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TÍTULO EXECUTIVO
SENTENÇA
EMBARGOS
FALTA DE CITAÇÃO
NULIDADE DE CITAÇÃO
ÓNUS DE PROVA
Sumário
I. Constituindo o título executivo uma sentença não é passível de ser invocado em sede de embargos à execução os factos que poderiam ter sido invocados no processo declarativo. II. Constitui fundamento de embargos neste caso a falta de intervenção do réu no processo de declaração, mormente os casos de falta ou nulidade de citação com a consequente revelia. III. Verificada, porém, a presunção de oportuno recebimento e conhecimento do conteúdo da carta, cumprirá ao citando demonstrar que a morada para onde foi enviada a carta não é a sua residência e que o seu não conhecimento se ficou a dever a facto que não lhe é imputável. (Sumário elaborado pela relatora)
Texto Integral
Acordam os Juízes na 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa:
I. Relatório:
Por apenso à execução que BANCO COFIDIS, S.A., move contra AA, deduziu este último os presentes embargos de executado, invocando, para tanto, em síntese, por um lado, a falta de citação para a execução e, por outro, fundamentos respeitantes a pôr em causa o próprio teor da obrigação exequenda, infirmando a própria condenação vertida no título executivo.
Na sequência e ao abrigo do disposto no artigo 732.º, n.º 1, alínea c), do Código de Processo Civil, foram os embargos liminarmente indeferidos, por manifesta improcedência.
Inconformado veio o executado recorrer formulando as seguintes conclusões:
1. O presente recurso é admissível e tempestivo, nos termos dos artigos 644.º e 638.º do CPC.
2. O Tribunal “a quo” deveria ter admitido a oposição à execução e permitido a produção de prova, de modo a assegurar uma decisão justa e baseada na verdade material.
3. A decisão recorrida violou o princípio da descoberta da verdade material, ao não exercer o seu poder discricionário para determinar diligências probatórias necessárias.
4. A rejeição liminar da oposição sem produção de prova violou o princípio do contraditório e da tutela jurisdicional efectiva, previsto nos artigos 3.º e 20.º da Constituição da República Portuguesa.
5. O Tribunal deveria ter exercido os seus poderes instrutórios, nos termos do artigo 411.º do CPC, para garantir a devida apreciação dos factos alegados.
6. o ora Apelante, invocou a ilegalidade das taxas de juro dos contratos de mútuo, quanto aos juros remuneratórios, que conduz à sua nulidade, a que o Tribunal “a quo” não se pronunciou, nem permitiu a produção de prova para a devida apreciação.
7. A este respeito, veja-se o sumário do Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, proferido no âmbito do processo nº. 341/13.7TBVV.E1, em que é Juiz Relator, Silva Rato, que pode ser consultado em https://www.dgsi.pt/jtre.nsf/
8. A nulidade pode ser invocada a todo o tempo, sendo do conhecimento oficioso do Tribunal, mas nunca chegou a ser apreciada nem pelo Tribunal “a quo”, nem pelo Tribunal que proferiu a sentença.
9. O Tribunal a quo, ao indeferir a oposição sem determinar a realização de prova, nem apreciar a nulidade invocada, impediu a devida comprovação dos factos alegados, determinando uma decisão que não respeita o princípio do processo equitativo e contraditório.
10. O executado entende, salvo o devido respeito, que já se mostra liquidada toda a sua dívida (14.356,43€ + 18.903,25€ = 33.259,68€), sendo uma causa de extinção da execução e fundamento da oposição à execução, que não foi apreciada pelo Tribunal “a quo”.
11. As taxas de juro excedem os limites previstos no artigo 1146º do C. Civil, bem como as taxas máxima aplicáveis ao créditos ao consumo determinadas pelo Banco de Portugal, de acordo com o artigo 28º do Decreto-lei 133/2009, de 02/06.
12. O Tribunal “a quo” indeferiu liminarmente os embargos de executado sem pronunciar-se relativamente a estas questões suscitadas pelo ora Apelante.
13. Assim, deve ser revogada a sentença recorrida, ordenando-se a admissão da oposição à execução e a realização da prova necessária para a correcta decisão da causa.
14. A sentença violou por erro de interpretação o disposto nos artigos 225º, 411º, 608º e 729º todos do CPC, artigos 3.º e 20.º da Constituição da República Portuguesa, artigo 1146º do C. Civil e artigo 28º do Decreto-lei 133/2009, de 02/06.».
O Tribunal que proferiu a sentença veio pronunciar-se sobre as nulidades apontadas à decisão em sede de recurso nos seguintes termos:
“Recurso de 27.03.2025
O executado veio recorrer da sentença de 15.02.2025, no 3.º dia útil após o terminus do prazo, procedendo ao pagamento da multa a que se alude no n.º 5 do artigo 139.º do Código de Processo Civil.
Invoca, implicitamente, que a sentença será nula por violação dos direitos fundamentais do contraditório e da tutela jurisdicional, bem como do princípio da descoberta da verdade material.
Todavia, salvo melhor opinião, factos não se confundem com prova.
Os primeiros alicerçam uma pretensão, os segundos demonstram os factos.
No recurso o recorrente não refere que factos alegou e que o Tribunal não deu oportunidade de produzir prova quanto aos mesmos.
Pelo contrário, reitera que invocou:
«A falta de intervenção do réu, no processo declarativo, deve-se ao total desconhecimento da citação, facto que não lhe é imputável.».
Na sentença posta em crise, expressamente se referiu que desconhecer a citação e/ou que isso não lhe é imputável não traduz a invocação de factos suficientes para se concluir pela falta de citação. Posição suportada em diversa jurisprudência que se cita. Na sentença, inclusive, aventam-se várias possibilidades fácticas para espelhar a falta de citação:
O citando poderá demonstrar o não conhecimento por causa que não lhe é imputável, invocando, designadamente, que esteve ausente durante todo o prazo para a contestação, sem contacto com a pessoa que recebeu a citação; ou que a carta para citação foi enviada para local que não corresponde à sua residência ou local de trabalho; ou ainda que, sem culpa sua, a carta não lhe foi comunicada por quem a recebeu.».
dessas situações ou outra de onde se retirasse que o 3.º não lhe entregou a carta de citação e porque não o fez — que não se deveu a culpa do executado.
