ABSOLVIÇÃO PENAL
PRESUNÇÃO
APROVEITAMENTO DA PROVA
IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
Sumário

Sumário (artº 663º nº 7 do CPC)
1-A aplicação do artº 624º nº 1 do CPC só tem cabimento quando a absolvição penal haja assentado na conclusão positiva, de que o arguído não praticou os factos que lhe eram imputados. Isto significa que se a decisão penal absolutória assentou na verificação de que o arguido praticou certos factos, embora insuficientes para ditarem a sua condenação, v.g. por não preencherem todos os elementos do tipo legal, não pode funcionar a presunção daquele preceito legal.
2-É pacífico o entendimento de que o artº 421º do CPC apenas permite o aproveitamento da prova produzida num processo, num outro processo, limitando-se à prova e não ao facto provado; ou seja, o que a parte pode invocar é que sobre um determinado facto foi produzida uma certa prova num outro processo e não que esse facto está provado com base nessa prova. Isto é: não há importação de factos provados de um processo para outro processo.
3-O STJ tem vindo a entender que o recorrente que impugna matéria de facto tem o ónus de, nos termos do artº 640º nº 1, al. b) CPC, fazer a correspondência directa entre os concretos meios de prova por si indicados e cada um dos factos que pretende impugnar, ou seja, de fazer corresponder a cada facto impugnado os concretos meios de prova em que se baseia justificando o porquê dessa pretendida alteração.
4- E o Tribunal Constitucional tem concordado com esse entendimento.
5- Se o apelante fundava a sua pretensão de revogação da sentença somente na impugnação da matéria de facto, não indicando quaisquer normas que possam ter sido mal aplicadas ou deficientemente interpretadas pelo tribunal a quo, não menciona qualquer erro na determinação da norma aplicável, ou deficiente subsunção jurídica, temos de concluir que a ré/apelante não apresentou recurso em matéria de direito, o que significa que o tribunal de recurso não pode apreciar os aspectos jurídicos da causa porque a ré/apelante não solicitou essa apreciação.

Texto Integral

Acordam os juízes desembargadores que compõem este colectivo da 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa:

I-RELATÓRIO * (segue-se, de perto, o Relatório da sentença)
1-BB e CC instauraram acção especial de prestação de contas, contra AA, pedindo a prestação de contas por parte da ré, relativamente aos actos praticados ao abrigo da procuração datada de 23.11.1994, outorgada no Décimo Quinto Cartório Notarial de Lisboa e revogada a 17/01/2000, através da qual os autores constituíram a ré, irmã do aqui autor, sua bastante procuradora, atribuindo-lhe poderes de administração do património em contitularidade.
Alegou, em síntese, que através da referida procuração conferiram à ré poderes para vender e realizar partilha judicial ou extrajudicial e nomeadamente celebrar negócios consigo mesma. Que com base nessa procuração, a ré praticou diversos actos quanto aos imóveis sitos:
-Na Alameda..., Lumiar;
- Na Avenida... Lisboa;
- Na Rua B, Odivelas ..., n.º 65 e 65 - A em Odivelas e;
- Na Rua A Odivelas e
quanto às sociedades:
- Luenfa - Exploração de Restaurantes e Bares, Lda.; e,
- Fermain Trading Limited,
relativamente aos quais deve prestar contas.
Uma vez que a ré nunca prestou contas, nem entregou qualquer provento dos negócios
que celebrou, o autor revogou a procuração em 17.01.2000.
2- Foi deduzido incidente de intervenção principal provocada, de DD, EE, FF, GG, HH, herdeiros de II, que também outorgaram a procuração a favor da ré.
3- Citada, a ré contestou a obrigação de prestar contas quanto aos imóveis:
-Da Alameda..., Lumiar;
- Da Avenida... Lisboa; e,
- Da Rua B, Odivelas ..., em Odivelas.
Alegou em suma que os imóveis e sociedades em relação aos quais o autor pretende a prestação de contas, embora estivessem registados em nome de autor e ré, pertenciam aos pais de ambos e eram estes quem tomava todas as decisões relativas aos mesmos e recebia os respectivos proventos, limitando-se a ré a cumprir as suas instruções.
Invoca ainda que a revogação da procuração nunca lhe foi notificada, pelo que não produziu efeitos.
Concretizou que:
- O imóvel sito na Avenida... Lisboa foi-lhe doado pelos pais, em 20.5.1988, com reserva de usufruto, pelo que inexiste qualquer fundamento para a prestação e contas;
- O imóvel sito na Alameda..., Lumiar foi vendido, tendo o A. recebido a totalidade do preço directamente do comprador, inexistindo fundamento para a prestação e contas;
- O imóvel sito na ...
- O imóvel sito na Rua B, Odivelas ... era propriedade dos pais de autor e ré e foi partilhado, de acordo com instruções da mãe, sendo adjudicado às filhas, JJ, AA e KK.
Invocou ainda que suportou diversas outras despesas no interesse dos autores, em relação às quais pretende prestar contas, requerendo a ampliação do objecto da prestação de contas.
Requereu a condenação dos autores como litigantes de má-fé-
3- Os autores responderam.
Invocaram que:
- a ré, com base na procuração identificada, vendeu a quota do autor no imóvel sito na Alameda..., Lumiar a si própria e à irmã, JJ, não tendo
prestado contas dessa venda, nem entregou ao autor qualquer valor correspondente à mesma;
- a ré, com base na procuração identificada, outorgou partilha quanto ao imóvel sito na Rua B, Odivelas ..., através da qual adjudicou a si própria e às irmãs, KK e JJ, a nua propriedade do imóvel, com usufruto vitalício para a mãe, não tendo prestado contas dessa venda, nem entregou ao autor qualquer valor correspondente à mesma;
- o imóvel sito na Rua A Odivelas encontra-se arrendado, pelo que deverá
a ré prestar contas da administração desse imóvel;
Requereram a condenação da ré como litigante de má-fé.
4- Por despacho proferido em 18.07.2017 (conclusão de 20/06/2017) foi delimitado o objecto do processo, indeferindo-se a ampliação requerida pela ré e delimitando-o à prestação de contas relativamente aos actos praticados pela ré, no âmbito do mandato entre esta e os autores, no período entre 23.11.1994 e 17.01.2020, concretamente quanto ao património comum correspondente aos imóveis e sociedades comerciais identificadas na petição inicial.
Determinou-se o prosseguimento dos autos para conhecimento da obrigação da prestação de contas sob a forma de processo comum.
5- Por despacho saneador de 15/11/2018 (conclusão de 28/06/2018 no histórico electrónico dos actos processuais) foi fixado o objecto do litígio e os seguintes temas de prova:
1. Antes de 23.11.1994 as pessoas de BB e AA, filhos de LL e de MM , estes que desenvolveram as actividades de restauração e comércio, com muito sucesso, em Macau, Luanda e Lisboa, de que auferiram elevados proveitos que investiram no imobiliário e em sociedades comerciais, circunstancialismo em que foram adquiridos
1.1. O prédio urbano sito na Avenida... Lisboa;
1.2. O prédio urbano sito na Rua B, Odivelas;
1.3. O prédio urbano sito na Alameda..., Lumiar
1.4 O prédio urbano sito na Rua A Odivelas. também este, em Odivelas.
1.5. O capital da sociedade Luenfa - Exploração de Restaurantes e Bares, Lda, com sede em Lisboa.
1.6. O capital da sociedade Fermain Trading Limited, com sede em Gibraltar.
2. Em 23.11.1994 o prédio da Avenida... Lisboa, descrito com a ficha nº … da 8ª Conservatória do Registo Predial de Lisboa, freguesia de S. Sebastião da Pedreira, titularidade da Ré AA, por lhe haver sido doado pelos pais em 20.5.1988, com reserva de usufruto.
3. A titularidade dos bens indicados em 1., de LL e de MM, e a inscrição dos mesmos a favor dos filhos.
3.1. A opção de LL e de MM, por razões que bem entendiam, de colocar esses prédios e sociedades na titularidade dos seus filhos, sabendo os filhos perfeitamente, que os bens faziam realmente parte do património dos seus pais;
3.2. Por isso, acatando (os filhos) sem problemas, as decisões destes de trocar ou alienar, ou arrendar esses imóveis, o mesmo se passando quanto às sociedades, cujas receitas eram realmente consideradas pertença dos pais do A BB que as recebiam, para tal bastando a palavra do pai enquanto foi vivo, e da mãe a partir do falecimento daquele.
4. O circunstancialismo da outorga (em 23.11.1994) da procuração doc. 1 pi dos AA. a favor da Ré .
4.1. A opção de LL e de MM, por as suas instruções de administração, compra e venda, relativamente aos bens que estavam em nome dos filhos, serem executadas pela filha AA;
4.2. Para cujos actos se acordou a disponibilização pelos filhos BB e II de procurações a favor da irmã, como a junta à petição inicial.
5. As obrigações que a R, haja assumido para com os Autores, enquanto beneficiária da procuração.
6. No período de 23.11.1994 a 04.03.1999
6.1. A utilização dos imóveis descritos em 1.. a sua gestão pela Ré, e os actos de arrendamento dos mesmos.
6.2. A actividade das sociedades descritas em 1. e os actos de gestão dos direitos de BB no capital das mesmas, com expressão financeira (c/ recebimentos e pagamentos).
7. No período de 23.11.1994 a 04.03.1999
7.1. Os actos de venda pela Ré dos imóveis descritos em 1.;
7.2. A actividade das sociedades descritas em 1. e os actos de venda pela Ré, dos direitos dos AA. nas participações sociais das mesmas.
8. Em 04.03.1999 o falecimento de LL, a abertura da respectiva herança, e as consequências por via do fenómeno sucessório. na titularidade dos bens.
8.1. O prédio sito na Rua A Odivelas, integrava o acervo hereditário de LL (e foi partilhado depois do falecimento de MM). 8.2. O prédio sito na Rua B, Odivelas, integrava o acervo hereditário de LL.
9. No período de 04.03.1999 a 17.01.2000
9.1. A utilização dos imóveis descritos em 1.. a sua gestão pela Ré, e os actos de arrendamento dos mesmos.
9.2. A actividade das sociedades descritas em 1. e os actos de gestão dos direitos de BB no capital das mesmas, com expressão financeira (c/ recebimentos e pagamentos).
10. No período de 04.03.1999 a 17.01.2000.
10.1. Os actos de venda pela Ré dos imóveis descritos em 1.;
10.2. A actividade das sociedades descritas em 1. e os actos de venda pela Ré, dos direitos dos AA. nas participações sociais das mesmas.
11. A notificação pelos Autores à Ré, para prestar contas dos actos indicados em 6. a 10..
12. Depois da data de revogação da procuração (17.01.2000)
12.1. A notificação pelos Autores á Ré, da revogação da procuração, e a renovação da exigência de prestação de contas dos actos indicados em 6. a 10..
12.2. Em 16.02.2000 a partilha por morte de LL, do imóvel sito na Rua B, Odivelas, em que se atribuíu ao Autor (e ao irmão II) a quantia de PTE 555.700$27 (€ 2771,82, com intervenção da Ré invocando a representação dos AA.,.
12.3 Em 22.08.2000 a outorga do contrato promessa de compra e venda do imóvel terreno para construção sito na Alameda..., Lumiar (descrito na 7ª Conservatória do Registo Predial de Lisboa com o nº …, da freguesia do Lumiar), em que foi promitente comprador NN, preço de PTE 200.000.000$00 (€ 997.595,79), e em que a Ré interveio invocando a representação dos AA...
12.4. Havendo então os AA. recebido do promitente comprador o sinal que lhes correspondia, recebendo posteriormente, de forma gradual, do promitente comprador, a totalidade da parte do preço que lhes cabia,
13. O Proc. nº 10702/00.6TDLSB da 2ª secção do 5º Juízo Criminal de Lisboa, instaurado com base em denúncia de BB contra AA, imputando-lhe o crime de infidelidade.
