HIPOTECA
DIREITO DE SEQUELA
PERDA DA COISA
FURTO
Sumário

Sumário (artº 663º nº 7 do CPC)
1-A hipoteca, enquanto garantia real, goza do direito de sequela, significando que a garantia é inerente ao bem, acompanhando-o em posteriores alienações ou onerações, seguindo-o em todas as transferências que venham a ter lugar após o registo da hipoteca.
2- No nosso regime processual civil, a efectivação da garantia hipotecária tem de ser feita por via judicial, mediante a penhora da coisa hipotecada, sua venda executiva e posterior pagamento aos credores pelo produto da venda do bem hipotecado.
3- A perda da coisa, como causa de extinção da posse, distingue-se do esbulho porque a perda ocorre sem que tal se deva a um acto de terceiro.
4- A coisa desaparece, objectivamente, quando é destruída, deixando de ter existência física enquanto tal.
5- Se a coisa hipotecada foi apropriada, ilicitamente, por terceiro desconhecido, não há extinção da propriedade por perda da titularidade.
6- O furto da coisa hipotecada não é sinónimo de perecimento da coisa para efeitos do artº 730º al. c) do CC; o mesmo é dizer que o furto da coisa hipotecada não constitui causa de extinção da hipoteca.
7- Apesar de esbulhado da coisa, o proprietário da coisa hipotecada continua adstrito a ser executado em função da venda da coisa.

Texto Integral

Acordam os juízes que compõem este colectivo da 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa:
I-RELATÓRIO
1-Por apenso a execução para pagamento de quantia certa, que FCA Capital Portugal – Instituição Financeira de Crédito, SA, move a BB, veio AA deduzir embargos de executado, pugnando pela respectiva procedência e pelo reconhecimento da perda do bem hipotecado/penhorado e consequente impossibilidade de o entregar na execução.
Alegou, em síntese, que comprou o motociclo ao executado em Março/Abril de 2020 pelo valor de € 10.500,00; por estar em plena época de covid o embargante solicitou a um advogado que lhe efetuasse o registo online do motociclo, nunca tendo sido informado por parte do registo automóvel da existência de qualquer hipoteca sobre o mesmo; na data da compra o embargante desconhecia que existia um registo de hipoteca sobre o motociclo, caso contrário não a teria comprado; no dia 29/03/2022, cerca das 21h, o embargante deslocou-se no motociclo para ir jantar a casa de amigos; após o jantar, cerca da meia noite, quando pretendia regressar à sua residência, o embargante deu conta que o motociclo não estava no local parqueado, tendo sido furtado; o embargante foi, de imediato, junto da Guarda Nacional Republicana e efetuou participação de furto do motociclo no dia 30/03/2021, pelas 00:20 minutos, tendo o inquérito o n.º 133/22.2GBSLV; o embargante percorreu várias ruas do concelho de Silves, durante várias semanas, mas sem qualquer sucesso o motociclo não mais apareceu; em Outubro de 2022 o embargante foi notificado do arquivamento do inquérito crime, por falta de existência de indícios quanto à autoria dos factos denunciados, não se antevendo a realização de outras diligências; atento o furto do motociclo, o embargante deslocou-se à repartição de finanças para fazer o cancelamento da matrícula, por forma a não continuar a pagar o Imposto Único de Circulação, sendo-lhe pedida uma certidão registo automóvel para efetuar a baixa do motociclo; o embargante dirigiu-se à conservatória do registo automóvel, e foi quando tomou conhecimento que o motociclo tinha uma hipoteca registada a favor da exequente.
2- A exequente/embargada deduziu contestação.
Impugna o alegado furto do motociclo, invoca que o embargante nada diz quanto a existência de seguro do motociclo e se obteve o pagamento de indemnização pelo furto.
3- O embargante juntou cópia da apólice de seguro sobre o veículo, para o ano de 05/06/2021 a 13/06/2022, de que resulta que não possuía cobertura de roubo/furto do veículo.
4- Teve lugar a audiência prévia, com saneamento dos autos, indicação do objecto do litígio e temas de prova.
5- Realizou-se a audiência final e, com data de 16/01/2025 foi proferida sentença, com o seguinte teor decisório:
DECISÃO
Por todo o exposto, julga-se integralmente procedente, por provada, a presente oposição à execução e, em consequência, determina-se a extinção da execução quanto ao embargante.”
6- Inconformada, a exequente/embargada interpôs o presente recurso, apresentando as seguintes CONCLUSÕES:
I-O pedido do Embargante nos presentes embargos de Executado foi:
Nestes termos devem os presentes embargos serem procedente e ser declarado que o referido motociclo foi furtado por terceiros desconhecidos ao embargante e que por esse motivo, ao qual não só é totalmente alheio e sem culpa, sendo ainda o maior prejudicado, resultando que o embargante não detém o motociclo, desconhecendo onde este se encontra e que por esse motivo não o pode entregar nos presentes autos para prosseguir a execução.
Devendo pelo supra exposto ser absolvido do pedido.”
II- O objecto do litígio foi definido como:
Da responsabilidade do embargante por subsistência da garantia hipotecária ou da extinção desta.”
III- A sentença proferida decidiu que:
Em suma, conclui-se que a garantia hipotecária extinguiu-se nos termos do artigo 730º, alínea c), do Código Civil.