Além de que o único facto que invocou — plasmado no artigo 6.º da petição inicial: «O executado não recebeu a citação do processo declarativo, tendo passado por episódios de internamento em instituição de Saúde no ano 2012» — se situa em momento posterior ao da citação, dado que esta ocorreu a 24.06.2011, na mesma morada em que foi citado para a execução.
A citação é um facto pessoal e o recorrente, querendo, poderia ter tido acesso ao mesmo, bastando, para o efeito, ter consultado o processo declarativo fisicamente, não tendo invocado qualquer justo impedimento para tal. Tanto mais que a sua Ilustre Mandatária tem escritório na mesma cidade em que correu termos o processo declarativo, não tendo sido alegado que pediu nesse tribunal — ou neste — a consulta física do processo. É consabido que os processos anteriores a 2013 não estão integralmente digitalizados pelo que um processo como o que está em causa passaria, certamente, pela consulta do processo físico, podendo, inclusive, ter sido pedido a confiança dos autos. Referir que o processo físico estaria no arquivo não é o mesmo que apresentar requerimento nesses autos para consultar o processo ou para que o mesmo lhe fosse confiado.
Daí que na sentença se tenha salvaguardado tal ónus do embargante:
«Previamente urge frisar que nada existe contemplado na lei que obrigue a que um processo judicial físico, entrado em juízo no ano de 2011, tenha de estar totalmente digitalizado, mormente os avisos de receção de 2011. A Ilustre Mandatária do embargante tem domicílio profissional na própria localidade onde o título executivo se formou. Nada obstava a que consultasse o processo físico, ainda que o mesmo tivesse de ser retirado do arquivo. Caso o prazo para deduzir embargos se mostrasse insuficiente por força dessa circunstância — necessidade de o processo físico estar disponível na secretaria do Tribunal onde o título executivo foi proferido —, poderia ter lançado mão do mecanismo de prorrogação de prazo invocando justamente tal fundamento. Não o tendo feito, somente é imputável ao executado qualquer desconhecimento sobre a forma a que obedeceu o ato da citação, mormente se foi ou não efetuada a citação em terceira pessoa. É de notar que o executado nada diz sobre a citação, limitando-se a referir que desconhecia — até à citação para a execução — a existência do processo declarativo. O ónus na matéria reclamava que se inteirasse da forma a que obedeceu a citação, não lhe sendo aproveitável qualquer eventual desconhecimento dada a referida possibilidade de consulta do processo declarativo se necessário para dissipar eventuais dúvidas ou faltas de memória.
Nem se pode olvidar que a procuração forense outorgada à Ilustre Mandatária que igualmente subscreve a petição inicial de embargos foi junta aos autos de execução a 17 de dezembro de 2015. Após tentativa de citação do executado para a execução — cf. nota de citação datada de 23 de novembro de 2015 dos autos principais de execução».
Por outras palavras, há 9 anos que o executado tem conhecimento deste processo, daí que a sua Ilustre Mandatária tenha junto à execução procuração a 17.12.2015.
Nem após o Tribunal ter ordenado a junção do aviso de receção da citação, o recorrente veio invocar qualquer facto respeitante a que o terceiro não lhe entregou a carta e por facto que não se deveu a culpa sua. Factos necessários para que os autos pudessem prosseguir, dado que sem eles o alegado não é passível de traduzir qualquer falta de citação.
Daí que invocar a falta de cumprimento do princípio do inquisitório previsto no artigo 411.º do Código de Processo Civil — que a verificar-se poderia ferir de nulidade a sentença —, salvo diversa douta opinião, é persistir em confundir factos com prova. O princípio do inquisitório não serve para o juiz se substituir às partes no ónus de alegação. Serve sim, para produzir oficiosamente prova para provar os factos alegados pelas partes. Se não há alegação, não há prova a produzir.
Mais invoca o recorrente a nulidade da sentença por omissão de pronúncia por não se ter pronunciado sobre o mérito dos embargos.
Ora, na sentença refere-se expressamente que o embargante aduz «fundamentos respeitantes a pôr em causa o próprio teor da obrigação exequenda, infirmando a própria condenação vertida no título executivo.
O título executivo consiste numa sentença condenatória do executado a pagar uma determinada quantia certa ao exequente.
Donde, sob pena de violação do caso julgado, os fundamentos que poderiam ter sido aduzidos no processo declarativo não podem ser repristinados em sede de embargos à execução. Daí que se preveja, no artigo 729.º, alínea g), do Código de Processo Civil, que o facto extintivo ou modificativo de obrigação reconhecida por sentença tenha de ocorrer em data posterior ao encerramento da discussão do processo declarativo em que se formou o título executivo sentença.».
Cita-se o Ac. do STJ de 31.03.2022, processo n.º 9380/18.0T8LSB-A.L1.S1. E acrescenta-se: «Uma vez que o título executivo é uma sentença, a defesa legalmente admissível em sede de embargos à execução circunscreve-se, pois, ao primeiro dos fundamentos invocados, a saber, se ocorreu falta de citação no processo declarativo, não tendo o executado intervindo nesses autos.
Na afirmativa, o título executivo é posto em causa, havendo lugar à absolvição do executado da instância executiva — artigo 696.º, alínea e), i) ex vi artigo 729.º, alínea d), do Código de Processo Civil.
Na negativa, o título executivo mantém a sua validade e eficácia, não sendo passível de ser invocado em sede de embargos à execução os factos que poderiam ter sido invocados no processo declarativo, ou seja, a demais defesa.
