ACÇÃO ESPECIAL DE ENTREGA DE MENOR
DIREITO DE CUSTÓDIA
DIREITO DE VISITA
Sumário

Sumário elaborado pelo Relator:
-A Convenção da Haia de 1980 sobre os aspectos civis do rapto internacional de crianças, aprovada pelo Estado português através do Decreto nº 33/83, de 11 de Maio, à luz do seu Preâmbulo e do seu artigo 1º, a Convenção é um instrumento de cooperação judiciária internacional que tem um duplo objetivo: assegurar o regresso imediato das crianças ilicitamente transferidas para qualquer Estado Contratante ou nele retidas indevidamente e fazer respeitar de modo efetivo nos outros Estados Contratantes os direitos de custódia e de visita existentes num Estado Contratante;
-O “direito de custódia” reporta-se à responsabilidade pelos cuidados devidos à criança, incluindo o direito de decidir sobre o lugar da sua residência; quanto ao “direito de visita”, releva para a Convenção fundamentalmente o direito de visita transfronteiriço, que inclui a faculdade de levar a criança para um país diferente do da sua residência habitual por um período limitado de tempo;
- De harmonia com o plasmado nos artigos 3.º, 4.º e 5.º da Convenção da Haia de 1980, o rapto parental ocorre então, quando: A. Tenha havido uma deslocação de uma criança com menos de 16 anos, de um país onde tinha a sua residência habitual, para outro país; B. A deslocação ou retenção da criança tenha sido efetuada com violação do direito de custódia atribuído pela lei do Estado onde a criança tinha a sua residência habitual; C. O direito de custódia ter estado a ser exercido de maneira efetiva, individual ou em conjunto, no momento da deslocação ou retenção, ou devesse estar a ser exercido, se não se tivesse verificado a deslocação;
- Não se verifica deslocação ilícita da menor de um país onde tinha a sua residência habitual, para outro país, quando por acordo entre os progenitores, a menor se dividia entre os dois países (Portugal/Luxemburgo) passando mais tempo em Portugal;
- Na ausência de regulação das responsabilidades parentais, no que ao estado português diz respeito, vale o regime do art. 1901º do CC, segundo o qual o exercício das responsabilidades parentais pertence a ambos os pais e, em caso de discordância, pode qualquer deles recorrer a um Tribunal português para tutelar a sua posição, como preceitua o nº 2 daquele artigo;
-A permanência da menor em Portugal, num determinando período, contra a vontade do pai, não viola o direito de custódia, se aquele não ficar privado do seu acesso à filha e sem que a mãe tenha, de forma definitiva e unilateral, decidido sobre a residência da menor.

Texto Integral

Acordam os Juízes na 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa:

I.O relatório
O Ministério Público veio - em 29 de Junho de 2023, e por apenso aos autos de regulação das responsabilidades parentais que já correm, como apenso “B” -, nos termos dos artigos 1º, n.º 1. al. b), e 2, al. a), 2.º n.º 9, 10 e 11 als. a) e b), 8.º, 9.º, 10.º, 11.º , 15.º, al. a), 16.º, 22.º, 24.º, 81.º, 87.º, 96.º do Regulamento (CE) nº 2 2201/2003 do Conselho, de 27 de Novembro de 2003 (Regulamento Bruxelas II Tera), artigos 1.,º, als. a) e b), 2.º, 3.º, al. a), 4.º, 5.º, al. a), 6.º, 7.º, als. a), b) e f), 10.º, 11.º, 12.º e 14.º, todos da Convenção dos Aspetos Civis do Rapto Internacional de Crianças, concluída em Haia, em 25 de Outubro de 1980, ratificada pelo Estado Português pelo D. Gov. n.º 33/83, de 15 de Maio, artigos 1887.º do Código Civil e art. 17.º e 28.º do Regime Geral do Processo Tutelar Cível, propor ACÇÃO ESPECIAL DE ENTREGA DE MENOR, POR APENSO AO PROCESSO DE REGULAÇÃO DAS RESPONSABILIDADES PARENTAIS Nº 2845/22.1T8CSC-A, COM VISTA AO REGRESSO AO LUXEMBURGO da menor AA, nascida a …/…/2020, natural do Luxemburgo, nacional …, filha de BB e de CC.
De mais relevante, invoca o Ministério Público na sua petição inicial:
- Os progenitores e a menor são portugueses;
- A menor é natural do Luxemburgo;
- Os progenitores viviam no Luxemburgo;
- Os progenitores são casados, mas encontram-se separados desde Setembro de 2023 (pensamos que a alusão a 2023 é devida a lapso, e que o Ministério Público quereria dizer 2022);
- A progenitora veio a Portugal em 1 de Junho de 2022, para aqui passar férias com a filha, tendo o progenitor vindo em 18 de Agosto de 2022, e tendo a família passado férias conjuntamente;
- Contudo, o progenitor regressou ao Luxemburgo em 3 de Setembro de 2022, mas a progenitora não permitiu que a criança regressasse com o pai, não dando qualquer explicação para o efeito;
- O progenitor pretende que a filha seja devolvida ao Luxemburgo.
*
Resulta dos documentos junto com a petição inicial do Ministério Público, que a petição inicial do Ministério Público teve por base um requerimento que o pai dirigiu à Procuradoria-Geral do Luxemburgo, em 24 de Janeiro de 2023, com o seguinte teor:
“(…) Em 1 de junho de 2022, a CC deslocou-se com a filha comum, a AA, a Portugal para passar as férias de Verão. BB juntou-se à sua família [em Portugal] em 18 de agosto de 2022. O regresso ao Luxemburgo estava previsto para 3 de setembro de 2022, data em que criança deveria regressar ao jardim de infância. Visto que CC tinha de ficar em Portugal por mais alguns dias, o pai devia regressar sozinho ao Luxemburgo com AA. Apesar do regresso previsto, a mãe impediu o regresso da criança ao Luxemburgo sem qualquer razão, explicação e sobretudo sem o acordo prévio ou informação do pai, de modo que o pai teve de regressar sozinho ao Luxemburgo a fim de cumprir as suas obrigações profissionais. Desde então, BB tem tentado sem efeito de comunicar com CC, a fim de compreender e resolver a situação. Dado que BB ficou sem notícias da sua filha, tendo em conta o silêncio e falta de comunicação da mãe em relação à criança, o pai decidiu apresentar um processo de divórcio perante os tribunais do Luxemburgo. (…)”
*
No dia seguinte à propositura da acção pelo Ministério Público, 30 de Junho de 2023, e uma vez que já corriam termos neste Tribunal, a acção de divórcio (Proc. n.º 2845/22.1T8CSC) e a acção para regulação das responsabilidades parentais (Proc. n.º 2845/22.1T8CSC-A), foi proferido o seguinte despacho:
“Atendendo a que a AA já se encontra em Portugal desde Fevereiro de 2022, aqui frequentando a escola, e que em sede do processo de regulação das responsabilidades parentais, em Janeiro de 2023, o pai celebrou um acordo provisório de regulação das responsabilidades parentais em que a menor ficaria à guarda e cuidados da mãe, determino que se notifique o progenitor para que informe os autos, no prazo de 5 dias, se sempre pretende accionar a Convenção de Haia. Caso a resposta do mesmo seja afirmativa, junte aos presentes autos o relatório social que já se encontra no processo de regulação das responsabilidades parentais e abra-me conclusão para agendamento de data para audição de ambos os progenitores. (…)”
*
Em 9 de Julho de 2023, o pai responde ao despacho, informando que a menor viajou com a mãe, para Portugal, em Fevereiro de 2022, com o consentimento do pai, mas para aqui passar uma temporada e não para aqui residir, pelo que, a menor se encontraria a residir em Portugal contra a vontade do pai, pretendendo este que a menor seja devolvida ao Luxemburgo.
*
Nessa sequência, em 12 de Julho de 2023, foi designado o dia 3 de Agosto de 2023, para audição dos progenitores.
*
No dia designado, foram tomadas declarações aos progenitores que se encontram gravadas e foi proferido o seguinte despacho:
“Atentas as declarações dos progenitores que se encontram gravadas, impõe-se determinar aos progenitores, para que no prazo de 15 dias, juntem aos autos deste apenso B, toda a documentação relativa às deslocações, nomeadamente os bilhetes de avião, as relativas às inscrições nas escolas, à documentação trocada entre os pais relativamente às viagens, bem como às inscrições nas escolas. Mais se determina que no prazo de 5 dias, a mãe junte aos autos toda documentação clínica, que já dispõe, da filha, bem como a identificação dos médicos e do local onde trabalham, sendo que identificados que sejam todos os médicos especialistas que acompanham a AA, a secção com a maior brevidade, solicite aos respectivos médicos/clínicas/hospitais, o registo de todas as consultas efetuadas, bem como os relatórios das mesmas, com identificação das patologias diagnosticadas, bem como do tratamento que haja de ser efectuado. Mais determino que a AA seja submetida a perícia pedopsiquiátrica, e os respetivos progenitores, sejam submetidos a perícias e psiquiátricas e psicológicas, no caso dos pais.
Para o efeito de definição dos quesitos, poderão aos pais, querendo, apresentarem os mesmos, no prazo de 15 dias, devendo no primeiro dia de trabalho após férias, da Digníssima Magistrada do Ministério Público, titular neste Juiz 1, ser aberta vista a essa Digníssima Magistrada, para o efeito de indicar os quesitos Mais determino que as declarações dos pais aqui prestados, sejam transcritas com urgência, para que as mesmas sejam depois também remetidas ao INML, bem como ao NIJ de Oeiras. Mais determino que em face das declarações dos pais, que o NIJ de Oeiras faça um novo relatório, se pronuncie sobre o desenvolvimento da criança, bem como o actual estado anímico da mesma e que informe ainda se actualmente existem fundamentos objetivos que indiquem que a criança deve permanecer a residir com um, ou com o outro progenitor. Mais determino que se solicite à CPCJ de Oeiras, que informe os autos se existe processo de promoção e protecção a correr termos em benefício da menor. Determino também que se oficie ao DIAP responsável pelos inquéritos, se existe processocrime a decorrer contra qualquer um dos progenitores da AA. Em caso afirmativo, deverá a ser remetida aos presentes autos cópia do inquérito.”
*
Nessa sequência, pelos pais, foram juntos vários relatórios clínicos de várias especialidades médicas, de terapia da fala, de terapia ocupacional, cópias de bilhetes de avião, “e-mails” trocados entre os progenitores relativamente à situação da filha, acordo de regulação das responsabilidades parentais que os pais assinaram no Luxemburgo em 24 de Janeiro de 2022, documentação emitida pelos hospitais e médicos do Luxemburgo, cópia da participação criminal da mãe contra o pai por violência doméstica relatando factos ocorridos desde a gravidez da mãe de AA, até Maio de 2023, assento de casamento celebrado a 24 de Outubro de 2019, print screens de mensagens trocadas por WhatsApp entre os pais, trocas de “e-mails” sobre a alimentação e a forma de a dar à AA, bem como de administrar a medicação, relatório da escola “...”, “e-mail” do pai para a mãe de 7 de Março de 2022, dando conta da sua inscrição na Associação de Antigos Alunos do Colégio A, “e-mails” que o pai trocou com o Colégio A, em 30 de Março de 2022, a inscrever a AA para o ano lectivo 2023/2024, bem como “e-mail” do C. A, em como a AA foi admitida, fotografias das caixas com os objectos que seriam trazidos do Luxemburgo para Portugal em Maio de 2022, documentos comprovativos de encomenda de mobiliário IKEA, mais relatórios clínicos, trocas de “e-mails” relativamente à alimentação na escola, plano alimentar estabelecido pelo Hospital ….
Para além de todos estes elementos que as partes, os pais, bem como o próprio Ministério Público vieram em momentos posteriores e até já após o início da audiência de discussão e julgamento, juntar mais documentação.
*
Em 28 de Fevereiro de 2024, a mãe dá entrada de requerimento informando que o pai reteve a AA no Luxemburgo e que ali a inscreveu numa creche contra a vontade da mãe.
A 7 de Março, a mãe, veio através de novo requerimento, informar que a 2 de Março, o pai devolveu a filha à mãe.
O pai respondeu em 14 de Março, invocando que o regresso naquela data estava acordado.
Mais invocou, que independentemente do que ficou fixado no regime de regulação das responsabilidades parentais provisório, que até que seja proferida decisão nos presentes autos, que os pais vão dividir o tempo da AA entre os dois países e entre duas escolas, uma vez que a criança ainda não está na primária.
O pai juntou um calendário por si elaborado relativamente ao ano 2023, em que mostra a divisão do tempo e refere que o ano 2024 é para ser dividido de igual forma.
A mãe apresentou requerimento, informando que não concorda com a imposição do calendário para 2024 e que a criança se encontra a faltar em Portugal à escola em que o pai aqui a inscreveu, o Colégio A.
Mais, referiu que a criança é levada ilicitamente para o Luxemburgo, não para aí estar com o pai, mas para frequentar uma escola e para aí ser acompanhada em consultas que são duplicação das consultas já marcadas em Portugal. Invocou que o pai não paga a pensão de alimentos atempadamente, não comparticipa com as despesas das viagens para o Luxemburgo.
O pai reagiu, impugnando o afirmado pela mãe e pedindo celeridade, atenta a natureza do processo. Pediu a condenação da mãe como litigante de má fé.
A mãe reagiu com novo requerimento, juntando novos documentos, nomeadamente clínicos, bem como um relatório do Colégio A, em que era dada conta de alguma instabilidade da criança pelo facto de se encontrar a residir em residência alternada, entre dois países.
*
Os pais continuaram a apresentar requerimentos e documentos, que foram juntos aos autos.
*
Foi junto relatório social pelo NIJ, com o teor que aqui damos por reproduzido.
*
Foram juntos os relatórios das perícias médico-legais da AA e dos pais.
*
Foi designada data para a realização de Audiência de discussão e julgamento, que ocorreu com observância de todos os formalismos legais.
***
Em 19/12/2024, foi proferida sentença com o seguinte teor decisório:
Em conformidade com o exposto, e ao abrigo das já supra citadas disposições normativas, não determino o regresso da AA ao Estado do Luxemburgo, devendo a mesma ficar a residir em Portugal, com a mãe.
***
Inconformado, o Ministério Público apresentou recurso, no qual deduziu as seguintes conclusões:
1. No dia 20.12.2024 o Tribunal a quo proferiu sentença determinando a “não devolução” da menor AA ao Luxemburgo.
2. O Ministério Público não se conformando com a douta sentença exarada, dela veio interpor recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa. Porquanto,
3. Na sentença proferida o tribunal deu como provados 165 (cento e sessenta e cinco) factos, não declarando acerca da matéria de facto não provada. Existe, pois, uma omissão absoluta, que inviabiliza que o Ministério Público possa exercer o respetivo ónus de impugnação, o que poderia conduzir a uma decisão diversa daquela de que se está a recorrer.
4. O Tribunal a quo na fundamentação de direito da sua sentença termina, concluindo com a seguinte expressão: “NÃO DETERMINO TAL DEVOLUÇÃO”, não se estribando em qualquer norma jurídica que habilite a tal decisão.
5. O Tribunal a quo no dispositivo da sentença remete abstratamente para legislação invocada anteriormente, sendo certo que a sentença é composta de 92 páginas [ “(…) ao abrigo das já supra citadas disposições normativas (…)”], pelo que, se desconhece quais as disposições normativas a que se refere o Tribunal no caso concreto.
6. Também esta circunstância impede o MP de recorrer cabalmente da matéria de Direito.
7. Acresce, ainda, que na fundamentação da matéria de facto dada como provada, o tribunal baseou-se em meras remissões para documentos constantes dos autos, muitas vezes sem identificar e discriminar os documentos concretamente em causa a cada momento, o que sucedeu designadamente: - Factos dados como provados de 108, 118, 120 a 124 – é referido, em abstrato, que a prova resulta dos relatórios clínicos juntos aos autos.
8. Ora, dos autos - compostos de cerca de mil e cem páginas - constam inúmeros relatórios. Deveria o tribunal mencionar o nome do relatório, a data e o repetivo autor, de forma a permitir o confrontado entre a factualidade dada como provada e os elementos probatórios que a sustentam.
9. O Tribunal a quo referiu, e bem, na sua sentença, que os progenitores efetuaram inúmeros requerimentos aos autos, juntaram trocas de correspondência eletrónica (mensagens de correio eletrónico e mensagens por WhatsApp), anexaram inúmeros relatórios clínicos, escolares e outros. Ora, reconhecendo tal dimensão e até complexidade processual, impunha-se que o tribunal diligenciasse ainda com mais rigor, cautela e objetividade, do que o costume, os elementos probatórios em que suportou as respetivas convicções.
10. Perante o exposto, torna-se praticamente impossível exercer o ónus de impugnação subjacente o direito de recurso, por parte do MP – o que é manifestamente intolerável.
11. Acresce, ainda, que na fundamentação da matéria de facto dada como provada, como por exemplo nos pontos 36, 37, 39, 41 ,44, 75, o tribunal fundou a sua convicção nas declarações de ambos os pais sem, contudo, esclarecer qual foi o sentido das declarações dos progenitores apresentadas que mereceram credibilidade.
12. Além disso, em diversos pontos da matéria de facto dada como provada, designadamente, nos pontos 74, 160, 162, 164 constata-se tratar-se de matéria manifestamente conclusiva.
13. Ora, o MP não pode impugnar a matéria de facto de forma vaga e abstracta, ora não conseguindo discernir como foi feita a prova de cada facto, como pode o MP impugnar concretamente seja o que for?
14. Sem prescindir,
15. É consabido que cabe ao juiz especificar os fundamentos de facto e de direito da decisão que profere, nos termos do disposto no art.º 607.º nº 3 e 4, a fim de que esta seja perceptível para os seus destinatários e que estes, face à fundamentação exposta na sentença, possam impugná-la quer de facto (através do recurso previsto no artº 640.º do C.P.C.) quer de direito.
16. Na sentença, há uma omissão ao nível da fundamentação da matéria de Direito, pois o Tribunal não se pronunciou relativamente à questão da retenção e da deslocação da criança – sem essa apreciação, não se compreende ou vislumbra, como pode o Tribunal a quo ter determinado a sua “não devolução” ao Luxemburgo;
17. A sentença como se encontra fundamentada impede o Ministério Público de cumprir o ónus de impugnação que lhes adstrito e de cabalmente argumentar na defesa das suas posições, porquanto desconhece a formação da convicção do Mmº Juiz a quo, restando-lhe “aceitar” os factos considerados provados para concluir como o fez.
18. Concluímos assim, que a sentença padece da nulidade absoluta por falta de fundamentação nos termos do art.º 615.º, al. b) do C.P.C, seja de facto ou de direito, e não apenas fundamentação deficiente, quiçá errada ou obscura. Caso assim, não se entenda, e sem prescindir sempre se dirá seguinte,
19. Considera o Ministério Público, que a sentença na vertente da matéria de facto deve ser ampliada, de acordo com o preceituado no art.º 662º n.º 2 alínea c) do C.P.C.
20. O tribunal com base na prova documental junta ao processo selecionou os factos de acordo com prejuízos de valor, não sustentando as suas convicções na prova materializada nos autos, desconsiderando grande parte da factualidade carreada para os autos a posteriori (face à PI).
21. A cognoscibilidade desta ampliação da matéria de facto é essencial à descoberta da verdade material, e representativos da situação vivencial real da menor – por oposição à redutora e enviesada perspetiva dos acontecimentos da progenitora, em prejuízo dos direitos do progenitor e da própria menor, cujo interesse superior deveria nortear a atuação de todos os intervenientes do processo e anão apenas do MP;
22. O balizamento dos factos provados em sentido favorável exclusivamente aos interesses da progenitora, omitindo-se factos relevantes e favoráveis ao progenitor, apesar de alegados e provados, demonstra a falta de objetividade do tribunal na condução deste processo. Reitere-se, que foram mesmo totalmente desconsiderados, em vez de serem declarados provados ou não provados.
23. Assim, o Tribunal da Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, sempre que os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa e quando a alteração da decisão resultar necessária, o que sucede no caso concreto, Senão vejamos,
24. Do requerimento apresentado pela progenitora (datado de 23.08.2024, doc. n.º 32), constam mensagens de correio eletrónico trocada entre os progenitores (datados de 23.01.2022 e 24.01.2022), resulta que « a progenitora propôs o acordo do exercício das responsabilidades parentais». Ambos os progenitores reconheceram o envio destes emails e o seu teor, aliás, pelo que, dúvidas não subsistem que o acordo da regulação do exercício das responsabilidades parentais foi proposto por iniciativa da progenitora.
25. Do requerimento apresentado pelo progenitor (datado de 08.08.2024) contém em anexo o email enviado por ...@pt para ...@gmail.com, datado de 20.06.2024, resultando provado que « «O Colégio A tinha conhecimento, desde 27/09/2023, que a menor frequentava a escola no Luxemburgo, na sequência de uma reunião com ambos os progenitores».
26. Requerimento apresentado por parte do progenitor (datado de 08.08.2024, documento em anexo, email enviado por ...@gmail.com para ... , datado de 11.09.2023, resultando o facto que «A progenitora informou a escola Colégio A das ausências programadas da menor nos períodos compreendidos entre 25 e 29 de setembro, 16 a 27 de outubro e 11 a 15 dezembro de 2023, para estar com o pai, no Luxemburgo».
27. O requerimento apresentado por parte do progenitor (datado de 08.08.2024), documento em anexo na troca de emails entre DD e EE e FF e ainda um documento emitido por parte da Organização …, do Luxemburgo, deve-se ser dado como provado que: «- Durante o período que a menor frequentou a escola no Luxemburgo, a AA manifestou ser uma menina aberta aos outros, sorridente, autónoma, brinca com os colegas, partilha jogos, ajuda quando necessário. No período da manhã quando a menor se separa do pai foi difícil na primeira semana, mas registouse progressos. - Em termos de linguagem fala português e também comunica com linguagem não verbal, compreende as instruções em Luxemburguês, repete palavras e apreende vocabulário, ouve canções e canta-as, participa na sala de aula e é interessada. Apresentou um raciocínio lógico desenvolvido. - O pai colabora com a escola no Luxemburgo.»
28. Do exame pericial da menor resulta que «foi acompanhada no Luxemburgo no Centre Hospitalier …».
29. Requerimento apresentado por parte do progenitor (datado de 08.08.2024, documento em anexo emitido em 11.04.2024 por parte da Organização … - Desde agosto de 2023 o progenitor é acompanhado pelo … em Allkandzielt»; - A AA quando está com o progenitor no Luxemburgo encontra-se calma e equilibrada a nível socioemocional.
30. Da Informação Social do Núcleo de Infância e Juventude, datado de 18.06.2024, resulta do como provado que «O progenitor revela competências parentais».
31. Existem documentos no processo, alegados e juntos pelas partes, contraditados e não impugnados, dos quais se extrai a seguinte factualidade: 1.A progenitora propôs o acordo do exercício das responsabilidades parentais ao progenitor com o seguinte teor: “1. As responsabilidades parentais são exercidas em comum por ambos os progenitores, de acordo com o seguinte: a. Ficando a menor a residir com a mãe durante duas semanas e uma semana com o pai até aos três anos de idade. b. Quando completar a idade de 3 anos, no dia …/…/2023, a menor passará a residir duas semanas com cada progenitor, no local de residência do mesmo.(…) 5. Na altura de ingressar na escolaridade obrigatória, aos 6 anos menor terá a oportunidade de escolher em que país o quer fazer (no caso de os progenitores residirem em países diferentes). Ambos os progenitores comprometem-se a respeitar esta decisão sem contestação, não vindo a exercer qualquer tipo de pressão ou condicionamento na tomada de uma decisão livre por parte da filha. 1. O Colégio A tinha conhecimento que a menor frequentava a escola no Luxemburgo, na sequência de uma reunião com ambos os progenitores. 2. A progenitora informou a escola Colégio A das ausências programadas da menor nos períodos compreendidos entre 25 e 29 de setembro, 16 a 27 de outubro e 11 a 15 dezembro de 2023 por ocasião de deslocações ao Luxemburgo; 3. Durante o período em que a menor frequentou a escola no Luxemburgo, a AA manifestou ser uma menina aberta aos outros, sorridente, autónoma, brinca com os colegas, partilha jogos, ajuda quando necessário. No período da manhã quando a menor se separa do pai foi difícil na primeira semana, mas registou-se progressos. 4. Em termos de linguagem fala português e também comunica com linguagem não verbal, compreende as instruções em luxemburguês, repete palavras e apreende vocabulário, ouve canções e canta-as, participa na sala de aula e é interessada. Apresentou um raciocínio lógico desenvolvido. 5. O pai colabora com a escola no Luxemburgo. 6. A menor foi acompanhada no Luxemburgo no Centre Hospitalier …, … e consultas de psicologia infantil. 7. Desde agosto de 2023 que o progenitor é acompanhado pelo … em Allkandzielt. 8. A AA quando está com o progenitor no Luxemburgo encontra-se calma e equilibrada a nível sócio emocional. 9. O pai revela competências parentais.
32. Todos estes factos são relevantes para a boa decisão da causa, demonstrando as capacidades parentais do progenitor, o acompanhamento médico, escolar e social à menor e consequentemente ilustram de uma melhor forma a situação vivencial da menor, caso o tribunal determine o regresso da menor ao Luxemburgo.
33. Assim, a sentença padece de deficiência, na medida em que não integrou factos essenciais relevantes para a boa decisão da causa (nem nos factos provados nem nos não provados), supra descritos, devendo a sentença ser anulada nos termos do disposto no art.º 662.º, n.º 2, al.c) do C.P.C, ou, caso assim não se entenda, ser ampliada a matéria de facto, nos termos supra expostos.
34. Quanto à única questão direito a ser apreciada pelo Tribunal a quo, de saber se existiu retenção ilícita da menor AA e, em caso afirmativo, determinar o seu regresso ao país da sua residência habitual no Luxemburgo, o Tribunal não apreciou a questão;
35. O Tribunal a quo considerou, num primeiro momento, que não existiu direito de retenção, atendendo a que os progenitores acordaram uma residência alternada (Luxemburgo vs Portugal), a menor veio para Portugal com a mãe em 22 de fevereiro de 2022 com o consentimento do pai, tendo a presente ação judicial assentado em pressupostos falsos alegados pelo pai à autoridade central, sendo que à data da respetiva instauração já a criança viajava entre os dois países;
36. Outro argumento do Tribunal foi a preexistência do processo de regulação (no qual ficou fixada a residência da menor com a mãe) quando a presente ação judicial foi intentada;
37. Ora, sucede que, no processo de regulação, o Tribunal quando tomou posição sobre a fixação da residência menor já sabia e não podia ignorar a existência do pedido de regresso da menor apresentado pelo pai junto da autoridade central luxemburguesa;
38. Pelo que, deveria ter suspendido aquela instância de regulação paternal em conformidade – o que não sucedeu;
39. Importa relembrar, que o Ministério Público instaurou a presente acção no dia 23 de junho de 2023 - data que não se confunde com a da ocorrência da retenção ilícita em 02 setembro de 2022 – essa sim relevante para a contagem do prazo de que o pai dispunha para acionar os mecanismos legais de regresso ao abrigo da CHaia.
40. O progenitor dirigiu o pedido na Autoridade Central de Luxemburgo, no dia 24 de janeiro de 2023, ou seja, em momento anterior à data da conferência de pais no processo de regulação das responsabilidades parentais (31.01.2023) pelo que há um erro de direito manifesto na sentença em crise;
41. Foi precisamente nessa conferência de pais, que o progenitor alertou o Tribunal a quo para essa situação, a qual não foi atendida;
42. No dia 02 de setembro de 2022 verificou-se a retenção da menor, e o progenitor ficou privado do contacto com a sua filha até ao Natal desse ano, que só foi retomado após a regulação das responsabilidades parentais, com a fixação do regime provisório.
43. Note-se que o pai efetuou o pedido de regresso junto da Autoridade Central no Luxemburgo, dentro do prazo legal permitido (em 24.01.2023), ainda antes da conferência para regulação das responsabilidades parentais em Portugal (e esta ocorrendo nas circunstâncias atrás referidas), nunca aceitando a competência dos tribunais portugueses, instaurando também ação de regulação de regulação do exercício das responsabilidades parentais no Luxemburgo (em 13.10.2022).
44. Mais, não pode desta forma artificial, negar-se e desprezar-se os prazos previstos na Convenção de Haia, como se os mesmos não tivessem de ser respeitados, pelo facto de ter ocorrido uma ação para regulação das responsabilidades parentais em Portugal.
45. Aceitar isto seria encontrar a fórmula mágica para desrespeitar sempre o prazo de um ano previsto na Convenção: o progenitor infrator retiraria a criança do país, impediria o acesso do outro progenitor à criança e tal acesso só seria dado após regulação das responsabilidades parentais no país retentor, a ocorrer antes de completado um ano, de forma a encurtar o prazo da convenção.
46. O progenitor não havia dado o seu consentimento à deslocação da criança, tendo, pelo contrário, proposto um processo especial de entrega judicial da criança ao abrigo da Convenção da Haia de 1980, no dia 23 de janeiro de 2023, mas sempre teria um ano para dar entrada dessa acção a partir do dia da retenção no Luxemburgo.
