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REGISTO PREDIAL
PROCESSO DE SUPRIMENTO
PROCESSO DE JUSTIFICAÇÃO NOTARIAL
PRECLUSÃO
IMPUGNAÇÃO JUDICIAL
Sumário
1- Os processos de suprimento previstos no artigo 116º nº1 do Cod. Reg. Predial destinam-se a suprir a falta de título e não a constituir o direito titulado, quer se trate da escritura de justificação notarial prevista nos artigos 89º, e 101º do Cod. do Notariado, quer se trate do processo de justificação notarial previsto nos artigos 117º- B e seguintes do Cód. Reg. Predial. 2- Em ambos os casos poderão os interessados impugnar o direito subjacente ao título assim obtido mediante acção judicial. 3- O facto de os ora autores não terem recorrido da decisão proferida no processo de justificação notarial não determina, pois, a preclusão de impugnar judicialmente o direito cujo título foi obtido pelo réu naquele processo.
Texto Integral
Acordam na 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa.
RELATÓRIO.
- A…,
- B…,
- C… e esposa CC…,
- D…,
- E…,
- F…,
- G…,
- H…,
- I…,
- J…,
- K…,
- L…,
intentam contra:
- M…,
“acção comum de impugnação de facto registado por decisão proferida pelo Conservador do Registo Predial em processo de suprimento, nos termos do artigo 8º nº1 do CRP”.
Alegam os autores, em síntese, que são donos e legítimos possuidores de um prédio rústico que identificam e que adquiriram por óbito de Dr. N…, falecido em 1966 que era pai, avô e sogro dos ora autores, constando o prédio na respectiva escritura de partilha como verba nº24 e sendo adjudicado na proporção de 1/6 a cada um dos filhos do autor da herança, sendo alguns dos ora autores os filhos ainda vivos e os outros autores os herdeiros dos filhos entretanto falecidos, encontrando-se tal prédio, à data do óbito do autor da herança, em regime de colonia, cultivado pelos avós do ora réu, mas passando a aplicar-se regras do arrendamento rural após serem extintos os contratos de colonia na Madeira em 1977, mantendo-se os herdeiros do falecido pai e avô do autores como senhorios e mantendo-se os avós e depois os pais do ora réu como seus arrendatários rurais, cultivando o prédio nessa qualidade e só em 2021, com a morte do seu pai, o réu se tornou titular do direito, integrado na sua herança, de cultivar o prédio na qualidade de arrendatário rural.
Mais alegam os autores que, apesar de o prédio lhes pertencer, encontra-se o mesmo registado em nome do réu, que requereu processo de justificação de propriedade na Conservatória do Registo Predial de Machico a fim de obter título justificativo para registar em seu nome o prédio em causa, pertencente aos autores, como se o tivesse adquirido por usucapião, tendo a Sra Conservadora, com base nas declarações do réu e das testemunhas apresentadas, proferido decisão de 22 de Abril de 2022, em que julgou procedente o processo de justificação instaurado pelo ora réu e declarou justificado o direito de propriedade deste sobre o prédio dos autores, do que resultou o registo de aquisição do imóvel a favor do réu, tendo como causa a usucapião, mas sendo falsas as declarações prestadas nesse processo pelo réu e pelas testemunhas no sentido de que o réu tem exercido a posse sobre o prédio nos últimos 20 anos, sendo ineficaz o título assim obtido e não sendo o mesmo um título constitutivo de aquisição do direito de propriedade mas sim apenas o suprimento de documento que possibilita efectuar o registo.
Concluíram alegando que pretendem impugnar o processo de justificação e a decisão da Srª Conservadora e pedindo ao Tribunal para:
1. Declarar os autores donos e legítimos possuidores do prédio identificado no artº 1º da petição, em comum e nas proporções de:
- 1/6 parte para a autora D…, no estado de casada no regime da comunhão geral com …, tendo este falecido em 16/12/2002, deixando como únicos herdeiros por direito de sucessão legitima, o cônjuge, a referida D…, e os filhos, também autores – E…, F e G…, pelo que esta 1/6 parte pertence-lhes em comum e sem determinação de parte ou direito;
- 1/6 parte para a herdeira, …, entretanto, falecida em 15/04/2015, que deixou como únicos herdeiros o cônjuge sobrevivo H… (autor), e os filhos I…, J…, K…, e L…, que lhes pertence em comum e sem determinação de parte ou direito;
- 1/6 parte para …, entretanto, falecida em 05/10/2020, no estado de solteira, tendo deixado testamento público, no qual instituiu seus herdeiros universais os autores – E…, F… e G…, pelo que a estes ficou a pertencer uma 1/6 parte do prédio em comum e sem determinação de parte ou direito, na qualidade de herdeiros testamentários;
- 1/6 parte para os autores C… e mulher CC…;
- 1/6 parte para o autor A…;
e ainda
- 1/6 parte para a autora B….