Urge, pois, aferir se o embargante invoca factos suficientes para — a serem dados por provados — se retirar a falta de citação no processo declarativo.».
Daqui resulta que o Tribunal pronunciou-se sobre a questão tomando posição sobre a mesma. Sintetizando, o Tribunal entendeu que havendo falta de citação, a consequência é a absolvição do executado da instância executiva. Não se verificando, a restante defesa é processualmente inadmissível. Tendo o Tribunal concluído não ter o embargante alegado factos dos quais se retire a falta de citação, a restante defesa não é legalmente admissível nos termos expostos. É de notar que o recorrente persiste, salvo melhor opinião, em retirar conclusões por abalar os pressupostos da condenação vertida em sentença, como se não ocorresse caso julgado. Uma sentença boa ou má deixa de poder ser atacada após o trânsito em julgado. Daí que não possa um juízo de execuções se voltar a debruçar sobre o mérito da condenação do executado na sentença dada à execução, nem sobre os moldes em que foi condenado.
No fundo, o recorrente não põe em causa a interpretação do Tribunal do regime da falta de citação e suas consequências para a sentença e âmbito da defesa vertida em embargos à execução. Estriba-se tão-só em nulidades.
Sintetizou-se no Ac. do TRG de 14.03.2024, processo n.º 835/23.6T8GMR.G1, disponível em www.dgsi.pt: A nulidade da decisão com fundamento na omissão de pronúncia apenas se verifica quando uma questão que devia ser conhecida na sentença não teve aí qualquer tratamento, apreciação ou decisão, sem que a sua resolução tenha sido prejudicada pela solução, eventualmente, dada a outras. Não cumprindo, para efeitos de apreciação da existência de nulidade, aferir do acerto ou desacerto da decisão do ponto de vista substancial, e concluindo-se que a sentença se pronunciou sobre a questão suscitada, referindo que ela deveria ser tratada numa outra ação, não se verifica o vício de nulidade assacado à decisão recorrida.
que vale dizer, concluindo-se na sentença que a defesa em causa era inadmissível em sede de embargos à execução, não se pode, com propriedade, referir que a sentença está ferida de nulidade por omissão de pronúncia.
fim, o nosso sistema de fiscalização da constitucionalidade não abrange atos, mas somente a interpretação de normas jurídicas. Invocar que uma sentença é inconstitucional ou, por outras palavras, que viola a Constituição não encerra uma arguição de inconstitucionalidade apta a desencadear qualquer recurso de constitucionalidade. Daí que o grosso dos recursos interpostos para o Tribunal Constitucional sejam indeferidos pelo Tribunal a quo (v.g. Supremo Tribunal de Justiça, Tribunais das Relações) e tal indeferimento seja confirmado pelo próprio Tribunal Constitucional, que decide não conhecer do objeto do recurso.
A título de exemplo vide o Ac. do Tribunal Constitucional n.º 86/2025: «O Tribunal Constitucional tem entendido, de modo reiterado e uniforme, serem requisitos cumulativos da admissibilidade do recurso, previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, a existência de um objeto normativo – norma ou interpretação normativa – como alvo de apreciação. (…) Em suma, e como o reclamante expressamente indica, imputa diretamente o vício de inconstitucionalidade à decisão proferida pelo tribunal a quo (…) A este Tribunal cabe o escrutínio da constitucionalidade de normas e não de quaisquer outras operações, designadamente o modo como o tribunal recorrido aplicou o direito infraconstitucional aos factos do caso. À jurisdição constitucional compete antes o controlo da conformidade constitucional de normas, excluindo a apreciação de decisões judiciais, sob pena de inadmissibilidade» (destaques nossos).
Destarte, entende-se que as nulidades invocadas pelo recorrente não se verificam.
Junte aos presentes autos, o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 21.12.2021, proferido no processo n.º 385/17.0T8FNC-A.L1.”
Não foram apresentadas contra alegações.
Admitido o recurso neste tribunal e colhidos os vistos, cumpre decidir.
* Questão a decidir:
O objecto do recurso é definido pelas conclusões do recorrente (art.ºs 5.º, 635.º n.º3 e 639.º n.ºs 1 e 3, do CPC), para além do que é de conhecimento oficioso, e porque os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, ele é delimitado pelo conteúdo da decisão recorrida.
Importa assim, saber se, no caso concreto:
- Face ao título executivo apresentado – sentença – se é passível de conhecimento quer a nulidade de citação nos termos alegados, quer o demais alegado que se prende com a relação subjacente à dívida exequenda.
*
II. Fundamentação:
No Tribunal recorrido foram considerados provados os seguintes Factos:
Tendo por base os elementos documentais juntos aos autos de execução e dos presentes embargos, relevam os seguintes factos com interesse para o conhecimento e apreciação da causa:
1.º No dia 04 de maio de 2015, foi apresentado à execução n.º 2709/15.5T8FNC, em apenso, a sentença proferida a 11 de março de 2015, oportunamente transitada em julgado, proferida na instância local de Santa Cruz, J2, da Comarca da Madeira, que correu termos sob o n.º 375/11.6TBSCR — cf. título executivo que aqui se dá por integralmente reproduzido.
2.º O executado, aí réu, a 24 de junho de 2011, foi citado em 3.ª pessoa na Rua ..., Santa Cruz, encontrando-se assinalado no aviso de receção «Por pessoa a quem for entregue a Carta a que se comprometeu após a devida advertência a entregá-la prontamente ao Destinatário» — cf. aviso de receção constante do processo declarativo cuja certidão foi junta a 12 de fevereiro de 2025, que aqui se dá por integralmente reproduzido.
3.º O executado foi citado para a execução, na sua própria pessoa, nessa mesma morada, a 20 de janeiro de 2025 — cf. aviso de receção junto a 24 de janeiro de 2025 aos autos de execução, que aqui se dá por integralmente reproduzido.