A perda da garantia hipotecária não implica a perda do crédito do exequente.
Porém, uma vez que o embargante não é o devedor (por não ter sido parte no contrato de crédito, para cuja garantia foi constituída hipoteca sobre o bem), mas foi demandado na qualidade de proprietário do bem hipotecado, o embargante apenas responderia perante o exequente até ao limite do valor da hipoteca constituída.
Assim, concluindo-se, como se conclui, que com a perda do bem, por furto, se extinguiu a garantia hipotecária e não respondendo o embargante pela dívida exequenda, a execução tem de ser extinta quanto ao embargante.
DECISÃO
Por todo o exposto, julga-se integralmente procedente, por provada, a presente oposição à execução e, em consequência, determina-se a extinção da execução quanto ao embargante.”
IV. Salvo o devido respeito, o primeiro erro deste trecho da sentença supra transcrito é que o Embargante não é responsável perante o Exequente até ao limite do valor da hipoteca constituída.
V. O Embargado apenas é responsável, única e simplesmente, na medida em que tem de permitir a execução (somente) do bem hipotecado no seu património.
VI. Tratam-se, necessariamente, de conceitos diferentes. Numa fiança isso seria assim, numa hipoteca, não. E o Embargante AA não é fiador, é apenas o adquirente do veículo que tinha sido dado de hipoteca à Apelante, hipoteca esta, devidamente registada.
VII. Apenas no caso previsto no Art.º 692.º do CC, o Embargado teria o direito de se ver pago pelo produto de indemnização a que houvesse lugar, e o que também não é o caso aqui.
VIII. Salvo melhor opinião, o segundo erro deste trecho é que o furto não implica a perda do bem.
IX. O crime de furto é um crime de desapossamento e não um crime de perecimento, pelo que, a comissão do crime de furto não implica, por si só, a perda do bem, que continua a existir e a cumprir o fim para que é apto, apenas não na posse do seu legitimo proprietário.
X. Para que fosse possível tal conclusão, teriam de ter sido alegados factos nesse sentido, ou constarem dos autos documentos de onde isso resultasse, e sendo que o único facto alegado foi o furto e não a perda do veículo e também não tendo sido alegados outros factos, ou juntos documentos de onde pudesse resultar que o veículo pereceu.
XI. Ainda que se pondere que em alguns casos de furto de veículos se verifica o desmantelamento do bem, ainda a assim, a garantia subsiste sobre os seus componentes que mantêm valor económico, embora menor, e que podem vir a ser recuperados, sendo susceptíveis de venda para com o produto dessa venda amortizarem a divida que o bem garante – Art.º 696.º do CC.
XII. Como aliás a própria sentença aqui posta em crise acaba por o reconhecer:
Como referem Pires de Lima e Antunes Varela «O perecimento deve ser total. Sendo parcial, a hipoteca mantém-se em relação à parte existente, nos termos do artº 696º.”
XIII. Repete-se, que nem foi alegado e nem resulta de qualquer documento que o veículo pudesse ter sido desmantelado, ou perecido por qualquer outra forma. E,
XIV. Sendo certo que, o número de processos em que os veículos são localizados e recuperados, muitas vezes, anos depois do seu furto, é ainda bastante significativo, sendo recuperados pelo menos um em cada três veículos.
XV. Não existe por isso nenhum elemento de prova nos autos de onde se possa
concluir pelo perecimento do bem hipotecado e sendo que, por natureza, o
crime de furto é um crime de desapossamento e não de perecimento.
XVI. Da mesma forma, tal facto não foi dado como provado, tendo apenas sido dado como provado que:
10. Após o jantar, cerca das 23.30 horas, quando pretendia regressar à sua residência, o embargante deu conta que o motociclo com a matrícula ..-ZM-.. não estava no local parqueado, tendo sido furtado.
11. O embargante dirigiu-se à Guarda Nacional Republicana e efetuou a participação do furto do motociclo no dia 30-03-2021, pelas 00:20 horas, tendo sido atribuído ao inquérito o nº 133/22.2GBSLV.
12. O embargante percorreu várias ruas do concelho de Silves à procura do motociclo, durante várias semanas, sem qualquer sucesso, uma vez que o motociclo não mais apareceu”.
XVII. Sendo pela sua natureza, o crime de furto um crime de desapossamento, em que o bem é subtraído ao seu legitimo possuidor, não é possível da prova da comissão do furto, ainda que desconhecendo o agente perpetrador, concluir pelo perecimento do bem furtado, sem a prova de outros factos adicionais e o que não sucedeu.
XVIII. Sucede ainda que, no âmbito da presente execução não chegaram a ser realizadas quaisquer diligências para apreensão do veículo, e no âmbito do processo crime não se sabe quais as diligências que foram realizadas tendentes a esse fim, pois que nenhuma prova foi junta.
XIX. Resulta ainda inequivocamente que, do trecho da sentença assinalado, em confronto com o pedido formulado na petição de embargos, que a mesma se pronuncia sobre facto que não foi submetido à apreciação do Tribunal à quo.