47. Além disso, a decisão provisória no âmbito da regulação do exercício das responsabilidades parentais, não pode justificar a recusa de fazer regressar a criança nos termos da Convenção, não obstante, os motivos dessa decisão sobre o direito de custódia poderem ser tidos em consideração na decisão sob o regresso da criança.
48. Assim, pese embora, este Tribunal se tenha declarado internacionalmente competente na regulação das responsabilidades parentais e ali ter sido fixada a residência da menor junto da mãe, tendo estabelecido os convívios e permitido a menor viajar de um país para o outro, daqui não se retira automaticamente, que não existiu deslocação ilícita.
49. O tribunal português considera-se internacionalmente competente para apreciar o direito de regresso, por se considerar ser o país onde a criança deslocada se encontra a residir, daqui se retirando, que a residência da menor antes da deslocação era no Luxemburgo, não podendo considerar-se que a residência da menor seja Portugal, sob pena, de concluir-se preliminarmente que não há deslocação e assentou em pressupostos ilegais.
50. Caberá no âmbito deste processo apreciar exclusivamente os pressupostos da verificação da deslocação/retenção ilícita e não determinar ou questionar a residência da menor, situação apreciada pelo Tribunal a quo, para concluir pela ilegalidade do processo por ser a acção instaurada em pressupostos falsos (o que não se afigura verdadeiro).
51. Concluindo diremos, que nesta parte o tribunal violou o disposto no art.º2.º, n.º11, 9.º, al.b) do Regulamento e art.º3 da C.Haia.
52. Para o Ministério Público ficou demonstrado que está preenchido o conceito legal de retenção e que se verificam os pressupostos legais para a determinação do regresso da mesma ao Luxemburgo, atenta a violação do direito de custódia face ao exercício efetivo do direito de guarda por parte do pai; Senão vejamos,
53. Resulta provado que os progenitores tomaram a decisão de se separar, tendo subscrito um acordo de exercício das responsabilidades parentais, no qual previa que a menor residisse duas semanas em Portugal e uma no Luxemburgo e assim sucessivamente – modelo de residência alternada.
54. Acordo que não foi homologado por nenhuma autoridade competente para o efeito, pelo que, consideramos ser apenas um acordo de vontades.
55. Desse acordo de vontades resulta que o pai consentia que a menor permanecesse por períodos com a progenitora em Portugal, no pressuposto que esta regressaria à sua residência habitual no Luxemburgo para junto de si. Este seria o regime acordado a ser implementado.
56. Em conformidade, os pais mantiveram a menor inscrita numa creche no Luxemburgo e ainda escolheram um colégio português que a menor frequentaria em paralelo.
57. Depois da mudança temporária da menor com a progenitora para Portugal, o progenitor com ambas em território nacional por ocasião das férias da Páscoa e do verão - estas todos juntos na casa dos avós paternos da AA, no Guincho – o que evidencia o entendimento das partes formalizado algum tempo atrás.
58. No dia 02 de setembro de 2022 – véspera da partida da AA para o Luxemburgo - a progenitora comunicou verbalmente ao pai que a menor não regressaria – consumando a retenção.
59. Desde a data de nascimento da AA até 22 fevereiro de 2022, data em que esta acompanhou a progenitora para Portugal, aquela sempre viveu no Luxemburgo, nunca tendo deixado essa residência, nem o pai o consentiria
60. Logo, a residência da menor era e sempre foi, para todos os devidos e legais efeitos, o Luxemburgo.
61. Contrariamente ao que resulta da sentença, é irrelevante o facto da menor à data (02.09.2022) ir apenas uma semana para o Luxemburgo, bem como, as razões que a mãe tenha justificado para fazê-lo, perante o acordo de vontades e a falta de consentimento expresso de inequívoco do pai para a mudança definitiva para Portugal.
62. Não se verificou nem provou qualquer alteração superveniente dos factos ou mesmo do comportamento do pai, que justificasse uma alteração unilateral do acordo de vontades que havia sido formalizado, muito pelo contrário, o pai intensificou os esforços no sentido de promover o bem-estar da menor no Luxemburgo, sem a presença efetiva da mãe, quando se iniciasse a implementação efetiva do acordo de regulação firmado entre as partes;
63. Parece resultar provado que o pai foi ludibriado pela mãe, que tudo fez para que ele assinasse o acordo – imprescindível à saída autorizada da menor do estrangeiro para Portugal – para, logo de seguida, diligenciar no sentido de promover Portugal como residência permanente e definitiva da menor, à revelia do pai e do acordo celebrado por ambos.
64. Assim, considera o Ministério Público que o acordo de regulação entre as partes foi celebrado em erro por parte do pai, que estava convicto de que o mesmo se iria materializar no sentido da residência alternada, e não servir como instrumento de saída da menor do território internacional para uma mudança efetiva e permanente em Portugal.
65. E é nessa medida que foi violado o do direito de custódia do pai;
66. O progenitor ficou, ainda, impedido de exercer o seu direito de guarda, de a contactar, tendo sido necessário, o tribunal fixar um regime provisório no processo de regulação das responsabilidades parentais, para o restabelecimento dos convívios com este. A mãe efectivamente coartou os vínculos com o pai até essa data.
67. A sentença em crise falhou, ainda, ao nível da omissão/excesso de pronúncia, porquanto não se pronunciou expressamente sobre a retenção/deslocação stricto sensu, quando o processo de regulação das responsabilidades parentais visa decidir com quem a criança reside, enquanto, o objecto deste processo é determinar o regresso da criança à sua última residência antes da deslocação/retenção ou seu não regresso. Não se deve confundir os objectos destas acções que são distintos.
68. No caso dos autos, consideramos ter existido retenção, pese embora, a progenitora tenha deslocado o centro de vida da menor para Portugal, desde final de fevereiro a 02 de setembro de 2022, a menor esteve cerca de 3 meses e meio com a progenitora (março, junho, julho e 1 dias agosto) e o pai cerca de 1 mês e meio (maio (no Luxemburgo), férias da Páscoa e 15 dias em agosto) durante esse ano de 2022.
69. Além disso, o progenitor sempre exerceu o direito de guarda, esteve sempre presente na vida da sua filha, contactava regularmente a menor, pese embora a progenitora exercesse os cuidados da mesma por ter maior disponibilidade (gozo da licença maternidade).
70. Concluindo diremos, que ambos os pais exerciam o direito de custódia, o “direito relativo aos cuidados devidos à criança como pessoa, e, em particular o direito de decidir sobre o lugar da sua residência” (art.º 5.º, al. a) da Convenção), à data da deslocação da criança durante a permanência desta em Portugal, com inobservância do hiato temporal consentido pelo progenitor, ocorrendo assim a retenção ilícita, como decorre do disposto no art.º 3.º, als. a) e b) da Convenção, o que determina a obrigação do Estado Português, através das autoridades competentes, enquanto outorgante da Convenção, deveria ordenar o regresso imediato da criança, uma vez que, entre a data da retenção indevida e a data do início dos presentes autos, havia decorrido menos de um ano (art.º 12.º da Convenção).
71. Assim, o Tribunal a quo violou o disposto no art.º 3.º, 4.º 5.º, 13.º da Convenção de Haia e art. º2, ponto 11, al. a) e b) do Regulamento. Prosseguindo,
72. O tribunal a quo, num segundo momento, avança com outra posição, ao considerar que se verifica a excepção contemplada no art. º13.º da C.H alínea b) tendo por base a existência/verificação da violação do direito de custódia previsto no art.º 2.º al. 11.º do Regulamento e art.º 3 da C. Haia (omitindo as normas jurídicas). Ora, para a verificação da excepção há que preencher o pressuposto legal de verificação da retenção ilegal – facto que o Tribunal a q1uo considerou não se verificar.
73. Considera o Ministério Público, que o regresso da menor AA não a coloca numa situação de perigo de ordem física, psíquica ou de qualquer modo a ficar numa situação intolerável, ao contrário do Tribunal a quo « atendendo à sua idade, ao seu grau de vinculação à mãe, à sua especial de condição de saúde, aos cuidados médicos de que a mesma carece, devolvê-la ao Luxemburgo, seria provocar um sofrimento enorme à criança e pô-la em risco, nomeadamente do seu desenvolvimento físico, psicológico e emocional».
74. O Ministério Público, salvo o devido respeito, não concorda com o Tribunal a quo, pois tal, seria fazer tábua rasa dos instrumentos jurídicos internacionais, equivaleria a premiar a infractora que desloca uma residência definitiva da menor para outro país sem o consentimento ou conhecimento prévio do pai, retirando a competência do tribunal do pais (onde esta residia antes da deslocação que estaria em melhor posição para decidir) - defraudando os objectivos da convenção que pretende o regresso imediato da criança ao país de onde esta foi deslocada - situação diversa da regulação das responsabilidades parentais, no qual se decide e aprecia a residência.
75. Efectivamente, uma separação da criança de qualquer um dos progenitores terá sempre impacto na sua vida acarretando consequências a níveis emocionais, razão pela qual não colhe, o argumento de que a separação com a progenitora será mais penosa para a menor;
76. O perigo emocional ocorrerá sempre, mas não se traduzirá automaticamente de uma forma intolerável, é preciso fundamentar essa intolerabilidade e não invocar simplesmente o perigo.
77. Tem entendido a melhor jurisprudência que essa intolerabilidade apenas se verifica quando se desconhece em absoluto as características do progenitor em causa, ou inexistam as condições mínimas de saúde, salubridade, sanidade de prover ao bem-. estar de um menor – o que não foi alegado ou minimamente demonstrado nos presentes autos;
78. Note-se, que foi devido à morosidade processual dos presentes autos que se proporcionou que a menor resida há mais de dois anos consecutivos em Portugal com a mãe, que por via desse circunstancialismo se transformou na “figura de referência” – em claro e flagrante prejuízo dos direitos do pai, cuja relação com a menor foi classificada como “excelente” pelo próprio tribunal a quo.
79. Desde a data do seu nascimento até ao momento que esta veio para Portugal com a progenitora, a menor sempre viveu com o progenitor e esteve presente na sua vida. Diga-se aliás, mesmo com a mudança para Portugal o pai manteve sempre o contacto com a mesma, inclusivamente, após a retenção da menor pela progenitora, e foi sempre revelando receios com a morosidade processual (a que é totalmente alheio) e que, ao que tudo indica, teve um impacto decisivo na decisão ora em crise;
80. A menor jamais seria retirada de forma abrupta da mãe e simplesmente entregue ao seu pai - o Luxemburgo não é um país estranho para a mesma, o pai não é uma pessoa estranha à mesma, e a menor frequentou inclusivamente, uma creche durante um ano (15 de setembro de 2023 a15 de julho de 2024) naquele país.
81. Este caso tem uma particularidade: face ao tempo decorrido entre a data da retenção e a presente data, o pai esteve sempre presente na vida da menor, cuidou desta, assegurou os seus cuidados – o que contraria a narrativa da mãe, que justificou a retenção da menor, invocando em suma, a incapacidade do pai [“não estava suficientemente familiarizado com as rotinas da criança (…)” – cfr. fls. 24 e 25 da sentença].
82. Cumpre ressalvar que o pai, para além de participar ativamente na vida da criança atentos os circunstancialismos do caso concreto, tem lutado processualmente pela defesa do superior interesse da criança – o que não foi valorado pelo tribunal;
83. A decisão de regresso da menor ao Luxemburgo, será a mais equilibrada e proporcional aos fins da C.H e do Regulamento em confronto com o sacrifício imposto à criança, pois, a criança mantém relação afetiva com ambos os progenitores;
84. O progenitor garante todas as condições que a menor necessita, nem tal foi posto em causa por parte da progenitora, a menor frequentou uma creche no Luxemburgo, mantém o acompanhamento médico, o pai visita e está habitualmente com a menor, esta indo ao Luxemburgo, nunca existindo uma rutura de laços afetivos com a progenitora.
85. O progenitor acompanhou todo o processo de saúde da menor em Portugal, esteve presente nas consultas, acesso aos relatórios médicos, inclusivamente, no início do processo a menor esteve a ser acompanhada nos dois países
86. Pugnamos que o problema de saúde da menor, não deverá ser um obstáculo ao seu regresso, o Luxemburgo é um país com um desempenho económico assinalável e condições de saúde de referência, pelo que, não existe qualquer fundamento para suscitar sequer a dúvida de que a prestação de serviços médicos naquele país seria de alguma forma inferior a Portugal, muito pelo contrário.
87. Dúvidas não restam, que a necessidade de estabelecer a residência da menor, poderá ser um factor de stress e ansiedade, não podemos olvidar, que no âmbito deste processo não caberá a este tribunal decidir a residência da menor, mas tão somente cumprir os objectivos da convenção e repor o “status quo”.
88. No período que a menor esteve com o pai no Luxemburgo, este assegurou as rotinas da menor, levando-a e indo buscá-la à escola, dava-lhe o banho, o jantar e contava histórias ao deitar, igualmente aos fins-de-semana garantiu momentos de lazer e de brincadeira, situações observadas e confirmadas pelo depoimento do seu irmão, que mereceu credibilidade.
89. Durante todo o período que a menor esteve com o progenitor no Luxemburgo, a família (pai e menor) foi acompanhada pelo …, que concluiu que a menor mantém uma relação de proximidade com ambos os progenitores, conforme resulta da perícia.
90. O limite do que “razoavelmente a criança deve suportar” conduz-nos ao princípio de que a criança não deve passar por situações de sofrimento, de dor e de perda, o que não sucede no caso deste processo, a menor não vai perder a mãe, manterá os contactos com esta, o pai promoverá esse contacto – o que tem vindo a suceder reciprocamente.
91. Foi decisão de ambos mudar-se para o Luxemburgo e ali constituir família, com o consequente afastamento da família não nuclear materna e paterna – pelo que, esse não pode ser argumento para favorecer um progenitor em detrimento de outro;
92. Importa ainda referir, que a Convenção de Haia de 1980 não detém qualquer influencia nem pretende regular o exercício da guarda do menor, logo, qualquer decisão proferida no seu âmbito não define onde o menor irá residir.
93. O único objectivo desta ação é o retorno da menor que foi subtraída ao país onde residia. Ademais, é precisamente pelo facto de o poder parental caber a ambos os progenitores que, tendo um deles deslocado e retido a menor num país diferente ao da sua residência habitual, sem o consentimento do outro progenitor, que se enquadra tal facto no conceito de deslocação e retenção ilícitas do menor previsto quer na Convenção de Haia de 1980 quer no Regulamento (EU) 2019/1111 do Conselho de 25 de junho de 2019.
94. Não se deverá olvidar, que as excepções no âmbito da Convenção de Haia de 1980 devem “ser interpretadas em sentido restritivo de modo a salvaguardar os fins da Convenção, bem assim como a não permitir que, na presente ação, se discuta a matéria que constitui o objeto da ação de regulação das responsabilidades parentais ou premiar o progenitor infrator este procedimento de regresso da criança se visar “apenas sancionar o carácter ilícito da deslocação (ou da retenção) da criança, evitando que a passagem do tempo venha consolidar as situações constituídas em violação dos direitos dos progenitores … ”.
95. Contrariamente ao que resulta da sentença, o fim deste processo não é determinar o modo como as responsabilidades parentais desta criança vai ser definido, como pretende fazê-lo o Tribunal a quo, mas sim o de restabelecer a licitude sem que daí advenham custos inadmissíveis ou desproporcionais, para a menor.
96. Esta é uma decisão essencialmente formal que visa restabelecer o status quo anterior à deslocação ilícita da criança, e devolver ao tribunal da sua residência à data dos factos da decisão. Pretende-se que o comportamento antijurídico da progenitora que afasta sem autorização a filha do convívio com o outro progenitor seja afastado.
97. Por tudo o exposto, conclui-se, que deverá o tribunal determinar o regresso da menor ao Luxemburgo, tendo existido deslocação/retenção ilícita da menor (art.º 3.º, 4.º 5.º da Convenção de Haia) inexistindo a verificação das circunstâncias excepcionais previstas no art.º 13.º da Convenção, pelo que, violou o Tribunal esses preceitos legais normativos. Prosseguindo,
98. Caso se entendesse, ser de aplicar a excepção comtemplada no art. º13, al. b) da C. Haia, o tribunal deveria respeitar a norma consagrada no art. º27.º, n. º3 do Regulamento e o Art.º13.º da C.H, o que não sucedeu.
99. O progenitor, apresentou um relatório da “Organização … em Allkanzielt” segundo esta entidade procedeu à intervenção do agregado familiar do progenitor no Luxemburgo a seu pedido e mostrou disponibilidade em caso de regresso definitivo pôr em prática medidas de apoio como assistência familiar a fim de prestar apoio educativo temporário ao pai e oferece medidas de apoio ambulatório, documento esse, que não poderá ser desvalorizado por parte do tribunal.
100. O Estado de Luxemburgo é um país que garante a protecção dos menores através de um sistema de promoção e protecção.
101. Essas são as providências que essa entidade poderá providenciar para garantir o superior interesse da criança, garantindo, que o seu regresso decorra com normalidade e com todos os acompanhamentos que a mesma careça da mesma forma que seriam efetuados em Portugal, mas nunca a substituição da mãe.
102. Encontram-se reunidas todas as condições para o regresso da menor AA para o Luxemburgo, existindo uma creche que já frequentou e todos os acompanhamentos sociais e médicos que esta possa necessitar para assegurar este regresso com toda a tranquilidade e segurança que esta necessita.
103. Considera o Ministério Público, que caso se verifique a cláusula de excepção do art. º13.º, al.b) da C.H, a mesma não deverá operar, respeitando o art.º27.º do Regulamento, sendo este o nosso entendimento, o tribunal a quo não o aplicando, viola esta norma jurídica.
BB, pai, também recorreu apresentando nas suas alegações as seguintes conclusões:
A. Na decisão recorrida, o Tribunal a quo decidiu determinar a não devolução da Menor AA ao Luxemburgo, por considerar (i) que a Menor não foi retida ilicitamente pela Requerida em Portugal; (ii) que mesmo que tivesse sido, o regresso da Criança ao Luxemburgo representa um mal maior do que a retenção; e (iii) não foram dadas provas de que a Criança não estaria numa situação intolerável em caso de devolução ao Luxemburgo.
B. O Requerido, Pai da Menor e ora Recorrente, não se conformando com a decisão 60 recorrida, dela veio interpor recurso para o Tribunal ad quem, porquanto (i) a decisão recorrida é nula, por falta de especificação dos fundamentos de facto que a justificaram, nos termos do disposto no artigo 615.º, n.º 1, alínea b), do CPC; (ii) o Tribunal a quo julgou erradamente a prova produzida nos autos, considerando que as mesmas impunham uma decisão de faco diversa, e, consequentemente, fez uma errada valoração e fixação da matéria de facto provada; e (iii) o Tribunal a quo fez uma errada interpretação e aplicação do direito, designadamente por errada interpretação da Convenção de Haia e do Regulamento (UE) n.º 2019/1111 do Conselho, de 25 de junho de 2019.
C. O Tribunal a quo deu como provados 165 factos (páginas 13 a 50 da decisão recorrida), não se pronunciando, contudo, quanto aos factos não provados, verificando-se, quanto a estes, uma omissão de fundamentação total por parte do Tribunal a quo.
D. O Tribunal a quo, nos factos dados como provados, baseia-se nas provas produzidas, sem, contudo, especificar qual o meio de prova em concreto – isto é, qual o tipo de relatório médico, qual o e-mail ou mensagem específica, qual o sentido do testemunho ou da declaração do Recorrente ou da Requerida –, a que se refere e que mereceu a credibilidade do Tribunal a quo para que o facto resultasse provado, limitando-se a fazer meras remissões genéricas, abstratas e vagas para a prova existente nos autos. Destaque-se: a. A fundamentação dos factos dados como provados n.ºs 23 a 29, 36 a 38, 41, 44, 46, 47, 51, 71, 75, 98, 101, 106, 119, 149, 150, 152 a 155 e 158 a 161, sobre os quais o Tribunal a quo se limitou a fundamentar que tal facto resultou provado “das declarações do pai”, “das declarações da mãe” ou “das declarações de ambos”, sem justificar, contudo, qual o sentido das declarações apresentadas e que mereceu a sua credibilidade; b. A fundamentação dos factos dados como provados n.ºs 101, 108 a 118 e 120 a 125, sobre os quais o Tribunal a quo se limitou a fundamentar que tal facto resultou provado “dos elementos clínicos”, “de todos os elementos clínicos juntos aos autos pelos pais, mas também os que foram solicitados pela Digníssima Magistrada do Ministério Público (…)” ou “dos relatórios clínicos juntos aos autos”, sem mencionar, contudo, a que relatório em concreto se refere, a que médico, a que avaliação feita à Menor e em que circunstâncias; c. A fundamentação dos factos dados como provados n.ºs 35, 40, 48 a 50, 63, 69, 70, 87, 139, 140 e 163, sobre os quais o Tribunal a quo se limitou a fundamentar que tal facto resultou provado “do e-mail que o pai enviou”, “do e-mail junto aos autos” ou “dos e-mails trocados”, sem referir, contudo, em que data, em que contexto, ou a que e-mail concreto se refere; d. A fundamentação dos factos dados como provados n.ºs 46, 47 e 86, sobre os quais o Tribunal a quo se limitou a fundamentar que tal facto resultou provado “dos printscreens, das mensagens de WhatsApp, que os pais trocaram” ou “das mensagens de e-mail e outras por WhatsApp”, sem indicar, uma vez mais, qual a mensagem concreta a que se refere, qual o dia e hora da referida mensagem.
E. Na fundamentação da matéria de facto, o Tribunal a quo não só não concretizou os meios de prova que mereceram a sua credibilidade para dar os factos como provados, como omitiu qual o grau de credibilidade que atribuiu ao depoimento das diversas testemunhas, bem como qual a prova documental a que deu maior valor, não apresentado qualquer razão de ciência que justificasse a força probatória por este atribuída aos diversos elementos de prova produzidos ao longo do processo.
F. Nos termos do artigo 607.º, n.ºs 3 e 4, do CPC, “discriminar os factos que considera provados e indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes, concluindo pela decisão final” e “declara[r] quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção”.
G. Concluímos, assim, que a decisão recorrida padece de nulidade, por falta de especificação dos fundamentos de facto que a justificaram, nos termos do disposto no artigo 615.º, n.º 1, alínea b), do CPC. Caso assim não se entenda – o que não se concede, mas por mero dever de patrocínio se equaciona –, sempre se dirá o seguinte
H. Existem factos alegados pelas Partes, e que foram corroborados pela prova documental produzida, que foram totalmente desconsiderados pelo Tribunal a quo, sofrendo, assim, a decisão recorrida de deficiência da matéria de facto, porquanto não engloba vários factos essenciais para a boa decisão da causa, razão pela qual considera o Recorrente que a decisão recorrida deverá ser anulada, oficiosamente pelo Tribunal ad quem, nos termos do artigo 662.º, n.º 2, alínea c), do CPC;
I. Ou, caso assim não se entenda – o que não se concede, mas por mero dever de patrocínio se equaciona –, deverá ser ampliada a matéria de facto nos termos que se exporão de seguida, porquanto o Tribunal a quo desconsiderou vários meios de prova documentais relevantes, que vieram corroborar factos alegados pelas partes e, consequentemente, dos quais se extraem outros factos essenciais para a boa decisão da causa e para a descoberta da verdade material, representativos da real situação vivencial da Menor – por oposição à visão redutora e parcial da Requerida, bem como à falta de objetividade demonstrada pelo Tribunal a quo, que omitiu factos relevantes e favoráveis ao Progenitor, ora Recorrente, apesar de alegados e provados. Veja-se: a. Resulta dos e-mails trocados entre os Progenitores nos dias 23.01.2022 e 24.01.2022, juntos pelo Recorrente por requerimento datado de 11.08.2023, doc. n.º 5, bem como pela Requerida por requerimento datado de 23.08.2023, doc. n.º 32, que (i) o acordo de regulação do exercício das responsabilidades parentais assinado por ambos os Progenitores em janeiro de 2022 foi proposto e redigido pela Progenitora; (ii) o Progenitor, em total boa-fé, acreditou e confiou na palavra da Requerida e que este não era um Acordo de divórcio, razão pela qual o facto dado como provado n.º 39 deverá ser ampliado da seguinte forma: “No dia 24 de Janeiro de 2022, os progenitores, por iniciativa e proposta da progenitora, subscreveram um acordo relativamente ao exercício das responsabilidades parentais da AA com o seguinte teor (…)”. b. Resulta do doc. n.º 6 junto pelo Recorrente por requerimento submetido no dia 08.08.2024, que corresponde a uma carta escrita por EE e FF – que nunca foi contraditada ou impugnada pela Requerida, nunca tendo sido questionada a validade e/ou autenticidade do referido documento, destaque-se –, que: “A AA está presente a cada duas semanas na nossa pré-escola. No que diz respeito à convivência, temos observado que ela é uma menina aberta aos outros, sorridente e, para a sua idade, muito autónoma. Ela é pequena de estatura, mas se sai muito bem em todas as situações da vida em sala de aula. Apesar de não estar lá o tempo todo, a AA está muito bem integrada, tanto na sala de aula com as outras crianças, quanto no albergue da escola que fica no mesmo prédio. Brinca com os colegas, partilha jogos, ajuda quando necessário. Tal como acontece com todas as outras crianças da turma, o que é normal nessa idade, a separação do pai de manhã foi um pouco difícil na primeira semana. Registaram-se progressos bastante rápidos. Também notamos que AA tem grande resistência durante os workshops que oferecemos. É muito motivada e gosta de “trabalhar”. Gosta de experimentar cores, tesouras e cola. Ela é muito aberta a todas as nossas atividades artísticas e plásticas. Ela manipula os diferentes materiais que usamos e está sempre feliz em fazer pequenas obras de arte. Em termos de linguagem, AA fala português e também comunica com linguagem não verbal, o que é bastante normal nesta idade. Também compreende as instruções em luxemburguês e repete as palavras do vocabulário. Ouve com prazer as canções e tenta repeti-las connosco. (…) Podemos enfatizar que a comunicação com o pai de AA está a correr muito bem, o que é muito importante para o cuidado adequado de AA.”. [Destaques nossos] Resultam, assim, da supracitada prova documental junta aos autos, os seguintes factos, que deverão ser dados como provados e, consequentemente, ampliada a matéria de facto provada: (i) “No Luxemburgo, a AA revelou-se ser uma criança integrada e feliz.”; (ii) “A AA fala português, mas também compreende as instruções em luxemburguês, estando a aprender o vocabulário dessa língua;” e (iii) “O pai está ativamente presente na vida da filha no Luxemburgo, colaborando com a escola frequentada por esta.”. c. Resulta também do doc. n.º 6 junto pelo Recorrente por requerimento submetido no dia 08.08.2024, uma certidão emitida pelo … em AllKandZielt, que “Desde agosto de 2023, estou em contacto com o pai que entrou em contacto com o ONE a fim de obter apoio para o bem-estar de sua filha AA (…) tive conversas regulares com o pai, durante as quais ele me informou da situação da AA e me pediu conselhos sobre isso. Em novembro de 2023, entrei em contacto com a escola que a AA frequenta no Luxemburgo (“educação préescolar”). Os funcionários da escola me disseram que AA está bem integrada em sua sala de aula desde setembro de 2023 e está progredido positivamente. Estive com a AA em 12.03.2024 na casa da família onde ela mostrou comportamento adequado à idade. (…) Parecia sentir-se confortável no ambiente do pai e apresentava-se calma e equilibrada a nível socioemocional. (…) O pai respondeu adequadamente às suas necessidades e perguntas durante a consulta. A minha primeira impressão é que a AA tem um ambiente educacional adequado e, em geral, o pai está muito preocupado com o bem-estar da filha.” [Destaques nossos] Resulta, assim, deste documento – o qual, uma vez mais, nunca foi contraditado ou impugnado pela Requerida, nunca tendo sido questionada a validade e/ou autenticidade do referido documento, destaque-se –, o seguinte facto, que deverá ser dado como provado e, consequentemente, ampliada a matéria de facto provada: “A AA encontra-se integrada no Luxemburgo, revelando-se calma e equilibrada a nível socioemocional quando aí está com o pai.”. d. Resulta do relatório da perícia realizada à Menor, datado de 02.08.2024, que esta “Tem sido igualmente acompanhada no Luxemburgo, no Centre Hospitalier …, no … e em consultas de psicologia infantil.”, o que prova que a Menor teve acompanhamento médico no Luxemburgo, o que se revela bastante relevante para a boa 66 decisão da causa, pois demonstra, por um lado, que o Recorrente sempre diligenciou pelo bem-estar da Menor e, por outro, que a Menor tem todas as condições preparadas para regressar ao seu país, o Luxemburgo, onde continuará a ser regularmente acompanhada medicamente consoante as suas necessidades. Assim, deverá o seguinte facto ser dado como provado e, consequentemente, ser ampliada a matéria de facto provada: “No Luxemburgo, a AA é acompanhada pelo Centre Hospitalier …, no …, e em consultas de psicologia infantil, de acordo com as suas necessidades.”. e. Resulta da Informação Social prestada pelo NIJ de Oeiras, datada de 18.06.2024, que “ambos os progenitores aparentam revelar competências parentais, assim como preocupação com o bem-estar da filha (…) não obstante as preocupações apresentadas de parte a parte, importa referir que ambos os progenitores reconhecem competência parentais um ao outro.”, resultando, assim, provado, o seguinte facto, que deverá ser dado como provado e, consequentemente, ampliada a matéria de facto provada: “O pai revela competências parentais para cuidar da AA.”.
