LIBERDADE CONDICIONAL
MEIO DA PENA
TRÁFICO DE ESTUPEFACIENTES
Sumário

(Sumário da responsabilidade da Relatora)
A. As finalidades das penas são exclusivamente preventivas e a execução de uma pena privativa da liberdade legitima-se pela preparação que traduz para a evolução do recluso em liberdade e pela concomitante protecção dos valores da vida em sociedade.
B. A concessão da liberdade condicional depende da verificação de requisitos de percepção imediata – o tempo de pena já executado, relativa e absolutamente – e pressupostos materiais, em que avulta a realização de um juízo de prognose favorável sobre o comportamento futuro do condenado quando colocado em liberdade (art 61.º, al a) do C.Penal) e aferir sobre o reflexo da libertação do mesmo na sociedade (juízo atinente à prevenção geral positiva); dito de outro modo, sobre o seu impacto nas exigências de ordem e paz social (art 61.º al b) do C.Penal).
C. Após a ultrapassagem da metade da pena em execução está reunido o pressuposto formal do cumprimento legalmente necessário para que se afira da verificação dos pressupostos remanescentes de índole material.
D. No que tange às razões conexas à prevenção dita especial, no horizonte de quem decide, terá de estar a ideia de que um juízo de prognose radica na previsão de uma situação, extraída da análise de casos de alguma forma similares ao que se examina e em que a base da conclusão assenta nas regras da experiência – tal juízo não é uma certeza, apenas dando nota de uma séria probabilidade, ancorada num juízo racional mas empírico.
E. No caso, a reclusa, estrangeira, cumpre pena pelo crime de tráfico de estupefacientes, em circunstâncias factuais que a caracterizam como acto isolado de “correio de droga”
F. Em reclusão, tem desenvolvido condutas proactivas que demonstram que, uma vez em liberdade, não perpetrará comportamentos delinquenciais como os que praticou, designadamente porque tem procurado, trabalhando, adquirir competências que lhe permitam efectuar opções conformes ao direito e mantendo uma conduta prisional afastado de qualquer incidente disciplinar.
G. Perante a resposta positiva ao prognóstico enunciado, restarão as razões de prevenção geral, indiscutivelmente presentes em crimes da índole daquele apreciado.
H. Todavia, ao meio da pena, atendendo ao concreto recorte da factualidade em causa – designadamente a quantidade de droga carregada e a forma como era transportada (no interior do corpo da condenada) fazendo-a correr riscos para a própria saúde – tais razões preventivas consideram-se realizadas a um nível satisfatório, desde logo se encaradas sob o prisma da reiteração contrafáctica da norma violada, sem se ficar refém de percepções que privilegiem uma abordagem marcadamente securitária, tributária de concepções de matriz essencialmente intimidatória.
I. Assim, não pode ser a prevenção geral e o empolamento da respectiva dimensão socialmente programática a impedir, nesta hipótese, a concessão da liberdade condicional, face ao juízo de prognose positivo sobre a conduta futura da reclusa.

Texto Integral

Acordam, em conferência, na 9ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:
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I – Relatório:
No processo supra identificado, do Tribunal de Execução das Penas de Lisboa, não foi concedida, por decisão de .../.../2025, a liberdade condicional à reclusa AA, melhor identificado nos autos.
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A reclusa interpôs recurso dessa decisão, pugnando pela sua revogação, nos termos da motivação que juntou aos autos e da qual extrai as seguintes conclusões: (transcrição):
“CONCLUSÕES
A.
Reúne a recorrente os requisitos materiais para que lhe seja concedida a liberdade condicional.
B.
A concessão da liberdade condicional sujeita à obrigação de fixar residência, no seu país de origem, mais concretamente, na residência da sua progenitora, ..., sita em ... 16, ..., assegura integralmente as finalidades da concessão dessa medida.
C.
A recorrente, interiorizou o desvalor da sua conduta e mostra-se arrependida.
D.
As funções pedagógicas da execução da pena mostram-se concluídas, restando escassos meses para que a condenada atinja os 2/3 da pena, ocasião em que, mantendo-se as circunstâncias factuais, provavelmente a condenada será colocada em liberdade condicional.
E.
Importa ponderar os custos/benefícios para o Estado português, e para os contribuintes nacionais a manutenção por alguns mais meses da situação prisional da condenada, sendo por demais evidente que o provimento do presente recurso trará, também, nesta perspetiva, evidentes benefícios.
