PERSI
DEVEDOR
FALECIMENTO
HERDEIROS
COMUNICAÇÃO
Sumário

I – Encontrando-se os devedores em mora, na data de 1 de Janeiro de 2013, data em que entrou em vigor o DL 227/2012, impunha-se a partir dessa data que a Exequente procedesse às diligências impostas pelos artigos 13º e 15º e fizesse a comunicação prevista pelo artigo 14.º n.º 4, que exige que a instituição de crédito informe o cliente bancário da sua integração no PERSI, através de comunicação em suporte duradouro, nos termos do art.º 3º, h; trata-se de declaração receptícia cuja eficácia está dependente da chegada ao conhecimento do destinatário (artigo 224.º n.º 1, 1.ª parte, do Código Civil).
II - No caso, esta comunicação deveria ser dirigida a herdeiros dos primitivos devedores - como foi a interpelação efectuada para pagamento das prestações em dívida de 2018, sendo que pelo menos nessa data tinha a credora informação do óbito dos primitivos devedores e não decorrendo dos autos que tenha então “(…) dado início aos procedimentos de habilitação de herdeiros assim que teve conhecimento de tal facto”, como alega. Antes procedeu à resolução do contrato em violação do disposto pelo art.º 18º do DL 227/2012.
III - Assim, a integração do cliente bancário no PERSI é obrigatória para que o contrato possa ser resolvido e a execução intentada: trata-se de uma condição objectiva de procedibilidade da acção e que não resulta dos autos qualquer facto que permita concluir que a Recorrente tenha feito qualquer comunicação ao executado neste âmbito, sendo este um ónus que compete ao exequente.
(Sumário elaborado pela Relatora)

Texto Integral

Acordam os Juízes na 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa:

I. Relatório:
Évora Asset Managment, S.A. propôs acção executiva em 23/12/2024, sob a forma de processo sumário, para pagamento de 6.605,77 €, contra AA, invocando no r.e.:
“Factos:
I – Questão Prévia – Da Legitimidade da Exequente
1. Por Contrato de Venda de Créditos, assinado em 02 de Novembro de 2017, a CAIXA ECONÓMICA MONTEPIO GERAL vendeu o crédito identificado como ... e que detinha sobre o executado e outro todas as garantias acessórias a ele inerentes, à HEFESTO STC S.A., conforme Documento n.º 1 que ora se junta e aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
2. É parte integrante do mencionado contrato um documento complementar, no qual se encontra a identificação da globalidade dos créditos cedidos. Contudo, em virtude do elevado número de créditos cedidos, é opção da ora exequente não juntar aos presentes autos, por ser demasiado extenso, o que também não traria qualquer mais-valia para a apreciação da presente causa.
Deste modo, o documento complementar, integrado do Documento nº 1, seguirá apenas com a página onde se encontra mencionado o crédito ora cedido.
3. Na mesma data e também por Contrato de Venda de Créditos, a HEFESTO STC S.A, vendeu o crédito identificado como ... à EAM - ÉVORA ASSET MANAGEMENT, S.A., conforme Documento n.º 2 que ora se junta e aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
4. É parte integrante do mencionado contrato um documento complementar, no qual se encontra a identificação da globalidade dos créditos cedidos. Contudo, em virtude do elevado número de créditos cedidos, é opção da ora reclamante não juntar aos presentes autos, por ser demasiado extenso, o que também não traria qualquer mais-valia para a apreciação da presente causa.
5. Deste modo, o documento complementar, integrado do Documento nº 2, seguirá apenas com a página onde se encontra mencionado o crédito ora cedido.
6. A referida cessão incluiu a transmissão de todos os direitos, garantias e acessórios inerentes aos créditos cedidos, designadamente das hipotecas constituídas sobre o prédio em causa, conforme Certidão de Registo Predial cuja cópia se anexa para melhor esclarecimento, identificando-se como Documento n.º 3 e que, aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
7. Sendo certo que a ora Exequente diligenciou pelo respetivo registo junto da Conservatória do Registo Predial da Amora, conforme AP. … de 2018/05/25.
8. O que faz com que, presentemente, a Exequente seja a actual titular do crédito peticionado.
II – Dos Factos
9. No exercício da sua actividade creditícia, a 27 de Abril de 1998, a Caixa Económica Montepio Geral, celebrou com os Executados, uma Escritura de Hipoteca, formalizado por Escritura que serve de título ao presente processo, tendo emprestado ao Executado e outra, a quantia de $ 640.000,00 (seiscentos e quarenta mil escudos) que actualmente, correspondente em euros a € 3.192,31 (três mil cento e noventa e dois euros e trinta e um cêntimos) e respectivo Documento Complementar, conforme cópia que ora se junta e se dá por integralmente reproduzida para os devidos efeitos legais como Documento n.º 4.