XX. Na verdade, a sentença ao concluir pela extinção da hipoteca, cometeu uma nulidade e violou a regra constante do Art.º 615.º/1 d) e e) do CPC, para além que,
XXI. Sendo o pedido do Embargante que fosse declarado que o mesmo não poderia entregar o veículo hipotecado à Execução, por este lhe ter sido furtado, ao pronunciar-se pela extinção da hipoteca, a sentença sub judice, condena em objecto diverso do pedido.
XXII. De notar que, porque esse não foi o pedido, não se pronunciou a Embargada sobre tal questão na sua contestação aos embargos.
XXIII. E tal decisão foi tomada pelo Tribunal à quo, sem que fosse assegurado o respectivo contraditório, pois a Apelante apenas se pronunciou sobre os factos constantes da PE e respectivo petitório, e não acerca de uma possível extinção da sua garantia que não foi nem pedida e nem sequer alegada,
XXIV. Invocando, assim, a nulidade decorrente da preterição de formalidades essenciais (Art.º 195.º do CPC).
XXV. Para além disso, o pedido nos embargos nunca poderia, sequer, o da extinção da hipoteca, pois que tal pedido consubstanciaria um pedido reconvencional contra o Exequente, já que não beliscaria o título executivo e/ou a quantia exequenda, quando, de acordo com a Lei, este é o único objecto possível dos embargos de Executado.
XXVI. Isso mesmo resulta dos termos do Art.º 698.º do CC, que estabelece que os meios de defesa do terceiro apenas se podem cingir aos meios de defesa que o titular do crédito teria e no que respeita à sua subsistência, e não no que respeita à questão da garantia:
Artigo 698.º
(Defesa do dono da coisa ou do titular do direito)
1. Sempre que o dono da coisa ou o titular do direito hipotecado seja pessoa diferente do devedor, é-lhe lícito opor ao credor, ainda que o devedor a eles tenha renunciado, os meios de defesa que o devedor tiver contra o crédito, com exclusão das excepções que são recusadas ao fiador.
2. O dono ou o titular a que o número anterior se refere tem a faculdade de se opor à execução enquanto o devedor puder impugnar o negócio donde provém a sua obrigação, ou o credor puder ser satisfeito por compensação com um crédito do devedor, ou este tiver a possibilidade de se valer da compensação com uma dívida do credor.
(sublinhado nosso)
XXVII. Bem sabendo o Legislador que o terceiro apenas é o proprietário do bem dado de garantia, se a validade ou subsistência da garantia pudessem ser factores de oposição ao credor, não deixaria de o ter referido, pelo que,
XXVIII. Só se pode concluir que a extinção da garantia, nos casos expressamente previstos na Lei, apenas poderá ser discutida em sede de acção e não em sede de oposição mediante embargos.
XXIX. Por cautela de patrocínio ainda se refere que a Douta Sentença sob recurso, deveria, pelo menos, ter referido a salvaguarda do renascimento da hipoteca como previsto no Art.º 732.º do CC.
XXX. Em face de tudo o exposto a Recorrente só pode concluir pela procedência do presente recurso.
TERMOS EM QUE,
Deverá ser dado provimento ao presente recurso, e em consequência revogada a decisão recorrida e substituída por outra que determine a improcedência dos embargos e a manutenção da hipoteca de que beneficia a Exequente.
7- E embargante/apelado contra-alegou, pugnando pela improcedência do recurso, apresentando as seguintes CONCLUSÕES:
1 – O presente recurso interposto da Douta Sentença proferida nos autos de processo comum singular acima referenciados, é apenas de matéria de direito e sobre a matéria que “julgou integralmente procedente, por provada, a presente oposição à execução e, em consequência, determina-se a extinção da execução quanto ao embargante.”
2º - A embargada aqui apelante aceita que os factos provados e não provados sendo o recurso apenas quanto à solução jurídica dada na sentença.
3º - Aceitando-se os factos provados e não provados não sendo o embargante executado nem devedor da embargada, os embargos teriam forçosamente de proceder, sendo uma das causas da extinção da hipoteca nos termos da al c) o artº 730 do CPC o seu perecimento, pois que constituindo a hipoteca uma garantia acessória sobre o referido motociclo que foi furtado, obviamente que este desaparecendo totalmente pereceu, o que naturalmente fará também extinguir a obrigação que serve de garantia ou seja a hipoteca. Foi o que veio a acontecer.
4º - Ora a matéria dos factos provados foi aceite pela embargada, pelo que não a pode colocar em crise, especialmente porque durante o julgamento a embargada nenhuma prova fez de que o motociclo ainda poderia ser encontrado, alias nem sequer alegou tal facto, tão pouco requereu a reabertura do inquérito criminal.
5º - A decisão proferida pelo tribunal não lesou os direitos da embargada, porque a extinção da hipoteca nos termos da al.c) do artº 730 do CC, é sem prejuízo do disposto nos artigos 692º e 701º do cc , ou seja o titular da garantia que não é o embargante , mas sim o executado, e este continua a ser responsável pelo seu pagamento, nenhum direito foi coartado, além de que a hipoteca que pendia sobre o motociclo não sequer a única garantia da embargada, também foi dado como provado no facto 1 que existe um “título executivo uma livrança emitida a 26- 04-2021, com vencimento a 11-05-2021, no valor de € 17.015,40, subscrita por BB”, podendo a embargada, prosseguir os seus direitos contra este ou até mesmo
6º - Andou bem o tribunal a quo quando entendeu que com o furto do motociclo houve um perecimento total do motociclo que desapareceu e nunca mais irá voltar pelo que pereceu, devendo como tal a obrigação – hipoteca - extinguir-se, o que é muito diferente de a embargada não poder continuar a sua execução contra o executado ou contra o avalista que emitiu a livrança.
