REVOGAÇÃO DO MANDATO
PRAZO
ACÇÃO DE HONORÁRIOS
ABUSO DE DIREITO
Sumário

Sumário (a que se refere o artigo 663º nº 7 do CPC e elaborado pelo relator):
I - Não é devida a concessão de prazo para constituição de novo mandatário no caso de revogação do mandato.
II - A não indicação das horas de trabalho e do valor hora na acção de honorários não torna a petição inicial inepta.
III - Não sendo concedido laudo pelo valor de honorários facturado, antes sendo-o por um valor significativamente menor, sem haver factos a que o tribunal possa atribuir relevância justificativa da diferença, a sentença deve considerar abuso de direito no exercício do direito do mandatário a exigir o seu pagamento, e condenar pelo valor indicado no laudo.

Texto Integral

Acordam os juízes que compõem este colectivo da 6ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

I. Relatório
AA & Associados – Sociedade de Advogados, S. P., R.L., instaurou contra BB a presente acção especial para cumprimento de obrigações pecuniárias, fundada em injunção, regida pelo D.L. n.º 269/98, de 01.09 (na redacção que lhe foi conferida pelo D.L. n.º 107/2005, de 01.07), por apenso à acção declarativa onde o aqui Réu foi Autor, pedindo a condenação do mesmo a pagar-lhe a quantia de € 6.506,76, acrescida de juros de mora vencidos, no montante de €254,76, e os vincendos, até ao efectivo pagamento, e ainda a taxa de justiça paga com a injunção.
Alegou a A. que “no âmbito da sua actividade prestou serviços de assistência jurídica ao Requerido, nomeadamente a realização de inúmeras reuniões com vista à resolução de um litígio entre o Requerido e uma sociedade sua arrendatária, bem como a posterior preparação e entrada de um processo judicial de despejo, como melhor resulta da factura nº 21001, de 23/01/2020, tendo este ficado obrigado a pagar-lhe, no total, €15.375,00. Na data de vencimento, foi feito o pagamento parcial de €9.225,00, tendo ficado por pagar o valor de €6.150,00, sendo também devidos juros moratórios legais vencidos à taxa de 7%, os quais ascendem a €254,76, desde a data de vencimento da factura até à presente data”.
O R. apresentou oposição em que invocou que não foi discutido nem acordado um valor global para o pagamento peticionado, tendo a factura sido emitida já após a liquidação da quantia de cerca de 9 mil euros, e que a A. não o informou, enquanto cliente, dos serviços desenvolvidos e da correspondência de tais serviços com o valor peticionado. De resto, os montantes facturados são excessivos e infundados face aos serviços efectivamente prestados.
A A., convidada, respondeu.
Sendo esclarecido pela A. que os honorários foram fixados unilateralmente, foi-lhe determinada a junção da nota de honorários, a qual foi junta pelo requerimento refª 40593177.
O tribunal entendeu solicitar laudo à Ordem dos Advogados, determinando previamente à A. a junção da conta de honorários, com discriminação dos serviços prestados, elaborada nos termos do n.º 2 do artigo 105.º do Estatuto da Ordem dos Advogados.
A A. juntou o discriminativo dos serviços prestados, através do requerimento refº 41489959, que o R., dela notificado, impugnou.
Por despacho de 23.3.2022 foi determinada a solicitação ao Conselho Distrital da Ordem dos Advogados de Lisboa de laudo de honorários.
Em 14.11.2023 foi junto o parecer e acórdão que o aprovou. Pronunciando-se sobre os diversos parâmetros, nele se refere um grau elevado de importância e responsabilidade nos serviços, um grau médio relativamente à dificuldade e criatividade intelectual, a urgência dos serviços, reconhecida pelo cliente. Mais se refere não ser possível valorar o resultado obtido, por a autora ter renunciado ao mandato sem a acção estar finda.
Observando que a nota de honorários não menciona o número de horas de trabalho nem o valor hora, lê-se: “Porém, recorrendo a juízos de experiência comum para tarefas de idêntica natureza, sempre diremos que a execução das tarefas em causa terá demandado não menos de 50 horas de trabalho”. Mais se afirma ser jurisprudência corrente do Conselho seguir um valor médio de 150,00€ por hora para Lisboa e Porto, e considerar-se adequado ao presente caso esse mesmo valor.
Da conclusão final do referido parecer consta:
Por todo o exposto, considerando os serviços prestados pela sociedade de advogados Requerida, e a aplicação dos critérios enunciados no artº 105º do EOA, somos de parecer que não será de conceder laudo ao valor de honorários apresentado de 12.500,00€, mas já o seria se este valor fosse de 10.000,00€, acrescidos de IVA à taxa legal”.
Por requerimento de 02.10.2024 o il. mandatário do R. veio informar que este lhe revogou o mandato, do que já tinha informado o il. mandatário da parte contrária, e que não compareceria no julgamento marcado para o dia seguinte. Em 03.10.2024 entrou requerimento subscrito pelo próprio R., informando que tinha revogado o mandato ao seu mandatário.
Em 03.10.2024 procedeu-se à audiência de discussão e julgamento, no início da qual foi proferido o seguinte despacho:
«Revogação do mandato por parte do R., da qual o mandatário demonstrou já ter conhecimento: Considerando que, nos termos do nº 2 do art. 47.º do CPC, os efeitos da revogação e da renúncia se produzem a partir da notificação e que o regime a que alude o nº 3 do mesmo preceito legal diz respeito apenas à renúncia ao mandato, e não à sua revogação; Tratando-se de falta por parte do R., mas já não cabendo ainda a aplicação do nº 4 do mesmo preceito legal, está validamente cessado o mandato exercido pelo Sr. Dr. CC e cumpre dar seguimento aos demais termos do processo, nomeadamente com a audiência final agendada para o dia de hoje. Notifique.»
A A. requereu a prestação de declarações de parte do seu legal representante, e seguidamente foram proferidas alegações pelo il. mandatário da A., sendo os autos subsequentemente conclusos para sentença, a qual foi proferida nos seguintes termos dispositivos:
Pelo exposto, julgando a acção totalmente procedente, por provada, condeno o Réu a pagar à Autora a quantia total de € 6.150,00 (seis mil, cento e cinquenta euros), acrescida de juros de mora já vencidos, à taxa legal para os créditos civis, de € 254,76 (duzentos e cinquenta e quatro euros e setenta e seis cêntimos), e ainda dos vincendos desde a data de vencimento de cada factura até integral pagamento.
Custas pelo Réu – artigo 527º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil.
Valor da acção: € 6.506,76”.
*
Inconformado, o R. interpôs o presente recurso, formulando, a final, as seguintes conclusões:
“I. DO RECURSO SOBRE O DESPACHO PROFERIDO NO INÍCIO DA AUDIÊNCIA DE DISCUSSÃO E JULGAMENTO:
II. No início da audiência de discussão e julgamento a Meritíssima Juiz do Tribunal a quo proferiu o seguinte despacho: «Revogação do mandato por parte do R., (…).»
III. O Recorrente não foi notificado da data designada para a realização da audiência de julgamento, não esteve presente na audiência de discussão e julgamento e não foi notificado do despacho em apreço.
