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CONTRADITÓRIO
NULIDADE
CITAÇÃO
PROCURAÇÃO
Sumário
I - A nulidade por violação do princípio do contraditório resultaria de uma total omissão ao convite à pronúncia das partes prévia à prolação da decisão de mérito. II - No caso, o tribunal observou o princípio do contraditório e fez constar que se adoptava a tramitação simplificada do art.º 597º do Código de Processo Civil. III - Impõe-se às partes que nos articulados que apresentaram, tenham alegado e requerido tudo o que entendem pertinente para a decisão da causa; mais ainda quando, como é o caso, estão assessoradas por mandatários judiciais. IV - De facto, após a apresentação dos articulados e a possibilidade que lhes foi conferida de se pronunciarem sobre a causa, pressupõe-se que as partes, agindo com a diligência devida, já tiveram oportunidade de participar na discussão das questões abordadas pelo Tribunal e tal pode ocorrer quando a pronúncia do tribunal assentar sobre um dos possíveis enquadramentos jurídicos da questão que a parte podia razoavelmente contar. V - Não se pode deixar de entender que a junção por parte do réu (neste caso, executada) de uma procuração conferida a mandatário judicial pressupõe o conhecimento, ou a possibilidade de conhecimento, da pendência do processo; se a executada faz juntar aos autos uma procuração e nesse mesmo acto prescinde de arguir a nulidade da citação tem de entender-se que prescindiu conscientemente de arguir a falta de citação. VI - A tal não obsta o disposto no art.º 164º, n.º 2, c) do Código de Processo Civil, pois esta norma não afasta as regras aplicáveis à citação, nomeadamente o disposto pelo art.º 189º do Código de Processo Civil. Ou seja, se o réu/executado conferir procuração e arguir a falta de citação, após a decisão do incidente e efectivação da citação passa a ter acesso ao processo; se confere procuração e prescinde de arguir a falta de citação, esta nulidade considera-se sanada e compete ao réu/executado solicitar o acesso aos autos, caso não lhe seja oficiosamente concedido após a sua intervenção. VII - Assim, a citação que veio a ocorrer posteriormente levada a cabo pela AE é um acto redundante e ineficaz, fazendo-se aqui aplicação dos princípios consagrados no art.º 625º do Código de Processo Civil. VIII - A questão da (in)existência do título executivo é de conhecimento oficioso. IX - São títulos executivos apenas as actas em que estejam exaradas as deliberações da assembleia de condóminos que tiverem procedido à fixação dos montantes das contribuições devidas ao condomínio, fixando-se o prazo de pagamento e a quota-parte de cada condómino; aquilo que deve constar do título é a constituição da obrigação e esta apenas nasce com a deliberação, validamente formada, que fixa o conteúdo dessa obrigação e não a simples declaração, tomada pelo credor, do montante que considera ser devido. (Sumário elaborado pela Relatora)
Texto Integral
Acordam os Juízes na 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa:
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I. Relatório:
AA, executada na acção executiva para pagamento de quantia certa que lhe foi movida pelo exequente Condomínio do Prédio sito na Rua ..., em Lisboa, deduziu a presente oposição à execução mediante embargos de executado em 25/10/2021 alegando, desde logo, a inexistência de título executivo, entendendo que a acta de assembleia de condóminos apresentada como tal não preenche os requisitos legais, exigidos pelo art.º 6.º, n.º 1 do DL n.º 268/94.
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Recebidos liminarmente os embargos e notificado o exequente para contestar, este veio invocar a extemporaneidade da oposição e pugnou pela improcedência da excepção de falta de título executivo.
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Foi proferido despacho em 8/2/2024 dispensando a audiência prévia, tendo em consideração o valor da acção (€ 6.386,57) adoptando-se os termos simplificados do processo previstos no art.º 597º do Código de Processo Civil e determinou-se a notificação da embargante para responder, querendo, à questão prévia da extemporaneidade dos seus embargos, suscitada pelo embargado na sua contestação.
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A embargante veio responder alegando que desconhecia os actos praticados anteriormente, pois não foi facultado o acesso aos autos à Embargante e ao mandatário que subscreve os embargos, pelo que impugna a arguição de extemporaneidade invocada pela Embargada, porquanto, conforme resulta da certidão de citação junta aos autos, e junta com a citação pessoal da ali Executada (cfr. citação pessoal de Executado – positiva (AE) e respetivos documentos junto aos autos em 15.10.2021) aqui Embargante, a citação ocorreu somente em 29.09.2021, dispondo esta última do prazo de 20 dias, nos termos do disposto no art.º 293º, nº 2 do CPC ex vi do disposto no art.º 365º, nº 3 acrescido da dilação de 5 dias nos termos do disposto no art.º 245º, nº 1, ambos do CPC para deduzir embargos, o que fez.
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Foi então proferido o seguinte despacho:
“I) Questão prévia da tempestividade dos embargos:
O embargado/exequente, na sua contestação, veio arguir a extemporaneidade dos presentes embargos.
Para tanto, alega em suma que a executada /embargante veio juntar procuração forense no processo principal em 7.4.2020 e foi utilizando manobras para fugir à sua citação, conforme relatou a AE nos autos, concluindo assim que há muito tempo que a executada sabia da pendência desta execução por falta de pagamento das suas obrigações condominiais, sendo por isso extemporâneos os embargos deduzidos apenas em Outubro de 2021.
Notificada para o efeito, conforme despacho antecedente, a embargante/executada pugnou pela improcedência de tal arguição.
Cumpre apreciar.
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Com relevo para apreciação desta questão processual e após consulta do processo executivo principal, considera-se assente que:
- a execução principal deu entrada em 20.7.2019, sob a forma sumária, para pagamento da quantia de € 6.386,57;
- em 29.8.2019, foram penhorados dois saldos bancários da executada;
- em 7.4.2020, foi junta procuração emitida pela executada e datada de 17.2.2020, a favor do Dr. BB.
- em 7.10.2021, foi junta nova procuração, emitida pela executada e datada de 24.9.2020, a favor dos seu actuais Mandatários, com requerimento para consulta do processo nos termos do art.º 27º, nº4 da portaria 280/2013;
- em 15.10.2021, a AE juntou aos autos certidão de citação positiva da executada realizada em 29.9.2021, conforme resposta junta a fls.35 a 44 dos autos, cujo teor se dá aqui por reproduzido.
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Desta certidão de citação pessoal da Executada, resulta que tal citação foi realizada nos termos do art.º 232º do CPC, considerando-se que a executada foi citada em 29.9.2021 para efeitos do citado artigo.
Tal acto de citação positiva é o único do processo principal, pelo que é este o momento relevante para inicio da contagem do prazo para apresentação de oposição à execução mediante embargos (cf., em sentido semelhante, o Ac. RL de 18.4.2023, disponível in www.dgsi.pt ).
Assim, contando-se o prazo legal de 20 dias, acrescido da dilação de 5 dias, a partir de 29.9.2021, urge concluir pela tempestividade dos embargos apresentados em 25.10.2021, porquanto o termo desse prazo e dilação ocorreu no dia 24.10.2021, um domingo, dia em que o tribunal se encontrava encerrado, transferindo-se assim o respetivo termo para o primeiro dia útil seguinte, a saber, 25.10.2021, conforme dispõe o art.º 138º, nº 2 do CPC, data em que foram apresentados os presentes embargos.
Apenas a partir da data da concretização da citação, independentemente das vicissitudes processuais anteriores, é que se pode iniciar a contagem do prazo para apresentação de embargos pela executada.
Só o acto da citação, documentado nos autos, é que permitiu à Executada poder exercer cabalmente o seu direito de defesa, tendo então acesso ao teor do requerimento executivo e do título executivo, independentemente de ter tomado conhecimento da existência da execução em data anterior, desde logo, pela provável comunicação por parte da entidade bancária, de que os seus saldos bancários passavam a estar penhorados à ordem deste processo, pois a penhora ocorreu logo em Agosto de 2019, conforme acima se viu.
Ora, o conhecimento da pendência da execução pela executada e a junção de procuração forense à execução não vem colmatar a sua falta de citação até então, nem a substitui, tendo esta de ser realizada, como aliás veio a ocorrer. É que a mera junção da procuração não garante o acesso ao processo electronico por forma a poder ser organizada a eventual defesa por parte da executada. Importa não olvidar o disposto no art.º 164º, nº 2, al.c) do CPC, segundo o qual, o acesso aos autos electronicos dos processos de execução só é facultado ao executado e respectivo mandatário após a citação. Assim, até à citação da executada, o acesso foi negado aos seus mandatários que juntaram procuração, com base no referido preceito legal. Só após a AE comunicar a citação positiva da executada, é que tal acesso foi concedido ao mandatário da executada. Não pode pois considerar-se, como pretende a exequente, que o prazo de defesa se iniciou com tal junção da 1ª procuração ou em data indefinida em que a executada terá tido conhecimento da pendencia da execução, na sequência da penhora das suas contas bancárias ou na sequência de diligências da AE para realizar a citação pessoal, relatadas por aquela em informação dada ao processo executivo.
A conclusão antecedente alicerça-se igualmente no entendimento jurisprudencial mais recente, segundo o qual a intervenção relevante da parte na causa pressupõe um acesso ao processo electronico que a mera junção de procuração forense não garante – cf., entre outros, os Acs. da Relação de Lisboa de 5.11.2019 e de 13.7.2023, ambos disponíveis in www.dgsi.pt e ainda demais jurisprudência aí citada.
