora não seja assim classificada pela apelante, integraria um excesso de pronúncia previsto na alínea d) do nº1 do artigo 615º, por conhecimento de questões que o tribunal não poderia conhecer.
Mas mais uma vez não assiste razão à apelante, pois, ao dar como provado, no ponto 39, que “os réus desde, pelo menos, Dezembro de 2012, não compraram café lote Star à autora”, a sentença em nada altera a causa de pedir alegada pela autora, especificando-se que não foi comprado café de um determinado lote, que é precisamente o que foi alegado na petição inicial, para além de que tal especificação decorre da matéria alegada pela própria ré apelante na contestação, que aceitou que não mais comprou à autora café do lote acordado Star, mas continuou a comprar-lhe café do lote Imperial, pelo que, a haver qualquer alteração da causa de pedir, sempre a mesma seria permitida pelo artigo 265º do CPC, face ao acordo das partes.
Inexiste, também, nesta parte, nulidade da sentença.
Ainda quanto à nulidade da alínea d) do nº1 do artigo 615º, a apelante defende haver omissão de pronúncia, por a sentença não ter apreciado a excepção de abuso de direito.
Nas duas contestações apresentadas, quer do réu e quer da ré, ora apelante, não foi arguida a excepção de abuso do direito, prevista no artigo 334º do CC, sendo certo que, nos termos do nº1 do artigo 573º do CPC, o momento próprio para o fazer teria sido nas contestações.
Tendo a sentença recorrida entendido proceder a responsabilidade contratual dos réus, não lhe cabia apreciar o abuso de direito não arguido nas contestações, pelo que não se verifica também esta nulidade processual ora invocada.
Todavia, sendo o abuso de direito de conhecimento oficioso, estabelece o nº2 do artigo 573º que “depois da contestação só podem ser deduzidas excepções, incidentes e meios de defesa que sejam supervenientes, ou que a lei expressamente admita passado esse momento, ou de que se deva conhecer oficiosamente”.
Deste modo, tendo a apelante invocado, agora formalmente, nas alegações de recurso, caberá ao presente Tribunal da Relação apreciar a excepção de abuso de direito, o que se fará oportunamente, aquando da apreciação da responsabilidade contratual dos réus.
*
II) Impugnação da matéria de facto.
Nas suas alegações, a autora apelante impugna os pontos 12, 21, 22 e 23 dos factos provados, pretendendo que os mesmos sejam julgados não provados, impugna os pontos 34, 35, 38, 39 e 42 dos factos provados, pretendendo que os mesmos seja alterados e impugna os pontos E) e F) do factos não provados, pretendendo que os mesmos sejam julgados provados.
É a seguinte a redacção dos pontos impugnados:
Ponto 12- Nesse contrato as partes declararam expressamente que o contrato foi discutido em todo o seu clausulado com cerca de dez dias de antecedência.
Ponto 21- Nesse contrato os Réus declararam que o teor do contrato lhes foi facultado por cópia integral, com dez dias de antecedência em relação à data da sua outorga, tendo-lhes sido prestada explicação bastante de todos os seus termos, pelo que ficaram absolutamente cientes de que o mesmo corresponde, integral e fielmente às suas manifestações de vontade.
Ponto 22- Os termos dos contratos celebrados em 2008 foram elaborados pela Autora, e explicados por um profissional da área comercial da Autora.
Ponto 23- Os Réus tiveram os contratos na sua posse durante, pelo menos, dez dias antes de assinarem os mesmos.
Estes quatro pontos são relativos à comunicação das cláusulas dos contratos pela vendedora e, no que diz respeito aos pontos 12 e 21, a sua redacção corresponde expressamente às cláusulas 10ª e 16ª, respectivamente, do contrato de Março de 2008 e do contrato de Dezembro de 2008.