IV. Ora, resulta dos autos que no dia 02.10.2024, o Réu revogou o mandato conferido ao seu anterior mandatário.
V. Apesar de a notificação a que se refere o artigo 47º nº 2 do CPC, ter sido feita por carta datada de 01.10.2024, a verdade é que o mandatário do Réu, em 02.10.2024 já tinha conhecimento da revogação, pelo que, o desiderato que a lei pretende alcançar com a notificação, a saber, dar conhecimento da cessação do exercício de funções, alcançou-se com esse conhecimento e nessa data, pois que, determina o artigo 47º nº2 do CPC que “Os efeitos da revogação e da renúncia produzem-se a partir da notificação …”
VI. Ou seja, nas causas em que é obrigatória a constituição de advogado, como é o caso dos presentes autos, havendo revogação de mandato, a sua eficácia produz-se a partir do momento em que o mandatário é notificado da revogação, mas se houver renúncia, o mandatário mantém-se em funções durante 20 dias (se antes a parte não constituir outro advogado), prazo para a parte constituir novo mandatário, findo o qual, caso não constitua, a instância suspende-se e o mandatário renunciante fica desvinculado do mandato.
VII. A lei não estabelece para a revogação do mandato norma semelhante àquela a que se refere o nº 3 do artigo 47º do CPC para a renúncia ao mandato, o que significa também, já o referimos, que a revogação opera com a notificação do mandatário, cumprindo determinar o que acontece quando cessa o mandato.
VIII. Tal significa que o Réu deixa de estar representado por advogado numa acção em que, por ser admissível recurso ordinário, é obrigatória a constituição de advogado, nos termos do disposto no artigo 40º nº 1 a) do CPC. Apesar de se estar perante uma acção em que é obrigatória a constituição de mandatário, o Tribunal a quo limitou-se a considerar o mandato conferido ao anterior mandatário como extinto e optou por prosseguir os autos, realizar a audiência de discussão e julgamento sem que o Réu estivesse devidamente representado, e decidir nos termos da sentença que se coloca em crise através do presente recurso.
IX. A razão de ser do pressuposto processual plasmado no artigo 40º do CPC prende-se com a necessidade, em casos de maior valor, da actuação de profissionais munidos da preparação técnico-jurídica indispensável à defesa dos interesses das partes. E essa justificação é válida no início do processo como supervenientemente nas situações, como a presente, em que a parte deixa de estar representada por advogado.
X. Entendemos que, quando a parte, por efeito da revogação do mandato, deixa de ter advogado e, entretanto, não constituiu imediatamente novo mandatário, o regime aplicável é o da falta de constituição de advogado, previsto no artigo 41º do CPC, ou seja, “Se a parte não constituir advogado, sendo obrigatória a constituição, o tribunal, oficiosamente ou a requerimento da parte contrária, fá-la-á notificar para o constituir dentro de prazo certo, sob pena de o réu ser absolvido da instância, de não ter seguimento o recurso ou de ficar sem efeito a defesa.” (sic)
XI. Nos termos do artigo 41º, como se referiu, o juiz ou a parte contrária, farão notificar o faltoso para o efeito, com as cominações aí previstas, mas não refere aí um concreto prazo, deixando essa tarefa ao juiz, o que não aconteceu.
XII. Em consequência, a falta de constituição de advogado constitui exceção dilatória, de conhecimento oficioso, que obsta a que o tribunal conheça do mérito da causa, dando lugar à absolvição da instância.
XIII. Termos em que deverá o recurso proceder e ser revogado o despacho de revogação constante na acta impugnada, substituindo-se aquele por outro que, ao abrigo do disposto no artigo 41º do CPC, ordenasse a notificação do faltoso para a constituição de mandatário dentro de determinado prazo.
XIV. DO RECURSO SOBRE A MATÉRIA DE FACTO – ERRO DE JULGAMENTO E NULIDADE
XV. Prosseguindo as presentes motivações, e entrando agora na análise do Erro de Julgamento, que considera ter existido, face à decisão proferida sobre a matéria de facto, que face à prova documental e pericial constante dos autos, bem como as declarações de parte produzidas, a Douta sentença padece do já referido erro de julgamento.
XVI. Da douta sentença ora impugnada, resulta que o Tribunal a quo considerou provados factos que fundamentaram a conclusão no sentido que a “acção fosse considerada totalmente procedente e, consequentemente, condenou o Réu a pagar à Autora a quantia total de €6.152,00 (seis mil, cento e cinquenta dois euros), acrescidos de juros de mora já vencidos, à taxa legal para os créditos civis, de €254,76 (duzentos e cinquenta e quatro euros e setenta e seis cêntimos) ainda vincendos desde a data de vencimento de cada fatura até integral pagamento.”
XVII. Para o efeito, o Tribunal a quo, “fundou a sua convicção no conjunto da prova produzida, devidamente analisada e ponderada, designadamente, na documentação constante dos autos, no laudo pericial emitido pela Ordem dos Advogados e nas declarações de parte do legal representante da Autora, (…)”
XVIII. Com efeito, entende o Apelante que, em face à prova produzida, mormente atendendo-se à ausência de mobilização probatória bastante, às regras da experiência comum, a matéria constante dos pontos 3 e 4 dos factos provados deveria ter sido considerada como não provada e, consequentemente, o Réu absolvido do pedido. No que respeita aos factos em apreço, considerou o Tribunal a quo que:
XIX. “3. Esse patrocínio materializou-se na prestação de serviços de assistência jurídica no âmbito da resolução de um litígio entre o Réu e uma sociedade sua arrendatária, bem como da preparação e entrada do processo de despejo a que corresponde a acção declarativa ao qual os presentes autos estão apensos. 4. Na sequência da prestação dos serviços acordados, a Autora emitiu, com data de 23.01.2020, a factura n.º 21001, a título de honorários e despesas, no valor de € 15.375,00, IVA incluído. “
XX. Com o devido respeito, a verdade é que o tribunal a quo nunca poderia ter dado o ponto 3 e ponto 4 como provados, na medida em que, em primeiro lugar, da análise da factura dada como provada e que serviu de suporte à condenação do Réu não resulta os trabalhos efectivamente executados pela Autora, nem tão pouco o tempo (horas correspondentes) despendido com aquele processo, nem o valor hora cobrado pela Autora, sendo que tais factos essenciais para a presente acção não foram alegados pela Autora no seu articulado inicial.
XXI. Em segundo lugar, o tribunal a quo considerou a fatura em apreço totalmente procedente quando existe prova pericial requerida pelo Tribunal, em concreto, um laudo de honorários solicitado à Ordem dos Advogados e que não concedeu laudo ao valor peticionado pela Autora.
XXII. De facto, a Autora não verteu no requerimento injuntivo uma alegação detalhada e completa dos factos que dão origem à fatura peticionada nos presentes autos, sendo que os honorários dos advogados devem ser fixados de acordo com os critérios consagrados no artigo 1158, n.º 2 do C.C. e atendendo ao disposto no artigo 105.º EOA e ao Regulamento sobre os honorários de advogado.
XXIII. Verifica-se, assim, a ineptidão do requerimento injuntivo, por falta de indicação de causa de pedir, uma vez que o requerente para além de não ter invocado os serviços realmente prestados, da factura junto aos autos e que o tribunal considerou como provado, não só não contém o descritivo dos trabalhos, como também não identifica o número de horas despendidas e o valor hora cobrado ao Cliente naquele tema.
XXIV. Sendo que tal não impediu o tribunal de fundamentar a sua convicção para prova desse facto a cópia da factura de honorários emitida pela Autora e o descritivo dos serviços efectuados, que suporta essa factura, quando tais factos não foram alegados pela Autora.
XXV. Como é sabido, a ineptidão da petição ou requerimento inicial geram nulidade de todo o processado, e esta constitui uma exceção dilatória insuprível, que dá lugar à absolvição do réu da instância – art.ºs 186º, nºs 1 e 2; 278º, nº 1, al. b); 576º, nºs 1 e 2; e 577º, al. b), todos do CPC.
XXVI. Contudo, estabelece o art.º 573º do nº 1 do CPC que “toda a defesa deve ser deduzida na contestação, excetuados os incidentes que a lei mande deduzir em separado”, acrescentando o nº 3 do mesmo preceito que “Depois da contestação só podem ser deduzidas as exceções, incidentes, e meios de defesa que sejam supervenientes, ou que a lei expressamente admita passado esse momento, ou de que se deva conhecer oficiosamente”.