13.1. Em que foi proferida sentença em que se declarou que, relativamente à procuração junta como doc. nº 1 da p.i., que AA não agiu com intenção de subtrair qualquer património aos ora AA., nem contra a vontade dos mesmos, nem excedendo os poderes, que lhe tinham conferido, julgando-se improcedente a acusação e o pedido cível.
13.2.. julgando-se provado que AA não praticou quaisquer actos que se traduzissem na diminuição do património de BB, no aumento do seu passivo, ou no não aumento do activo ou na não diminuição do passivo, que fossem os pressupostos da responsabilidade civil por facto ilícito
14. Em 25.07.2010 o falecimento de MM.”
6- Teve lugar a audiência final.
7- Por sentença de 15/07/2024, foi decidido:
III. Dispositivo
Pelo exposto, o Tribunal:
- reconhece a obrigação da ré, AA, prestar contas aos autores, relativamente à transmissão da propriedade sobre o imóvel sito na Alameda..., Lumiar dos autores, BBe CC, na proporção de 16,67% para AA e 66,7% para JJ;
- absolve a ré do demais peticionado;
- absolve as partes do pedido de condenação como litigantes de má-fé.
*
Custas, desta fase, a cargo de autores e ré, na proporção do respectivo decaimento, que se fixa em 85% para os autores e 15% para a ré.”
8- Inconformada, a ré interpôs o presente recurso, apresentando as seguintes CONCLUSÕES:
A) O presente Recurso é interposto nos termos dos artºs 637º, 638º nº 1 e 7, 639º, 644º nº 1 a) e 645º nº 1 al) a) e 647 nº 3 do Código de Processo Civil e corre nos próprios autos, com efeito suspensivo.
B) Os AA. BB e mulher CC, instauraram ação de prestação de contas contra AA, irmã do primeiro, e ora Recorrente, relativamente aos atos praticados por esta com uma procuração datada de 23.11.1994 (Doc. nº 1 da p.i., ponto 2 da matéria de facto provada), até à data da sua revogação, em 17.01.2000 (ponto 3 dos factos provados), embora ela tenha sido notificada mais tarde.
C) Nos autos foram proferidos dois Despachos, determinantes para o processo, concretamente:
- o Despacho de 18.07.2017, que delimitou o objeto do processo, procurando ultrapassar a falta de alegação de factos da p.i., e determinou que a obrigação de prestar contas resultava dos poderes conferidos por aquela procuração dos AA., relativamente ao património comum em que se inseriam, composto alegadamente por 3 imóveis e 2 sociedades, e apenas relativamente ao prazo de validade da procuração.
- o Despacho Saneador, de 28.06.2018, definindo o seguinte:
a) como Objeto do Litígio, o conhecimento do património comum de que os Autores e a Ré foram titulares, de que trata o presente processo, e os atos praticados pela Ré com recurso aos poderes conferidos pela procuração, e a sua expressão financeira, justificativos da prestação de contas peticionada, além da própria atuação das partes no processo.
b) e como Temas da Prova, os 14 aí enunciados, com as suas sub-alíneas, tendo interesse para o presente recurso, os pontos 1.3., 12.3. e 12.4., isto é, o Contrato Promessa de Compra e Venda do imóvel situado na Alameda..., Lumiar, e a sua execução, e ainda os pontos 3 a 4 (decisão dos pais em colocar bens imóveis em nome dos filhos, sabendo estes que pertenciam aos seus pais e acatando as suas decisões, e a outorga da procuração a favor da Ré).
D) Foi realizada a audiência de julgamento, em diversas sessões, cujas atas e gravações constam dos autos, dos quais resulta a fundamentação da presente sentença, concretamente a “Matéria de Facto Provada”, sobre a qual a R. nada tem a reclamar.
E) Porém, a Ré não se conforma com a “Matéria de Facto considerada Não Provada”, concretamente os Pontos 2, 5 e 6, que estão em oposição com as sentenças já proferidas sobre esta matéria, na instância criminal e na instância cível, e com os depoimentos prestados na audiência de julgamento, conforme se referirá adiante.
F) Foi analisado o caso de cada um dos bens referidos no Despacho Saneador, e quer por falta de relação com a prestação de contas que poderia ser devida pela Ré, quer por falta de ligação temporal com a validade da procuração, foi devidamente afastada a obrigação de prestar contas sobre as duas sociedades e sobre todos os bens imóveis, com exceção da venda do prédio situado na Alameda..., Lumiar, em Lisboa.
G) A sentença decretou apenas a “obrigação da Ré, AA, prestar contas aos AA., relativamente à transmissão da propriedade sobre o imóvel sito na Alameda..., Lumiar dos AA, BB e CC, na proporção de 16,67% para AA e 66,7% para JJ”, mas mesmo isto não pode ser aceite.
H) A Ré foi absolvida do mais peticionado, e as partes condenadas em custas, na proporção do decaimento, isto é, 85% para os AA, e apenas 15% para a Ré.
I)Apesar deste resultado, eminentemente favorável, ainda assim a R. não pode conformar-se com a prestação de contas dessa única venda, por todos os motivos que se expuseram nos autos e que aqui se irão referir, de novo, e que estão em contradição com a sentença recorrida.
J) Por conseguinte, o presente recurso tem como único objeto, abalar a decisão de condenação da R. a prestar contas relativamente à sua participação na venda deste único imóvel, sito na Alameda..., Lumiar.
K) Desde logo, a presente sentença está em oposição a duas outras importantes sentenças, juntas aos autos, as quais se pronunciaram justamente sobre o uso da mesma procuração dos AA. para a R., mas que decidiram inteiramente a favor da Ré. São elas:
L) Em primeiro lugar, o processo-crime que correu termos com o nº 10.702/00.6TDLSB do 5º Juízo Criminal, 2ª secção, de Lisboa, junto pela Ré aos autos em 27.09.2017, cuja sentença de 15 de Maio de 2008, absolveu a Ré do crime de infidelidade, relativamente ao uso desta procuração e consequentemente fez cair o pedido cível do A.
M) Neste processo-crime discutiu-se exatamente (ponto 6 da acusação) o uso da procuração outorgada no 15º Cartório Notarial de Lisboa, pelos irmãos BB e II, e as suas respetivas esposas, a favor da irmã AA, e os atos praticados por esta, com essa procuração, e discutiram-se justamente as escrituras de compra e venda de três imóveis, de entre eles o da Alameda..., Lumiar que é de novo objeto do presente processo.
N) Este prédio tinha sido adquirido, por ordem dos pais do A. e da R. e com o dinheiro destes, mas inscrito em comum e partes iguais, em nome do A. BB e da sociedade OO Lda., em 20.02.1990, ou seja o A. BB era originalmente titular de metade desse bem.
O) Ficou provado que a R. ora Recorrente, praticou atos com a referida procuração, em defesa da família, e por mandato da mãe que era viva, a D. MM, porque o A. frequentava casinos em diversos países onde esbanjava dinheiro que não era dele.
P) E no ponto 3 dos factos não-provados, consta a versão do A. em como a procuração teria sido emitida por ele, pelo irmão II, e pelas respetivas esposas, apenas para tratar das partilhas e inscrição dos bens da herança.
Q) Na fundamentação da sentença do processo-crime, consta também que foi por decisão da mãe, D. MM, que teve lugar o acerto na titularidade dos imóveis, concretamente o da Alameda..., Lumiar, por compensação com o produto da venda de um imóvel em Vilamoura, que tinha sido comprado com o dinheiro dos pais, mas cujo produto da venda tinha sido todo apropriado pelo filho BB, a que adiante faz referência o depoimento da testemunha dos AA., PP.
R) Já nessa altura o A. BB não se conformou com essa situação, mas decorridos catorze anos, veio repetir de novo, os mesmos argumentos, nos presentes autos.
S) E logo nessa altura, o A. confessou que tinha assinado o Contrato Promessa de Compra e Venda com o Sr. NN, promitente comprador do imóvel da Alameda..., Lumiar, e recebido o respetivo sinal, confissão que veio a repetir nas Declarações de Parte, nos presentes autos.
T) O depoimento da irmã KK, nesse processo – V. pág. 14 dessa sentença, foi arrasador para o A. BB, pois confirmou que todo o dinheiro dos investimentos era do pai, e que o BB recebia apenas um ordenado do pai.
U) Mais disse a KK, que o pai tinha decidido que a titularidade do prédio da Alameda..., Lumiar tinha de ser retificada, de modo a pertencer apenas um terço ao filho BB, um terço à filha AA (a Ré), e um terço à filha JJ.
V) Por conseguinte, ficou provado, por sentença transitada em julgado, que essas vendas, em nome de BB, NÃO eram contrárias à vontade deste, tanto mais que as ordens eram realmente dadas pelos pais LL e MM, NÃO excediam os poderes que tinham sido concedidos, que a Ré AA NÃO agiu com intenção de subtrair património do irmão BB, e que o ato praticado não aumentou, e NÃO diminuiu o Ativo e o Passivo do património do irmão BB.
X) Ora isto permite-nos CONCLUIR, que quanto ao prédio da Alameda..., Lumiar, todos estes factos se presumem legalmente favoráveis à Ré (artº 624º do Cód. Proc. Civil), apesar de, no processo penal, não se poder falar exatamente em “caso julgado”.
W) A presente sentença, de que se recorre, desrespeita portanto toda a prova e a decisão proferidas no Proc. nº 10702/00.6TDLSB da 2ª secção do 5º Juízo Criminal de Lisboa, a uma data muito próxima dos factos, e é por isso inaceitável.
Y) Anos mais tarde, o A. instaurou novo processo, desta vez de natureza cível, que correu termos com o nº 6331/09.7TVLSB, do Juízo Central Cível de Lisboa, ... 20, de novo sobre o uso da procuração outorgada a favor da irmã AA em 23.11.1994, em que foi proferida sentença absolvendo a Ré AA, e considerando a ação totalmente improcedente, por não provada.
Z) Referindo-se à procuração em causa (ponto 3.1.8 dos factos provados), ficou provado que a Ré “não pagou, não recebeu e não entregou aos AA. o preço” da venda da parte deles nos imóveis de que tratavam estes autos (pontos 3.2.1 e 3.2.4 dos factos provados),
sem que isso constituísse um ganho para si, ou um prejuízo para os AA., na medida em que tudo fazia parte do “património flutuante” dos seus pais, que dispunham dos bens por intermédio dos filhos.
AA) E ficou também provado que “o pai do A. e da R. confiava na Ré AA e escolheu-a para executar diversos actos como adquirir ouro, receber bens importados e outorgar em escrituras de compra e venda de imóveis, mediante procurações” – ponto 3.4.1. dos Factos Provados.
AB) E que a procuração a que se referem os mesmos autos, em que o A. e o irmão II, e as respetivas esposas, conferiram poderes de disposição à R. AA, visava permitir a execução das ordens do progenitor – ponto 3.4.2. dos Factos Provados.
AC) Ou seja, a versão do A. voltou a cair por terra. Não pode agora, à terceira vez, com duas sentenças desfavoráveis, ter melhor sorte.
AD) A sentença proferida no Proc. nº 6331/09.7TVLSB foi subsequentemente confirmada pelo Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 20.06.2017, junto aos presentes autos, com o seguinte sumário: “Provado que o negócio celebrado pelo representante – a coberto de procuração com poderes formais para tal – se conteve dentro dos limites traçados pelo ambiente gestatória da mesma procuração, e não vindo minimamente demonstrada a atuação contra interesse legítimo do representado, indemonstrado fica o abuso de representação invocado pelos representados”.