Por outro lado, a testemunha G…, director comercial da autora, explicou que as cláusulas dos contratos são elaboradas com base numa avaliação do cliente resultante do que este lhes transmite e, embora as cláusulas obedeçam a um padrão não negociável, é sempre negociada a quantidade de produto a adquirir e o respectivo investimento e, depois de feita tal avaliação e de ser redigido o contrato pela autora, o comercial que contactou o cliente ou que foi por este contactado explica-lhe as cláusulas, nomeadamente as consequências do não cumprimento e entrega o contrato ao cliente, deixando-o na sua posse para este o examinar antes de assinar, estando sempre disponível para qualquer pergunta se o cliente tiver alguma dúvida, pelo que o contrato fica com o cliente para esse efeito, não sendo levantado antes de passar um mês.
Este depoimento sereno e consistente e o facto de os contratos terem sido assinados com o conteúdo reproduzido nos pontos 12 e 21 são suficientes para considerar provados estes pontos 12, 21, 22 e 23.
Ponto 34- A Autora elaborou um contrato escrito relativo ao lote Imperial, mas a Ré “E… & R… Lda.” recusou a assinar o mesmo, por não estar de acordo com os termos.
Ponto 35- A Autora continuou a fornecer café à Ré do lote T… Imperial, de forma ininterrupta, até finais de 2022.
Ponto 39- Os Réus desde, pelo menos, Dezembro de 2012, não mais compraram café lote Star à Autora.
Ponto 42- Os Réus não voltaram a adquirir café lote Star Cofee após essa carta.
FNP E)- As partes acordaram em revogar os contratos existentes que haviam sido celebrados em 2008 e estabelecer um novo contrato que, aliás, vigorou até Outubro de 2022.
FNP F)- A Autora aceitou modificar o contrato celebrado em 2008 e substituí-lo por um com os termos propostos pela Ré em 2012.
A matéria dos factos não provados E) e F) contém a versão alegada na contestação da ré, no sentido de que a autora e a ré, desta vez representada pelos novos sócios, acordaram em substituir os contratos de 2008 por outro que corresponde à prática que se manteve desde 2013 a 2022, em que a ré comprou à autora café de um outro lote, mais barato, sem obrigação mínima de aquisição e em quantidades inferiores do que estava acordado nos contratos de 2008.
Pretende então a apelante que seja considerada provada esta versão, julgando-se provados os pontos E) e F) dos factos não provados e aditando-se matéria explicativa aos pontos 34, 35, 39 e 42, refletindo o alegado acordo de substituição.
Baseia-se a apelante, para o efeito, nas declarações de parte do sócio representante da ré RE…. Nestas declarações o declarante descreveu, também serena e consistentemente, como tentou renegociar os contratos de 2008, por os mesmos não servirem os interesses do estabelecimento da ré em virtude de este não conseguir escoar a quantidade de café acordada nesses contratos, pretendendo, nessas negociações, poder adquirir café de um lote mais barato (lote Imperial) e sem a obrigação de aquisição de uma quantidade mínima todos os meses.
Contudo, como decorre destas declarações, as negociações goraram-se, não tendo as partes chegado a acordo na outorga de um contrato escrito que substituísse os contratos de 2008 e, com a carta de 17 de Junho de 2023 que a autora enviou a comunicar que considerava incumpridos os contratos de 2008 e que fixava um prazo de 15 dias para os mesmos serem retomados sob pena de resolução, ficou claro que a autora não aceitou substituir os referidos contratos de 2008 e não é crível que a ré, nomeadamente o seu representante RE…, tenha ficado convencido de que foi efectivamente celebrado um contrato verbal que substituiu os mesmos contratos.
Deste modo, deverão manter-se não provados os pontos E) e F) dos factos não provados e deverá manter-se a redacção dos pontos 34, 35, 39 e 42 dos factos provados.
Ponto 38- A Autora interrompeu os fornecimentos do lote T… Imperial à Ré.
Pretende ainda a apelante que seja aditado ao ponto 38 dos factos provados que a interrupção dos fornecimentos ocorreu por sua iniciativa.
A matéria que se pretende aditar foi confirmada, quer pelo depoimento da testemunha G…, quer pelas declarações de parte do representante da ré, pelo que se procederá ao pedido aditamento, procedendo então parcialmente, apenas quanto a este ponto 38, a impugnação da matéria de facto.
Finalmente, verifica-se da leitura do ponto 29 dos factos provados que o mesmo é contraditório com a restante matéria provada.