XXVII. O preceito citado consagra o princípio da concentração da defesa, do qual decorre que o demandado deve deduzir na contestação ou oposição todos os meios de defesa que tenha ao seu alcance, sob pena de preclusão dos mesmos. Não obstante, a lei processual consagra quatro exceções a esse princípio: os incidentes que devem ser deduzidos em separado; os meios de defesa supervenientes, ou seja, os fundados em factos que se verifiquem depois de esgotado o prazo para contestar ou deduzir oposição (superveniência objetiva), ou de que o demandado só tenha conhecimento depois de esgotado esse prazo (superveniência subjetiva); os meios de defesa que a lei expressamente admita após tal momento; os meios de defesa de que o Tribunal deva conhecer oficiosamente.
XXVIII. Mas precisamente porque a lei processual admite a invocação de exceções de conhecimento oficioso após a contestação, a jurisprudência tem sublinhado que essas questões podem ser suscitadas apenas em sede de recurso – neste sentido cfr. ac. STJ 17-11-2016 (Ana Luísa Geraldes), p. 861/13.3TTVIS.C1.S2.
XXIX. Contudo, como decorre do estatuído no art.º 578º do CPC, todas as exceções dilatórias são de conhecimento oficioso, exceto algumas das modalidades de incompetência absoluta e relativa.
XXX. Pese embora a lei não exiga a indicação no requerimento de injunção das normas jurídicas ou das razões de direito em que o requerente baseia a sua pretensão, o que tem a ver, por um lado, com o facto de o secretário de justiça a quem é dirigido não controlar o mérito da pretensão formulada e, por outro, com a circunstância, no caso de o procedimento de injunção se transmutar em acção declarativa, de o tribunal conhecer oficiosamente das questões de direito.
XXXI. Mas não o dispensa de invocar, no requerimento, os factos jurídicos concretos que integram a respectiva causa de pedir, para que se compreenda, incluindo o requerido, o negócio que está na origem do litígio, certo que a lei só flexibiliza a sua narração em termos sucintos, sintéticos e breves.
XXXII. Não basta indicar que o crédito respeita a serviços de assistência jurídica, o que se traduzirá, pelo menos, em insuficiência de causa de pedir. No mínimo, deve indicar-se a causa do direito de crédito, que no caso em concreto apenas consubstanciava um “processo judicial de rescisão de contrato celebrado com Prado & Palma, Lda”.
XXXIII. A doutrina tem considerado que a causa de pedir para efeitos de petição inicial corresponde aos elementos de facto e de direito que, no mínimo da precisão possível, permitem ao réu contestar ou a formulação de um juízo de mérito pelo tribunal em caso de revelia.
XXXIV. A indicação da fatura emitida, sem que a mesma evidencie a Nota de Despesas e Honorários subjacente à prestação dos serviços não corresponde à alegação da origem do crédito.
XXXV. Em consequência, se o requerimento de injunção não expressar, embora sucintamente, os factos integrantes da causa de pedir, certo é que o requerente corre o risco, na eventual apreciação jurisdicional subsequente, na acção declarativa de condenação com processo especial acima referida, de ser confrontado com uma decisão desfavorável, isto é, não lograr êxito na sua pretensão, designadamente no quadro da nulidade de todo o processo por falta ou insuficiência de causa de pedir.
XXXVI. No caso dos autos, conforme supra referido verifica-se o vício da ineptidão do requerimento de injunção, por falta de causa de pedir, porquanto naquele se invoca uma fatura que não tem correspondência com a discriminativa junta aos autos (e que não foi entregue ao Réu, conforme infra se desenvolverá).
Em abono desse entendimento invoca os acs. RL 16-05-2019 (Manuel Rodrigues), p. 89078/18.6YIPRT.L1; e RC 06-07-2010 (Carlos Querido), p.19788/09.7YIPRT.C1.
XXXVII. Ou seja, uma simples leitura do requerimento de injunção não se permite concluir que no mesmo a Autora tenha exposto, com clareza e algum detalhe, a) os factos em que sustenta o pedido formulado, na medida em que; b) Não discriminou, relativamente ao processo judicial em que patrocinou o Réu, quais os atos que praticou no exercício do mandato forense nem indicou o número total de horas de trabalho prestado; c) Não esclareceu qual o critério que presidiu ao cálculo dos respetivos honorários, nem o valor/hora praticado pela Autora; d) Não invocou a emissão da Nota de Despesas e Honorários que está subjacente à fatura invocada, sendo que, esta apenas se refere “Honorários devidos por serviços jurídicos prestados, desde Janeiro de 2019 até 23 de Janeiro de 2020, no âmbito do processo judicial de rescisão do contrato celebrado com Prado & Palma, Lda. Relativo ao Restaurante "Le Chat".
XXXVIII. Face ao teor do alegado, não pode senão concluir-se que no requerimento de injunção a ora Recorrida não alegou factos suficientes para sustentar o pedido que formulou, respeitando por isso o ónus de alegação consagrado no art.º 10º, al. a) do Regime Jurídico da Injunção.
XXXIX. Veja-se que, em sede de declarações de parte prestadas pelo Exmo. Sr. Dr. DD, (Ficheiro 7041-19.2T8LSB-A_2024-10-03_09-51-08), entre o minuto 1:15 e o minuto 11:02 disse, a instâncias do Ilustre mandatário da Autora, quando questionado sobre (…) “Não se limitaram, um cliente entra no escritório: “Olhe faça-me uma petição para dar entrada de uma acção de despejo. Foi um trabalho antes de dar entrada da acção, provavelmente durante a acão”, respondeu o seguinte: DD – “Sim… sim… A acção de despejo acabou por ser um pormenor no meio daquilo tudo porque a questão, o prato da resistência foi mesmo tentarmos obter uma indemnização por causa das infiltrações provocadas pelas obras e que causaram de facto prejuízos avultados na parte de baixo lá do armazém. “(sublinhado nosso)
XL. O que veio a ser confirmado pela parte a instâncias da Meritíssima Juiz (Ficheiro 7041- 19.2T8LSB-A_2024-10-03_09-51-08), no minuto 8:10):
XLI. Juiz: “Disse que a acção de despejo foi uma pequena parte de toda a questão…”
XLII. DD: “Nas horas que eu estimo, a acção de despejo foi uma pequena parte.”
XLIII. Ora, saliente-se novamente que a factura emitida e em discussão nos presentes autos apenas diz respeito a “Honorários devidos por serviços jurídicos prestados, desde Janeiro de 2019 até 23 de Janeiro de 2020, no âmbito do processo judicial de rescisão do contrato celebrado com Prado & Palma, Lda. Relativo ao Restaurante "Le Chat". (sublinhado nosso), e não a outros temas que possam ter sido objecto da prestação de serviços por parte da Autora, extravasando assim completamente o âmbito do pedido.
XLIV. Assim sendo, só pode concluir-se que o requerimento de injunção padece de ineptidão por falta de causa de pedir, termos em que se conclui pela procedência da exceção de ineptidão do requerimento de injunção, nos termos do art.º 615.º do Código de Processo Civil (art.º 668.º CPC 1961), n.º 1, al. d).
XLV. Dispõe o n.º 4 daquele artigo que: “As nulidades mencionadas nas alíneas b) a e) do n.º 1 só podem ser arguidas perante o tribunal que proferiu a sentença se esta não admitir recurso ordinário, podendo o recurso, no caso contrário, ter como fundamento qualquer dessas nulidades.”