10. Para garantia das obrigações assumidas, foi constituída hipoteca voluntária sobre a Fracção autónoma designada pela letra “A", destinada habitação, descrito na Conservatória do Registo Predial de Amora sob o n°. … – A e inscrito na respectiva matriz sob o artigo …, hipoteca esta que foi registada na referida Conservatória do Registo Predial através da AP. … de 1981/02/10, conforme respectiva certidão predial permanente junta como Documento n.º 3.
11. Ora, sucede que o ora executado faltou ao pagamento das prestações contratadas e devidas ao Mutuante desde 09-05-2004.
12. E apesar de interpelados para o respectivo pagamento, não o efectuaram.
13. O pagamento não se presume e a falta de pagamento de qualquer das prestações implica o vencimento de toda a dívida, conforme artigos 781.º e 817.º do Código Civil.
Assim,
14. E tendo o Executado deixado de cumprir as obrigações emergentes do contrato supra referido, encontram-se em dívida, na presente data, as seguintes quantias:
Capital - € 1.528,53
Juros calculados desde 09/05/2004 a 18/12/2024 à taxa de 12,50% - € 4,162.22
Despesas - € 915,02
O que perfaz um total de € 6,605.77
15. Pelo que, na presente data, o valor total em dívida relativamente ao supra mencionado contrato é de € 6,605.77 (seis mil, seiscentos e cinco euros e setenta e sete cêntimos).
16. Valor a que acrescerão os respectivos juros de mora vincendos, desde a presente data até efectivo e integral pagamento, calculados sobre o capital em dívida à taxa de 12,50%, onde se inclui a sobretaxa de mora, bem como o respectivo Imposto de Selo, nos termos legais aplicáveis.
17. O mencionado crédito encontra-se vencido e é exigível.
18. O crédito aqui peticionado, respectivos juros vencidos e vincendos está consubstanciado em título executivo, de harmonia com o disposto no Art.º 703.º do C.P.C e goza de garantia real sobre o bem imóvel, dado como garantia.”
*
Em 6/1/2025 a exequente vem requerer o aperfeiçoamento do r.e. pois por lapso não incluiu, enquanto executado a devedora BB.
*
A 20/2/2025 foi proferido o seguinte despacho:
“Req. de 06-01:
1. O aperfeiçoamento do requerimento executivo não compete ao tribunal (“se digne aperfeiçoar …”); porque ainda não ocorreu a citação de algum executado e a instância não se estabilizou subjectivamente, deve a exequente apresentar novo formulário de requerimento executivo com a inclusão da executada em falta – art. 260.º do CPC.
2. A exequente deve, no prazo de dez dias, comprovar o envio e recepção de comunicações aos executados do vencimento de todas as prestações do empréstimo (o contrato foi celebrado em 1998 por 28 anos) e da resolução do contrato, sob pena de, no primeiro caso, poder existir erro na forma do processo determinante da absolvição da instância – art. 550.º, n.º 2, al. C) (“obrigação pecuniária vencida”) do CPC e, no segundo caso, poder vir a ser solicitada prova da comunicação de integração e de extinção do PERSI (por o contrato estar em mora a 01 de Janeiro de 2013).”
*
Em 6/3/2025 a exequente veio juntar novo formulário de requerimento executivo, reproduzindo o inicial mas desta vez com inclusão da executada BB e veio ainda referir:
“(…) 19. A presente execução é intentada relativamente aos devedores AA e BB, devendo constar ambos dos autos.
20. Ainda por referência ao despacho n.º 443061302 e, relativamente ao ponto 2 do mesmo, serve o presente para remeter aos autos as cartas de interpelação e resolução.
21. Ainda relativamente ao ponto 2 do despacho e, quanto ao PERSI, serve o presente para informar, conforme resulta do requerimento executivo já junto e que agora se reformula, que o incumprimento teve inicio em 09-05-2004, pelo que é anterior à vigência do PERSI.”
*
Tendo-se apurado nos autos que a executada BB faleceu em 2001 foi convidada a exequente a fazer intervir os herdeiros.