2. Declarar que o prédio à data da entrada em vigor do Dec Regional 13/77/M de 18/10, vinha sendo explorado por O…, em conformidade com o tradicional regime da colonia à data em vigor na Região Autónoma da Madeira, e que o réu por morte dos pais, P… e mulher, continuou a cultivar o mesmo terreno, na qualidade de arrendatário nos termos da lei que extinguiu o regime da colonia;
3. Declarar a ineficácia do título e do processo de justificação, que o criou, com fundamento em declarações falsas das testemunhas e afirmações falsas do réu M…, que não adquiriu por usucapião o prédio pertencente aos autores, acima identificado, no artº 1º desta petição.
4. Ordenar o cancelamento do registo daquele prédio, lavrado na Conservatória do Registo Predial de Machico, pela descrição nº… e inscrição a favor do réu M…, pela Ap. ….
5. Ordenar a restituição e entrega, aos autores, do prédio acima identificado, completamente desembaraçado de pessoas e bens.
Citado para contestar no prazo previsto para a acção comum, o réu contestou impugnando o alegado pelos autores quanto ao direito que invocam sobre o prédio e alegando factos integradores da usucapião invocada no processo de justificação.
Concluiu pedindo a improcedência da acção e a absolvição do pedido.
Após os articulados, foi proferido o seguinte despacho:
“Cabe, nesta fase, designar audiência prévia, tendo em vista, para além do mais, outros fins que não apenas os previstos no artigo 593.º, n.º 1 do CPC. Contudo, não se prevê a conciliação das partes e a causa reveste-se de simplicidade. Pelo que o princípio da simplificação processual aconselha a dispensa da realização de tal audiência. De acordo com o Acórdão da Relação do Porto de 12/09/2019 (relatado por JUDITE PIRES e disponível no site da DGSI), a não realização de audiência prévia, quando a lei não a dispensa “só será consentida no âmbito do exercício do dever de gestão processual, a título de adequação formal, se o juiz entender que a matéria a decidir foi objeto de suficiente debate nos articulados, justificando a dispensa dessa diligência”, sob pena de cometer nulidade processual. Ainda se refere em tal Acórdão que “sobre o propósito de dispensar a audiência prévia deverá, porém, ouvir as partes, de acordo com o disposto nos artigos 6.º, nº 1 e 3.º, n.º 3, ambos do Código de Processo Civil”. Pelo exposto, notifique as partes para, querendo, no prazo de 10 dias, pronunciarem-se sobre a dispensa de audiência prévia nestes autos, dispensa essa que se reputa adequada, conforme as considerações supra enunciadas, entendendo-se que a ela não se opõem, caso nada digam em tal prazo”.
Apenas os autores responderam à notificação, declarando que dispensavam a audiência prévia.
Seguidamente foi proferido o seguinte despacho:
“Notifique as partes para no prazo de 10 dias, querendo, pronunciarem-se sobre a eventual ocorrência de exceção inominada de preclusão, atento o peticionado e o disposto nos artigos 116º, nº 1 e 117º I do Código de Registo Predial”.
Novamente, apenas os autores responderam ao convite, pronunciando-se sobre o alegado pelo réu na sua contestação e terminando com a seguinte conclusão: “Termos em que, não sendo o réu M… possuidor inicial e em nome próprio desligado do possuidor antecedente, não pode ocorrer a exceção de usucapião, nem qualquer outra exceção inominada ou de preclusão, que impeça o Tribunal de julgar de mérito a presente ação”.