7º - Extinguindo-se a garantia hipotecaria, extingue-se a hipoteca sobre o bem, tal decorre naturalmente do artigo 730º, alínea c), do Código Civil, sendo esta uma matéria de mera aplicação do direito que é permitida ao tribunal e aplicação em sede de sentença, não sendo necessário o seu pedido pois que decorre dos factos dados como provados e da aplicação da lei, não sendo possível continuar uma hipoteca sobre um bem que não existe, e que serviria apenas para que o embargante continuasse a pagar um imposto sobre um motociclo que já não existe, porque desapareceu definitiva e totalmente.
8º- Pelo que a douta sentença não está ferida de nulidade ou de qualquer outro vicio.
9 – A embargada ao aceitar todos os factos provados entre eles do furto do veículo e do encerramento do inquérito terá de aceitar que a hipoteca que existia sobre um bem (motociclo) que pereceu extingue-se, podendo indicar outros bens para pagamento do seu crédito.
10º- Bem concluiu O Douto “tribunal a quo”, no que respeita ao pedido formulado pelo embargante entendendo-se que deve indiscutivelmente a sentença proceder, não existiu errada aplicação do direito e que a Douta Sentença recorrida respeita a prova produzida em sede de audiência e julgamento, bem como todas as normas legais aplicáveis ao caso sub judice.
11º- Mostrando-se, assim, a decisão dos presentes autos justa e em respeito pelos princípios mais básicos e elementares do processo civil, face ao que resultou provado no âmbito dos presentes autos.
12º- Tendo o Tribunal “a quo” no seu exame crítico da prova até ponderado todas as questões levantadas pela apelante, fazendo uma análise de todas as circunstâncias que rodeiam os factos, que, mesmo assim, com base na prova produzida, a conclusão não pode ser outra de que a presente ação julga-se procedente, e declarando os embargos procedentes e o motociclo perecido, teria forçosamente de se declarar a extinção da hipoteca atento o perecimento da coisa hipotecada, desta forma a Sentença recorrida mostra-se bem fundamentada de facto e de direito.
13º- Não se vislumbra, em nosso entender e sempre com o devido respeito por opinião contrária, qualquer vício da Douta Sentença, considerando-se a mesma perfeitamente válida, justa e de acordo com os mais básicos e elementares princípios do processo civil, face ao que resultou provado no âmbito dos presentes autos.
14º- Devendo, no entendimento do recorrido, manter-se a Douta Sentença tal como foi proferida, procedendo totalmente a sentença.
Nestes termos e nos mais de Direito aplicáveis que V. Exas. mui doutamente suprirão, deverá o recurso apresentado pela recorrente embargada ser julgado improcedente, confirmando-se a sentença recorrida.
***
II-FUNDAMENTAÇÃO.
1-Objecto do Recurso.
1-É sabido que o objecto do recurso é balizado pelo teor do requerimento de interposição (artº 635º nº 2 do CPC) pelas conclusões (artºs 635º nº 4, 639º nº 1 e 640º do CPC) pelas questões suscitadas pelo recorrido nas contra-alegações em oposição àquelas, ou por ampliação (artº 636º CPC) e sem embargo de eventual recurso subordinado (artº 633º CPC) e, ainda pelas questões de conhecimento oficioso cuja apreciação ainda não se mostre precludida.
Assim, em face das conclusões apresentadas pela recorrente, são as seguintes as questões que importa analisar e decidir:
a)- Das nulidades da sentença;
b)- A revogação da sentença, com a consequente improcedência dos embargos.
***
2- Matéria de Facto.
A 1ª instância decidiu a seguinte matéria de facto, de resto, não impugnada:
Factos provados:
1. No dia 23-11-2021, a FCA Capital Portugal - Instituição Financeira de Crédito, S.A. instaurou execução, para pagamento de quantia certa, contra BB, apresentando como título executivo uma livrança emitida a 26-04-2021, com vencimento a 11-05-2021, no valor de € 17.015,40, subscrita por BB.
2. A livrança referida em 1. foi entregue ao exequente para garantia das responsabilidades emergentes do contrato de crédito n.º ….
3. Para garantia do contrato referido em 2. foi também constituída hipoteca voluntária pelo executado, a favor do exequente, sobre o motociclo da marca HARLEY-DAVIDSON, de matrícula ..-ZM-.., tendo a hipoteca sido registada a 27-03-2020.
4. O embargante adquiriu o motociclo referido em 3., por compra, sendo a aquisição registada a seu favor a 08-04-2021.
5. Mediante o despacho de 03-12-2023, foi admitida a intervenção principal provocada do embargante nos autos, do lado passivo.
6. O embargante adquiriu o motociclo ao executado, por compra, em Março de 2021, pelo valor de € 10.500,00, atendendo a que o referido motociclo estava acidentado e apresentava danos que o impediam de circular.