F.
Para além do mais, o fundamento do défice de autocritica da recorrente não se comprova em face do que tem de inferir-se dos elementos levados à matéria assente, referido nas alíneas de a. a i., do ponto 23, do presente recurso.
G.
Violou o Tribunal, com a decisão agora dada a recurso, o disposto no artigo 61.º, n.º 2, alíneas a) e b), do Código Penal.
Revogando a decisão recorrida e substituindo a mesma por uma decisão que conceda à recorrente a liberdade condicional, assim se fará justiça.”
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Admitido o recurso com subida imediata, em separado e com efeito devolutivo, nos termos do disposto nos artigos 179.º, 236.º, n.º 1, alínea b), e 238.º, n.º s 1 a 3, do CEPMPL, o Ministério Público junto da primeira instância respondeu, pugnando pelo seu não provimento e apresentando as seguintes conclusões (transcrição):
“Assim e concluindo
a) A decisão recorrida, apreciando a liberdade condicional com referência ao marco do meio do cumprimento da pena, concluiu no sentido de um ajuizamento de prognose desfavorável sobre o comportamento futuro da ora recorrente (prevenção especial positiva ou de ressocialização) tendo, para o efeito, a Mm.ª Juiz que a prolatou ponderado, de forma concreta, as circunstâncias fácticas que se lhe depararam.
b) O Tribunal a quo baseou-se em elementos fácticos/probatórios para decidir pela não concessão da liberdade condicional, sendo que a sua convicção se mostra motivada, alicerçando-se em razões objetivas, impregnadas de lógica e racionalidade e destituídas de quaisquer presunções.
c) O processo de formação da sua convicção está nitidamente apontado na sentença, baseando-se, fundamentalmente, quanto à inexistência de um juízo de prognose favorável sobre o comportamento futuro da reclusa, na incerteza de que esta vai, em liberdade, comportar-se fiel ao direito, já que subsistem a nível pessoal necessidades de reinserção social relacionadas com apreciações mais egocêntricas acerca da causalidade e consequência dos seus comportamentos criminais, que potenciam a legitimação dos mesmos, remetendo, caso não se alterem, para a probabilidade de reincidência criminal. Donde considerar que não se mostra concluído o trabalho a efetuar em ambiente prisional havendo que assegurar que a reclusa melhore a sua capacidade crítica sobre a gravidade das suas ações e o dano e impacto para as vítimas prováveis e para a sociedade em geral.
d) A recorrente pretende fazer valer a sua própria apreciação da prova, desprezando, nitidamente, o princípio da livre apreciação da prova, que tem consagração expressa no artigo 127.º do Código de Processo Penal.
e) Não se descortina qualquer violação do disposto no artigo 61.º, n.º 2, alínea a) do Código Penal, ou de qualquer outro preceito legal, já que não se verificam ainda as necessárias condições excecionais suscetíveis de revelar patentemente a compatibilidade da medida com a aptidão da reclusa a conduzir a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes.
f) Assim, a sentença que denegou a liberdade condicional é de manter, nos seus precisos termos, negando-se provimento ao presente recurso.”.
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Neste Tribunal da Relação, a Digna Procuradora-Geral Adjunta emitiu douto parecer no sentido da improcedência do recurso, aderindo integralmente à posição do M.P. em primeira instância, com os seguintes aditamentos: (transcrição)
“Concordamos integralmente com tal posição, considerando que a recorrente cumpre pena pela prática de crime muito grave, mormente devido à sua elevada danosidade social, atingiu o meio da pena em 08-02-2025, atingirá os dois terços ainda este ano, em 08-11-2025, estando o termo previsto para 08-05-2027, tem uma atitude de desculpabilização e de atribuição de culpas a outrem, desvalorizando, por outro lado, as consequências da sua atuação relativamente a terceiros, sendo também relevante atender ao regime de cumprimento de pena (ainda comum) e o facto de a reclusa ainda não ter gozado de nenhuma licença de saída jurisdicional, essencial para avaliar da real motivação para a mudança comportamental, pelo que deve evoluir, consolidar o percurso e ser testado em meio livre, para que se possa avaliar do seu sucesso e confiar que, em liberdade, não cometerá outros crimes e cumprirá os seus deveres jurídicos e sociais.
