COMPROPRIETÁRIO
USO ILÍCITO
INDEMNIZAÇÃO
Sumário

Sumário (a que se refere o artigo 663º nº 7 do CPC e elaborado pelo relator):
Não é possível atribuir a comproprietário não privado de uso da coisa pela utilização exclusiva dela, para o fim dela, feita por outro comproprietário, nos termos do artigo 1406º nº 1 do Código Civil, uma compensação monetária, por apelo à decisão por equidade prevista no artigo 1407º nº 2 do Código Civil, quando o pedido que foi feito foi de uma indemnização pelo uso ilícito da coisa comum, e este uso ilícito não se provou.

Texto Integral

Acordam os juízes que compõem este colectivo da 6ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

I. Relatório
AA instaurou a presente acção declarativa contra BB, seu irmão, ambos nos autos m.id., peticionando a final a condenação do Réu a:
“a) Deixar de habitar e a desocupar o Imóvel, não podendo fazer dele a sua residência;
b) A permitir que o Imóvel seja utilizado pela A. de modo igual;
c) No pagamento à A. de um valor mensal correspondente a metade (1.000,00 €) da renda mensal (2.000,00 €) que seria possível de obter pelo arrendamento a terceiros do Imóvel e que corresponde, pelo menos, ao prejuízo da A. resultante da conduta abusiva e ilícita do R. (i) desde outubro de 2021 até à presente data, que se liquida em 8.000,00 €, e (ii) desde a presente data até à data de desocupação efetiva do Imóvel à referida taxa mensal de 1.000,00 €, a que acrescem juros de mora vencidos e os vincendos até integral pagamento e, bem assim, juros à taxa anual de 5% nos termos do disposto no n.º 4 do art. 829.º-A do Código Civil;
d) No pagamento, nos termos do n.º 1 do art. 829.º-A do Código Civil, de uma sanção pecuniária compulsória por cada dia de atraso no cumprimento do disposto nas alíneas a) e b) supra, enquanto o R. continuar a ocupá-lo como sua residência e impedir que seja utilizado pela A. de modo igual. Afigura-se que a sanção pecuniária compulsória dever ser fixada, segundo critérios de equidade, no valor equivalente ao triplo da renda diária do Imóvel (2.000,00 € / 30 dias X 3), isto é, 200,00 € por cada dia de atraso, dos quais metade destina-se ao Estado e a outra metade à A.”.
Em síntese, alegou que a mãe da A. e do R. lhes doou em 2016 uma moradia, da qual desde então, são os únicos proprietários, em comum e sem determinação de parte ou direito. A moradia em questão é indivisível. As partes estão em desacordo quanto à utilização do imóvel, querendo a A. vender ou arrendar a terceiros, e o R. não, sendo que este, desde Outubro de 2021, se mudou para o imóvel, ocupando-o sem autorização da A. e impedindo a utilização em proveito comum, não querendo sequer compensar a A. Já foi intentada acção de divisão de coisa comum, que está pendente.
Após diversas diligências para se conseguir a citação do R., este contestou, pugnando pela improcedência da acção, alinhando em síntese a existência de áreas autónomas na moradia, que não ocupa integralmente, não ocorrendo que a sua utilização impeça a A. de utilizar a moradia, nem lhe sendo, consequentemente, devida qualquer compensação.
A A. respondeu, pugnando a final pela condenação do R. como litigante de má-fé.
O R. pronunciou-se novamente, requerendo a condenação da A. como litigante de má-fé.
Frustrada tentativa de conciliação, foi proferido despacho saneador e fixado à acção o valor de €276.010,00.
Após diligências instrutórias, procedeu-se ao julgamento, sendo de seguida proferida sentença de cuja parte dispositiva consta:
Tudo visto e ponderado, decide este Tribunal julgar a presente ação parcialmente procedente, e, em consequência, condenar o Réu:
a) a permitir que o imóvel seja utilizado pela Autora do mesmo modo que o Réu; e
b) no pagamento à Autora de um valor mensal correspondente a metade (1.000,00 €) da renda mensal (2.000,00 €) que seria possível obter com o arrendamento, a terceiros, do imóvel e enquanto o Réu ocupar o imóvel, com exclusividade, desde a data da citação do Réu (8 de novembro de 2022) até à data de desocupação efetiva do imóvel que venha a ocorrer, a que acrescem juros de mora vencidos e os vincendos, desde essa mesma data e até integral pagamento;
e absolver o Réu do demais peticionado pela Autora;
e, bem assim, absolver cada uma das partes do pedido de litigância de má fé deduzido contra si pela parte contrária.
Custas pela Autora e pelo Réu na proporção do respetivo decaimento - art. 527º, nºs 1 a 3, do citado Código de Processo Civil”.
*
Inconformado, o Réu interpôs o presente recurso, formulando, a final, as seguintes conclusões:
A. O tribunal a quo, decidindo por critérios de equidade, proferiu sentença que condenou o réu ao pagamento de uma compensação mensal de 1.000,00 € à autora pela utilização do imóvel (…) de que o réu é comproprietário com a autora, em partes iguais, por doação da mãe de ambos.
B. Porém, o réu aqui recorrente nunca impediu a autora de também usar o imóvel; e o facto do réu residir no imóvel não impede materialmente a autora de também o fazer, como aconteceu no passado em que todos viveram no local.
C. A autora quer sair da situação de compropriedade, para o que já instaurou ação apropriada, de divisão de coisa comum – o processo 10101/22.9T8SNT que está a correr termos pelo juízo Local Cível de Mafra.
D. Mas para abreviar o efeito que pretende com aquela ação, e forçar uma decisão favorável ao seu interesse, ainda que não tenha qualquer intenção de o utilizar ou arrendar o imóvel, como resultou da prova, instaurou o presente processo; a autora apenas pretenda que o recorrente, que é comproprietário, não use o imóvel ou que a compense pela utilização que faz dele como se o arrendasse.