É a seguinte a redacção do ponto 29 dos factos:
Ponto 29- Enquanto o réu R… foi sócio e gerente da Sociedade “E… & R…, Lda” não se verificaram incumprimentos do contrato celebrado com a autora.
A matéria deste ponto 29 , para além de ter natureza conclusiva, é contraditória com os pontos 26 e 27 dos factos, dos quais resulta que no dia 26 de Março de 2012 o réu R… deixou de ser sócio e gerente da sociedade ré e é também contraditória com o ponto 40 dos factos, onde ficou provado que desde Março de 2008 até Dezembro de 2012 foram comprados 136 quilos de café, dos 1200 acordados.
Ora, se em Dezembro de 2012 apenas haviam sido adquiridos 136 quilos de café dos 1200 acordados, é manifesto que, até 26 de Março de 2012, no período durante o qual o réu foi sócio e gerente da ré, não era possível que tivesse sido cumprida a obrigação contratual de comprar 20 quilos de café todos os meses, conclusão esta que se retira igualmente da tabela que constitui o documento nº5 da PI (fls 17 verso do processo físico) e explicada pela testemunha G…, de onde se vê que foram comprados, do lote de café Star, 32 quilos em 2008, 24 quilos em 2009, 32 quilos 2010, 24 quilos, em 2011 e 24 quilos em 2012, ou seja, 136 quilos ao todo.
Deverá, portanto, ser eliminado o ponto 29 dos factos provados.
Pelo exposto se decide:
a) eliminar o ponto 29 dos factos provados;
b) Julgar parcialmente procedente a impugnação da matéria de facto e alterar o ponto 38 dos factos, que passará a ter a seguinte redacção:
Ponto 38- A autora interrompeu os fornecimentos do lote T… Imperial à ré, por sua própria iniciativa.
c) julgar, no mais, improcedente a impugnação da matéria de facto.
*
III) Contratos celebrados entre as partes e comunicação de cláusulas contratuais gerais.
Dos factos provados resulta que entre a autora e os réus foram celebrados dois contratos escritos que integram o conceito doutrinário e jurisprudencial de contrato de concessão comercial, inominado, não tipificado na lei e contendo regras relativas a vários contratos tipificados, fixadas no âmbito da liberdade contratual prevista no artigo 405º do CC, por via do qual o concedente se obriga a vender produtos que produz ou que distribui ao concessionário, que se obriga a comprá-los e a revendê-los por sua conta e de forma continuada em determinada circunscrição, assim integrando a sua cadeia de distribuição.
Não havendo regulamentação legal para estes contratos, os mesmos regem-se pelas regras gerais dos contratos e a pelas dos contratos nominados com os quais apresentem, analogia quando as circunstâncias o justificarem (cf. ac RL de 1/10/2013, p. 4189/95 e ac. STJ de 8/9/2021, p. 723/17, ambos em www.dgi.pt).
Alega a ré apelante que os contratos são nulos porque a autora não comunicou adequadamente aos réus as cláusulas contratuais gerais.
As cláusulas contratuais gerais, regidas pelo DL 446/85 de 20/10, são cláusulas elaboradas sem prévia negociação individual, para opor a destinatários indeterminados que se limitam a subscrevê-las ou a aceitá-las (artigo 1º nº1 do DL 446/85) e que podem existir em contratos individualizados, mas em que os destinatários não as podem influenciar (nº2 do mesmo artigo 1º).
Os artigos 5º e 6º do DL 446/85 mandam que as CCG sejam comunicadas e explicadas aos destinatários aderentes de modo adequado, com a antecedência necessária, atendendo ao nível de complexidade do contrato, cabendo o ónus da prova da comunicação ao contratante que as submete a outrem e cominando o artigo 8º do mesmo diploma, não com a nulidade do contrato, mas sim com a sanção de exclusão do mesmo das CCG não comunicadas ou não explicadas.