V – Pelo exposto, secundando a posição expressa na resposta do Ministério Público, emite-se parecer no sentido de que o recurso não merece provimento, devendo ser mantida a decisão recorrida.”
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Notificada a recorrente do parecer emitido, nos termos do disposto no art. 417º, 2 do CPPenal, nada veio dizer no prazo legal.
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Colhidos os vistos, foram os autos à conferência.
II. Objecto do recurso:
Preceitua o art, 412.º, n.º 1, do CPPenal que “A motivação enuncia especificamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido”.
É consabido que, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso ou de nulidades que não se considerem sanadas, o objecto do recurso é definido pelas conclusões formuladas pelo recorrente na decorrência dos argumentos expendidos em sede de motivação.
No caso dos autos a questão em análise prende-se com a verificação, ou não, dos pressupostos legais para a concessão de liberdade condicional à reclusa, no momento em que foi proferida a decisão pelo tribunal a quo.
III- Transcrição da decisão recorrida na parte relevante para a decisão do recurso:
“3. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
3.1. FACTOS PROVADOS
Com relevo para a decisão da causa julgo assente a seguinte factualidade:
1. No processo: 476/22.5... do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, Juízo Central Criminal de Lisboa - Juiz 22 - a reclusa AA foi condenada pela prática, em coautoria e na forma consumada, de 1 (um) crime de crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo art. 21.º, n.º 1, do Dec.-Lei n.º 15/93, de 22.01, com referência à Tabela I-B ao mesmo anexa, na pena de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão.
2. De harmonia com a liquidação efetuada naquele processo, são relevantes para efeitos de liberdade condicional as seguintes datas:
a) Início da pena: 08.11.22
b) Meio da pena: 08.02.25
c) Dois terços da pena em 08.11.25
d) Termo da pena: 08.05.27.
3. À reclusa não são conhecidas quaisquer condenações criminais sofridas em território nacional para além da presente condenação.
4. A reclusa é natural de ..., na ....
5. Encontra-se em regime comum desde 09.11.22.
6. Do seu registo disciplinar não constam quaisquer sanções.
7. Não usufruiu de medidas de flexibilização da pena.
8. Em data anterior a 07.11.2022, a reclusa e o seu co-arguido combinaram com indivíduo cuja identidade se desconhece transportar cocaína do Brasil para Portugal, a troco do recebimento de determinada quantia monetária.
9. Na execução deste acordo, os arguidos viajaram de ..., no Brasil, para Portugal, no voo LA …, tendo desembarcado no Aeroporto Humberto Delgado, em Lisboa, no dia 08.11.2022, pelas 06h05.
10. Nestas circunstâncias de tempo e de lugar, a arguida transportava consigo:
- 2 (duas) embalagens contendo cocaína (cloridrato) com o peso líquido total de 359,548 gramas, que se encontravam dissimuladas no interior do soutien que trajava e que foi apreendido;
- 1 (uma) embalagem, vulgo “bolota”, contendo cocaína (cloridrato) com o peso líquido de 130,823 gramas, que havia introduzido na vagina;
- 9 (nove) embalagens, vulgo “bolotas”, contendo cocaína (cloridrato) com o peso líquido total de 113,886 gramas, que havia introduzido no reto.
11. Após o desembarque, a reclusa foi conduzida às instalações da Autoridade Tributária junto do Aeroporto de Lisboa, onde foi sujeita a revista pessoal e de bagagem.
12. A totalidade da droga que a reclusa transportava consigo foi apreendida.
13. A cocaína que foi transportada pela reclusa e pelo seu co-arguido estava destinada a ser entregue pelos mesmos a indivíduo não identificado.
14. A reclusa e o seu coarguido sabiam que o destino final da cocaína que transportaram era a respetiva venda a terceiros.
15. A reclusa e o seu coarguido atuaram em colaboração mútua e em plena comunhão de esforços e de intentos, entre si e com indivíduo não identificado, e conheciam as características, a quantidade e a natureza estupefaciente da cocaína que transportaram.
16. Tinham conhecimento dos factos acima descritos e, ainda assim, quiseram agir pela forma mencionada, sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.
17. A reclusa não tem quaisquer familiares, amigos ou emprego em Portugal, onde apenas se deslocou para praticar os factos acima descritos.