E. O recorrente entende que não deve pagar pela utilização que faz do imóvel, pois essa utilização é-lhe permitida e decorre do seu direito, nos termos do art. 1406.º n.º 1 do Código Civil, pois não emprega o imóvel para fim diferente daquele a que se destina e não impediu a autora consorte, de também o utilizar, e apenas o utiliza com exclusividade, porque a autora não o quer utilizar. Revertendo,
F. A autora e o réu são, em comum, os únicos proprietários do imóvel sito na (…), que lhes foi doado pela mãe dos ambos.
G. A autora instaurou a presente ação pedindo que o réu fosse condenado a (i) deixar de ocupar o imóvel (ii) a permitir que o imóvel fosse usado pela A. (iii) a pagar à autora 1.000,00 mensais até à desocupação do imóvel (iv) no pagamento de uma sanção pecuniária compulsória.
H. Por (douta) sentença proferida pelo Tribunal a quo foi a ação instaurada pela autora foi julgada parcialmente procedente e o réu foi condenado a:
(…)
I. Com o devido respeito, não decidiu bem o (douto) Tribunal a quo;
J. No contexto do presente recurso veja-se a especial relevância de ter sido julgado provado:
1. Por escritura de doação outorgada em 9-12-2016, a mãe dos ora Autora e Réu declarou doar-lhes, por conta da sua quota disponível, em partes iguais e livre de ónus ou encargos, o prédio urbano, sito na (…); tendo, aqueles Autora e Réu, declarado aceitar a doação.
10. A Autora propôs ao ora Réu que colocassem o imóvel à venda (…) correspondendo, essa pretensão de venda a terceiros, o único destino que a Autora pretende dar à moradia.
12. Desde outubro de 2021, o Réu passou a habitar ininterruptamente no imóvel.
19. A ora Autora propôs, contra o aqui Réu, ação de divisão de coisa comum incidente sobre o imóvel objeto destes nossos autos, ação que se mostra distribuída ao Juízo Local Cível de Mafra deste Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste sob o nº 10101/22.9T8SNT.
21. A ora Autora casou com CC em …/…/1997 e, com o consentimento dos pais de Autora e Réu, o casal passou a viver com exclusividade no último andar do imóvel, ou seja, no sótão.
22. Para esse efeito, a ora Autora e seu marido realizaram as obras que acharam convenientes e que se mostraram possíveis.
23. O casal residiu nesse local durante sete anos; tendo mudado de residência por altura do nascimento do terceiro filho, por decisão própria.
30. A outra parte da casa era utilizada pelos pais de Autora e Réu, enquanto vivos e pelo Réu, pelo menos, até cerca do ano de 2006.
31. Embora tivesse residência própria, até ao falecimento de sua mãe, o aqui Réu permanecia, com pernoita, na casa em questão nos autos, concretamente, algumas noites, quando ambos os pais eram vivos; e muitas vezes, aos fins-de-semana, após a morte de seu pai.
K. E, principalmente, ter resultado não provado que:
1. O ora Réu impede a aqui Autora de usar o imóvel em apreço nos autos concretamente para habitação desta.
2. A ora Autora pretende dar o imóvel objeto dos autos, de arrendamento a terceiros e o Réu, com a sua conduta, impede a Autora de o fazer.
L. Sobre este conjunto de factos provados e não provados, refere o tribunal a quo:
“E a verdade é que, no caso dos autos, a Autora (comproprietária) manifestamente não pretende usar a moradia para habitação (independentemente dos cómodos mais ou menos autónomos de que esta dispõe) ou para qualquer outro fim, como o arrendamento a terceiro ou outro.
Conforme apurado em sede de julgamento, a Autora apenas pretende dispor do seu direito de compropriedade, vendendo a moradia em apreço; não pretendendo usá-la ou dela fruir, concretamente, por meio de arrendamento. Portanto, não logramos concluir que, ao residir, com exclusividade, na moradia, sem o acordo da Autora, mas, também, sem que esta pretenda usufruir do imóvel por qualquer outra via, como fosse o uso direto, o arrendamento a terceiro ou outro, o Réu esteja a violar direito da Autora cuja consequência seja a obrigação de deixar de ocupar o imóvel de que é comproprietário.”
e
“Depois, a Autora pede que o imóvel seja utilizado pela Autora de modo igual; o que se trata de pretensão concreta de difícil perceção, pois que a Autora revela não pretender fazer qualquer uso do imóvel; ou então a Autora quer que se lhe reconheça o mesmo direito de usar o imóvel tal como pretende que o Réu o faça; que é não o usar, desocupando-o (como pede), de forma que nenhum dos dois usaria o imóvel.
Acresce que não se mostra apurado que o Réu, ao residir no imóvel, impeça a Autora de residir no mesmo imóvel.
Nestes termos não se vê que este pedido, deva improceder, pois que a Autora tem, por referência ao direito do Réu, o mesmo direito de usar o imóvel; se bem que essa possibilidade de uso não haja merecido oposição do Réu, nem a Autora pretenda, na verdade, beneficiar desta faculdade.”
M. Da apreciação crítica da prova resulta de forma inequívoca que o réu não impede o uso do imóvel pela autora; o réu apenas utiliza exclusivamente imóvel porque a autora não o quer também usar; o réu ao residir no imóvel não impede a autora de residir no mesmo imóvel, tanto que já residiram todos no passado no mesmo imóvel; a autora também não quer arrendar o imóvel; a autora não tem para o imóvel outro destino que não seja a venda – o que é claramente constatado pelo (douto) Tribunal a quo;
N. De acordo com as regras da experiência, e como o devido respeito, se o autor não impede o uso do imóvel pela autora, nos termos sobreditos, não é então correta (com a devida vénia) a conclusão do (douto) Tribunal a quo de que o réu “comportar-se como se fosse proprietário exclusivo, privando, no caso, a Autora, de retirar quaisquer benefícios da sua compropriedade”.
O. É com base nesta conclusão - salvo o devido respeito, errada - de que o réu se comporta como se fosse o proprietário exclusivo do imóvel, privando, a Autora, de retirar quaisquer benefícios da sua compropriedade, que o (douto) Tribunal a quo, decide a causa por critérios de equidade, nos termos do art. 1407.º n.º 2 do Código Civil, e atribui à autora uma compensação de 1.000,00 mensais e juros desde a citação e enquanto o réu utilizar o imóvel comum.