4.º Na petição inicial de embargos, alega o embargante:
«3ºO executado só teve conhecimento do processo declarativo, com os presentes autos.
4ºA signatária solicitou o acesso electrónico ao referido processo declarativo, no entanto não está disponível electronicamente todos os elementos, nomeadamente, com interesse para os presentes autos, os documentos juntos com a petição inicial (contratos de mútuo) e os comprovativos de aviso de recepção, o que só será possível através da consulta do processo físico, que encontra-se no arquivo do Tribunal.
5º Resulta da própria sentença condenatória a revelia do Réu, aqui executado.
6º O executado não recebeu a citação do processo declarativo, tendo passado por episódios de internamento em instituição de Saúde no ano 2012.
7º A falta de intervenção do réu, no processo declarativo, deve-se ao total desconhecimento da citação, facto que não lhe é imputável.
8º Se o Réu tivesse conhecimento do teor do processo declarativo teria apresentado a respectiva contestação, face às taxas de juros que estão a ser peticionadas – 31,64% e 27,155%.» — cf. petição inicial que aqui se dá por integralmente reproduzida.
5.º O executado não alegou que a pessoa que recebeu a carta de citação não lhe tenha entregado a carta de citação.
*
III. O Direito:
Antecipando, é por demais evidente que o recurso intentado está fadado ao insucesso, pois nem sequer se pronuncia sobre as questões concretas apreciadas pelo Juiz de 1ª instância, limitando-se a repetir a argumentação já contida nos embargos, os quais foram objecto de indeferimento liminar, por duas razões essenciais: - A impossibilidade de convocar fundamentos de defesa face ao título executivo apresentado, mormente por se afastar do previsto no artº 729º do Código de Processo Civil; - a Improcedência da arguida nulidade de citação no processo de declaração de onde emanou a sentença.
Com efeito, o recorrente limita-se a afirmar que a decisão violou o princípio da descoberta da verdade material, ao não exercer o seu poder discricionário para determinar diligências probatórias necessárias, violando o princípio do contraditório e da tutela jurisdicional efectiva, previsto nos artigos 3.º e 20.º da Constituição da República Portuguesa.
Porém, sem argumentar absolutamente nada sobre o conhecimento da nulidade de citação, ainda que convoque o artº 225º do Código de Processo Civil como norma violada, nada refere que contrarie o sentido da sua improcedência, limitando-se a convocar os poderes instrutórios do Tribunal, mas tendo em vista apreciar a alegada ilegalidade das taxas de juro dos contratos de mútuo, quanto aos juros remuneratórios, dizendo que tal determina a nulidade da decisão. Mais sustentou que o Tribunal não atendeu que a quantia exequenda já se mostra liquidada, efectuando o seguinte cálculo: 14.356,43€ + 18.903,25€ = 33.259,68, argumentando do excesso de cobrança da taxa de juros, e, logo a violação do 1146º do C. Civil, bem como o artº 28º do Decreto-lei 133/2009, de 02/06. Importa ainda ter presente que no âmbito da alegação de tal pagamento veio o embargante, ora apelante, juntar um recibo de vencimento de onde decorre terem existido “descontos judiciais” no valor de 18.903,25€, pelo que não colhe a argumentação extintiva do direito assente em liquidação do valor.
A execução teve o seu início por requerimento que deu entrada a 7/05/2015, tendo sido liquidado o valor em dívida em 37.695,34 €.
Quanto ao argumento de o Tribunal não ter apreciado a alegada nulidade quanto aos juros aplicáveis, olvida o apelante quais os fundamentos de oposição que podem ser convocados estando em causa uma sentença como título executivo, sendo o leque de fundamentos muito mais restrito do que nas situações em que o título executivo tem natureza extrajudicial.
Logo, não viola qualquer norma constitucional a decisão que tendo base tal possibilidade restritiva entende que não pode o executado convocar argumentos não esgrimidos na acção declarativa de onde a sentença emana.
Somos assim, em corroborar a decisão sob recurso quando expõe que “O título executivo consiste numa sentença condenatória do executado a pagar uma determinada quantia certa ao exequente. Donde, sob pena de violação do caso julgado, os fundamentos que poderiam ter sido aduzidos no processo declarativo não podem ser repristinados em sede de embargos à execução. Daí que se preveja, no artigo 729.º, alínea g), do Código de Processo Civil, que o facto extintivo ou modificativo de obrigação reconhecida por sentença tenha de ocorrer em data posterior ao encerramento da discussão do processo declarativo em que se formou o título executivo sentença. De forma elucidativa atente-se no sumário do Ac. do STJ de 31.03.2022, processo n.º 9380/18.0T8LSB-A.L1 .S1, disponível em www.dgsi.pt: «I - Fundando-se a execução em sentença, o executado defender-se por embargos com a invocação de um facto extintivo ou modificativo da obrigação, desde que seja posterior ao encerramento da discussão no processo de declaração e se prove por documento. (art. 729º, alínea g) do Código de Processo Civil. II – A exigência de que o facto seja posterior ao encerramento da discussão no processo de declaração justifica-se pelo respeito pela força do caso julgado que se formou sobre a sentença exequenda, e decorre do princípio da concentração da defesa na contestação (art. 573º do CPC), ónus que vale para todos os fundamentos da defesa, nomeadamente para as excepções peremptórias; III – Se a excepção peremptória deduzida contra execução podia ter sido invocada na acção declarativa, por já então se verificarem os respectivos pressupostos e não o foi, não pode ser invocada em sede de embargos, por efeito do princípio da preclusão.» Uma vez que o título executivo é uma sentença, a defesa legalmente admissível em sede de embargos à execução circunscreve-se, pois, ao primeiro dos fundamentos invocados, a saber, se ocorreu falta de citação no processo declarativo, não tendo o executado intervindo nesses autos. Na afirmativa, o título executivo é posto em causa, havendo lugar à absolvição do executado da instância executiva — artigo 696.º, alínea e), i) ex vi artigo 729.º, alínea d), do Código de Processo Civil. Na negativa, o título executivo mantém a sua validade e eficácia, não sendo passível de ser invocado em sede de embargos à execução os factos que poderiam ter sido invocados no processo declarativo, ou seja, a demais defesa.“.