XLVI. As nulidades previstas no art.º 615º do Código de Processo Civil prendem-se com o cumprimento ou a violação de regras de estrutura, de conteúdo ou dos limites do poder à sombra do qual são decretadas, tratando-se de defeitos de atividade ou de construção da própria sentença, ou seja, a vícios formais da sentença ou relativos à extensão do poder jurisdicional por referência ao caso submetido ao tribunal.
XLVII. Quanto às nulidades da sentença, segundo Abílio Neto, Novo Código de Processo Civil Anotado, 2ª ed., Janeiro/2014, pág. 734, são vícios que “(…) a ininteligibilidade do discurso decisório por ausência total de explicação da razão por que se decide de determinada maneira (falta de fundamentação), quer porque essa explicação conduzir logicamente a resultado oposto do adotado (contradição entre os fundamentos e a decisão), ou uso ilegítimo do poder jurisdicional em virtude de pretender resolver questões de que não podia conhecer (excesso de pronúncia) ou não tratar de questões que deveria conhecer (omissão de pronúncia)”.
XLVIII. No caso dos autos, a decisão em recurso violou a alínea d) do n.º 1 da disposição citada – “O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento” – pois que, o tribunal utilizou para fundamentar a sua convicção factos que não foram alegados pelas partes, o laudo pericial emitido pela Ordem dos Advogados que fixou o valor dos honorários totais no valor de 10.000,00€ (acrescidos de IVA) mas em sentido diverso do concluído por aquele parecer técnico, condenando o Réu no pagamento do peticionado pela Autora, ou seja, 12.500,00€ (acrescidos de IVA), e ainda por o Tribunal não se ter pronunciado sobre as questões que o Recorrente agora invoca e que entende consubstanciarem a excepção de ineptidão da causa de pedir.
XLIX. Ora, o Juiz apenas se pode pronunciar sobre questões ou conhecer de factos, em duas circunstâncias: quando tal lhe é imposto por lei, por ser de conhecimento oficioso ou, não sendo esse o caso, quando tal seja suscitado pelas partes – conforme artigos 3º e 5º do Código de Processo Civil.
L. Como consequência, devendo o tribunal conhecer de todas as questões que lhe são submetidas (art. 608º, n.º 2 do CPC), isto é, de todos os pedidos deduzidos e todas as causas de pedir e exceções invocadas e, bem assim de todas as exceções de que oficiosamente lhe cabe conhecer, o não conhecimento de pedido, causa de pedir ou exceção, desde que suscitada/arguida pelas partes cujo conhecimento não esteja prejudicado pelo anterior conhecimento de outra questão, constitui nulidade.
LI. Vertendo ao caso concreto, no que respeita às nulidades, apenas são de conhecimento oficioso as previstas pelo artigo 196º do Código de Processo Civil: “Das nulidades mencionadas nos artigos 186.º e 187.º, na segunda parte do n.º 2 do artigo 191.º e nos artigos 193.º e 194.º pode o tribunal conhecer oficiosamente, a não ser que devam considerar-se sanadas; das restantes só pode conhecer sobre reclamação dos interessados, salvos os casos especiais em que a lei permite o conhecimento oficioso.”
LII. Para além disso, ainda que a Autora não tenha alegado os factos que veio a declarar em sede de audiência de julgamento, nem tais factos resultem da fatura cujo pagamento é peticionado pela Autora, a verdade é que o tribunal a quo não deixou de considerar suficiente para a sua convicção “a cópia da factura de honorários e o descritivo dos serviços efectuados, que suporta essa factura, ambos juntos pela Autora”, descritivo de serviços, esses, que não foram alegados e que extravasam o descrito na fatura, o que por si só constitui erro de julgamento, o que se argui.
LIII. Mais, o tribunal a quo fundamentou a sua convicção no “laudo produzido pela Ordem dos Advogados, que foi favorável no que concerne à adequação do valor peticionado nestes autos a título de honorários, apenas restringindo o valor/hora.”
LIV. Porém, a verdade é que o laudo de honorários da ordem dos advogados concluiu o seu parecer técnico no sentido de não ser de “conceder laudo ao valor de honorários apresentado” e ainda assim o tribunal considerou o valor peticionado pela Autora totalmente procedente.
LV. Referindo ainda a sentença da qual se recorre também que “Complementarmente, ponderou-se o teor das declarações de parte produzidas pelo Dr. DD, enquanto sócio e gerente da Autora, que confirmou os serviços prestados e o contexto em que foi exercido o mandato, tendo concretizado, também, o valor/hora praticado pelo escritório, acima da média para a comarca de Lisboa, considerando a dimensão do escritório, sua localização e natureza dos serviços prestados.”
LVI. Assim, em primeiro lugar, no quanto ao Laudo diz respeito, atente-se que, salvo o devido respeito por aquele douto Tribunal a quo, não poderia o mesmo ter instrumentalizado” o Laudo junto aos autos, como forma de suprir a ineptidão do pedido da autora recorrida.
LVII. O “laudo” da Ordem dos Advogados reveste a natureza de “parecer técnico”, destinado a esclarecer o julgador e, como tal, encontra-se sujeito à sua livre apreciação, porém e como parecer técnico, não é apto a suprir uma deficiência de forma e conteúdo na posição activa do autor aqui recorrido o que determina que o seu valor probatório será sempre limitado e não apto a suprir deficiências imputáveis ao autor recorrido.
LVIII. E que o aqui importa é o caso concreto, até porque, desconhecendo ao autor do laudo a competência técnica da ora Recorrida, como poderá alegar que o mesmo terá usado mais ou menos horas, pois que o aqui está em causa e que fundamenta a condenação do recorrente nos exactos termos em que vem condenado, é o número de horas que terá sido despendido pelos ilustres advogados da Recorrida que justificassem o valor peticionado, sem que prova alguma se tenha feita nos autos sobre essa mesma questão controvertida ou tão pouco tenha sido tal facto alegado pela Recorrida.
LIX. É que nem mesmo o Laudo poderia servir de instrumento orientador (o que não se concebe), porquanto na acção não se alegou nem a Autora conseguiu provar o número de horas.
LX. Com efeito, o tempo despendido não é apenas "um critério", outrossim é um facto consubstanciador do direito - é, aliás, o único critério que beneficia da possibilidade de ser efectivamente computado, pois assiste-lhe uma concreta unidade de medida - a "hora" – de que se arroga titular o autor recorrido e, que por essa mesma razão, deveria ter sido provado nos autos, e como resulta claramente da douta sentença proferida, assim o não é.
LXI. Aliás, em sede de declarações de parte prestadas em audiência de julgamento, a instâncias da Meritíssima Juiz, a parte referiu o seguinte (Ficheiro 7041-19.2T8LSB-A_2024-10-03_09-51-08), no minuto 9:10):
Juiz: “Quando diz que estima as 80 horas, faz um lançamento interno? (…) Fizeram um apanhado de horas?”
DD - … (…) Os advogados que intervinham nos processos faziam uma folha de horas e diziam gastei tanto nisto e naquilo e depois as facturas eram elaboradas em função disso (…)” (…) “No caso dele foi numa base puramente horária para fixar honorários.”
LXII. Ora, sucede que, quer a factura, quer a time sheet junta aos autos pela Autora, não refere em lado algum número de horas de trabalho despendido no processo, nem o valor hora que a Autora cobrava aos clientes, naquela matéria que o próprio laudo refere ser de complexidade média.
LXIII. Pelo que não poderia o Tribunal concluir, como concluiu que “Complementarmente, ponderou-se o teor das declarações de parte produzidas pelo Dr. DD, enquanto sócio e gerente da Autora, que confirmou os serviços prestados e o contexto em que foi exercido o mandato, tendo concretizado, também, o valor/hora praticado pelo escritório, acima da média para a comarca de Lisboa, considerando a dimensão do escritório, sua localização e natureza dos serviços prestados.”