Com interesse para a questão em apreço, importa ainda citar o Ac.da RC de 24.4.2018, também disponível in www.dgsi.pt, no qual se conclui:
“a simples junção autos de uma procuração forense pela executada não configura qualquer intervenção processual da sua parte no processo, e nem dela se pode extrair (à falta de mais elementos) a conclusão de que a mesma tomou conhecimento do seu processado (por forma a ficar em condições de assegurar o seu efetivo direito de defesa).
Interpretação em sentido contrário colidiria/afrontaria, a nosso ver, com o princípio de tutela jurisdicional efetiva e do acesso aos tribunais consagrado no artº. 20º da nossa Lei Fundamental e bem assim com o princípio da tutela da confiança que decorre do princípio do Estado de Direito Democrático consagrado no artº. 2º da mesma Lei.
Desse modo, até ao momento em que a sra. AE procedeu, carta registada datada de 03/07/2017, à citação da executada nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 856º do CPC, ainda se estava perante uma ausência absoluta/completa de falta de citação, que não fora (ou se pode ter) antes sanada.
E daí retira-se a conclusão, por um lado, de que esse acto de citação levado a efeito pela sra. AE foi legalmente efetuado, e, por outro, e em consequência, que os embargos à execução deduzidos pela executada foram tempestivamente apresentados.”
Face ao supra exposto, conclui-se pela tempestividade dos embargos, improcedendo a questão prévia da extemporaneidade arguida pela embargada/exequente na sua contestação.”
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Foi de imediato proferido despacho Saneador Sentença, fazendo-se consignar previamente:
“Findos os articulados e considerando o valor do presente processo (€ 6386,57), adoptou-se os termos simplificados previstos no artº 597º do CPC.
Assim, dispensa-se a realização de audiência prévia e passa-se desde já a proferir saneador para apreciação de mérito, nos termos conjugados dos arts.597º, al-c), 593º, nº1, 591º,nº1, al.d) e 595º, nº1, al.b) do CPC.
Com efeito, a questão da existência de título executivo bastante depende essencialmente da aplicação de regras jurídicas, sendo certo que os autos contêm todos os elementos necessários à sua apreciação, sem necessidade de mais provas.
Aliás, tal questão é de conhecimento oficioso, podendo ser também conhecida no processo executivo principal, considerando que não houve despacho liminar, nos termos do artº 734º do CPC. Porém e uma vez que os embargos foram considerados tempestivos e tal questão foi arguida nesta sede, entende-se que deve ser apreciada neste apenso.”
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De seguida foi proferida Decisão a julgar os presentes embargos de executado procedentes, extinguindo-se a execução.
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Desta Decisão recorreu o Exequente, formulando as seguintes Conclusões:
“A. Por tudo o exposto, conclui-se pela total e absoluta falta de fundamento da decisão-sentença do Tribunal a quo.
B. Procedeu o Tribunal a quo à prolação de decisão sem mais, sem atender aos argumentos aduzidos pelo ora Recorrente ao longo da sua Contestação, mormente no tocante á extemporaneidade dos embargos apresentados pela Recorrida, e ao documento da Senhora Agente de Execução, documento este que é de uma evidência e clareza únicas.
C. A Recorrida mesma há muito já sabia da existência da execução, tendo, inclusivamente, como já dito, junto Procuração aos Autos, sendo, sendo, assim, os Embargos extemporâneos por já há muito a Embargante, ora Recorrida, dos mesmos saber e se ter colocado, reiterada e deliberadamente na posição de não receptora da citação.
D. A Recorrida pediu expressamente à Senhora Agente de Execução para enviar a citação para uma morada, e depois pedindo para enviar novamente a citação, nunca levantando as mesmas nos ctt.
E. “A executada tem conhecimento do processo, tendo requerido em Maio de 2020 via telemóvel ... que lhe fosse enviada a citação para outra morada a qual informou ser casa de campo sita em Rua ..., Bencatel, citação que não levantou nos ctt tendo informado que não recebeu o aviso de levantamento, e voltou a requerer novo envio em Setembro desse mesmo ano, o qual se reenviou, tendo igualmente sido devolvido com a informação de objeto não reclamado.” (cfr. informação da Senhora Agente de Execução de 15/10/2021, junta aos Autos principais com a referência 30547948)
F. Sem prescindir, a Requerida abdicou conscientemente de arguir a falta de citação, porquanto teve conhecimento do processo, e acto contínuo, juntou Procuração de Advogado aos Autos.
G. “ii) - A junção ao processo de procuração a advogado, sem logo arguir aquela omissão, constitui uma intervenção relevante que faz pressupor o conhecimento do mesmo, permitindo presumir-se que o réu abdicou conscientemente de arguir a falta de citação;” (cfr. Acórdão do TRC, de 16/03/2021, Processo 163/20.9T8CBR.C1, Relator Senhor Juiz Desembargador Moreira do Carmo).
H. “1- Da simples junção de procuração ao processo pode-se concluir que o Demandado tinha conhecimento e acesso aos autos e por isso tinha (ou podia ter tido) conhecimento da omissão da sua citação; há que entender-se que se a não invocou quando juntou a procuração foi porque não quis dela prevalecer-se, sanando-se a nulidade proveniente de tal omissão. (cfr. Acórdão do TRG, de 09/05/2019, Processo 3398/08.9TBBRG-AG1, Relatora Senhora Juíza Desembargadora Sandra Melo).
I. O prazo de defesa da Requerida iniciou-se com a junção da primeira procuração junta aos Autos principais.
J. Deverá ser revogada esta parte da decisão do Tribunal a quo, e ser considerados extemporâneos os Embargos da Requerida, procedendo a extemporaneidade arguida pelo Embargado e ora Recorrente, como é por demais evidente, com todas as demais consequências daí advenientes.
Sem prescindir:
K. A Acta nº 51 é um título executivo válido e plenamente eficaz, e que cumpre na sua plenitude o disposto no artigo 6º nº 1 do D.L. 268/94 de 25/10.
L. A Acta nº 51 é um título executivo válido e plenamente eficaz, porquanto expressa o montante da contribuição em dívida pela Recorrida, na proporção de 1/6 referente à sua quota parte na herança, bem como consta expressamente no ponto 3 dos factos alegados no requerimento executivo que o montante em dívida é referente às quotas do condomínio em atraso, e não pagas pela Recorrida.
M. “I - A acta de condomínio vale como título executivo previsto no art. 6.º, n.º 1 do DL n.º 268/94, de 25-10 desde que contenha (i) o nome do proprietário/condómino devedor e (ii) o montante em dívida – art. 53.º do CPC.” (realce e sublinhado nossos) (cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, Processo nº 5859/08.0YYLSB-A.L2.S1, datado de 19/06/2019, relator Fátima Gomes)
N. Todos os necessários elementos e requisitos constam da Acta nº 51, para a sua plena e total validade como título executivo que é.
O. A Acta nº 51 foi enviada para a Recorrida, que se colocou na posição de não receptora da mesma, não a tendo impugnado, pelo que a Recorrida só dela própria se deve queixar!
P. “Desde que não exista impugnação, a acta não subscrita pelos condóminos – constituindo mera irregularidade – não afecta a deliberação tomada nem a exequibilidade do título nem a força vinculativa da deliberação.” (realce e sublinhado nossos) (Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, Processo nº 1824/2008-8, datado de 08/05/2008, relator Pedro Lima Gonçalves)
Q. A Acta nº 51 junta ao requerimento executivo, reúne os requisitos previstos no nº1 do artigo 6º do DL 264/94, uma vez que refere o montante em dívida, a natureza da mesma, a fração autónoma e o nome do devedor, e a mesma foi remetida à Recorrida, como referido e documentalmente provado no processo principal.
R. Não restam dúvidas que foi tudo uma manobra para a Recorrida fugir às suas obrigações!
S. O cumprimento da Lei a todos obriga.
T. O Tribunal a quo não atendeu a um único argumento aduzido pelo Recorrente, e, diga-se mesmo, dos mesmos fez “tábua rasa”.
Ainda sem prescindir:
U. O Tribunal a quo decidiu, sem mais, proferir uma decisão, sem a realização de Audiência Prévia, sem sequer ter questionado as Partes – Recorrente e Recorrida – sobre tal situação.
V. “I.– No NCPC (Lei 41/2013), passou a dispor-se como regra a obrigatoriedade da realização de audiência prévia, agora previsto no artº 591 do C.P.C., nomeadamente quando “tencione conhecer imediatamente, no todo ou em parte, do mérito da causa.” (nº1 b)” (cfr. Acórdão do Tribunal da relação de Lisboa, relativo ao Processo nº 3054-17.7 T8LSB – A.L1-6, de 08/02/2018).
W. O Tribunal a quo decidiu sobre o mérito da causa sem ter havido Audiência Prévia.
X. O Tribunal a quo decidiu sem mais, não tendo realizado a Audiência prévia a que estava obrigado, sem sequer ter informado previamente da sua intenção de decisão.
Y. Ao conhecer do pedido em fase de saneamento do processo, como o Tribunal a quo fez, este estava, imperativamente, obrigado a realizar a Audiência Prévia, nos termos do artigo 591º, nº 1 CPC, o que o Tribunal a quo não fez.
Z. Ao fazê-lo, e passando logo à apreciação do mérito da causa, o Tribunal a quo proferiu uma sentença nula.
AA. Pelo que, e em consequência, a preterição desta formalidade obrigatória conduz à nulidade da decisão proferida pelo Tribunal a quo.