AE) Nestes autos cíveis, de 2009, ficou de novo provado que a alienação de determinados imóveis do A. BB pela R. AA, foi feita por ordem da mãe de ambos, e serviu para compensar a AA da parte que o primeiro recebeu da venda de um imóvel em Vilamoura, que era considerado património comum familiar, e cujo valor ele tinha guardado inteiramente para si, contra a vontade dos pais.
AF) Esta decisão foi junta aos autos pela R. AA a 27.09.2017 e não foi tomada em consideração na decisão de que agora se recorre, nem nos Temas da Prova, nem na matéria considerada Provada.
AG) Ou seja, a decisão recorrida desrespeita não apenas uma, mas duas sentenças já proferidas, ao longo de mais de 20 anos, sobre esta matéria, isto é, sobre a qualificação da procuração conferida pelos AA. à Ré, o seu objetivo e a não relevância dos atos praticados pela Ré para o património dos AA., na medida em que este bem, concretamente o prédio da Alameda..., Lumiar, fazia parte do “património flutuante” da família QQ, de que eram verdadeiros donos os pais do A. e da R..
AH) A sentença proferida no processo-crime, atrás identificado, de que o A. nem recorreu, constitui exatamente o nº 13 dos TEMAS DA PROVA, e era portanto fundamental para a decisão da presente causa, não sendo possível dizer-se o referido no 3º parágrafo de fls. 10 da sentença recorrida, que “apesar das decisões já proferidas no âmbito de outros processos em que foi analisada a actuação da ré no que diz respeito à procuração aqui em causa, entendemos não estar em causa uma situação a que se imponha a autoridade de caso julgado, nem a mesma determinaria que se considerassem provados factos assentes no âmbito de outra ação”!
AI) Como não era possível afirmar, como no 5º parágrafo de fls. 10 da sentença recorrida, que essas sentenças teriam um valor extraprocessual, que não se confunde com os factos que nesses processos foram tidos como assentes, já que estes fundamentos de facto não adquirem valor de caso julgado quando são autonomizados da respetiva decisão judicial”.
AJ) Comparando as duas sentenças proferidas sobre o uso da procuração que os AA. conferiram à Ré, com os presentes autos, verifica-se imediatamente que há identidade de sujeitos, porque as partes são as mesmas sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica (no processo crime, quanto ao pedido cível), e a causa de pedir é a mesma, porque a pretensão deduzida procede do mesmo facto jurídico – artº 581º nº 2 e 4 do Cód. Proc.
Civil.
AK) E pese embora os pedidos sejam formalmente diferentes, é exaustivo ter de fazer a mesma prova por três vezes, a uma distância de mais de 20 anos!
AL) É o próprio tribunal que não se respeita a si mesmo, permitindo que o A. continue a repetir a mesma argumentação por três vezes, sem aparente consequência para além da improcedência dos pedidos e da condenação em custas.
AM) De todo o modo, o pedido cível que acompanhava o processo-crime nº 10.702/00.6 TDLSB, tinha em vista, como na presente ação, a condenação da Ré a entregar-lhe o produto da venda de parte da sua titularidade no imóvel em questão.
AN) A absolvição da Ré no Proc. nº 10.702/00.6TDLSB tem necessariamente o valor de presunção legal de inexistência desses factos, embora ilidível mediante prova em contrário, mas prevalecendo sobre quaisquer presunções de culpa estabelecidas na lei civil – cfr. artº 624º do Cód. Proc. Civil.
AO) Isto além de permitir ao Mmo. ... do tribunal “a quo” formar a sua convicção com base em decisões já anteriormente proferidas por outros tribunais, e não apenas nos depoimentos de testemunhas um pouco esquecidas, decorridos mais de 20 anos sobre os factos.
AP) Assim, em consequência da absolvição da Ré no processo-crime, deve necessariamente entender-se que a Ré AA realizou as vendas de acordo com a vontade do A., porque as ordens eram realmente dadas pelos pais LL e MM, que a Ré AA não excedeu os poderes que lhe tinham sido concedidos, e que ela não agiu com intenção de subtrair património do irmão BB, e que o ato praticado não aumentou, e não diminuiu o Ativo e o Passivo do património do irmão BB.
AQ) Mesmo não se entendendo que há caso julgado no processo penal, por neste não se poder falar em identidade de partes, causas de pedir e sobretudo de pedidos, o certo é que essa prova foi eficazmente produzida, numa data muito mais próxima da dos factos, e foi feito o enquadramento factual e legal em que foi emitida a procuração a favor da Ré,
AR) E cabia aos AA. ter ilidido essa presunção, o que manifestamente não conseguiram.
AS) Por conseguinte, era perfeitamente admissível invocar e utilizar nos presentes autos, as sentenças proferidas em dois processos anteriores, de natureza penal e cível, em que foi discutido, com garantias de contraditório, o uso da procuração conferida pelos AA. à Ré, de que tratam os presentes autos, tendo-se o processo penal referido expressamente ao mesmo bem imóvel de que tratam os presentes autos, e por isso levado aos Temas da Prova de que dependia a prolação da presente sentença, tanto que existe identidade das partes envolvidas nos três processos.
AT) A utilização e valoração extra-processual dessas sentenças, em que se reproduzem depoimentos de testemunhas (na sua maioria, as mesmas) e em que os respetivos Mmos. Juízes já tomaram posição sobre os factos, não era apenas conveniente, era também necessário para evitar que as sentenças judiciais proferidas sobre o mesmo assunto se contradissessem.
AU) Mas não foi isso que aconteceu, a sentença do tribunal “a quo” pura e simplesmente ignorou o valor das decisões proferidas no processo penal e no processo civil.
AV) Vejamos agora, em concreto, o negócio da venda do prédio da Alameda..., Lumiar.
AX) Constituíam Temas da Prova, enunciados no Despacho Saneador, a este propósito, os pontos 1.3. (o imóvel) e 12.3 (o Contrato Promessa de Compra e Venda do referido terreno para construção, em que a Ré teria intervindo em representação dos AA.)
AW) Ora veio a apurar-se nos autos, V. Ponto 12 da Matéria de Facto Provada, que por documento denominado “Contrato Promessa de Compra e Venda, datado de 22.08.2000, BB e RR, BB e mulher CC, e AA por si e em representação da irmã JJ, prometeram vender a NN, que prometeu comprar-lhes, o imóvel da Alameda..., Lumiar.
AY) os pormenores da venda são relatados com exaustão na sentença proferida a 22.04.2003, no Proc. nº 12/2002 da 1ª Secção da 17ª Vara Cível de Lisboa, e que foi junta pela Ré a 26.01.2024 (refª 38297408), em que se descrevem todos os passos, desde o Contrato Promessa até à sentença que ordenou a sua execução específica, devido ao incumprimento dos AA.
AZ) Tudo o que consta desta sentença foi confirmado no depoimento da testemunha NN, na sessão de 12.01.2024, a que adiante se fará referência.
BA) Os factos apurados neste processo e a respetiva decisão, devem ser aproveitados nos presentes autos, ao abrigo do disposto no artº 421º do Cód. Proc. Civil, já atrás referido, por serem importantes para o apuramento da verdade, uma vez que houve audiência contraditória da parte, e quer o A., quer a R., eram RR. nesse processo.
BB) E quer da decisão judicial, quer do depoimento da testemunha, resultou provado o seguinte:
- que o A. assinou pessoalmente o Contrato Promessa de Compra e Venda, de 22.08.2000, e recebeu o sinal pago pelo promitente comprador, NN, na parte que proporcionalmente lhe cabia a si, e os vários pagamentos por conta do preço que lhe foi solicitando (um total de 12 pagamentos).
- este sinal não se confunde com o sinal entregue à sociedade OO Lda., de que o A. e a R. eram sócios, na medida em que esta sociedade era dona de metade do imóvel, tendo o A. recebido este sinal.
- que o A. recebeu, em seu nome e em representação da sociedade OO Lda., entre sinal e reforços de sinal, o valor de Esc. 66.000.0000$00 (equivalente a € 329.206,61),
- e recebeu ainda o valor depositado pelo promitente comprador, à ordem do tribunal, para permitir a execução específica do contrato-promessa, na proporção da titularidade do imóvel.
- que, no último momento, o A. se recusou a outorgar a escritura de compra e venda, argumentando que, antes da assinatura do Contrato Promessa, a Ré tinha vendido parte da sua metade do imóvel, a ela mesma e a JJ, irmã de ambos, contra a sua vontade.
- que, em consequência da recusa do A. em outorgar a escritura de compra e venda, o promitente comprador teve de instaurar ação de condenação dos promitentes vendedores (a sociedade OO Lda., o A. BB, a Ré AA, e JJ), para conseguir a execução específica do contrato-promessa.
- que, nesse processo, o valor que restava pagar aos vendedores foi depositado nos autos e os RR. receberam do tribunal os valores que, proporcionalmente, lhes eram devidos.
BC) Como é manifesto, a versão dos AA. era falsa, porque se fosse verdade que o A. entendia que a propriedade do prédio da Alameda..., Lumiar pertencia na proporção de metade, à sociedade OO Lda., e a outra metade inteiramente a ele mesmo, ou que desconhecia que a titularidade desta metade tinha sido alterada, então nunca teria aceitado assinar o Contrato-Promessa, receber o sinal, e os reforços de sinal,
em que apareciam como comproprietárias as suas irmãs AA e JJ,
BD) Nem teria jamais aceitado receber apenas a parte que, proporcionalmente, lhe cabia na titularidade do imóvel.
BE) O A. só se lembrou de invocar essa situação quando foi notificado para outorgar a escritura de compra e venda, e pensou como receber mais dinheiro da venda, razão pela qual ele foi o único responsável pelo incumprimento e foi condenado.
BF) Em NENHUM momento, desde a assinatura do Contrato Promessa de Compra e Venda, até à condenação final no cumprimento, teve a Ré AA qualquer atuação em representação dos AA., com ou sem a procuração a que se referem os autos, pois o A. sempre atuou no seu próprio nome, e em representação da sociedade OO Lda..
BG) Por isso não faz sentido a condenação da Ré na prestação de contas relativas à venda do imóvel a que se referem os autos!
BH) Ou seja, os Pontos 12.3. e 12.4 dos Temas da Prova, enunciados no Despacho Saneador, têm de ser dados como Não Provados, considerando a prova testemunhal produzida pelo Sr. NN, pela sentença que condenou os promitentes vendedores no cumprimento do Contrato Promessa de Compra e Venda, a que acabámos de nos referir, e até pela Confissão do A. nas suas Declarações de Parte a que, adiante, se faz referência.
BI) Efetivamente, ficou demonstrado, sem sombra para qualquer dúvida, que a Ré NUNCA interveio no referido Contrato Promessa, ou na sua execução, ou no processo que se seguiu, em representação dos AA., e portanto nunca utilizou a procuração a que se referem os autos !
BJ) A alteração da titularidade do imóvel, promovida pela Ré, por instruções da sua mãe, ocorreu um ano antes, por escritura de 30.08.1999, de que os AA. tinham perfeito conhecimento, como se prova pelo facto evidente de o A. ter assinado o Contrato Promessa e os recibos de reforço de sinal, em que aparecem as suas irmãs JJ ou
e AA, nas respetivas proporções.
BK) E na sequência das duas decisões a que se fez atrás referência, penal e civil, a A. deu contas à sua mãe, do destino desta venda, por o imóvel da Alameda..., Lumiar fazer parte do “património flutuante” da família QQ, para usar a feliz expressão do Mmo. ... do processo cível, ... 20 de Lisboa.
BL) E para usar a expressão da decisão proferida no processo penal, essa retificação na titularidade do imóvel, NÃO era contrária à vontade de BB, tanto mais que as ordens eram realmente dadas pelos pais LL e MM, a Ré AA NÃO excedeu os poderes que tinham sido concedidos, a Ré AA NÃO agiu com intenção de subtrair património do irmão BB, e o ato praticado não aumentou, e NÃO diminuiu o Ativo e o Passivo do património do irmão BB.