Foi então proferida a seguinte decisão:
“Com a presente ação os autores pretendem a “IMPUGNAÇÃO DE FACTO REGISTADO”, em consequência de decisão proferida por Conservador do Registo Predial, em processo de suprimento, nos termos do artº 8º, nº 1 do CRP. Para o efeito, alegam que o réu M…, para suprir a falta de título, e de modo inadequado e ilegítimo, requereu processo de justificação de propriedade, na Conservatória do Registo Predial de Machico, com a finalidade de obter documento que lhe permitisse registar em nome próprio o prédio em causa, pertencente aos autores, como se tivesse adquirido tal prédio por usucapião, e efetuar a seu favor o registo do prédio, conforme documento que aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais (cfr. doc nº 13 da p.i.). Acrescentam que a Srª Conservadora do Registo Predial de Machico, com base nas afirmações do réu AA e declarações das testemunhas, e por decisão sua proferida em 22 de Abril de 2022, julgou procedente o processo de justificação instaurado pelo aqui réu e declarou justificado o direito de propriedade, sobre o prédio dos autores, invocado pelo réu AA, para os efeitos do artº 116º e segts, do CRP, sendo tal decisão publicitada nos termos legais. Dispõe o art.º 116º nº 1 do Código de Registo Predial: «O adquirente que não disponha de documento para a prova do seu direito pode obter a primeira inscrição mediante escritura de justificação notarial ou decisão proferida no âmbito do processo de justificação previsto neste capítulo». Por sua vez, o art.º 117º - I daquele diploma legal, estatui que: «1 - O Ministério Público e qualquer interessado podem recorrer da decisão do conservador para o tribunal de 1.ª instância competente na área da circunscrição a que pertence a conservatória onde pende o processo. 2 - O prazo para a impugnação, que tem efeito suspensivo, é o do artigo 685.º do Código de Processo Civil. 3 - A impugnação efetua-se por meio de requerimento onde são expostos os respetivos fundamentos. 4 - A interposição da impugnação considera-se feita com a apresentação da mesma no serviço de registo em que o processo se encontra pendente, a qual é anotada no diário, sendo o processo remetido à entidade competente no mesmo dia em que for recebido». Significa que os autores, dentro do prazo estabelecido no art.º 638º (antigo art.º 685º) do Código de Processo Civil, não impugnaram a decisão do conservador de 22 de abril de 2022, junto da Conservatória do Registo Predial de Machico. Deste modo, precludiu o direito de os autores obterem a nulidade daquele processo de justificação notarial que correu termos na Conservatória do Registo Predial de Machico. Se o autor omite parte da sua defesa no momento próprio, fica precludido o direito e o fazer mais tarde no processo ou noutros processos, ainda que o pudesse ter feito por via reconvenção” - vd. Ac. do TRL de 08.02.2022, processo nº 1925/19.5T8PVZ-A.P1, acessível in www.dgsi.pt. Em face do exposto, ao abrigo do preceituado pelas disposições conjugadas dos artigos 278º, nº 1 alínea e), 279º, 573º, 576º, nº 2, 577°, alínea i) e 578º, todos do Código de Processo Civil, julgo procedente a exceção inominada de preclusão e, consequentemente determino a absolvição da instância do réu. Fixa-se o valor da ação em 30.001,00 Custas pelos autores. Registe e notifique”.
*
Inconformados, os autores interpuseram recurso e alegaram, formulando as seguintes conclusões:
1. Os autores intentaram a presente ação comum declarativa para impugnar registo efectuado a favor do réu, com base em processo de justificação, de prédio que tituladamente lhes pertence, e o Meritíssimo Juiz, oficiosamente, e no despacho saneador, julgou procedente excepção dilatória de intempestividade não suscitada pelas partes e absolveu o réu da instância.
2. E os autores, sem dependência de prazo, e em competente ação declarativa, e através da via judicial, têm sempre a possibilidade de, nos termos gerais, impugnar a existência do próprio direito registado, com base em justificação, independentemente do meio usado – processo interno da Conservatória ou escritura de justificação notarial.
3. A procedência dum processo de justificação na Conservatória tem apenas, e tão só, o efeito de suprir a obtenção de documento que possibilite o registo, e não constitui em si mesmo um verdadeiro título constitutivo do direito de propriedade correspondente.