7. Por estar em época de doença Covid, o embargante solicitou a um advogado que lhe efetuasse o registo online do motociclo, nunca tendo sido informado da existência da hipoteca sobre o veículo.
8. O embargante reparou à suas expensas o motociclo e a partir do final de 2021 começou a circular com o motociclo na via pública.
9. No dia 29-03-2022, o embargante deslocou-se no motociclo para ir jantar a casa de um
amigo de nome CC, em Silves.
10. Após o jantar, cerca das 23.30 horas, quando pretendia regressar à sua residência, o embargante deu conta que o motociclo com a matrícula ..-ZM-.. não estava no local parqueado, tendo sido furtado.
11. O embargante dirigiu-se à Guarda Nacional Republicana e efetuou a participação do furto do motociclo no dia 30-03-2021, pelas 00:20 horas, tendo sido atribuído ao inquérito o nº 133/22.2GBSLV.
12. O embargante percorreu várias ruas do concelho de Silves à procura do motociclo, durante várias semanas, sem qualquer sucesso, uma vez que o motociclo não mais apareceu.
13. Em 22-10-2022, o embargante foi notificado do arquivamento do inquérito crime, com fundamento na “não existência de indícios quanto à autoria dos factos denunciados,
não se antevendo, por ora, a realização de diligências de que possam resultar efeitos úteis para a investigação.”.
14. Após a notificação do arquivamento do inquérito criminal referido em 13., o embargante deslocou-se a repartição de finanças para fazer o cancelamento da matrícula, por forma a não continuar a pagar o Imposto Único de Circulação, tendo-lhe sido pedida uma certidão do registo automóvel.
15. O embargante dirigiu-se à Conservatória do Registo Automóvel para obtenção de certidão para cancelamento da matrícula, ocasião em que tomou conhecimento que o motociclo tinha uma hipoteca registada a favor da exequente.
16. O motociclo teve seguro na Seguradora Tranquilidade, titulado pela apólice n.º ..., que vigorou de 05-06-2021 a 13-06-2022, o qual não tinha cobertura do risco de roubo.
*
Factos não provados:
a)- Que o embargante recebeu indemnização do seguro pelo furto do veículo.
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3- As Questões Enunciadas.
3.1- Das Nulidades da Sentença:
3.1- Entende a exequente/embargada/apelante que a sentença padece de nulidade, por excesso de pronúncia, nos termos do artº 615º nº 1, al. e), porque condenou a recorrente a uma extinção da sua garantia, quando essa extinção não foi pedida pelo embargante, nem sequer incorrectamente expressa e nem foi objecto de contraditório pela embargada.
Que essa decisão pode ainda ser subsumida à alínea d) do artº 615º nº 1 porque ao pronunciar-se sobre a extinção da hipoteca o tribunal apreciou uma questão de que não podia tomar conhecimento.
Será assim?
Vejamos cada uma das pretendidas nulidades.
3.1.1- Nulidade por excesso de pronúncia.
Determina o artº 615º nº 1, al. e) do CPC que a sentença é nula quando o juiz condene em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido. O preceito está relacionado com o artº 609º nº 1 do mesmo código que impede o juiz, na sentença, de condenar em quantidade superior ou em objecto diverso do que foi pedido.
Estes preceitos conjugam dois princípios básicos do processo civil, os poderes de cognição do juiz com o princípio do dispositivo do qual resulta que, em geral, compete às partes definir o objecto da lide, articulando os factos essenciais que fundamentem as pretensões ou excepções deduzidas e, formulando os consequentes pedidos.
Determina-se, através deles, que o juiz está limitado, na sentença, por aquilo que lhe foi pedido pelas partes estabelecendo-se, desse modo, um limite quantitativo e um limite qualitativo ao conteúdo possível da sentença: o juiz não pode condenar em quantidade superior e não lhe é lícito condenar em objecto diverso.
Por outro lado, importa ter presente que estamos em sede de um processo de oposição à execução.
Ora a oposição à execução é o meio processual pelo qual o executado exerce o seu direito de defesa perante o pedido do exequente.
Na oposição à execução o executado/embargante deduz um pedido típico de extinção, parcial ou total, da execução. Daí, em plena coerência com a regra de que uma sentença não pode condenar em objecto diverso do que foi pedido (artº 609º nº 1), o artº 732º nº 4 enunciar que a procedência dos embargos extingue a execução, no todo ou em parte. (Cf. Rui Pinto, a Ação Executiva, AAFDL, 2018, pág. 371).
E como menciona este Professor, “…este efeito extintivo da execução, sendo o efeito pretendido pelo autor da oposição, tem, porém, fundamentos decisórios “o reconhecimento da actual inexistência do direito exequendo, ou a falta de pressuposto, específico ou geral, da acção executiva, no dizer da mesma decisão.” (A Ação…, cit., pág. 371 e seg.). “…o executado cumulará na petição inicial o pedido de extinção da execução, total ou parcial, com o pedido de simples apreciação negativa da existência, validade e exigibilidade da obrigação.” (A. e ob. cit., pág. 373).
Pois bem, no caso dos autos, o embargante/apelado deduziu, na oposição à execução, o pedido típico dos embargos de executado: “Devendo pelo supra exposto ser absolvido do pedido.”