BM) Ou seja, não deve estar a Ré AA obrigada a prestar contas dessa compra e venda.
BN) Do mesmo modo, os pontos 2, 5 e 6 da Matéria de Facto Não Provada, deviam ter sido colocados nos Factos Provados, em coerência com o decidido nas duas sentenças, penal e cível, já amplamente referidas, pois todos os filhos, incluindo o A., bem sabiam que o património imobiliário tinha sido adquirido pelos pais e faziam realmente parte do “património flutuante” destes.
BO) Muitos desses imóveis, como o da Alameda …, estavam inscritos em nome dos filhos, ou de sociedades como OO Lda., mas os filhos acatavam sem problemas as decisões dos pais de trocar ou alienar, ou arrendar, esses imóveis (ponto 2 dos factos não provados).
BP) E essas compras e vendas e administrações eram feitas pela Ré AA, a pedido dos pais, devidamente dotada de procurações de todos os irmãos, como a dos autos (ponto 5 dos factos não provados), em coerência com o fixado no ponto 26 dos factos provados – a Ré AA era pessoa de confiança dos pais, representava a família em vários negócios e administrava o seu património, recebendo e realizando pagamentos.
BQ) Ou seja, era a Ré AA quem efetivamente representava a família em negócios e administrava o seu património, por isso prestava contas aos seus pais, em cujo interesse
atuava, e que as aprovaram (ponto 6 dos factos não provados).
REAPRECIAÇÃO DA PROVA TESTEMUNHAL GRAVADA:
BR) No mesmo sentido, depôs claramente a testemunha SS, Diretor Executivo da Fundação da Casa de Macau, arrolado pela Ré, o qual disse o seguinte – Ficheiro Audio diligência _1957-14.0T8LSB_2024-01-12:
- quando, depois da Expo, “foi constituída a Fundação Casa de Macau, na altura dirigida pelo Prof. TT”, “nós fomos falar com a D. AA, que para nós representava o conjunto, para que ficasse com a exploração do restaurante” (minuto 00:41:02.0)
- ela representava a família do Sr. LL, que era uma pessoa conhecida, muito considerada pelo Prof. TT (minuto 00:42:24.3)
- foi proposto à família ficar com a concessão do restaurante, com o funcionamento do restaurante, mediante o pagamento de uma renda (minuto 00:42:42.5)
- a família tinha conhecimento para explorar o restaurante, que a família tinha nome para estar à frente do restaurante, porque nós não íamos deixar de ter uma concessão na Expo, que não fosse uma concessão de gente que nós tivéssemos confiança na exploração e na manutenção” (00:43:19.0)
- e inquirido sobre quem tratava de tudo consigo, respondeu “a D. AA” (00:45:31.1)
- e sobre se aparecia também o Sr. BB, respondeu “uma ou outra vez, esporadicamente” (00:45:39.5)
- e sobre se era a D. AA que assumia o cumprimento do contrato, respondeu que ela “era o cumprimento do contrato” (00.46.16.2)
- e se não tinha dúvidas de que era ela quem representava a família, respondeu que “sim” (00:46:47.2)
BS) Daqui resulta provado que era apenas a Ré AA quem, aos olhos da importante Fundação da Casa de Macau, representava a família QQ e administrava o seu património.
BT) E outra testemunha, UU, tesoureira reformada, amiga da família há
mais de 50 anos, apesar da sua idade e do problema auditivo, depôs claramente sobre a gestão do património da família QQ, e sobre a atuação da D. AA, nos seguintes termos – ficheiro áudio nº diligência_1957-14.0T8LSB_2024-01-12 :
- perguntada para descrever ao tribunal como funcionava a família QQ, e quem exercia a autoridade suprema na família QQ, respondeu “era o pai, quando eu os conheci, era o pai que mandava em tudo”, e perguntada como sabia disso, respondeu “porque estive muitas vezes ao pé dele e via ele dar as ordens dele” (minuto 01:54:26.7)
- perguntada sobre o respeito que os filhos tinham pelo pai, se era igual à nossa europeia, ou se era mais obediência, por exemplo se a AA fazia tudo o que o pai mandava, respondeu “fazia, fazia” (minuto 01:55:23.0)
- e se o pai confiava nela, se ela era o braço direito do pai, respondeu: “era isso mesmo que ele dizia, ele próprio dizia” (minuto 01:55:43.6), pois “era a pessoa que lhe oferecia mais confiança” (minuto 01:55:50.9)
- e perguntada sobre se sabia que era ela quem tratava das coisas todas, de todos os assuntos dos pais, de pagamentos, de compras, de vendas, etc., respondeu “tudo. O pai confiava-lhe as coisas todas para ela fazer” (minuto 01:56:16.0)
- e perguntada sobre se sabia se os pais, o Sr. LL e a D. Rosa, pediram aos filhos todos, que passassem procurações a favor da AA, respondeu: “sim, sim” e como sabia disso, respondeu “ foi a D. Rosa que me contou”, e confirmou que todos passaram procurações (minuto 01:56:46.5 a 1:57:11.3)
- e inquirida sobre se a D. AA fazia o que lhe apetecia, ou o que os pais queriam que ela fizesse, respondeu: “ela fazia o que eles diziam”, e confirmou que a última palavra era dos pais, e esclareceu “sempre foi, enquanto eles foram vivos, olha, eu achei sempre que a palavra era a deles, mesmo depois de o pai morrer, era a mãe que dava a palavra” (minuto 01:57:13.7 a 01:57:30.0)
- e sobre o que fazia ao dinheiro que recebia, respondeu: “ela entregava as coisas aos pais”, “ela entregava tudo, vi-a várias vezes estar (…) sei que era dos prédios, das lojas, das coisas que eles tinham” (minuto 01:57:39.9)
- e perguntada se se lembrava de outras coisas que a AA se ocupava, em nome e no interesse de todos (pais, irmãos), respondeu: “eu acho que ela tratava de tudo quanto o pai lhe pedia. E depois do pai morrer, o que a mãe lhe pedia” (minuto 02:01:39.2)
- e depois do pai ter morrido ? respondeu: “ficou a mãe”, e respondeu afirmativamente que a AA continuava a respeitar a mesma autoridade “da mãe” (minuto 02:01:56.0), que “continuava a mandar”, “dava ordens, mandava” (minuto 02:02:04.4)
- e inquirida diretamente pela Mma. ..., a propósito das procurações e se a D. Rosa lhe tinha explicado que procurações eram essas, respondeu: “disse que ia fazer, para a AA tratar de tudo, foi só o que ela me disse”, e “ela contou-me que ia fazer umas procurações, eu não vi, para a AA”, e “para a AA tratar das coisas todas” (minuto 02:03.22.1 a 02:03:50.8)
- e inquirida pelo mandatário, sobre o que pensa da honestidade da AA, respondeu: “é uma mulher muito séria, muito reta, muito certinha”, “paga tudo” (minuto 02:05:40.3)
BU) Ficou provado, por conseguinte, que o pai e depois a mãe, da família QQ, exerciam autoridade total sobre os filhos e que estes emitiram procurações a favor da Ré AA, para execução das suas vontades, tal como constava já das sentenças, penal e cível,
que apreciaram o exercício da dinâmica familiar e o uso das procurações.
BV) Também a testemunha VV, marido da Ré AA, mas com ela casado no regime da separação de bens, apesar de muito atacado pelos AA. depôs claramente sobre os seguintes pontos- ficheiro áudio nº diligência _1957- 14.0T8LSB_2024-01-12 1:
- inquirido sobre a dinâmica familiar da família QQ, respondeu nomeadamente que o seu casamento não foi bem visto, por não ser chinês, mas que casaram por amor, e que “o pai é o patriarca da família, morreu o pai passou a ser a matriarca. O que eu queria dizer com isto é que o pai punha e dispunha em todo o seu património. E o seu património era seu até morrer. Os filhos passavam procurações aos pais e os pais acertavam o que tinham de fazer, em função daquilo que achassem melhor”. (minuto 01:37:08.7)
- perguntado sobre a origem do dinheiro do sogro, LL, respondeu: “o meu sogro fez dinheiro em Macau. Depois esteve em Angola, trabalhou. É um homem de honra, de palavra e era um homem digno. Em Angola também fez bastante dinheiro e em Portugal, quem estava a administrar as coisas em Portugal era a minha mulher (AA), que sempre lhe deu tudo, tudo, tudo, tudo quanto … que era a pessoa de confiança do meu sogro” (minuto 1: 44:14.9)
- perguntado por que razão os sogros compravam imóveis e sociedades e punham em nome, ou distribuíam em nome dos filhos, e se tinham esses bens em nome deles, ou em nome dos filhos, respondeu: “eles compravam sempre em nome dos filhos” (minuto01:44:38.3)
- e inquirido pela razão disso, respondeu que “falavam português, mas mal. Faziam sempre todas as compras do património em nome dos filhos. E depois faziam o acerto familiar” (minuto 1:45:09.2) e (minuto 01:46:49.5)
- e perguntado se era também por uma razão fiscal, e não apenas porque não falavam português, respondeu: sim, sim, era por essa razão (minuto 01:47:10.1)
- e inquirido sobre se eles (pais) queriam ter procurações de todos os filhos, todos os filhos passaram procurações, respondeu que “sim” e inquirido sobre quem era a mandatária, respondeu “era a AA que executava a procuração, em função do pai” (minuto 1:49:14.5) e esclareceu “as procurações eram passadas, não para o pai diretamente ou para a mãe, eram passadas sim, à AA. Porque a AA executava a vontade do pai. Ou punha em nome da JJ, ou punha em nome da KK, aquilo que o pai mandava pôr. E a AA fazia a vontade, executava a vontade do pai e executava a vontade da mãe pós-morte do pai” (minuto 01:49:54.0)
BW) Ou seja, ficou provado que o pai, e depois a mãe, exerciam controlo total sobre o património que foram adquirindo, mas que colocavam em nome dos seus filhos, sendo que depois exigiam deles procurações para poder dispor e administrar esses bens, sendo nomeada mandatária a filha AA, mas sempre no interesse dos pais.
BY) Um breve depoimento da testemunha dos AA., PP, embora vago e confuso, registado em ficheiro áudio nº diligencia_1957-14.0T8LSB_2024-01-12 1, diz
o seguinte:
- inquirido sobre se tinha conhecimento da família QQ e dos problemas que surgiram, respondeu: “lembro-me que em 1989, por volta de 21 de Novembro, foi um Domingo, (…), lembro-me muito bem desta data. Eu lembro-me no dia 20 foi um sábado, a mãe da AA e do BB leva a irmã mais velha, que se chama JJ, levou a irmã mais velha para o meu consultório a chorar e a dizer…, então foram ao consultório pedir a testemunha convencer a família por causa do problema dos imóveis. Na altura eu pensava que isso nada tinha a ver comigo, só que a AA, BB e a JJ estava a dizer que estava uma discussão na reunião familiar, e como eles não tê, outros amigos chineses, portanto pediram-me ajuda de testemunha e também porque a JJ era cliente e paciente da testemunha. A mãe chorava e falava, falava, e portanto a testemunha aceitou, e falar com eles no Domingo. Então no Domingo, dia 21, eu fui ao restaurante (…), estava toda a gente, irmão, marido, irmão, mas faltava a AA. Quando chegou a AA, eu perguntei-lhe “AA que se passa ? e AA diz que BB vendeu o terreno no Algarve, só que não tinha dinheiro para lhe pagar, portanto transferiu para os filhos” (minuto 00:06:35.2), e depois inquirido pela Mma. ... se não seria que o BB vendera o terreno, mas a AA não recebeu o dinheiro, esclareceu “exatamente”.