Quanto à nulidade ou falta de citação, é certo que pode constituir um dos fundamentos de embargos no âmbito de uma execução em que o título executivo é uma sentença – cf. artº 729º alínea d) do Código de Processo Civil, ao prever como fundamento de oposição a falta de intervenção do réu no processo de declaração, verificando-se algumas das situações previstas na alínea e) do artº 696º. E face a tal remissão haverá que aferir ou, que existe falta de citação, ou que é nula a efectuada, logo, há falta de citação em todas as situações referidas no artº 188º, ou ocorre a respectiva nulidade nos termos previstos no artº 191º. Na verdade, o disposto no artº 696º alínea e) prevê como fundamento de recurso de revisão o caso em que, tendo corrido o processo à revelia, por falta absoluta de intervenção do réu, se mostre que:
i) Faltou a citação ou que é nula a citação feita;
ii) O réu não teve conhecimento da citação por facto que não lhe é imputável;
iii) O réu não pode apresentar a contestação por motivo de força maior.
A citação, conforme dispõe o artigo 219º, n.º 1 do CPC, é o acto pelo qual se dá conhecimento ao réu de que foi proposta contra ele determinada acção e se chama ao processo para se defender.
Tal direito de defesa é uma vertente fundamental do direito de acesso aos tribunais ou à tutela jurisdicional, que exige a garantia de uma protecção jurisdicional eficaz, onde se inclui o direito de acção, o direito ao processo, o direito a uma decisão judicial em tempo útil e o direito a um processo justo, informado pelos princípios materiais da justiça nos vários momentos processuais, como o princípio do direito à igualdade de armas, o direito de defesa e o direito ao contraditório, traduzido fundamentalmente na possibilidade de cada uma das partes invocar as razões de facto e de direito, oferecer provas, controlar as provas da outra parte, pronunciar-se sobre o valor e resultado destas provas cf. acórdão n.º 96/2016, de 4-02-2016 do Tribunal Constitucional, publicado no Diário da República n.º 123/2016, Série II de 2016-06-29.
Donde, a lei pretende assegurar o efectivo conhecimento por parte do réu da existência de um processo contra si interposto, sendo que a sua falta determina a anulação do processado posterior à petição (cf. art. 187º, a) do CPC), por estar em causa o direito de defesa e do contraditório, princípios basilares do processo civil.
No âmbito da citação de pessoas singulares esta ou é pessoal ou edital cf. art.º 225º, n.º 1 do CPC. Sendo a citação pessoal, por regra, por via postal, efectuada por meio de carta registada com aviso de recepção, dirigida ao citando e endereçada para a sua residência ou local de trabalho cf. art.ºs 225.º, n.º 2, b) e 228.º, n.º 1 do CPC.
A carta pode ser entregue, após a assinatura do aviso de recepção, ao citando ou a qualquer pessoa que se encontre na sua residência ou local de trabalho e que declare encontrar-se em condições de a entregar prontamente ao citando - art.º 228.º, n.º 2 do CPC.
A citação efectuada em pessoa diversa do citando, encarregada de lhe transmitir o conteúdo do acto, é equiparada à citação pessoal, presumindo-se, salvo prova em contrário, que o citando dela teve oportuno conhecimento (cf. art.º 225.º, n.º 4 do CPC), tendo-se por efectuada na própria pessoa do citando, mesmo quando o aviso de recepção haja sido assinado por terceiro, presumindo-se, salvo demonstração em contrário, que a carta foi oportunamente entregue ao destinatário (cf. art.º 230.º, nº 1 do CPC).
É a denominada citação quase-pessoal. Como bem se decidiu no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 6 de Junho de 2019 (Proc. n.º1202/15.0T8BJA-A.E1.S1):
“Assim, na citação em pessoa diversa do citando, a lei estabelece, em ambos os preceitos, uma presunção juris tantum - presunção de que a carta de citação foi oportunamente entregue ao destinatário e de que este dela teve oportuno conhecimento - factos que a lei tem por apurados e que só cedem mediante prova em contrário por parte do interessado, nos termos do art. 350.º, nº2 do Código Civil, ou seja, pelo convencimento jurisdicional de que, embora toda a regularidade formal do acto, a carta não foi oportunamente entregue ao citando, ou então, este não teve efectivo conhecimento da mesma, em qualquer dos casos, em circunstâncias devidas a factos que não lhe são imputáveis. E, só na medida em que forem ilididas as referidas presunções é que se pode considerar verificado o vício da falta de citação, ao abrigo do art.188.º, nº1, alínea e) do CPC.
Todavia, o funcionamento das presunções que subjazem às disposições dos referidos artigos 225.º, n.º4, e 230.º, n.º1 do CPC, só serão possíveis de ocorrer se a entrega da carta para citação, pelo distribuidor do serviço postal, a pessoa diversa do citando, cumpra todos os pressupostos formais dessa entrega, designadamente, a de ser feita nos locais referidos no art.228.º, n.1 do CPC. A carta para citação deverá ser endereçada para a residência ou local de trabalho do citando, mas se for entregue a terceira pessoa, também, esta deverá encontrar-se nos mesmos locais (residência ou local de trabalho do citando), exigência que se justifica, como se refere no acórdão recorrido, face às ilações de natureza substantiva que as carências de uma citação judicial são passíveis de acarretar na esfera jurídica da parte.