P. Com o devido respeito e a devida vénia, o (douto) tribunal a quo cita arestos sobre casos que não são análogas ao dos autos, e sustenta-se numa conclusão desacertada para forçar a aplicação do artigo 1407.º, n.º 2, do Código Civil, quando a realidade factual e jurídica determina, antes, que esta disposição não é aplicável para a solução das questões em apreciação.
Q. Salvo o devido respeito e a devida vénia, a causa não devia ter sido decidida com base em juízos de equidade, mas sim de acordo com critérios estritos de legalidade;
R. Nos termos do artigo 1406.º, n.º 1, do Código Civil, qualquer comproprietário, na falta de acordo sobre o uso da coisa comum, pode servir-se dela, contanto que o não empregue para fim diferente daquele a que se destina e que não prive os outros consortes do uso a que igualmente têm direito.
S. Da prova resulta inequívoco, que o recorrente nunca impediu a autora de exercer o seu direito sobre o imóvel, nem alterou a sua afetação; bem assim, resulta da prova produzida que a autora não pretende utilizar o imóvel para fins de habitação ou arrendamento.
T. Não ficou demonstrado qualquer facto que pudesse justificar a fixação de uma compensação ao abrigo do regime da compropriedade.
U. Com o devido respeito, o tribunal a quo, com a sua interpretação desvirtua a essência da compropriedade, transmutando-a numa ficção locatária, imputando ao recorrente uma obrigação de pagamento sem qualquer enquadramento legal.
V. A douta decisão recorrida, salvo o devido respeito, adultera o sentido normativo do artigo 1406.º, n.º 1, do Código Civil, ao dispor que “Na falta de acordo sobre o uso da coisa comum, a qualquer dos comproprietários é lícito servir-se dela”, ao acrescentar, verdadeiramente, à norma que o comproprietário que se sirva do bem comum pagará a utilização que faça desse bem aos outros consortes, pelo valor de mercado - interpretação que, com o devido respeito, não resulta da letra nem do espírito da norma.
W. A douta sentença, ao adotar como critério o valor locativo do imóvel, desconsidera o facto de que a autora nunca teve intenção de o arrendar, impondo ao recorrente um encargo de a compensar como se o imóvel fosse arrendado.
X. A (douta) decisão do tribunal a quo contraria a jurisprudência dominante, segundo a qual a utilização exclusiva do imóvel por um comproprietário apenas gera obrigação de compensação quando dela resulte numa privação efetiva e ilegítima do outro comproprietário, o que manifestamente não se verifica nos autos; a fixação da compensação carece de um pressuposto essencial, que é a demonstração de um prejuízo concreto para a autora, que não foi provado.
Y. Com a devida vénia, entende o recorrente que a decisão recorrida deve ser revogada, por não se verificar qualquer fundamento que justifique a compensação fixada pelo tribunal a quo, apenas exercendo o recorrente o seu direito de compropriedade nos termos da lei, não impedindo a autora de fazer o mesmo.
Z. Subsidiariamente, caso se entendesse que deveria ser fixada alguma compensação à recorrida, o que apenas se admite por mera cautela de patrocínio, a mesma não poderia deixar ter um montante meramente simbólico, à luz dos princípios da equidade dada a ausência completa de prejuízo efetivo para a autora.
AA. E sendo o caso (e com a devida vénia) a contagem dos juros deverá iniciar-se a partir de cada mês em que seja devida alguma compensação e não todo o valor que seja devido, desde a citação.
Termos em que, pelos fundamentos que antecedem e com o mui douto suprimento desse Venerando Tribunal, deverá o recurso merecer provimento, ser revogada a sentença proferida e substituída por outra que absolva o réu de todo o pedido, ou, subsidiariamente, atribua à recorrida uma compensação de valor meramente simbólico (…)”.
*
Contra-alegou a Autora no recurso interposto pelo R., pugnando pela improcedência do recurso.
*
Também inconformada, a Autora interpôs recurso, formulando, a final, as seguintes conclusões:
1. O presente recurso vem interposto da sentença proferida mas apenas na parte do decisório contido na alínea b) em que se decidiu condenar o Réu: no pagamento à Autora de um valor mensal correspondente a metade (1.000,00 €) da renda mensal (2.000,00 €) que seria possível obter com o arrendamento, a terceiros, do imóvel e enquanto o Réu ocupar o imóvel, com exclusividade, desde a data da citação do Réu (8 de novembro de 2022) até à data de desocupação efetiva do imóvel que venha a ocorrer, a que acrescem juros de mora vencidos e os vincendos, desde essa mesma data e até integral pagamento;
2. Mais concretamente, o objeto do recurso versa sobre o momento a partir do qual o Tribunal recorrido decidiu que devia condenar o Recorrido no pagamento do citado valor mensal.
3. Para o efeito, entende o Tribunal a obrigação de compensação “mostra-se constituída seguramente na data em que foi citado para a presente ação, data a partir da qual fica certo para o Réu que a Autora exige deste uma quantia em dinheiro correspondente a metade do valor locativo do imóvel pela habitação, exclusivamente pelo Réu, do imóvel em apreço (8 de novembro de 2022). Em suma, o Tribunal “a quo” considera que é com a citação que o Réu ficou constituído naquela obrigação, pois é o momento em que terá ficado certo “para o Réu” que a Autora exige deste uma quantia em dinheiro correspondente a metade do valor locativo do imóvel pela habitação, exclusivamente pelo Réu, do imóvel em apreço”.
MATÉRIA DE FACTO A ADITAR
4. Antes de mais, e a título de matéria de facto provada, o Tribunal não valorou e, por isso, desconsiderou, a comunicação da Autora de 26 de novembro de 2021, isto é, cerca de um ano antes da citação do Réu. Trata-se do Documento n.º 4 junto com a resposta à contestação que, obviamente, não foi impugnado pelo Réu, na qual a Autora lhe transmitiu o seguinte:
“(…)
Boa noite BB
Creio que não temos sabido gerir convenientemente alguns temas relacionados com a casa dos pais, sabendo que se trata de um assunto penoso mas que sobretudo não nos deve dividir nem afastar, pois que, com a morte do pai e depois da mãe, só nos temos a nós como irmãos e deveremos fazer tudo para continuar a ter a boa relação que sempre temos tido e, estou certa, continuaremos a ter.