18. O processo de socialização da condenada decorreu no agregado familiar materno com a progenitora, o padrasto e uma irmã, sendo a subsistência do mesmo assegurada pela atividade laboral da mãe, como ......, e do padrasto, na área da construção civil.
19. A reclusa prosseguiu os estudos de forma regular até ao 12.º ano de escolaridade, com obtenção de áreas profissionalizantes ao nível da restauração, hotelaria e limpeza, que concluiu com 19 anos de idade.
20. Desde então, AA trabalhou em diversas áreas do sector terciário, nomeadamente restauração, hotelaria e por último como assistente administrativa, na área da contabilidade, em empresa de tratamento de águas, em água potável.
21. O desempenho nas diferentes áreas laborais ocorreu dos 19 aos 22 anos, sempre em regime de contratada a termo certo, nos centros urbanos das cidades de ... e ..., na ....
22. Por volta dos 22 anos de idade, a arguida iniciou relacionamento afetivo com o seu coarguido BB, com quem passou a viver maritalmente, de início no agregado materno daquela, mais tarde no agregado familiar de origem do arguido, e, posteriormente, de forma autónoma.
23. No final de 2022, a reclusa e o seu coarguido emigraram para os ..., onde já tinham trabalhado anteriormente, à procura de melhores condições de vida, que, contudo, não conseguiram obter.
24. Quando foram praticados os factos acima descritos, os arguidos viviam juntos nos ... havia cerca de um mês.
25. À data da sua detenção, em novembro de 2022, AA mantinha relacionamento amoroso com o seu coarguido, o Sr. BB, natural da região de ....
26. De acordo com a reclusa, o relacionamento terá terminado por sua iniciativa há cerca de um ano.
27. No EP AA frequentou o ensino de português para estrangeiros.
28. Está colocada na ... e desempenha a função com empenho.
29. Não frequentou qualquer Programa.
30. A reclusa tem apoio económico regular por parte da família e, com esse dinheiro e com o salário faz as suas compras na cantina e a sua gestão PT.
31. Demonstra interesse em participar nas atividades dinamizadas no EP como forma de estar ocupada.
32. Em termos da sua saúde, AA referiu que recorreu ao apoio psicoterapêutico da psicóloga do E.P. de Tires.
33. Do ponto de vista do comportamento adito em substâncias psicoativas, AA mencionou que por volta dos 20 anos experimentou o consumo de haxixe.
34. Tem manifestado adequação comportamental e capacidade de ajustamento às regras prisionais.
35. AA apresenta-se como uma pessoa reservada e mesmo introvertida.
36. A reclusa assume a prática do crime, o qual justifica com dificuldades económicas: tinha empréstimos e queria pagá-los para poder organizar a sua vida e ter filhos: um dos empréstimos era para pagar a renda do apartamento e queria pagar as despesas com os consumos domésticos.
37. À data dos factos estava a trabalhar num centro de informações, sendo que vivia com o namorado, o seu coarguido, o qual não se encontrava a trabalhar.
38. A condenada referiu que só aceitou a proposta por causa do dinheiro, mas acabou por não receber o dinheiro e por ser presa.
39. Declarou que “não quer ter problemas com a polícia, quer viver uma vida normal”, “não quer esta vida”, “a cadeia não é para ela”.
40. Indo em liberdade, quer ir viver para a ..., com a mãe, o padrasto e a irmã.
41. Vai viver numa fase inicial com a mãe e o padrasto para poupar dinheiro.
42. Declarou que tem muitas saudades da família.
43. A sua amiga vive a 1 hora-1h30m da casa da mãe e do padrasto.
44. Em termos laborais, na ... tem a possibilidade de trabalhar num escritório ou numa creche.
45. A diretora de uma empresa onde a reclusa trabalhou entre abril de 2018 e outubro de 2019, subscreveu uma “carta de recomendação” em relação a esta, realçando as suas qualidades profissionais.
46. Na ..., até se autonomizar em termos económicos, a subsistência da condenada será inicialmente assegurada por sua mãe, sendo que esta exerce a atividade laboral de “... ...”, em equipamento social do poder central, ou seja, creche.
47. O companheiro da progenitora exerce a função de trabalhador na área da construção civil.
48. AA declarou aceitar a liberdade condicional.
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3.2. MOTIVAÇÃO DA DECISÃO DE FACTO
A convicção do tribunal no que respeita à matéria provada (sendo que inexistem factos não provados, com relevância para a decisão a proferir) resultou da(s) decisão(ões) condenatória(s), da ficha biográfica, do CRC, dos relatórios juntos aos autos elaborados pelos serviços prisionais e pelos serviços de reinserção social, da carta de recomendação junta aos autos, do parecer do conselho técnico, do parecer do MP e das declarações da reclusa.