*
O exequente juntou cópia de carta enviada à executada BB, com data de 15/9/2005 e onde consta:
“Ref.ª: Proc. n.º 13789-5
Cont.º n.º 000-20-005698-4
Exmª Senhora,
A fim de tratar de assunto relacionado com o contrato em epígrafe, venho convidar V. Exª a comparecer neste Departamento até ao próximo dia 17/10/2005 (…)”.
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Em 15/4/2025 a exequente novo formulário de requerimento executivo, reproduzindo o que já havia alegado quanto à cessão de créditos e no mais referindo:
“(…) II. Dos factos:
9. No exercício da sua actividade creditícia, a 27 de Abril de 1998, a Caixa Económica Montepio Geral, celebrou com os Executados AA e BB, uma Escritura de Hipoteca, formalizado por Escritura que serve de título ao presente processo, tendo emprestado ao Executado e outra, a quantia de $ 640.000,00 (seiscentos e quarenta mil escudos) que actualmente, correspondente em euros a € 3.192,31 (três mil cento e noventa e dois euros e trinta e um cêntimos) e respectivo Documento Complementar, conforme cópia que ora se junta e se dá por integralmente reproduzida para os devidos efeitos legais como Documento n.º 4.
10. Para garantia das obrigações assumidas, foi constituída hipoteca voluntária sobre a Fracção autónoma designada pela letra “A", destinada habitação, descrito na Conservatória do Registo Predial de Amora sob o n°. … – A e inscrito na respectiva matriz sob o artigo …, hipoteca esta que foi registada na referida Conservatória do Registo Predial através da AP. … de 1981/02/10, conforme respectiva certidão predial permanente junta como Documento n.º 3.
11. Ora, sucede que os ora executados faltaram ao pagamento das prestações contratadas e devidas ao Mutuante desde 09-05-2004.
12. E apesar de interpelados para o respectivo pagamento, não o efectuaram – cfr. Cartas que se juntam como Documento nº. 5.
13. Sucede que a Executada BB, casada com o Executado AA, faleceu em 09 de Março de 2001, conforme assento de óbito nº. 632 do ano de 2020 – cfr. Documento que se junta como Documento nº. 6.
14. E bem assim, o Executado AA, casado com a Executada BB, faleceu em 15 de Setembro de 1981, conforme assento de óbito nº. 175 que se junta como Documento nº. 7.
15. De acordo com as informações de que dispõe o Exequente, os executados falecidos não deixaram testamento, nem qualquer disposição de última vontade, desconhecendo e não tendo como conhecer o Exequente a existência de eventuais herdeiros, uma vez que tais dados se encontram abrangidos pelo sigilo.
16. Deste modo, desde já se requer a V. Exa. se digne autorizar o levantamento do sigilo e bem assim se digne oficiar a Autoridade Tributária a fim de se confirmar se foi aberto algum processo de imposto de selo na sequência do óbito dos Executados.
17. O pagamento não se presume e a falta de pagamento de qualquer das prestações implica o vencimento de toda a dívida, conforme artigos 781.º e 817.º do Código Civil.
18. Assim, tendo os Executados deixado de cumprir as obrigações emergentes do contrato supra referido encontram-se em dívida, na presente data, as seguintes quantias:
- Capital - € 1.528,53
- Juros calculados desde 09/05/2004 a 18/12/2024 à taxa de 12,50% - € 4,162.22
- Despesas - € 915,02
19. Pelo que, na presente data, o valor total em dívida relativamente ao supra mencionado contrato é de € 6,605.77 (seis mil, seiscentos e cinco euros e setenta e sete cêntimos).
20. Valor a que acrescerão os respectivos juros de mora vincendos, desde a presente data até efectivo e integral pagamento, calculados sobre o capital em dívida à taxa de 12,50%, onde se inclui a sobretaxa de mora, bem como o respectivo Imposto de Selo, nos termos legais aplicáveis.
21. O mencionado crédito encontra-se vencido e é exigível.
22. O crédito aqui peticionado, respectivos juros vencidos e vincendos está consubstanciado em título executivo, de harmonia com o disposto no Art.º 703.º do C.P.C e goza de garantia real sobre o bem imóvel, dado como garantia.”
Junta novamente a carta e duas certidões de óbito dos primitivos executados.
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Em 7/5/2025 foi proferido o seguinte despacho:
“1. A Évora Asset Managment, S.A. propôs acção executiva, sob a forma de processo sumária, para pagamento de 6.605,77 euros, contra AA, e, após rectificação, contra BB, com fundamento no incumprimento, a partir de 09 de Maio de 2004, de um contrato de mútuo, garantido por hipoteca, celebrado em 27 de Abril de 1998 entre a Caixa Económica Montepio Geral e os executados, cujo crédito dele emergente foi transferido para a exequente em 02 de Novembro de 2017.