No caso em apreço, há cláusulas que foram manifestamente negociadas e individualizadas, relativamente ao tipo de mercadoria a vender e a revender e as respectivas quantidades e as bonificações, mas não foram indicadas quais as específicas cláusulas que foram pré-elaboradas sem possibilidade de negociação. Porém, de qualquer forma, tendo ficado provado que todas as cláusulas foram comunicadas e explicadas aos réus, não ocorre a violação dos artigos 5º e 6º do DL 446/85 de 20/10, não havendo que excluir qualquer cláusula dos contratos, improcedendo as alegações de recurso nesta parte.
*
IV) Responsabilidade contratual dos réus e abuso de direito.
Na petição inicial a autora não alega claramente se os contratos se cumularam, ou se o segundo substituiu o primeiro e essa falta de clareza reflete-se nos factos provados.
Contudo, retira-se dos factos que, no essencial, os contratos não se cumulam, pois, tendo sido adquiridos 136 quilos do lote de café acordado, a autora reclama, como estando em falta, 1 064 quilos dos 1 200 acordados, ou seja, nesta parte, o segundo contrato não se cumula com o primeiro, substituindo-o e repetindo várias das cláusulas do primeiro, designadamente o lote de café a vender, o preço, a quantia total a comprar, a quantia mínima mensal a adquirir, os pressupostos de incumprimento que conferem à autora resolver o contrato e a sanção contratual se tal ocorrer.
Mas os dois contratos cumulam-se na parte respeitante à bonificação de 10 870,64 euros, na medida em que esta representa o preço de venda das máquinas entregues pela autora à ré no âmbito do primeiro contrato, que se manteve no segundo contrato, máquinas essas que se considerariam pagas quando fosse adquirida a totalidade dos 1 200 quilos de café acordados, o que se cumulou com a nova bonificação de 1 500,00 euros concedida no segundo contrato e que foi imediatamente disponibilizada.
Provado que durante a vigência do primeiro contrato, de Março a Dezembro de 2008 e desde o início da vigência do segundo contrato, em Janeiro de 2009, a Dezembro de 2012, foram adquiridos, ao todo, apenas 136 quilos de café do lote acordado e que, a partir de Janeiro de 2013 a ré não mais comprou café do lote acordado, estava a autora em posição, de harmonia com o clausulado nos dois contratos, de fixar o prazo admonitório para a ré retomar a execução do contrato, sob pena de resolução do mesmo e, não tendo a ré retomado a execução do contrato, poderia a autora ter resolvido o contrato e reclamado a indemnização acordada, bem como a devolução das bonificações concedidas, quer à ré concessionária, quer ao réu que assumiu a obrigação do cumprimento das obrigações do contrato.
Quanto às bonificações, provou-se que a ré devolveu a quantia de 1 500,00 euros à autora, devolvendo-lhe também, dos bens vendidos no âmbito do primeiro contrato, equipamento no valor de 4 950,86 euros.
Reclama então a autora, na presente acção, uma indemnização correspondente a 20% do valor de 1 064 quilos da mercadoria não adquirida, que calcula em 6 384,00 euros e o valor do equipamento não devolvido, no montante de 5 919,78 euros, tudo no montante global de 12 303,78 euros, tendo a sentença recorrida julgado procedente este pedido, condenando os réus a pagar tal quantia.
Argui a ré apelante, nas suas alegações de recurso, a excepção de abuso de direito, não arguida na contestação, mas que é de conhecimento oficioso, alegando que a autora actua com abuso de direito ao reclamar estes valores.
O artigo 334º do CC estatui que: “É ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito”.
Verifica-se, assim, uma situação de abuso de direito quando o titular de um direito válido o exercita de forma concretamente injusta, ofendendo objectiva e clamorosamente os princípios da boa fé, dos bons costumes ou do seu fim social ou económico, mesmo que o agente não tenha consciência do abuso cometido.
No âmbito da ofensa dos princípios da boa fé, ocorrem situações de violação da tutela de confiança de terceiro, como é o caso da modalidade de “venire contra factum proprium”, em que o titular adopta uma conduta que é contraditória com o seu comportamento anterior criador de uma situação objectiva de confiança a terceiro de boa fé, que vê assim frustrado o “investimento de confiança” daí resultante.