Gostaria que ponderássemos conjuntamente o que fazer com a casa de forma justa e equitativa para ambos. Da minha parte, sabes que a melhor solução é vender a casa e repartir entre nós, de igual forma, o produto da venda; sendo que não tenho qualquer interesse em eventual arrendamento a terceiros, ainda por cima com as complicações que daí podem advir.
Por outro lado, não estou de acordo com a tua eventual mudança para a casa, quer porque já tens a tua própria casa, como eu, quer porque acabaria por ser uma solução injusta e desequilibrada para mim, apesar de termos iguais direitos.
Peço-te que ponderes sobre isto, para depois acertarmos a melhor maneira de resolver este assunto, na certeza que a solução que encontrarmos em conjunto será necessariamente a melhor para ambos”.
5. Temos assim por assente, por força da não oposição do Recorrente nas suas peças processuais, que a referida comunicação:
a) Foi enviada pela Autora e recebida pelo Réu e b) E a mesma assim como o seu teor, não foi impugnado pelo Réu.
6. Pelo que, por força do disposto no art. 607º, nºs. 4 e 5, do CPC, deve ser dado por assente, por acordo das Partes, que:
A Autora enviou, no dia 26 de novembro de 2011, a comunicação de correio eletrónico cuja cópia se encontra junta como Documento n.º 4 à resposta à contestação, que o Réu recebeu em igual data.
7. Devendo esta factualidade, com a redação sugerida ser aditada à matéria de facto dada como assente na sentença recorrida, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 662.º, n.º 1, do CPC.
FUNÇÃO DA CITAÇÃO
8. Por outro lado, a função da citação encontra-se estabelecida no n.º 1 do art. 219º do CPC.
9. Sendo que é inequívoco que obrigação de indemnizar pelo lesante que tem, como correspetivo, o direito do lesado a ser indemnizado constituem-se com a verificação dos vários pressupostos legais de que depende a responsabilidade civil, a saber: Prática de facto ilícito, a culpa do agente, o dano e o nexo de causalidade entre o facto e o dano; sendo seguramente irrelevante a data da realização da citação.
10. Por outro lado, ainda a título de enquadramento, temos ainda o seguinte contexto processual relativo à citação do Recorrido: (i) a ação sub judice foi interposta a 22-6-2022; (ii) a primeira tentativa de citação do Réu foi promovida a 13-7-2022 mas frustrou-se por motivos a que o Tribunal e a Autora são alheios e (iiii) a citação do Recorrido só foi possível através de agente de execução no dia 8-11-2022, isto é, 5 meses depois.
11. Naturalmente que a citação não é constitutiva de direitos, pois que não é possível condicionar o direito do lesado à citação do réu, que depende da maior ou menor ação (ou inação) de terceiros relativamente ao lesado, mormente do tribunal e até mesmo do citando.
12. Se assim não fosse, pergunta-se: a. Os direitos dos lesados ocorridos antes da citação seriam declarados inexistentes ou inválidos?
b. Os direitos dos lesados seriam declarados inexistentes ou inválidos enquanto a citação não se fizesse ainda que demorasse meses ou anos a ser feita?
13. Perante o exposto, somos forçados a concluir que a sentença recorrida, na parte aqui em crise, constitui uma violação, a contrario, do disposto no art. 219.º do CPC;
DO DIREITO DA RECORRENTE A SER COMPENSADA
14. Foi dado como provado, na sentença, sob os seguintes pontos da matéria dada como provada, a seguinte factualidade:
12. Desde outubro de 2021, o Réu passou a habitar ininterruptamente no imóvel.
13. O ora Réu dorme no quarto do 1.º andar do imóvel acima descrito, com casa de banho e vista de mar.
14. O aqui Réu utiliza a cozinha e nela confeciona as suas refeições.
15. O Réu utiliza a sala de jantar para refeições e a sala de estar para ver televisão e ter momentos de lazer.
16. O Réu ocupa um quarto do 1.º andar do imóvel acima descrito como escritório, com secretária e computador, onde desenvolve a sua atividade profissional e passa momentos de lazer.
17. O Réu tem aparcados na garagem do imóvel dos autos o seu veículo automóvel, a sua mota e a sua bicicleta.
18. Pelo menos, nos anos de 2022 e 2023, o ora Réu deu de arrendamento o seu apartamento em Lisboa, a terceiros, recebendo as correspondentes rendas, no valor mensal de 1 500, 00 euros.
15. Ou seja, a ocupação unilateral, não autorizada e abusiva do imóvel pelo Recorrido, contra a vontade da Recorrente, começou em Outubro de 2021 e continua até à presente data, sempre com a oposição continuada da Recorrente “quer porque aquele já tem casa própria, quer porque acabaria por ser uma solução injusta e desequilibrada, apesar de termos iguais direitos”.
16. Sendo que tudo isto começou cerca de um ano antes da citação e continuou independentemente da citação do Recorrido e da prolação da sentença condenatória!
17. Tal como continua na atualidade!
18. Face ao disposto nos arts. 483º, n.º 1, 562º 564º, nº 1, todos do Código Civil, afigura-se-nos incontornável que o direito da Recorrente a ser compensada existe desde a lesão, pois que a obrigação de reparar abrange todo o período da lesão de modo a garantir que o lesado seja reconstituído na situação em que se encontraria não fosse a lesão e os danos provocados.
19. Ademais, há mora do devedor, neste caso, do Recorrido enquanto lesante do direito de (com)propriedade da Autora se a obrigação provier de ato ilícito conforme decorre expressamente do estabelecido na alínea b) do n.º 2 do art. 805º do Código Civil. Ou seja, independentemente de interpelação ou citação!
20. Ora, se a efetivação da responsabilidade do Recorrido e o direito da Recorrente a ser compensada não carece de interpelação para efeitos de se computar o momento a partir do qual é responsável pelos prejuízos causados; então, igualmente, não carece de citação para efeitos de se efetivar e determinar o montante da indemnização e a data a partir da qual o Recorrido é responsável pelos prejuízos provocados e o respetivo quantum compensatório.