J. Os factos supra expostos revelam-se essenciais para a boa decisão da causa, demonstrando as capacidades parentais do Recorrente, o real e efetivo acompanhamento médico, escolar e social que a Menor dispõe no Luxemburgo e, consequentemente, a situação vivencial da Menor, caso o Tribunal determine o regresso da mesma ao Luxemburgo.
K. Deste modo, a decisão recorrida padece de deficiência, porquanto o Tribunal a quo desconsiderou vários factos essenciais para a descoberta da verdade material, devendo a decisão recorrida ser anulada, nos termos do disposto no artigo 662.º, n.º 2, alínea c), do CPC, ou, caso assim não se entenda, ser ampliada a matéria de facto dado como provada, nos termos supra expostos.
L. Acresce que parte dos factos dados como provados pelo Tribunal a quo não têm qualquer correspondência com a prova testemunhal e documental produzida nos autos, razão pela qual não pode o Recorrente deixar de requerer, por um lado, a remoção de certos factos dados como provados, por completa falta de coerência entre os mesmos e a abundante prova produzida nos autos, e, por outro lado, a retificação de certos factos dados como provados na decisão recorrida. Veja-se:
a. Facto n.º 15: resulta do relatório do NIJ, aquando da Audição Técnica Especializada, datado de 29.03.2023, que “Em julho de 2017, BB recebe uma proposta de emprego para o Luxemburgo e, após reflexão conjunta, o casal decide mudar-se para o Luxemburgo, até porque AA se encontrava desempregada há cerca de um ano.” [Destaque nosso]. Assim, deverá o facto dado como provado n.º 15 ser retificado, passando a ter a seguinte formulação: “A mudança do casal, de Portugal para o Luxemburgo, ocorreu em 2017, na sequência da mãe se encontrar desempregada há mais de um ano e de uma oportunidade profissional que surgiu ao pai.”.
b. Facto n.º 23: não foi produzida qualquer prova nos autos neste sentido, pelo, que se requer a remoção do facto dado como provado n.º 23.
c. Factos n.ºs 25 e 26: resulta das declarações de parte do Recorrente, na sessão de dia 23.10.2024, minutos 00:25:19 até 00:26:00, bem como das declarações de parte da Requerida, na sessão de dia 25.11.2024, minutos 01:14:30 até 01:16:00, que a Requerida gozou de três meses de licença 68 de maternidade. Mais, a Requerida teve de devolver ao Estado Luxemburguês a quantia de quase € 8.000,00, por ter escolhido beneficiar de um tipo de “parental leave” no qual tinha direito a oito horas por semana livres, durante vinte semanas. Assim, requer-se a remoção do facto dado como provado n.º 25, por estar em contradição com a prova produzida nos autos, e a retificação do facto dado como provado n.º 26, passando a ter a seguinte formulação: “Quando a mãe se mudou para Portugal, teve de devolver ao Estado Luxemburguês a quantia de € 8.000,00, a título de benefícios recebidos pelo Estado Luxemburguês.”.
d. Facto n.º 28: resulta das várias declarações de parte e esclarecimentos de ambos os Pais, nomeadamente nas sessões de dias 23.10.2024, 14.11.2024 e 25.11.2024, que os Pais contavam com a ajuda e apoio de vários casais amigos, incluindo, mas não restringindo, aos padrinhos da Menor, pelo que se requer que este facto seja retificado, passando a ter a seguinte redação: “Enquanto se encontravam no Luxemburgo, os pais contavam com o apoio de vários casais amigos, incluindo, mas não restringido, aos padrinhos da menor.”.
e. Factos n.ºs 33 e 34: resulta das declarações de parte da Requerida, na sessão de dia 25.11.2024, minutos 01:07:30 até 01:07:50, que a Menor não esteve sujeita a 12 internamentos no período de 15 meses, mas sim a 8 no Luxemburgo e a 1 em Portugal, perfazendo um total de 9 internamentos, maioritariamente por questões respiratórias. Ambos os Progenitores ficavam a cuidar da filha quando esta estava internada no hospital, revezando-se um à vez com o outro, uma vez que tinham outra criança, o GG, em casa para cuidar e tratar. A fundamentação dada pelo Tribunal a quo sobre o facto n.º 34 assenta em pressupostos falsos, pois, como demonstrado supra, a licença de maternidade da Mãe foi de três meses. Assim, requer-se que o facto dado como provado n.º 33 seja retificado, passando a ter a seguinte formulação: “No período de 15 meses, a criança esteve sujeita a 9 internamentos, 8 devidos a problemas respiratórios e 1 devido a problemas gástricos.”; bem como a remoção do facto dado como provado n.º 34, por estar em contradição com a prova produzida.
f. Facto n.º 42: resulta das declarações de parte do Recorrente, na sessão de dia 23.10.2024, minutos 00:31:45 até 00:32:35, que o Recorrente apenas teve conhecimento e aceitou a frequência da Menor da creche “...”, em Portugal, na altura da Páscoa em 2022, ou seja, já após a Menor frequentar a creche. Assim, requer-se que o facto dado como provado n.º 42 seja retificado, passando a ter a seguinte formulação: “Também ainda no Luxemburgo, a mãe tratou de arranjar a creche para a AA, quando esta viesse consigo para Portugal, sendo a mesma “...”, tendo o pai apenas tido conhecimento já após a criança frequentar a creche e, nesse momento, aceitado a continuação da frequência da mesma.”.
g. Factos n.ºs 53, 54 e 58: a Menor não ficou na “casa do Pai”, mas sim na sua casa, na casa que sempre viveu desde que nasceu e que sempre conheceu como sua casa. Assim, requer-se que o facto dado como provado n.º 53 seja retificado, passando a ter a seguinte formulação: “Nesse período, isto é, entre o dia 30 de Abril e 28 de Maio de 2022, a progenitora ficou com a filha na casa de morada de família, no Luxemburgo.”.
h. Facto n.º 61: resulta das faturas da mensalidade da escola no Luxemburgo juntas aos autos, e que nunca foram contrariadas ou impugnadas pela Requerida, que a Menor não foi inscrita pelo Recorrente na creche “B” apenas no início de 2022, mas sim em junho de 2021 – a Menor frequentou a referida creche no Luxemburgo desde essa data, onde permaneceu inscrita até ao final de 2022. Assim, requer-se que o facto dado como provado n.º 61 seja retificado, passando a ter a seguinte formulação: “Ambos os pais inscreveram a menor na creche “B” em junho de 2021, na qual a menor permaneceu inscrita, com o conhecimento da mãe até ao final de 2022, sendo que sempre que a menor estava no Luxemburgo com o pai, a criança frequentava a referida creche.”.
i. Facto n.º 62: conforme demonstrado supra, a Menor foi inscrita, por ambos os Pais, na creche “B” em junho de 2021, não tendo, nessa data, nenhum dos Progenitores manifestado desacordo quanto à frequência da referida creche. Ambos os Progenitores inscreveram a Menor na creche por mútuo acordo e ambos os Progenitores trocaram e-mails com a creche até setembro de 2022, conforme resulta dos documentos constantes da petição inicial do Ministério Público apresentada no dia 29.06.2023, com a referência na plataforma Citius 23659186, nos quais constam a troca dos e-mails entre a creche e ambos os Progenitores, referentes à semana de integração da Menor na creche no Luxemburgo entre os dias 5 e 9 de setembro de 2022. Assim, requerse a remoção do facto dado como provado n.º 62, por estar em contradição com a prova produzida nos autos.
j. Facto n.º 64: resulta das declarações de parte do Recorrente, na sessão de dia 23.10.2024, minutos 00:35:24 até 00:35:36, que, em maio de 2022, quando a Criança esteve no Luxemburgo não frequentou a creche e ficou em casa com a Requerida, porque a Requerida se disponibilizou para tal, uma vez que como estava em casa em teletrabalho todos os dias era da sua preferência que a Menor ficasse em casa com ela do que ir para a creche. Assim, requer-se que o facto dado como provado n.º 64 seja retificado, passando a ter a seguinte formulação: “Quando a mãe passou o mês de Maio, com a filha no Luxemburgo, a criança também não frequentou a referida creche luxemburguesa, tendo ficado sempre em casa, com a mãe, porque a mãe assim preferiu, disponibilizando-se para tal.”.
k. Facto n.º 72: resulta das declarações de parte do Recorrente, na sessão de dia 25.11.2024, minutos 02:28:00 até 02:30:15, que, desde o nascimento da Menor, ambos os Progenitores prestavam todos os cuidados à AA, ao ponto de dividirem uma simples tarefa como o banho da Criança. Apenas quando a Menor foi de férias com a Requerida para Portugal, em fevereiro de 2022, esteve aos cuidados exclusivos da Requerida. Mais, note-se que já após a retenção, ocorrida em setembro de 2022, a Menor passou fins-de-semana e semanas sozinha no Luxemburgo com o Recorrente, que assegurou, sozinho, todos os cuidados e rotinas diárias da Criança. Assim, requer-se a remoção do facto dado como provado n.º 72, por estar em contradição com a prova produzida.
l. Facto n.º 83: resulta dos e-mails trocados entre os Pais, partilhados no requerimento de dia 26.04.2024, com a referência 48727488, que em momento algum a Requerida contestou o calendário de 2023 – aliás, esse calendário foi elaborado pela Requerida, tendo o Recorrente apenas adicionado os seus dias de férias. Assim, requer-se que o facto dado como provado n.º 83 seja retificado, passando a ter a seguinte redação: “Não obstante o regime provisório que ficou fixado por acordo, em sede do processo de regulação das responsabilidades parentais – apenso A –, em Janeiro de 2023, em que o pai tinha direito a fins-de-semana alternados, ocorrendo um cá, outro no Luxemburgo, bem como direito a 2/3 dos períodos de férias da menor, consigo, ambos os pais estabeleceram um calendário distinto.”
m. Facto n.º 86: resulta dos relatórios do INML realizados a ambos os Pais, datados de 02.08.2024, que “Verifica-se com a evolução e decorrer do processo, uma progressiva cristalização e agudização do conflito, em que cada um dos pais faz recurso a acusações de alegadas condutas de agressão, por parte do outro progenitor”, ou seja, não era apenas o Recorrente que era agressivo e conflituoso com a Requerida, mas que a Requerida também o era. Assim, requer-se a remoção do facto dado como provado n.º 86, por estar em contradição com a prova produzida.
n. Facto n.º 93: resulta das declarações de parte da Requerida, na sessão de dia 25.11.2024, minutos 01:17:00 até 01:08:20, que, sobre o calendário de 2024, “Não consenti com os períodos de férias, mas conhecia-os. O mapa foi apresentado em todo o lado, inclusive no tribunal.”. Assim, requer-se que o facto dado como provado n.º 93 seja retificado, passando a ter a seguinte formulação: “Em algumas dessas ocasiões, o pai ou não entregava cá a menor, ou a mãe dirigia-se ao Luxemburgo para a ir buscar ao Domingo, e o pai não entregava a criança, afirmando que a filha ficaria lá mais uma semana, pois a mãe estava a incumprir, de forma livre, deliberada e consciente, o calendário definido por ambos os pais.”.
o. Facto n.º 102: resulta tanto do testemunho de HH, na sessão de dia 18.10.2024, minutos 00:07:30 até 00:11:05, bem como do e-mail enviado pelo Colégio A no dia 13.09.2023, junto aos autos por requerimento datado de 26.09.2023, com a referência 46641825, e que ora se transcreve “Bom dia, estimada encarregada de educação, Na sequência do seu pedido e da informação que a educadora nos fez chegar, e que eu próprio pude observar esta manhã, a AA está comer normalmente como todas as outras crianças da sala. Atendendo a esta ótima novidade deixaríamos, para já, de parte a possibilidade de vir a terapeuta durante o almoço. Caso se venha a verificar alguma alteração relevante, voltaremos a avaliar as necessidades quanto ao acompanhamento terapêutico. Com os melhores cumprimentos.”, que se impunha decisão diversa, pois nunca foram diagnosticadas à Menor quaisquer dificuldades de ordem alimentar. Assim, requer-se a remoção do facto dado como provado n.º 102, por estar em contradição com a prova produzida.
p. Facto n.º 107: resulta das declarações de parte da Requerida, na sessão de dia 25.11.2024, minutos 01:07:30 até 01:07:50, que a Menor não esteve sujeita a 12 internamentos no período de 15 meses, mas sim a 8 no Luxemburgo e a 1 em Portugal, sendo os referidos internamentos devidos a questões respiratórias, nomeadamente a sibilância respiratória, conforme resulta do relatório médico elaborado pela Dra. II, datado de 22.11.2023, junto aos autos, e apenas numa das vezes por problemas gástricos. Note-se também que a condição respiratória da AA era significativamente agravada pelo facto de a Requerida fumar em casa, na presença da Menor, o que a Requerida anualmente ainda faz, conforme resultou das declarações de parte da própria, na sessão de dia 25.11.2024, minutos 01:07:50 até 01:08:55. Assim, requer-se que o facto dado como provado n.º 107 seja retificado, passando a ter a seguinte formulação: “Durante os 9 internamentos, por questões respiratórias, no período de 15 meses a que a AA esteve sujeita, os médicos no Luxemburgo não fizeram um estudo do seu caso por uma equipa multidisciplinar porque tal não se revelou necessário, uma vez que estava identificado o problema.”.
q. Facto n.º 111: resulta de todos os relatórios clínicos juntos aos autos que a Menor não é regularmente acompanhada em especialidade de alergologia desde 17.06.2022, a Menor teve apenas duas consultas – pelo menos, do que é conhecimento do Recorrente –, tendo a última sido realizada em dezembro de 2022. Assim, requer-se que o facto dado como provado n.º 111 seja retificado, passando a ter a seguinte formulação: “A AA teve duas consultas de alergologia por quadro de sibilância respiratória, a primeira no dia 17.06.2022 e a última em dezembro de 2022.”.
r. Facto n.º 113: resulta do relatório da Dra. JJ, datado de 09.05.2023, que “trata-se de uma observação inicial (…)”, a qual foi posteriormente clarificada pela referida médica que, por relatório datado de 05.09.2023 e junto aos autos por requerimento datado de 28.09.2023, com a referência 46641825, concluiu que “Estes quadros psicopatológicos não estão relacionados com a entidade diagnóstica Anorexia Nervosa, que a AA não apresenta. A AA está atualmente muito melhor do ponto de vista sintomático e encontra-se em trajetória de desenvolvimento normal”. Assim, requer-se que o facto dado como provado n.º 113 seja retificado, passando a ter a seguinte formulação: “No dia 9 de Maio de 2023, em consulta de pedopsiquiatria, no Hospital …, com a Dr.ª JJ, a médica efetuou o seguinte relatório: “(…) Trata-se de uma criança que apresenta um quadro de vómitos por repetição, que ocorrem após a ingestão de qualquer alimento sólido, sem que tenha sido encontrada qualquer causalidade orgânica que explique este sintoma. Apenas tolera ingestão de leite, e, mesmo assim, por vezes, também vomita este alimento. Esta situação ocorre desde o dia 21 de Abril, sem melhoria, agravamento, ou aparecimento de outros sintomas. Nos antecedentes há a ressaltar que a AA apresentava um quadro prévio de selectividade alimentar, em tratamento em terapia da fala e que estava em melhoria. Há também a referir que está a decorrer um processo de regulação das responsabilidades parentais, e que foi implementado um regime de guarda provisória que implica deslocações da menor ao Luxemburgo para estar com o pai por períodos que decorreram desde Fevereiro O início dos sintomas ocorre numa ocasião em que a AA se encontrava no Luxemburgo. Nesse fim-de-semana foi detectado pelo pai que a AA estava mais triste e, ao telefone, a criança pediu à mãe para a visitar. (…) Está referenciada à mãe, demonstrando boa vinculação e boa relação mãe filha. O pai não estava presente nesta primeira ocasião, mas será consultado se assim o desejar. Trata-se de uma observação inicial de um quadro de alteração do comportamento alimentar na primeira infância com vómitos de origem psicossomática, com início agudo após a sequência de separações da principal figura de vinculação da criança. Esta situação aponta para a possibilidade de se tratar de uma reacção aguda de stress/ansiedade. A AA tem indicação para manter consultas de observação em Pedopsiquiatria, com a mãe e com o pai, para esclarecimento desta hipótese de diagnóstico.”, Tendo, a referida médica, posteriormente, por relatório datado de 5 de setembro de 2023, concluído que “Estes quadros psicopatológicos não estão relacionados com a entidade diagnóstica Anorexia Nervosa, que a AA não apresenta. A AA está atualmente muito melhor do ponto de vista sintomático e encontra-se em trajetória de desenvolvimento normal”.”
s. Facto n.º 143: resulta do doc. n.º 6 junto no requerimento de 08.08.2024, 76 que a AA fala português, mas igualmente entende as instruções que lhe são dadas em luxemburguês na escola, estando a desenvolver esta língua. Assim, deverá o facto dado como provado n.º 143 ser retificado, passando a ter a seguinte formulação: “A AA fala português, mas também compreende as instruções em luxemburguês, estando a aprender o vocabulário dessa língua”.
t. Facto n.º 157: resulta das declarações de parte do Recorrente, na sessão de dia 23.10.2024, minutos 00:10:09 até 00:11:06 – e que nunca foi negado ou impugnado pela Requerida, note-se –, que os avós paternos da Menor, pais do Recorrente, ainda que estejam com regularidade em Portugal, são residentes no Luxemburgo desde 2018, sendo neste país que têm a sua atividade profissional. Assim, requer-se que o facto dado como provado n.º 157 seja retificado, passando a ter a seguinte formulação: “A mãe, em Portugal, tem também ocasionalmente a família paterna da AA, isto é, os avós paternos e o tio, uma vez que os avós paternos são residentes no Luxemburgo desde 2018.”.
u. Facto n.º 160: resulta de todos os relatórios clínicos juntos aos autos, bem como das declarações de parte de ambos os Progenitores, na sessão de dia 25.11.2024, que o único problema de saúde diagnosticado à Menor é a estenose do esófago, não sendo a Menor atualmente acompanhada por nenhum alergologista, mas apenas por pediatra e gastroenterologista. Assim, requer-se que o facto dado como provado n.º 160 seja retificado, passando a ter a seguinte formulação: “Os médicos em Portugal diagnosticaram à AA estenose do esófago, sendo este o único problema de saúde diagnosticado à menor.”.
M. Relativamente à única questão de direito existente no âmbito do presente processo – avaliar se existiu retenção ilícita da Menor em Portugal por parte da Requerida, Mãe da Criança, em setembro de 2022 e, consequentemente, no caso de ser feita prova positiva da referida retenção, ordenar o retorno da Criança ao Luxemburgo –, considera o Recorrente que mal andou o Tribunal a quo, ao concluir que “(…) os factos provados mostraram que a presente ação foi instaurada com base na invocação de pressupostos falsos, bem como que a AA não ficou cá retida, pelo que, não há fundamento legal, para determinar a devolução da AA ao Luxemburgo, ao abrigo da referida Convenção. Pelo que, não determino tal devolução.”, Porquanto,
N. No início de 2022, a Requerida, aparentemente insatisfeita com a sua vida no Luxemburgo – devido a alguns problemas profissionais que enfrentava e, simultaneamente, pelo facto de o seu filho mais velho ter mudado a sua residência para o Reino Unido para ir viver com pai dele –, decidiu começar à procura de emprego em Portugal.
O. Não obstante achar – e ter dito expressamente à Requerida – que achava que esta se estava a precipitar nas suas escolhas e que não concordava com a sua decisão – conforme e-mail enviado pelo Recorrente à Requerida, datado de 23.01.2022, junto como doc. n.º 5 no requerimento submetido pelo Recorrente datado de 11.08.2023, com a referência 46305073 –, o Recorrente, desde o início, apoiou a Requerida em todo o processo de mudança.
P. A Requerida conseguiu, efetivamente, um emprego em Portugal, onde começou a trabalhar em março de 2022. Devido a este facto, e, necessariamente, ter de mudar a sua residência para esse país, insistiu com o Recorrente para que este assinasse um acordo sobre a regulação das responsabilidades parentais relativas à Criança que tinha elaborado (de ora em diante, designado apenas por o “Acordo”), onde se estabeleceu que: “Ambos os progenitores vivem desde 28 de Agosto de 2017 no Luxemburgo, local onde a menor nasceu e viveu toda a sua vida. Embora toda a vida da menor esteja organizada no Luxemburgo, é neste momento pretensão da Mãe regressar a Portugal, pretensão essa não partilhada pelo Pai da menor. Embora o Pai da menor não pretenda regressar a Portugal, o mesmo entende que para um desenvolvimento equilibrado da menor é importante que a mesma tenha a presença regular de ambos os progenitores na sua vida diária. Dado ser do melhor interesse da menor que a vida continue a decorrer com a presença de ambos os pais na sua vida, os pais acordaram uma forma de reorganizar a sua vida de modo que a menor passe parte do tempo em Portugal e outra parte no Luxemburgo. Neste contexto ambos os pais acordaram regular o exercício das Responsabilidades Parentais, nos termos seguintes: 1. As responsabilidades parentais são exercidas em comum por ambos os progenitores, de acordo com o seguinte; a. Ficando o menor a residir com a mãe durante duas semanas e uma semana com o pai até aos três anos de idade. b. Quando completar a idade de 3 anos, no dia 31 de Agosto de 2023, a menor passará a residir duas semanas com cada Progenitor, no local de residência do mesmo. c. As despesas de deslocação do Menor serão custeadas por cada Progenitor alternadamente, ou seja, pelo País de saída à data da viagem. 2. Ambos os progenitores prescindem de prestação de alimentos. 3. Todas as despesas referentes à menor, relativas a saúde e educação, serão suportados por ambos os pais (metade cada um), mediante apresentação de recibo em caso de residência de ambos no mesmo País. a. Em caso de residência em Países diferentes, cada pai suportará unilateralmente todas as despesas citadas anteriormente. b. Em caso de incapacidade de suporte das despesas com a menor, a mesma passará a residir a tempo inteiro com o progenitor que suporte 79 essas despesas. 4. Em caso de doença ou deslocação ao hospital da Menor, o Progenitor com quem esteja deverá comunicar tal facto ao outro. 5. Na altura de ingressar a escolaridade obrigatória, aos 6 anos, a menor terá a oportunidade de escolher em que País o que fazer (no caso de os progenitores residirem em países diferentes). Ambos os progenitores comprometem-se a respeitar esta decisão sem contestação, não vindo a exercer qualquer tipo de pressão ou condicionamento na tomada de uma decisão livre por parte da filha. 6. Em caso de divórcio, a. A menor passará alternadamente, com cada um dos pais, os dias 24 e 25 de dezembro, e 1 de janeiro, bem como o dia de Carnaval e domingo de Páscoa, de acordo com o sistema já em vigência. b. O Progenitor que passar com a Menor a véspera de Natal, irá buscála a casa do outro, no dia 24 de Dezembro, entre as 10h e as 11h, e entregá-la no dia 25 de Dezembro entre as 11h e as 12h, c. O Progenitor que passar com a Menor a véspera e dia de Ano Novo, deverá este ir buscá-la a casa onde esta estiver, entre as 10h e as 11h do dia 31 de Dezembro, devendo entregá-la no dia 2 de Janeiro, entre as 11h e as 12h. d. A 6f Santa e o Domingo de Páscoa serão passados alternadamente com os pais. 7. No caso de os progenitores não regressarem ao mesmo país ou em caso de divórcio, aplicar-se-ão no futuro as regras definidas nesta regulação de responsabilidades parentais. 8. As deslocações do menor ao estrangeiro deverão ser autorizadas por ambos os progenitores, nos termos legais, salvo no caso de deslocações entre o Luxemburgo e Portugal, em que será suficiente a autorização do progenitor que acompanhar o Menor. Os pais obrigam-se a cumprir este acordo e comprometem-se a resolver, por 80 consenso, todas as questões pontuais e outras não previstas.”, conforme Acordo que se juntou como doc. n.º 6 no requerimento submetido pelo Recorrente datado de 11.08.2023, com a referência 46305073. [Destaques nossos]
Q. Assim, em janeiro de 2022, o Recorrente, aceitou assinar o mesmo, ainda que contrariado por não achar ser esta a melhor solução para o casal, nem tampouco para a filha de ambos que, à data, tinha apenas dois anos de idade – o que fez questão de deixar bem claro à Requerida, conforme e-mail enviado pelo Recorrente à Requerida no dia 23.01.2022, junto como doc. n.º 5 por requerimento submetido pelo Requerido, datado de 11.08.2023, com a referência 46305073, e que aqui se transcreve: “AA, Tal como pediste envio-te o documento editado. Quero no entanto deixar claras as ideias que já te referi várias vezes: - Acho que a ideia de por a AA a escolher aos seis anos onde quer viver não é uma boa ideia. Não tenho solução para essa questão e a única solução implicaria dizer-te que não podes voltar a Lisboa. Como dizes que não te adaptas ao Luxemburgo e que aqui não és feliz, isso implicaria limitar a tua liberdade. - Quero deixar claro que acho que estás a tomar uma decisão precipitada e não pensada. Como me dizes que terás tu de assumir as consequências das tuas escolhas, acabo por aceitar a regulação do poder paternal - Sempre tive a intenção de te proteger de decisões não pensadas, mas percebo a tua resposta de que não tenho de ser eu a faze-lo e de que não tens 12 anos, sendo capaz de tomar as tuas decisões e assumir as consequências das mesmas. Tens razão quanto a isso e como tal não procurarei evitar que tu tenhas de passar por situações mais duras no futuro. Respeitando as tuas decisões e aceitando que tens o direito de cometer os teus erros, estou disponível para assinar o acordo que propuseste. Faço-o contrariado e com a ideia de que não é a melhor solução, mas aceito que não posso impor-te um local onde vives apenas porque tens uma filha. Para que essa filha tenha o desenvolvimento mais saudável possível é importante que estejas presente e que estejas bem. Beijinho, BB” [Destaques nossos] –,
R. Repare-se que o Acordo assinado (i) previa que o Recorrente consentia que a Menor permanecesse com a Requerida em Portugal, sempre no pressuposto que esta regressaria à sua residência habitual no Luxemburgo, ainda que alternadamente, até a Criança perfazer seis anos de idade; e (ii) não indicava nenhuma separação iminente do casal,
S. Sendo, deste modo, impossível que o Recorrente tivesse conhecimento, à data, das verdadeiras intenções da Requerida e, consequentemente, que tivesse dado o seu consentimento para a alteração da residência da Menor para Portugal, quando, a poucos dias da viagem da Requerida com a Menor para Portugal, a Requerida enviou um e-mail ao Recorrente, datado de 24.01.2022, onde declarou expressamente que a sua intenção não era divorciar-se do Recorrente, mas sim a de continuarem a ser uma família e, inclusive, de um dia, regressarem para Portugal os três juntos, como família, no mesmo momento, conforme aqui se transcreve: “Como sempre mencionei, assino este acordo com a mais firme ideia e pretensão de que ele nunca será necessário, pois continuaremos juntos e não haverá necessidade de o tornar num Acordo de Divórcio, isto sim, creio eu ser a vontade de ambos e o melhor para todos. Bem sabes que o meu maior desejo é que regressemos, todos juntos, como família, no mesmo momento.” [Destaque nosso], conforme e-mail enviado pela Requerida ao Recorrente no dia 24.01.2022, junto como doc. n.º 5 por requerimento submetido pelo Recorrente, datado de 11.08.2023, com a referência 46305073.
T. O Acordo deveria ter entrado em vigor logo após a sua assinatura – em janeiro de 2022 –, razão pela qual tinham os Pais previsto deslocações da Menor ao Luxemburgo em todos os meses logo a partir de fevereiro de 2022 – conforme, a título de exemplo, bilhetes de avião comprados em nome da Criança e da Requerida para o Luxemburgo no dia 27.02.2024, e bilhetes de avião comprados em nome da Criança e da Requerida para o Luxemburgo no dia 30.04.2022, ambos juntos como docs. n.ºs e 1 e 2 no requerimento submetido pelo Recorrente, datado de 11.08.2023, com a referência 46305073.
U. Tais deslocações da Menor ao Luxemburgo – em fevereiro, março e abril – nunca chegaram a acontecer pelo facto de a Requerida arranjar desculpas todos os meses para não levar a Menor ao Luxemburgo: ou era porque tinham estado em contacto com pessoas que tinham testado positivo à covid-19 e tinham de estar em isolamento; ou era porque a Requerida não podia faltar ao trabalho; ou era porque não dava jeito; etc.
V. Contudo, nunca, em momento algum, o Recorrente consentiu na mudança da residência definitiva da Criança para Portugal, uma vez que tal nunca foi sequer falado entre Recorrente e Requerida – não obstante, ser agora do conhecimento do Recorrente, que essa sempre fora a intenção da Requerida: divorciar-se do Recorrente e romper totalmente a vida familiar.