BX) Ou seja, ficou provado que, no final de 1989, estalou uma crise familiar pelo facto de o BB ter vendido um terreno no Algarve, e não ter pago parte do preço à AA, ou seja, pese embora o terreno estar em nome do primeiro, este incidente confirma a versão da Ré como os imóveis pertenciam ao património familiar, independentemente do nome em que estivessem inscritos, e que foi o A. quem quebrou essa confiança naquela data, justificando as subsequentes alterações na titularidade dos outros imóveis, como compensação.
BZ) Também o depoimento da irmã JJ, prestado por carta rogatória à Justiça de Macau, permitiu confirmar o seguinte:
- que o irmão BB emitiu procuração (a dos autos) para a AA comprar e vender propriedades, receber rendas, sobre prédios, sociedades e restaurantes. Foi o pai, quando ainda estava vivo, que disse para passarem procurações.
- que tudo pertencia ao pai. Depois da morte do pai, os irmãos (AA e BB) passaram a gerir os restaurantes.
CA) Finalmente, sobre o negócio da venda da Alameda..., Lumiar
propriamente dito, foi inquirida a testemunha NN, o qual depôs – ficheiro áudio nº diligência_1957-14.0T8LSB_2024-01-12, nomeadamente o seguinte:
- que conhecia os Srs. BB e AA da compra de um terreno na Alameda..., Lumiar (minuto 00:04:50.8)
- e confrontado com o Contrato Promessa de Compra e Venda – Doc. nº 2 da Contestação, e para verificar com quem o tinha assinado, respondeu que fora “AA, BB, outro nome não sei quem é, sei com quem eu lidei, com quem eu falei foi com a Sra. D. AA e com o Sr. BB, mas eu sabia que havia uma outra irmã que estava em Macau, e também recebia por igual. (minuto 00:10:39.1)
- e inquirido sobre a D. AA atuava em seu nome e em representação da Sra. JJ, respondeu positivamente, esclarecendo que “eu com esta senhora JJ praticamente, eu sabia que ela existia, que era dona, que eu passava os cheques também em nome dela, mas vamos lá, ela não estava cá” (minuto 00:13:02.5)
- e inquirido sobre se na altura da assinatura do Contrato Promessa alguém estava
zangado, ele respondeu “ninguém estava zangado, nem a Sra. D. AA com o Sr. BB, pelo menos apercebi-me sempre que tinham boas relações. Sei que havia uma outra terceira dona, pelo menos foi o que me foi apresentado, que estava em Macau” (minuto 00:13:40 a 00:13:47.6)
- e sobre o pagamento do sinal, respondeu: “fez-se um contrato-promessa de compra e venda e eu paguei o sinal” (minuto 00:14:27.9). “O sinal foi de 60.000 contos, que foi dividido em vários cheques, que eles receberam quando assinaram este contrato” (00:15:02.3)
- e sobre se tinham recebido também o reforço de sinal, confirmou “também receberam, também receberam todos” (minuto 00:16:13.6)
- e inquirido sobre o que se passara com a convocação para a escritura (minuto 00:16:24.9) respondeu “convoquei-os para a escritura e o Sr. BB não compareceu umas duas ou três vezes, e eu depois meti um ... para resolver o problema, e depois fomos a tribunal, o tribunal aceitou e o problema ficou resolvido. Eu, a parte da Sra. D. AA paguei, da parte que devia para a escritura, dei um cheque à Sra. D. AA, passei um outro cheque para a outra senhora, e o Sr. BB, da parte dele já tinha recebido uma importância que ele me tinha pedido, e eu tinha-lhe dado, portando adiantado, a parte que lhe pertencia a ele, passei um cheque ao tribunal e segundo consta o tribunal depois é que deu o cheque ao Sr. BB” (minuto 00:16:29.3)
- e perguntado se portanto a parte do Sr. BB ficou totalmente paga, respondeu “ficou totalmente paga” (minuto 00:17:18.9)
CB) Por conseguinte, o depoimento do comprador do terreno da Alameda..., Lumiar, confirmou inteiramente o que, de todo o modo, constava da sentença condenatória a que atrás se fez referência, do Proc. nº 12/2002 da 1ª Secção da 17ª Vara Cível de Lisboa, e que foi junta pela Ré a 26.01.2024 (refª 38297408)
CC) Ou seja, foi o próprio A. quem recebeu a parte do sinal que lhe cabia a ele, e à sociedade OO Lda., bem como os diversos reforços de sinal que foi solicitando
ao promitente comprador, e finalmente foi o próprio A. quem recebeu do tribunal o valor
que tinha sido depositado à ordem do processo de execução específica, pelo promitente comprador.
CD) E contrariamente à versão que veio apresentar aos autos, o A. sabia perfeitamente que parte da propriedade, à data da assinatura do Contrato Promessa e dos pagamentos seguintes, pertencia à irmã JJ, e as relações entre ele e a Ré AA eram boas, nesse momento.
CE) Ou seja, por um lado fica claro que NENHUM ato foi praticado neste negócio pela
Ré AA, com a procuração a que se referem os autos, e por outro, não é verdade que o A. se opusesse a essa alteração na titularidade do imóvel.
CF) Ainda sobre a venda do terreno da Alameda..., Lumiar, tem interesse registar a confissão do A., BB, prestada nas suas Declarações de Parte – Ficheiro
Audio nº DILIGE-1, onde referiu o seguinte:
- inquirido pela Mma. ... sobre se tinha sido ele mesmo a assinar o Contrato Promessa de Compra e Venda do terreno, com o Sr. NN, onde estavam exatamente fixados os pagamentos que cabiam a cada um dos vendedores, e que na sentença que condenou no cumprimento do prometido estão descriminados todos os pagamentos que foi recebendo diretamente do promitente-comprador, respondeu: “sim, porque a AA está a dizer que ia pagar a diferença” (minuto 00:49:51.2), e pedido para o fazer, confirmou que tinha conhecimento do que tinha ficado escrito no contrato promessa, embora com a desculpa de que a AA teria feito um acordo consigo.
CG) Ora, esta confissão do A. tem o maior relevo, porque desmente completamente a versão que apresentou nos autos, em como teria sido apanhado de surpresa com uma alteração na titularidade do terreno objeto do Contrato-Promessa.
CH) O A. teve perfeito conhecimento dos pagamentos que estavam destinados a cada um dos vendedores, incluindo à irmã JJ, o que resultava da alteração da titularidade no registo predial, e expressamente aceitou-a e recebeu todos os pagamentos em conformidade com as respetivas proporções.
CI) A reapreciação da prova testemunhal gravada, que pelo presente recurso também se pretende alcançar, valorando os depoimentos das testemunhas SS, UU, VV (cônjuge da Ré), e JJ
WW, permite chegar a uma conclusão diferente da constante do penúltimo parágrafo de fls. 9 da sentença recorrida, consentânea com as decisões judiciais sobre esta matéria, quanto ao entendimento de que todo o património era considerado pertença dos pais, e que os filhos acatavam as suas decisões, tendo para o efeito emitido procurações a favor da Ré, para execução dessas decisões.
CJ) Pela mesma razão, o depoimento da testemunha NN, e a confissão do A., de modo consentâneo com a prova produzida e a sentença proferida no processo de execução específica do contrato-promessa de compra e venda, permitem concluir que
a Ré não teve intervenção na venda do imóvel da Alameda..., Lumiar, em representação dos AA.
CK) Por conseguinte, deve a sentença de que se recorre ser revogada, na parte em que ordena que a Ré preste contas da venda, porquanto não há objeto possível para essa prestação de contas, porque os pagamentos previstos no contrato de compra e venda foram todos recebidos pelo A., e as alterações anteriores ao registo predial foram feitas pela R., mas segundo instruções da mãe de ambos, a quem AA tinha de reportar.
CL) O presente recurso de apelação é tempestivo, porque é interposto da decisão final, o prazo é de 30 dias, a que acrescem mais 10 dias, por estar também em reapreciação a prova gravada, nos termos dos nº 1 e 7 do artº 638º do Cód. Proc. Civil, e é praticado no primeiro dia útil seguinte, com o pagamento da respetiva multa.
Termos em que:
- deve o Presente Recurso ser recebido e julgado procedente por provado, e em conformidade ser revogada a parte da decisão recorrida que é desfavorável à Recorrente, concretamente deve ser revogada a decisão que ordena à Ré a obrigação de prestação de contas relativas à venda do prédio da Alameda..., Lumiar.
A decisão de revogação da decisão que ordena a prestação de contas encontra fundamento:
1)No aproveitamento da prova produzida nos três processos que antecedem o presente, e as conclusões a que chegaram os Mmos. Juízes nas respetivas sentenças, concretamente:
a) No Proc. nº 10702/00.6TDLSB da 2ª secção do 5º Juízo Criminal de Lisboa, que absolveu a Ré do crime de infidelidade relativamente ao uso da procuração a que se referem também os presentes autos, registou a dinâmica familiar e o objetivo pelo qual foi emitida a procuração, e inclusive se pronunciou sobre a venda do prédio da Alameda..., Lumiar.
b) No Proc. nº 6331/09.7TVLSB, do Juízo Central Cível de Lisboa, ... 20, em que se voltou a apreciar a dinâmica da família QQ relativamente ao “património flutuante” que era considerado pertença dos pais, mas que era inscrito em nome dos filhos, ficando estes sujeitos às decisões dos pais, executadas através de procurações dos filhos, nomeadamente aquela a que se referem os presentes autos.
c) No Proc. nº 12/2002 da 1ª Secção da 17ª Vara Cível de Lisboa, cuja sentença foi junta pela Ré a 26.01.2024 (refª 38297408), onde que se descrevem todos os passos relativos à compra e venda do prédio da Alameda..., Lumiar
52 e 54, em Lisboa, desde o Contrato Promessa celebrado com o A. e a R., em seus nomes e em representação da sociedade OO Lda., bem como da irmã JJ, até à sentença que ordenou a sua execução específica,
devido ao incumprimento dos AA.
2) na reapreciação da prova testemunhal gravada, cujos pontos relevantes e tempos exatos foram atrás salientados, a qual permite, nomeadamente que sejam levados à Matéria de Facto Provada, os factos constantes dos pontos 2, 5 e 6 que foram indevidamente considerados como Não Provados, pois A. e R. bem sabiam que os bens imóveis tinham sido adquiridos com o dinheiro dos pais, e estes continuavam a dispor livremente deles através de procurações dos filhos para a AA, que atuava por instruções dos pais e no interesse destes, razão pela qual só a eles prestava contas.
***
9- Os autores contra-alegaram, pugnando pela improcedência do recurso, formulando as seguintes CONCLUSÕES:
1. A douta sentença recorrida condenou a Recorrente, AA, a prestar contas ao Recorrido, BB, relativamente à venda de imóvel sito na Alameda..., Lumiar, ao abrigo de procuração que lhe foi outorgada em 1994.
2. Para tanto, considerou provado que a Recorrente interveio nessa transação, em representação do Recorrido, sem ulteriormente lhe prestar contas, nem entregar os correspondentes proventos (cfr. Fatos Provados n.ºs 2, 11, 15 e 23).
3. Inconformada, a Recorrente sustenta que teria atuado no cumprimento de instruções dos pais, tidos como "reais" proprietários do bem, assim se eximindo de prestar contas.
4. Mais invoca anteriores decisões judiciais que supõe confirmarem tal tese e pugna pela reapreciação da prova produzida, maxime os depoimentos gravados.
5. Sem qualquer razão, contudo. Desde logo, a vinculação do mandatário a prestar contas decorre, direta e imperativamente, do disposto no artigo 1161.º, alínea d), do Código Civil.