21. Assim, a responsabilidade do Réu, por provir de facto ilícito, não carece de interpelação ou citação, mas apenas da verificação dos requisitos legais subjacentes à correspondente responsabilidade civil ocorridos desde Outubro 2021, um ano antes da citação.
22. Pois que, o momento a partir do qual o lesante é responsável pelos danos provocados é, natural e inequivocamente, a data da prática dos factos ilícitos e de produção dos respetivos danos. In casu, a partir da ocupação abusiva do imóvel pertencente também à Autora, isto é, a partir de outubro de 2021.
23. Não será também demais salientar que estamos perante uma atuação do Réu objetiva, consciente e voluntária de ocupar e utilizar, como ocupou e continua a ocupar e como utilizou e continua a utilizar, o imóvel em causa.
24. E a gravidade da culpa do Réu é inequivocamente ostensiva, conforme se retira dos pontos seguintes dados como provados na Sentença que também se transcrevem:
9. A moradia em apreço poderá ser arrendada pelo menos, pelo valor mensal de 2 000, 00 euros.
10. A Autora propôs ao ora Réu que colocassem o imóvel à venda e repartissem entre ambos o produto da venda, em igual medida; proposta que fez, pelo menos, em 26/11/2021; correspondendo, essa pretensão de venda a terceiros, o único destino que a Autora pretende dar à moradia.
11. O ora Réu nunca equacionou a proposta de venda do imóvel a terceiros; e entende não ter meios que lhe permitam adquirir a metade da propriedade da ora Autora; pretendendo, contudo, continuar a utilizar o imóvel para sua habitação, contra a vontade da ora Autora e sem lhe prestar qualquer contrapartida.
25. Temos assim que o valor compensatório atribuído à Recorrente por cada mês de ocupação, em exclusivo, pelo Recorrido do imóvel de que aquela é comproprietária é devido desde essa mesma ocupação (em outubro de 2021), não consentida, nem autorizada e a que a Autora se opôs; e que o Recorrido continuou e continua a consumar em detrimento do direito de (com)propriedade da Recorrente que, assim, foi e continua a ser violado com claro prejuízo para a Autora e inegável enriquecimento para o Réu.
26. A assim se não entender, estar-se-á a violar, de uma assentada os normativos supra citados e a permitir um enriquecimento ilícito do Réu à custa da Autora, sem qualquer justificação ou causa que não seja a atuação ilícita do próprio Réu;
27. O que também ofende os princípios da Justiça e do Estado de Direito.
28. Nestes termos, deve a sentença recorrida, quanto ao teor do decisório constante da sua alínea b) ser revogada e substituída por outra com o seguinte sentido:
b) no pagamento à Autora de um valor mensal correspondente a metade (1.000,00 €) da renda mensal (2.000,00 €) que seria possível obter com o arrendamento, a terceiros, do imóvel e enquanto o Réu ocupar o imóvel, com exclusividade, desde a data da citação do Réu (8 de novembro de 2022) desde Outubro de 2021 até à data de desocupação efetiva do imóvel que venha a ocorrer, a que acrescem juros de mora vencidos e os vincendos, desde essa mesma data e até integral pagamento;
29. Mantendo-se o demais constante do decisório da Sentença.
Nestes termos e nos demais de Direito, deve ser dado provimento ao presente recurso e ser proferido Acórdão a revogar a sentença recorrida nos termos melhor detalhados nas conclusões de recurso, (…).
*
Corridos os vistos legais, cumpre decidir:
II. Direito
Delimitado o objecto do recurso pelas conclusões da alegação - artigo 635.º, n.º 3, 639.º, nº 1 e 3, com as excepções do artigo 608.º, n.º 2, in fine, ambos do Código de Processo Civil - as questões a decidir são:
- no recurso do Réu: saber se devia ter sido absolvido integralmente.
- no recurso da A: - o aditamento de um facto provado e saber se a data a partir da qual é devida a compensação em que o R. foi condenado é Outubro de 2021 e não a data da sua citação para a presente acção.
*
III. Matéria de facto
A decisão sobre a matéria de facto proferida pelo tribunal de primeira instância é a seguinte:
“Discutida a causa, julgam-se provados os seguintes factos:
1. Por escritura de doação outorgada em 9-12-2016, a mãe dos ora Autora e Réu declarou doar-lhes, por conta da sua quota disponível, em partes iguais e livre de ónus ou encargos, o prédio urbano, sito na ..., Ericeira, Concelho de Mafra, descrito na Conservatória do Registo Predial de Mafra sob o n.º …, da freguesia da Ericeira e inscrito na respetiva matriz predial urbana sob o artigo …; tendo, aqueles Autora e Réu, declarado aceitar a doação.
2. A propriedade do prédio urbano situado na ..., composto de casa de cave, R/C, 1º andar e sótão para habitação com 175 m2 – anexo para garagem com 52 m2 e logradouro com 235 m2, descrito na Conservatória do Registo Predial de Mafra, freguesia da Ericeira, sob o nº … e inscrito na matriz predial urbana sob o artº …, mostra-se inscrita em nome dos aqui Autora e Réu na proporção de ½ para cada um, por ter sido adquirida por doação (Ap. … de 2016/12/14).
3. Conforme descrito na respetiva matriz predial urbana, sob o artº …, este trata-se de prédio em propriedade total sem andares nem divisões suscetíveis de utilização independente, destinado à habitação de um “locatário” composto de cave com garagem, wc, 1 assoalhada e arrecadação, no r/c três assoalhadas, cozinha, despensa, 2 wc, no 1º andar com 3 assoalhadas, 2 wc e pequeno terraço e no sótão com 3 assoalhadas, dependência anexa para garagem e logradouro.
4. O acesso à moradia faz-se designadamente pela porta da frente.
5. O acesso da cave ao rés-do-chão e deste piso ao 1.º andar é feito pelas escadas interiores da moradia.
6. O acesso ao sótão é feito por umas escadas interiores do 1.º andar para o sótão.
7. O valor patrimonial do Imóvel encontra-se fixado em 268.010,00 €, por avaliação feita pela Autoridade Tributária em 2015.