W. Nos termos do Acordo assinado, a Menor devia ter regressado com o Pai, ora Recorrente, ao Luxemburgo no dia 3 de setembro de 2022 – conforme bilhetes de avião comprados pela Requerida, juntos como doc. n.º 3, por requerimento submetido pelo Recorrente no dia 11.08.2023, com a referência 46305073 –, para a semana de reintegração da Criança na escola no Luxemburgo. X. Sucede que, a Requerida, na tarde do dia anterior à data marcada para a viagem, 83 sob a alegada justificação de que, no seu entender, o Recorrente não estava familiarizado com as rotinas da Menor, desonrou o Acordo celebrado entre Recorrente e Requerida e informou o Recorrente de que não se sentia confortável em deixar a Menor sozinha aos cuidados do Recorrente e que, por essa razão, não iria permitir que a Menor viajasse com o Recorrente para o Luxemburgo – conforme resultou das declarações de parte da Requerida, prestadas na sessão de audiência de discussão e julgamento de dia 14.11.2024, minutos 00:20 até 03:30;
Y. O que, conforme resultou da ampla prova produzida nos autos, não corresponde à verdade. O Recorrente sempre foi um pai atento, preocupado e presente, participando ativamente na vida e nas rotinas da Criança, dividindo todas as tarefas e cuidados desta com a Requerida – a título de exemplo, era o Recorrente quem secava a Menor depois do banho, colocava creme, secava o cabelo e vestia o pijama à Menor; era também o Recorrente quem lia uma história todas as noites à Menor antes desta ir dormir quando viviam no Luxemburgo, conforme resulta das declarações de parte do Recorrente, na sessão de dia 25.11.2024, minutos 02:28:00 até 02:30:15.
Z. O Recorrente foi vítima de um esquema premeditado por parte da Requerida desde o início, tendo a Requerida já assinado o Acordo com uma evidente má-fé e dolo para enganar e manipular o Recorrente e prosseguir os seus objetivos: alterar a residência da Menor para Portugal.
AA.Fê-lo de forma a simular uma residência ininterrupta da Menor em Portugal por mais de 6 (seis) meses, precisamente altura em que a Requerida deu entrada da ação de divórcio e da regulação das responsabilidades parentais em Portugal, alegando, para o efeito, que a Menor residia em Portugal, com autorização do Recorrente, desde fevereiro de 2022, note-se – o que não corresponde à verdade, desde já e conforme já demonstrado, (i) o Recorrente nunca deu a sua 84 autorização ou consentimento para a mudança definitiva de residência da Menor para Portugal; Mais, (ii) nunca seria, em qualquer caso, uma residência ininterrupta da Menor em Portugal como a Requerida sempre fez parecer crer, dado que a Menor esteve com a Requerida no Luxemburgo em maio de 2022, conforme reconhecido pela testemunha KK, prima da Requerida, na sessão de dia 18.10.2024, minutos 00:10:00 até 00:11:00, que foi alegadamente ajudar na mudança da mobília da Requerida e fazer registos fotográficos da mesma.
BB.Mais, resulta das declarações de parte da Requerida, nas sessões de dias 14.11.2024 e 25.11.2024, que foi em fevereiro de 2022 que terá percebido que o Acordo assinado em janeiro desse mesmo ano não fazia qualquer sentido e não seria exequível. Não obstante, limitou-se a guardar para si essa informação, não a comunicando, em momento algum, ao Recorrente, nem tentado perceber se este partilhava da mesma opinião.
CC. A Requerida enganou o Recorrente, viciando a vontade/consentimento deste para a Menor residir em Portugal, que, em total boa-fé, sempre acreditou e confiou na palavra da Requerida e que esta iria, tal como ele, agir de boa-fé e honrar o Acordo celebrado entre ambos – afinal, como a própria Requerida disse, este era um Acordo do qual não haveria necessidade de o tornar num Acordo de Divórcio, note-se. Mais, da ampla prova produzida nos autos, resulta que a Requerida nunca pretendeu cumprir o Acordo celebrado com o Recorrente, criando falsas expetativas no Recorrente de que as suas vidas retomariam a normalidade, quando, na verdade, a sua intenção sempre fora a de divorciar-se do Recorrente e romper totalmente a vida familiar.
DD. Foi nesta ideia e pressuposto que o Recorrente acordou; o Recorrente nunca aceitou qualquer tipo de deslocação da Menor para Portugal que não fosse temporária e que não tivesse como pressuposto, no mínimo, um regime de residência alternada no Luxemburgo e em Portugal, conforme tinha sido acordado e falado entre ambos os Pais em janeiro de 2022.
EE. Infelizmente, não foi igualmente nesta ideia e pressuposto que a Requerida acordou, pois, aparentemente, para a Requerida, em fevereiro de 2022, era claro que Recorrente e Requerida já não eram um casal e, inclusivamente, que o Acordo assinado por ambos em janeiro de 2022 não era exequível; no entanto, nunca comunicou ao Recorrente que era isto que pensava, limitando-se a continuar a passar férias com o Recorrente e com a família deste durante a Páscoa e o Verão como se nada fosse, tendo, nas costas do Recorrente e às escondidas de todos, durante as férias de verão todos juntos, dado entrada de uma ação de divórcio e de regulação das responsabilidades parentais nos tribunais portugueses, que escondeu, propositadamente, do Recorrente e esperou, como se nada se passasse, que este tivesse conhecimento da referida ação somente através da sua citação, ocorrida no final do mês de novembro, quebrando, assim, qualquer confiança existente – resulta, inclusivamente, das declarações de parte da Requerida, na sessão de dia 25.11.2024, minutos 00:46:57 até 00:50:00, que “Percebi que o acordo não era exequível, mas não conversei com o BB sobre isso (…) só em setembro.” [Destaque nosso].
FF. Ora, face a tudo aquilo que se expôs, é evidente que a Menor foi retida, sim, ilicitamente pela Requerida em Portugal em setembro de 2022, pois esta impediu o regresso da Criança ao Luxemburgo contrariamente ao que estava acordado entre ambos os Pais, sem autorização nem consentimento, no momento e posteriormente, do pai da Criança, ora Recorrente, que sempre foi contra a alteração da residência da Menor para Portugal.
GG. Consequentemente, mal decidiu o Tribunal a quo, que deveria ter concluído pela retenção ilícita da Menor em Setembro de 2022 em Portugal e ordenado o regresso da Menor ao Luxemburgo, ao abrigo dos artigos 3.º e 12.º da Convenção – o que ora se requer ao douto Tribunal ad quem –, pois não só esta corresponde à decisão que melhor acautela o Superior Interesse da Menor, como seria ilegítimo premiar a Requerida pelo seu esquema ardiloso e manipulador, que através da formalização de um Acordo, acabou por materializar uma mudança de residência efetiva da Menor para Portugal, de forma livre, deliberada e consciente, e sem o consentimento do Recorrente, violando todos os objetivos da Convenção, que pretende o regresso imediato da Menor ao país de onde esta foi deslocada.
HH. A Requerida, ludibriando o Recorrente, forçou uma residência da Menor em Portugal, para integrá-la à força, ganhar tempo e alegar que esta se encontra perfeitamente integrada e adaptada no seu novo ambiente e vida em Portugal, quando o Recorrente, sempre foi contra a alteração da residência da Menor para Portugal, nunca tendo dado autorização nem permissão para tal, e sempre tendo comunicado tal facto à Requerida – o Recorrente não só nunca deu o seu consentimento para a alteração da residência da Criança, como, pelo contrário, propôs um processo especial de entrega judicial da Criança, ao abrigo da Convenção de Haia, no dia 24.01.2023.
II. Num segundo momento, o Tribunal a quo avança com outra posição e vem determinar que, caso tivesse concluído pela retenção ilícita da Menor, ainda assim não caberia a este Tribunal determinar o regresso da criança ao Luxemburgo, uma vez que se verifica a exceção prevista na alínea b) do artigo 13.º da Convenção de Haia. JJ. Ora, salvo o devido respeito, o Recorrente não concorda com o Tribunal a quo, porquanto considera que o regresso da Menor ao Luxemburgo não consubstancia nenhum risco grave para a Menor, nem tampouco coloca a Menor numa situação intolerável.
KK.O lugar de residência da Menor é – como sempre foi, desde o seu nascimento – o Luxemburgo, onde a Menor residiu desde o seu nascimento, de forma estável e duradoura, até ao dia em que a Requerida a reteve em Portugal, contra a vontade do Recorrente e violando o Acordo celebrado entre ambos, relembre-se. É este o país que a Menor sempre conheceu como casa, onde tem as suas rotinas estabelecidas, onde frequentou uma creche e escola em que se sentia integrada com as professoras e amigos que adora, onde tem os seus programas e hobbies de fim-de-semana, bem como onde é regularmente acompanhada pelos seus médicos desde que nasceu, tendo uma vida construída, integrada e adaptada às suas necessidades no Luxemburgo, conforme resultou, aliás, da prova documental produzida e já supracitada.
LL. É uma oportunidade única para a Menor crescer e desenvolver-se num país como o Luxemburgo, um país bastante seguro, desenvolvido e que apresenta uma qualidade e nível de vida muito superior a Portugal, e que pode oferecer-lhe muitas outras oportunidades de vida no futuro, estando já a Menor integrada a nível de educação. Acresce que, a especial condição de saúde e os cuidados médicos de que a mesma [AA] carece não deverão obstaculizar o seu regresso ao Luxemburgo, uma vez que este se trata de um país com um sistema de saúde igualmente bastante desenvolvido e eficiente, no qual, inclusivamente, conforme demonstrado nos autos, a Menor já aí teve acompanhamento médico e continua a tê-lo.
MM. Também a nível escolar, resultou da ampla prova produzida nos autos que a Menor se encontra integrada na escola luxemburguesa, tendo o Recorrente prolongado as visitas da Menor ao Luxemburgo, durante o ano letivo passado, de 2023/2024, apenas e tão só com o objetivo de garantir que a Menor se mantinha integrada no ambiente escolar luxemburguês, em prol do seu desenvolvimento social e bem-estar e uma vez que ainda não havia nenhuma decisão nos presentes autos que poderia, a qualquer momento, decretar o regresso da Menor ao Luxemburgo, o que demonstra o amor e a preocupação com o bem-estar e futuro da Filha sentida pelo Recorrente.
NN. É também no Luxemburgo que a Menor tem um Pai, ora Recorrente, presente, que adora a sua filha e que de tudo faz – e fará – para lhe dar as melhores condições, colocado o interesse e as necessidades da Filha acima de tudo. A Criança tem uma relação muito próxima, cúmplice e afetuosa com o Recorrente, vendo neste um sinal de verdadeiro colo e conforto, paz e estabilidade, reconhecendo, inclusivamente, o Tribunal a quo na decisão recorrida que “O pai é uma referência muito importante para a AA (…)” – apesar da lamentável tentativa de alienação parental perpetrada pela Requerida nos últimos dois anos. O Recorrente é, como sempre foi, um pai totalmente dedicado, responsável e participativo na vida da filha, que mais não pretende senão que seja salvaguardado e protegido o direito que a sua filha tem de crescer num ambiente saudável, equilibrado e feliz, e cujo objetivo e foco, enquanto Pai, é, como sempre foi, a estabilidade e o bem-estar desta Criança.
OO. O Recorrente dispõe ainda no Luxemburgo de uma forte rede de apoio e suporte para o ajudar com todos os cuidados que a Menor necessita, desde o apoio dos serviços estatais, à sua atual namorada, empregada doméstica, amigos próximos e, ao longo do ano, familiares que passam parte do ano no Luxemburgo. Reforça-se, neste âmbito, a importância de uma rede de apoio e suporte próxima, fundamental ao saudável e equilibrado desenvolvimento da Criança.
PP. O Recorrente reúne boas condições habitacionais e profissionais, tem um trabalho estável no Luxemburgo, não viaja profissionalmente, auferindo rendimentos que lhe permitem ter uma boa qualidade e estilo de vida para oferecer à Criança, com horários flexíveis e que o permitem (re)organizar o seu dia-a-dia em função das necessidades da filha e cumprir todos os compromissos médicos e escolares da Criança.
QQ. O Recorrente tem capacidade, vontade, disponibilidade e flexibilidade de horários para cuidar e se dedicar à sua Filha – como, aliás, sempre teve, por ser essa a sua prioridade –, reunindo todas as condições, financeiras, físicas e emocionais, para ter a Criança aos seus cuidados no Luxemburgo. Destaque-se que, durante os períodos em que a Menor esteve sozinha com o Recorrente no Luxemburgo nos últimos dois anos, este assegurou todas as suas rotinas e cuidados, levando-a e indo-a buscar à escola, dando-lhe banho, preparando-lhe o jantar, lendo-lhe uma história antes de ir dormir e deitando-a; bem como garantiu momentos de brincadeira e descanso aos fins-de-semana, organizando programas a dois ou com família e amigos. Mais, o Recorrente foi acompanhado pelo … (Gabinete Nacional para a Infância) no Luxemburgo, que iniciou o acompanhamento do agregado familiar a pedido do Recorrente e mostrou disponibilidade, conforme resulta do doc. n.º 6 junto por requerimento datado de 08.08.2024 constante dos autos, para, em caso de regresso definitivo da Menor ao Luxemburgo, pôr em prática todas as medidas de apoio que se revelem necessárias, nomeadamente com psicólogos/psicoterapeutas, educação corretiva precoce, terapia psicomotora, terapia ocupacional, terapia da fala, etc.
RR.De facto, a separação de uma criança de qualquer um dos seus progenitores acarretará sempre um impacto emocional na vida desta, e não apenas a separação da criança da figura materna, como erradamente fundamenta o Tribunal a quo. Mais, para que o regresso da Menor a colocasse numa situação intolerável, seria necessário demonstrar, no caso concreto, que o Recorrente não dispõe de condições para assegurar os cuidados da Menor e que a separação da Requerida seria mais prejudicial para a Menor do que a separação do Pai, ora Recorrente – o que, com o devido respeito, o Tribunal a quo não logrou demonstrar, porquanto, desde logo, o Recorrente é também ele uma figura de referência para a Menor, existindo vínculos afetivos entre ambos. SS. A decisão do regresso da Menor ao Luxemburgo é, assim, a decisão mais equilibrada e proporcional aos fins visados pela Convenção de Haia e do Regulamento, em detrimento do sacrifício que seria imposto à Criança, pois a AA mantém uma relação afetiva com ambos os Progenitores – aliás, conforme reconhecido, e bem, pelo Tribunal a quo nos factos dados como provados n.ºs 144 e 145, “A AA tem uma excelente relação com a mãe” e “A AA tem uma excelente relação com o pai”, respetivamente –, e continuaria perfeitamente integrada num ambiente familiar próximo e afetivo. TT. Ora, face à factualidade supra descrita e demonstrada, à ampla prova produzida nos autos, bem como ao entendimento seguida pela nossa jurisprudência sobre a exceção prevista na alínea b) do artigo 13.º da Convenção, resulta que, no caso concreto, não se verifica nenhum risco grave, nem tampouco nenhuma situação intolerável no regresso da Menor ao Luxemburgo, pelo que deverá o Tribunal determinar o regresso da Menor ao Luxemburgo, uma vez que (i) existiu efetiva retenção ilícita da Menor em setembro de 2022, nos termos dos artigos 3.º, 4.º e 5.º da Convenção de Haia; e (ii) inexistiu a verificação de circunstâncias excecionais previstas no artigo 13.º da Convenção.
UU. Ainda que se entendesse ser aplicável a exceção prevista no artigo 13.º, alínea b), do CPC – o que não se concede, mas por mero dever de patrocínio se equaciona –, o Tribunal a quo, com a decisão recorrida, violou ainda o disposto no artigo 27.º, n.º 3, do Regulamento,
VV.Porquanto, conforme amplamente demonstrado supra, o Recorrente provou – e nada nos autos demonstra o contrário, destaque-se – dispor de todas as condições para assegurar o bem-estar da Menor, limitando-se a decisão recorrida a fundamentar a sua posição com base no sofrimento que o afastamento da Requerida provocará à Criança e que os serviços sociais luxemburgueses não terão capacidade de suprir ou atenuar, e nada mais do que isso.
WW. Deste modo, ainda que se verificasse a circunstância excecional prevista na alínea b) do artigo 13.º da Convenção – o que não se concede, mas por mero dever de patrocínio se equaciona –, a mesma não será aplicável, por respeito ao disposto no artigo 27.º, n.º 3, do Regulamento, XX. Pois, encontram-se reunidas todas as condições necessárias para garantir segurança, estabilidade e bem-estar ao regresso da Menor ao Luxemburgo.
YY. Assim, lamentavelmente também aqui mal andou o Tribunal a quo, ao considerar preenchida a exceção prevista na alínea b) do artigo 13.º da Convenção de Haia, pelo que deve a mesma ser revogada, o que ora se requer ao douto Tribunal ad quem.
ZZ. Por tudo o supra exposto, conclui-se que deverá o Tribunal ad quem determinar o regresso da Menor ao Luxemburgo, uma vez que se encontram reunidas todas as condições necessárias, devendo ser dado como provado que existiu retenção ilícita da Menor em setembro de 2022, em conformidade com os artigos 3.º, 4.º e 5.º da Convenção de Haia, inexistindo a verificação das circunstâncias excecionais previstas no artigo 13.º da Convenção, razão pela qual violou o Tribunal a quo os referidos normativos legais com a decisão recorrida.
*
CC, mãe, respondeu, propugnando pela improcedência do recurso.
*
O recurso foi admitido como de apelação, a subir de imediato, nos próprios autos e com efeito devolutivo.
*
II. Objecto e delimitação do recurso
Consabidamente, a delimitação objectiva do recurso emerge do teor das conclusões do recorrente, enquanto constituam corolário lógico-jurídico correspectivo da fundamentação expressa na alegação, sem embargo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer ex officio.
De outra via, como meio impugnatório de decisões judiciais, o recurso visa tão só suscitar a reapreciação do decidido, não comportando a criação de decisão sobre matéria nova não submetida à apreciação do tribunal a quo. Por outro lado, ainda, o recurso não é uma reapreciação ‘ex novo’ do litígio (uma “segunda opinião” sobre o litígio), mas uma ponderação sobre a correcção da decisão que dirimiu esse litígio (se padece de vícios procedimentais, se procedeu a incorrecta fixação dos factos, se fez incorrecta determinação ou aplicação do direito aplicável).
Daí que não baste ao recorrente afirmar o seu descontentamento com a decisão recorrida e pedir a reapreciação do litígio (limitando-se a repetir o que já alegara na 1ª instância), mas se lhe imponha o ónus de alegar, de indicar as razões porque entende que a decisão recorrida deve ser revertida ou modificada, de especificar as falhas ou incorrecções de que em seu entender ela padece, sob pena de indeferimento do recurso.
Ademais, também o tribunal de recurso não está adstrito à apreciação de todos os argumentos produzidos em alegação, mas apenas – e com liberdade no respeitante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito – de todas as “questões” suscitadas, e que, por respeitarem aos elementos da causa, definidos em função das pretensões e causa de pedir aduzidas, se configurem como relevantes para conhecimento do respectivo objecto, exceptuadas as que resultem prejudicadas pela solução dada a outras.
Assim, em face do que se acaba de expor e das conclusões apresentadas, as questões a resolver são as seguintes:
- eventual nulidade de sentença;
- modificabilidade da decisão da matéria de facto, em conformidade com o disposto no art. 662º nº 2 al. c) do CPC;
- impugnação da decisão sobre a matéria de facto;
- avaliar se existiu retenção ilícita da Menor em Portugal por parte da Requerida, Mãe da Criança, em setembro de 2022 e, consequentemente, no caso de ser feita prova positiva da referida retenção, ordenar o retorno da Criança ao Luxemburgo, tudo em conformidade com a Convenção dos Aspetos Civis do Rapto Internacional de Crianças, concluída em Haia, em 25 de Outubro de 1980, ratificada pelo Estado Português pelo D. Gov. n.º 33/83, de 15 de Maio.
*
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir:
*
III. Os factos
Recebeu-se da 1ª instância a seguinte factualidade dada como assente:
1. Em 24 de Agosto de 2022, CC instaurou acção de divórcio contra BB, que foi distribuída a este juízo sob o n.º de processo 2845/22.1T8CSC;
2. No âmbito do referido processo de divórcio, o cônjuge marido suscitou a incompetência internacional do Tribunal de Cascais, sendo que este Tribunal se considerou internacionalmente competente para a acção de divórcio;
3. A decisão foi objecto de recurso – apenso D -, sendo que o Tribunal da Relação de Lisboa confirmou a decisão proferida nesta instância;
4. No dia 25 de Agosto de 2022, CC instaurou, por apenso ao processo de divórcio, o processo de regulação das responsabilidades parentais da filha CC, dando assim lugar ao apenso com o n.º de processo 2845/22.1T8CSC-A;
5. No âmbito desse apenso de regulação das responsabilidades parentais, o pai suscitou a incompetência internacional do Tribunal de Cascais, sendo que este Tribunal se considerou internacionalmente competente para a acção;
6. A decisão foi objecto de recurso – apenso C -, sendo que, nesse âmbito, o pai pediu o reenvio prejudicial, o que foi negado pelo Tribunal da Relação de Lisboa, por falta de cabimento legal, perante o teor do pedido apresentado, e mandou descer os autos à primeira instância para o prosseguimento dos autos;
7. Na conferência de pais ocorrida em 31 de Janeiro de 2023, em sede do apenso de regulação das responsabilidades parentais (apenso A), os pais não chegaram a acordo definitivo relativamente à regulação das responsabilidades parentais, mas chegaram ao seguinte acordo de regime provisório: “ACORDO PROVISÓRIO DAS RESPONSABILIDADES PARENTAIS
1. A menor AA fica confiada à guarda e cuidados da sua mãe, com quem residirá;
2. Relativamente às visitas:
a) O pai terá consigo a menor em fins-de-semana alternados, sendo que num fim-desemana o pai virá a Portugal para estar com a menor, outro fim-de-semana a mãe irá levar a filha ao Luxemburgo;
b) Caso existe um feriado ou fim-de-semana prolongado, os pais aproveitam para a menor poder estar com o pai;
c) O primeiro fim-de-semana alargado da menor com o pai, será de 18 a 26 de Fevereiro, indo o pai buscar a filha, à casa da mãe, no dia 18 de Fevereiro e aí entregando-a no dia 26 de Fevereiro.
3. Os períodos de férias escolares da menor, serão repartidos entre os progenitores, 2/3 com o pai e 1/3 com a mãe, a acordar entre ambos até ao fim de Março do respectivo ano. No caso de sobreposição de semanas, o pai escolhe e comunica a sua semana à mãe nos anos ímpares, e a mãe nos anos pares;
4. Quem inicia o período de férias vai buscar a filha à casa do outro progenitor;
5. No dia de aniversário da menor, esta tomará uma refeição com cada progenitor;
6. O pai pagará, a título de pensão de alimentos, a quantia mensal de € 300,00, que entregará à mãe, até ao dia 8 de cada mês, mediante transferência bancária para a conta desta.
7. As despesas de educação (tais como, material escolar, equipamentos desportivos, etc.), as despesas médicas, medicamentosas e todas as relacionadas com a saúde da menor, e bem assim, as actividades extracurriculares, (estas últimas desde que sejam acordadas entre os pais), serão suportadas pelos progenitores, em partes iguais. O progenitor que incorrer na despesa, remete ao outro o comprovativo da mesma, no prazo de 10 dias, após a sua realização. O outro progenitor procederá ao pagamento da sua quota-parte, no prazo de 10 dias, após a comunicação;
8. Qualquer mudança de estabelecimento escolar, será feita por acordo entre os pais;
9. Os pais acordam que a menor, quando for possível, comece a ter aulas de alemão.”;
8. Nessa mesma data, e conforme resulta da respectiva acta, foram os pais, nos termos do disposto no art.º 38.º, al. b) do RGPTC, remetidos para Audição Técnica Especializada;
9. Em 29 de Junho de 2023, - isto é, decorridos 10 meses, desde que foi instaurada a acção de regulação das responsabilidades parentais por parte da mãe -, é instaurada a presente Acção de Processo Especial, em que é accionada a Convenção de Haia, para que, caso se concluísse pela retenção ilícita da AA, em Portugal, fosse a mesma entregue ao pai e devolvida ao Luxemburgo;
10. No dia 30 de Junho de 2023 foi proferido o seguinte despacho: “Atendendo a que a AA já se encontra em Portugal desde Fevereiro de 2022, aqui frequentando a escola, e que em sede do processo de regulação das responsabilidades parentais, em Janeiro de 2023, o pai celebrou um acordo provisório de regulação das responsabilidades parentais em que a menor ficaria à guarda e cuidados da mãe, determino que se notifique o progenitor para que informe os autos, no prazo de 5 dias, se sempre pretende accionar a Convenção de Haia. Caso a resposta do mesmo seja afirmativa, junte aos presentes autos o relatório social que já se encontra no processo de regulação das responsabilidades parentais e abrame conclusão para agendamento de data para audição de ambos os progenitores. Caso a resposta seja negativa, abra logo vista à Digníssima Magistrada do Ministério Público.”;
11. No dia 9 de Julho de 2023, o pai respondeu, pondo em causa que a filha estivesse a residir em Portugal desde Fevereiro de 2022, invocando que tal só ocorria desde Setembro de 2022 e afirmando que era contra a sua vontade, pelo que, pretendia prosseguir com a acção ao abrigo da Convenção de Haia;
12. A menor AA, nasceu a ... 2020, no Luxemburgo e é filha de CC e de BB;
13. Os pais e a criança têm nacionalidade portuguesa.
14. O casal começou por viver na ..., Linda-a-Velha. 15. A mudança do casal, de Portugal para o Luxemburgo, ocorreu em 2017, na sequência de uma oportunidade profissional que surgiu ao agora aqui pai.
16. Aquando da mudança do casal, o objectivo era irem por um período de anos não concretamente individualizado, mas regressarem um dia a Portugal, para aqui residirem.
17. Mantiveram em Portugal, a casa que anteriormente era a casa morada de família, em Linda-a-Velha.
18. Em 24 de Outubro de 2019, CC e de BB contraíram casamento civil, com convenção antenupcial, no regime da separação de bens.
19. O pai, BB, tem residência no n.º 4 da ..., no Luxemburgo.
20. O pai, a mãe e a criança, - esta desde o seu nascimento -, viveram juntos na referida morada, até aproximadamente ao dia 20 de Fevereiro de 2022.
21. Os pais da AA, começaram em data não concretamente apurada, mas no início do ano 2021, a dormirem em quartos separados.
22. No Luxemburgo, o pai trabalhava a tempo inteiro no seu local de trabalho, no C.
23. No Luxemburgo, a mãe trabalhava essencialmente a partir de casa.
24. No Luxemburgo, antes de virem para Portugal, a AA chegou a estar inscrita em duas creches, (a última das quais foi o B), sendo que não frequentou mais do 3 ou 4 meses cada uma delas, devido aos problemas de saúde que tinha e aos vários internamentos a que foi sujeita.
25. Com o nascimento da AA, a mãe gozou a licença de maternidade até se mudar para Portugal.
26. Quando a mãe se mudou para Portugal, teve de devolver ao Estado Luxemburguês a quantia de € 8.000,00, porquanto não tinha acabado de gozar a licença parental e tinha saído do país.
27. O pai não gozou licença parental, tendo ido trabalhar 2 dias após o nascimento da AA.
28. Enquanto se encontravam no Luxemburgo, a mãe contava com o apoio de um casal amigo, os padrinhos da AA.
29. Num jantar ocorrido, em data não concretamente apurada, o referido casal de padrinhos, transmitiu aos aqui pais, que iriam sair do Luxemburgo.
30. Tal comunicação teve um grande impacto na aqui mãe, CC, porquanto considerava o referido casal, o grande apoio que tinha no Luxemburgo, dado o seu marido trabalhar a tempo inteiro fora de casa e não ter qualquer outro familiar ou apoio no Luxemburgo.
31. Nesse momento, CC sentia que não era feliz, sentia-se isolada e sem qualquer apoio, não retirando felicidade da vida no Luxemburgo, tendo-o expressado ao marido.
32. A mãe também se sentia muito desapoiada, porquanto a frágil condição de saúde da AA fazia com que a criança tivesse estado sujeita a sucessivos internamentos no Luxemburgo.
33. No período de 15 meses, a criança esteve sujeita a 12 internamentos, devido a problemas respiratórios e gástricos.
34. Quando a criança era internada, era a mãe quem ficava com a AA, nos hospitais/clínicas.
35. Em 24 de Outubro de 2021, BB, aqui pai, enviou uma mensagem de correio electrónico ao Consulado Geral de Portugal no Luxemburgo, pedindo informação sobre o que era necessário fazer, para tratar do seu processo de divórcio.
36. Ainda no Luxemburgo, a aqui mãe, transmitiu ao aqui pai, que era sua vontade despedir-se do seu trabalho e regressar para Portugal, porquanto lá não era feliz.
37. O pai transmitiu-lhe que se era para se despedir do emprego que tinha, que deveria arranjar emprego, em Portugal, numa das empresas das “big five”.
38. A mãe, ainda no Luxemburgo, em Janeiro, arranjou emprego para trabalhar em Portugal, para a empresa “D”, empresa que mereceu a aprovação do pai da sua filha, porquanto considerou que era uma empresa que oferecia garantias e que se encontraria entre as “big five” do respectivo ramo de actividade.