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3.3. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
Na sua génese, a figura da liberdade condicional constituiu uma resposta de natureza política criminal, vazada em lei, delineada como forma de reagir ao aumento de reincidência que se verificava sobretudo aquando do cumprimento de penas longas ou de média duração. É tida, desde o seu aparecimento, como uma fase de transição da reclusão para a liberdade definitiva (art. 9º do Dec. Lei 400/82, de 23 de setembro, que aprovou o Código Penal), servindo finalidade específica de prevenção especial positiva ou de socialização, visando minorar as dificuldades de adaptação à comunidade inevitavelmente associadas ao tempo de reclusão e alcançar uma gradual preparação ao reingresso na sociedade de alguém que há muito dela se encontra apartado. Assim se afastando do entendimento anterior da prisão com mera finalidade repressiva e intimidatória, ou seja, como um castigo infligido ao agente (retribuição) e uma forma de intimidar os demais (prevenção do crime). Encurtando-se a pena com base na presunção da recuperação do condenado e na vigilância exercida sobre o seu comportamento que fica sujeito a restrições por forma a evitar a reincidência e a proteger a sociedade, podendo, em caso de má conduta e reincidência, revogar-se a medida.
A concessão de liberdade condicional, servindo o desiderato supramencionado, obedece, contudo, a critérios legais de ordem formal e de ordem substancial.
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Requisitos de ordem formal:
O/a recluso/a tem de ter cumprido metade da pena em que foi condenado/a com um mínimo absoluto de seis meses, período de tempo considerado pelo legislador a partir do qual a pena tem potencialidade de já ter cumprido as suas finalidades (art. 61º, n. 2, do Cód. Penal). Permitir a liberdade condicional antes do primeiro limite relativo poderia por em causa as irrenunciáveis exigências de prevenção geral de tutela do ordenamento jurídico, do mesmo passo que se entende que em tempo mais curto do que o limite absoluto mínimo de 6 meses não é possível sequer conhecer o condenado e alcançar a evolução do seu comportamento e a brevidade da sanção excluiu mesmo a possibilidade de mutação significativa.
É também requisito de forma a obtenção do consentimento do/a recluso/a (art. 61º, n. 1, do Cód. Penal). Este requisito harmoniza-se com a teleologia do instituto - não é uma medida coativa de socialização - baseando-se na voluntariedade do tratamento, oferecendo apenas as condições para que o condenado, se quiser, se possa modificar.
Face à matéria provada (nºs 2 e 48 dos factos provados), a condenada atingiu o meio das penas em 08.02.25 e declarou aceitar a liberdade condicional, pelo que se têm como verificados tais requisitos.
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Requisitos materiais cumulativos (estamos a apreciar com referência ao ½ da pena (art. 61º, nºs 1 e 2 do Cód. Penal):
A) Defesa da ordem e paz social, ou seja, prevenção geral entendida como proteção dos bens jurídicos e da expectativa da comunidade no funcionamento do sistema penal. Este requisito funciona como travão, isto é, se não estiver assegurado não poderá ser concedida liberdade condicional ainda que o condenado revele bom prognóstico de recuperação.
B) A expectativa de que o condenado/a em liberdade, conduzirá a sua vida responsavelmente sem cometer crimes, ou seja, prevenção especial, na perspetiva de ressocialização e prevenção da reincidência.
No fundo resumem-se estes requisitos às finalidades das penas, em especial a de prisão, de defesa da confiança do cidadão em bens tidos como essenciais e de prevenção da prática de crimes, por um lado, e de ajuda ao recluso na mudança e regeneração (ressocialização), por outro lado (arts. 40º e 42º do Cód. Penal).
Na avaliação da prevenção especial terá o julgador de elaborar um juízo da prognose possível sobre o que irá ser o comportamento do recluso no que respeita a reiteração criminosa e seu bom comportamento futuro, a aferir pelas circunstâncias do caso, antecedentes, personalidade e evolução durante o cumprimento da pena.
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No caso concreto desta reclusa
Razões de prevenção geral:
No que ao presente caso diz respeito, importa frisar, desde logo, serem muito prementes as necessidades de prevenção geral.