LXIV. No que se refere à matéria dada como provada pelo Tribunal “a quo”, resulta de prova pericial – o laudo emitido pela Ordem dos Advogados - junto aos autos, que a decisão proferida deveria ser necessariamente diferente.
LXV. Acresce que também que nunca foi junta aos autos, nota de honorários (mas apenas uma time sheet sem valor/hora, nem número de horas despendidas), devidamente elaborada e enviada ao recorrente. E na ação em que é pedido o pagamento dos honorários apenas os actos identificados na nota de honorários integram a causa de pedir.
LXVI. Ora, nos presentes autos, o Réu impugnou a recepção da nota de honorários, e na verdade, o documento junto pela autora recorrida não prova que a recepção existiu.
LXVII. Assim a recorrida não provou, por meio de forma documental a existência de uma nota de honorários que tenha interagido na esfera jurídica do réu recorrente e, que por assim o não provar, não poderá ser reconhecida a existência de uma nota de honorários válida juridicamente para o fim pretendido pela autora recorrida, sendo que, o documento junto pelo autor recorrido, não poderá nunca produzir os efeitos jurídicos pelo mesmo pretendido.
LXVIII. “4- A conta de honorários é enquadrável no conceito de documento essencial referido no art.º 590º nº 3 do CPC, ou seja, documento que por imposição legal é indispensável à prova de um facto ou factos que constituem pressuposto essencial da pretensão deduzida (ou da excepção invocada), impondo-se que o juiz, em acção de honorários, convide o autor a juntar aos autos essa conta de honorários.” In Ac. TR de Lisboa, Proc. 56285/17.9YIPRT.L1-6.
LXIX. Caso assim não se entenda, à cautela, sempre se dirá que, o laudo de honorários, emitido pela Ordem dos Advogados, nos termos do respectivo Estatuto e Regulamento dos Laudos configura o parecer técnico (o juízo pericial) respeitante à adequação dos honorários fixados aos serviços efectivamente prestados, ao qual os Tribunais devem recorrer nos casos em que seja relevante a determinação dessa adequação.
LXX. É que, “apesar de se tratar de um parecer e de estar sujeito à livre apreciação do julgador, o laudo emitido pela Ordem dos Advogados, sendo elaborado por profissionais do foro, é manifesto que não se lhe pode negar a autoridade de quem tem um conhecimento específico sobre a matéria, susceptível de aferir, com elevado grau, da razoabilidade e adequação do valor constante da nota de honorários; I.2-não sendo vinculativo e não podendo ser entendido como coercivo para o tribunal, a verdade é que do mesmo consta um entendimento que deve merecer a máxima atenção, dada a particular qualificação profissional e experiência dos membros que integram o Conselho Superior da OA que o proferiram e as regras deontológicas que presidem à sua actividade.” [c. do Tribunal Central Administrativo Norte de 15/03/19, proc. nº 00678/11.0BEPRT, disponível in www.dgsi.pt;]
LXXI. É este o entendimento também seguido no Ac. do STJ de 15/04/2015, Proc. 4538/09.6TVLSB.B.L1.S1, no qual se defendeu que “O laudo da Ordem dos Advogados está sujeito à livre apreciação do julgador. Porém, para determinação do seu valor probatório não pode deixar de se tomar em conta que foi elaborado por profissionais do mesmo ramo de atividade, eleitos pela assembleia geral da mesma Ordem, o que faz pressupor que possuem elevados conhecimentos técnicos para aferir, sob o ponto de vista económico, sobre o montante dos honorários devidos. (…) A credibilidade que merece o laudo de honorários, só deve ser posta em causa quando ocorram factos suficientemente fortes que abalem aquela credibilidade”[No mesmo sentido Ac. do STJ de 20/01/2010, Proc. 2173/06.OTVPRT.P1.S1, disponível in www.dgsi.pt]
LXXII. Assim, não existindo factos alegados dos quais decorra abalada esta credibilidade, sendo aliás o laudo solicitado a pedido do tribunal a quo não podia o tribunal aceitar senão o valor fixado naquele parecer técnico, o que não o fez.
LXXIII. Por fim, diga-se que a acção nunca poderia ser considerada totalmente procedente, porquanto, a Autora peticionou juros à taxa legal de 7% e o tribunal a quo condenou o Réu à taxa de juros civis, pelo que, nesta parte, sempre teria necessariamente de improceder.
LXXIV. Por outro lado, a dívida de honorários vence juros de mora sobre a quantia em que o devedor vier a ser condenado desde o recebimento da nota de honorários e não tendo a mesma sido recebida pelo Réu, apenas podem ser contabilizados desde a prolação da sentença, o que não se verificou, entendendo-se que, também nesta parte, teria sempre de improceder.
LXXV. Pelo que, o Tribunal a quo teria de considerar por não provado o Ponto 3 e 4 dos factos provados, concluindo-se pela ineptidão da petição inicial (art.º 615.º n.º 1, al. d) CPC) e pelo manifesto erro de julgamento na apreciação da prova (art.º 640.º CPC), com a consequente absolvição do Réu da instância.
Nestes termos, nos mais de Direito e sempre com o douto suprimento de V. Exas., deverá ser considerado procedente o presente recurso, revogando-se a sentença a que se recorre (…)”.
Contra-alegou a A. formulando a final as seguintes conclusões:
a) O despacho proferido no início da audiência de julgamento não padece de qualquer nulidade, sendo manifestamente intempestiva a sua invocação pelo Réu em sede de alegações de recurso;
b) Nos termos dos artigos 195.º, n.º 1, e 199.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, a nulidade de ato processual deve ser arguida no prazo de 10 dias após a intervenção da parte no processo, prazo que, no caso concreto, começou a contar a 15-10-2024 com a junção da procuração forense pela mandatária do Réu;
c) A intervenção processual da mandatária do Réu constitui ato relevante para o início do prazo de arguição de nulidades, não tendo o Réu cumprido o referido prazo, conforme jurisprudência consolidada.
d) Não existe qualquer nulidade relacionada com a realização da audiência de julgamento, pois competia ao recorrente providenciar pela constituição de novo mandatário em tempo útil, o que não fez.
e) Se o réu ficou sem mandatário na audiência, a ele próprio tal se deveu e não a qualquer acto ilegal ou indevido do tribunal, nem sequer a qualquer omissão deste.
f) O prazo de 20 dias estabelecido para a renúncia não é aplicável à revogação do mandato, uma vez que, na renúncia, a parte é 'surpreendida' pela intenção do mandatário de deixar de prestar os seus serviços forenses, tendo um prazo para constituir novo mandatário, mantendo-se, durante esse período, o mandato inicial
g) A revogação do mandato do mandatário do Réu na véspera da audiência não justifica o adiamento, sendo evidente que tal acto tinha como objetivo atrasar o normal andamento do processo.
h) Relativamente ao recurso da matéria de facto, a alegada ineptidão do requerimento de injunção foi sanada, dado que o Réu demonstrou, na contestação, compreender o sentido e alcance da causa de pedir, impugnando os factos e valores apresentados pela Autora.
i) A matéria de facto foi corretamente apreciada pelo Tribunal a quo, tendo por base a prova documental e testemunhal produzida, inexistindo qualquer erro de julgamento suscetível de alterar a decisão.
j) O Réu não apresentou qualquer prova suscetível de colocar em causa os serviços forenses prestados pela Autora, os valores apurados ou os critérios adotados pelo Tribunal.
k) O laudo da Ordem dos Advogados sobre o valor dos honorários constitui elemento de prova sujeito à livre apreciação do Tribunal, o qual fundamentou adequadamente a fixação do montante em 12.500,00€, acrescido de IVA, com base no valor/hora praticado pelo escritório da Autora e na complexidade dos serviços prestados.
l) O Tribunal a quo agiu corretamente ao condenar o Réu no pagamento de juros de mora à taxa legal aplicável aos juros civis desde a data de vencimento da fatura, em conformidade com o pedido formulado e com os preceitos legais.
m) Quanto aos juros de mora, não se verifica qualquer vício na sentença proferida, uma vez que o Tribunal a quo condenou o Réu ao pagamento de juros de mora à taxa legal aplicável aos juros civis, contados desde a data de vencimento da fatura.
n) O Tribunal a quo não condenou o Réu em quantidade superior nem em objeto diverso do que foi peticionado, respeitando assim o princípio do dispositivo consagrado no artigo 609.º do Código de Processo Civil
o) A eventual redução da taxa de juros de mora de 7% para 4% teria um impacto meramente residual nas custas processuais, sendo irrelevante para a procedência da ação”.