39. No dia 24 de Janeiro de 2022, os progenitores subscreveram um acordo relativamente ao exercício das responsabilidades parentais da AA com o seguinte teor:
“1. As responsabilidades parentais são exercidas em comum por ambos os progenitores, de acordo com o seguinte:
a. Ficando a menor a residir com a mãe durante duas semanas e uma semana com o pai até aos três anos de idade.
b. Quando completar a idade de 3 anos, no dia 31 de Agosto de 2023, a menor passará a residir duas semanas com cada progenitor, no local de residência do mesmo. (…) 5. Na altura de ingressar na escolaridade obrigatória, aos 6 anos, a menor terá a oportunidade de escolher em que país o quer fazer (no caso de os progenitores residirem em países diferentes). Ambos os progenitores comprometem-se a respeitar esta decisão sem contestação, não vindo a exercer qualquer tipo de pressão ou condicionamento na tomada de uma decisão livre por parte da filha. (…)”
40. O acordo celebrado entre os progenitores foi enviado para o Consulado de Portugal no Luxemburgo, com o objectivo de aí “ser registado”, tendo sido rejeitado, porquanto a regulação das responsabilidades parentais sempre teria de seguir os seus trâmites junto de um Tribunal.
41. Ainda no Luxemburgo, em Janeiro de 2022, a mãe despediu-se da sua Entidade Empregadora, e aceitou a proposta de trabalho para a D, com o conhecimento do pai.
42. Também ainda no Luxemburgo, a mãe tratou de arranjar a creche para a AA, quando esta viesse consigo para Portugal, sendo a mesma “...”, tendo o pai tido conhecimento e aprovado a escolha.
43. A creche foi escolhida em função da grande proximidade relativamente ao local de trabalho que a mãe passaria a ocupar, perto do ....
44. A mãe veio para Portugal no dia 20 de Fevereiro de 2022, trazendo consigo a AA, com o consentimento do pai, que até as levou ao aeroporto.
45. A AA ingressou nos “...” no dia 25 de Fevereiro de 2022.
46. A mãe começou a trabalhar na D, em 3 de Março de 2022.
47. Nesse mesmo dia, o pai trocou mensagens com a mãe para saber se ela estaria a gostar do novo emprego.
48. Em 7 de Março de 2022, o pai inscreveu-se como antigo aluno do Colégio A, na Associação de Antigos Alunos e informou a mãe de que já poderiam tratar da inscrição da AA no Colégio A.
49. Em 30 de Março de 2022, o pai apresentou a candidatura da filha AA junto do Colégio A, para que esta pudesse ingressar naquele colégio, no ano lectivo 2023/2024.
50. No dia 27 de Dezembro de 2022, a AA foi admitida a frequentar o Colégio A para o ano 2023/2024, ficando o pai como Encarregado de Educação da mesma.
51. O pai veio passar a Páscoa de 2022 a Portugal, tendo ficado cá cerca de 2 semanas, passando metade do tempo, em casa da mãe da sua filha, também com a filha, naquela que era a antiga casa morada de família do casal em Portugal, tendo passado o resto do tempo com a sua família, no Guincho.
52. Em 30 de Abril de 2022, a mãe dirigiu-se com a filha para o Luxemburgo, acompanhada da prima, LL, para esta a ajudar na mudança dos bens (a despachá-los) e uma vez que viajava com a criança.
53. Nesse período, isto é, entre o dia 30 de Abril e 28 de Maio, a progenitora ficou com a filha na casa do pai, no Luxemburgo.
54. Nesse período, a mãe empacotou os seus bens pessoais e os da menor, da residência no Luxemburgo, nomeadamente, a cadeira da papa, a espreguiçadeira, artigos de decoração, louça, os utensílios de cozinha, brinquedos, cama de grades, carrinho de bebé, cadeiras, troca fraldas, caixas de roupa, máquina de aerossóis, etc.
55. O pai colaborou na mudança, ajudando nos encaixotamentos.
56. A mãe procedeu à contratação da empresa de transporte.
57. Durante todo esse período – cerca de um mês -, em que estiveram no Luxemburgo, a mãe manteve-se a trabalhar por via remota e a filha ficou em casa, aos seus cuidados.
58. Mãe e filha regressaram em 28 de Maio de 2022 a Portugal, tendo sido o pai quem as foi pôr ao aeroporto.
59. Desde Fevereiro de 2022 e até às férias de Verão do ano seguinte, 2023, - isto é, até entrar no Colégio A -, a AA frequentou, em Portugal, os ....
60. Durante esse período de tempo, a AA esteve ausente dessa creche, sempre que se deslocava com o pai para o Luxemburgo e aí permanecia.
61. Na verdade, o pai inscreveu, no início de 2022, a menor AA na creche “B”, sendo que sempre que a levava para o Luxemburgo, colocava a criança na referida creche.
62. A mãe não deu o seu consentimento a que a AA frequentasse, em simultâneo, outro estabelecimento de ensino.
63. Em Março de 2022, o progenitor informou a creche Luxemburguesa que a menor durante os meses de Março e Abril não frequentaria a referida creche, por motivos profissionais da progenitora, que se encontraria a trabalhar em Lisboa.
64. Mas, quando a mãe passou o mês de Maio, com a filha no Luxemburgo, a criança também não frequentou a referida creche luxemburguesa, tendo ficado sempre em casa, com a mãe.
65. Quando a mãe regressou com a AA a Portugal, a 28 de Maio de 2022, a criança voltou a frequentar os ....
66. No dia 18 de Agosto de 2022, o progenitor veio do Luxemburgo para passar férias com AA e a aqui mãe.
67. Estiveram todos juntos na casa dos avós paternos, no Guincho, ficando a mãe a dormir com a criança num quarto e o pai a dormir noutro quarto.
68. Nessa altura, tornou-se evidente para a família paterna que o casal parental estava separado.
69. No dia 1 de Setembro de 2022 a creche “B” solicitou informações a ambos os progenitores sobre as necessidades especiais da alimentação da menor.
70. No dia 02 de setembro de 2022, o progenitor informou a creche que a AA iria passar duas semanas em Lisboa com a progenitora devido ao seu trabalho e duas semanas no Luxemburgo.
71. No dia 2 de setembro de 2022, em hora não concretamente apurada, a progenitora informou o pai que não autorizava que a AA regressasse ao Luxemburgo para integrar a referida creche.
72. Até então, a AA nunca tinha estado aos cuidados exclusivos do pai.
73. A mãe teve receio de entregar a AA ao pai, porque sentia que o pai não estava suficientemente familiarizado com as rotinas da criança, com as necessidades especiais que a mesma tinha ao nível da alimentação e receou que a criança sofresse muito por ficar afastada de si, dado que sempre tinha sido a principal cuidadora da filha e que a filha nunca tinha estado sem a mãe.
74. Entendia a mãe, que desde Fevereiro até Setembro desse ano – 2022-, o pai não se tinha esforçado por aprender as rotinas da filha, nomeadamente ao nível da preparação das refeições, da medicação, etc.
75. O pai não concordou e ficou desagrado com a manifestação de vontade da mãe.
76. Quando a progenitora comunicou tal vontade ao pai, a mãe já tinha previamente comprado bilhete de avião, com saída prevista de Lisboa com destino ao Luxemburgo, para o dia 3 de Setembro, para acompanhar a menor na ida e com regresso previsto a Lisboa para o dia 5 de Setembro.
77. Tais bilhetes não chegaram a ser usados pela mãe.
78. O progenitor tinha bilhete comprado com saída de Lisboa com destino ao Luxemburgo para o dia 3 de Setembro e com regresso a Lisboa no dia 10 de Setembro, para trazer de volta a filha.
79. Era prática corrente dos pais, nunca viajarem juntos no mesmo voo, seguindo sempre em voos separados, mesmo quando ainda estavam juntos, como casal.
80. No dia 3 de Setembro de 2022, o pai embarcou sozinho, com destino ao Luxemburgo, ficando cá a AA, com a mãe.
81. A 13 de Outubro de 2022, o pai intentou no Luxemburgo, acção de divórcio e de regulação das responsabilidades parentais.
82. No dia 9 de Maio de 2023, os serviços de Luxemburgo informaram que a menor foi admitida a frequentar o ensino pré-escolar para o ano lectivo 2023/2024, com início a 15 de Setembro de 2023, no estabelecimento E, para o ano letivo 2023/2024.
83. Não obstante o regime provisório que ficou fixado por acordo, em sede do processo de regulação das responsabilidades parentais – apenso A -, em Janeiro de 2023, em que o pai tinha direito a fins-se-semana alternados, ocorrendo um cá, outro no Luxemburgo, bem como direito a 2/3 dos períodos de férias da menor, consigo, o pai estabeleceu um calendário distinto, que apresentou à mãe.
84. Nesse calendário de 2023, o que está previsto é uma residência alternada, sendo que sempre que a AA era entregue ao pai, este voava com a menor para o Luxemburgo e aí a fazia frequentar a creche luxemburguesa.
85. A mãe não pretendia que tal calendário vigorasse, contudo, acabou por aceder, dada a insistência do pai e o medo que tinha de que a situação entre os pais ainda se agravasse mais.
86. A mãe começou a ter medo do que o pai pudesse fazer, relativamente à AA, dada a escalada de agressividade dos “e-mails” e mensagens que o pai lhe enviava.
87. Em 2024, o pai insistiu pela mesma forma de divisão do tempo e a mãe negou.
88. A mãe começou a considerar que tantas viagens e a frequência dos dois estabelecimentos de ensino eram prejudiciais à criança.
89. De acordo com o calendário para 2023, o pai estaria com a menor 63 dias e com a mãe 31 dias, só que os dias com o pai, seriam passados na escola luxemburguesa, excepto quando este marcasse férias pessoais.
90. Da mesma forma, em 2024, o pai estaria com a menor 70 dias e com a mãe 36 dias.
91. A mãe recusou o calendário para 2024 e, em 19 de Janeiro de 2024, deduziu incidente de incumprimento contra o pai.
92. No referido incidente de incumprimento, a mãe alegou que: o pai alterou unilateralmente a residência da criança para o Luxemburgo, fazendo com que aquela perdesse o acesso ao médico de família do SNS; não cumpria com os fins-de-semana, nem com as férias, fazendo com que a criança faltasse cá à escola, no colégio em que o próprio pai a inscreveu, bem como às consultas que já se encontravam marcadas.
93. Em algumas dessas ocasiões, o pai ou não entregava cá a menor, ou a mãe dirigia-se ao Luxemburgo para a ir buscar ao Domingo, e o pai não entregava a criança, afirmando que a filha ficaria lá mais uma semana.
94. Em todas as sessões que ocorreram neste Tribunal, quer em sede do processo de regulação das responsabilidades parentais, quer em sede da presente acção, foi reiteradamente explicado aos pais, que o regime provisório era para ser cumprido, que a residência alternada, entre dois países e a frequência simultânea de duas escolas, constituía um verdadeiro mau trato à criança e que estes não o poderiam fazer, sob pena de a porem em perigo.
95. Contudo, o pai continuou a levar a criança para o Luxemburgo, algumas das vezes sem o conhecimento da mãe e a fazê-la frequentar a escola luxemburguesa, sempre que a levava consigo.
96. Para além deste Tribunal, também a médica pediatra e a pedopsiquiatra da criança, transmitiram aos pais, logo em Agosto de 2022, quando estes comunicaram tal intenção e projecto de vida para a filha, que tal opção era contrária ao bem-estar e ao superior interesse da AA.
97. Não obstante tais avisos e recomendações, tal atitude manteve-se.
98. A criança faltou assim a festas e eventos nas duas escolas.
99. A criança ficou privada de acompanhar diariamente os seus colegas de turma, os educadores, os trabalhos e aprendizagens que eram desenvolvidas numa e noutra escola.
100. A criança apresenta um grau de desenvolvimento inferior ao esperado para a sua idade, nomeadamente ao nível do vocabulário, da interação social, da autonomização, etc.
101. A AA é uma criança que no Luxemburgo sofreu vários internamentos, grande maioria deles, por causas respiratórias, mas também gástricas.
102. A AA sempre apresentou dificuldades de ordem alimentar, sem que, durante muito tempo tivesse tido um diagnóstico.
103. Quando vinham a Portugal, os pais aproveitavam e traziam-na cá ao pediatra.
104. A AA nasceu com restrição do crescimento intra-uterino (RCIN) e com microcefalia importante desde os 5 meses com alguns traços dismórficos.
105. Até aos 3 anos de idade, a AA encontrava-se em percentil de crescimento inferior a 3 – (P<3).
106. A AA, no Luxemburgo tinha acompanhamento pediátrico, e conforme ficava doente, de outras especialidades clínicas.
107. Não obstante ter sofrido 12 internamentos no período de 15 meses, os médicos no Luxemburgo, nunca fizeram um estudo do seu caso por uma equipa multidisciplinar, nem lhe diagnosticaram o que tinha e como devia ser tratado.
108. Quando veio para Portugal com a mãe, a AA passou a ter os seguintes acompanhamentos: Pediatria (Dr.ª II), Terapia da Fala para aprender e desenvolver a mastigação de alimentos sólidos e devido ao problema de selectividade alimentar (Dr.ª MM), Pediatra do Desenvolvimento (Dr.ª NN); Alergologia (Dr. OO), Pedopsiquiatra (Dr.ª JJ), e Terapia Ocupacional (Dr.ª PP). Foi também examinada em Imagiologia (estudo do punho – cálculo da idade óssea).
109. Para além desses acompanhamentos, e dado o quadro de saúde especial da AA, é seguida nas especialidades de Doenças Raras, Genética, Doenças Metabólicas, Gastroenterologia e Endocrinologia.
110. A AA é acompanhada na Consulta de Neuro Desenvolvimento e Comportamento da Criança e Adolescente, devido ao quadro de seletividade alimentar, má progressão estato-ponderal e fenótipo peculiar.
111. AA é acompanhada na consulta de alergologia por quadro de sibilância, desde o dia 17.06.2022.
112. A AA encontra-se em acompanhamento pedopsiquiátrico desde 9 de Maio de 2023, por encaminhamento da consulta do serviço de urgência de pediatria, por suspeita de vómitos psicogénicos e alteração de comportamento alimentar. A menor apresentou um quadro de vómitos após a ingestão de sólidos.
113. No dia 9 de Maio de 2023, em consulta de pedopsiquiatria, no Hospital …, com a Dr.ª JJ, a médica efectuou o seguinte relatório: “(…) Trata-se de uma criança que apresenta um quadro de vómitos por repetição, que ocorrem após a ingestão de qualquer alimento sólido, sem que tenha sido encontrada qualquer causalidade orgânica que explique este sintoma. Apenas tolera ingestão de leite, e, mesmo assim, por vezes, também vomita este alimento. Esta situação ocorre desde o dia 21 de Abril, sem melhoria, agravamento, ou aparecimento de outros sintomas. Nos antecedentes há a ressaltar que a AA apresentava um quadro prévio de selectividade alimentar, em tratamento em terapia da fala e que estava em melhoria. Há também a referir que está a decorrer um processo de regulação das responsabilidades parentais, e que foi implementado um regime de guarda provisória que implica deslocações da menor ao Luxemburgo para estar com o pai por períodos que decorreram desde Fevereiro. O início dos sintomas ocorre numa ocasião em que a AA se encontrava no Luxemburgo. Nesse fim-de-semana foi detectado pelo pai que a AA estava mais triste e, ao telefone, a criança pediu à mãe para a visitar. (…) Está referenciada à mãe, demonstrando boa vinculação e boa relação mãe filha. O pai não estava presente nesta primeira ocasião, mas será consultado se assim o desejar. Trata-se de uma observação inicial de um quadro de alteração do comportamento alimentar na primeira infância com vómitos de origem psicossomática, com início agudo após a sequência de separações da principal figura de vinculação da criança. Esta situação aponta para a possibilidade de se tratar de uma reacção aguda de stress/ansiedade. A AA tem indicação para manter consultas de observação em Pedopsiquiatria, com a mãe e com o pai, para esclarecimento desta hipótese de diagnóstico.”
114. A AA teve consultas de pedopsiquiatria nos dias 25 de Maio, 1 de Junho, 7 de Junho e 5 de Julho de 2023, tendo sido uma consulta realizada exclusivamente com os pais, e todas as outras na presença física da criança e da mãe e o pai em videochamada. Ambos os pais aderiram de forma muito positiva às recomendações clínicas.
115. O estado de saúde da AA melhorou de forma positiva com emergência de competências globais de forma sólida e consistente, mantendo a seletividade alimentar, com trajectória de melhoria gradual, não sendo possível atribuir causalidade inequívoca à sua melhoria.
116. De acordo com o relatório médico, datado de 05.09.2023, subscrito pela Dr.ª JJ, a AA padeceu de um quadro de vómitos psicogénicos, enquadrados num quadro de ansiedade aguda e selectividade alimentar, não estando esses quadros psicopatológicos relacionados com anorexia nervosa, estando actualmente muito melhor do ponto vista sintomático e encontra-se em trajectória de desenvolvimento normal.
117. No dia 10 de janeiro de 2024, na sequência dos exames realizados, foi diagnosticada à menor uma estenose do esófago distal.
118. A AA foi referenciada para uma consulta de Gastrenterologia Pediátrica, “(…) por disfagia, vómitos recorrentes, má progressão ponderal e infeções respiratórias de repetição desde os 5 meses, tendo sido observada pela primeira vez em 26-04-2023 (Dra. QQ e, subsequentemente, por mim, RR). A doente veio acompanhada à consulta pela mãe nas datas 26-04- 2023, 06-09-2023, 26-01-2024, 25-03-2024 e 03-05-2024. (…) A 25.03.2024 realizou endoscopia digestiva alta sob efeito de sedação que confirmou o diagnóstico de Estenose Congénita do Esófago. O resultado do exame foi comunicado aos pais, presencialmente e por videochamada no próprio dia.
Dada indicação para alimentação pastosa ou liquida. Na última consulta, apresentava-se menos sintomática e tinha aumentado de peso.” (cit. In Relatório consulta de 21/05/2024).
119. A AA está a aguardar a marcação de cirurgia para resolução da estenose do esófago, que ocorrerá em Portugal, pela equipa médica que a tem acompanhado, com o acordo de ambos os pais.
120. A AA tem sido acompanhada em consulta de Monitorização do Desenvolvimento e Comportamento no Centro de Neurodesenvolvimento e Comportamento da Criança e do Adolescente do Hospital …, nas especialidades de pedopsiquiatria, pediatria do desenvolvimento e terapia da fala.
121. No âmbito da avaliação da terapia da fala, foi recomendado a supervisão do desenvolvimento em terapia da fala, manutenção da terapia miofuncional, observação na consulta ORL, vigilância do comportamento em consulta de pedopsiquiatria e monitorização do desenvolvimento em consulta de pediatria de desenvolvimento.
122. A AA encontra-se obrigada a cumprir as recomendações e o plano alimentar proposto pelo Hospital …, Unidade de Nutrição e Dietética, a fim de evitar a colocação de uma sonda nasogástrica devido ao seu atraso no desenvolvimento estato-ponderal, condição clínica que torna arriscado que coma alimentos de consistência sólida que não sejam macios e de fácil mastigação.
123. Desde janeiro de 2023 até janeiro de 2024 a menor foi acompanhada na terapia da fala, tendo o seu estado de saúde evoluído, aceitando introdução dos alimentos sólidos, bem como tendo melhorado o tempo de mastigação.
124. Em Agosto de 2024, na consulta de Neurodesenvolvimento, por parte da Dr.ª NN foi possível observar que o desenvolvimento da AA tem um nível muito bom de potencialidade de aprendizagem, com desenvolvimento global na média, nível comportamental, alguma irrequietude impulsividade, com um desenvolvimento global na média, sem impacto funcional à data da avaliação, mas necessita de vigilância, por parte da pedopsiquiatria e pediatria.
125. No dia 11 de Setembro de 2024, foi elaborado pela pedopsiquiatra, Dr.ª JJ, relatório relativo à consulta que teve lugar no dia 5 de Agosto de 2024, onde se pode ler: “ (…) No jogo livre aparecem as figuras da família, nomeadamente a materna, a paterna e a representação de si própria. A figura materna aparece com funções de cuidadora e de protectora. Simultaneamente, a AA verbaliza satisfação por estar em casa da mãe. As figuras que representam a criança e o pai aparecem sem diferenciação nítida. Quando é tentada a diferenciação das duas personagens, clarificando os papéis no jogo, a AA resiste e acaba por pôr a figura paterna de parte. Simultaneamente refere que esteve em casa do pai “muito tempo” (sic), dizendo também: “não gostei, porque está sempre a chover” e “não gosta da escola do pai porque não tenho amigos” (sic), brinco sempre sozinha”. Não acrescentou mais informação nem expressou mais opiniões. Tenho a informar, que a metodologia aplicada na consulta implica que a criança é livre na sua expressão, sem direcionamento ou estruturação, especialmente no que diz respeito ao jogo livre. Por esse motivo foi respeitada a decisão da AA em não abordar mais as questões relacionadas com os seus pais e vivências.”
126. No relatório pericial do INML, relativamente à AA, foram citados outros relatórios que aquela entidade considerou relevantes, nomeadamente: “Destaca-se do mais recente registo de avaliação do Colégio A “(…) A AA é uma aluna que se apresenta com algumas fragilidades a nível alimentar, recusando determinados alimentos sólidos. Neste momento e, apesar de ter a dentição completa, come a um ritmo muito mais lento do que o restante grupo e, do que aquilo que é esperado na sua faixa etária. Encontra-se ainda a fazer exames clínicos não só a nível gástrico como também, despistes em terapia de fala, dado que a dificuldade na mastigação poderá estar a comprometer todo o desenvolvimento da linguagem. A nível de desempenho, nomeadamente na execução das tarefas, necessita por vezes do apoio individualizado do adulto, para que as inicie e as termine. A nível social, é uma aluna que interage muito pouco com os pares, necessitando do adulto, como facilitador desta interação. Encontra-se a viver um período de alguma instabilidade dado que com frequência se ausenta das tarefas letivas, por motivo de regulação parental, estando em regime de guarda partilhada. Devido ao facto de o pai a viver fora de Portugal, a aluna, regularmente faz viagens ao estrangeiro por períodos de uma semana e, alguns fins de semana inclusive. Encontra-se a desenvolver competências ao nível das diferentes áreas de conteúdo (…)” (cit).
127. O INML sublinho que igualmente as recomendações nutricionais propostas pela nutricionista Dr.ª AA, do Hospital …: “(…) A utente AA deverá cumprir as recomendações e o plano alimentar proposto na totalidade, de forma a prevenir a colocação de uma sonda nasogástrica que garante o correto fornecimento dos nutrientes. Atualmente a utente encontra-se com um atraso no desenvolvimento estato-ponderal, pelo que é de extrema importância que recupere. Para além disso, possui uma condição clínica que torna arriscado que coma alimentos de consistência sólida que não sejam macios e de fácil mastigação. Qualquer alimento sólido que seja oferecido, deverá ser mastigado devagar e sem insistência. A maioria das refeições do seu dia deve respeitar uma consistência pastosa ou líquida tipo néctar (…)” (cit). De referir, do exame (por videoendoscopia digestiva alta) efetuado no Hospital …, as impressões diagnósticas de estenose do esófago. A examinanda é acompanhada em consulta de pedopsiquiatria, desde 9 de maio de 2023, encaminhada a partir da consulta do serviço de urgência de pediatria do Hospital …, por suspeita de vómitos psicogénicos e alteração do comportamento alimentar, em informação de consulta é referido, em suma, que “(…) A AA foi encaminhada para a minha consulta por um quadro de vómitos psicogénicos, com inicio agudo após uma sequência de separações, da principal figura de vinculação (figura materna) sendo uma delas de maior duração. As datas e durações das situações de afastamento da mãe correspondem aos períodos de visita ao pai (…) Há a referir que existia uma situação de conflito parental ativo e ao qual a criança estava exposta porque assistia a discussões frequentes entre os pais. Ambos os pais referiram esta situação. Foi colocada a hipótese inicial de diagnóstico de se tratar de uma reção aguda de stress/ansiedade. Foi iniciado um processo de avaliação e tratamento multidisciplinar, que tem vindo a decorrer com excelente adesão e assiduidade por parte da família (…) Ambos os pais aderiram de forma muito positiva às recomendações clínicas, demonstram preocupação e afeto, com boas competências parentais (…)” (cit); “(…) O motivo de pedido do presente relatório prende-se com o esclarecimento do diagnóstico da AA. A AA apresentou um quadro de vómitos psicogénicos enquadráveis em reação aguda de ansiedade. Tem também um quadro de seletividade alimentar. Estes quadros psicopatológicos não estão relacionados com a entidade diagnóstica Anorexia Nervosa, que a AA não apresenta. A AA está atualmente muito melhor do ponto de vista sintomático e encontra-se em trajetória de desenvolvimento normal (…)” (cit) e que “(…) A AA é seguida na minha consulta por problemas de desenvolvimento, quadro de doença orgânica crónica com repercussão sobre o comportamento (estenose esofágica com associação de alteração do padrão alimentar) e situação de conflito parental acerca da regulação do poder parental e da modalidade de guarda. A mãe da AA solicitou consulta urgente para aconselhamento visto que a criança foi levada pelo seu pai para o Luxemburgo sem informação prévia da mãe e sem haver acordo relativamente ao período de férias (…) Nesta consulta foram abordadas questões importantes relacionadas com o desenvolvimento e saúde da AA nomeadamente a importância de frequentar de forma regular o Jardim Infantil visto que é evidente o atraso da linguagem e fala, os problemas de socialização e integração com o grupo de pares e as dificuldades de realização de tarefas em contexto de sala bem como a importância da criança poder ter experiências de continuidade nas atividades escolares e sociais proporcionadas pelo Jardim Infantil (…) Também foi chamada a atenção aos pais para o risco de agravamento dos problemas de desenvolvimento da AA (linguagem, fala, socialização e autonomia) decorrente do facto da criança frequentar dois jardins infantis, um em Portugal e outro no Luxemburgo.” (cit).
128. Do exame directo efectuado no INML, resulta: “Ao nível do seu aspeto (i.e., caraterísticas físicas, modo de vestir e higiene), a examinanda revelou uma idade aparente inferior à real”. Chegou com fralda ao Instituto, tendo a mesma sido posteriormente removida. (…) O seu discurso revelou-se contido, revelando reservado enquadramento no esperado para a idade, do ponto de vista da riqueza do vocabulário.” e “Através da presente avaliação foi possível traçar um perfil de desenvolvimento, classificando quais as áreas fortes e áreas com necessária estimulação de AA, sendo de realçar que o seu perfil se caracteriza pela presença de resultados abaixo do esperado nas diferentes áreas. É identificada como área menos forte a área locomoção, em particular motricidade grossa, sendo também de estimular as áreas social, pessoal, capacidade de perceção visual (coordenação olho-mão), realização, raciocínio prático e linguagem (audiçãofala), embora se compreenda que a exposição a mais do que uma língua nativa, poderá explicar esta fragilidade”. “Observa-se maior discussão sobre o papel parental no problema (acusação mútua), não o centrando na criança. Relativamente à comunicação entre o casal parental identificam-se dificuldades em expressar os seus sentimentos e opiniões, não se obtendo uma comunicação construtiva e verificando-se recurso a padrões desadequados (raramente cada elemento do casal parental parece compreender e validar as opiniões e sentimentos do outro, e quando o faz, não é de forma construtiva), bem como a sua comunicação não verbal traduz distanciamento, sendo observados padrões defensivos entre si. AA expressa afeto positivo, sorri. Revela, face ao estabelecimento de relações com o seu pai e mãe, que estas relações são fontes de gratificação e envolvimento, havendo suporte emocional e sensibilidade face ao estado emocional da criança, todavia, nem sempre a escudando de comentários dirigidos ao outro progenitor. Identifica-se tensão na família, havendo claras expressões de frustração por parte dos dois pais, não obstante, são expressos afetos positivos dirigidos à criança. “Não se considera de todo profícua a inclusão em simultâneo da criança em dois estabelecimentos educativos distintos que se apresentam com dinâmicas, exigências, organização e evoluções próprias. Compreendendo o desenvolvimento de AA num processo dinâmico de relação com o meio, em que não só é influenciada por este, como também ela influencia o meio em que se encontra inserida, é deveras importante que as relações estabelecidas entre estes sistemas sejam continuas, sólidas e expectáveis, com consideração pelas suas características pessoais e favorecendo o seu contributo para a dinâmica do contexto de educação pré-escolar.”
129. Termina o relatório pericial com as seguintes recomendações: “Em suma, é nosso parecer, a par com a informação recolhida e analisada, ser necessária uma recentralização do casal parental nas necessidades, desenvolvimento e receios da sua filha possibilitando desta forma o estabelecimento de um quotidiano familiar e social estável com ambas as células familiares. Considera-se igualmente importante a estimulação da criança com particular foco na estimulação da linguagem, autonomia, coordenação e autoconfiança, bem como manutenção em respostas de intervenção precoce (no Luxemburgo ou em Portugal), com intervenção multimodal e de caráter multidisciplinar e reavaliação futura do seu desenvolvimento.”