Termos em que e nos mais que Vossas Excelências, Venerandos Desembargadores, doutamente suprirão, deve ser dado total provimento ao presente Recurso, devendo, ainda:
(i) Ser considerada procedente a extemporaneidade dos Embargos da Recorrida, atento o facto de a sua apresentação não ter sido tempestiva por parte da Recorrida, como ficou provado, com todas as necessárias consequências daí advenientes para a Recorrida;
(ii) Sem prescindir, deverá ser considerada a Acta nº 51 como um verdadeiro, válido e eficaz título executivo, por reunir todos os requisitos para tal, como ficou provado, com todas as consequências daí advenientes;
(iii) Sem prescindir, deverá ser a decisão-sentença do Tribunal a quo declarada nula por ter sido omitida uma formalidade essencial, não cumprida pelo Tribunal a quo: a realização de Audiência Prévia;
(iv) Ser avaliada a conduta e comportamento processuais da Recorrida em face de tudo o exposto, com as consequências legais daí decorrentes, com o que, uma vez mais, se fará a costumada JUSTIÇA”.
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Não foram apresentadas contra-alegações.
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Colhidos os vistos cumpre decidir.
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II. Questões a decidir:
Como resulta do disposto pelos artigos 5º; 635º, n.º 3 e 639º n.º 1 e n.º 3, todos do Código de Processo Civil (e é jurisprudência consolidada nos Tribunais Superiores) para além do que é de conhecimento oficioso, e porque os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, o objeto do recurso é delimitado em função das conclusões formuladas pelo recorrente.
Deste modo no caso concreto as questões a apreciar consistem em:
- Da nulidade por preterição de uma formalidade essencial;
- Da extemporaneidade dos embargos;
- Se a acta dada à execução se reveste das formalidades exigidas por lei para ser título executivo para as quantias nela descritas;
- Da conduta da embargante.
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III. Da Nulidade por Dispensa de Audiência Prévia
Nos presentes autos, invoca o Recorrente a nulidade da decisão proferida porquanto o Tribunal a quo decidiu sobre o mérito da causa sem ter havido Audiência Prévia, a qual estava imperativamente obrigado a realizar a, nos termos do artigo 591º, nº 1 do Código de Processo Civil, o que o Tribunal a quo não fez.
As normas que regem a Audiência Prévia têm aplicação aos embargos de executado por força do art.º 732º, n.º 2 do Código de Processo Civil.
Nos termos do artigo 591º do Código de Processo Civil:
“1 - Concluídas as diligências resultantes do preceituado no n.º 2 do artigo anterior, se a elas houver lugar, é convocada audiência prévia, a realizar num dos 30 dias subsequentes, destinada a algum ou alguns dos fins seguintes:
a) Realizar tentativa de conciliação, nos termos do artigo 594.º;
b) Facultar às partes a discussão de facto e de direito, nos casos em que ao juiz cumpra apreciar exceções dilatórias ou quando tencione conhecer imediatamente, no todo ou em parte, do mérito da causa;
c) Discutir as posições das partes, com vista à delimitação dos termos do litígio, e suprir as insuficiências ou imprecisões na exposição da matéria de facto que ainda subsistam ou se tornem patentes na sequência do debate;
d) Proferir despacho saneador, nos termos do n.º 1 do artigo 595.º;
e) Determinar, após debate, a adequação formal, a simplificação ou a agilização processual, nos termos previstos no n.º 1 do artigo 6.º e no artigo 547.º;
f) Proferir, após debate, o despacho previsto no n.º 1 do artigo 596.º e decidir as reclamações deduzidas pelas partes;
g) Programar, após audição dos mandatários, os atos a realizar na audiência final, estabelecer o número de sessões e a sua provável duração e designar as respetivas datas.
2 - O despacho que marque a audiência prévia indica o seu objeto e finalidade, mas não constitui caso julgado sobre a possibilidade de apreciação imediata do mérito da causa.
3 - Não constitui motivo de adiamento a falta das partes ou dos seus mandatários.
4 - A audiência prévia é, sempre que possível, gravada, aplicando-se, com as necessárias adaptações, o disposto no artigo 155.º”.
Tem porém aplicação ao caso, conforme aliás despacho proferido em 8/2/2024 o qual, considerando o valor da acção (€ 6.386,57) declarou a adopção dos termos simplificados do processo previstos no art.º 597º do Código de Processo Civil e determinou a notificação da embargante para responder, querendo, à questão prévia da extemporaneidade dos seus embargos, suscitada pelo embargado na sua contestação.
Ora, nos termos do art.º 597º do Código de Processo Civil:
“Nas ações de valor não superior a metade da alçada da Relação, findos os articulados, sem prejuízo do disposto no n.º 2 do artigo 590.º, o juiz, consoante a necessidade e a adequação do ato ao fim do processo:
a) Assegura o exercício do contraditório quanto a exceções não debatidas nos articulados;
b) Convoca audiência prévia;
c) Profere despacho saneador, nos termos do no n.º 1 do artigo 595.º;
d) Determina, após audição das partes, a adequação formal, a simplificação ou a agilização processual, nos termos previstos no n.º 1 do artigo 6.º e no artigo 547.º;
e) Profere o despacho previsto no n.º 1 do artigo 596.º;
f) Profere despacho destinado a programar os atos a realizar na audiência final, a estabelecer o número de sessões e a sua provável duração e a designar as respetivas datas;
g) Designa logo dia para a audiência final, observando o disposto no artigo 151.º.”
Decorre desta norma que a Audiência Prévia, nas acções de valor não superior a metade da alçada da Relação, não tem o carácter obrigatório previsto pelo art.º 591º do Código de Processo Civil, sendo apenas nestes casos uma possibilidade conferida ao Juiz.
No caso, optou-se pela dispensa da Audiência Prévia e determinou-se, nos termos da alínea a) da norma citada, o convite à embargante para responder por escrito à matéria de excepção, despacho aliás igualmente notificado ao Exequente e que não mereceu por parte deste qualquer reacção relativamente à dispensa da audiência prévia.
Observado o contraditório, foi proferido subsequentemente despacho Saneador Sentença, justificado aliás do seguinte modo:
“Findos os articulados e considerando o valor do presente processo (€ 6386,57), adoptou-se os termos simplificados previstos no artº 597º do CPC.
Assim, dispensa-se a realização de audiência prévia e passa-se desde já a proferir saneador para apreciação de mérito, nos termos conjugados dos arts.597º, al-c), 593º, nº1, 591º,nº1, al.d) e 595º, nº1, al.b) do CPC.
Com efeito, a questão da existência de título executivo bastante depende essencialmente da aplicação de regras jurídicas, sendo certo que os autos contêm todos os elementos necessários à sua apreciação, sem necessidade de mais provas.
Aliás, tal questão é de conhecimento oficioso, podendo ser também conhecida no processo executivo principal, considerando que não houve despacho liminar, nos termos do artº 734º do CPC. Porém e uma vez que os embargos foram considerados tempestivos e tal questão foi arguida nesta sede, entende-se que deve ser apreciada neste apenso.”
Efectivamente e tal como decorria da remissão operada pelo art.º 597º, c) foi proferido despacho saneador, neste caso nos termos do art.º 595º, n.º 1, b) que dispõe: 1 - O despacho saneador destina-se a: (…)
b) Conhecer imediatamente do mérito da causa, sempre que o estado do processo permitir, sem necessidade de mais provas, a apreciação, total ou parcial, do ou dos pedidos deduzidos ou de alguma exceção perentória.”
Não foi de facto proferido um outro despacho do qual constasse expressamente a possibilidade de conhecer de mérito, invocando o recorrente a nulidade, por esse motivo, da decisão que foi proferida.
Ora, a haver tal nulidade, esta integrar-se-ia no disposto pela al. d) do n.º 1 do artigo 615.º do Código de Processo Civil.
A nulidade que em teoria aqui está em causa reporta-se à prolacção de uma decisão surpresa, proferida sem observância do contraditório e ao arrepio do estabelecido nos artigos 3º, nº 3, do Código de Processo Civil.
A respeito desta nulidade, dois entendimentos se prefiguram.
Um que considera que a omissão do exercício do contraditório constitui uma nulidade processual (a este propósito leia-se o Acórdão da Relação do Porto de 2/12/2019, Proc. n.º 14227/19.8T8PRT.P1 e extensa jurisprudência e doutrina aí citadas).
As nulidades processuais são quaisquer desvios do formalismo processual prescrito na lei, e a que esta faça corresponder uma invalidade mais ou menos extensa de aspetos processuais.
No âmbito deste entendimento é considerado que a violação do princípio do contraditório se integra na previsão do art.º 195º do Código de Processo Civil, nos termos do qual as nulidades processuais podem consistir na prática de um acto proibido, omissão de um acto prescrito na lei ou realização de um acto imposto ou permitido por lei, mas sem o formalismo requerido, sendo que no âmbito desta norma, as irregularidades aí previstas (não cabendo na previsão das nulidades principais, previstas nos artigos anteriores do Código de Processo Civil) só determinam a nulidade do processado subsequente àquela omissão se influir no exame e decisão da causa, estando o seu conhecimento dependente da arguição, nos termos previsto no art.º 199º do Código de Processo Civil.
Tal coloca a questão da necessidade da arguição desta nulidade ter de ser feita em primeiro lugar junto do tribunal Recorrido, não sendo o recurso de apelação o meio processual próprio para conhecer das infrações às regras do processo quando a parte interessada não arguiu a nulidade perante o tribunal onde aquela alegadamente ocorreu, conforme resulta do regime previsto nos art.º 196º a 199º do Código de Processo Civil.