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Corridos os vistos legais, cumpre decidir:
II. Direito
Delimitado o objecto do recurso pelas conclusões da alegação - artigo 635.º, n.º 3, 639.º, nº 1 e 3, com as excepções do artigo 608.º, n.º 2, in fine, ambos do Código de Processo Civil - as questões a decidir são:
1 – saber se o despacho proferido no início da audiência de julgamento deve ser revogado;
2 – a nulidade da sentença;
3 – a improcedência total ou parcial da acção.
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III. Matéria de facto
O tribunal de primeira instância proferiu a seguinte decisão sobre a matéria de facto:
“1. Os factos
Discutida a causa, mostram-se provados os seguintes factos:
1. A Autora é uma sociedade civil de Advogados, que tem por objecto o exercício pelos sócios, em comum, da profissão de advogado.
2. O Réu foi patrocinado pela Autora, na pessoa do Dr. DD e da Dra. EE.
3. Esse patrocínio materializou-se na prestação de serviços de assistência jurídica no âmbito da resolução de um litígio entre o Réu e uma sociedade sua arrendatária, bem como da preparação e entrada do processo de despejo a que corresponde a acção declarativa ao qual os presentes autos estão apensos.
4. Na sequência da prestação dos serviços acordados, a Autora emitiu, com data de 23.01.2020, a factura n.º 21001, a título de honorários e despesas, no valor de € 15.375,00, IVA incluído.
5. O Réu entregou à Autora o valor de € 9.225,00.
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Não existem quaisquer outros factos provados, designadamente, qualquer dos alegados em sede de oposição.
A restante matéria dos articulados constitui alegação de Direito e/ou afirmações conclusivas.
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O Tribunal fundou a sua convicção no conjunto da prova produzida, devidamente analisada e ponderada, designadamente, na documentação constante dos autos, no laudo pericial emitido pela Ordem dos Advogados e nas declarações de parte do legal representante da Autora, da forma que a seguir se descreve.
Assim, valeram, desde logo, a cópia da factura de honorários e o descritivo dos serviços efectuados, que suporta essa factura, ambos juntos pela Autora; a factura, cuja existência e conteúdo não foram postos em causa pelo Réu, o descritivo, cujo teor o mesmo impugnou, sem, porém, oferecer ou produzir qualquer prova susceptível de infirmar o respectivo conteúdo.
Finalmente, também em abono da posição da Autora, valeu o laudo produzido pela Ordem dos Advogados, que foi favorável no que concerne à adequação do valor peticionado nestes autos a título de honorários, apenas restringindo o valor/hora.
Complementarmente, ponderou-se o teor das declarações de parte produzidas pelo Dr. DD, enquanto sócio e gerente da Autora, que confirmou os serviços prestados e o contexto em que foi exercido o mandato, tendo concretizado, também, o valor/hora praticado pelo escritório, acima da média para a comarca de Lisboa, considerando a dimensão do escritório, sua localização e natureza dos serviços prestados.
O Réu, por seu turno, não produziu qualquer prova, tendo-se limitado a colocar em causa os elementos probatórios oferecidos pela Autora”.
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IV. Apreciação
1ª questão: - do despacho proferido em acta.
Está garantido que o R. revogou o mandato ao seu mandatário, o qual comunicou isso mesmo ao tribunal e que em consequência não compareceria no julgamento marcado para o dia seguinte, e está garantido que o próprio R. comunicou, por email de 2.10.2024 e por requerimento em papel que entrou em tribunal no próprio dia do julgamento, ter revogado o mandato ao mesmo causídico.
A tese do recorrente é a de que “quando a parte, por efeito da revogação do mandato, deixa de ter advogado e, entretanto, não constituiu imediatamente novo mandatário, o regime aplicável é o da falta de constituição de advogado, previsto no artigo 41º do CPC, ou seja, “Se a parte não constituir advogado, sendo obrigatória a constituição, o tribunal, oficiosamente ou a requerimento da parte contrária, fá-la-á notificar para o constituir dentro de prazo certo, sob pena de o réu ser absolvido da instância, de não ter seguimento o recurso ou de ficar sem efeito a defesa.
É que “IX. A razão de ser do pressuposto processual plasmado no artigo 40º do CPC prende-se com a necessidade, em casos de maior valor, da actuação de profissionais munidos da preparação técnico-jurídica indispensável à defesa dos interesses das partes. E essa justificação é válida no início do processo como supervenientemente nas situações, como a presente, em que a parte deixa de estar representada por advogado”.
E não tendo sido concedido o prazo, “Em consequência, a falta de constituição de advogado constitui exceção dilatória, de conhecimento oficioso, que obsta a que o tribunal conheça do mérito da causa, dando lugar à absolvição da instância. (…) Termos em que deverá o recurso proceder e ser revogado o despacho de revogação constante na acta impugnada, substituindo-se aquele por outro que, ao abrigo do disposto no artigo 41º do CPC, ordenasse a notificação do faltoso para a constituição de mandatário dentro de determinado prazo”.
A recorrida sustenta que a concessão do “prazo de 20 dias estabelecido para a renúncia não é aplicável à revogação do mandato, uma vez que, na renúncia, a parte é 'surpreendida' pela intenção do mandatário de deixar de prestar os seus serviços forenses, tendo um prazo para constituir novo mandatário, mantendo-se, durante esse período, o mandato inicial”.
Como é manifesto, se “A razão de ser do pressuposto processual plasmado no artigo 40º do CPC prende-se com a necessidade, em casos de maior valor, da actuação de profissionais munidos da preparação técnico-jurídica indispensável à defesa dos interesses das partes”, o que o artigo 41º do Código de Processo Civil determina é a notificação da parte que não constitui advogado para o constituir em determinado prazo, sob pena, no caso do réu, de ficar sem efeito a defesa: - em suma, o réu não se pode defender por si mesmo, a lei entende que, nos processos em que é obrigatória a constituição de advogado, deve tornar-se consciente ao réu a sua fraca preparação e a sua queda em indefesa, mediante a respectiva notificação para constituir mandatário. Se, porém, a situação ocorre posteriormente? Se o réu deixa de ter advogado constituído? Será que a justificação se mantém?
A justificação – não tens capacidade para te defender por ti próprio – mantém-se, o que não se mantém, no caso da revogação do mandato pelo mandante, é a necessidade de conceder prazo para a constituição de novo mandatário. Porque o facto de ter advogado constituído já o faz ciente de que é obrigado a ter patrocínio, já o faz ciente da razão pela qual é obrigado a constituir advogado, presumindo a lei que esta ciência não abandona a parte quando resolve revogar o mandato, pela razão simples de que está ciente que está em curso o processo, qualquer que seja o seu estado. Ou seja, a gravidade ou a dificuldade do processo para a parte, está na sua consciência, de tal modo que, quando toma a decisão livre de revogar o mandato que outorgou ao seu advogado, tem obrigação de ponderar a necessidade de, de imediato, constituir outro, para se poder continuar a defender.