130. Relativamente à progenitora, importa referir as seguintes conclusões do relatório pericial do INML: “Dos dados aferidos, destacam-se como possíveis fragilidades da examinanda: a presença de uma estrutura emocional pouco consistente, podendo ser inconstante, ansiosa, irritável, apreensiva, nem sempre se sentindo bem consigo mesma; bem como poderá ficar apegada a alguns acontecimentos dolorosos do seu passado, chegando a condicionar alguns aspetos da sua vida atual. Conclui-se que, da avaliação psicológica não se observou sintomatologia da progenitora ou existirem, eventuais sinais de patologia mental que possam por si só ser considerados impeditivos ou restritivos do exercício das funções parentais, todavia, são identificadas fragilidades ao nível de uma vinculação possivelmente menos segura com a sua filha, com resultante parca autonomização da criança. A examinanda apresenta particular dificuldade em lidar, tanto com a agressividade, como com o stress, tornando-se resistente, ou apresentando rigidez quando confrontada, o que poderá conduzir a contornos mais intrusivos na sua atuação como mãe. Não obstante, apresenta cuidado e interesse pelas necessidades materiais da sua filha aparentando responder-lhe adequadamente. Verifica-se com a evolução e decorrer do processo, uma progressiva cristalização e agudização do conflito, em que cada um dos pais faz recurso a acusações de alegadas condutas de agressão, por parte do outro progenitor [BB: “(…) se for para a minha filha viver assim eu não respeitarei qualquer decisão do Tribunal, nunca fui educado à pancada.” (sic) – CC: “(…) o primeiro momento de agressividade do BB passa-se quando eu estou grávida (…)” (sic)]. Observa-se a prevalência de um nível crescente de judicialização em detrimento do superior interesse da criança, aspeto de que nenhum dos pais parece querer abdicar, perdendo-se assim o foco nas necessidades de AA. De sublinhar, todavia, que o impacto da exposição ao conflito parental pode afetar uma criança/jovem de forma não previsível e variável, podendo daí resultar danos ao nível emocional, comportamental, social, cognitivo e físico, revelados a curto, médio ou longo prazo através de reações de externalização ou de internalização, pelo que se considera de extrema importância que este casal parental se refocalize na melhor forma possível de exercerem a função como pais, permitindo assim, que esta relação parental possa beneficiar de momentos significativos de troca e partilha de informações bem como de concertação de práticas educativas. A examinanda afirma não tolerância/aceitação face ao uso da violência física como estratégia disciplinar, bem como afirma ter recorrido a práticas educativas adequadas, práticas primordiais na sua atuação. Caracteriza-se como sendo [.“(…) sou uma mãe é um bocadinho sobre protetora, sou uma mãe presente, às vezes um bocadinho ansiosa, a AA sofreu muitos internamentos nos primeiros 15 meses de vida devidos a questões respiratórias ou gástricas, começou com cólicas, muito difícil de comer e era um bebé a viver sempre muito com a mãe e com o irmão (…) sou mãe amiga, às vezes sou mãe, mãe (…) sou uma mãe brincalhona, sou uma mãe descontraída, sou uma mãe atenta, às vezes sou um bocadinho intrusiva.” (sic)].
131. Relativamente ao progenitor, importa referir as seguintes conclusões do relatório pericial do INML: “No decurso do exame pericial, o examinando adotou uma apresentação de si por adoção de um construtivo superlativo, exagerado, ou mesmo idílico de si mesmo, com defensividade face à avaliação e resultante auto favorecimento nas respostas dadas. Pelo exposto apura-se um perfil com fragilidades relativamente ao seu auto-conceito, e capacidade auto-reflexiva (insight). Conclui-se que, da avaliação psicológica não se observou sintomatologia do progenitor ou existirem, eventuais sinais de patologia mental que possam por si só ser considerados impeditivos ou restritivos do exercício das funções parentais, todavia, observou-se a necessidade de dar uma boa imagem perante a avaliadora, podendo este comportamento ser reproduzido perante qualquer pessoa que o possa avaliar. Isto poderá levá-lo a negar comportamentos que realiza ou que já realizou na sua vida, com a finalidade de se apresentar de um modo socialmente adequado. BB poderá apresentar dificuldade em aceitar e escutar pontos de vista distintos dos seus, podendo por isso tentar impor a sua perspetiva. Poderá estar centrado primordialmente no que está relacionado com o seu campo de interesses, rejeitando tudo o que saia deste. Não obstante apresenta cuidado e interesse pelas necessidades materiais da sua filha aparentando responder adequadamente. Verifica-se com a evolução e decorrer do processo, uma progressiva cristalização e agudização do conflito, em que cada um dos pais faz recurso a acusações de alegadas condutas de agressão, por parte do outro progenitor [BB: “(…) se for para a minha filha viver assim eu não respeitarei qualquer decisão do Tribunal, nunca fui educado à pancada.” (sic) – CC: “(…) o primeiro momento de agressividade do BB passa-se quando eu estou grávida (…)” (sic)]. Observa-se a prevalência de um nível crescente de judicialização em detrimento do superior interesse da criança, de que nenhum dos pais parece querer abdicar, perdendo-se desta forma o necessário foco nas necessidades de AA. De sublinhar, todavia, que o impacto da exposição ao conflito parental pode afetar uma criança de forma não previsível e variável, podendo daí resultar danos ao nível emocional, comportamental, social, cognitivo e físico, revelados a curto, médio ou longo prazo através de reações de externalização ou de internalização, pelo que se considera de extrema importância que este casal parental se refocalize na melhor forma possível de exercerem a função como pais, permitindo assim, que esta relação parental possa beneficiar de momentos significativos de troca e partilha de informações bem como de concertação de práticas educativas. O examinando não apresenta indicativos de tolerância/aceitação face ao uso da violência física como estratégia disciplinar, bem como valida a prática educativa dar conselhos, como prática primordial na sua atuação, afirma estabelecer regras e rotinas claras com a sua filha, por forma a assegurar o seu adequado desenvolvimento [.”(…) lá em casa a AA sabe que 8 horas são horas de se deitar, quando chegamos a casa, seis, seis e meia, aí limito o tempo de conversa com a AA (…) ela tem um conjunto de coisas para fazer: ela tem banho para tomar (…)” (sic).”
132. A Organização …, em Allkanzielt procedeu à intervenção do agregado familiar do progenitor no Luxemburgo a seu pedido e mostrou disponibilidade em caso de regresso definitivo pôr em prática medidas de apoio como assistência familiar a fim de prestar apoio educativo temporário ao pai e oferecer medidas de apoio ambulatório.
133. Na sequência da informação de que a criança estaria a frequentar dois colégios e em países distintos, com elevado número de viagens, e porque a escalada do conflito entre os pais se veio a agudizar, nomeadamente com a apresentação de queixas-crime, um contra o outro, foi solicitado relatório social ao NIJ (Núcleo de Infância e Juventude), para aferir se a criança se encontraria em perigo.
134. Em 18 de Junho de 2024, o NIJ enviou relatório aos autos em que não obstante terem identificado algumas fragilidades ao nível familiar, “nomeadamente no que respeita à comunicação entre os pais e a exposição de AA aos desentendimentos entre os pais”, consideraram que, ao momento, não se verificavam factores de perigo que justificassem a aplicação de uma medida de promoção e protecção”.
135. Contudo, refere o relatório, que o tempo que a criança passava a viajar poderia ser excessivo. 136. Aconselhou o relatório que os pais frequentassem o curso, “A criança no meio do conflito”.
137. No relatório de Audição Técnica Especializada, realizado em 29 de Março de 2023, no âmbito do processo de regulação das responsabilidades parentais, pode ler-se: “Na opinião da requerente, BB “gosta da filha e gosta muito” (sic), reconhecendo-lhe competências parentais.” (…) O requerido considera que CC “é uma mãe fantástica” (sic), reconhecendo-lhe competências parentais, pese embora o preocupe com alguns aspetos que considera não promoverem a autonomia da filha, por exemplo dormir na cama da mãe, não comer sólidos e o “excesso” de preocupação da mãe em relação ao desenvolvimento físico da filha.” “Em relação ao desenvolvimento físico, BB considera que a filha é pequenina assim como ele e a sua família, atribuindo a questões genéticas. De referir que CC informou que a filha beneficia de apoio ao nível da terapia da fala para ingestão de sólidos e que o pai desvalorizava esta situação. No entanto, BB alega que quando soube da necessidade de apoio em Terapia da Fala não estava devidamente esclarecido acerca do fato de este apoio ser ao nível do treino da ingestão de sólidos e por isso, inicialmente, não compreendia a necessidade desse acompanhamento, postura que veio a alterar mais tarde após ser esclarecido.”
138. Do relatório dos exames de imagiologia, datado de 9 de Junho de 2023, (Hospital …) resulta do estudo radiográfico do punho e mão esquerdas: “Avaliação radiográfica efectuada para determinação da idade óssea. A idade óssea foi avaliada em 20 meses, a baixo da idade cronológica de 2 anos e 9 meses”.
139. A litigância entre os pais assumiu contornos de grande agressividade, sendo que em 15 de Maio de 2023, o pai dirigiu à mãe mensagem de correio electrónico com o seguinte teor: “Se quiseres apresentar requerimento nos tribunais és muito bem vinda. Acho que ainda não percebeste que eu estou apenas à espera que não cumpras o estipulado para aí sim, te sodomizar à bruta. Como já te disse, os emails pessoais entre nós terão sempre conteúdos que te impedem de os entregar nos tribunais. E como tal acrescento que o interesse da AA nunca é defendido por ti. AA, tu és a mãe que se está a borrifar para os seus filhos. Tu és a mãe que abandona o GG para ir ser fodida por colegas de trabalho em .... Queres enviar este email para os tribunais e depois explicar a história de que tens o interesse das crianças em mente? FORÇA :)”
140. Em 11 de Setembro de 2023, a propósito da alimentação no Colégio A, o pai afirma à mãe: “Não existirá no Colégio A o modelo que tinhas com o GG em que dizias que se ele não gosta disto ou daquilo, não tem de o comer. Ela, como qualquer pessoa normal e saudável, comerá tudo.”
141. A família paterna da AA considera que a criança tem uma má educação alimentar, que a mãe facilita essa má educação alimentar, mas que a AA, com o pai comerá de tudo.
142. O pai considera que a AA é pequenina, porque o lado paterno também é de estatura pequena.
143. A língua que a AA fala é o português.
144. A AA tem uma excelente relação com a mãe.
145. A AA tem uma excelente relação com o pai.
146. Quando estavam todos no Luxemburgo, era a mãe quem assegurava a preparação e confecção dos alimentos, bem como a alimentação da criança.
147. Quer no Luxemburgo, quer nos ..., em Portugal, a mãe confecionava e enviava a comida para a AA comer na creche, assim como faz com o Colégio A, atentas as suas necessidades especiais alimentares.
148. No Luxemburgo, era também a mãe quem assegurava grande parte dos cuidados à filha.
149. O pai quando chegava do trabalho, consoante a hora a que chegasse, por vezes também assegurava alguns cuidados, como pôr o creme, a seguir ao banho e vestir a criança.
150. Actualmente, o pai tem, no Luxemburgo, uma namorada de nacionalidade francesa, mas a AA ainda não a conhece.
151. A AA tem um irmão uterino, o GG, nascido em ... 2006.
152. A AA e o irmão têm uma óptima relação.
153. O GG, actualmente, encontra-se a estudar e residir em Londres, com o pai, visitando com frequência a mãe e a irmã.
154. A mãe tem empregada doméstica 3 vezes por semana.
155. O pai tem empregada doméstica 3 vezes por semana.
156. A mãe, em Portugal, tem os seus próprios pais, avós maternos da AA, as irmãs, tias da AA, com quem está semanalmente, para além de amigos, que vivem no próprio prédio onde habita.
157. A mãe, em Portugal, tem também a família paterna da AA, isto é, os avós paternos e o tio, pessoas com que afirma saber poder contar.
158. O pai, no Luxemburgo tem a namorada e ocasionalmente tem os seus próprios pais e/ou irmão, quando estes o visitam.
159. Ambos os pais, têm em ambas as casas um quarto próprio para a AA, com uma cama e com todas as comodidades para uma criança da sua idade.
160. Foram os médicos, em Portugal, que diagnosticaram à AA os problemas de saúde que esta tem e que lhe traçaram um plano clínico, que passa por cirurgia, dieta pastosa, terapia da fala, acompanhamento em pediatria do desenvolvimento, pedopsiquiatria, gastroentorologia e alergologia.
161. Actualmente, a Dr.ª JJ, pedopsiquiatra da criança, já não pode continuar a acompanhar a criança, porquanto o pai proibiu tal intervenção e apresentou queixa da mesma, junto da Ordem dos Médicos, na sequência do relatório que aquela elaborou e que foi junto aos presentes autos.
162. A dada altura, o pai considerou que os acompanhamentos médicos da criança não eram todos necessários e seriam uma estratégia da mãe para a manter em Portugal.
163. O pai questionou, inclusivamente, de forma directa alguns dos médicos que acompanhavam a sua filha, como aconteceu com o Alergologista, Dr. SS, tendo para o efeito, lhe enviado, em 27 de Dezembro de 2022, mensagem de correio electrónico com o seguinte teor: “Boa tarde, Sr. Dr. Dado que aparentemente a AA é medicada sem a realização de qualquer exame clínico e que no Luxemburgo ela não era medicada com os medicamentos receitados, como o Aerius, devido ao facto de não haver uma única análise que fundamentasse a terapêutica, venho pedir ao Sr. Dr., o agendamento de uma consulta urgente. Peço-lhe o agendamento antes do dia 7 de Janeiro. Se o processo seguido é empírico, quero a ajuda do Sr. Dr. no sentido de retirar essa medicação à AA. Como não acredito em processos empíricos nem em “bitaites” não quero ser eu a fazê-lo por mim. Preciso da ajuda de um profissional que organize e estruture o processo. Mais tarde, e após a realização de exames que atestem a necessidade de uma qualquer terapêutica, poderemos reintroduzir a mesma. Agradeço a ajuda e fico a aguardar a proposta de data para a consulta. Com os melhores cumprimentos, BB”
164. Não obstante, o pai ter achado que as consultas agendadas pela mãe em Portugal, eram excessivas, o pai também tem marcado consultas no Luxemburgo e tem levado a filha às mesmas, quando a criança ali se encontra consigo.
165. O pai chama de “férias”, aos períodos em que a criança vem para Portugal ou vai para o Luxemburgo, não obstante a colocar lá, nesses períodos, numa creche.
***
Da invocada nulidade da sentença (art. 615º nº 1 al. b) do CPC
Considera o Ministério Público que a sentença enferma de nulidade, ao abrigo do disposto nos artºs 615, nº1 al. b) do C.P.C.
Alega que:
O n.º 4 do art.º 607º do CPC dispõe que “ Na fundamentação da sentença, o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados…., analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção; o juiz toma ainda em consideração os factos que estão admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou por regras de experiência.”.
Na sentença proferida o tribunal deu como provados 165 (cento e sessenta e cinco) factos, não se pronunciando, contudo, quanto aos factos que não foram dados como provados. Existe, pois, uma omissão completa, de forma a permitir que o Ministério Público possa impugnar os factos dados como não provados, o que poderia conduzir a uma decisão diversa. Ainda assim, o Ministério Público pugnará pela ampliação da matéria de facto dada como provada, bem como, impugnará alguns dados como provados.
Para além disso, o Tribunal a quo na fundamentação de direito da sua sentença termina, concluindo com a seguinte expressão: “NÃO DETERMINO TAL DEVOLUÇÃO”, não se estribando em qualquer norma jurídica que habilite a tal decisão. O Tribunal a quo no dispositivo da sentença refere “(…) ao abrigo das já supra citadas disposições normativas (…)”, mas tendo existido omissão de disposições normativas 4 de 77 4 para justificar que não haveria retenção ilícita da criança e a ilegalidade do processo e tendo citado diversas disposições qual das mesmas se aplica. Salvo o devido respeito, a omissão das disposições legais, impede a recorrente de impugnar de uma forma clara o direito em causa.
Na mesma linha, argumenta o recorrente BB:
O Tribunal a quo deu como provados 165 factos (páginas 13 a 50 da decisão recorrida), não se pronunciando, contudo, quanto aos factos não provados, verificando-se, quanto a estes, uma omissão de fundamentação total por parte do Tribunal a quo.
O Tribunal a quo, nos factos dados como provados, baseia-se nas provas produzidas, sem, contudo, especificar qual o meio de prova em concreto – isto é, qual o tipo de relatório médico, qual o e-mail ou mensagem específica, qual o sentido do testemunho ou da declaração do Recorrente ou da Requerida –, a que se refere e que mereceu a credibilidade do Tribunal a quo para que o facto resultasse provado, limitando-se a fazer meras remissões genéricas, abstratas e vagas para a prova existente nos autos. Destaque-se: a. A fundamentação dos factos dados como provados n.ºs 23 a 29, 36 a 38, 41, 44, 46, 47, 51, 71, 75, 98, 101, 106, 119, 149, 150, 152 a 155 e 158 a 161, sobre os quais o Tribunal a quo se limitou a fundamentar que tal facto resultou provado “das declarações do pai”, “das declarações da mãe” ou “das declarações de ambos”, sem justificar, contudo, qual o sentido das declarações apresentadas e que mereceu a sua credibilidade; 61 b. A fundamentação dos factos dados como provados n.ºs 101, 108 a 118 e 120 a 125, sobre os quais o Tribunal a quo se limitou a fundamentar que tal facto resultou provado “dos elementos clínicos”, “de todos os elementos clínicos juntos aos autos pelos pais, mas também os que foram solicitados pela Digníssima Magistrada do Ministério Público (…)” ou “dos relatórios clínicos juntos aos autos”, sem mencionar, contudo, a que relatório em concreto se refere, a que médico, a que avaliação feita à Menor e em que circunstâncias; c. A fundamentação dos factos dados como provados n.ºs 35, 40, 48 a 50, 63, 69, 70, 87, 139, 140 e 163, sobre os quais o Tribunal a quo se limitou a fundamentar que tal facto resultou provado “do e-mail que o pai enviou”, “do e-mail junto aos autos” ou “dos e-mails trocados”, sem referir, contudo, em que data, em que contexto, ou a que e-mail concreto se refere; d. A fundamentação dos factos dados como provados n.ºs 46, 47 e 86, sobre os quais o Tribunal a quo se limitou a fundamentar que tal facto resultou provado “dos printscreens, das mensagens de WhatsApp, que os pais trocaram” ou “das mensagens de e-mail e outras por WhatsApp”, sem indicar, uma vez mais, qual a mensagem concreta a que se refere, qual o dia e hora da referida mensagem.
Na fundamentação da matéria de facto, o Tribunal a quo não só não concretizou os meios de prova que mereceram a sua credibilidade para dar os factos como provados, como omitiu qual o grau de credibilidade que atribuiu ao depoimento das diversas testemunhas, bem como qual a prova documental a que deu maior valor, não apresentado qualquer razão de ciência que justificasse a força probatória por este atribuída aos diversos elementos de prova produzidos ao longo do processo. 62
Nos termos do artigo 607.º, n.ºs 3 e 4, do CPC, “discriminar os factos que considera provados e indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes, concluindo pela decisão final” e “declara[r] quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção”.
Concluímos, assim, que a decisão recorrida padece de nulidade, por falta de especificação dos fundamentos de facto que a justificaram, nos termos do disposto no artigo 615.º, n.º 1, alínea b), do CPC.
Cumpre apreciar:
Nos termos do art. 615º, nº 1, al. b) do CPC, a sentença é nula quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão.
Esta nulidade, por se traduzir na inobservância das regras de elaboração da sentença, é um vício formal, em sentido lato, traduzido em error in procedendo ou erro de actividade que afecta a validade da sentença.
Nas palavras de Alberto dos Reis, (in Código de Processo Civil Anotado, V Volume, Coimbra, pág. 140): “Há que distinguir cuidadosamente a falta absoluta de motivação da motivação deficiente, medíocre ou errada. O que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, afecta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade”.
Por falta absoluta de motivação deve entender-se a ausência total de fundamentos de direito e de facto ou , como refere Tomé Gomes, (in “O novo processo civil”, caderno V, ebook publicado pelo Centro de Estudos Judiciários, Jan. 2014, pág. 370): “Assim, a falta de fundamentação de facto ocorre quando, na sentença, se omite ou se mostre de todo ininteligível o quadro factual em que era suposto assentar. Situação diferente é aquela em que os factos especificados são insuficientes para suportar a solução jurídica adoptada, ou seja, quando a fundamentação de facto se mostra medíocre e, portanto, passível de um juízo de mérito negativo.A falta de fundamentação de direito existe quando, não obstante a indicação do universo factual, na sentença, não se revela qualquer enquadramento jurídico ainda que implícito, de forma a deixar, no mínimo, ininteligível os fundamentos da decisão”.
Donde, só a absoluta falta de fundamentação – e não a sua insuficiência, mediocridade, ou erroneidade – integra a previsão da alínea b) do nº1 do art. 615º, mas já não a errada decisão no âmbito do erro de julgamento (neste sentido: Acs. STJ, de 15-12-2011, relator Pereira Rodrigues e de 02-06-2016, relator Fernanda Isabel Pereira., onde se pode ler “Só a absoluta falta de fundamentação – e não a sua insuficiência, mediocridade ou erroneidade – integra a previsão da al. b) do n.º 1 do art. 615.º do NCPC, cabendo o putativo desacerto da decisão no campo do erro de julgamento”).
É certo que no caso dos autos não são discriminados na sentença recorrida factos não provados, porém, entendemos que a eventual ampliação da factualidade provada deve ser dirimida em sede de modificabilidade da matéria de facto.
Se é certo que a motivação da factualidade assente é efectuada de forma sumária, ainda assim, são perceptíveis as razões que levaram a julgadora a concluir pela verificação daqueles factos. De igual forma, são claros os fundamentos jurídicos que levaram o Tribunal de 1ª instância a não determinar a devolução da menor ao Luxemburgo.
Em conclusão, percorrendo as considerações efectuadas pelos recorrentes em sede do vício de nulidade que apontam à sentença, o que sucede é que os mesmos discordam da sentença proferida, assentando a sua discordância em eventuais erros de julgamento, mas o error in judicando, como vimos, não consubstancia qualquer um dos vícios de nulidade da sentença previsto no artigo 615.º do CPC.
Pelo exposto, e sem necessidade de considerações adicionais, conclui-se que a sentença recorrida não enferma de qualquer vício formal de nulidade previsto no art. 615.º al) b do CPC, improcedendo a arguida nulidade da mesma.
***
Da modificabilidade da decisão sobre a matéria de facto, ao abrigo do disposto no art. no art.º 662º n.º 2 alínea c) do C.P.C
Considera o Ministério Público que, ao abrigo do disposto no art. º 662º n.º 2 alínea c) do C.P.C., deverão ser aditados os seguintes factos:
1. O Colégio A tinha conhecimento que a menor frequentava a escola no Luxemburgo, na sequência de uma reunião com ambos os progenitores.
2. A progenitora informou a escola Colégio A das ausências programadas da menor nos períodos compreendidos entre 25 e 29 de setembro, 16 a 27 de outubro e 11 a 15 dezembro de 2023 por ocasião de deslocações ao Luxemburgo.
3. Durante o período em que a menor frequentou a escola no Luxemburgo, a AA manifestou ser uma menina aberta aos outros, sorridente, autónoma, brinca com os colegas, partilha jogos, ajuda quando necessário. No período da manhã quando a menor se separa do pai foi difícil na primeira semana, mas registou-se progressos.
4. Em termos de linguagem fala português e também comunica com linguagem não verbal, compreende as instruções em luxemburguês, repete palavras e apreende vocabulário, ouve canções e canta-as, participa na sala de aula e é interessada. Apresentou um raciocínio lógico desenvolvido.
5. O pai colabora com a escola no Luxemburgo.
6. A menor foi acompanhada no Luxemburgo no Centre … e consultas de psicologia infantil.
7. Desde agosto de 2023 que o progenitor é acompanhado pelo … em Allkandzielt.
8. A AA quando está com o progenitor no Luxemburgo encontra-se calma e equilibrada a nível sócio emocional.
9. O pai revela competências parentais.
Invocando o mesmo regime, o recorrente BB entende que:
Resulta dos e-mails trocados entre os Progenitores nos dias 23.01.2022 e 24.01.2022, juntos pelo Recorrente por requerimento datado de 11.08.2023, doc. n.º 5, bem como pela Requerida por requerimento datado de 23.08.2023, doc. n.º 32, que (i) o acordo de regulação do exercício das responsabilidades parentais assinado por ambos os Progenitores em janeiro de 2022 foi proposto e redigido pela Progenitora; (ii) o Progenitor, em total boa-fé, acreditou e confiou na palavra da Requerida e que este não era um Acordo de divórcio, razão pela qual o facto dado como provado n.º 39 deverá ser ampliado da seguinte forma: “No dia 24 de Janeiro de 2022, os progenitores, por iniciativa e proposta da progenitora, subscreveram um acordo relativamente ao exercício das responsabilidades parentais da AA com o seguinte teor (…)”.
Resulta do doc. n.º 6 junto pelo Recorrente por requerimento submetido no dia 08.08.2024, que corresponde a uma carta escrita por EE e FF – que nunca foi contraditada ou impugnada pela Requerida, nunca tendo sido questionada a validade e/ou autenticidade do referido documento, destaque-se –, que: “A AA está presente a cada duas semanas na nossa pré-escola. No que diz respeito à convivência, temos observado que ela é uma menina aberta aos outros, sorridente e, para a sua idade, muito autónoma. Ela é pequena de estatura, mas se sai muito bem em todas as situações da vida em sala de aula. Apesar de não estar lá o tempo todo, a AA está muito bem integrada, tanto na sala de aula com as outras crianças, quanto no albergue da escola que fica no mesmo prédio. Brinca com os colegas, partilha jogos, ajuda quando necessário. Tal como acontece com todas as outras crianças da turma, o que é normal nessa idade, a separação do pai de manhã foi um pouco difícil na primeira semana. Registaram-se progressos bastante rápidos. Também notamos que AA tem grande resistência durante os workshops que oferecemos. É muito motivada e gosta de “trabalhar”. Gosta de experimentar cores, tesouras e cola. Ela é muito aberta a todas as nossas atividades artísticas e plásticas. Ela manipula os diferentes materiais que usamos e está sempre feliz em fazer pequenas obras de arte. Em termos de linguagem, AA fala português e também comunica com linguagem não verbal, o que é bastante normal nesta idade. Também compreende as instruções em luxemburguês e repete as palavras do vocabulário. Ouve com prazer as canções e tenta repeti-las connosco. (…) Podemos enfatizar que a comunicação com o pai de AA está a correr muito bem, o que é muito importante para o cuidado adequado de AA.”.
Resultam, assim, da supracitada prova documental junta aos autos, os seguintes factos, que deverão ser dados como provados e, consequentemente, ampliada a matéria de facto provada: (i) “No Luxemburgo, a AA revelou-se ser uma criança integrada e feliz.”; (ii) “A AA fala português, mas também compreende as instruções em luxemburguês, estando a aprender o vocabulário dessa língua;” e (iii) “O pai está ativamente presente na vida da filha no Luxemburgo, colaborando com a escola frequentada por esta.”.
Resulta também do doc. n.º 6 junto pelo Recorrente por requerimento submetido no dia 08.08.2024, uma certidão emitida pelo … em AllKandZielt, que “Desde agosto de 2023, estou em contacto com o pai que entrou em contacto com o ONE a fim de obter apoio para o bem-estar de sua filha AA (…) tive conversas regulares com o pai, durante as quais ele me informou da situação da AA e me pediu conselhos sobre isso. Em novembro de 2023, entrei em contacto com a escola que a AA frequenta no Luxemburgo (“educação préescolar”). Os funcionários da escola me disseram que AA está bem integrada em sua sala de aula desde setembro de 2023 e está progredido positivamente. Estive com a AA em 12.03.2024 na casa da família onde ela mostrou comportamento adequado à idade. (…) Parecia sentir-se confortável no ambiente do pai e apresentava-se calma e equilibrada a nível socioemocional. (…) O pai respondeu adequadamente às suas necessidades e perguntas durante a consulta. A minha primeira impressão é que a AA tem um ambiente educacional adequado e, em geral, o pai está muito preocupado com o bem-estar da filha.”
Resulta, assim, deste documento – o qual, uma vez mais, nunca foi contraditado ou impugnado pela Requerida, nunca tendo sido questionada a validade e/ou autenticidade do referido documento, destaque-se –, o seguinte facto, que deverá ser dado como provado e, consequentemente, ampliada a matéria de facto provada: “A AA encontra-se integrada no Luxemburgo, revelando-se calma e equilibrada a nível socioemocional quando aí está com o pai.”.