Outra nova linha doutrinária e jurisprudencial tem defendido no entanto que a omissão de uma formalidade de cumprimento obrigatório, como ocorre com o respeito pelo princípio do contraditório destinado a evitar decisões-surpresa, configura a nulidade da sentença/despacho, por omissão de pronúncia. Nestas circunstâncias o juiz está a tomar conhecimento de questão não suscitada pelas partes, sem prévio exercício do contraditório.
Neste sentido António Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5ª Ed., pág. 26 e 27, onde pode ler-se: “(…) a questão nem sempre encontra resposta tão evidente noutros casos, designadamente quando é cometida nulidade de conhecimento oficioso ou em que o próprio juiz, ao proferir a sentença, omite uma formalidade de cumprimento obrigatório, como ocorre com o respeito pelo princípio do contraditório destinado a evitar decisões-surpresa. A sujeição ao regime das nulidades processuais, nos termos dos arts. 195º e 199º levaria a que a decisão que deferisse a nulidade se repercutisse na invalidação da sentença, com a vantagem adicional de tal ser determinado pelo próprio juiz, fora das exigências e dos encargos (inclusive financeiros) inerentes à interposição do recurso. Porém, tal solução defronta-se com o enorme impedimento constituído pela regra praticamente inultrapassável, ínsita no art. 613º, norma a que presidem razões de certeza e de segurança jurídica que levam a que, proferida a sentença (ou qualquer outra decisão), esgota-se o poder jurisdicional, de modo que, sendo admissível recurso, é exclusivamente por esta via que pode ser alcançada a revogação ou modificação do teor da decisão. (…) Por conseguinte, num campo de direito adjectivo em que devem imperar factores de objectividade e de certeza no que respeita o manuseamento dos mecanismos processuais, parece mais seguro assentar em que sempre que o juiz, ao proferir alguma decisão, se abstenha de apreciar uma situação irregular ou omita uma formalidade imposta por lei, a parte interessada deve reagir através da interposição de recurso sustentado na nulidade da própria decisão, nos termos do art. 615º, nº1, al. d). Afinal, designadamente quando a sentença traduza para a parte uma verdadeira decisão-surpresa (não precedida do contraditório imposto pelo art. 3º, nº3), a mesma nem sequer dispôs da possibilidade de arguir a nulidade processual correspondente à omissão do acto, sendo o recurso a via mais ajustada a recompor a situação integrando no seu objecto a arguição daquela nulidade.”
Esta interpretação revela-se coerente com a atual concepção do principio do contraditório, entendido como “garantia de participação efetiva das partes no desenvolvimento de todo o litígio, mediante a possibilidade de, em plena igualdade, influírem em todos os elementos (factos, provas, questões de direito) que se encontrem em ligação com o objeto da causa e que em qualquer fase do processo apareçam como potencialmente relevantes para a decisão” – conf. José Lebre de Freitas, Introdução ao Processo Civil - Conceito e Princípios Gerais à Luz do Novo Código, pag. 125.
Finalmente, veja-se o que refere Miguel Teixeira de Sousa, em anotação ao Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 2/6/2020, Proc. n.º 496/13.0TVLSB.L1.S1, disponível em: https://blogippc.blogspot.com/search?q=decis%C3%A3o+surpresa –“A questão a resolver é a seguinte: uma decisão-surpresa é uma nulidade processual nos termos do art. 195.º, n.º 1, CPC ou uma nulidade da sentença de acordo com o estabelecido nos art. 615.º, 666.º e 685.º CPC? Segundo se pode imaginar, as dificuldades sentidas pela jurisprudência decorrem da circunstância de a decisão-surpresa resultar da omissão da audição prévia das partes e de, portanto, parecer que a ela está subjacente uma nulidade processual nos termos do art. 195.º, n.º 1, CPC. Há aqui, no entanto, uma confusão que importa procurar desfazer. A audição prévia das partes é um pressuposto ou uma condição para que a decisão não seja considerada uma decisão-surpresa. Quer dizer: a decisão-surpresa é um vício único e próprio: a decisão é uma decisão-surpresa quando tenha sido omitida a audição prévia das partes. Noutros termos: há um vício (que é a decisão-surpresa), e não dois vícios independentes (a omissão da audiência prévia das partes e a decisão-surpresa). Em concreto: há um vício processual que é consequência da omissão de um acto. Se assim é, claro que o que há que considerar é o vício em si mesmo (a decisão-surpresa), e não separadamente a causa do vício e o vício. Em parte alguma do direito processual ou do direito substantivo se considera a causa do vício e o vício como duas realidades distintas. A única distinção que é possível fazer é ontológica: é a distinção entre a causa e a consequência. Dado que a decisão-surpresa corresponde a um único vício e porque este nada tem a ver com a decisão como trâmite, o vício de que padece a decisão-surpresa só pode ser um vício que respeita à decisão como acto. Em concreto, a decisão-surpresa é uma decisão nula por excesso de pronúncia (art. 615.º, n.º 1, al. d), CPC), dado que se pronúncia sobre uma questão sobre a qual, sem a audição prévia das partes, não se pode pronunciar.”
Julga-se desta forma que é lícito ao recorrente invocar esta nulidade em sede de Recurso, dela cumprindo conhecer.
No entanto, como vimos do enquadramento que se efectuou, a nulidade não se verifica.
A nulidade em causa, como resulta do que se referiu, resultaria de uma total omissão ao convite à pronúncia das partes prévia à prolação da decisão de mérito.
No caso, o tribunal observou o princípio do contraditório e fez constar que se adoptava a tramitação simplificada do art.º 597º do Código de Processo Civil.
Com a instauração dos embargos e notificação do exequente para contestar é pressuposto que as partes aleguem tudo o que entendem ser constitutivo do seu direito; tudo o que entendem constituir a sua defesa nos articulados e que apresentem juntamente com esses articulados toda a prova de que disponham, como resulta dos artigos 728º a 732º do Código de Processo Civil.
Não prevendo a Lei outros articulados, é porém aplicável a possibilidade prevista pelo art.º 3º, n.º 4 do Código de Processo Civil: “Às exceções deduzidas no último articulado admissível pode a parte contrária responder na audiência prévia ou, não havendo lugar a ela, no início da audiência final”; ou como vimos, a notificação prevista pelo art.º 597º, a), como foi o caso e aplicável aos autos mercê do valor da execução.
A partir daqui e como aludem Paulo Ramos de Faria e Ana Luísa Loureiro, Primeiras Notas ao Novo Código de Processo Civil, pág. 31 e ss.: “…o respeito pelo princípio do contraditório é postulado pelo direito a um processo equitativo, previsto no nº 4 do artº 20º da CRP(…). O risco de agressão ao princípio do contraditório surgirá, sobretudo, nos casos em que o juiz aprecie oficiosamente uma questão. Neste contexto, o legislador deixou bem claro que o juiz pode conhecer dos vícios dos elementos estruturais da demanda - ao nível da falência dos pressupostos e da manifesta improcedência do pedido ou de uma excepção peremptória – em segundas audições, bastando-se com a petição inicial ou, por maioria de razão, com os dois articulados”.
Impõe-se assim às partes que nos articulados que apresentaram, tenham alegado e requerido tudo o que entendem pertinente para a decisão da causa; mais ainda quando, como é o caso, estão assessoradas por mandatários judiciais.
De facto, após a apresentação dos articulados e a possibilidade que lhes foi conferida de se pronunciarem sobre a causa, pressupõe-se que as partes, agindo com a diligência devida, já tiveram oportunidade de participar na discussão das questões abordadas pelo Tribunal e tal pode ocorrer quando a pronúncia do tribunal assentar sobre um dos possíveis enquadramentos jurídicos da questão que a parte podia razoavelmente contar.
Revisitando Paulo Ramos de Faria e Ana Luísa Loureiro (in ob. cit. pág. 33) “Se o tribunal, debruçando-se sobre uma determinada realidade processual, está em condições de a perspectivar juridicamente, a parte obreira dessa realidade processual ou que dela foi notificada teve igual possibilidade de sobre ela se pronunciar. O patrocínio forense obrigatório não visa a tutela de interesses corporativos, mas sim garantir, além do mais, esta possibilidade. Não faz sentido exigir para o advogado uma posição que peça meças à do juiz no diálogo jurídico, para, no passo seguinte, defender que seja tratado como leigo, incapaz de lançar um olhar jurídico elementar sobre a relação processual, se para tanto não foi convocado por uma espécie de projecto de decisão”.
No caso, vertidas as posições das partes nos articulados, sendo a prova dos factos pertinentes à decisão da causa eminentemente documental e nada mais tendo sido requerido a este respeito por qualquer uma das partes; afigura-se que se podia razoavelmente perspectivar a possibilidade de, subsequentemente ao despacho em causa e à dispensa da audiência prévia, relativamente à qual as partes se conformaram, ser proferida uma decisão sobre o mérito da causa.
Desta forma, não se pode concluir que a decisão proferida fosse surpreendente para as partes e foi observado o contraditório, pelo que não se verifica a nulidade invocada.
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IV. Da extemporaneidade dos Embargos.
Nos termos do art.º 728.º, n.º 1 do Código de Processo Civil, “O executado pode opor-se à execução por embargos no prazo de 20 dias a contar da citação.”
No caso, tal como resulta da factualidade que supra se reproduziu, junta aos autos certidão de citação positiva da executada realizada em 29.9.2021 e apresentados os embargos em 25.10.2021, considerando o que dispõe o art.º 138º, n.º 2 do Código de Processo Civil, os embargos tem-se por tempestivamente apresentados.