A reclusa cumpre pena pela prática em coautoria, de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo art. 21º, nº1 do D.L. nº 15/93, de 22/01.
O crime de tráfico de estupefacientes, enquanto crime contra a saúde, sendo também reconduzível à proteção da integridade física, vida, liberdade de determinação dos consumidores, segurança e paz social, assume grande relevância e alarme social, pela vulnerabilidade e exposição a que se sujeitam as potenciais vítimas e especial atenção que na atualidade merecem da sociedade.
Conforme resulta do Relatório das Nações Unidas “[…] A luta contra o abuso de drogas é, antes de mais e sobretudo um combate contra a degradação e a destruição de seres humanos. A toxicomania priva ainda a sociedade do contributo que os consumidores de drogas poderiam trazer à comunidade de que fazem parte. O custo social e económico do abuso de drogas é, pois, exorbitante, em particular se se atentar nos crimes e violências que origina e erosão de valores que provoca». […]” – disponível in www.un.org.
No caso especial do intitulado ‘correio de droga’ importa referir que o mesmo se traduz numa peça importante no mercado de estupefaciente, pois, é através dele que, a determinado nível, se processa a circulação de estupefacientes, sendo, por isso, peça relevante no acesso às drogas pela generalidade dos consumidores já que, assumindo um papel intermédio no circuito da distribuição, contribui de forma determinante para a difusão alargada de drogas como se faz nos nossos dias: “[…] Os chamados “grande e médio traficantes precisam de montar o seu circuito de distribuição para levar a cabo o seu objetivo e dele fazem parte, não sendo dispensáveis, tanto os “correios” como os “dealers de rua”. Assim, se no domínio da culpa, pode ser muito mais diversificada, ao nível da ilicitude não se afigura a ideia que se pretende ser aceite pelo chamado senso comum de que o “correio” ou mesmo o “dealer de rua” são sempre figuras secundárias no negócio de estupefacientes. […] pois “o transporte intercontinental de estupefacientes, pela difusão rápida e eficiente das drogas junto dos mercados que abastecem os consumidores, constitui uma conduta especialmente danosa, cuja perseguição se mostra essencial para dificultar (tendencialmente cortar) a circulação das drogas e o abastecimento daqueles mercados” (citado acórdão do STJ, de 09.12.2010). […]”. – cfr. acórdão da Relação de Lisboa de 17.04.2012, disponível in www.dgsi.pt.
De facto, por assumir grande relevância e alarme social, considerando os bens jurídicos em causa, não seria, pois, compreensível para a sociedade civil que o agente de um ilícito deste género – perpetrado num contexto de tráfico internacional (transporte de droga do Brasil para Portugal) e tendo presente a espécie e quantidade de produto estupefaciente visada (cocaína), tida como das mais lucrativas – fosse libertado a meio da pena. Tal libertação não salvaguardaria o sentimento geral de vigência da norma penal violada com a prática dos crimes, banalizaria tal prática, atacaria a paz jurídica entre o cidadão e o seu sentimento de que as normas em questão foram suficientemente defendidas através da pena já cumprida, transmitiria um enfraquecimento da ordem jurídica potenciador de delitos desta natureza, debilitando o efeito dissuasor pretendido, defraudaria, em suma, a confiança da comunidade no funcionamento do sistema penal e faria tábua rasa da tutela dos bens jurídicos visados pelas incriminações em causa.
São, assim, muito elevadas as necessidades de prevenção geral, impondo-se a confirmação da validade da norma e a devolução do sentimento de confiança e proteção que tem de ser assegurado pelo sistema judicial, sendo que muito dificilmente um cidadão comum compreenderia a libertação perante este quadro.
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Razões de prevenção especial:
A reclusa não tem antecedentes criminais.
Encontra-se em regime comum desde 09.11.22.
Do seu registo disciplinar não constam quaisquer sanções.
Tem manifestado adequação comportamental e capacidade de ajustamento às regras prisionais.
Não usufruiu de medidas de flexibilização da pena.
No EP AA frequentou o ensino de português para estrangeiros.
Está colocada na ... e desempenha a função com empenho.
Não frequentou qualquer Programa.
A reclusa tem apoio económico regular por parte da família e com esse dinheiro e com o salário faz as suas compras na cantina e a sua gestão PT.