Na verdade, o próprio artº 224.º, n.º1 do CPC, sobre o lugar da citação, prevê que ela se possa fazer em qualquer lugar onde seja encontrado o destinatário do acto, o citando, na sua residência ou local de trabalho, pelo que a especificidade da citação feita em pessoa diversa, ao abrigo do artº 228.º, n.º 2 do CPC, também, só será viável se o terceiro se encontrar na residência ou local de trabalho do citando. Com efeito, se o terceiro que recebe a carta de citação não se encontrar num dos referidos locais, a lei já não retira a ilação da sua verosímil entrega e consequente recebimento pelo destinatário, não ocorrendo, assim, as aludidas presunções.” ( in www.dgsi.pt/jstj).
Logo, desde que confirmada a residência ou o local de trabalho do citando, nada obsta a que a carta seja recebida por outra pessoa que aí esteja presente e que declare estar em condições de prontamente a entregar ao destinatário, dever de que deve ser advertida pelo distribuidor postal cf. art.º 228º, n.ºs 2 e 4 do CPC.
A propósito de tal questão importa ter presente, pela clareza de raciocínio e referencias doutrinais e jurisprudenciais, o decidido no Acórdão desta Relação de 21/12/2021 ( proc. nº 385/17.0T8FNC-A.L1, não publicado, mas junto a estes autos ): “A disponibilidade e a possibilidade de a pessoa que recebe a carta proceder à sua entrega ao citando constituem, pois, pressupostos básicos da modalidade de citação quase-pessoal, assegurando o efectivo conhecimento por parte do réu da pendência da acção.
Atente-se que é a estreita proximidade ao citando que permite tomar como razoável que, com toda a probabilidade, o terceiro que se encontra no local entregará real e atempadamente a carta de citação ao citando, pelo que poderá admitir-se, por exemplo, a validade da citação postal com entrega da carta ao porteiro do prédio onde viva o citando, quando este aí se não encontrar, por esta ser, aliás, uma das funções que lhe podem ser atribuídas cf. neste sentido, António Abrantes Geraldes, Temas Judiciários, I Volume Coimbra 1998, pág. 41, nota 34.
Verificada, porém, a presunção de oportuno recebimento e conhecimento do conteúdo da carta, cumprirá ao citando demonstrar que a morada para onde foi enviada a carta não é a sua residência e que o seu não conhecimento se ficou a dever a facto que não lhe é imputável cf. art.º 350º, n.º 2 do Código Civil; Rui Pinto, Código de Processo Civil Anotado, Volume I 2018, pág. 357- "[...] o citando pode demonstrar que enquanto "destinatário da citação pessoal não chegou a ter conhecimento do ato, por facto que não lhe seja imputável", nos termos do artigo 188°, n.° 1 al. e). O réu invocará, em consequência, a nulidade primária da falta de citação; cf. acórdãos do Tribunal da Relação de Coimbra de 23-11-2021, processo n.° 269/08.2TBPBL-C.C1 e do Tribunal da Relação do Porto de 23-03-2021, processo n.° 4644/17.3T80AZ-B.P1
Todavia, não basta ao citando alegar e demonstrar que não teve conhecimento do acto de citação. Deve, além disso, alegar e provar que tal aconteceu devido a facto que não lhe é imputável, conforme resulta do segmento final da alínea e) do n.° 1 do art.° 188° do CPC, expressão que “deverá ser interpretada em termos de causalidade objectiva, ou seja, quando a conduta do requerente em nada tenha contribuído, em termos adjectivos, para que haja um atraso no acto de citação” — cf. acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 13-09-2018, processo n. ° 845/17.2T8ENT-A.E1 — " No [...] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 03.07.2018, a respeito da expressão legal "causa não imputável ao requerente" contida no artigo 323.°, n.° 2 do CC, relativamente à data em que se presume efectuada a citação para efeitos de interrupção da prescrição, na esteira de entendimento já anteriormente vertido nos arestos ali indicados, afirmou-se que tal expressão «deve ser interpretada em termos de causalidade objectiva, ou seja, quando a conduta do requerente em nada tenha contribuído, em termos adjectivos, para que haja um atraso no acto de citação». Ora, um dos exemplos apontados como podendo integrar um facto que não seja imputável ao citando tem sido precisamente a "falta de entrega de correspondência por alguma razão", conforme referido no citado aresto da Relação do Porto de 11.04.2018. Também Ferreira de Almeida afirma que esta causa invalidante do processado justifica-se «pela certeza de que, sem culpa sua, o réu não chegou a ter conhecimento da citação por esta não lhe ter sido transmitida pelo receptor»."
Assim, atento o regime que resulta dos art.°s 187°, a) e 188°, n.° 1, e) do CPC, se o citando conseguir ilidir a presunção de cognoscibilidade ou conhecimento do acto, ocorrerá o vício de falta de citação, nos termos deste último normativo legal.
Tal vício constitui uma nulidade que, à partida, é de conhecimento oficioso (cf. art.° 196° do CPC), a não ser que se deva considerar sanada.
No entanto, no caso da alínea e), do n.° 1, do art.° 188° do CPC, o réu tem o ónus de alegar e provar que, sem culpa sua, a citação não chegou ao seu conhecimento, o que constitui excepção à mencionada oficiosidade — cf. neste sentido, acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 6-06-2019, processo n.° 1235/11.6TBCTX-B.L1-2, nota de rodapé 15.
O citando poderá demonstrar o não conhecimento por causa que não lhe é imputável, invocando, designadamente, que esteve ausente durante todo o prazo para a contestação, sem contacto com a pessoa que recebeu a citação e que não recebeu a carta expedida nos termos do art. 233° do CPC; ou que a carta para citação foi enviada para local que não corresponde à sua residência ou local de trabalho; ou ainda que, sem culpa sua, a carta não lhe foi comunicada por quem a recebeu.
Portanto, recaía sobre a recorrente o ónus de alegar e demonstrar que não recebeu a citação por causa que não lhe é imputável.