Insurge-se a Exequente porém invocando que a executada tinha conhecimento dos autos desde data anterior, pelo menos em 7.4.2020, quando foi junta procuração emitida pela executada e datada de 17.2.2020, a favor do Dr. BB, pelo que se devem considerar os embargos extemporâneos.
Ora, a junção de uma procuração aos autos de execução quais as consequências a retirar desse acto tem merecido tratamento díspar na Jurisprudência, como se retira, exemplificativamente, do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, proferido no Proc. 2087/17.8T8OAZ-A.P1.S1 de 24/11/2020, revista excepcional, onde se sintetiza as duas posições da seguinte forma, referenciando ainda nas Notas de Rodapé 2 e 3 diversa jurisprudência num e noutro sentido: “Basicamente estão em confronto duas posições. Uma expressa pelo acórdão fundamento que defende que o conceito de intervenção no processo, de que de fala o artº 189° do CPC para efeitos de sanação de nulidade decorrente da falta de citação, deve ser interpretado no sentido de pressupor uma actuação activa no processo da parte demandada através da prática ou intervenção em acto judicial, que lhe permitam tomar pleno conhecimento de todo o processado ou, pelo menos, que façam presumir esse efectivo conhecimento. E, por isso, a simples junção autos de uma procuração forense pela parte demandada não se integra, só por si, nesse conceito de intervenção no processo[2]. A outra expressa no acórdão recorrido no sentido de que a simples junção aos autos de uma procuração constituiu um acto com relevância processual que implica, após esse prazo, o conhecimento de todos os elementos relevantes da lide e permite o integral exercício do seu direito de defesa[3].”
Concordamos com esta última posição, sendo esse igualmente o sentido do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça referido, fazendo referência à seguinte doutrina: “O art. 189.º do CPC determina que a falta de citação considera-se sanada se o réu ou o Ministério Público intervier no processo sem arguir logo a nulidade. E a questão que se coloca é o que se deve entender por intervenção no processo A este propósito, Alberto dos Reis[4] escreveu que “o réu, tendo conhecimento de que contra ele corre um processo em que não foi citado, ou intervém nele na altura em que se encontra ou argue a falta da sua citação”, ficando a falta “sanada se o réu a não arguir logo, isto é, no preciso momento em que, pela 1ª vez, intervém no processo”. Para Lebre de Freitas/Isabel Alexandre[5], “Não faria sentido que o réu ou o Ministério Público interviesse no processo sem arguir a falta de citação e esta mantivesse o efeito de nulidade. Ao intervir no processo, o réu ou o Ministério Público tem, ou pode logo ter, pleno conhecimento do processado, pelo que, optando pela não arguição da falta, não pode deixar de se presumir iuris et de iure que dela não quer, porque não precisa, prevalecer-se. A exigência da imediata arguição da nulidade evita processados posteriores que o interesse da defesa, confrontado com o do autor e com o interesse geral, não justificaria que viessem a a ser anulados. Com a intervenção do reu ou do Ministério Publico no processo, sem reserva, a sanação da nulidade produz-se”. Neste mesmo entendimento salienta Rodrigues Bastos[6] que “a razão da norma é fácil de descortinar: se a citação é um acto pelo qual se dá conhecimento ao réu de que foi proposta contra ele e o chama a juízo para se defender, a intervenção espontânea do réu preenche as finalidades da citação, desde que ele não se mostre, desde logo, interessado em arguir essa omissão". Mais recentemente Abrantes Geraldes/Paulo Pimenta/Pires de Sousa[7], escrevem que “Se apesar de ocorrerem circunstâncias passiveis de configurar nulidade por falta de citação, o réu ou o Ministério Publico (…) tiver intervenção no processo sem invocar imediatamente o vício, a nulidade considera-se suprida. Para este efeito, “arguir logo a falta “significa fazê-lo na primeira intervenção processual”.
Entrando de seguida na análise do caso concreto, pronuncia-se desta forma o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça que temos vindo a citar: Entendemos, tal como o acórdão recorrido, que o “elemento interpretativo decisivo é o sistemático, que permite aplicar o princípio de cognoscibilidade e auto-responsabilidade ínsito no art. 199º, do CPC”. Esta norma, sobre a regra geral sobre o prazo de arguição das nulidades, presume o conhecimento da nulidade na esfera da parte, desde que "se deva presumir que que então tomou conhecimento nulidade ou quando dela pudesse conhecer, agindo com a devida diligência". E importante, para que essa intervenção no processo possa assumir tal relevo, é, no dizer do Acórdão da Relação do Porto, de 17.12.2008, disponível em www.dgsi.pt, que a mesma pressuponha "o conhecimento ou a possibilidade de conhecimento da pendência do processo, como decorreria da citação; se, com esse conhecimento, o réu intervém sem arguir a falta de citação é porque não está interessado em prevalecer-se dessa omissão, devendo a mesma considerar-se sanada".
E tal como de seguida se refere nesse mesmo Acórdão, não se pode deixar de entender que a junção por parte do réu (neste caso, executada) de uma procuração conferida a mandatário judicial pressupõe o conhecimento, ou a possibilidade de conhecimento, da pendência do processo
Se a executada faz juntar aos autos uma procuração e nesse mesmo acto prescinde de arguir a nulidade da citação tem de entender-se que prescindiu conscientemente de arguir a falta de citação.
A tal não obsta o disposto no art.º 164º, n.º 2, c) do Código de Processo Civil, que estabelece que “Os processos de execução só podem ser facultados aos executados e respetivos mandatários após a citação ou, nos casos previstos no artigo 626.º, após a notificação; independentemente da citação ou da notificação, é vedado aos executados e respetivos mandatários o acesso à informação relativa aos bens indicados pelo exequente para penhora e aos atos instrutórios da mesma”, pois esta norma não afasta as regras aplicáveis à citação, nomeadamente o disposto pelo art.º 189º do Código de Processo Civil. Ou seja, se o réu/executado conferir procuração e arguir a falta de citação, após a decisão do incidente e efectivação da citação passa a ter acesso ao processo; se confere procuração e prescinde de arguir a falta de citação, esta nulidade considera-se sanada e compete ao réu/executado solicitar o acesso aos autos, caso não lhe seja oficiosamente concedido após a sua intervenção.
Revertendo ao Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça supra referido: “No caso dos autos, com a junção da procuração e acesso electrónico aos autos o executado tomou conhecimento de que ainda não tinha sido citado, assim como passou a ter conhecimento de todos os elementos do processo. A junção de procuração é um acto processualmente relevante, implicando o exercício do contraditório entre mandatários, concede direitos e deveres ao mandatário, e permite efectivar o seu direito de defesa ao ter acesso a todos os termos do processo e a ser notificado de todos os despachos proferidos. Munida da procuração e conhecedor da pendência do processo, estava, pois, o executado, através da seu mandatário, em condições de a ele aceder, podendo e devendo ter arguido a falta da sua citação aquando da junção aos autos da procuração forense. Não o tendo feito, face ao disposto no artigo 189º do Código de Processo Civil, mostra-se sanada a nulidade decorrente da alegada falta de citação.”
A junção de procuração é um acto judicialmente relevante e não pode deixar de significar que a parte tem desta forma conhecimento que pende contra si um processo. A partir daí e para mais assessorada por um profissional do foro, deve diligenciar pela defesa que melhor entenda adequada dos seus interesses, tal como pode e deve fazer.
Posto isto, perante a junção da procuração em causa sem que a executada tenha arguido a falta de citação, tem-se por sanada a falta de citação e considera-se a executada por citada para os termos da causa desde esse momento.
Assim, a citação que veio a ocorrer posteriormente levada a cabo pela AE é um acto redundante e ineficaz, fazendo-se aqui aplicação dos princípios consagrados no art.º 625º do Código de Processo Civil.
Desta forma, os embargos foram deduzidos extemporaneamente.
No entanto, aqui chegados, outra questão se suscita.
É que a decisão proferida nos autos incidiu sobre a (in)existência do título executivo, questão esta (como aliás aflorado no despacho do tribunal a quo) de conhecimento oficioso.
Uma vez que a questão foi assim decidida nos presentes embargos, devidamente observado o princípio do contraditório, e dela foi interposto recurso, impõe-se, atento o princípio da utilidade dos actos e da economia processual, dela conhecer.
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V. Fundamentação de Facto.
Na decisão do presente recurso para além do que consta do Relatório que antecede, há que ter em atenção os seguintes Factos Provados:
“1. O exequente é o Condomínio do Prédio sito na Rua ..., em Lisboa, representado pelos seus Administradores em exercício, com poderes especificamente conferidos para este efeito, nos termos da Assembleia de Condóminos realizada em 06/03/2019.
2. Por seu turno, a executada é proprietária de uma fracção autónoma designada pela letra "C" e foi co-proprietária de outra fracção designada pela letra “A” do aludido prédio constituído em regime de propriedade horizontal.
3. O Condominio Exequente interpôs execução contra a ora embargante nos seguintes termos:
1.A exequente é o Condomínio do Prédio sito na Rua ..., em Lisboa, representada pelos seus Administradores em exercício, com poderes especificamente conferidos para este efeito, nos termos da Assembleia de Condóminos realizada em 06/03/2019, conforme consta da respectiva acta nº 51, de que se junta sob o doc. nº 1, cujo teor se considera integralmente reproduzido.