Esta situação poderá consistir na “inalegibilidade”, ou seja, exercendo-se o direito com a invocação de uma invalidade de negócio jurídico por vício de forma, depois de se prevalecer dele enquanto lhe foi conveniente.
Poderá ainda consistir na “suppressio”, quando o direito é exercido depois de decorrido um período de tempo que, pela sua extensão e pelas circunstâncias concretas da situação, criou a convicção de que o direito não iria ser exercido, situação esta que se afasta da figura geral da prescrição, pois, para operar, depende, não só do decurso do tempo, mas também de circunstâncias que contribuem para a expectativa de terceiro de que o direito não irá ser exercido.
Também o “tu quoque” é uma forma de violação da tutela de confiança, quando o titular do direito infringe uma norma jurídica e se prevalece da situação assim criada (cfr., sobre estas forma de violação da tutela da confiança, ac. RL de 24/4/2008 p. 2889/2008, em www.dgsi.pt).
No caso dos autos, apesar de os contratos só terem sido assinados por um dos representantes da ré à data da sua celebração, quando esta se vinculava com a assinatura de ambos, foram os contratos considerados em vigor e eficazes pela sentença recorrida, por entender que, se assim não fosse, haveria um abuso de direito por parte da ré, integrando, pois, a situação de “inalegibilidade” acima referida, solução que a ré apelante não impugnou no seu recurso e sendo certo que, efetivamente, o novo representante da ré, herdeiro do sócio E… que, à data da outorga dos contratos, não os assinou, aceitou a vinculação da ré aos contratos, ao contactar a autora e encetar negociações para tentar alterá-los, defendendo que os mesmos não serviam os interesses da ré.
Mas, goradas as negociações para alterar ou substituir os contratos celebrados com a autora, esta enviou aos réus uma carta de 17 de Junho de 2023, comunicando o incumprimento dos contratos e fixando um prazo para ser retomada a sua execução, sob pena de resolução de aplicação das sanções contratuais.
Só que, depois de enviar esta carta, a autora não actuou em conformidade, não resolveu o contrato, nem reclamou as sanções contratuais e, não só esperou nove anos para exercer o direito de resolução do contrato e de reclamação das respectivas sanções, como durante estes nove anos vendeu ininterruptamente café à ré nas condições em que esta propôs para alterar os contratos incumpridos, ou seja, mediante contratos de compra e venda de outro lote de café, verbais e pontuais, a solicitação das necessidades da ré, sem obrigação de aquisição mínima (cfr. pontos 32, 33, 34, 35 36 , 37 e 38 dos factos provados).
Tal conduta da ré, regular e consistente durante nove anos, que cessou apenas em finais de 2022, por sua iniciativa, quando resolveu exercer o seu direito e intentar a presente acção, constitui uma violação manifesta dos princípios da boa fé, ao criar expectativas aos réus de que acabara por aceitar as condições propostas pela ré.
Actua, pois, a autora com abuso de direito na modalidade de “suppressio” e também com uma mistura de “tu quoque”, já que lhe é também imputável o facto de o contrato ter sido celebrado sem a assinatura do outro sócio, ao não diligenciar por colher a assinatura que faltava e ignorando-se, assim, se o contrato teria sido celebrado com a concordância do outro sócio, caso tivesse sido solicitada a sua assinatura e sendo o actual representante da ré um dos sucessores desse sócio que não assinou, tendo tentado negociar a alteração dos contratos com a fixação de condições que, afinal, a autora acabou por praticar durante nove anos e criando, desta forma, uma situação de confiança que veio a frustrar ao fim desse período.
Procede, portanto, a excepção de abuso de direito, sendo ilegítimo o exercício do direito invocado pela autora e procedendo a apelação, com a improcedência da acção.
*
DECISÃO.
Pelo exposto, acorda-se em julgar procedente a apelação e se decide revogar a sentença recorrida e, consequentemente, absolver os réus do pedido de condenação no pagamento à autora da quantia de 12 303,78 € (doze mil trezentos e três euros e setenta e oito cêntimos).
*
Custas pela autora apelada em ambas as instâncias.
*
2025-06-26
Maria Teresa Pardal
Elsa Melo
António Santos