2. Em 20 de Fevereiro de 2025, foi proferido despacho a cometer à exequente o dever de em 10 dias “no prazo de dez dias, comprovar o envio e recepção de comunicações aos executados do vencimento de todas as prestações do empréstimo (o contrato foi celebrado em 1998 por 28 anos) e da resolução do contrato, sob pena de, no primeiro caso, poder existir erro na forma do processo determinante da absolvição da instância – art. 550.º, n.º 2, al. C) (“obrigação pecuniária vencida”) do CPC e, no segundo caso, poder vir a ser solicitada prova da comunicação de integração e de extinção do PERSI (por o contrato estar em mora a 01 de Janeiro de 2013)”.
3. Em resposta, a exequente veio, a 06 de Março de 2025, para o que agora interessa:
- juntar duas cartas, sendo uma primeira, datada de 16 de Fevereiro de 2018, dirigida a (Herdeiros) BB, de interpelação ao pagamento das prestações vencidas e vincendas, sob pena de “consideraremos a ocorrência de incumprimento definitivo (…) designadamente para efeitos do disposto nos artigos 808.º e 436.º do Código Civil”; e, uma segunda, datada de 13 de Abril de 2018, dirigida também a (Herdeiros) BB, de resolução do contrato;
- defender que “21. Ainda relativamente ao ponto 2 do despacho e, quanto ao PERSI, serve o presente para informar, conforme resulta do requerimento executivo já junto e que agora se reformula, que o incumprimento teve inicio em 09-05-2004, pelo que é anterior à vigência do PERSI”, de onde se deduz, inequivocamente, entender a exequente não haver lugar ao cumprimento do PERSI e, por isso, não ter sido tal procedimento cumprido, nessa medida tornando inútil voltar a notificá-la para os termos avisados na última parte do despacho de 20 de Fevereiro de 2025 (“poder vir a ser solicitada prova da comunicação de integração e de extinção do PERSI” (por o contrato estar em mora a 01 de Janeiro de 2013)), a que se antecipou.
4. Posto isto.
O contrato de mútuo com hipoteca celebrado em 27 de Abril de 1998 entre a CEMG e os executados estava em vigor, e em situação de incumprimento temporário (mora), à data de 01 de Janeiro de 2013, por três razões:
- primeira, o período de reembolso do capital mutuado em prestações mensais estendia-se por 28 anos, ainda não decorridos naquela data;
- segunda, o contrato foi incumprido temporariamente a partir de 09 de Maio de 2004;
- terceira, e fundamentalmente, a exequente, para quem foi cedido o crédito em 2017, apenas convolou o incumprimento temporário em incumprimento definitivo com as cartas de 16 de Fevereiro e 13 de Abril de 2018, pelas quais interpelou a executada BB a pagar o montante em dívida no prazo de 30 dias sob a admonição da resolução (interpelação admonitória – art. 808.º do CC) e resolveu o contrato de mútuo – art. 432.º e 436.º ambos do CC, respectivamente.
Estando o contrato em vigor a data de 01 de Janeiro de 2013, e reconduzindo-se, por um lado, aos contratos previstos no então vigente art. 2.º, n.º 1, al. b), do D.L. n.º 227/2012, de 25 de Outubro (esta alínea foi revogada pelo D.L. n.º 70-B/2021, de 06 de Agosto, mas o contrato continua passou a reconduzir-se à al. a), cuja redacção foi alterada por este mesmo diploma), e, por outro lado, a Caixa Económica Montepio Geral, mutuante, à qualidade de instituição bancária, e AA e BB, mutuários, à qualidade de consumidores, estava a CEMG obrigada, nos quinze dias posteriores à entrada em vigor do D.L. n.º 227/2012, de 25 de Outubro – entre 02 de Janeiro e 16 de Janeiro de 2013 – a cumprir quanto a AA e BB o disposto nos arts. 14.º, n.º 4, e 17.º, n.º 3, ex vi dos arts. 39.º, n.ºs. 1 e 2, e 40.º, todos daquele diploma, ou seja, “informar o cliente bancário da sua integração no PERSI, através de comunicação em suporte duradouro” e “(…) da extinção do PERSI”.