4. E o douto despacho de dispensa de audiência prévia é nulo e de nenhum efeito, na medida em que a audiência foi dispensada com fundamento de que a matéria a decidir já teria sido suficientemente debatida nos articulados, e este fundamento não se verificou, uma vez que a procedência da exceção dilatória que está na base da decisão recorrida foi decidida oficiosamente e, como tal, não foi suscitada nem discutida nos articulados pelas partes.
5. A decisão recorrida foi uma verdadeira decisão surpresa, proferida com violação do artº 578º e artº 3º n° 3, do Cód. Proc. Civil, pelo que fica arguido de nula e de nenhum efeito, uma vez que o tribunal não facultou às partes a discussão efectiva da concreta exceção dilatória preclusiva que lhe está na base, que as partes não suscitaram nos articulados, porque completamente a desconheciam.
6. Fica ainda arguido de nulo e de nenhum efeito o douto despacho de 22/02/2024, ref. 54871727, com fundamento na sua falta de clareza, por não ter identificado a concreta exceção dilatória preclusiva que o tribunal pretendia ver discutida nos autos, e que os autores não conseguiram concretamente identificar, o que gerou insuficiente debate da referida exceção, cuja procedência está na base da decisão recorrida.
7. A douta decisão recorrida está ferida de nulidade, para todos os efeitos legais, uma vez que tem na base o julgamento de exceção dilatória de preclusão, não suscitada pelas partes, e não concretamente discutida por estas, o que ofende o princípio do contraditório, que cabia ao Meritíssimo Juiz respeitar e observar, e não respeitou, nem observou.
8. E está ainda ferida de nulidade a douta decisão recorrida, por violação o artº 278º, nº 3 do Código Processo Civil, na medida em que cumpria ao Meritíssimo Juiz “a quo”, dar prevalência a uma decisão final de mérito, em vez de proferir a douta decisão recorrida de absolvição da instância, e de carácter meramente processual, de modo a obter, com brevidade e eficácia a justa composição do litígio – artº 7º, nº 1 do Cód. Proc. Civil).
9. E para a hipótese de se entender, por eventual menor clareza ou precisão dos autores, que a presente ação é, na verdade, um recurso da decisão do Conservador para o tribunal da 1ª instância, que deveria ter sido interposto no prazo de 30 dias, o Tribunal “ad quem”, tendo em vista a obtenção de uma solução global e justa do litígio, sempre pode e deve convolar o processo para ação comum declarativa de impugnação do registo, requerida nos termos gerais, que não está sujeita a prazo de caducidade, ou, em alternativa ordenar o aclaramento ou aperfeiçoamento da petição.
Disposições violadas
Código de Processo Civil
- Art, 3º; artº 6; artº 7, nº 1; artº 278º, nº 1 alínea e), e nº 3; artº 279º, artº 573º; n°1 alínea b); artº 576º, nº 2; artº 577°, alínea i); artº 578º; e artº 591º.
Deve, assim, o presente recurso merecer provimento, nos termos requeridos, e naqueles que V. Exª se dignarão suprir, com a declaração de nulidade ou revogação da douta decisão recorrida, que absolveu o réu da instância, devendo proferir-se nova decisão, que julgue a presente ação provada e procedente e com todas as consequências Legais.
*
Não foram oferecidas contra-alegações e o recurso foi admitido como apelação com subida imediata, nos autos e efeito devolutivo.
As questões a decidir são:
I) Saber se se verifica uma excepção inominada de preclusão que determina a absolvição da instância (pontos 1 a 3 das conclusões de recurso).
II) Nulidade processual de violação do contraditório, por via dos despachos que determinaram a dispensa da audiência prévia (pontos 4 a 7 das conclusões de recurso).
III) Convolação do processo para acção declarativa comum de impugnação de direito obtido no processo de suprimento (ponto 9 das conclusões de recurso).
* FACTOS.
Os factos são os que constam no relatório que antecede e mais os seguintes, com base nos documentos 3 e 13 da PI (fls 37 verso e 59 verso e sgts do processo físico):
No processo de justificação intentado pelo réu na Conservatória do Registo Predial de Machico, foi pedida a justificação, para registo de facto aquisitivo, do prédio misto sito no sítio …, freguesia de Porto da Cruz, Concelho de Machico, com a área total de 2680 m2, composto de vinha, cultura arvense de regadio e casa destinada a habitação destinada a habitação de 2 pisos com a superfície de coberta de 37 m2 e logradouro com 13 m2, a confrontar do norte com …, do sul com …, do nascente com … e do poente com …, inscrito na matriz, a parte rústica sob parte do artigo … e a parte urbana sob o artigo …, não descrito na Conservatória do Registo Predial de Machico.