8. O valor de mercado da moradia não será inferior a 400 000, 00 euros.
9. A moradia em apreço poderá ser arrendada pelo menos, pelo valor mensal de 2 000, 00 euros.
10. A Autora propôs ao ora Réu que colocassem o imóvel à venda e repartissem entre ambos o produto da venda, em igual medida; proposta que fez, pelo menos, em 26/11/2021; correspondendo, essa pretensão de venda a terceiros, o único destino que a Autora pretende dar à moradia.
11. O ora Réu nunca equacionou a proposta de venda do imóvel a terceiros; e entende não ter meios que lhe permitam adquirir a metade da propriedade da ora Autora; pretendendo, contudo, continuar a utilizar o imóvel para sua habitação, contra a vontade da ora Autora e sem lhe prestar qualquer contrapartida.
12. Desde outubro de 2021, o Réu passou a habitar ininterruptamente no imóvel.
13. O ora Réu dorme no quarto do 1.º andar do imóvel acima descrito, com casa de banho e vista de mar.
14. O aqui Réu utiliza a cozinha e nela confeciona as suas refeições.
15. O Réu utiliza a sala de jantar para refeições e a sala de estar para ver televisão e ter momentos de lazer.
16. O Réu ocupa um quarto do 1.º andar do imóvel acima descrito como escritório, com secretária e computador, onde desenvolve a sua atividade profissional e passa momentos de lazer.
17. O Réu tem aparcados na garagem do imóvel dos autos o seu veículo automóvel, a sua mota e a sua bicicleta.
18. Pelo menos, nos anos de 2022 e 2023, o ora Réu deu de arrendamento o seu apartamento em Lisboa, a terceiros, recebendo as correspondentes rendas, no valor mensal de 1 500, 00 euros.
19. A ora Autora propôs, contra o aqui Réu, ação de divisão de coisa comum incidente sobre o imóvel objeto destes nossos autos, ação que se mostra distribuída ao Juízo Local Cível de Mafra deste Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste sob o nº 10101/22.9T8SNT.
20. A acima indicada cave do imóvel foi disponibilizada, em certa altura, pelos pais de Autora e Réu, para habitação de um hóspede, tratando-se de um espaço com um quarto com cerca de 5 m2, uma casa de banho e uma garagem com um espaço para um carro, além de um espaço com um lava loiça em pedra.
21. A ora Autora casou com CC em …/…/1997 e, com o consentimento dos pais de Autora e Réu, o casal passou a viver com exclusividade no último andar do imóvel, ou seja, no sótão.
22. Para esse efeito, a ora Autora e seu marido realizaram as obras que acharam convenientes e que se mostraram possíveis.
23. O casal residiu nesse local durante sete anos; tendo mudado de residência por altura do nascimento do terceiro filho, por decisão própria.
24. A ora Autora edificou uma escadaria exterior à moradia que dá acesso ao 1º andar desta; andar pelo qual, por meio de uma escada de caracol aí existente, como antes referido, se acede ao referido sótão em que a Autora e o seu agregado familiar residiram.
25. No cimo dessa escadaria, acede-se por uma porta ao 1º andar da moradia; porta, essa, que está protegida por um alpendre edificado na parte superior das acima referidas escadas.
26. Esse andar da moradia (sótão) tem uma instalação própria ao nível de água e, quando em utilização, tem associado um contrato de fornecimento de água diferente do resto do prédio.
27. Fruto de alterações feitas pela própria autora, de acordo com as suas conveniências e em vista da satisfação de necessidades de habitação de um agregado familiar distinto, como o fez, o sótão do imóvel em causa é dotado de uma área de cozinha (ou kitchenette) lareira, dois quartos (um sem janela, mas, em que a Autora instalou uma janela velux; e ambos, esconsos) casa de banho e espaço comum ou sala.
28. A Autora considerou que o pé direito do sótão era adequado à sua residência e do seu agregado familiar no local considerando que aí residiu pelo período de sete anos.
29. Residindo nesse espaço do sótão, a Autora tinha vista de mar.
30. A outra parte da casa era utilizada pelos pais de Autora e Réu, enquanto vivos e pelo Réu, pelo menos, até cerca do ano de 2006.
31. Embora tivesse residência própria, até ao falecimento de sua mãe, o aqui Réu permanecia, com pernoita, na casa em questão nos autos, concretamente, algumas noites, quando ambos os pais eram vivos; e muitas vezes, aos fins-de-semana, após a morte de seu pai.
Discutida a causa, julgam-se não provados os seguintes factos:
1. O ora Réu impede a aqui Autora de usar o imóvel em apreço nos autos concretamente para habitação desta.
2. A ora Autora pretende dar o imóvel objeto dos autos, de arrendamento a terceiros e o Réu, com a sua conduta, impede a Autora de o fazer.
3. O sótão do imóvel em causa tem um contador de eletricidade independente.
4. O espaço do sótão do imóvel beneficia de licença de habitação.
5. O imóvel em causa dispõe de três frações autónomas.
6. Depois da doação do imóvel ao réu e à autora na proporção de ½ a cada um era pacificamente entendido por todos que a Autora poderia fazer o uso que entendesse da parte que autonomizou e que o reu podia continuar a residir (à data, a meio tempo) com a mãe na outra parte do prédio doado.
7. O prédio com as divisões reais que lhe foram feitas, com três espaços distintos destinados à satisfação de necessidades habitacionais, fica valorizado, quer considerando a possível venda quer o arrendamento, duplicando o valor do prédio no mercado imobiliário”.
Não estando em causa a decisão quanto a nenhum destes factos, provados e não provados, apenas o aditamento de um novo facto, é inútil para a decisão dos recursos a transcrição da motivação que o tribunal de primeira instância consignou.
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IV. Apreciação
Do recurso do Réu:
Para o Réu não faz sentido algum fixar-se-lhe um valor de compensação a pagar à irmã, porque está provado que ele não a impede de utilizar o imóvel. A questão do Réu não é a do recurso à equidade, para a fixação do valor, mas a própria questão da compensação, que entende que não tem que fazer porque não impede – o próprio tribunal o disse – a irmã de usar o imóvel. Adicionalmente o Réu entende que, a haver condenação, tem de ser meramente simbólica, e entende ainda que a contagem dos juros deverá iniciar-se a partir de cada mês em que seja devida alguma compensação.