As referidas “informações através de comunicação” são declarações receptícias, ou seja, apenas se consideram eficazes quando recebidas ou conhecidas pelo destinatário (ou quando não recebidas por culpa do destinatário) – art. 224.º, n.ºs. 1 e 2, ex vi do art. 295.º, ambos do CC, de onde:
- primeiro, a posição manifestada pela exequente de que por o contrato estar em incumprimento temporário desde 2004 não era aplicável ao PERSI, revela, inequivocamente, que não deu cumprimento a tais comunicações; e,
- segundo, o cumprimento do referido procedimento (PERSI) é uma condição de procedibilidade judicial – art. 18.º, n.º 1, al. b) daquele diploma, cuja falta de demonstração, como é o caso, configura excepção dilatória, de conhecimento oficioso, determinante, neste momento, do indeferimento do requerimento executivo – art. 726.º, n.º 5, do CPC.
5. Pelo exposto, indefiro o requerimento executivo.”
*
A Exequente veio recorrer deste Despacho, formulando as seguintes Conclusões:
“A. Fundamentou o Tribunal a quo a sua decisão no entendimento de que a Exequente ora Apelante, não demonstrou o cumprimento da integração em PERSI dos Executados.
B. Ora, face ao já alegado e que ora se reiterará, a falta de integração neste procedimento foi em estrito cumprimento (da inexistência) das obrigações legais a que o Exequente está adstrito.
C. Com efeito, conforme elencado na petição inicial do requerimento executivo, os contratos em apreço foram celebrados em 27 de Abril de 1998 tendo entrando em incumprimento em 09 de Maio de 2004.
D. Ora, em 2004 não havia sido criado o DL 227/2012, que rege a (obrigação) de integração de PERSI, tendo tal obrigação nascido apenas em 2013.
E. O incumprimento inicial data de 2004 sendo que em Setembro de 2005, o então Banco originador, perante o incumprimento dos Executados e falta de resposta por parte destes às interpelações, solicitou a sua comparência para resolução do incumprimento.
F. Os Executados não compareceram.
G. Destarte, conforme consta dos autos, ambos os Executados faleceram antes da implementação do procedimento PERSI pelo que, seria impossível ao Banco, ainda que por referência à data de 2013, proceder à integração dos mesmos em PERSI.
H. De facto, aquando da cessão de créditos em 2017, o Exequente não tinha conhecimento do falecimento dos Executados, tendo o Exequente dado início aos procedimentos de habilitação de herdeiros assim que teve conhecimento de tal facto.
I. Deste modo, salvo douta opinião diversa, entende o Embargante de que a obrigação do PERSI, enquanto condição de procedência da acção executiva, não poderá ser aplicada ao caso concreto, porquanto não estavam reunidas as condições para a sua aplicação, nem aquando do incumprimento, nem antes da cessão de créditos.
J. Com efeito, tendo os mutuários falecido antes da entrada em vigor do procedimento PERSI e estando ainda a aguardar pela confirmação dos habilitados a prosseguir em nome daqueles, deverá a acção executiva prosseguir os seus termos, sendo os eventuais habilitados notificados para ocupar a posição daqueles.”
*
Colhidos os vistos cumpre decidir.
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II. Questões a decidir:
Como resulta do disposto pelos artigos 5º; 635º, n.º 3 e 639º n.º 1 e n.º 3, todos do Código de Processo Civil (e é jurisprudência consolidada nos Tribunais Superiores) para além do que é de conhecimento oficioso, e porque os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, o objeto do recurso é delimitado em função das conclusões formuladas pelo recorrente mas sempre tendo em consideração a decisão que foi concretamente proferida.
Deste modo no caso concreto a única questão a apreciar consiste em saber se existe fundamento para revogar a decisão proferida, entendendo-se que não estava a exequente adstrita às formalidades do PERSI.
***
III. Fundamentação de Facto.
Com interesse para a decisão do presente recurso, há que atender ao que decorre do relatório supra, impondo-se aqui referir que, conforme decorre da mesma, a escritura é de 1981 e não de 1998 como por lapso vem constando no processo (nem fazia sentido tal data face à data do óbito do primitivo executado).
***
IV. Do Direito.
Invoca a recorrente, em síntese, que não ocorre a integração do executado em PERSI porquanto os contratos em apreço foram celebrados em 27 de Abril de 1998 tendo entrando em incumprimento em 9 de Maio de 2004 e em 2004 não havia sido criado o DL 227/2012, que rege a (obrigação) de integração de PERSI, tendo tal obrigação nascido apenas em 2013; em Setembro de 2005, o então Banco originador, perante o incumprimento dos Executados e falta de resposta por parte destes às interpelações, solicitou a sua comparência para resolução do incumprimento e os Executados não compareceram; ambos os Executados faleceram antes da implementação do procedimento PERSI pelo que, seria impossível ao Banco, ainda que por referência à data de 2013, proceder à integração dos mesmos em PERSI; aquando da cessão de créditos em 2017, o Exequente não tinha conhecimento do falecimento dos Executados, tendo o Exequente dado início aos procedimentos de habilitação de herdeiros assim que teve conhecimento de tal facto.