Foi esse o pedido formulado, embora, de modo algo atípico, tenha enunciado que “Nestes termos devem os presentes embargos serem procedente e ser declarado que o referido motociclo foi furtado por terceiros desconhecidos ao embargante e que por esse motivo, ao qual não só é totalmente alheio e sem culpa, sendo ainda o maior prejudicado, resultando que o embargante não detém o motociclo, desconhecendo onde este se encontra e que por esse motivo não o pode entregar nos presentes autos para prosseguir a execução.
Ou seja, decorre da pretensão deduzida pelo executado/embargante que ele cumulou o pedido de absolvição do pedido executivo, com o de reconhecimento dos fundamentos pelos quais entende que não pode ser executado nesta execução.
E, na sentença dos embargos, não pode considerar-se que houve uma condenação para além do pedido ou em pedido diverso.
Isto por duas razões.
Primeira: contrariamente ao que invoca a exequente/embargada/apelante a sentença não condenou a recorrente a uma extinção da sua garantia (hipoteca). Limitou-se a, no âmbito do pedido de embargos, determinar a extinção da execução.
Segunda: ao proferir esse trecho decisório, a 1ª instância interpretou as normas jurídicas de acordo com o entendimento que teve por mais plausível. Ora, é entendimento unânime que “I - Não se verifica a nulidade do acórdão, por condenação em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido, quando o tribunal, eventualmente, se baseia para a condenação no pedido, em fundamentos jurídicos distintos dos invocados pelo autor.” (STJ, de 24/07/2017, Helder Roque, Proc. 685/03, www.dgsi,pt).
De resto, decorre do artº 5º nº 3 do CPC que “O juiz não está sujeito às alegações das partes no que toca à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito”. O princípio iura novit curia expressa a repartição de funções entre as partes (que têm o ónus de alegar os factos) e o tribunal (que tem a liberdade de qualificar esses factos) e que se expressa no antigo brocardo da mihi facta, dabo tibi ius.
Do que se expôs decorre, sem necessidade de outros considerandos, que a sentença em causa não padece do vício de pronúncia excessiva por condenação em objecto diverso que lhe vem assacada.
3.1.2- Nulidade por pronúncia indevida.
Argui ainda o apelante que a sentença padece de nulidade, nos termos do artº 615º nº 1, al. d), porque, diz, ao pronunciar-se sobre a extinção da hipoteca o tribunal apreciou uma questão de que não podia tomar conhecimento.
O artº 615º nº 1, al. d), segunda parte, estatui que a sentença é nula quando o juiz conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.
Salvo o devido respeito, a apelante não tem razão.
Por duas circunstâncias muito simples.
Primeira: como verificamos acima, a sentença jamais decidiu/declarou a extinção da hipoteca. Limitou-se a julgar procedentes os embargos e a extinção da execução quanto ao embargante.
Segunda: fundamentos, argumentos e razões explanados na sentença não se confundem com questões que devam ou possam ser apreciadas. Apenas estas, as questões, relevam para efeito de pronúncia indevida. E são questões, para este efeito, em primeira linha, por uma ordem de precedência lógica, as questões de forma (vícios de natureza processual, excepções dilatórias) susceptíveis de conduzir à absolvição da instância e consequente ineficácia do processo e que não tenham sido resolvidas no despacho saneador (artº 608º nº 1), quer tenham sido alegadas pelas partes, quer devam ser apreciadas oficiosamente.
Depois e principalmente, o juiz aprecia e decide às questões de fundo, que constituem o mérito da causa, suscitadas pelas partes como fundamento do pedido ou como fundamento das excepções e, ainda, das que o juiz possa, rectius, deva conhecer ex officio (artº 608º nº 2).
Refere Amâncio Ferreira que “Trata-se da nulidade mais invocada nos tribunais, originada na confusão que se estabelece com frequência entre questões a apreciar e razões ou argumentos aduzidos no decurso da demanda”. (Manual dos Recursos em Processo Civil, 8ª edição, pág. 55).
Do que se expôs apenas se pode concluir que a sentença não padece da nulidade que lhe é apontada referida no artº 615º nº 1, al. d), 2ª parte.
3.2- A revogação da sentença, com a consequente improcedência dos embargos.
A apelante discorda da solução dada na sentença, argumentando, em síntese, que o executado, enquanto proprietário do bem dado em hipoteca, tem que permitir a execução desse bem; e que o furto do veículo hipotecado não implica a perda do bem, por o furto ser um crime de desapossamento e não um crime de perecimento; que não foi feita prova de o veículo ter perecido.
Vejamos
Como vimos acima, o embargante fundou a sua pretensão de procedência dos embargos e de extinção da execução, quanto a si, no furto do veículo sobre que incidia a hipoteca e na consequente impossibilidade de o entregar.
A 1ª instância entendeu que o furto do veículo integra o conceito de perecimento e, daí, retirou que o perecimento da coisa, dada em hipoteca, extinguia esta garantia real e, julgou procedentes os embargos à execução.
Será assim?
Pois bem, como é sabido, em termos simples, a hipoteca, enquanto garantia real, confere ao credor o direito de ser pago, preferencialmente, pelo valor da coisa hipotecada.