Lê-se com efeito na sentença recorrida, já a finalizar, a síntese “No caso dos autos, cremos assim, como exposto, que é lícita a utilização, pelo Réu, da moradia, para sua habitação, de modo que não existirá fundamento para o condenar numa indemnização com fundamento em responsabilidade civil, por habitar o imóvel. Mas constatamos, nos termos igualmente expostos, que essa posição processual do Réu, priva a Autora/comproprietária de retirar quaisquer benefícios do facto de ser comproprietária do imóvel em apreço. Consequentemente, admite-se a utilização do imóvel pelo Réu, mas, julga-se equilibrado e justo que este Réu compense a comproprietária por esse seu uso exclusivo”.
O artigo 1305º do Código Civil dispõe que: “O proprietário goza de modo pleno e exclusivo dos direitos de uso, fruição e disposição das coisas que lhe pertencem, dentro dos limites da lei e com observância das restrições por ela impostas”, e o artigo 1403º nº 1 do Código Civil dispõe que: “Existe propriedade em comum, ou compropriedade, quando duas ou mais pessoas são simultaneamente titulares do direito de propriedade sobre a mesma coisa”, sendo ainda que, nos termos do nº 2 do mesmo preceito “Os direitos dos consortes ou comproprietários sobre a coisa comum são qualitativamente iguais, embora possam ser quantitativamente diferentes; as quotas presumem-se, todavia, quantitativamente iguais na falta de indicação em contrário do título constitutivo”. Já o artigo 1406º nº 1 do Código Civil estabelece que “1. Na falta de acordo sobre o uso da coisa comum, a qualquer dos comproprietários é lícito servir-se dela, contanto que a não empregue para fim diferente daquele a que a coisa se destina e não prive os outros consortes do uso a que igualmente têm direito”.
Finalmente, o artigo 1407º do Código Civil estabelece, nos seus números 1 e 2, que “1. É aplicável aos comproprietários, com as necessárias adaptações, o disposto no artigo 985.º; para que haja, porém, a maioria dos consortes exigida por lei, é necessário que eles representem, pelo menos, metade do valor total das quotas.
2. Quando não seja possível formar a maioria legal, a qualquer dos consortes é lícito recorrer ao tribunal, que decidirá segundo juízos de equidade. (…)”.
Relativamente ao poder do proprietário de dispor livremente da coisa, verificamos que na compropriedade tal possibilidade desde logo não existe, porque o que pertence ao comproprietário é uma quota, e não a coisa em si, e a alienação de parte especificada da coisa comum está vedada sem o consentimento dos demais comproprietários – artigo 1408º do Código Civil.
Como, por outro lado, ninguém é obrigado a permanecer na indivisão, para o comproprietário que queira apenas servir-se da coisa mediante a sua disposição, a sua venda, trocando, por assim dizer, a coisa, por dinheiro, o caminho jurídico, na falta de acordo com os seus consortes, é a acção de divisão de coisa comum.
Para, concretamente, a serventia que se apurou nos autos que a Autora queria dar à casa – apenas vendê-la, não usá-la, não arrendá-la – o caminho já foi iniciado e está pendente. A lei não estabelece a favor do comproprietário que queira dividir ou chegar à indivisão que permite a alienação a um só ou a terceiro, qualquer mecanismo compensatório pelo tempo que a acção de divisão dure e até que se obtenha a sentença que permita o resultado desejado.
Vamos então ao uso. O artigo 1305º do Código Civil, acima transcrito, distingue claramente entre os poderes de uso e de disposição. Donde, quando nos deparamos com o artigo 1406º do mesmo diploma, a referência a uso não pode significar usar ou dispor, usar ou vender. Quer isto dizer que usar, é dar uso, à coisa, sem dispor dela, mantendo-a, usando-a segundo as potencialidades de uso que ela dá, ou seja, no caso de uma casa de habitação, habitando-a, temporária ou permanentemente, acedendo a ela, passando tempo nela, arrendando-a, arrendando-a por períodos maiores ou menores.
Está provado no presente caso que a Autora não quer usar a casa, habitando-a, ou passando nela períodos temporários, e que também não quer arrendar a casa a terceiros, e que nem sequer quer arrendar a casa ao Réu, pois que se opõe à utilização que este faz da casa. De resto, repare-se, o pedido de condenação do Réu a pagar uma compensação foi feito a título de indemnização pela ocupação não autorizada e, segundo a Autora, ilícita. Isto é tão claro quanto no recurso da A., como veremos, ela invoca precisamente a responsabilidade por facto ilícito para marcar a data do facto ilícito como termo inicial da contagem de juros de mora.
Está claro, nos autos, que não há acordo quanto à utilização da casa comum. O elemento “Na falta de acordo” constante do artigo 1406º já referido, tanto significa a pura e simples não existência de acordo – nem sequer foi falado – como a oposição dalgum comproprietário ao uso que algum outro faça.
A oposição por parte dum comproprietário ao uso que outro esteja a fazer da coisa, torna a ocupação ilícita? Respondeu a sentença julgando improcedente o primeiro pedido da Autora – condene o R. a desocupar – pois que os direitos de cada consorte são qualitativamente iguais.
Continuemos no artigo 1406º: - as restrições à licitude do comproprietário se servir da coisa – e a coisa não é a quota, e por isso o uso pode ser total e exclusivo – são o não emprego dela para fim diferente daquele a que se destina, e que “não prive os outros consortes do uso a que igualmente têm direito”.
Dispensamo-nos da dissertação sobre a jurisprudência relativamente à caracterização da privação de uso, porque não está em causa no recurso do Réu e não está também em causa no recurso da Autora (que incide sobre contagem de juros, sem na realidade por em causa a conclusão do tribunal recorrido sobre a licitude do uso feita pelo R.). Assentemos que a privação de uso é apurada em concreto competindo ao lesado alegar e provar os factos que a integram. “Esse uso que fazes, porque o fazes, não o posso eu fazer, que o queria fazer, por isso insto-te a que pares” – ora isto falha precisamente no presente caso, em que, apesar de até haver condições, embora não idênticas, para o uso da casa por ambas as partes, está provado que a A. não quer habitar a casa nem quer arrendá-la, só querendo vendê-la. É indiferente que a A. não concorde com a ocupação feita pelo Réu e que lho tenha comunicado, porque não lhe comunicou que queria fazer a mesma utilização.