Sucede que, para além das circunstâncias e factualidade referidas pelo Recorrente, há que atender ainda a que a o exequente veio em 6 de Março de 2025 juntar duas cartas, sendo uma primeira, datada de 16 de Fevereiro de 2018, dirigida a (Herdeiros) BB, de interpelação ao pagamento das prestações vencidas e vincendas, sob pena de “consideraremos a ocorrência de incumprimento definitivo (…) designadamente para efeitos do disposto nos artigos 808.º e 436.º do Código Civil”; e, uma segunda, datada de 13 de Abril de 2018, dirigida também a (Herdeiros) BB, de resolução do contrato.
Ora, o Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25 de outubro (aqui aplicável na versão original tendo em consideração, quer o momento da reclamação de créditos quer a data em que a execução prosseguiu com a credora reclamante na qualidade de exequente) refere no seu Preâmbulo que “com o presente diploma pretende-se estabelecer um conjunto de medidas que, refletindo as melhores práticas a nível internacional, promovam a prevenção do incumprimento e, bem assim, a regularização das situações de incumprimento de contratos celebrados com consumidores que se revelem incapazes de cumprir os compromissos financeiros assumidos perante instituições de crédito por factos de natureza diversa, em especial o desemprego e a quebra anómala dos rendimentos auferidos em conexão com as atuais dificuldades económicas. (…) define-se um Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI), no âmbito do qual as instituições de crédito devem aferir da natureza pontual ou duradoura do incumprimento registado, avaliar a capacidade financeira do consumidor e, sempre que tal seja viável, apresentar propostas de regularização adequadas à situação financeira, objetivos e necessidades do consumidor.
Nos termos do art.º 2º do mesmo diploma:
“1 - O disposto neste diploma aplica-se aos seguintes contratos de crédito celebrados com clientes bancários:
a) Contratos de crédito para a aquisição, construção e realização de obras em habitação própria permanente, secundária ou para arrendamento, bem como para a aquisição de terrenos para construção de habitação própria;
b) Contratos de crédito garantidos por hipoteca sobre bem imóvel;
c) Contratos de crédito a consumidores abrangidos pelo disposto no Decreto-Lei n.º 133/2009, de 2 de junho, alterado pelo Decreto-Lei n.º 72-A/2010, de 18 de junho, com exceção dos contratos de locação de bens móveis de consumo duradouro que prevejam o direito ou a obrigação de compra da coisa locada, seja no próprio contrato, seja em documento autónomo;
d) Contratos de crédito ao consumo celebrados ao abrigo do disposto no Decreto-Lei n.º 359/91, de 21 de setembro, alterado pelos Decretos-Leis n.os 101/2000, de 2 de junho, e 82/2006, de 3 de maio, com exceção dos contratos em que uma das partes se obriga, contra retribuição, a conceder à outra o gozo temporário de uma coisa móvel de consumo duradouro e em que se preveja o direito do locatário a adquirir a coisa locada, num prazo convencionado, eventualmente mediante o pagamento de um preço determinado ou determinável nos termos do próprio contrato;
e) Contratos de crédito sob a forma de facilidades de descoberto que estabeleçam a obrigação de reembolso do crédito no prazo de um mês.
2 - O disposto no presente diploma não prejudica o regime aplicável aos sistemas de apoio ao sobre-endividamento, instituído pela Portaria n.º 312/2009, de 30 de março.”, sendo que, para aferir do que se entende por “Cliente bancário” leia-se o art.º 3º, a) da legislação em apreço: “Para efeitos do presente diploma, entende-se por:
a) «Cliente bancário» o consumidor, na aceção dada pelo n.º 1 do artigo 2.º da Lei de Defesa do Consumidor, aprovada pela Lei n.º 24/96, de 31 de julho, alterada pelo Decreto-Lei n.º 67/2003, de 8 de abril, que intervenha como mutuário em contrato de crédito; (…)”; ou seja: considera-se consumidor todo aquele a quem sejam fornecidos bens, prestados serviços ou transmitidos quaisquer direitos, destinados a uso não profissional, por pessoa que exerça com carácter profissional uma atividade económica que vise a obtenção de benefícios.