2.Por seu turno, a executada é proprietária das fracções autónomas designadas pelas letras “A” e "C" correspondentes respectivamente ao 1º andar esquerdo e Loja, sitas na Rua ..., em Lisboa, do aludido prédio constituído em regime de propriedade horizontal.
3. A executada é devedora ao Condomínio das quotizações de condomínio, desde Janeiro de 2006 até Dezembro de 2016, tudo no montante de € (dois mil trezentos e cinquenta e cinco euros e vinte e dois cêntimos)., tudo no montante de € 3.904,82 (três mil novecentos e quatro euros e oitenta e dois cêntimos).
4.Interpelada que foi a executada, pela exequente, para efectuar o respectivo pagamento em dívida (Cfr. Doc. nº 2, que aqui se dá por integralmente reproduzido), o executado não procedeu ao levantamento da respectiva carta (Docs. nºs 3 e 4 que aqui se dão por integralmente reproduzidos), não tendo pago a quantia ora reclamada que deve ao Condomínio.
5.A dívida do executado à exequente é elevada e é impeditiva e lesiva do regular e bom funcionamento do Condomínio, tendo, para o efeito o Condomínio deliberado na Assembleia de Condóminos datada de 06 de Março de 2019 (Doc. 1 que aqui se dá por integralmente reproduzido) avançar com os procedimentos legais que tem ao seu dispor para fazer com que este Condómino se digne a pagar a dívida que detém para com o Condomínio.
6. Para além do montante em dívida deverá a executada ser condenada no pagamento de juros moratórios à taxa legal aplicável, no montante de € 2.106,25, contados até à data da entrada desta acção, bem como ser condenado ao pagamento dos juros vincendos até ao integral pagamento da dívida ora reclamada, bem como ainda a pagar as todas as custas e demais encargos do processo, e os honorários de Advogado que se estimam em €350,00.
7. Contudo, a executada deverá ser condenada a pagar à exequente o montante de € 3.904,82, acrescido de juros vencidos no montante de € 2.106,25, contados até à data da entrada desta acção, ainda os honorários de Advogado no montante de €350,00, e o montante de 25,50€ relativo à taxa de justiça, e os juros vincendos até integral pagamento da quantia em dívida, tudo no montante global de € 6.386,57.
4. O exequente juntou a única acta a que alude no requerimento executivo, cujo teor se dá aqui por reproduzido.”
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VI. Da qualidade da Acta como título executivo.
De acordo com o art.º 10º, n.º 4 do Código de Processo Civil, “Dizem-se «ações executivas» aquelas em que o credor requer as providências adequadas à realização coativa de uma obrigação que lhe é devida”, dispondo-se ainda no n.º 5 que “Toda a execução tem por base um título, pelo qual se determinam o fim e os limites da ação executiva.”
Sendo o título executivo a condição sine qua non da acção executiva, o mesmo pressupõe que a obrigação que contém está validamente constituída, sem necessidade de se recorrer a uma acção declarativa para ver reconhecido o direito que no mesmo se insere. O mesmo constitui ainda o limite da execução, não podendo o credor pedir mais do que no título se inscreve.
A Lei limita a espécie de títulos executivos, previstos pelo art.º 703º do Código de Processo Civil:
“1 - À execução apenas podem servir de base:
a) As sentenças condenatórias;
b) Os documentos exarados ou autenticados, por notário ou por outras entidades ou profissionais com competência para tal, que importem constituição ou reconhecimento de qualquer obrigação;
c) Os títulos de crédito, ainda que meros quirógrafos, desde que, neste caso, os factos constitutivos da relação subjacente constem do próprio documento ou sejam alegados no requerimento executivo;
d) Os documentos a que, por disposição especial, seja atribuída força executiva.
2 - Consideram-se abrangidos pelo título executivo os juros de mora, à taxa legal, da obrigação dele constante.”
Do que se vem expondo decorre que para que um determinado documento seja considerado título executivo o mesmo há-de observar determinados requisitos, formais e substanciais, desde logo as sentenças e alargando o legislador o elenco, típico e taxativo, dos títulos executivos a determinados documentos particulares, desde que observados os requisitos impostos pela norma que lhes atribui força executiva.
Nenhuma acção executiva deve ter seguimento sem que o tribunal de execução interprete o título que lhe serve de fundamento e, sempre que existam dúvidas acerca do tipo ou do objeto da obrigação titulada, o título não é exequível e o credor tem de recorrer previamente a uma ação declarativa de condenação ou de simples apreciação – Lebre de Freitas, A acção executiva depois da reforma da reforma, 5.ª edição, pág. 35.
A questão da validade do documento ou a da sua qualidade de título executivo não são coincidentes: um documento válido não se reveste necessariamente da qualidade de título executivo.
Que está assente a validade da acta, não se discute já aqui nestes embargos.
A questão é se o seu teor cumpre os requisitos exigidos pela Lei para se falar em título executivo, sendo aqui aplicável o que se prevê no art.º 703º, n.º 1, d) do Código de Processo Civil.
Nos termos do art.º 6º do DL n.º 268/94, de 25 de Outubro - Regime da Propriedade Horizontal, na versão em vigor à data da entrada em juízo da execução, do Decreto-Lei n.º 81/2020, de 2 de Outubro:
“1 - A acta da reunião da assembleia de condóminos que tiver deliberado o montante das contribuições devidas ao condomínio ou quaisquer despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns e ao pagamento de serviços de interesse comum, que não devam ser suportadas pelo condomínio, constitui título executivo contra o proprietário que deixar de pagar, no prazo estabelecido, a sua quota-parte.
2 - O administrador deve instaurar acção judicial destinada a cobrar as quantias referidas no número anterior.”
A interpretação desta norma, sobre o que se deve entender por “montante das contribuições devidas ao condomínio e quaisquer outras despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns e ao pagamento de serviços de interesse comum, que não devam ser suportadas pelo condomínio” deu origem a uma clara divisão entre a jurisprudência, naquilo que se entendia como uma interpretação restritiva e uma interpretação extensiva da norma.
Para a visão restritiva são títulos executivos apenas as actas em que estejam exaradas as deliberações da assembleia de condóminos que tiverem procedido à fixação dos montantes das contribuições devidas ao condomínio, fixando-se o prazo de pagamento e a quota-parte de cada condómino.
Para a interpretação extensiva será de atribuir força executiva quer à citada acta quer à acta em que, por um condómino não ter pago as contribuições que lhe respeitam, se delibera sobre o valor da sua dívida e se encarrega o administrador de proceder à sua cobrança judicial.
Colocava-se ainda a questão de saber se a acta podia constituir título executivo para contribuições extraordinárias, enquanto integradas na previsão quaisquer outras despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns e ao pagamento de serviços de interesse comum.
Outro motivo de controvérsia prendia-se com a executoriedade da acta que previa a aplicação de penalizações ao condómino incumpridor, entendendo parte da jurisprudência que tais quantias se encontravam abrangidas pela norma e parte da jurisprudência a rejeitar tal possibilidade.
Atentas estas divergências e questões suscitadas, esta norma veio a ter nova redacção conferida pela Lei n.º 8/2022, de 10/01, passando a constar:
“1 - A ata da reunião da assembleia de condóminos que tiver deliberado o montante das contribuições a pagar ao condomínio menciona o montante anual a pagar por cada condómino e a data de vencimento das respetivas obrigações.
2 - A ata da reunião da assembleia de condóminos que reúna os requisitos indicados no n.º 1 constitui título executivo contra o proprietário que deixar de pagar, no prazo estabelecido, a sua quota-parte.
3 - Consideram-se abrangidos pelo título executivo os juros de mora, à taxa legal, da obrigação dele constante, bem como as sanções pecuniárias, desde que aprovadas em assembleia de condóminos ou previstas no regulamento do condomínio.
4 - O administrador deve instaurar ação judicial destinada a cobrar as quantias referidas nos n.ºs 1 e 3.
5 - A ação judicial referida no número anterior deve ser instaurada no prazo de 90 dias a contar da data do primeiro incumprimento do condómino, salvo deliberação em contrário da assembleia de condóminos e desde que o valor em dívida seja igual ou superior ao valor do indexante dos apoios sociais do respetivo ano civil.”
Dispõe o artigo 9.º, da Lei 8/2022, de 10 de Janeiro, que a mesma entrava em vigor 90 dias após a respectiva publicação, com excepção do previsto quanto à alteração dada ao artigo 1437.º, do Código Civil; ou seja, a Lei 8/2022 veio a entrar em vigor a partir de 10 de Abril de 2022.
Constata-se que na nova redação do n.º 1 da norma foi suprimido o segmento “… ou quaisquer despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns e ao pagamento de serviços de interesse comum”; por outro lado, foi aditado o segmento no sentido de a acta mencionar o montante anual a pagar por cada condómino (e a data de vencimento das respetivas obrigações), bem como o n.º 3, prevendo expressamente que se consideram abrangidos pelo título executivo os juros de mora, à taxa legal, da obrigação dele constante, bem como as sanções pecuniárias, desde que aprovadas em assembleia de condóminos ou previstas no regulamento do condomínio.
A lei 8/2022 resulta do Projecto de Lei n.º 718/XIV/2.ª, no qual já constava a redacção que veio a ser dada a este artigo 6.º e de acordo com a respectiva exposição de motivos, teve-se em vista introduzir “… mecanismos facilitadores da convivência em propriedade horizontal, nomeadamente agilizando procedimentos de cobrança (…). O diploma pretende ainda contribuir para a pacificação da jurisprudência que é abundante e controversa a propósito de algumas matérias, como, por exemplo, os requisitos de exequibilidade da acta da assembleia de condóminos, a legitimidade processual activa e passiva no âmbito de um processo judicial e a responsabilidade pelo pagamento das despesas e encargos devidos pelos condóminos alienantes e adquirentes de fracções autónomas, colocando fim, neste último aspecto, à vasta e sobejamente conhecida discussão acerca das características de tais obrigações”.