Na verdade, em face da presunção de que a carta foi oportunamente entregue ao destinatário, recai sobre o citando o ónus de provar o contrário, como se refere de modo claro no acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 11-10-2011, processo n. ° 2718/08. OTBOER-A.L1-7“[...] é que para a hipótese da citação em pessoa diversa a lei estabelece uma presunção júris tantum, a presunção de que a carta de citação foi oportunamente entregue ao destinatário e de que este dela teve oportuno conhecimento. É este um facto que a lei tem por apurado; e que só vai ceder na hipótese da prova do contrário por banda do interessado (artigos 344°, n° 1, 349° e 350°, n° 2, do Código Civil); quer dizer, pelo convencimento jurisdicional de que, pese embora toda a regularidade formal do acto, mesmo assim, nem a carta foi oportunamente entregue ao citando, ou então este dela não teve efectivo e oportuno conhecimento; em qualquer dos casos, naturalmente, circunstâncias ficadas a dever a facto que lhe não é imputável.
E assim sendo, nessa hipótese, só quando firmada a convicção bastante daquele facto negativo (a falta de entrega ou de conhecimento, sem culpa); portanto, só na medida em que ilidida a apontada presunção; é que se considera verificado o vício da falta de citação, precedentemente referido, nos termos do artigo 195°, n° 1, alínea e); por só então se demonstrar que o destinatário da citação dela não chegou a ter conhecimento por facto que lhe não é censurável.
Sem esse convencimento consistente, na própria dúvida ou incerteza acerca do facto, a lei faz operar a presunção; e, por conseguinte, considera a citação postal, efectuada em pessoa diversa, equiparada à citação pessoal, como feita e efectuada na própria pessoa do citando."
Na abordagem do caso concreto nada nos permite afastar-nos da fundamentação levada a cabo pelo Juiz a quo, nem o apelante aporta aos autos em sede de recurso argumentos que contrariem ou abalem tal raciocínio.
Em primeiro lugar, e no que concerne aos eventuais atropelados ao princípio constitucional do direito à defesa ou contraditório, somos em corroborar o seguinte:
“Como é sabido, o direito de defesa é uma vertente fundamental do direito de acesso aos tribunais ou à tutela jurisdicional, que exige a garantia de uma proteção jurisdicional eficaz, onde se inclui o direito de ação, o direito ao processo, o direito a uma decisão judicial em tempo útil e o direito a um processo justo, informado pelos princípios materiais da justiça nos vários momentos processuais, como o princípio do direito à igualdade de armas, o direito de defesa e o direito ao contraditório, traduzido fundamentalmente na possibilidade de cada uma das partes invocar as razões de facto e de direito, oferecer provas, controlar as provas da outra parte, pronunciar-se sobre o valor e resultado destas provas – cf. Acórdão n.º 96/2016, de 04.02.2016, do Tribunal Constitucional, publicado no Diário da República n.º 123/2016, Série II de 29.06.2016.”.
Quanto ao ocorrido no caso concreto e a argumentação do apelante, importa referir o contido na decisão sob recurso, ao expor que “(…) urge frisar que nada existe contemplado na lei que obrigue a que um processo judicial físico, entrado em juízo no ano de 2011, tenha de estar totalmente digitalizado, mormente os avisos de receção de 2011. A Ilustre Mandatária do embargante tem domicílio profissional na própria localidade onde o título executivo se formou. Nada obstava a que consultasse o processo físico, ainda que o mesmo tivesse de ser retirado do arquivo. Caso o prazo para deduzir embargos se mostrasse insuficiente por força dessa circunstância — necessidade de o processo físico estar disponível na secretaria do Tribunal onde o título executivo foi proferido —, poderia ter lançado mão do mecanismo de prorrogação de prazo invocando justamente tal fundamento. Não o tendo feito, somente é imputável ao executado qualquer desconhecimento sobre a forma a que obedeceu o acto da citação, mormente se foi ou não efetuada a citação em terceira pessoa. É de notar que o executado nada diz sobre a citação, limitando-se a referir que desconhecia — até à citação para a execução — a existência do processo declarativo. O ónus na matéria reclamava que se inteirasse da forma a que obedeceu a citação, não lhe sendo aproveitável qualquer eventual desconhecimento dada a referida possibilidade de consulta do processo declarativo se necessário para dissipar eventuais dúvidas ou faltas de memória. Nem se pode olvidar que a procuração forense outorgada à Ilustre Mandatária que igualmente subscreve a petição inicial de embargos foi junta aos autos de execução a 17 de dezembro de 2015. Após tentativa de citação do executado para a execução — cf. nota de citação datada de 23 de novembro de 2015 dos autos principais de execução. A execução de sentença corre por apenso ao processo onde a sentença foi proferida. Todavia, se houver na comarca juízo especializado em execuções, o requerimento executivo será remetido para esse tribunal acompanhado de cópia da sentença — artigo 85.º, n.º 2, do Código de Processo Civil. Os atos praticados no processo declarativo existem e produzem os seus efeitos. Cópia de atos diversos da sentença deverão ser juntos à execução se se mostrar conveniente, sem prejuízo de serem consultados eletrónica e/ou fisicamente. A junção desses atos facilita o acesso aos mesmos, sem que seja uma imposição legal e sem que desonere os sujeitos processuais de os consultarem, ainda que o juiz do processo executivo não tenha ordenado a sua junção à execução. Por outras palavras, o brocardo da praxis que “o que não está nos autos não está no mundo” não se aplica a uma execução fundada em sentença, na medida em que os atos praticados no processo declarativo, ainda que não constem da execução, produzem efeitos na execução. Pense-se no caso de uma das partes beneficiar de apoio judiciário no processo declarativo. Esse benefício mantém-se na execução ainda que não seja junta a decisão de concessão do apoio judiciário ao processo executivo. Caberá à secretaria, antes de praticar qualquer ato que implique a ausência desse apoio judiciário, aferir se não foi concedido no processo declarativo, sob pena de praticar um ato desconforme com a lei. Do mesmo modo que o exequente ou o executado não terão de juntar procuração forense à execução, valendo a procuração junta ao processo declarativo. Resulta dos autos que, no processo declarativo — onde se formou o título executivo sentença —, a carta de citação foi recebida por terceira pessoa, presumindo-se, pois, que foi oportunamente entregue ao seu destinatário e que o citando dela teve conhecimento. O embargante não invoca que a pessoa que recebeu a carta de citação não lhe tenha entregado a carta de citação. Ónus que lhe cabia para poder beneficiar da defesa de falta de citação como se verá adiante de forma mais pormenorizada.”