6. Trata-se, na expressão da melhor doutrina, de uma obrigação indisponível e insuprimível, conatural à própria essência do contrato de mandato (cfr. MENEZES LEITÃO, LEITÃO PAIS DE VASCONCELOS e PIRES DE LIMA/ANTUNES VARELA).
7. Razão pela qual, demonstrada como está a outorga da procuração e subsequente prática de ato dispositivo pela Recorrente, inelutável é a sua sujeição ao dever de prestar contas, independentemente da invocada dinâmica familiar.
8. Tão-pouco colhe a apontada contradição com anteriores decisões judiciais, dada a manifesta falta de identidade de sujeitos, pedidos e causas de pedir entre as ações em cotejo (artigo 581.º do CPC).
9. Outrossim, tais decisões em momento algum versaram sobre a verificação in casu dos pressupostos constitutivos da obrigação de prestar contas enquanto efeito do mandato, carecendo, pois, da necessária identidade de objeto (artigo 580.º do CPC).
10. No tocante à reapreciação da prova gravada, forçoso é de concluir que as transcrições invocadas não sustentam as ilações extraídas pela Recorrente, nem contrariam a fundamentação do julgado.
11. Os depoimentos em causa ou são manifestamente equívocos e impertinentes para demonstração da tese recursiva (SS, UU, VV, PP e JJ), ou corroboram mesmo a atuação representativa da Recorrente (NN).
12. Acresce que a própria confissão do Recorrido evidencia o seu pleno conhecimento e assentimento na projetada venda (cfr. Fato Provado n.º 13), em frontal contradição com o invocado alheamento.
13. Termos em que, não enfermando a decisão recorrida de qualquer erro notório na apreciação da prova, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 607.º, n.º 5 e 662.º do CPC, impõe-se a improcedência deste segmento recursivo.
14. Donde, atenta a cabal demonstração da outorga da procuração, prática do ato dispositivo e omissão do dever de prestar contas, outra conclusão não pode haver que não seja a da manutenção in totum da sentença recorrida.
Termos em que deve ser negado provimento ao recurso.
***
II-FUNDAMENTAÇÃO.
1-Objecto do Recurso.
1-É sabido que o objecto do recurso é balizado pelo teor do requerimento de interposição (artº 635º nº 2 do CPC) pelas conclusões (artºs 635º nº 4, 639º nº 1 e 640º do CPC) pelas questões suscitadas pelo recorrido nas contra-alegações em oposição àquelas, ou por ampliação (artº 636º CPC) e sem embargo de eventual recurso subordinado (artº 633º CPC) e, ainda pelas questões de conhecimento oficioso cuja apreciação ainda não se mostre precludida.
Assim, em face das conclusões apresentadas pela recorrente, são as seguintes as questões que importa analisar e decidir:
a)- A Impugnação da Matéria de Facto;
b)- A revogação da sentença, com a consequente improcedência da acção.
***
2- Matéria de Facto.
A 1ª instância decidiu a seguinte matéria de facto:
A – Matéria de Facto Provada
1. BB, aqui autor, AA, aqui ré, II, já falecido e cujos filhos e mulher são aqui interveniente, KK e JJ, são irmãos, filhos de LL e MM.
2. A 23 de Novembro de 1994, no 15º Cartório Notarial de Lisboa, BB e mulher, CC, na qualidade de primeiros outorgantes e II e mulher, DD, subscreveram o instrumento certificado a fls. 34 a 37, denominado
"Procuração “cujo teor se dá aqui integralmente por reproduzido, tendo ali ficado consignado: " E pelo primeiro outorgante varão, e segundos outorgantes, foi dito:
Que constituem bastante procuradora a Sra. D. AA, casada, natural de Macau, com eles residente, a quem conferem os poderes necessários para, com livre e geral administração civil reger e gerir todos os bens deles outorgantes (...); comprar, vender, permutar ou hipotecar bens ou direitos móveis ou imóveis. (...) proceder a quaisquer actos de registo predial (...).
Pelos outorgantes foi ainda dito:
Que a mandatária fica, desde já, autorizada a usar a presente procuração para a prática de negócio consigo mesmo.
3. Por instrumento de 17.01.2020, o autor, BB revogou a procuração.
4. A revogação foi notificada à ré em data não concretamente apurada.
5. Por escritura de 20 de Maio de 1988, LL e mulher, MM declararam doar, com reserva de usufruto simultâneo e sucessivo, a AA, por conta da quota disponível, o imóvel sito na Avenida... Lisboa, registado na Conservatória do Registo Predial de Lisboa, sob o n.º … da freguesia de São Sebastião, inscrito na respectiva matriz sob o artigo ….
6. LL faleceu em 04.03.1994 e deixou como herdeiros:
- a viúva, MM,
- os filhos: BB, AA, II, JJ e KK.
7. Deixou o seguinte património:
- Verba 1: prédio urbano sito na Rua A Odivelas, registado na Conservatória do Registo Predial de Odivelas sob o n.º …, inscrito na respectiva matriz sob o artigo …;
- Verba 2: prédio urbano sito na Rua B, Odivelas ..., registado na Conservatória do Registo Predial de Odivelas sob o n.º …, inscrito na respectiva matriz sob o artigo …;
- Verba 3: jazigo.
8. Pela Ap. 6 de 1995/04/06 foi registada a aquisição da propriedade sobre o imóvel sito na Rua A Odivelas (verba 1), sem determinação de parte ou direito, por dissolução de comunhão conjugal e sucessão hereditária, a favor de MM, AA, JJ, II, BB e KK.
9. Pela Ap. 2572 de 2018/04/12 foi registada a aquisição da propriedade sobre o imóvel sito na Rua A Odivelas (verba 1), por sucessão hereditária, por óbito de MM, a favor de AA, JJ, II, BB e KK.
10. Por escritura outorgada em 16 de Fevereiro de 2000, os herdeiros de LL: MM e AA, por si e em representação de JJ, II, BB e KK, partilharam o imóvel sito na Rua B, Odivelas ... (verba 2), sendo a nua propriedade adjudicada, em comum e em parte iguais, a JJ, AA e KK, cabendo tornas a MM, BB e II, de que deram quitação; e sendo adjudicado o usufruto vitalício a MM.
11. Por escritura de 30 de Agosto de 1999, BB e mulher, CC, representados por AA, declararam vender a AA e a JJ, na proporção de 16,67% para AA e 66,7% para JJ, da metade indivisa do prédio sito na ... com o nº …, inscrito na respectiva matriz sob o artigo …, pelo preço de 200 mil escudos, já recebidos.
12. Por documento denominado “Contrato Promessa de Compra e Venda, datado de 22 de Agosto de 2000, BB e RR, BB e mulher, CC, e AA, por si e em representação da irmã, JJ, prometeram vender a NN, que prometeu comprar o imóvel sito na Alameda..., Lumiar, pelo preço de 200.000 contos, correspondentes a € 997.595,79.
13. O autor recebeu directamente do comprador o preço acordado.
14. NN intentou acção de execução específica contra os promitentes vendedores, a qual correu termos com o nº 12/2002 da 17ª Vara Cível, 1ª Secção, do Tribunal e Lisboa e que foi julgada procedente, tendo o remanescente do preço sido depositado à ordem do processo.
15. AA actuou em 10) e 11) fazendo uso da procuração identificada em 2).
16. A sociedade Luenfa - Exploração de Restaurantes e Bares, Lda. foi constituída pela Insc. 1 Ap./19861128, tendo como sócios BB, II e AA, cada um com
uma quota de €997,60.
17. Os três sócios eram gerentes da sociedade, que se obrigava com a assinatura de qualquer dos gerentes.
18. A sociedade Luenfa, Lda. explorava o restaurante “Jade”, em Albufeira.
19. A sociedade Fermain Trading Limited, sociedade off-shore, com sede em 3 Bell Lane, Gibraltar, foi constituída em 16 de Novembro de 1992, e é detida pelas empresas Fiduciary Nominees Limited e Fiduciary Trust Limited, empresas que por sua vez são detidas pelo autor, BB.
20. A sociedade Fermain Trading Limited emitiu procuração ao autor e à ré para a representarem.
21. A sociedade Fermain Trading era proprietária do imóvel sito na ... sob o n.º 6285, inscrito na respectiva matriz sob o artigo 1456.
22. Por escritura outorgada em 20 de Agosto de 1999, a ré, em representação da sociedade Fermain Trading, com base na procuração aludida em 20), vendeu o imóvel ao autor.
23. A ré não entregou ao autor qualquer provento da partilha e venda identificadas em
10) e 11).
24. Os pais do autor e da ré, LL e MM, desenvolveram as actividades de restauração e comércio, com muito sucesso, tendo auferido elevados proveitos, investindo em imobiliário.
25. Colocaram diversos dos imóveis que adquiriram em nome dos filhos.
26. A ré era pessoa de confiança dos pais, representava a família em vários negócios e administrava o seu património, recebendo e realizando pagamentos.
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B – Matéria de Facto Não Provada
1. A ré, fazendo uso da procuração identificada em 2), celebrou contratos de arrendamento com várias sociedades sobre os imóveis supra identificados.
2. Os filhos sabiam que os bens tinham sido adquiridos pelos pais e faziam parte do património destes, pelo que acatavam sem problemas as decisões destes de trocar ou alienar, ou arrendar esses imóveis.
3. Os pais de autor e ré eram igualmente titulares do capital de diversas sociedades, que puseram em nome dos filhos.
4. As receitas destas sociedades eram consideradas pertença dos pais, que as recebiam.
5. As referidas compras e vendas e administrações eram feitas pela ré, AA, a pedido dos pais, devidamente dotada de procurações de todos os irmãos, como a identificada em 2).
6. A ré prestou contas quanto aos imóveis e sociedades identificados nos factos provados aos seus pais, em cujo interesse actuava, que as aprovaram.
7. O prédio sito na Rua B, Odivelas ...foi partilhado, do modo indicado pela mãe, tendo as tornas que cabiam aos filhos BB e II, no valor de Esc. 555.700$27 (€ 2.771,82) sido dadas como pagas, não tendo a ré tido qualquer intervenção nesse acerto.
***
3- As Questões Enunciadas.
3.1- A Impugnação da Matéria de Facto.
A ré/apelante impugna a decisão dobre a matéria de facto, no que respeita aos pontos 2, 5 e 6 dos factos dados como não provados – declaradamente, não impugna quaisquer dos factos tidos como provados na sentença como, de resto, afirma no ponto D) das Conclusões.
Na fundamentação da impugnação da matéria de facto, a ré/apelante invoca, digamos, dois grupos de fundamentos: i)- decisões judiciais anteriores; ii) depoimentos de testemunhas, que indica.
Vejamos cada um deste grupo de argumentos.
3.1.1- Assim, quanto às decisões judiciais anteriores: o valor probatório das sentenças.
Para alicerçar a sua pretensão de impugnação da matéria de facto, no que respeita aos referidos pontos 2, 5 e 6 dos factos não provados, a recorrente diz que esses factos estão em contradição com o que foi decidido no processo crime nº 10702/00.TDLSB, no qual, por sentença de 15/05/2008, a ora ré, lá arguida, foi absolvida da prática de crime de infidelidade e absolveu a ré do pedido cível nesse processo deduzido contra a lá arguida pelo ora autor. Acrescenta que os factos provados no processo crime se presumem legalmente favoráveis à ré, nos termos do artº 624º do CPC) e, cabia ao autor ilidir essa presunção, o que não fez.