Com a entrada em vigor desta Lei, novas questões se colocaram, desta vez sobre o carácter interpretativo ou, pelo contrário, inovador da nova redacção da norma.
Nos termos do n.º 1 do art.º 12.º do Código Civil, a lei só dispõe para o futuro; ainda que lhe seja atribuída eficácia retroativa presume-se que ficam ressalvados os efeitos já produzidos pelos factos que a lei se destina a regular.
Porém, o n.º 2 do mesmo art.º 12.º, segunda parte, preceitua que quando a lei dispõe diretamente sobre o conteúdo de certas relações jurídicas, abstraindo dos factos que lhes deram origem, se entende que a lei abrange as próprias relações já constituídas, que subsistam à data da sua entrada em vigor.
A lei interpretativa, tal como refere Pedro Romano Martinez, Introdução ao Direito, AAFDL, 2021, pág.s 222/3, contrapõe-se a uma lei inovadora, visando explicitar o sentido de uma lei anterior que tinha um sentido dúbio, determina o sentido da lei interpretada, integrando-se nela e por isso de aplicação retroactiva, nos termos do disposto no artigo 13.º, n.º 1, do Código Civil.
Tem-se entendido que a Lei n.º 8/2022 reveste estas duas características, consoante o que esteja em causa:
Por um lado, quanto às sanções de natureza pecuniária, se entende que a Lei assume uma dimensão meramente interpretativa, face à controvérsia anterior (neste sentido, o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra proferido no Proc. 1253/22.9T8CVL-B.C1, de 18/6/2024 e onde é citada outra jurisprudência no mesmo sentido);
Quanto às contribuições extraordinárias, já se entende que a lei não pode deixar de revestir um carácter inovatório, deixando de ter a acta a função de título executivo quanto a estas, mas não se podendo negar essa qualidade a actas aprovadas em data anterior à da e.v. da Lei (veja-se a este respeito o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra proferido no Proc. 1089/22.7T8SRE-B.C1 de 13/6/2023).
Já quanto o que sejam contribuições devidas ao condomínio, entende-se que a Lei n.º 8/2022 reveste igualmente um carácter interpretativo, visando acabar com a divergência entre a posição que admitia que uma acta que se limitasse a inventariar as dívidas do condómino podia servir de título executivo e os que entendiam que apenas revestiam essa qualidade as actas que contivessem a deliberação sobre o montante da contribuição periódica ao condomínio, com menção do modo de cálculo, atribuição a cada condómino (nomeadamente tendo em conta a permilagem), prazo e modo de pagamento - o que geralmente é feito através da aprovação do orçamento anual – entendendo-se à luz da redacção anterior do art.º 6º que tal igualmente se exigia quanto à aprovação de quaisquer despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns e ao pagamento de serviços de interesse comum – impunha-se que da acta constasse a deliberação e aprovação da despesa, modo e forma de pagamento, permilagem, prazo, etc…
Neste sentido, a título meramente exemplificativo, já decidia o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 2/6/2021, proferido no Proc. n.º 1549/18.4T8SVL-A.E1.S1: “I - Para valer como título executivo nos termos do art. 6º do DL nº 268/94 de 25.10, a acta da assembleia de condomínio tem de conter a deliberação sobre o montante das contribuições ou despesas devidas ao condomínio, a fixação da quota-parte devida por cada condómino e o prazo de pagamento respectivo; II – A acta que se limita a documentar a aprovação pela assembleia da existência de uma dívida de um condómino por não pagamento de quotas, tal como referido pela administração, não reúne os requisitos de exequibilidade que resultam do art. 6º do DL n 268/94.”
Ou como decidido no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 6/7/2023, desta Secção, proferido no Proc. 2237/19.0T8LRS-A.L1-6 onde se remete para diversa jurisprudência e se refere: “A questão que se levanta é a de saber qual é, afinal, a ata que pode ser considerada título executivo, pois a lei só o reconhece àquela que “tiver deliberado o montante das contribuições devidas ao condomínio ou quaisquer despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns e ao pagamento de serviços de interesse comum, que não devam ser suportadas pelo condomínio”. Esta questão levanta-se, nomeadamente na execução aqui em causa, porque há muitas assembleias de condóminos que deliberam ou simplesmente fazem constar de ata as dívidas ao condomínio por parte dos condóminos e que são existentes à data da assembleia, levando a efeito uma inventariação de tais dívidas. Estas deliberações são distintas daquelas que decidem sobre o montante da contribuição periódica ao condomínio, o que geralmente é feito através da aprovação do orçamento anual, ou da aprovação de quaisquer outras despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns. Que estas últimas constituem título executivo, não há qualquer dúvida. A questão que se tem levantado e que tem dividido a jurisprudência é a de saber se as atas que contêm deliberações que se limitaram a inventariar as dívidas dos condóminos também constituem título executivo. Sobre esta questão temos jurisprudência que nega a natureza de título executivo a tais atas e outra que lhe concede essa característica. (…) Consideramos que a segunda interpretação é de afastar, desde logo porque é contrária ao princípio geral da proibição da autotutela dos direitos, que decorre do artº 1º do CPC. Por via dessa interpretação está-se a conceder a um credor a possibilidade de ser ele a definir o seu crédito e o respetivo conteúdo. O legislador, ao dispensar o condomínio da instauração da ação declarativa, não lhe concedeu o poder de declarar o seu próprio direito, que é o que na realidade se passa quando se atribui força executiva à mera menção na ata da circunstância de determinado condómino dever determinada quantia. Não é, nem pode ser, esta declaração que consubstancia a obrigação exequenda, exatamente porque dela não decorre qualquer obrigação. Tal configuraria uma declaração de dívida que, ao invés de partir do devedor, parte do próprio credor. A obrigação que efetivamente está em causa constituiu-se por via da anterior deliberação que, essa sim, contém os factos determinantes suscetíveis de gerar a pretensão creditícia do condomínio. As referidas menções efetuadas nas atas das assembleias de condóminos respeitantes às dívidas ao condomínio podem ter a utilidade de chamar a atenção do condómino em causa para o que está a dever ao condomínio e também, há que dizê-lo, para expor o incumprimento das obrigações por parte desse condómino perante todo o condomínio. Têm, portanto, uma finalidade meramente informativa e nem sequer se percebe qual o instituto jurídico, ou a norma, ou princípio jurídico a que se pode recorrer para sustentar algum tipo de eficácia jurídica a uma mera deliberação que menciona o rol das dívidas ao condomínio.”
Adere-se a esta orientação, tendo aliás sido por esta Relatora já sido decidido neste sentido e com esta fundamentação no Acórdão de 8/5/2025 proferido no Processo n.º 12745/21.7T8SNT-A.L2; de facto, aquilo que deve constar do título é a constituição da obrigação e esta apenas nasce com a deliberação, validamente formada, que fixa o conteúdo dessa obrigação e não a simples declaração, tomada pelo credor, do montante que considera ser devido.
Apenas com este conteúdo é razoável falar-se em título executivo com dispensa da interposição da acção declarativa prévia, como é afinal a finalidade do legislador.
Aqui chegados e considerando a este propósito revestir a Lei 8/2022 de caráter interpretativo, olhando ao teor da acta dada à execução conclui-se ser de manter a sentença proferida.
Senão, vejamos; a exequente invoca no seu r.e. que a executada, proprietária das fracções autónomas designadas pelas letras “A” e "C" correspondentes respectivamente ao 1º andar esquerdo e Loja, do prédio, é devedora ao Condomínio das quotizações de condomínio, desde Janeiro de 2006 até Dezembro de 2016, que liquida no montante de € 3.904,82, acrescido de juros vencidos no montante de € 2.106,25, contados até à data da entrada desta acção, ainda os honorários de Advogado no montante de €350,00, e o montante de 25,50€ relativo à taxa de justiça, e os juros vincendos até integral pagamento da quantia em dívida, tudo no montante global de € 6.386,57.
É o seguinte o teor da Acta a este respeito:
“Ainda dentro deste ponto da ordem de trabalhos. a Administração informa os presentes que à data do fecho de contas a 31-12-2018 existe em divida ao Condomínio o valor de 4.758,38€. A Administração informa os presentes que os valores em dívida são referentes às frações Loja e 1° Esq. No entanto e à data da realização desta assembleia os únicos valores que se encontram em dívida são da responsabilidade da Sra. D. AA, sobre as frações 1° Esq no valor de 2.410 14€ e sobre a Loja A no valor de 1.494,67€. É dado a conhecer aos presentes que a quota parte 1/6 da Sra AA da Loja A foi vendida e atualmente pertence ao Sr. CC. Sobre os valores em dívida da Sra AA é proposto e aceite por unanimidade dos presentes avançar com a acção executiva entregando o processo à Agente de Execução DD com o acompanhamento da Dra EE, de acordo com a descrição abaixo mencionada: --¬Fração Loja — quota parte 1/6 referente à herdeira a Sra. D. AA com o valor em dívida de 1.494,68€ ( mil, quatrocentos e noventa e quatro euros e sessenta oito cêntimos) que abaixo se descreve:
Quotas de condomínio vencidas e não liquidadas de Janeiro de 2006 a Junho de 2011 sob o Proc. N° 68/12.7THLSB na proporção 1/6 no valor total de 227,56€;
Quotas de condomínio vencidas e não liquidadas de Julho de 2011 a Dezembro de 2016 na proporção de 1/6 no valor total de 1.267,11E,
Sobre esta fração é proposto e aprovado por unanimidade dos presentes conferir poderes na administração eleita para proceder judicialmente à cobrança dos valores em dívida acionando para o efeito a respetiva ação executiva sendo desde logo incluido no pedido todas as despesas administrativas, judiciais ou outras, inerentes ao processo bem como honorários do advogado, os juros de mora vencidos à taxa legal em vigor até ao integral pagamento da dívida.