Assim, com o Dec.-Lei 227/2012, de 25/10, o legislador pretendeu prevenir e regular o incumprimento do contrato de crédito por parte do consumidor, estabelecendo um conjunto de princípios e as regras a observar pelas Instituições de Crédito “…no acompanhamento e gestão de situações de risco de incumprimento”, por um lado e, “…na regularização extrajudicial das situações de incumprimento das obrigações de reembolso do capital ou de pagamento de juros remuneratórios por parte dos clientes…” (Cf. Pinto Monteiro, A Resposta do Ordenamento Jurídico Português à Contratação Bancária Pelo Consumidor, Boletim de Ciências Económicas – Homenagem ao Prof. Doutor António José Avelãs Nunes, Vol. LVII, tomo II, 2014, pág. 2340).
O diploma estabelece ainda a criação de uma rede de apoio a esses clientes no âmbito da prevenção do incumprimento e da regularização extrajudicial das situações de incumprimento de contratos de crédito.
Nos termos do art.º 12º, as instituições de crédito promovem as diligências necessárias à implementação do Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI) relativamente a clientes bancários que se encontrem em mora no cumprimento de obrigações decorrentes de contratos de crédito.
O PERSI compreende 3 fases: a “fase inicial”, correspondente ao desencadeamento do procedimento, que, em algumas hipóteses, é obrigatório para o banco (art.º 14.º); a “fase de avaliação e proposta” (art.º 15.º), em que o banco, uma vez analisada a situação financeira do cliente, deve apresentar-lhe “uma ou mais propostas de regularização”; e uma fase eventual de “negociação” (art.º 16.º), que se abre quando o cliente recuse as propostas do banco. (Cf. Pinto Monteiro, A Resposta do Ordenamento Jurídico…cit., pág. 2342)
Com a integração do cliente em PERSI, inicia-se a “segunda fase” que consiste, em primeira linha, em a instituição de crédito estar obrigada a desenvolver diligências para apurar se o incumprimento das obrigações em causa decorre de circunstâncias pontuais ou se reflecte uma incapacidade do cliente bancário para cumprir de forma continuada (art.º 15º nº 1).
Para esta avaliação da capacidade financeira poderá ser solicitado ao cliente bancário a informação e documentos estritamente necessários e adequados (art.º 15º nº 2), os quais são os mesmos previstos para o PARI e que estão mencionados no art.º 5º do Aviso do Banco de Portugal nº 17/2012.
Durante a fase de avaliação e proposta (art.º 15º do DL 2227/2012) cabe à instituição de crédito dar cumprimento ao dever de avaliação das capacidades financeiras do cliente, que serve de corolário do dever geral de conhecimento do cliente. Esta apreciação da capacidade financeira do cliente conduz à apresentação de proposta ou, caso se mostre inviável, à comunicação da falta de capacidade financeira do cliente. (Cf. Paulo Câmara, Crédito bancário e prevenção de risco de incumprimento: uma avaliação crítica do novo Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI), II Congresso de Direito da Insolvência, coord. Catarina Serra, AAVV, 2014, pág.324).
Após a avaliação, o n.º 4 do art.º 15º determina que deverá ser comunicado ao cliente bancário, em suporte duradouro, no prazo máximo de 30 dias a contar do dia em que o cliente bancário foi incluído no PERSI, uma de duas hipóteses em função das conclusões após as avaliações:
i) Sendo inviável a obtenção de um acordo no âmbito do PERSI, por se verificar que o cliente bancário não dispõe de capacidade financeira para retomar o cumprimento as obrigações, nem para regularizar a situação de incumprimento, através da renegociação das condições do contrato ou da sua consolidação com outros contratos de crédito, deve a comunicação apenas referir o resultado da avaliação desenvolvida;
ii) Caso se conclua que o cliente bancário dispõe de capacidade financeira para reembolsar o capital ou para pagar os juros vencidos e vincendos do contrato de crédito através da renegociação das condições do contrato ou da sua consolidação com outros contratos de crédito, a instituição de crédito está obrigada a apresentar uma ou mais propostas de regularização adequadas à situação financeira do cliente bancário. (Andreia Sofia Lúcio Engenheiro, O Crédito Bancário: A Prevenção do Risco e Gestão de Situações de Incumprimento, dissertação de mestrado, apresentada à Faculdade de Direito de UNL, 2015, edição online, pág. 53 e seg.).