Demonstra interesse em participar nas atividades dinamizadas no EP como forma de estar ocupada.
Em termos da sua saúde, AA referiu que recorreu ao apoio psicoterapêutico da psicóloga do E.P. de Tires.
Do ponto de vista do comportamento adito em substâncias psicoativas, AA mencionou que por volta dos 20 anos experimentou o consumo de haxixe.
AA apresenta-se como uma pessoa reservada e mesmo introvertida.
À data dos factos estava a trabalhar num centro de informações, sendo que vivia com o namorado, o seu coarguido, o qual não se encontrava a trabalhar.
A reclusa assume a prática do crime, o qual justifica com dificuldades económicas: tinha empréstimos e queria pagá-los para poder organizar a sua vida e ter filhos: um dos empréstimos era para pagar a renda do apartamento e queria pagar as despesas com os consumos domésticos.
A condenada referiu que só aceitou a proposta por causa do dinheiro, mas acabou por não receber o dinheiro e por ser presa.
A reclusa centra-se essencialmente no prejuízo que a reclusão trouxe para si e para a sua família, revelando dificuldades em pensar nas consequências e impactos dos seus comportamentos para com os outros e sociedade em geral.
Ora, a reflexão autocrítica sobre a conduta criminosa e suas consequências são indispensáveis para uma cabal interiorização do desvalor da conduta e, como tal, essenciais para que se conclua que a condenada está munida de um relevante inibidor endógeno. Quem não logra percecionar em plenitude o mal cometido, dificilmente possui mecanismos passíveis de evitar a repetição da sua conduta.
Não deixa, assim, de evidenciar a adoção ainda ao presente momento de uma postura de desculpabilização e de desresponsabilização, denotando défices de ponderação nas consequências e danos causados com a sua conduta.
Tem, pois, a reclusa ainda um caminho a percorrer para efeitos de interiorização do desvalor da sua atuação e a severidade das consequências desta.
A condenada declarou que “não quer ter problemas com a polícia, quer viver uma vida normal”, “não quer esta vida”, “a cadeia não é para ela”.
Dispõe do apoio da família a nível afetivo, habitacional e económico e está motivada para encontrar uma colocação laboral.
Porém, considerando a extensão e fase de execução da pena, a natureza e gravidade do crime, os défices que apresenta ao nível da consciência crítica, ao nível da capacidade de desresponsabilização, ao nível da descentração, ao nível do pensamento consequencial, a atitude de desculpabilização e de desresponsabilização em relação ao crime, a necessidade de interiorização do desvalor da sua atuação e a severidade das consequências desta e a ausência de gozo de medidas de flexibilização da pena, não é possível formular quanto à reclusa e à sua conduta futura um juízo de prognose favorável, pelo que não lhe pode ser concedida a liberdade condicional.
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4. DECISÃO
Nos termos e pelos fundamentos expostos, não concedo a liberdade condicional à reclusa AA.
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A eventual concessão da liberdade condicional será reapreciada aos dois terços da pena, devendo a Secção de processos, solicitar o envio, no prazo de 90 dias, dos elementos referidos no artigo 173.º, n.º 1 do CEPMPL, bem como de CRC atualizado e de cópia da ficha biográfica atualizada.
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Registe, notifique e comunique de acordo com o disposto no artigo 177.º, n.º 3 do CEPMPL.”
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IV- Do mérito do recurso:
Muito se tem dito, escrito e reflectido sobre os fins das penas no direito penal. Paradigmaticamente a pena de prisão, na sua qualidade de protagonista da reacção penal, tem sido alvo de acesa discussão, motivo de polémicas dogmáticas e criticada tantas vezes quantas as que foi elogiada.
No entanto, no actual estádio do pensamento doutrinal que tem como objecto a criminologia e a sua relação com a segurança comunitária, há conclusões simples, mas seguras, que podemos extrair:
• as finalidades das penas são exclusivamente preventivas;
• a pena de prisão é, no actual estágio de evolução das sociedades, insubstituível.
Contudo, aos práticos do direito deve interessar sobremaneira aquilo que é maioritariamente adquirido, ao invés de se deixarem envolver em discursos sedutores a reclamarem alterações de paradigmas da aplicação do direito e desligados da realidade.
Por isso, efectuando a síntese entre as duas afirmações tidas por irrenunciáveis que acima se fizeram, poderemos concluir que a pena de prisão deve ser executada única e simplesmente, na medida necessária à prevenção de crimes.