Bem como, defende, esses factos (2, 5 e 6 não provados) estão em contradição com o que foi decidido no Proc. 6331/09.T... (e acórdão do TRL, de 20/06/2017, que confirmou a decisão da primeira instância) que decidiu não ter havido abuso de representação por banda da ré ao agir com base na procuração que lhe foi conferida. Tendo ficado provado, nesse processo, que a ré “não pagou, não recebeu e não entregou aos autores o preço da venda da parte dos imóveis deles”; e que a procuração visava permitir a execução das ordens do progenitor. Essa sentença e acórdão da Relação, não foi tomada em consideração na sentença de que agora recorre; o mesmo é dizer que a sentença ora sob impugnação desrespeita duas sentenças anteriores
Bem como no Proc. 12/2002, no qual foi proferida sentença, a 22/04/2003, a julgar procedente a acção de execução específica do contrato promessa de compra e venda celebrado com o promitente comprador, NN, no qual ficou provado que em nenhum momento a ora ré teve qualquer actuação em representação do ora autor.
Defende que os factos considerados provados nesses processos cíveis devem ser aproveitados nestes autos ao abrigo do arº 421º do CPC.
Será assim?
Antes de mais, recordemos o teor desses factos 2, 5 e 6 da factualidade dada como não provada:
2. Os filhos sabiam que os bens tinham sido adquiridos pelos pais e faziam parte do património destes, pelo que acatavam sem problemas as decisões destes de trocar ou alienar, ou arrendar esses imóveis.
5. As referidas compras e vendas e administrações eram feitas pela ré, AA, a pedido dos pais, devidamente dotada de procurações de todos os irmãos, como a identificada em 2).
6. A ré prestou contas quanto aos imóveis e sociedades identificados nos factos provados aos seus pais, em cujo interesse actuava, que as aprovaram.
3.1.1.1- Quanto à sentença penal.
Pois bem, a primeira questão que se coloca é a de saber, em relação à sentença penal que absolveu a ora ré, lá arguida, da prática do crime de infidelidade, se podem os respectivos factos ser utilizados neste processo, ao abrigo do artº 624º do CPC, como defende a apelante.
Adiantando a resposta dizemos que não.
Vejamos porquê?
O artº 624º do CPC, com epígrafe “Eficácia da decisão penal absolutória” determina que:
1 - A decisão penal, transitada em julgado, que haja absolvido o arguido com fundamento em não ter praticado os factos que lhe eram imputados, constitui, em quaisquer ações de natureza civil, simples presunção legal da inexistência desses factos, ilidível mediante prova em contrário.
2 - A presunção referida no número anterior prevalece sobre quaisquer presunções de culpa estabelecidas na lei civil.
A norma em causa menciona, na sua previsão, “…absolvido o arguído com fundamento em não ter praticado os factos que lhe eram imputados…”. A norma não abrange, as situações de absolvição do arguído por falta de prova.
Como vem sendo entendido, no caso de sentença penal absolutória importa distinguir se a absolvição foi fundada em prova positiva ou em prova negativa: o artº 624º nº 1 do CPC apenas se aplica à absolvição fundada na prova positiva. Se a absolvição penal tiver por fundamento a falta de prova dos factos imputados ao arguido – a chamada absolvição pela prova negativa (com base no princípio in dubio pro reo) – o arguido não foi “absolvido (…) com fundamento em não ter praticado os factos que lhe eram imputados”, como exige o artº 624º do CPC. (Cf. Rui Pinto, Valor Extraprocessual da Prova penal na Demanda Cível – Algumas Linhas Gerais de Solução, in Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor José Lebre de Freitas, AAVV, vol. I, págs. 1155 e segs., concretamente, pág. 1173 e seg.).
No mesmo sentido, Lebre de Freitas, et alii (CPC Anotado, vol. II, 2001, pág. 693) “…a previsão do artigo em anotação não é integrada pela absolvição do processo penal por falta da prova dos factos imputados ao arguído, mas pela absolvição pela prova (positiva) de factos que, na acção civil, ele teria, de outro modo, o ónus.”
Igualmente, Lopes do Rego (Comentários ao CPC, vol. I, 2004, pág. 564) “…a presunção de inocência estabelecida no nº 1 só tem cabimento quando a absolvição penal haja assentado na conclusão de que o arguído não praticou os factos que lhe eram imputados. Pelo contrário, se a decisão penal absolutória assentou na verificação de que o arguido praticou certos factos (embora, por ventura, insuficientes para ditarem a sua condenação, v.g. por preencherem insuficientemente todos os elementos do tipo legal…) é evidente que não se verifica a presunção estabelecida nesta norma…”.
Do mesmo modo, Geraldes/Pimenta/Sousa (CPC anotado, vol. I, 2ª edição, pág. 774) “O preceito não abarca toda e qualquer sentença absolutória, designadamente aquela em que a absolvição emerge do princípio in dúbio pro reo, mas apenas aquela em que seja demonstrado, pela positiva, que o arguído não praticou os factos que lhe eram imputados e que servem de sustentação à pretensão de natureza civil deduzida autonomamente.”
Pois bem, no caso dos autos, a ora ré/apelante e arguida no Proc. 10702/00.6TDLSB, foi absolvida, justamente, por não terem sido provados os factos preenchedores do tipo de crime de infidelidade que lhe foi imputado.
Na verdade, como pode ler-se do trecho do acórdão absolutório, é expressamente referido a fls. 23:

Tanto basta para afastar a aplicação do artº 624º do CPC, contrariamente ao que vinha defendido e pretendido pela ré/apelante.
Ou seja, os factos provados no processo crime não podem “ser aproveitados” neste processo.
3.1.1.2- As sentenças cíveis.
E quanto aos factos apurados nas duas decisões cíveis acima mencionadas: Proc. 6331/09.T... e Proc. 12/2002?
Poderão ser considerados como provados, neste processo, ao abrigo do artº 421º nº 1 do CPC, como defende a apelante?
Mais uma vez, a resposta é negativa.
Na verdade, estabelece, no seu nº 1, o artº 421º, com epígrafe “Valor extraprocessual das provas”:
1 - Os depoimentos e perícias produzidos num processo com audiência contraditória da parte podem ser invocados noutro processo contra a mesma parte, sem prejuízo do disposto no nº 3 do artigo 355º do Código Civil; se, porém, o regime de produção da prova do primeiro processo oferecer às partes garantias inferiores às do segundo, os depoimentos e perícias produzidos no primeiro só valem no segundo como princípio de prova.
É pacífico o entendimento de que este preceito apenas permite o aproveitamento da prova produzida num processo num outro processo, limitando-se à prova e não ao facto provado; o que a parte pode invocar é que sobre um determinado facto foi produzida uma certa prova num outro processo e não que esse facto está provado com base nessa prova.
A invocação da prova anteriormente produzida não significa transferência do valor probatório que o ... do primeiro processo atribuiu a essa prova. (Cf. Teixeira de Sousa, CPC anotado, online, livro II, pág. 40, anotação 13, Blog do IPPC, consultado a 16/06/2025).
Em igual sentido, Geraldes/Pimenta/Sousa (CPC anotado, Vol. I, 2ª edição, pág. 517) “Este preceito rege sobre a eficácia extraprocessual da prova ou “prova emprestada” e não sobre a eficácia extraprocessual dos factos tidos como provados.”
Idem, Rui Pinto (Valor Extraprocessual da Prova…, cit., pág. 1167 e seg.)O regime de limites objectivos do caso julgado exclui a importação, sem mais e de modo vinculado, de uma decisão probatória. (…) Por isso, a decisão sobre a matéria de facto começa apenas por valer para o concreto processo em que foi produzida e perde depois autonomia sendo adquirida pela sentença final. Por outras palavras, a decisão de dar certo facto como assente ou a decisão sobre a matéria de facto não têm eficácia jurídica senão no concreto processo para o que foram produzidas.
O STJ vem entendendo e decidido no mesmo sentido. A título de exemplo:
- STJ, de 29/10/2020 (233, Maria dos Prazeres Pizarro Beleza):
I. A atribuição de valor extraprocessual a certos meios de prova não significa conferir força de caso julgado à decisão sobre os factos em processo diferente daquele onde foi produzida; mas tão somente permitir a utilização dos próprios meios de prova, que o ... da segunda acção terá de apreciar.”
- STJ de 16/02/2023 (457, Fernando Baptista):
VIII. O artigo 421.º do CPC pressupõe a transferência de prova entre processos, preservando tanto a sua natureza originária como o valor probatório (mas não o resultado), sendo requisito essencial que o meio de prova seja invocado perante sujeito a quem foi permitido exercer o contraditório na produção da prova.”
-STJ, de 05/05/2005 (05b691, Araújo Barros):
2. Não pode é confundir-se o valor extraprocessual das provas produzidas (que podem ser sempre objecto de apreciação noutro processo) com os factos que no primeiro foram tidos como assentes, já que estes fundamentos de facto não adquirem valor de caso julgado quando são autonomizados da respectiva decisão judicial.
3. Transpor os factos provados numa acção para a outra constituiria, pura e simplesmente, conferir à decisão acerca da matéria de facto um valor de caso julgado que não tem, ou conceder ao princípio da eficácia extraprocessual das provas uma amplitude que manifestamente não possui.”
Assim, os factos considerados provados nos fundamentos de uma sentença não podem considerar-se isoladamente cobertos pela eficácia do caso julgado para o efeito de extrair deles outras consequências além das que estão contidas na decisão final desse processo.
Por outras palavras, a decisão de dar certo facto como assente ou a decisão sobre a matéria de facto não tem eficácia jurídica senão no concreto processo em que foram produzidas. Por isso, como vimos, é pacífico o entendimento de a eficácia extraprocessual se reportar aos meios de prova (artº 421º do CPC) e não aos factos tidos como provados.
A esta vista e sem necessidade de outros considerandos, resta concluir que a factualidade dada como provada no Proc. 6331/09TVLSB e no Proc. 12/2002, não pode ser “importada” para este processo nem servir de fundamento à pretendida alteração dos pontos 2, 5 e 6 dos factos não provados.
3.1.2- A Prova Testemunhal.
A apelante funda, também, a impugnação da matéria de facto nos depoimentos de seis testemunhas, SS, UU, VV, PP, JJ, NN e, na invocada confissão do autor em declarações de parte.
Transcreve sínteses desses depoimentos e declaração de parte e, deles retira que, conjugados esses depoimentos com os factos decididos nos acima mencionados três Processos (crime e cíveis) deve concluir-se que os pontos 2, 5 e 6 dos factos não provados devem considerar-se provados.
Será assim?
Vejamos, em síntese, os depoimentos dessas testemunhas, com base nos trechos dos depoimentos transcritos pela apelante.
Assim:
SS, disse que a AA representava o conjunto e assumiu o cumprimento do contrato de arrendamento de espaço para restaurante ma Expo.
UU, disse que era o pai (de autor e ré) que exercia autoridade suprema na família; a AA fazia o que o pai mandava; o pai confiava-lhe as coisas todas para ela fazer; que os pais pediram aos filhos para passarem procurações a favor da AA; que ela, AA, entregava aos pais tudo o que recebia; depois da morte do pai, a mãe mandava e mandou os filhos passarem procuração à AA.
VV, disse que o pai era o patriarca e quando morreu passou a mãe a ser a matriarca que punha e dispunha de todo o património; os filhos passaram procurações aos pais; os pais faziam compras de património em nome dos filhos; eram os pais quem mandava.
PP referiu que em 1989 houve uma discussão na família e por isso pediram a ajuda dele e, na reunião havida disseram que o BB (o autor) vendeu o terreno do Algarve e ficou com o dinheiro.
JJ, disse que tudo pertencia ao pai, os irmãos passaram a gerir os restantes bens.
NN, disse que quem assinou o contrato promessa de venda do imóvel da Alameda..., Lumiar foi o BB, a AA e outro nome que não sabe quem é; a AA actuava em nome da JJ que todos os três receberam a sua parte dos 60 000 contos de sinal e todos também receberam os reforços do sinal; passou um cheque à AA, à outra senhora e ao BB, que recebeu a parte dele as importâncias que tinha pedido; segundo consta, foi o Tribunal (na acção de execução específica) quem deu o cheque ao BB.