Resulta do relatório da perícia realizada à Menor, datado de 02.08.2024, que esta “Tem sido igualmente acompanhada no Luxemburgo, no Centre Hospitalier …, no … e em consultas de psicologia infantil.”, o que prova que a Menor teve acompanhamento médico no Luxemburgo, o que se revela bastante relevante para a boa 66 decisão da causa, pois demonstra, por um lado, que o Recorrente sempre diligenciou pelo bem-estar da Menor e, por outro, que a Menor tem todas as condições preparadas para regressar ao seu país, o Luxemburgo, onde continuará a ser regularmente acompanhada medicamente consoante as suas necessidades. Assim, deverá o seguinte facto ser dado como provado e, consequentemente, ser ampliada a matéria de facto provada: “No Luxemburgo, a AA é acompanhada pelo Centre Hospitalier …, no …, e em consultas de psicologia infantil, de acordo com as suas necessidades.”. e. Resulta da Informação Social prestada pelo NIJ de Oeiras, datada de 18.06.2024, que “ambos os progenitores aparentam revelar competências parentais, assim como preocupação com o bem-estar da filha (…) não obstante as preocupações apresentadas de parte a parte, importa referir que ambos os progenitores reconhecem competência parentais um ao outro.”, resultando, assim, provado, o seguinte facto, que deverá ser dado como provado e, consequentemente, ampliada a matéria de facto provada: “O pai revela competências parentais para cuidar da AA.”.
Decidindo:
De acordo com os nums. 1 e 2 al. c) do art. 662º do CPC:
1 - A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.
2 - A Relação deve ainda, mesmo oficiosamente:

c) Anular a decisão proferida na 1.ª instância, quando, não constando do processo todos os elementos que, nos termos do número anterior, permitam a alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto, repute deficiente, obscura ou contraditória a decisão sobre pontos determinados da matéria de facto, ou quando considere indispensável a ampliação desta;
No caso que ora cumpre apreciar, entendemos que inexistem razões para anular, ainda que parcialmente, a decisão proferida, desde logo porque no processo existem todos os elementos (designadamente probatórios) que poderiam facultar a pretendida alteração, também não vislumbramos deficiência/obscuridade/contradição na decisão sobre a matéria de facto.
Finalmente, este tribunal da Relação só ordena a ampliação da matéria de facto quando a considere indispensável. E, é indispensável, quando se revele necessária/imprescindível à decisão de direito que se vai tomar na Relação e àquele que pode vir a ser tomada, eventualmente, pelo Supremo” ( cf. Ac. do STJ de 19-05-2020, no proc. nº 22172/17.5T8PRT.L1.S1).
No caso em análise, estamos no âmbito de um processo no qual se pretende avaliar se a menor foi ilicitamente retida em Portugal, obrigando à aplicação da Convenção da Haia de 1980 sobre os aspetos civis do rapto internacional de crianças.
A Convenção é um instrumento de cooperação judiciária internacional que tem um duplo objetivo: assegurar o regresso imediato das crianças ilicitamente transferidas para qualquer Estado Contratante ou nele retidas indevidamente e fazer respeitar de modo efetivo nos outros Estados Contratantes os direitos de custódia e de visita existentes num Estado Contratante.
Por razões que na fundamentação de direito melhor desenvolveremos, os factos que os recorrentes pretendem ver aditados não são necessários nem imprescindíveis para decidir se a menor deve, ou não, ser devolvida ao Luxemburgo, mais, aqueles factos, se poderão ser relevantes no domínio da regulação das responsabilidades parentais, afiguram-se inócuos para decidir o mérito das apelações.
Em face do exposto, indefiro a ampliação da decisão sobre a matéria de facto, ao abrigo do disposto no art. no art.º 662º n.º 2 alínea c) do C.P.C, requerida pelos apelantes.
***
A impugnação da matéria de facto.
Dispõe o art. 662º n.º 1 do Código de Processo Civil que A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos por assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.
Nos termos do art. 640º n.º 1 do mesmo Código, quando seja impugnada a matéria de facto deve o recorrente especificar, sob pena de rejeição, os concretos factos que considera incorretamente julgados; os concretos meios probatórios constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que imponham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; e a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
O n.º 2 do mesmo preceito concretiza que, quanto aos meios probatórios invocados incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição, indicar com exatidão as passagens da gravação em que funda o recurso. Para o efeito poderá transcrever os excertos relevantes. Em contrapartida, cabe ao recorrido o ónus de apontar os meios de prova que infirmem essas conclusões do recorrente, indicar as passagens da gravação em que se funda a sua defesa, e caso assim o entenda, transcrever os excertos que considere importantes, tudo isto sem prejuízo dos poderes de investigação oficiosa do tribunal.
A lei impõe assim ao apelante específicos ónus de impugnação da decisão de facto, sendo o primeiro o ónus de fundamentar a discordância quanto à decisão de facto proferida, o qual implica a análise crítica da valoração da prova feita em primeira instância, tendo como ponto de partida a totalidade da prova produzida em primeira instância.
Acresce que muito embora se imponha o recorrente o ónus de indicar os concretos pontos da matéria de facto que entende deverem ser alterados, e o sentido de tal alteração, o Tribunal não está vinculado a optar entre alterar a decisão no sentido pugnado pelo recorrente ou manter a mesma tal como se encontra, antes goza de inteira liberdade para apreciar a prova, respeitando obviamente os mesmos princípios e limites a que a 1ª instância se acha vinculada.
Não obstante, haverá que ter presente que enquanto que a primeira instância toma contacto direto com a prova, nomeadamente os depoimentos e declarações de parte, e os depoimentos das testemunhas, com a inerente possibilidade de avaliar elementos de comunicação não verbais como a postura corporal, as expressões faciais, os gestos, os olhares, as reações perante as demais pessoas presentes na sala de audiências, etc., a Relação apenas tem acesso ao registo áudio dos depoimentos, ficando, pois privada de todos esses elementos não verbais da comunicação que tantas vezes se revelam importantes para a apreciação dos referidos meios de prova.
Por outro lado, como bem aponta o Ac. desta Relação, de 21/06/2018 (Ondina Alves), proc. 18613/16.7T8LSB.L1-2, “nunca é de mais relembrar que no nosso ordenamento jurídico vigora o princípio da liberdade de julgamento ou da prova livre, segundo o qual, o tribunal aprecia livremente as provas e fixa a matéria de facto em sintonia com a convicção que tenha firmado acerca de cada facto controvertido, salvo se a Lei exigir, para a existência ou prova do facto jurídico, qualquer formalidade especial.
De harmonia com este princípio, que se contrapõe ao princípio da prova legal, as provas são valoradas livremente, sem qualquer grau de hierarquização, apenas cedendo este princípio perante situações de prova legal, nomeadamente nos casos de prova por confissão, por documentos autênticos, documentos particulares e por presunções legais.
Nos termos do disposto, especificamente, no artigo 396.º do C.C. e do princípio geral enunciado no artigo 607º, nº 5 do CPC, o depoimento testemunhal é um meio de prova sujeito à livre apreciação do julgador, o qual deverá avaliá-lo em conformidade com as impressões recolhidas da sua audição ou leitura e com a convicção que delas resultou no seu espírito, de acordo com as regras de experiência – v. sobre o conteúdo e limites deste princípio, MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA, A livre apreciação da prova em processo Civil, Scientia Iuridica, tomo XXXIII (1984), 115 e seg.
A valoração da prova, nomeadamente a testemunhal, deve ser efectuada segundo um critério de probabilidade lógica, através da confirmação lógica da factualidade em apreciação a partir da análise e ponderação da prova disponibilizada – cfr. a este propósito ANTUNES VARELA, MIGUEL BEZERRA E SAMPAIO E NORA, Manual de Processo Civil, Coimbra Editora, 435-436.
É certo que, com a prova de um facto, não se pode obter a absoluta certeza da verificação desse facto, atenta a precariedade dos meios de conhecimento da realidade. Mas, para convencer o julgador, em face das circunstâncias concretas, e das regras de experiência, basta um elevado grau da sua veracidade ou, ao menos, que eassa realidade seja mais provável que a ausência dela.
Ademais, há que considerar que a reapreciação da matéria de facto visa apreciar pontos concretos da matéria de facto, por regra, com base em determinados depoimentos que são indicados pelo recorrente.
Porém, a convicção probatória, sendo um processo intuitivo que assenta na totalidade da prova, implica a valoração de todo o acervo probatório a que o tribunal recorrido teve acesso – v. neste sentido, Ac. STJ de 24.01.2012 (Pº 1156/2002.L1.S1)”.
Tem sido entendido que, ao abrigo do disposto no citado art. 662º, a Relação tem os mesmos poderes de apreciação da prova do que a 1ª instância, por forma a garantir um segundo grau de jurisdição em matéria de facto. Donde, deve a Relação apreciar a prova e sindicar a formação da convicção do juiz, analisando o processo lógico da decisão e recorrendo às regras de experiência comum e demais princípios da livre apreciação da prova, reexaminando as provas indicadas pelo recorrente, pelo recorrido e na fundamentação da decisão sobre a matéria de facto.
Neste sentido, vide António Santos Abrantes Geraldes, in Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5ª edição, pág. 287:
O actual art. 662º representa uma clara evolução no sentido que já antes se anunciava. Como se disse, através dos nºs 1 e 2, als. A) e b), fica claro que a Relação tem autonomia decisória, competindo-lhe formar e formular a sua própria convicção, mediante a reapreciação dos meios de prova indicados pelas partes ou daqueles que se mostrem acessíveis e com observância do princípio do dispositivo no que concerne à identificação dos pontos de discórdia.
No que respeita à observância dos requisitos constantes do citado artigo 640º, o Supremo Tribunal de Justiça tem vindo a pronunciar-se no sentido de que «(…) enquanto a especificação dos concretos pontos de facto deve constar das conclusões recursórias, já não se afigura que a especificação dos meios de prova nem, muito menos, a indicação das passagens das gravações devam constar da síntese conclusiva, bastando que figurem no corpo das alegações, posto que estas não têm por função delimitar o objeto do recurso nessa parte, constituindo antes elementos de apoio à argumentação probatória.» (Ac. STJ de 01/10/2015 (Ana Luísa Geraldes); Ac. STJ de 14/01/2016 (Mário Belo Morgado); Ac. STJ, de 19/2/2015 (Tomé Gomes); Ac. STJ de 22/09/2015 (Pinto de Almeida); Ac. STJ, de 29/09/2015 (Lopes do Rego) e Acórdão de 31/5/2016 (Garcia Calejo), todos disponíveis na citada base de dados.
No que tange especificamente à impugnação da decisão de convicção negativa – factos não provados -, veja-se o Ac. do STJ de 15/2/2018 (Tomé Gomes), com a seguinte síntese: VI. No caso em que vem impugnado apenas um juízo probatório negativo, convocando-se diversos depoimentos prestados nessa sede com argumentação crítica sobre a valoração feita pela 1.ª instância e questionamento da credibilidade dada às testemunhas da A. em detrimento das da R., complementada ainda pela transcrição desses depoimentos com indicação do dia da sessão de julgamento em que foram prestados, do ficheiro de que consta a respetiva gravação e das horas e tempo de duração, tal como ficou consignado em ata, tem-se por observado o nível de exatidão suficiente do teor dessas gravações suscetíveis de relevar para a apreciação do caso, à luz do preceituado no artigo 640.º, n.º 2, alínea a), do CPC.
Para além disso, qualquer alteração à decisão relativa à matéria de facto adoptada na 1ª instância, tem em comum um pressuposto: a relevância da alteração para o mérito da demanda.
Nesse sentido, vejam-se os Acórdãos da Relação de Guimarães, de 15/12/2016 (Maria João matos) e desta Relação de 26/09/2019 (Carlos Castelo Branco), ambos disponíveis em www.dgsi.pt:
Não se deverá proceder à reapreciação da matéria de facto quando os factos objecto de impugnação não forem susceptíveis, face às circunstâncias próprias do caso em apreciação, de ter relevância jurídica, sob pena de se levar a cabo uma actividade processual que se sabe ser inútil, o que contraria os princípios da celeridade e da economia processuais (arts. 2º, nº 1, 137º e 138º, todos do C.P.C.).
No caso que ora cumpre apreciar, entendemos que os recorrentes cumpriram adequadamente os requisitos previstos no art. 640º do CPC.
Vistos estes pressupostos, analisemos, pois, as impugnações, começando pela do Ministério Publico, segundo a qual (…) em diversos pontos da matéria de facto dada como provada, designadamente, nos pontos 74, 160, 162, 164 constata-se tratar-se de matéria manifestamente conclusiva.
Discordamos.
Da factualidade referida, constatamos que não se trata de matéria conclusiva, mas sim de factos psicológicos relativos a convicções íntimas das partes, as quais não são postas em causa por qualquer meio de prova.
Deverá, pois, improceder totalmente a impugnação do Ministério Público relativa à decisão sobre a matéria de facto.
Sindiquemos agora a impugnação sobre a decisão da matéria de facto deduzida pelo recorrente BB
Entende o recorrente BB:
Deverá o facto dado como provado n.º 15 ser rectificado, passando a ter a seguinte formulação: “A mudança do casal, de Portugal para o Luxemburgo, ocorreu em 2017, na sequência da mãe se encontrar desempregada há mais de um ano e de uma oportunidade profissional que surgiu ao pai.”.
Requer a remoção do facto dado como provado n.º 23, por não corresponder a nenhuma prova produzida nos autos.
Requer a remoção do facto dado como provado n.º 25, por estar em contradição com a prova produzida nos autos, e a rectificação do facto dado como provado n.º 26, passando a ter a seguinte formulação: “Quando a mãe se mudou para Portugal, teve de devolver ao Estado Luxemburguês a quantia de € 8.000,00, a título de benefícios recebidos pelo Estado Luxemburguês.”.
Quanto ao facto dado como provado n.º 28, requer que este facto seja rectificado, passando a ter a seguinte redação: “Enquanto se encontravam no Luxemburgo, os pais contavam com o apoio de vários casais amigos, incluindo, mas não restringido, aos padrinhos da menor.”.
Relativamente aos factos dados como provados n.ºs 33 e 34, requer que o facto dado como provado n.º 33 seja rectificado, passando a ter a seguinte formulação: “No período de 15 meses, a criança esteve sujeita a 9 internamentos, 8 devidos a problemas respiratórios e 1 devido a problemas gástricos.”; bem como a remoção do facto dado como provado n.º 34, por estar em contradição com a prova produzida.
Relativamente ao facto dado como provado n.º 42, requer que o facto dado como provado n.º 42 seja rectificado, passando a ter a seguinte formulação: “Também ainda no Luxemburgo, a mãe tratou de arranjar a creche para a AA, quando esta viesse consigo para Portugal, sendo a mesma “...”, tendo o pai apenas tido conhecimento já após a criança frequentar a creche e, nesse momento, aceitado a continuação da frequência da mesma.”.
Relativamente aos factos dados como provados n.ºs 53, 54 e 58, requer que o facto dado como provado n.º 53 seja rectificado, passando a ter a seguinte formulação: “Nesse período, isto é, entre o dia 30 de Abril e 28 de Maio de 2022, a progenitora ficou com a filha na casa de morada de família, no Luxemburgo.”.
Quanto ao facto dado como provado n.º 61, requer que o facto dado como provado n.º 61 seja rectificado, passando a ter a seguinte formulação: “Ambos os pais inscreveram a menor na creche “B” em junho de 2021, na qual a menor permaneceu inscrita, com o conhecimento da mãe até ao final de 2022, sendo que sempre que a menor estava no Luxemburgo com o pai, a criança frequentava a referida creche.”.
Relativamente ao facto dado como provado n.º 62, requer a sua remoção por estar em contradição com a prova produzida nos autos.
Relativamente ao facto dado como provado n.º 64, requer que o facto dado como provado n.º 64 seja rectificado, passando a ter a seguinte formulação: “Quando a mãe passou o mês de Maio, com a filha no Luxemburgo, a criança também não frequentou a referida creche luxemburguesa, tendo 18 ficado sempre em casa, com a mãe, porque a mãe assim preferiu, disponibilizando-se para tal.”.
Quanto ao facto dado como provado n.º 72, requer a sua remoção por estar em contradição com a prova produzida.
Relativamente ao facto dado como provado n.º 83, requer que o facto dado como provado n.º 83 seja rectificado, passando a ter a seguinte redação: “Não obstante o regime provisório que ficou fixado por acordo, em sede do processo de regulação das responsabilidades parentais – apenso A –, em Janeiro de 2023, em que o pai tinha direito a fins-de-semana alternados, ocorrendo um cá, outro no Luxemburgo, bem como direito a 2/3 dos períodos de férias da menor, consigo, ambos os pais estabeleceram um calendário distinto.”
Quanto ao facto dado como provado n.º 86, requer a sua remoção por estar em contradição com a prova produzida.
Relativamente ao facto dado como provado n.º 93, requer que o facto dado como provado n.º 93 seja rectificado, passando a ter a seguinte formulação: “Em algumas dessas ocasiões, o pai ou não entregava cá a menor, ou a mãe dirigia-se ao Luxemburgo para a ir buscar ao Domingo, e o pai não entregava a criança, afirmando que a filha ficaria lá mais uma semana, pois a mãe estava a incumprir, de forma livre, deliberada e consciente, o calendário definido por ambos os pais.”.
Quanto ao facto dado como provado n.º 102, requer a sua remoção por estar em contradição com a prova produzida.
Também quanto ao facto dado como provado n.º 107, requer que o facto dado como provado n.º 107 seja rectificado, passando a ter a seguinte formulação: “Durante os 9 internamentos, por questões respiratórias, no período de 15 meses a que a AA esteve sujeita, os médicos no Luxemburgo não 21 fizeram um estudo do seu caso por uma equipa multidisciplinar porque tal não se revelou necessário, uma vez que estava identificado o problema.”.
Relativamente ao facto dado como provado n.º 111, requer que o facto dado como provado n.º 111 seja rectificado, passando a ter a seguinte formulação: “A AA teve duas consultas de alergologia por quadro de sibilância respiratória, a primeira no dia 17.06.2022 e a última em dezembro de 2022.”.
Relativamente ao facto dado como provado n.º 113, requer que o facto dado como provado n.º 113 seja rectificado, passando a ter a seguinte formulação: “No dia 9 de Maio de 2023, em consulta de pedopsiquiatria, no Hospital …, com a Dr.ª JJ, a médica efetuou o seguinte relatório: “(…) Trata-se de uma criança que apresenta um quadro de vómitos por repetição, que ocorrem após a ingestão de qualquer alimento sólido, sem que tenha sido encontrada qualquer causalidade orgânica que explique este sintoma. Apenas tolera ingestão de leite, e, mesmo assim, por vezes, também vomita este alimento. Esta situação ocorre 22 desde o dia 21 de Abril, sem melhoria, agravamento, ou aparecimento de outros sintomas. Nos antecedentes há a ressaltar que a AA apresentava um quadro prévio de selectividade alimentar, em tratamento em terapia da fala e que estava em melhoria. Há também a referir que está a decorrer um processo de regulação das responsabilidades parentais, e que foi implementado um regime de guarda provisória que implica deslocações da menor ao Luxemburgo para estar com o pai por períodos que decorreram desde Fevereiro. O início dos sintomas ocorre numa ocasião em que a AA se encontrava no Luxemburgo. Nesse fim-de-semana foi detectado pelo pai que a AA estava mais triste e, ao telefone, a criança pediu à mãe para a visitar. (…) Está referenciada à mãe, demonstrando boa vinculação e boa relação mãe filha. O pai não estava presente nesta primeira ocasião, mas será consultado se assim o desejar. Trata-se de uma observação inicial de um quadro de alteração do comportamento alimentar na primeira infância com vómitos de origem psicossomática, com início agudo após a sequência de separações da principal figura de vinculação da criança. Esta situação aponta para a possibilidade de se tratar de uma reacção aguda de stress/ansiedade. A AA tem indicação para manter consultas de observação em Pedopsiquiatria, com a mãe e com o pai, para esclarecimento desta hipótese de diagnóstico.”, tendo, a referida médica, posteriormente, por relatório datado de 5 de setembro de 2023, concluído que “Estes quadros psicopatológicos não estão relacionados com a entidade diagnóstica Anorexia Nervosa, que a AA não apresenta. A AA está atualmente muito melhor do ponto de vista sintomático e encontra-se em trajetória de desenvolvimento normal”.”
Quanto ao facto dado como provado n.º 143, deverá o facto dado como provado n.º 143 ser rectificado, passando a ter a seguinte formulação: “A AA fala português, mas também compreende as instruções em luxemburguês, estando a aprender o vocabulário dessa língua”.
Relativamente ao facto dado como provado n.º 157, requer-se que o facto dado como provado n.º 157 seja rectificado, passando a ter a seguinte formulação: “A mãe, em Portugal, tem também ocasionalmente a família paterna da AA, isto é, os avós paternos e o tio, uma vez que os avós paternos são residentes no Luxemburgo desde 2018.”.
No que toca ao facto dado como provado n.º 160, requer-se que o facto dado como provado n.º 160 seja rectificado, passando a ter a seguinte formulação: “Os médicos em Portugal diagnosticaram à AA estenose do esófago, sendo este o único problema de saúde diagnosticado à menor.”.
Aqui chegados, importa, pois, que o presente Tribunal, tendo em consideração o que já ficou dito em cima, se pronuncie sobre a argumentação do recorrente BB, no sentido de apurar se, conforme este defende, os meios de prova produzidos permitiriam alterar a decisão no sentido propugnado.
Como se disse, o uso, pelo Tribunal da Relação, dos poderes de alteração da decisão da 1ª instância sobre a matéria de facto só deve ser usado quando seja possível, com a necessária segurança, concluir pela existência de erro de apreciação relativamente a concretos pontos de facto impugnados.
Para sustentar a sua posição, o recorrente BB socorre-se de quatro tipo de meios de prova: prova por declarações de parte; prova testemunhal (embora de forma residual); prova documental; e prova pericial.
Estabelecendo-se critérios com vista à apreciação dos meios de prova referidos.
Pela nossa parte, temos vindo a entender que a prova por declarações de parte é apreciada livremente pelo tribunal, na parte que não constitua confissão, sendo, porém, normalmente insuficiente para valer como prova de factos favoráveis à procedência da acção, desacompanhada de qualquer outra prova que a sustente, ou, sequer, indicie. Neste sentido, escreve-se no Ac. do Tribunal da Relação de Coimbra de 26-04-2022: Com efeito, e apesar de o tribunal apreciar livremente as declarações das partes como meio de prova, não podemos ignorar que elas serão produzidas por quem tem um manifesto e direto interesse na acção, no processo, razão pela qual poderão ser declarações interessadas, parciais ou não isentas. Logo, essas declarações, como princípio, não podem ser consideradas sem o auxílio de outros meios probatórios, sejam eles documentais ou testemunhais, já que se trata da versão da parte interessada - quem as produz tem um manifesto interesse na acção, sendo por isso de considerar, em regra, de irrazoável e insensato, que sem o auxílio de quaisquer outros meios probatórios, o Tribunal dê como provados os factos pela própria parte alegados e por ela, tão só, admitidos (Ac. proferido no proc. 63725/20.8YIPRT.C1, versão integral em www.dgsi.pt).
Quanto à prova testemunhal, a sua valoração pressupõe a avaliação da credibilidade de cada testemunha e depois a ponderação dos elementos comprováveis ou não pelo seu depoimento. A prova testemunhal é valorada pela forma do depoimento, pela sua congruência interna, razão de ciência, isenção e comportamento.
Sobre a prova documental, importa considerar os arts. 362º a 379º do CC.
No que diz respeito ao valor da prova pericial, escreve-se no Ac. do STJ de 25-05-2023, no que concordamos:
3.4. Efectivamente, a perícia é um meio de prova e a sua finalidade é a percepção de factos ou a sua valoração de modo a constituir prova a que se deve atender, sempre que a percepção ou apreciação de determinados factos exigirem especiais conhecimentos técnicos, científicos ou artísticos, o que nos termos do disposto no art.º 163.º, do CPP, lhe confere um valor reforçado.
Porém, o facto de a mesma ser admitida nestas circunstâncias não invalida e não serve para afastar os outros meios de prova.
O perito auxilia o juiz, quando numa determinada questão se exige a sua especial aptidão técnica e científica para a apreciação da prova e decisão da questão, sendo que nos termos da citada norma processual penal, o juízo técnico e científico inerente à prova pericial presume-se subtraído à livre apreciação do julgador. Todavia, tal não significa que o juiz não possa divergir desse juízo técnico, sobretudo quando o mesmo resulta hesitante ou dubitativo e, portanto, inconclusivo, colocando em crise a convicção do tribunal. Nessa circunstância, perante a dúvida ou discordância, o tribunal tem o especial dever acrescido de fundamentação da sua decisão, conforme o n.º 2, do art.º 163.º, do CPP.
Nesse conspecto trata-se de um limite ao valor da perícia e não de uma desvalorização da prova pericial, posto que não se trata de factos observados pelo perito. (Ac. proferido no proc. 34/11.0TAAGH.L2.S1, versão integral em www.dsgi.pt).
Estabelecidos os critérios mencionados, passemos à análise da pretensão do recorrente BB.
No que concerne às alterações pretendidas aos factos 15, 28, 42, 61, 64, 83 e 143, entendemos que as mesmas não são susceptíveis de influenciar decisivamente a decisão da causa, segundo as diferentes soluções plausíveis de direito, pelo é inútil e contrário aos princípios da economia e da celeridade a reponderação da decisão proferida pela 1ª instância, quanto a tais factos factos (cfr, Ac. do STJ de 19-05-2020, no proc. nº 22172/17.5T8PRT.L1.S1), pelo que nesta parte não iremos atender à pretensão do recorrente.
Acerca da remoção do facto 34- Quando a criança era internada, era a mãe quem ficava com a AA, nos hospitais/clínicas- entendemos que as declarações de parte do recorrente são insuficientes para concluir que o facto deve ser dado como não provado.
Quanto ao facto 62- A mãe não deu o seu consentimento a que a AA frequentasse, em simultâneo, outro estabelecimento de ensino - os documentos constantes da petição inicial do Ministério Público apresentada no dia 29.06.2023, com a referência na plataforma Citius 23659186, nos quais constam a troca dos e-mails entre a creche e ambos os Progenitores, referentes à semana de integração da Menor na creche no Luxemburgo entre os dias 5 e 9 de setembro de 2022, demonstram que a mãe teve conhecimento da inscrição no estabelecimento, mas não demonstram que deu o seu consentimento à matrícula da menor no mesmo.
Relativamente ao facto 72- Até então, a AA nunca tinha estado aos cuidados exclusivos do pai- se é certo que enquanto o agregado esteve unido e a viver no Luxemburgo, mão e pai cuidavam conjuntamente da menor, não se produziu prova de que a menor até Setembro de 2022, esteve aos cuidados exclusivos do pai.
Assim, sendo não serão removidos os factos 34, 62 e 72.
Não se aceita a remoção do facto 86 -A mãe começou a ter medo do que o pai pudesse fazer, relativamente à AA, dada a escalada de agressividade dos “e-mails” e mensagens que o pai lhe enviava-, uma vez que nele se inserem as emoções da mãe, e, ainda que estas possam ser injustificadas, não são infirmadas pelo relatório do INML, como pretende o recorrente.
No que diz respeito ao facto provado 23-No Luxemburgo, a mãe trabalhava essencialmente a partir de casa - aceita-se que não se produziu prova suficiente que a mãe, fora do período pandémico, trabalhava essencialmente a partir de casa pelo que tal facto será eliminado da factualidade provada.
Também não se aceita a alteração pretendida pelo recorrente ao facto 93- Em algumas dessas ocasiões, o pai ou não entregava cá a menor, ou a mãe dirigia-se ao Luxemburgo para a ir buscar ao Domingo, e o pai não entregava a criança, afirmando que a filha ficaria lá mais uma semana -, dado que parte substancial da alteração pretendida pelo recorrente pois a mãe estava a incumprir, de forma livre, deliberada e consciente, o calendário definido por ambos os pais.” assume carácter claramente conclusivo.
No que tange às alterações pretendidas pelo recorrente à factualidade constante dos pontos 102, 111, 113 e 160, versando tais factos sobre situações clínicas e médicas relativas à menor, entendemos que os factos têm sustentação na documentação apontada na fundamentação da matéria de facto e, sobretudo, nas perícias que foram efectuadas nos autos, pelo que não iremos alterar neste domínio a factualidade dada como assente.
Dando-se parcialmente razão ao recorrente BB, entendemos que:
-em face das declarações de parte de recorrente e recorrida, deverão ser reformulados os factos 25 e 26, no seguinte sentido:
25. Com o nascimento da AA, a mãe gozou a licença de maternidade de três meses.
26. Quando a mãe se mudou para Portugal, teve de devolver ao Estado Luxemburguês a quantia de € 8.000,00, a título de benefícios recebidos daquele Estado.
De igual forma, e com base nas declarações parte da mãe e pai, entendemos ser de reformular os factos 33 e 107 nos seguintes termos:
33. No período de 15 meses, a criança esteve sujeita a 9 internamentos, devido a problemas respiratórios e gástricos.
107. Não obstante ter sofrido 9 internamentos no período de 15 meses, os médicos no Luxemburgo, nunca fizeram um estudo do seu caso por uma equipa multidisciplinar, nem lhe diagnosticaram o que tinha e como devia ser tratado.
Ainda de acordo, com as declarações de parte dos progenitores, será reformulado o facto 53 nos seguintes termos:
53. Nesse período, isto é, entre o dia 30 de Abril e 28 de Maio, a progenitora ficou com a filha na casa onde habitaram com o pai, enquanto viveram conjuntamente no Luxemburgo.