A hipoteca, enquanto garantia real goza do direito de sequela, significando que a garantia é inerente ao bem, acompanhando-o em posteriores alienações ou onerações, seguindo-o em todas as transferências que venham a ter lugar após o registo da hipoteca.
Além disso, a hipoteca goza de oponibilidade em relação a terceiros, não sendo afectada em quaisquer actos de disposição. Quer dizer, embora o devedor que hipotecou a coisa, continuar a gozar do direito de disposição em relação ao bem hipotecado, podendo vendê-la ou onerá-la, essas transmissões da coisa para terceiros, porém, não afectam o direito do credor hipotecário obter o pagamento do seu crédito mediante a venda da coisa.
O terceiro proprietário da coisa hipotecada, quer seja um terceiro adquirente quer seja o terceiro dador da hipoteca, não é o devedor e, como tal, não é pessoalmente obrigado pelo débito – o dador da hipoteca ou o terceiro adquirente da coisa dada em garantia hipotecária não se torna garante pessoal, como sucede, v.g. com o fiador –, antes se constitui responsável em função da coisa e dentro dos limites do seu valor e vê-se na contingência de ser executado, pelos credores que não vejam satisfeito voluntariamente (pelo devedor) o seu crédito assegurado por aquela garantia.
Com efeito, no nosso regime processual civil, a efectivação da garantia hipotecária tem de ser feita por via judicial, mediante a penhora da coisa hipotecada, sua venda executiva e posterior pagamento preferencial ao credor hipotecário pelo produto da venda do bem hipotecado (Cf. Maria Isabel Menéres Campos, Da Hipoteca, 2003, pág. 196 e segs.).
Dito isto e percebendo as características da inerência e da sequela própria dos direitos reais, incluindo a hipoteca, a questão que se coloca é a de saber se o furto da coisa hipotecada permite se conclua que o terceiro, proprietário da coisa hipotecada, possa deixar de ser executado pelo credor que goza da garantia hipotecária.
Como vimos, segundo a 1ª instância, o furto da coisa deve ser entendimento como perecimento da coisa.
Vejamos.
Segundo o artº 730º al. e) do CC, uma das causas de extinção da hipoteca é o “…o perecimento da coisa hipotecada…”.
A lei, no âmbito do regime civil dos direitos reais, utiliza expressões diferentes para a extinção do direito em diversos institutos.
Assim, na hipoteca, socorre-se da expressão “perecimento” (artº 730º al. c) como causa da respectiva extinção.
No usufruto, vem usada a expressão “perda total da coisa usufruída” como causa da extinção do usufruto (artº 1476º nº 1, al. d)).
Na posse a expressão escolhida como causa de extinção é “perda ou destruição material da coisa” (artº 1267º al. b)). Saliente-se que o legislador, quanto à perda da posse refere “a perda” ou “a destruição material da coisa”.
Alguma doutrina, tende a equiparar “perda da coisa” com “destruição da coisa”.
Assim, Oliveira Ascensão (Direito Civil – Reais, 4ª edição, 1983, pág. 314) refere “Se o direito real recai sobre uma coisa que tem de estar individual e actualmente determinada, com a perda da coisa extingue-se o direito. Assim o estabelece o Código Civil em vários preceitos (artºs 1476º nº 1 d) e 1513 b)).
José Alberto Vieira (Direitos Reais, 3ª edição, 2024, pág. 405 e seg.) enuncia a “perda ou destruição da coisa” como factos extintivos dos direitos reais, dizendo “Os direitos reais são direitos inerentes a uma coisa corpórea. Se a coisa perece ou é destruída, qualquer que seja o facto, o direito real extingue-se…a perda da coisa induz automaticamente a extinção de todos os direitos reais que a tenham por objecto. É a inerência do direito real a uma coisa corpórea que explica que o direito se extinga quando o seu objecto desaparece. Alguns preceitos confirmam esta eficácia extintiva da perda da coisa. Assim, o artº 730º al. c) para a hipoteca…o artº 1476º al. d) e o artº 1478º nº 1. (…) A perda da coisa que gera a extinção do direito real é a perda total.” * (realce nosso).
Este mesmo autor (José Alberto Vieira, Direitos Reais, cit., pág. 553) a propósito dos factos extintivos da posse, ensina “A perda da coisa, por contraposição ao abandono, existe quando, involuntariamente, o possuidor deixa de estar no controlo material dela, sem que tal se deva a um acto de terceiro.” * (sublinhado nosso). Isto para distinguir a “perda” do “esbulho” que, com o é sabido, consiste na privação da coisa por um acto de terceiro contra a vontade do esbulhador.
Efectivamente, Orlando de Carvalho (Introdução à Posse, na RLJ, ano 122 e segs., concretamente, nº 3812, pág. 335 e seg.) relativamente ao Esbulho, diz “…No esbulho propriamente dito entrarão, pois, todas as privações ilícitas da posse de outrem, contra a vontade do possuidor… (…) A generalidade, se não a totalidade, dos esbulhos em sentido estrito, preenche tipos legais de crime, quer de direito geral penal – o furto, o roubo… (…) A posse que ele cria originariamente surge como uma posse antagónica do esbulhado (o que, de resto, é comum a todas as formas de usurpação), integrando, nessa medida, a previsão do artº 1267º nº 1, al. d) do Código Civil.”.