Muito diferente é o caso da parte ser surpreendida pela renúncia que o seu mandatário fizer ao mandato. Aí a parte fica inesperadamente sem defesa, e aí evidentemente deve conceder-se-lhe prazo para que arranje, procure, e selecione entre imensas opções disponíveis, novo mandatário. Em suma, o disposto no artigo 47º nº 3 do Código de Processo Civil só se aplica à renúncia do mandato e não à revogação do mandato.
Improcede esta questão.
2ª questão
Da nulidade da sentença:
Sustenta o recorrente que a sentença é nula nos termos da al. d) do nº 1 do artigo 615º do Código de Processo Civil, pois que “o tribunal utilizou para fundamentar a sua convicção factos que não foram alegados pelas partes, o laudo pericial emitido pela Ordem dos Advogados que fixou o valor dos honorários totais no valor de 10.000,00€ (acrescidos de IVA) mas em sentido diverso do concluído por aquele parecer técnico, condenando o Réu no pagamento do peticionado pela Autora, ou seja, 12.500,00€ (acrescidos de IVA), e ainda por o Tribunal não se ter pronunciado sobre as questões que o Recorrente agora invoca e que entende consubstanciarem a excepção de ineptidão da causa de pedir”.
“(…) devendo o tribunal conhecer de todas as questões que lhe são submetidas (art. 608º, n.º 2 do CPC), isto é, de todos os pedidos deduzidos e todas as causas de pedir e exceções invocadas e, bem assim de todas as exceções de que oficiosamente lhe cabe conhecer, o não conhecimento de pedido, causa de pedir ou exceção, desde que suscitada/arguida pelas partes cujo conhecimento não esteja prejudicado pelo anterior conhecimento de outra questão, constitui nulidade”.
Fundamentar a convicção com base em factos não alegados é questão relacionada com a prova, que se resolve em termos de impugnação da decisão sobre a matéria de facto, não se confundindo factos, nem enunciações de convicção, com questões suscitadas pelas partes às quais o tribunal tem de responder. Não há nulidade por omissão de pronúncia, neste caso. Também não, no caso de se decidir em contrário ao laudo pericial, caso em que, ou se volta a estar perante erro de julgamento em matéria de facto, ou perante erro de julgamento em matéria de direito.
Não conhecer o tribunal recorrido de uma excepção que a parte não invocou, e que invoca em recurso que devia ter sido conhecida porque era de conhecimento oficioso, rectius, porque entende que sendo de conhecimento oficioso, a excepção se verificava, volta a não constituir qualquer nulidade da sentença, porque era preciso demonstrar que a excepção, concretamente, de ineptidão da petição inicial, se verificava. Quando o réu se defendeu dizendo precisamente que tinha pedido à autora a indicação do número de horas trabalhadas e o valor/hora dos honorários e que ela não lho tinha servido, quando o tribunal mandou a Autora juntar nota discriminativa dos serviços prestados, e quando, como se vê do laudo pericial, o valor hora e o número de horas trabalhadas é um factor relevante mas não é nem o mais relevante nem decisivo, de tal modo que a própria Ordem considerou que para os serviços descritos, o número de horas trabalhadas seria de 50 e o valor hora de 150 euros, já se vê que de todo era evidente, para o tribunal recorrido, que ocorresse a referida excepção de ineptidão da petição inicial. Em consequência, não se verifica qualquer nulidade da sentença.
Da impugnação da decisão sobre a matéria de facto:
Pretende o recorrente que se deem com não provados os factos provados sub 3 e 4, a saber:
3. Esse patrocínio materializou-se na prestação de serviços de assistência jurídica no âmbito da resolução de um litígio entre o Réu e uma sociedade sua arrendatária, bem como da preparação e entrada do processo de despejo a que corresponde a acção declarativa ao qual os presentes autos estão apensos.
4. Na sequência da prestação dos serviços acordados, a Autora emitiu, com data de 23.01.2020, a factura n.º 21001, a título de honorários e despesas, no valor de € 15.375,00, IVA incluído”.
Dúvidas algumas pode haver que o facto provado 4 assim deve permanecer, porquanto é o próprio R. que a admite que a factura foi emitida: - artigo 10º da contestação, o que lhe permitiu fazer as considerações que fez sobre a mesma factura – veja-se o artigo 20º da contestação.
Relativamente ao facto provado 3, o recorrente sustenta que a factura não tem a descrição dos trabalhos efectivamente executados, nem o tempo, nem o valor hora, sendo que tais factos são essenciais e não foram alegados no articulado inicial, e conclui que “XXII. De facto, a Autora não verteu no requerimento injuntivo uma alegação detalhada e completa dos factos que dão origem à fatura peticionada nos presentes autos, sendo que os honorários dos advogados devem ser fixados de acordo com os critérios consagrados no artigo 1158, n.º 2 do C.C. e atendendo ao disposto no artigo 105.º EOA e ao Regulamento sobre os honorários de advogado. XXIII. Verifica-se, assim, a ineptidão do requerimento injuntivo, por falta de indicação de causa de pedir, uma vez que o requerente para além de não ter invocado os serviços realmente prestados, da factura junto aos autos e que o tribunal considerou como provado, não só não contém o descritivo dos trabalhos, como também não identifica o número de horas despendidas e o valor hora cobrado ao Cliente naquele tema. (…) XXV. Como é sabido, a ineptidão da petição ou requerimento inicial geram nulidade de todo o processado, e esta constitui uma exceção dilatória insuprível, que dá lugar à absolvição do réu da instância – art.ºs 186º, nºs 1 e 2; 278º, nº 1, al. b); 576º, nºs 1 e 2; e 577º, al. b), todos do CPC”.
A questão da ineptidão da petição inicial é uma questão de direito que nada tem com a prova dos factos, ou melhor, que em nada altera, ou obriga a dar como não provados, os factos provados. São coisas completamente diferentes.
Onde o recorrente vê a ineptidão é na falta de alegação dos serviços realmente prestados e do número de horas despendidas e o valor hora cobrado ao Cliente, mas o facto terceiro não fala sobre o número de horas nem sobre o valor hora, nada resultando provado no facto terceiro que deva ser alterado porque não foi feita essa indicação. É que, “prestação de serviços de assistência jurídica no âmbito da resolução de um litígio entre o Réu e uma sociedade sua arrendatária, bem como da preparação e entrada do processo de despejo”, que são os serviços definidos no facto provado 3, tanto pode ocorrer em quatro ou vinte e seis horas, ou noutro número qualquer. E, mesmo relativamente à prestação de serviços de assistência jurídica, nem o réu disse que não recorreu aos serviços da sociedade autora, nem que não teve litígio com um seu inquilino, nem que não precisou de assistência jurídica, nem que a autora não elaborou a acção nem a fez entrar em juízo, ou seja, é claro que foram mesmo prestados serviços de assistência jurídica e que foi preparado e entrado processo de despejo. O facto provado 3 em nada falta à verdade.
Questão diversa é a de saber se o facto provado 3 é suficiente para fundamentar a decisão de direito do tribunal recorrido, de condenar integralmente o Autor.
Em suma, improcede a impugnação da decisão sobre a matéria de facto.
Verificando-se, todavia, que da matéria de facto não consta o resultado do laudo pericial, acrescentamos oficiosamente à mesma matéria o seguinte facto:
“Ponderando além do mais o discriminativo dos serviços prestados, que a Autora juntou aos autos do requerimento refª Citius 41489959, o Conselho Distrital da Ordem dos Advogados de Lisboa emitiu laudo de honorários, em que concluiu “Por todo o exposto, considerando os serviços prestados pela sociedade de advogados Requerida, e a aplicação dos critérios enunciados no artº 105º do EOA, somos de parecer que não será de conceder laudo ao valor de honorários apresentado de 12.500,00€, mas já o seria se este valor fosse de 10.000,00€, acrescidos de IVA à taxa legal”.