Especificamente quanto ao fundamento em que assentavam os embargos e que constituíriam fundamento válido de oposição perante o título em causa, a sentença condenatória, não há que olvidar que percorrida toda a alegação do recorrente o mesmo limita-se a afirmar que não foi citado pessoalmente, sem invocar o motivo pelo qual a carta não lhe foi entregue, ou sequer se o foi, mas mais relevante ainda, a ocorrer tal ausência, nada argui que possa integrar que tal falta não lhe é imputável. Saliente-se que por força da remissão do artº 729º alínea e) para o previsto no artº 969º e), para que tal possa ser considerado como motivo determinante da procedência da oposição, haverá que se comprovar a falta ou a nulidade da citação feita, advindo a falta por facto que não lhe é imputável ou ainda, caso tivesse sido impedido de apresentar a contestação por motivo de força maior.
Ora, em momento algum do seu articulado o apelante pôs em causa que a citação na ação declarativa foi efetuada na morada da sua residência. Tanto mais que é a mesma morada em que foi citado para a execução.
Quanto ao eventual facto que determinaria a ausência de imputabilidade de tal falta, ou eventualmente caso de força maior, limitou-se o recorrente a afirmar que passou “por episódios de internamento em instituição de Saúde no ano 2012”. Porém, tal argumento não colhe logo à partida, sem necessidade de se produzir prova, pois a citação nos autos de onde emana a sentença ocorreu no ano de 2011, e não em 2012.
Não vislumbramos, assim, em que assenta o apelante a necessidade de se produzir prova ou a eventual indagação oficiosa, pois a prova incide sobre os factos alegados e controvertidos, sendo que in casu é da alegação do recorrente que resulta desde logo a improcedência manifesta dos embargos, tal como foi afirmado pelo Juiz a quo.
Em suma, não basta ao citando alegar e demonstrar que não teve conhecimento do acto de citação da ação declarativa, deve, além disso, alegar e provar que tal aconteceu devido a facto que não lhe é imputável, conforme resulta do segmento final da alínea e) do n.º 1 do artigo 188.º do Código de Processo Civil, expressão que “deverá ser interpretada em termos de causalidade objectiva, ou seja, quando a conduta do requerente em nada tenha contribuído, em termos adjectivos, para que haja um atraso no acto de citação” – cf. Ac. do TRE de 13.09.2018, processo n.º 845/17.2T8ENT-A.E1.
Ora, revisitando a decisão sob recurso “o embargante não alegou qualquer facto suscetível de afastar a presunção que se formou em face dos actos de citação praticados no processo declarativo. Verificando-se nestes últimos autos a citação quase-pessoal, o embargante limitou-se a invocar a falta de citação sem impugnar a validade dessa citação, não tendo sequer mencionado que o local para onde a carta foi expedida não corresponde à sua residência ou que a pessoa que a recebeu não lhe entregou o expediente —sendo evidente que ao consignar na petição de embargos de executado, simplesmente, que não foi citado, desconhecendo a existência do processo declarativo, não tendo recebido a citação, tal não corresponde, de modo algum, à afirmação de que a carta não lhe foi entregue pelo terceiro que a recebeu, pois que pode corresponder a várias situações concretas de não tomada de conhecimento da citação, nenhuma delas concretamente exposta pelo embargante. Tanto mais que refere que no ano de 2012 teria sido internado, sem circunscrever no tempo tais períodos, sendo que a citação nem sequer ocorreu em 2012, mas sim em 2011. Nem o facto de estar internado obstaria, sem mais, a que o terceiro lhe entregasse a citação. Que não recebeu a citação é facto assente, pois a mesma foi recebida por terceiro. Que este último não lhe entregou a citação foi coisa que não foi invocada pelo embargante. Acresce que o executado não invoca que, à data, não estivesse em condições de receber a citação e em que momento passou a estar. Situação que a ter sido invocada, sempre careceria de estar acompanhada da alegação por que razão não o invocou no próprio processo declarativo. Não se pode olvidar que entre a citação e a prolação da sentença mediaram anos, carecendo o executado de alegar factos que traduzissem a impossibilidade de invocar no processo declarativo qualquer circunstância impeditiva de deduzir contestação em todos esses anos, inclusive decorrido o prazo de 30 dias, mas invocando o justo impedimento, por exemplo, por estar internado e incapacitado de entender a citação durante esse período.”.
Resta assim, confirmar o juízo levado a cabo na 1ª instância, pois tendo a citação sido entregue a terceira pessoa, a mera invocação pelo apelante de que não teve conhecimento do processo declarativo e que não recebeu a citação mostra-se insuficiente para ilidir a presunção de que a citação lhe foi entregue por terceiro.
Competia ao recorrente invocar factos dos quais se retirasse que o terceiro não lhe tinha entregue a citação e que tal omissão não lhe era a si, citando, imputável, e ausência destes, por forma a ilidir a mencionada dupla presunção, ónus que lhe assistia (artigo 342.º, n.º 2, do Código Civil), determina a confirmação do indeferimento liminar decidido.
Improcede assim, a apelação.
*
IV. Decisão:
Por todo o exposto, Acorda-se em julgar improcedente o recurso de apelação interposto pelo Embargante e, consequentemente, mantém-se a decisão recorrida nos seus precisos termos.
Custas pelo apelante.
Registe e notifique.
Lisboa, 26 de Junho de 2025
Gabriela de Fátima Marques
António Santos
João Brasão