Carvalho Fernandes (Lições de Direitos Reais, 4ª edição, 2006, pág. 244 e seg.) menciona “A perda da coisa que constitui objecto do direito real surge naturalmente como causa de extinção deste tipo de direitos, dada a relevância que o seu objecto tem na caracterização do seu regime. Trata-se aqui, como é manifesto, da perda absoluta ou total, ou seja, da sua destruição” * (sublinhado nosso).
Pires de Lima e Antunes Varela (CC anotado vol. I, 3ª edição, 1982, pág. 720) referem “A terceira causa de extinção da hipoteca é o perecimento da coisa hipotecada. O perecimento deve ser total.” Estes mesmos autores, acerca da perda da posse (vol. III, 2ª edição, 1984, pág. 33) mencionam que a causa de perda da posse referida no artº 1267º nº 1, al. b), “Pela perda ou destruição material da coisa…”, que “Nela se prevêem os casos de perda ou destruição material da coisa (a coisa que ardeu, que desapareceu, que o mar arrastou ou que alguém desmantelou)…”.
Álvaro Moreira/Carlos Fraga (Direitos Reais, segundo as prelecções do Prof. Dr. Mota Pinto, 1971) salientam, acerca da extinção do usufruto prevista no artº 1476º nº 1, al. d) que “…se o objecto desaparece totalmente…”.
Por sua vez, Rui Pinto/Cláudia Trindade (CC anotado, vol. II, coord. Ana Prata, 2017, pág. 51) esclarecem que “…a perda e destruição da coisa devem ser entendidas à luz do conceito de desaparecimento da coisa objecto do direito real. O desaparecimento pode ser objectivo ou subjectivo. A coisa desaparece objectivamente quando é destruída, deixando de ter existência enquanto tal. A destruição significa que a coisa, por via de um evento físico, perdeu a sua identidade e funcionalidade específicas…(…) É neste sentido que a lei fala de “perda ou destruição”: bem destruído é bem perdido para o património do titular. (…) algo assaz diverso é a coisa desaparecer subjectivamente quando o titular de um direito real, possuidor ou detentor, perde os poderes de facto involuntariamente por deixar de saber do paradeiro do bem. (…) Neste caso, a coisa está fora do controlo do sujeito mas não se extinguiram nem a titularidade, nem a posse respectiva…(…) Deste modo, apenas o desaparecimento objectivo da coisa ou a sua destruição acarretam a extinção da posse.” * (sublinhados nossos).
Nesta perspectiva, José Bonifácio Ramos (Manual de Direitos Reais, 2017, pág. 70) acerca da “perda” enquanto causa de extinção de direitos reais, salienta “Mesmo que a coisa tenha sido apropriada, ilicitamente, por outrem, nem assim haverá extinção da propriedade por perda da titularidade.
Ora, à luz destes ensinamentos, podemos concluir que:
- A perda da coisa, como causa de extinção da posse, distingue-se do esbulho porque a perda ocorre sem que tal se deva a um acto de terceiro;
- A coisa desaparece objectivamente quando é destruída, deixando de ter existência física enquanto tal;
- Se a coisa hipotecada foi apropriada, ilicitamente, por outrem, não há extinção da propriedade por perda da titularidade;
- O furto da coisa hipotecada não é sinónimo de perecimento da coisa;
-O furto da coisa hipotecada não constitui causa de extinção da hipoteca;
- Apesar de esbulhado da coisa, o proprietário da coisa hipotecada continua adstrito a ser executado em função da venda da coisa.
Ora, se assim é, salvo o devido respeito, não há fundamento para considerar que, por efeito do furto do veículo dado de hipoteca, o proprietário esbulhado deixe de ser executado com vista à venda da coisa hipotecada se e quando for localizada.
A esta vista, a sentença que julgou procedentes os embargos à execução não pode subsistir.
Reitere-se o que acima se afirmou a fim de, posteriormente, não causar equívocos na execução: “O terceiro proprietário da coisa hipotecada, quer seja um terceiro adquirente quer seja o terceiro dador da hipoteca, não é o devedor e, como tal, não é pessoalmente obrigado pelo débito exequendo, antes se constitui responsável em função da coisa e dentro dos limites do seu valor e vê-se na contingência de ser executado, pelos credores que não vejam satisfeito voluntariamente (pelo devedor) o seu crédito assegurado por aquela garantia.”. Ou seja, o executado proprietário da coisa hipotecada não responde pela dívida exequenda e, como tal, não lhe pode ser penhorado património pessoal para além da coisa hipotecada. Digamos que é a coisa hipotecada que “responde” mediante a respectiva venda na execução.
O mesmo é dizer que o recurso procede.
***
III-DECISÃO
Em face do exposto, acordam os juízes que compõem este colectivo da 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa, julgar o recurso procedente e, em consequência, revogam a sentença sob impugnação e, na improcedência dos embargos, determinam que o embargante permaneça na execução, permanência essa limitada, somente, à venda da coisa hipotecada.
Custas, em ambas as instâncias, pelo embargante/executado.

Lisboa, 26/06/2025
Adeodato Brotas
Eduardo Petersen Silva
Gabriela de Fátima Marques