Conclui, a apelante, que fica demonstrado que foi o próprio autor que recebeu a parte do sinal que lhe cabia a ele e à sociedade RR, bem como os diversos reforços de sinal que foi solicitando ao promitente comprador, e finalmente foi o próprio autor quem recebeu do tribunal o valor que tinha sido depositado à ordem do processo de execução específica, pelo promitente comprador e, ficou claro que nenhum acto foi praticado pela ré neste negócio com a procuração a que se referem os autos.
Quanto às declarações de parte do BB, refere que ele confessou ter assinado o contrato promessa de compra e venda e conhecer os valores discriminados nesse contrato que cada um dos vendedores receberia.
Recordemos, novamente, o teor dos três impugnados pontos de facto:
2. Os filhos sabiam que os bens tinham sido adquiridos pelos pais e faziam parte do património destes, pelo que acatavam sem problemas as decisões destes de trocar ou alienar, ou arrendar esses imóveis.
5. As referidas compras e vendas e administrações eram feitas pela ré, AA, a pedido dos pais, devidamente dotada de procurações de todos os irmãos, como a identificada em 2).
6. A ré prestou contas quanto aos imóveis e sociedades identificados nos factos provados aos seus pais, em cujo interesse actuava, que as aprovaram.
A questão que se coloca é a de saber se os depoimentos das testemunhas, tal como veem invocados, são aptos a determinar a alteração da matéria de facto nos termos pretendidos pela ré/apelante.
A resposta é, mais uma vez, negativa, essencialmente, por duas razões.
Primeira: omissão de especificar a correspondência directa entre os concretos meios de prova e cada um dos factos que se pretende impugnar.
Relativamente à interpretação do sentido e alcance do ónus imposto ao recorrente que impugne matéria de facto, estabelecido pelo artº 640º nº 1, al. b), o STJ tem vindo a entender que o recorrente que impugna matéria de facto tem o ónus de fazer a correspondência directa entre os concretos meios de prova por si indicados e cada um dos factos que pretende impugnar, ou seja, de fazer corresponder a cada facto impugnado os concretos meios de prova em que se baseia justificando o porquê dessa pretendida alteração.
Neste sentido, veja-se, por exemplo, o acórdão do STJ, de 16/01/2024 (Proc. 818/18, Luís Espírito Santo):
I – A alínea b) do nº 1 do artigo 640º do Código de Processo Civil impõe ao impugnante a obrigação processual que consiste no dever de efectuar a correspondência directa, concreta e objectiva, entre os meios probatórios por si indicados e a justificação (por eles representada) para a modificação dos pontos de facto considerados incorrectamente valorados.
II – O que significa que não é suficiente, para se considerar cumprida a exigência da alínea b) do nº 1 do artigo 640º do Código de Processo Civil, a mera reunião aglomerada dos diversos meios de prova entendidos por relevantes, feita genericamente e em estilo descritivo, numa amálgama indiferenciada, sem nenhuma referência concreta e objectiva aos pontos de facto em causa, individualmente identificados.
III – É, deste modo e no caso concreto, correcta a decisão do Tribunal da Relação de rejeição do conhecimento da impugnação de facto por incumprimento do disposto na alínea b) do nº 1 do artigo 640º do Código de Processo Civil.”
Aliás, esse é, igualmente, o entendimento do Tribunal Constitucional, recentemente vertido no acórdão nº 148/2025, de 18/02/2025 (Proc. 245/2024, Maria Benedita Urbano) que decidiu:
a)Não julgar inconstitucional o artigo 640.°, n.º 1, do Código de Processo Civil, quando interpretado no sentido de que ao recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto se impõe o ónus suplementar de, no tocante à especificação dos pontos de facto que considera mal julgados, referenciar cada um com o correspondente meio de prova que se indica para o evidencia.”
No caso dos autos, a apelante, impugna três pontos dos factos não provados e limita-se a indicar os depoimentos de seis testemunhas, transcrevendo partes dos seus depoimentos sem, no entanto, especificar, correlacionadamente, cada facto de que discorda com os meios que, em concreto, são aptos, do seu ponto de vista, a levar à alteração factual pretendida.
Relembre-se que no recurso da matéria de facto importa que o impugnante demonstre, através dos meios de prova, que deve especificar, que o julgador não decidiu de acordo com a prova que foi produzida. No fundo, impõe-se que o impugnante convença o tribunal ad quem que, perante aqueles meios de prova, o resultado do juízo probatório deveria ter sido outro. Isto pressupõe, além dos mais, que os meios de prova em que o recorrente/impugnante se baseia sejam enunciados em termos relacionais e lógicos com cada um dos factos visados para permitir que o tribunal perceba ou alcance o raciocínio persuasivo que o recorrente pretende demonstrar acerca de cada facto que impugna.
Em rigor, esta forma de impugnar matéria de facto – indicar um grupo de pontos de facto e, referir depoimentos de testemunhas, sem fazer uma correspondência lógica entre cada depoimento e cada facto impugnado – leva à rejeição da impugnação da matéria de facto o que, por si só, “arruma” a pretendida alteração da matéria de facto.
Segunda: não obstante, mesmo que assim não fosse e não se rejeitasse a impugnação da decisão dos factos, chegaríamos à conclusão da improcedência da impugnação, na medida em que, desde logo, não foi mencionado, por nenhuma das testemunhas, nos trechos transcritos dos respectivos depoimentos, que “A ré prestou contas quanto aos imóveis e sociedades identificados nos factos provados aos seus pais, em cujo interesse actuava, que as aprovaram” (ponto 6 dos factos não provados). As testemunhas referiram, genericamente que quem mandava era o pai e depois a mãe e que a ré actuava segundo as ordens deles; nada foi mencionado, nos trechos transcritos desses depoimentos, quanto a prestação de contas.
Depois, porque a ré não impugnou a decisão relativamente a nenhum dos factos considerados provados, designadamente não impugnou os pontos 11 - Por escritura de 30 de Agosto de 1999, BB e mulher, CC, representados por AA, declararam vender a AA e a JJ, na proporção de 16,67% para AA e 66,7% para JJ, da metade indivisa do prédio sito na ... com o nº …, inscrito na respectiva matriz sob o artigo …, pelo preço de 200 mil escudos, já recebidos -, nem impugnou o ponto 15, por referência ao ponto 11 - AA actuou em 10) e 11) fazendo uso da procuração identificada em 2) -, nem o ponto 23, por referência ao ponto 11 - A ré não entregou ao autor qualquer provento da partilha e venda identificadas em 10) e 11).
Depois, porque as partes transcritas dos trechos dos depoimentos confirmam, no essencial, o que consta dos pontos 24, 25 e 26 dos factos provados:
24. Os pais do autor e da ré, LL e MM, desenvolveram as actividades de restauração e comércio, com muito sucesso, tendo auferido elevados proveitos, investindo em imobiliário.
25. Colocaram diversos dos imóveis que adquiriram em nome dos filhos.
26. A ré era pessoa de confiança dos pais, representava a família em vários negócios e administrava o seu património, recebendo e realizando pagamentos.
Portanto, por virtude das indicadas duas razões, temos de concluir que não há fundamento para alterar a matéria de facto que vinha impugnada.
Acresce que não vislumbramos que se possa considerar que o réu confessou algum dos factos que veem impugnados: 2, 5 e 6 dos factos não provados. Mais uma vez, por duas razões.
Primeira: decorre do regime do direito probatório material vertido no Código Civil, na parte relativa à confissão, que a confissão pode ser judicial ou extrajudicial (artº 355º nº 1); a confissão judicial provocada pode ser feita em depoimento de parte ou em prestação de informações e esclarecimentos ao tribunal (artº 356º nº 2 do CC) e, portanto, igualmente em declarações de parte. Porém, somente a confissão judicial escrita tem força probatória plena contra o confitente (artº 358º nº 1 do CC); a confissão judicial que não esteja escrita é apreciada livremente (artº 358º nº 4 do CC).
No caso em pareço, não decorre da acta da sessão de julgamento em que o autor prestou declarações de parte que tenha sido realizada a “assentada” da pretensa declaração confessória do autor, como o exigiria o artº 463º nº 1, ex-vi do artº 466º nº 2 do CPC.
Em síntese, não pode falar-se em confissão judicial do autor.
Segunda: do trecho transcrito das declarações de parte do autor não se vislumbra que ele se tenha referido, sequer, a que a ré tenha prestado contas (a que refere o ponto 6 dos factos não provados); que as compras e vendas de património foi realizada pela ré com procurações dos irmãos (a que se refere o ponto 5 dos factos não provados); que os filhos sabiam que os bens tinham sido adquiridos pelos pais e faziam parte do património destes (ponto 2 dos factos não provados).
A esta vista, sem necessidade de outros considerandos resta concluir pela total improcedência da impugnação da matéria de facto.
3.2- A revogação da sentença, com a consequente improcedência da acção.
A ré, para além de pretender ver alterada a decisão da 1ª instância sobre a matéria de facto, pretende, igualmente, que a sentença seja revogada, concretamente “…deve ser revogada a decisão que ordena à Ré a obrigação de prestação de contas relativas à venda do prédio da Alameda..., Lumiar.
E, baseia a solicitada revogação da obrigação de prestar contas, nos seguintes elementos que, de resto, especifica:
-Na decisão do Proc. 10702/00.6TDLSB que absolveu a aqui ré da prática de um crime de infidelidade;
-Na decisão do Proc. 6331/09.T... que decidiu não ter havido abuso de representação por banda da ré ao agir com base na procuração que lhe foi conferida;
- Na decisão do Proc. 12/2002 relativa à execução específica do contrato promessa de compra e venda do imóvel da Alameda..., Lumiar;
- Na reapreciação da prova testemunhal gravada.
Ou seja: a ré/apelante funda a sua pretensão de revogação da sentença, exclusivamente, na impugnação da matéria de facto.
Vimos, acima, que não há fundamento para alterar a decisão sobre a matéria de facto: manteve-se, na íntegra, a factualidade, provada e não provada, decidida na primeira instância.
E a ré/apelante não convoca quaisquer argumentos jurídicos que pudessem levar à modificação ou revogação da sentença da 1ª instância.
Na verdade, não indica quaisquer normas que possam ter sido mal aplicadas ou deficientemente interpretadas pelo tribunal recorrido; não menciona qualquer erro na determinação da norma aplicável, ou de deficiente subsunção jurídica; nem efectua qualquer raciocínio jurídico que levasse a uma diferente decisão sob o ponto de vista da questão de direito.
Por conseguinte, temos de concluir que a ré/apelante não apresentou recurso em matéria de direito.
Recorde-se que o artº 639º nº 2 do CPC determina que versando o recurso sobre matéria de direito, devem constar nas conclusões as normas jurídicas violadas, o sentido que deve ser atribuído às normas cuja interpretação e aplicação determinou o resultado que pretende impugnar, ou o erro na determinação da norma aplicada e quais as que, em seu entendimento, deveriam ter sido aplicadas.
Além disso, versando, no caso dos autos, as questões analisadas pela 1ª instância sobre matérias em que domina o princípio do dispositivo e, não havendo espaço para qualquer intervenção oficiosa à luz do princípio do inquisitório, não vemos como pode a ré obter a pretendida revogação da sentença. O mesmo é dizer que este tribunal de recurso não pode apreciar os aspectos jurídicos da causa porque a ré/apelante não solicitou essa apreciação.
A esta luz, somos a concluir que o recurso improcede totalmente.
***
III-DECISÃO.
Em face do exposto, acordam os juízes que compõem este colectivo da 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa, julgar o recurso improcedente e, por consequência, mantêm a decisão sob impugnação.
Custas na instância de recurso, pela apelante.

Lisboa, 26/06/2025
Adeodato Brotas
Eduardo Petersen Silva
Nuno Lopes Ribeiro