Depois de ouvidas as testemunhas apresentadas pelo réu, foi proferida decisão final em 22 de Abril de 2022 pela Senhora Conservadora do Registo Predial de Machico, em que se consignou que “não foram notificados os interessados nos termos do artigo 117º-G do C. Reg. Predial, pelo facto dos prédios não se encontrarem descritos, pelo que não há direitos de titulares inscritos que devam ser acautelados” e se decidiu nos seguintes termos:
“(…) face ao exposto concluo que: O requerente adquiriu por usucapião o prédio misto acima identificado, sendo-lhe facultada a inscrição registral da aquisição originária, com o subsequente início do trato sucessivo; - Julgo procedente o presente processo de justificação e consequentemente declaro justificado o direito de proprieadede do requerente M…, solteiro, maior, sobre o prédio acima identificado; - Determino o cumprimento da obrigação fiscal prevista na al. B) do nº2 do Código do Imposto de Selo; - Notifique-se nos termos do nº5 do art. 117º H do CRP; - Publique-se a decisão definitiva do presente processo de justificação no sítio da internet: em (…) nos termos do nº7 do artº H do CRP.”.
Com base nesta decisão foi descrito o prédio sob o nº… da freguesia de Porto Cruz e inscrita a sua aquisição a favor do réu, por usucapião.
* ENQUADRAMENTO JURÍDICO.
I) Existência de uma excepção inominada de preclusão conducente à absolvição da instância.
O despacho recorrido decidiu absolver o réu da instância, com o fundamento numa excepção de preclusão, que consiste no facto de os autores não terem recorrido do despacho da Senhora Conservadora do Registo Predial, como prevê o artigo 117º-I do Código do Registo Predial.
Vejamos então se se verifica tal excepção.
O autor intentou a presente acção, identificando-a da seguinte forma: “acção comum de impugnação de facto registado, em consequência de decisão proferida por Conservador do Registo Predial, em processo de suprimento, nos termos do artº 8º, nº1 do CRP”.
Os meios de suprimento estão regulados no capítulo I do título VI do Código do Registo Predial e, sob a epígrafe “justificação relativa ao trato sucessivo”, estatui o artigo 116º nº1 do Código do Registo Predial, que: “ O adquirente que não disponha de documento para prova do seu direito pode obter a primeira inscrição mediante escritura de justificação notarial ou decisão proferida no âmbito do processo de justificação previsto neste capítulo”.
Se o adquirente optar por justificar o direito por si invocado numa escritura notarial, a mesma está contemplada no artigo 89º do Código do Notariado e, nos termos do artigo 100º do mesmo código, é publicada por meio de extracto passados cinco dias a contar da celebração, num jornal dos mais lidos do concelho do prédio, ou, se aí não houver jornal, num dos mais lidos da região, prevendo ainda o artigo 101º nº1, também do mesmo diploma, que, se algum interessado impugnar em juízo o facto justificado, deve requerer ao tribunal a imediata pendência da acção.
Mas, se o adquirente optar por justificar o direito por si invocado mediante um processo de justificação a decorrer na Conservatória do Registo Predial, tal processo está previsto nos artigos 117º-B a 117º-O do Cod. Reg. Predial e a respectiva decisão prevê a sua notificação aos interessados e a publicação num site da internet, por força do artigo 117º- H, nºs 5 e 7.
Prevê ainda o artigo 117º-I do Cod. Reg, Predial: nº1- “O Ministério Público e qualquer interessado podem recorrer da decisão do conservador para o tribunal de 1ª instância competente na área da circunscrição a que pertence a conservatória onde pende o processo”; nº2- “O prazo para a impugnação, que tem efeito suspensivo, é o do artigo 685º do Código de Processo Civil”; nº3- “A impugnação efectua-se por meio de requerimento onde são expostos os respectivos fundamentos”; nº4- “A interposição da impugnação considera-se feita com a apresentação da mesma no serviço de registo em que o processo se encontra pendente, a qual é anotada no diário sendo o processo remetido à entidade competente no mesmo dia em que for recebido”.