*
Da improcedência total ou parcial do pedido:
Já atrás adiantámos o que pensamos quanto à invocada ineptidão da petição inicial. Mas acrescentaremos ainda que o R. não invocou a ineptidão da petição inicial na sua contestação, afirmou faltar a indicação dos serviços realmente prestados e a discriminação de tempo e valor hora – o que é basicamente o mesmo que o leva agora a invocar a ineptidão – o tribunal determinou a junção da nota de honorários, seguidamente determinou a junção de discriminação dos serviços prestados, o A. teve oportunidade de se pronunciar e pronunciou-se, designadamente impugnando, por desconhecimento, a descriminação dos serviços. Ora, independentemente de se poder conceber a invocação da ineptidão da petição inicial de honorários quando os serviços prestados não estão descriminados e não são indicados o tempo de trabalho e o valor hora de trabalho, o facto é que, quanto à descrição dos serviços, ela aportou aos autos e foi objecto de contraditório, donde a eventual ineptidão considera-se sanada, por aplicação do lugar paralelo do artigo 186º nº 3 do Código de Processo Civil. Quanto à indicação do tempo e valor hora, como resulta do artigo 105º do Estatuto da Ordem dos Advogados, aprovado pela Lei n.º 145/2015, de 9 de setembro - “(…) 2 - Na falta de convenção prévia reduzida a escrito, o advogado apresenta ao cliente a respetiva conta de honorários com discriminação dos serviços prestados. 3 - Na fixação dos honorários deve o advogado atender à importância dos serviços prestados, à dificuldade e urgência do assunto, ao grau de criatividade intelectual da sua prestação, ao resultado obtido, ao tempo despendido, às responsabilidades por ele assumidas e aos demais usos profissionais” – o tempo despendido é apenas um dos critérios que deve ser atendido para a fixação de honorários, não resultando da norma que esse critério seja essencial nem que a sua base factual tenha de ser comunicada ao cliente. De resto, no que toca ao valor hora, nem é referido no preceito, até porque, como é claro, dependendo do estilo do foro, e dependendo até da localização de cada escritório, e do seu maior ou menor prestígio, é perceptível, objectivamente, para o público cliente alvo, o menor ou maior valor do tempo de trabalho por hora.
Nem do artigo 5º do Regulamento nº 40/2005 – Regulamento dos Laudos de Honorários – resulta a imprescindibilidade de indicação do tempo de trabalho e do valor hora:
“1 - A conta de honorários deve ser apresentada ao cliente por escrito, mencionar o IVA que for devido e ser assinada pelo advogado ou por ordem e responsabilidade do advogado ou da sociedade de advogados.
2—Os honorários devem ser fixados em euros, sem prejuízo da indicação da sua correspondência com qualquer outra moeda.
3—A conta deve enumerar e discriminar os serviços prestados.
4—Os honorários devem ser separados das despesas e encargos, sendo todos os valores especificados e datados.
5—A conta deve mencionar todas as provisões recebidas.
6— (…)”.
Em suma, não existindo obrigação legal de enunciação do tempo e valor hora de trabalho, e verificando-se de resto que a falta destes elementos fez parte da defesa, e que a defesa essencialmente se jogou na argumentação de que o valor de honorários facturado era excessivo, estamos em crer que não ocorre qualquer ineptidão da petição inicial, em termos tais que tivesse impedido o R. de se defender.
Se os factos apurados permitem a procedência da acção, total ou parcial:
A improcedência da excepção dilatória de ineptidão da petição inicial não inibe que se possa agora perguntar se a acção devia ter improcedido, ou pelo menos em parte.
Os factos são suficientes? Suficientes para quê? Suficientes para que a prestação de serviços apurada – ainda que nos factos provados não se descrevam os serviços que foram indicados na discriminação – possa ser aferida pelo tribunal como “valendo” o valor que a recorrida lhe atribuiu e verteu na factura. Porque aquilo que nos preocupa, em termos de solução de direito, é precisamente esta relação, o descrito em 3 dos provados, vale o preço pedido em 4?
Contrariamente ao que considerou a sentença - Apesar de para tal ter sido interpelado, validamente, o Réu não liquidou a quantia em dívida nem invocou, com sucesso, qualquer facto impeditivo, modificativo ou extintivo do cumprimento de tal obrigação – o R. tem pelo menos a seu favor o laudo, que diz, embora noutros termos, que o valor facturado é excessivo. O laudo seria concedido aos dez mil euros mais IVA, mas não aos doze mil e quinhentos euros mais IVA que foram facturados: - dois mil e quinhentos euros a mais, sem justificação.
É absolutamente uniforme que os laudos não são vinculativos. Porém, são prova especialmente qualificada, o que significa que se o tribunal, ainda que em sede de fundamentação de direito, divergir deles, terá de ter apoio em factos que lhe permitam mais valorar a prestação dos serviços relativamente aos quais é pedido um preço excessivo ao do laudo. Ora, no caso concreto, é manifesto que isso não acontece.
De modo que, perante um excesso do valor facturado, o que se pode dizer é que não há um fim económico que justifique o exercício do direito do mandatário à exigência do seu respectivo pagamento, e que do mesmo modo viola a boa-fé tal exigência.
Haverá, pois, abuso do direito, nos termos do artigo 334º do Código Civil – neste sentido, veja-se o acórdão desta Relação de 9.7.2015 proferido no processo 1223/12.5TBMTJ.L1-6, relatado pela Exmª Senhora Desembargadora aqui segunda adjunta.
O abuso do direito é de conhecimento oficioso.
Consequentemente, não pode proceder a condenação total do R e recorrente, deve a mesma ser limitada aos dez mil euros mais IVA que o laudo reconheceu como adequados.
Procede assim em parte o recurso, devendo reduzir-se a condenação em dois mil e quinhentos euros.
Quanto aos juros de mora, não sendo confirmado o valor constante da factura apresentada, só podem contar-se, transitado que seja este acórdão, a partir da data em que a nova factura, pelo valor agora concedido, for apresentada a pagamento – neste sentido, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça proferido em 15.05.2024 no processo 535/08.7TBCHV-B.G1.S1 (Rel. Conselheiro António Magalhães).
Procede parcialmente o recurso. A percentagem de condenação em custas em primeira instância deve reflectir a condenação resultante do presente acórdão. Por outro lado, tendo no recurso decaído ambas as partes, ambas são responsáveis pelas custas - artigo 527º nº 1 e 2 do Código de Processo Civil. Assim, tanto em primeira instância quanto em segunda instância, fixam-se as custas na proporção de 60% para o o R. e recorrente e 40% para a A. e recorrida.
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V. Decisão
Nos termos supra expostos, acordam os juízes que compõem este colectivo da 6ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa em conceder provimento parcial ao recurso e em consequência revogam a sentença recorrida, que substituem pelo presente acórdão que julga a acção parcialmente procedente por provada, condenando o Réu a pagar à Autora a quantia de €3.650,00 (três mil, seiscentos e cinquenta euros), acrescida de juros de mora, à taxa legal para os créditos civis, desde a data em que, após o trânsito em julgado do presente acórdão, vier a apresentada a pagamento ao R. a correspondente factura, e até integral pagamento.
Custas por ambas as partes, na proporção de 60% para o Réu e recorrente e de 40% para a Autora e recorrida.
Registe e notifique.

Lisboa, 26 de Junho de 2025
Eduardo Petersen Silva
Adeodato Brotas
Anabela Calafate
Processado por meios informáticos e revisto pelo relator.