As instituições de crédito estão sujeitas ao dever de proceder com diligência e lealdade (art.º 4º nº 1 do DL 227/2012) adoptando medidas e procedimentos quando se verifique uma situação de incumprimento de obrigações decorrentes de contratos de crédito e promover, sempre que possível, a regularização extrajudicial das situações de incumprimento.
Em resumo, impõe-se às instituições de crédito, perante uma situação de risco de incumprimento ou de incumprimento já verificado, o dever de renegociar os contratos de crédito. Trata-se de um dever de efectiva negociação, com vista à busca de soluções extrajudiciais. As instituições, ao abrigo do princípio da boa fé, devem observar os deveres de segurança, lealdade e de informação, de modo a assegurar a tutela da confiança e a primazia da materialidade subjacente (Cf. Menezes Cordeiro, O princípio da boa-fé e o dever de renegociação em contextos de “situação económica difícil”, II Congresso de Direito da Insolvência, coord. Catarina Serra, AAVV, 2014, pág. 67).
Pois bem, no caso dos autos verificam-se estes pressupostos, sendo que de acordo com o art.º 39º do DL 227/2012:
“1 - São automaticamente integrados no PERSI e sujeitos às disposições do presente diploma os clientes bancários que, à data de entrada em vigor do presente diploma, se encontrem em mora relativamente ao cumprimento de obrigações decorrentes de contratos de crédito que permaneçam em vigor, desde que o vencimento das obrigações em causa tenha ocorrido há mais de 30 dias.
2 - Nas situações referidas no número anterior, a instituição de crédito deve, nos 15 dias subsequentes à entrada em vigor do presente diploma, informar os clientes bancários da sua integração no PERSI, nos termos previstos no n.º 4 do artigo 14.º
3 - Os clientes bancários que, à data de entrada em vigor do presente diploma, se encontrem em mora quanto ao cumprimento de obrigações decorrentes de contratos de crédito há menos de 31 dias são integrados no PERSI nos termos previstos no n.º 1 do artigo 14.º”;
E de acordo com o art.º 40º do mesmo diploma, este entrou em vigor no dia 1 de janeiro de 2013.
Desta forma, encontrando-se os devedores em mora, impunha-se a partir dessa data que se procedesse às diligências impostas pelo DL 227/2012, nomeadamente as previstas pelos artigos 13º e 15º e fizesse a comunicação prevista pelo artigo 14.º n.º 4, que exige que a instituição de crédito informe o cliente bancário da sua integração no PERSI, através de comunicação em suporte duradouro, nos termos do art.º 3º, h): «Qualquer instrumento que permita armazenar informações durante um período de tempo adequado aos fins a que as informações se destinam e que possibilite a reprodução integral e inalterada das informações armazenadas»; trata-se de declaração receptícia cuja eficácia está dependente da chegada ao conhecimento do destinatário (artigo 224.º n.º 1, 1.ª parte, do Código Civil).
No caso, esta comunicação deveria ser dirigida a herdeiros dos primitivos devedores - como foi a interpelação efectuada para pagamento das prestações em dívida de 2018, sendo que pelo menos nessa data tinha a credora informação do óbito dos primitivos devedores e não decorrendo dos autos que tenha então “H. (…) tendo o Exequente dado início aos procedimentos de habilitação de herdeiros assim que teve conhecimento de tal facto”, como alega. Antes procedeu à resolução do contrato em violação do disposto pelo art.º 18º do DL 227/2012.
Assim, a integração do cliente bancário no PERSI é obrigatória para que o contrato possa ser resolvido e a execução intentada: trata-se de uma condição objectiva de procedibilidade da acção e que não resulta dos autos qualquer facto que permita concluir que a Recorrente tenha feito qualquer comunicação ao executado neste âmbito, sendo este um ónus que compete ao exequente, como se pode ler no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 14/6/2022, Proc. n.º 172/20.8T8VLF-A.C1, disponível em www.dgsi.pt.
Desta forma, mantém-se a Decisão recorrida, de indeferimento do r.e.
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V. Das Custas.
Vencido na causa, é o Recorrente o responsável pelas custas devidas pelo Recurso, conf. art.º 527º, n.º 1 e n.º 2 do Código de Processo Civil.
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DECISÃO:
Por todo o exposto, acorda-se manter a decisão proferida de indeferimento do r.e.
Custas pelo Recorrente.
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Registe e notifique.
Lisboa, 26 de junho de 2025
Vera Antunes
Gabriela de Fátima Marques
Nuno Luís Lopes Ribeiro