Fração 1° Esq — quota parte 116 referente à herdeira Sra. D. AA com o valor em divida de 2.410,14€ ( dois mil, quatrocentos e dez euros e catorze cêntimos) que abaixo se descreve.
Quotas de condomínio vencidas e não liquidadas de Janeiro de 2006 a Junho de 2011 sob o Proc. N° 25574/09.7YYLSB na proporção de 1/6 no valor total de 1.543,89E;
Quotas de condomínio vencidas e não liquidadas Julho de 2011 a Dezembro de 2016 com o valor em divida de 866,25€ na proporção de 116 no valor total de 866,25E;
Sobre esta fração é proposto e aprovado por unanimidade dos presentes conferir poderes na administração eleita para proceder judicialmente à cobrança dos valores em dívida acionando para o efeito a respetiva ação executiva sendo desde logo incluido no pedido todas as despesas administrativas, judiciais ou outras, inerentes ao processo bem como honorários do advogado, os juros de mora vencidos à taxa legal em vigor até ao integral pagamento da divida.”
Da Acta em causa não constam as deliberações que aprovaram a fixação de tais quotas, montantes, repartição pelos condóminos e prazos de pagamento, pelo que não pode servir de título executivo para estas quantias.
Quanto a honorários de advogado e taxas de justiça, estas quantias não podem as actas de condomínio servir de título executivo por não ter cabimento legal; tais quantias serão eventualmente tidas em consideração em sede de custas de parte na acção respectiva. E, note-se, nem sequer resulta da acta dada à execução que tenha havido em momento anterior qualquer deliberação de onde resulte que tais quantias pudessem vir a ser imputadas aos condóminos, nem foi junto o regulamento do condomínio.
Desta forma, improcede o recurso, mantendo-se a decisão proferida.
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VII. Da Conduta da Executada.
Pretende o Recorrente que se avalie a conduta da executada por considerar que a mesma se furtou à citação pretendendo eximir-se às suas responsabilidades.
A noção de má fé processual encontra-se no art.º 542.º, n.º 2 do Código de Processo Civil, que estipula:
“Diz-se litigante de má-fé quem, com dolo ou negligência grave:
a) Tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar;
b) Tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa;
c) Tiver praticado omissão grave do dever de cooperação;
d) Tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objetivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a ação da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão.”
Tendo litigado de má-fé, a parte é condenada em multa e numa indemnização à parte contrária, se esta a pedir, nos termos do n.º 1 da norma citada.
Observado o que dispõe o artigo 542º, do Código de Processo Civil resulta que a litigância de má fé se traduz na violação do dever de probidade que esta disposição do Código do Processo Civil impõe às partes: dever de não formular pedidos injustos, não articular factos contrários à verdade e não requerer diligências meramente dilatórias.
Sobre a caracterização da litigância de má fé, veja-se o que diz Menezes Cordeiro, Litigância de Má Fé, Abuso do Direito de Acção e Culpa ‘In Agendo’, Almedina, 2006, pg. 28: “A litigância de má fé surge, por tudo quanto foi apontado, como um instituto processual, de tipo público e que visa o imediato policiamento do processo. Não se trata de uma manifestação de responsabilidade civil, que pretende suprir danos, ilícita e culposamente causados a outrem, através de actuações processuais. Antes corresponde a um subsistema sancionatório próprio, de âmbito limitado e com objectivos muito práticos e restritos. Trata-se de uma realidade técnica e historicamente explicável. (…) Recordemos o seu quadro essencial: - quanto ao facto ilícito: não relevam todas e quaisquer violações de normas jurídicas mas, apenas, as actuações tipificadas nas diversas alíneas do artigo 456º/2, do Código de Processo Civil; - quanto ao dano: não é requerido: a conduta é punida em si, independentemente do resultado; - quanto à culpa: exige-se o dolo ou grave negligência e não culpa lato sensu, em moldes civis; - quanto às consequências: cabe multa e, nalguns casos, indemnização, calculada, todavia, em termos especiais. Além disso e contrariando as regras gerais da responsabilidade civil – e do próprio Direito civil em geral: - o instituto pode funcionar oficiosamente; - a litigância de má fé quebra nexos de organicidade, segundo os quais a pessoa colectiva é responsável pelos actos dos seus representantes – art.º 165º di Código Civil e 6º/5 do Código das Sociedades Comerciais: para fazer cessar imediatamente a litigância de má fé, cabe punir o representante, que está perante o juiz.”
Na lei positiva, face à alteração introduzida pelo Decreto-Lei nº 329-A/95, de 12 de Dezembro e pelo Decreto-Lei nº 180/96, de 25 de Setembro, o artigo 456º, actual 542º, do Código de Processo Civil, passou a referir-se quer ao dolo quer à negligência grave como tipificadores da litigância de má fé. Assim, passou a sancionar, ao lado da litigância dolosa, a litigância temerária, de forma a atingir-se uma maior responsabilização das partes (veja-se a este propósito o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, Processo nº 04B2279, de 30 de Setembro de 2004, relatado pelo Conselheiro Araújo Barros, disponível em www.dgsi.pt).
Note-se, antes de mais, que com a referida Reforma de 1995 se pretendeu instituir uma nova filosofia de colaboração, consagrando-se “expressamente o dever de boa fé processual, sancionando-se como litigante de má fé a parte que, não apenas com dolo, mas com negligência grave, deduza pretensão ou oposição manifestamente infundadas, altere, por acção ou omissão, a verdade dos factos relevantes, pratique omissão indesculpável do dever de cooperação ou faça uso reprovável dos instrumentos adjectivos (…)” (Preâmbulo do Decreto-Lei n.º 329-A/95 de 12 de Dezembro).
A litigância de má fé consiste, assim, numa utilização abusiva do processo, cujos traços fundamentais são definidos no artigo em causa, atentas as quatro situações que a integram e aí previstas.
Lida a alegação do Recorrente, aparentam estar em causa as alíneas c) e d) do art.º 542.º, n.º 2 do Código de Processo Civil.
No entanto, não resulta dos autos factos que permitam concluir pela integração da conduta da executada numa daquelas alíneas.
Para a caracterização do que seja dolo ou negligência grave na litigância de má fé, vejamos ainda o que se diz no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12/11/2020, Proc. n.º 279/17.9T8MNC-A.G1.S1, disponível em www.dgsi.pt: “Contudo, em qualquer dessas situações nos encontramos perante uma intenção maliciosa ou uma negligência de tal modo grave ou grosseira que, aproximando-a da atuação dolosa, justifica um elevado grau de reprovação e idêntica reação punitiva. [Cf. ac. STJ de 23.9.2003, proc. 03B1736, disponível em JusNet 4669/2003 e ECLI: PT: STJ:2003: 03B1736.B6]. Por outras palavras: A conduta do agente deve apresentar-se como contrária a um padrão de conformidade da ação pessoal do sujeito processual com o dever de agir de acordo com a juridicidade e a lei. "A má fé processual (...) é toda a atividade desonesta, cavilosa, proteladora (para cansar o adversário) unilateral ou bilateral, verificada no exercício do direito de ação, quando desenvolvida com a intenção de prejudicar outrem, quer ela respeite ao mérito da causa (lide caluniosa, fraudulenta, etc.) quer às medidas instrumentais, desde que seja ilícita, isto é violadora das normais gerais e especificas da conduta processual, tendentes a criar as condições favoráveis a uma boa e justa decisão do pleito". [Cf. Cecília Silva Ribeiro, "do dolo geral e do dolo instrumental em especial no processo civil"; ROA, ano 9, págs.83-113, citada por Paula Costa Ribeiro, in "A Litigância de Má Fé", Coimbra Editora, 2008, pág. 389]. A condenação como litigante de má fé assenta, pois, num juízo de censura sobre um comportamento que se revela desconforme com um processo justo e leal, que constitui uma emanação do princípio do Estado de direito. [Cfr. Ac. do STJ de 13.3.2008, in www.stj.pt].”
Ora, não se configura que a actuação da executada se tenha revestido de tal carácter desonesto, desleal e desconforme com a juridicidade e a lei que integre o dolo ou, pelo menos, a negligência grave exigidos pela norma, por ausência de factos que permitam concluir nesse sentido e nada tendo sido requerido a propósito da matéria de facto pelo recorrente.
Desta forma, não se mostra verificada a litigância de má fé.
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VII. Das Custas
Vencido no Recurso, é o Recorrente o responsável pelo pagamento das custas devidas pelo recurso, conf. art.º 527º do Código de Processo Civil.
***
DECISÃO:
Pelo exposto, julga-se o presente Recurso improcedente, mantendo-se a Sentença proferida, julgando procedentes os embargos de executado e determinando-se a extinção da execução.
Custas pelo Recorrente.
Not. e reg.
Lisboa, 26 de junho de 2025
Vera Antunes
João Manuel P. Cordeiro Brasão
Cláudia Barata