Não existem nos autos elementos que permitam com segurança sustentar a residência dos avós paternos da menor, pelo que reformulará o facto 157, nos seguintes termos:
157. A mãe afirma poder contar com a família paterna da AA, isto é, os avós paternos e o tio.
Em face de todo o exposto, decide-se julgar parcialmente procedente a impugnação da decisão sobre a matéria de facto deduzida pelo recorrente BB, nos seguintes termos:
Eliminar da factualidade provada o facto provado 23-No Luxemburgo, a mãe trabalhava essencialmente a partir de casa.
Reformular os factos 25, 26, 33, 53 e 107 e 157, no seguinte sentido:
25. Com o nascimento da AA, a mãe gozou a licença de maternidade de três meses.
26. Quando a mãe se mudou para Portugal, teve de devolver ao Estado Luxemburguês a quantia de € 8.000,00, a título de benefícios recebidos daquele Estado.
33. No período de 15 meses, a criança esteve sujeita a 9 internamentos, devido a problemas respiratórios e gástricos.
53. Nesse período, isto é, entre o dia 30 de Abril e 28 de Maio, a progenitora ficou com a filha na casa onde habitaram com o pai, enquanto viveram conjuntamente no Luxemburgo.
107. Não obstante ter sofrido 9 internamentos no período de 15 meses, os médicos no Luxemburgo, nunca fizeram um estudo do seu caso por uma equipa multidisciplinar, nem lhe diagnosticaram o que tinha e como devia ser tratado.
157. A mãe afirma poder contar com a família paterna da AA, isto é, os avós paternos e o tio.
*
IV. O mérito do recurso
O Direito
1.Estabilizado o quadro factual do litígio, importa apreciar juridicamente a pretensão dos recorrentes.
Os recorrentes não se conformam com a decisão do Tribunal de 1ª instância, quando determinou o não regresso da menor AA ao Luxemburgo.
Como escrevemos no relatório deste acórdão, está em causa a aplicação da Convenção da Haia de 1980 sobre os aspetos civis do rapto internacional de crianças e quanto à pauta jurídica que dimana de tal diploma não temos reparos a fazer à abordagem efectuada pela sentença recorrida, porém, iremos aqui acentuar aspectos que nos parecem nucleares para dirimir este litígio.
A Convenção da Haia de 1980 sobre os aspetos civis do rapto internacional de crianças, aprovada pelo Estado português através do Decreto nº 33/83, de 11 de Maio, e em vigor no nosso ordenamento jurídico desde 1 de dezembro de 1983, dispõe no seu art.º 12º que «[q]uando uma criança tenha sido ilicitamente transferida ou retida nos termos do artigo 3.º e tiver decorrido um período de menos de 1 ano entre a data da deslocação ou da retenção indevidas e a data do início do processo perante a autoridade judicial ou administrativa do Estado contratante onde a criança se encontrar, a autoridade respetiva deverá ordenar o regresso imediato da criança.”
À luz do seu Preâmbulo e do seu artigo 1º, a Convenção é um instrumento de cooperação judiciária internacional que tem um duplo objetivo: assegurar o regresso imediato das crianças ilicitamente transferidas para qualquer Estado Contratante ou nele retidas indevidamente e fazer respeitar de modo efetivo nos outros Estados Contratantes os direitos de custódia e de visita existentes num Estado Contratante.
O “direito de custódia” reporta-se à responsabilidade pelos cuidados devidos à criança, incluindo o direito de decidir sobre o lugar da sua residência [art.º 5º, al. a)].
Quanto ao “direito de visita”, releva para a Convenção fundamentalmente o direito de visita transfronteiriço, que inclui a faculdade de levar a criança para um país diferente do da sua residência habitual por um período limitado de tempo [art.º 5º, al. b)].
A Convenção aplica-se a qualquer criança com residência habitual num Estado Contratante, imediatamente antes da violação do direito de custódia ou de visita. São abrangidas as crianças com idade inferior a 16 anos (art.º 4º).
Como refere Luís de Lima Pinheiro, em Comunicação proferida na Conferência “Direito da Família e Direito dos Menores: que direitos no século XXI?”, que teve lugar na Universidade Lusíada, em outubro de 2014, acessível in https://portal.oa.pt/upl/%7B40b76efc-8042-4aa6-92d6-5aa473019980%7D.pdf [3], «[a] expressão “rapto internacional” - utilizada para designar a Convenção –, não traduz bem a realidade social subjacente, que é normalmente o desenlace dramático de um casamento ou união transnacional. A criança é vítima deste drama, como o são os seus pais. Nos casos mais paradigmáticos, os pais separam-se e um deles, as mais das vezes a mãe, regressa ao seu país de origem levando consigo a criança sem autorização do pai. As razões da deslocação da mãe para outro país são variáveis: frequentemente razões compreensíveis de natureza económica e afetiva, mas por vezes também o desígnio de privar o pai da convivência com a criança.
Perante este drama, o regime da Convenção exprime a seguinte valoração: a criança deve regressar o mais rapidamente possível ao país onde tinha a residência habitual antes da deslocação ou retenção, uma vez que a autoridade competente deste país é a mais bem colocada para decidir sobre a custódia e a residência, e que a permanência da criança noutro país tende a dificultar a adoção das soluções mais adequadas (…)».
Para o que aqui importa, a deslocação ou a retenção de uma criança é considerada ilícita quando se verifiquem dois pressupostos [art.º 3º, 1º §, als. a) e b)]: (1) a violação de um direito de custódia atribuído pelo Direito do Estado onde a criança tenha a sua residência habitual, imediatamente antes da sua transferência ou da sua retenção, e (2) a violação do exercício efetivo desse direito no momento da transferência ou da retenção.
De harmonia com o plasmado nos artigos 3.º, 4.º e 5.º da Convenção da Haia de 1980, o rapto parental ocorre então, quando:
A. Tenha havido uma deslocação de uma criança com menos de 16 anos, de um país onde tinha a sua residência habitual, para outro país;
B. A deslocação ou retenção da criança tenha sido efetuada com violação do direito de custódia atribuído pela lei do Estado onde a criança tinha a sua residência habitual;
C. O direito de custódia ter estado a ser exercido de maneira efetiva, individual ou em conjunto, no momento da deslocação ou retenção, ou devesse estar a ser exercido, se não se tivesse verificado a deslocação.
O direito de custódia em causa pode resultar quer de uma atribuição de pleno direito, quer de uma decisão judicial ou administrativa, quer de um acordo vigente segundo o Direito deste Estado [art.º 3º, 2º §].
Com esclarece Luís de Lima Pinheiro, «[o] preceito deve ser interpretado no sentido de abranger qualquer título de atribuição do direito de custódia vigente na ordem jurídica da residência habitual. Razão por que a referência ao Direito do Estado da residência habitual abrange necessariamente o Direito Internacional Privado deste Estado».
Como refere Maria dos Prazeres Beleza, in Jurisprudência sobre rapto internacional de crianças, Julgar, nº 24, pg. 78:A definição desse processamento simplificado e urgente foi uma das vias encontradas para “contrariar o uso de meios de auto-tutela” para resolver divergências relacionadas com o exercício das responsabilidades parentais, especialmente quanto à guarda da criança, dissuadindo os protagonistas de tentar criar situações de facto que lhes sejam favoráveis, numa discussão posterior sobre a guarda da criança — quer tentando deslocar a competência dos tribunais para o Estado onde se encontram, quer criando ligações da criança ao novo ambiente, de modo a que lhe seja prejudicial uma decisão de regresso ao Estado de onde foi deslocada.
Como supra dissemos, nos termos do art.º 5º da Convenção, o direito de custódia é definido como o poder legítimo de decidir sobre o lugar da residência da criança, a ser exercido singular ou conjuntamente e, nesta última circunstância, a decisão tem que ser tomada por acordo dos titulares das responsabilidades parentais.
A deslocação ilícita ocorre sempre que haja uma mudança da criança do país onde tem o seu centro de vida para outro, em desrespeito do direito de guarda existente.
Da matéria provada, resulta que a AA, até vir para Portugal com a mãe, em Fevereiro de 2022, residia no Luxemburgo. No entanto, ambos os pais, por acordo de Janeiro de 2022, decidiram alterar essa residência, tal residência deixava de ser a residência exclusiva, porquanto a AA passaria a residir em simultâneo em dois países, Portugal e Luxemburgo (ainda que inicialmente mais tempo com a mãe e depois com completa divisão de tempo entre os pais).
Na verdade, mãe e pai pretenderam formalizar o acordo de tal forma que o puseram por escrito e enviaram-no para o consulado português no Luxemburgo, um acordo de regulação das responsabilidades parentais, que só não foi oficializado, como os pais pretendiam, porque o Consulado não era competente para o efeito.
Não questionando o mérito desse acordo na perspectiva da salvaguarda do superior interesse da menor AA, a verdade é que ambos os progenitores estavam casados e por tal exerciam conjuntamente as responsabilidades parentais (cfr. art. 1901º nº 1 do CC) e, no âmbito desse exercício, decidiram que a menor, passaria a residir em simultâneo em dois países, Portugal e Luxemburgo, o que de acordo com a factualidade dada como assente foi posto em prática desde Fevereiro de 2022, data em que a mãe regressou a Portugal para aqui residir, de tal forma que em Fevereiro de 2022, a criança já frequentava uma creche em Portugal, até poder entrar em 2023/2024, no Colégio A. Creche essa de que o pai tinha conhecimento e com que concordou, porquanto a mãe tinha de ter onde deixar a filha enquanto estivesse a trabalhar.
Deu-se como provado que, em Setembro de 2022, a mãe opôs-se a que a criança fosse passar uma semana com o pai ao Luxemburgo, fê-lo porque sentia que o pai não estava suficientemente familiarizado com as rotinas da criança, com as necessidades especiais que a mesma tinha ao nível da alimentação e receou que a criança sofresse muito por ficar afastada de si, dado que a filha nunca tinha estado sem a mãe.
Esta situação deve ser considerada apta a desencadear os mecanismos da dita Convenção, considerando-se existir retenção ilícita da menor?
Na sentença sob escrutínio, entendeu-se responder negativamente.
Apuremos.
Reiteramos que a Convenção é um instrumento de cooperação judiciária internacional que tem um duplo objetivo: assegurar o regresso imediato das crianças ilicitamente transferidas para qualquer Estado Contratante ou nele retidas indevidamente e fazer respeitar de modo efetivo nos outros Estados Contratantes os direitos de custódia e de visita existentes num Estado Contratante.
Já enunciámos quais os pressupostos da retenção ilícita: A. Tenha havido uma deslocação de uma criança com menos de 16 anos, de um país onde tinha a sua residência habitual, para outro país; B. A deslocação ou retenção da criança tenha sido efetuada com violação do direito de custódia atribuído pela lei do Estado onde a criança tinha a sua residência habitual; C. O direito de custódia ter estado a ser exercido de maneira efetiva, individual ou em conjunto, no momento da deslocação ou retenção, ou devesse estar a ser exercido, se não se tivesse verificado a deslocação.
No caso dos autos, não se verifica deslocação da menor de um país onde tinha a sua residência habitual, para outro país, dado que quando a mãe impediu que a menor embarcasse com o pai, já a criança, por acordo entre os progenitores, se dividia entre os dois países (Portugal/Luxemburgo) passando mais tempo em Portugal.
A permanência da menor em Portugal naquele mês de Setembro de 2022, no nosso entendimento, também não violou o direito de custódia dos países onde a menor alternava a sua residência, nem violava o exercício efectivo desse direito no momento daquela permanência, porquanto na ocasião nenhum dos dois estados tinha regulado o poder paternal da menor e, nesta circunstância, no que ao estado português diz respeito, vale o regime do art. 1901º do CC, segundo o qual o exercício das responsabilidades parentais pertence a ambos os pais e se, como parece ser o caso, o pai/recorrente discordava, ainda que legitimamente da posição da mãe, deveria ter recorrido a um Tribunal Português para tutelar a sua posição, pois como preceitua o nº 2 daquele artigo: Os pais exercem as responsabilidades parentais de comum acordo e, se este faltar em questões de particular importância, qualquer deles pode recorrer ao tribunal, que tentará a conciliação.
Mais, o pai não ficou sem acesso à filha e, pelo menos desde o Natal de 2022, esta continuou a viajar para o Luxemburgo e já tinha até efectuado várias viagens para lá, quando a presente acção especial foi intentada, donde nenhum relevo nos merece o argumento, segundo o qual, o pai efectuou o pedido de regresso junto da Autoridade Central no Luxemburgo dentro do prazo legal permitido (em 24.01.2023) e ainda antes da conferência para regulação das responsabilidades parentais em Portugal, na qual foi regulado, ainda que provisoriamente, o regime das responsabilidades parentais relativo à menor (Janeiro de 2023).
Em face do exposto, e contrariamente ao alegado pelos recorrentes, a factualidade dada como assente não nos permite concluir que existiu, por parte da recorrida, uma retenção e, muito menos, uma retenção ilícita, reportando-nos aos factos ocorridos em Setembro de 2022, não vislumbramos qualquer ofensa ao direito de custódia do pai.
Atentemos no que se escreve no Ac. do Tribunal de Lisboa de 13-07-2023 (desta secção):
Em segundo lugar, a nossa discordância prende-se com a constatação de que a decisão norte-americana que se pretende executar atribuiu provisoriamente a custódia das crianças ao pai, definindo a sua residência habitual nesse país, em Fevereiro de 2023, ou seja, em data posterior à sua viagem para Portugal.
Não se podendo, pois, retirar, dessa decisão por si só que a viagem para Portugal consubstancie a violação de um direito de custódia atribuído pelo Direito do Estado onde a criança tenha a sua residência habitual imediatamente antes da sua transferência ou da sua retenção.
Pois esse direito de custódia, a existir, não se pode fundar naquela decisão, repete-se, posterior e não anterior, à transferência das crianças.

Averiguar da ilicitude da deslocação ou retenção de uma criança, alegada como fundamento do pedido de regresso apresentado nos tribunais portugueses, reconduz-se normalmente a determinar se aquele que deslocou a criança para Portugal tinha o poder de, por si só, decidir sobre o respectivo local de residência, ou se a deslocação ou retenção foi ou não efectuada com o acordo ou com o consentimento do titular (ou co-titular) desse poder, como se decidiu no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 22 de Junho de 2010, disponível em www.dgsi.pt, proc. n.º 786/09.7T2OBR-A.C1 (Ac. proferido no proc. 218/23.8T8CSC-B.L1.1, versão integral em www.dgsi.pt; sublinhado nosso).
Nos termos do art. 3.º da Convenção de Haia de 1980 sobre os Aspectos Civis do Rapto Internacional de Crianças e para os efeitos nela previstos, é ilícita a deslocação ou retenção da criança desde que ela, residindo habitualmente num Estado contratante, tenha sido deslocada para outro Estado em violação do direito de guarda ou custódia atribuído pela lei daquele Estado, desde que tal direito esteja efectivamente a ser exercido e a deslocação para outro Estado não tenha sido autorizada pelo respectivo titular.(cfr. sumário do Ac. do STJ de 13-09-2022, proferido no proc. 20/22.4T8VVC-A.E1.S1, versão integral em www.dsgi.pt).
De forma alguma podemos subscrever que houve violação do art. 12º da Convenção- Quando uma criança tenha sido ilicitamente transferida ou retida nos termos do Artigo 3.º e tiver decorrido um período de menos de 1 ano entre a data da deslocação ou da retenção indevidas e a data do início do processo perante a autoridade judicial ou administrativa do Estado contratante onde a criança se encontrar, a autoridade respectiva deverá ordenar o regresso imediato da criança- desde logo porque não existiu o seu primacial pressuposto: deslocação ou retenção ilícita da menor AA. A deslocação da menor para Portugal efectuou-se com o conhecimento e consentimento de ambos os progenitores e a mãe não tomou qualquer decisão definitiva sobre a residência da menor.
Entendemos, pois, que não estão verificados os pressupostos da aplicação da Convenção de Haia de 1980, no sentido de devolver a menor ao Luxemburgo.
1.O tribunal a quo, num segundo momento, avança com outra posição, ao considerar que se verifica a excepção contemplada no art. º13.º da C.H alínea b) tendo por base a existência/verificação da violação do direito de custódia previsto no art.º 2.º al. 11.º do Regulamento e art.º 3 da C. Haia (omitindo as normas jurídicas).
Ora, para a verificação da excepção há que preencher o pressuposto legal de verificação da retenção ilegal – facto que entendemos não se verificar.
Ainda assim, apreciemos.
O regresso imediato da criança em situação de deslocação ou retenção ilícitas, preconizado pela Convenção, sofre, no entanto, desvios sempre que se mostrem verificadas as circunstâncias previstas nos seus art.ºs 12º, 13º e 20º:
- A criança já se encontrar integrada no seu novo ambiente familiar, desde que tenha decorrido mais de um ano entre a data da deslocação ou retenção indevidas e a data do início do processo perante a autoridade judicial ou administrativa do Estado em que a criança se encontrar;
- O direito de guarda não se encontrar, efetivamente, a ser exercido por quem tinha legitimidade para tal;
- Ter havido, por parte de quem exerça o direito de guarda, consentimento prévio ou concordância posterior à deslocação ou à retenção da criança;
- Existir risco grave de a criança, com o seu regresso, ficar sujeita a perigos de ordem física ou psíquica ou a uma qualquer outra situação intolerável;
- Quando a criança se oponha ao regresso desde que tenha idade e grau de maturidade suficientes para serem tomadas em consideração as suas opiniões;
- Quando o regresso da criança importar uma violação dos princípios fundamentais do Estado relativos aos direitos do homem e às liberdades fundamentais.
Apuradas estas, pode haver lugar a uma decisão de recusa de regresso da criança.
Tendo em conta a factualidade provado (sem levar em conta as alterações determinadas neste acórdão), escreveu-se na sentença recorrida (passamos a citar):
Se tal situação seria danosa para qualquer criança ou jovem, para a AA, que só em Agosto, fez os 4 anos, e com os problemas de saúde que tem, sujeitá-la a tantas viagens, a viver em dois países e a retirá-la constantemente da/s sua/s turma/s, do seu grupo de pares, da companhia do/s seus educadores, é um verdadeiro mau trato à criança, que põe em causa o seu desenvolvimento saudável, sendo que o pai foi amiúde avisado e ainda assim manteve tal comportamento, ao ponto de em 14 de Março de 2024 vir mesmo aos autos, afirmar: “independentemente do que ficou fixado no regime de regulação das responsabilidades parentais provisório, até que seja proferida decisão nos presentes autos, os pais vão dividir o tempo da AA entre os dois países e entre duas escolas, uma vez que a criança ainda não está na primária.”
Tal comportamento, faz com a AA não seja bem sucedida nem numa escola, nem noutra (Veja-se o nível de linguagem pobre para a idade). Para as outras crianças, ela será sempre a que vai e vem, não conseguindo assim criar relações estreitas, estáveis e securizantes e vindo sempre em segundo na constituição de grupos de pares.
As crianças precisam de estabilidade e rotinas securizantes, independentemente das vontades e vidas dos pais. Este pai, alertado por diversas vezes, indiferente ao sofrimento e aos danos ao desenvolvimento, à saúde física e psíquica da sua filha, adoptou este comportamento, manteve este comportamento, porquanto esta é a sua maneira de estar e viver, como aliás o relatório pericial do INML dá conta.
O pai tem uma visão superlativa e idealizada de si próprio e das suas posições, tendo muita dificuldade em aceitar outras. E, acrescentamos nós, mesmo quando recorre ao Tribunal e o Tribunal lhe fixa provisoriamente um regime (com que até concordou, note-se!), de nada vale, porquanto este pai, só faz o que quer relativamente à vida da filha. Note-se que não pomos em causa o imenso amor que este pai terá para com a AA! E o drama que para ele será viver agora, apartado, da sua filha, durante parte do tempo. Temos toda a empatia e compreensão pelo mesmo.
Sabemos que a família é o que de mais valioso cada ser humano tem, pelo que, as reacções a tudo o que ponha em causa a forma como vivemos em família, mexe com o que de mais profundo existe em cada pai e em cada mãe.
Mas, isso não nos desonera de avaliar, em cada momento, o que é que é melhor para cada criança cuja vida e destino é posto, ainda que temporariamente, nas nossas mãos. Por isso, voltamos à questão que anteriormente colocámos: Caso estivesse em causa uma retenção ilícita por parte da mãe, (que já afirmámos que não está) seria seguro (no sentido de ser o melhor para a AA) devolver a AA ao pai, para com ele viver a tempo inteiro? Talvez um dia o seja, mas agora, seguramente que não o é.
O pai é uma referência muito importante para a AA, mas não é a sua principal figura de referência. A principal figura de referência é a sua mãe. A mãe com quem a AA sempre viveu, até este mesmo Tribunal decretar em sede de apenso de regulação das responsabilidades parentais, que o pai também passaria a passar tempo com a filha (quer em fins-de-semana, quer em férias). Até então, nunca este pai tinha estado em exclusivo com a filha. Ou era a mãe que estava em exclusivo, ou estavam os três juntos. Nunca só o pai. É esta mãe quem cuida e cuida especialmente, dadas as vulnerabilidades da AA. Foi esta mãe que não se quedou perante a situação de saúde da filha e que se mexeu junto de médicos e hospitais, para conseguir um diagnóstico e um tratamento para a filha.
Certo é que o pai está a aprender também a cuidar, mas ainda assim, separar esta criança da mãe, neste momento concreto da sua vida, com esta condição de saúde, seria um verdadeiro mau trato à criança. Note-se que, a AA é acompanhada em pedopsiquiatria e já lhe foram diagnosticados vómitos psicogénicos causados por ansiedade, nomeadamente por separação relativamente à figura de referência, a mãe. Note-se também que, devolver a AA ao Luxemburgo, não seria devolver a criança à sua casa, ao seu ambiente, e à sua família, porquanto o ambiente que a AA agora tem naquela casa, não é o ambiente proporcionado pelo agregado familiar que antes existia, porquanto a mãe já não faz parte daquele agregado familiar! É aqui que a AA tem a sua mãe, é aqui que o seu irmão a visita, é aqui que a AA tem os avós, maternos e paternos, bem como as tias e tios, maternos e paternos, bem como os primos e amigos da família. É aqui que a AA tem a equipa médica, que a diagnosticou e que a acompanha, aguardando por uma cirurgia. É aqui que a AA tem o Colégio A, que o pai escolheu para salvaguarda do seu futuro. É aqui que a AA se consegue expressar na sua própria língua e que falem com ela nessa mesma língua. Retirá-la de tudo isto, seria pô-la em perigo emocional.
Não porque o pai não a ame, que, indubitavelmente, ama! Não porque o pai não saiba cuidar, porque tem aprendido a fazê-lo! Mas, porque o que o pai tem agora para lhe oferecer no Luxemburgo, é agora incomensuravelmente menos do que a AA tem em Portugal: a sua mãe, toda a sua família alargada, a sua equipa médica, a sua língua e o Colégio que o pai escolheu. Bem sabemos que também há uma escola no Luxemburgo que a AA já conhece e que a frequenta, e um dia, os pais até podem decidir que o melhor para a AA é estudar no Luxemburgo, (como aconteceu com o seu irmão uterino, GG que está a estudar em Londres!). Mas, por ora, atendendo à sua idade, ao seu grau de vinculação à mãe, à sua especial de condição de saúde, aos cuidados médicos de que a mesma carece, devolvê-la ao Luxemburgo, seria provocar um sofrimento enorme à criança e pô-la em risco, nomeadamente do seu desenvolvimento físico, psicológico e emocional. Tê-la sujeitado a uma residência alternada forçada, entre dois países e dois colégios, já foi suficientemente mau para a vida da AA. Retirá-la à mãe, consideramos, em consciência, que seria ainda mais nefasto. E, com a vida da AA este Tribunal, não pode arriscar! Tenha-se presente que a Convenção de Haia não derroga a Convenção dos Direitos da Criança, nem afasta o superior interesse da criança. Pelo contrário, a convenção de Haia, sempre terá de ser interpretada à luz daquilo que é o superior interesse da criança!
(…)
Por todo o exposto, e não obstante a excelente relação com ambos os progenitores, caso a retenção da AA em território português tivesse sido ilícita, atendendo à necessidade de assegurar o superior interesse da menor, sendo que, actualmente, o superior interesse da mesma, é que ela não seja afastada da pessoa de referência dela – a mãe – sempre se imporia não determinar o regresso da menor ao Luxemburgo, para aí residir com o seu pai – porquanto o seu superior interesse determina que fique a residir com a mãe, em Portugal.
Relativamente à invocação da cláusula excepcional consagrada no art.º 27.º, n.º 3 do Regulamento, segundo a qual «(…) 3. Se um tribunal ponderar recusar o regresso de uma criança apenas com base no artigo 13.º, primeiro parágrafo, alínea b), da Convenção da Haia de 1980, não pode recusar o regresso da criança se a parte que pretende o regresso da criança der garantias ao tribunal, apresentando meios de prova suficientes, ou se o tribunal tiver de outro qualquer modo essa convicção, de que foram tomadas providências adequadas para garantir a proteção da criança após o seu regresso».
O pai, apresentou um relatório dos serviços sociais luxemburgueses de apoio à infância, sendo que os mesmos revelaram disponibilidade em caso de regresso definitivo da AA, para prestarem apoio e assistência ao pai e à AA.
Nesta matéria, entendeu o Tribunal a quo que:
Salvo melhor opinião, e com todo o respeito por quem tenha entendimento diverso, essa não é a melhor forma de assegurar o superior interesse da criança. E, cabe a este Tribunal assegurá-lo. Pelo que, não tendo sido dadas garantias de que a criança está melhor no Luxemburgo do que em Portugal, e resultando dos autos que a criança estará substancialmente melhor em Portugal, caberia, também por aqui, não determinar a devolução da AA.
Pela nossa parte, e atendendo a que considerámos que a retenção da menor não foi ilícita, bem poderíamos dispensar a possibilidade de avaliar os regimes que decorrem da ponderação da recusa do Tribunal em fazer regressar a menor, caso se concluísse em sentido contrário (deslocação/retenção ilícita), com base no art. 13.º, primeiro parágrafo, alínea b), da Convenção da Haia de 1980 e art. 27.º, n.º 3 do Regulamento.
Convém, no entanto, fazer algumas considerações de direito.
Subjacente à decisão neste domínio deve estar sempre o superior interesse das crianças (cfr. Ac. do Tribunal da Relação de Lisboa de 24-01-2023, proferido no proc. 19176/22.0T8LSB-AL.1-7, versão integral em www.dsgi.pt).
E o “interesse superior da criança“, enquanto conceito jurídico indeterminado carece de preenchimento valorativo, cuja concretização deve ter por referência os princípios constitucionais, como o direito da criança à protecção da sociedade e do Estado com vista ao seu desenvolvimento integral (art.º 69.º, n.º 1, da CRP), reclamando uma análise sistémica e interdisciplinar da situação concreta de cada criança, na sua individualidade própria e envolvência (cf. acórdão da Relação de Coimbra, de 3/5/2006, proc. n.º 681/06, versão integral em www.dgsi.pt).
Como escrevem Helena Bolieiro e Paulo Guerra, em A Criança e a Família – Uma Questão de Direito(s), pág. 437, “As normas da Convenção visam um processado expedito para fazer cessar uma situação ilícita de retirada de uma criança, com base na ideia de que há efeitos prejudiciais dessa retirada. Tal imposição visa evitar a legitimação, contra os interesses da criança, de comportamentos dos progenitores, com condutas contrárias às decisões assumidas de guarda e, sobretudo, independentemente da questão de fundo, fazer retornar, de forma célere e expedita, a criança a quem foi retirada”.
Pegando na expressão fazer retornar, de forma célere e expedita, a criança a quem foi retirada, no caso da menor AA perguntamos: retornar a quê?
Ao estado de coisas que existia antes de Setembro de 2022? A uma situação de indefinição sobre a situação jurídica da menor? Dividida entre dois países, entre duas escolas, entre realidades sócio-culturais distintas?
Volvidos quase três anos, não alcançamos que esse seja um projecto de vida aceitável para esta criança, ainda para mais com os problemas de saúde de que padece, fazê-la regressar ao Luxemburgo e - dizemos regressar irónicamente, porque a menor já lá esteve diversas vezes após Setembro de 2022- não traz à menor qualquer vantagem, mas sim riscos vários.
Sublinhamos, mais uma vez que, que tendo os progenitores reconhecidas competências parentais, é no processo de regulação das responsabilidades parentais que o futuro da menor deverá ser resolvido, de preferência de forma duradoura, e não neste processo especial no qual não alcançamos razões para fazer proceder a pretensão dos recorrentes.
Desse modo, improcederão as apelações.
*
V. A decisão
Pelo exposto, os Juízes da 6.ª Secção da Relação de Lisboa acordam:
-em julgar parcialmente procedente a impugnação da decisão sobre a matéria de facto deduzida pelo apelante BB, nos termos supra determinados;
-na improcedência total das apelações e, consequentemente, decidem manter a decisão recorrida.
Custas pelo recorrente BB, uma vez que o Ministério está isento do pagamento de custas.
Comunique, de imediato, o teor da presente decisão à Autoridade Central Portuguesa (DGAJ).
Registe e notifique.

Lisboa, 26 de junho de 2025
João Brasão
Eduardo Petersen Silva
Elsa Melo