Neste sentido, veja-se o seguinte trecho do Ac. TRL proferido no processo 1690/12.7TBMTA.L1-1 em 12-04-2016 (Pedro Brighton): “Nessa situação, embora o gozo pelos demais consortes não seja materialmente possível, os mesmos não estão dele privados porque não o pretendem em concreto exercer e enquanto tal se verificar. Caso o pretendam, podem fazer cessar de imediato a utilização exclusiva, pela declaração dessa pretensão. Quando a mesma não seja acatada, cessa a licitude da utilização, na medida em que passa a ocorrer privação do gozo pelo consorte em violação do disposto no artº 1406º nº 1 do Código Civil”.
Donde, temos de confirmar a sentença quando, percorridos os requisitos que condicionam a licitude do uso exclusivo da coisa por um comproprietário só, na falta de acordo quanto ao uso, conclui que o R. podia fazer o uso que fez e faz, conclui, portanto, pela licitude da conduta do R.
Se a conduta é lícita, se ele está no seu direito, como, através de que mecanismo jurídico, é ele condenado a compensar a A. por metade do valor de uma locação?
Através do mecanismo da responsabilidade civil – artigos 483º e seguintes do Código Civil – não pode ser, porque falha precisamente o requisito da ilicitude.
Então através de que outro mecanismo? Através do artigo 1407º nº 2 do Código Civil. Este preceito refere-se a administração da coisa e não a uso. Podemos equiparar? Ao remeter para as regras da administração de uma sociedade e ao colocar-se perante a impossibilidade de formar uma maioria decisória, num caso, como o concreto, em que há dois comproprietários com quotas iguais, voltamos a estar perante uma “Na falta de acordo”. Na falta de acordo pedimos ao tribunal - artigo 1407º - que decida o quê, por equidade? Qual a administração que vai ser feita. Em lado algum do preceito se referem compensações. Quer isto dizer: - temos de ter um comproprietário que diz que quer usar/administrar a coisa de determinada maneira – por exemplo residindo nela – e temos de ter outro comproprietário que exprima a sua vontade administrativa ou de uso na fórmula “eu quero que a coisa renda dinheiro” por isso, tribunal, condene o residente a pagar-me a parte do todo da renda que, se estivéssemos de acordo em alugar a terceiro, receberíamos.
Serve isto a dizer que não se concebe que o tribunal condene um dos consortes que usa licitamente a coisa, a compensar o outro ou outros, sem que estes lhe peçam.
Não é caso dos autos: o pedido feito quanto a compensação assenta na ocupação ilícita e é feito até à desocupação, que era objecto do primeiro pedido formulado pela Autora. Esta desocupação nada tem com a eventual desocupação que o R. venha a fazer em resultado da acção de divisão de coisa comum.
A jurisprudência que a sentença cita – Ac. TRL de 26.5.22 (Nelson Borges Carneiro) e Ac. STJ de 27.9.2018 (Conselheira Graça Trigo) – não tem de facto, como bem nota o recorrente, aplicação ao caso concreto, pois que no primeiro caso, se concluiu, a partir da licitude da utilização feita pelo comproprietário, por não lhe ser devida qualquer indemnização, e no segundo caso acabou a haver acordo quanto à utilização da casa por um comproprietário pedindo a autora o pagamento da compensação.
Consequentemente, não logramos alcançar como, sem pedido, possamos confirmar a sentença na parte em que condenou o Réu a pagar à Autora “um valor mensal correspondente a metade (1.000,00 €) da renda mensal (2.000,00 €) que seria possível obter com o arrendamento, a terceiros, do imóvel e enquanto o Réu ocupar o imóvel, com exclusividade, desde a data da citação do Réu (8 de novembro de 2022) até à data de desocupação efetiva do imóvel que venha a ocorrer, a que acrescem juros de mora vencidos e os vincendos, desde essa mesma data e até integral pagamento”.
Procede assim o recurso do R. Note-se que relativamente à alínea a) da sentença condenatória - a) a permitir que o imóvel seja utilizado pela Autora do mesmo modo que o Réu; - nada foi oposto pelo recorrente R., pelo que nada temos a alterar.
Procedendo o recurso do R. na parte relativa à al. b) do dispositivo, que acabamos de transcrever, necessariamente improcede também o recurso da Autora quanto ao momento da contagem dos juros, isto é, o recurso na sua totalidade. Aliás, como dissemos, se a condenação no pagamento da compensação se não baseava na responsabilidade civil por factos ilícitos, por falta de ilicitude, toda a argumentação do recurso da Autora não tinha qualquer aplicação.
Tendo decaído no recurso do Réu, é a recorrida Autora responsável pelas custas – artigo 527º nº 1 e 2 do Código de Processo Civil.
Tendo decaído no seu próprio recurso, é a recorrente Autora responsável pelas custas – artigo 527º nº 1 e 2 do Código de Processo Civil.
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V. Decisão
Nos termos supra expostos, acordam os juízes que compõem este colectivo da 6ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa em conceder provimento ao recurso do R., revogando a sentença recorrida na parte em que o condenou a pagar à Autora “um valor mensal correspondente a metade (1.000,00 €) da renda mensal (2.000,00 €) que seria possível obter com o arrendamento, a terceiros, do imóvel e enquanto o Réu ocupar o imóvel, com exclusividade, desde a data da citação do Réu (8 de novembro de 2022) até à data de desocupação efetiva do imóvel que venha a ocorrer, a que acrescem juros de mora vencidos e os vincendos, desde essa mesma data e até integral pagamento” mantendo-se a sentença no mais, e acordam ainda em negar provimento ao recurso da Autora.
Custas do recurso do R. pela Autora.
Custas do recurso da A. pela Autora.
Registe e notifique.

Lisboa, 26 de Junho de 2025
Eduardo Petersen Silva
Adeodato Brotas
Anabela Calafate
Processado por meios informáticos e revisto pelo relator