Voltando ao caso dos autos, o processo de justificação que o réu escolheu para obter o registo do prédio com a inscrição a seu favor foi o processo previsto nos artigos 117º-B e seguintes do Cod. Reg. Predial.
Não tendo os autores recorrido da decisão proferida neste processo ao abrigo do artigo 117º-I do Cód. Reg. Predial, a questão que se coloca é a de saber se precludiu o seu direito de impugnar o registo assim obtido.
A resposta a esta pergunta não pode deixar de ser negativa.
Os processos de suprimento previstos no Cód. do Reg. Predial e acima descritos destinam-se, como o seu nome indica, a suprir a falta de título e não a constituir o direito titulado e o recurso do artigo 117º -I tem por fim apenas impugnar a forma de obtenção do título, enquanto na acção judicial é impugnado o próprio direito subjacente ao título, pelo que se os interessados não recorrerem da decisão do conservador, não preclude o seu direito de impugnar judicialmente a existência do próprio direito (cfr. neste sentido ac. RL de 15/11/2011, p. 884/07 em www.dgsi.pt).
A referência à impugnação da escritura de justificação notarial feita no artigo 101º do Cod. do Notariado deve-se à necessidade de dar conhecimento da pendência da acção de impugnação ao notário onde foi celebrada a escritura para efeitos de publicidade junto a terceiros, mas não significa que no caso de processo de justificação não possa ser igualmente impugnado judicialmente o direito registado.
Com efeito, os dois processos de suprimento do artigo 116º nº1 do Cod. do Reg. Predial têm em comum, não só o facto de apenas suprirem a falta de título e de não constituirem o direito subjacente, mas também o facto de não assegurarem o direito de contraditório de eventuais interessados, ao não preverem a notificação pessoal daqueles cuja existência é desconhecida, prevendo apenas a publicitação em jornal ou em site da internet.
Aliás foi o que sucedeu nos presentes autos, em que, como consta da decisão proferida na conservatória, não foram notificados eventuais interessados nos termos do artigo 117º-G, por não haver titulares inscritos, tendo sido apenas publicada a decisão no site da internet destinado ao efeito.
E a presente acção intentada pelos autores foi claramente intentada como sendo uma acção de impugnação judicial do facto registado, com impugnação do registo obtido no processo de justificação, tal como poderia ocorrer se, em vez de um processo de justificação, se tratasse de uma justificação notarial.
Não estamos perante um recurso da decisão da conservatória, como decorre de o processo ter sido distribuído como uma acção declarativa comum, na 1ª espécie, e não como recurso de decisão de conservador, na 9ª espécie (nos termos do artigo 212º da Lei 41/2013 de 26/6) e de o réu ter sido citado para contestar com advertência do prazo previsto para a acção comum.
Não pode assim acompanhar-se a decisão recorrida ao entender que precludiu o direito de o autor impugnar judicialmente o facto registado, sendo certo que o caso objecto do ac. da RP de 8/2/2022, citado na decisão, trata de uma situação completamente diferente, pois tem a ver com o entendimento de que a excepção de autoridade de caso julgado pode ser oposta ao autor que em acção anterior não deduziu reconvenção para invocar a questão em causa, quando, no presente caso, a questão em causa não é a mesma e não pode levar à preclusão, pois, como acima se expôs, no recurso da decisão conservador impugna-se a forma de obter o título e na presente acção se impugna o próprio direito registado.
Procedem assim as alegações de recurso dos apelantes.
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Face ao supra decidido, fica prejudicada a questão da nulidade processual da dispensa da audiência prévia (que teve lugar por via da excepção de preclusão que não se verifica) e da convolação do processo em acção comum de impugnação judicial (natureza que o presente processo já tem, conforme acima já se referiu).
* DECISÃO.
Pelo exposto, acorda-se em julgar procedente a apelação e revoga-se o despacho recorrido, determinando-se o prosseguimento dos autos, a partir do fim dos articulados.
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Sem custas.
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2025-06-26
Maria Teresa Pardal
João Brasão
Elsa Melo