Ao verbalizar-se tal entendimento recupera-se o pensamento do legislador expresso no Código de Execução das Penas, designadamente no art. 2º do referido diploma, quando lembra que a execução da pena de prisão deve preparar o recluso para evoluir comunitariamente de um modo socialmente responsável, do mesmo passo que se protegem bens jurídicos e se defende a sociedade.
É, pois, esse o fundamento e o limite da actuação de um juiz do Tribunal de Execução das Penas no que respeita à execução das penas privativas de liberdade. Todavia, tal deve ser desempenhado sem perder de vista – como lembra o art. 3º do referido diploma – o respeito pela dignidade da pessoa humana conjunturalmente recluída.
Em todas as intervenções judiciais serão essas as balizas da actuação do magistrado:
- agir no sentido de promover o respeito pela dignidade humana do cidadão em cumprimento de pena e aferir se a sanção aplicada está, como é imperioso que esteja, orientada para a prevenção futura de crimes.
Um dos momentos em que, desde sempre, o juiz de execução das penas é chamado a intervir é aquele respeitante à concessão, ou não, da liberdade condicional.
Muito sinteticamente a liberdade condicional é um incidente de execução da pena que consiste numa fase de transição entre a reclusão e a liberdade que visa obstar às dificuldades na reinserção social do condenado. Nos termos do preceituado nos arts. 61º e 63º do CPenal são pressupostos da liberdade condicional:
a) O consentimento do condenado;
b) O cumprimento de, pelo menos, seis meses da pena de prisão ou da soma das penas de prisão que se encontram a ser executadas
c) O cumprimento de ½ da pena de prisão (ou da soma das penas de prisão) que se encontram em execução.
d) O cumprimento de 2/3 da pena de prisão (ou das penas de prisão).
e) Aos 5/6 de execução da pena, superior a seis anos, a liberdade condicional é obrigatória se o condenado expressamente consentir na sua libertação. (aqui, contudo e como em todos os momentos da possível libertação, a lei reconhece o direito à pena do condenado – de facto, a libertação tem sempre como pressuposto inultrapassável o consentimento do condenado, mesmo aos 5/6 da pena).
Importa ainda destacar que após o meio da pena há revisões anuais da possibilidade de aplicação ao caso concreto da liberdade condicional – o que reveste particular significado nas penas de duração elevada; de facto, quem esteja em tal situação tem legalmente assegurado que, anualmente, verá reexaminada a sua situação e que poderá investir em novos projectos e condutas que possibilitarão a cessação da prisão.
Por outro lado, como pressupostos materiais, impõe a lei a aferição do funcionamento do fim da prevenção de crimes; isto é, para que a libertação ocorra tem de ser possível realizar um juízo de prognose favorável sobre o comportamento futuro do condenado quando colocado em liberdade (art 61.º, al a) do C.Penal) e aferir sobre o reflexo da libertação do condenado na sociedade (juízo atinente à prevenção geral positiva); dito de outro modo, sobre o seu impacto nas exigências de ordem e paz social (art 61.º al b) do C.Penal).
A concessão de liberdade condicional tem um carácter facultativo, mas vinculado ao juízo da verificação dos pressupostos materiais legalmente fixados e já enunciados. A apreciação sobre a evolução da personalidade do condenado durante a execução da pena de prisão é sempre fundamental e critério decisivo na concessão ou não da liberdade; já o juízo sobre o reflexo da libertação do condenado na sociedade só adquire importância até à perfeição dos 2/3 da pena, na medida em que a lei presume que, vencida essa etapa, está já reiterada a confiança comunitária na validade do bem jurídico violado pela conduta infractora.
Assim, a concessão de liberdade condicional, quando se perfaz o cumprimento do meio da pena, tem um carácter não obrigatório, consistindo um poder-dever do tribunal vinculado à verificação dos pressupostos formais e materiais estabelecidos na lei.
Na hipótese dos autos, a condenada consentiu na sua libertação e o limite temporal do cumprimento de metade das penas foi atingido no dia 08/02/2025, pelo que dúvidas não há que os pressupostos formais se verificam, integralmente.
Importa, por isso, aferir dos enunciados pressupostos de natureza material, designadamente a prognose favorável sobre o comportamento futuro da arguida e sobre a compatibilidade da concessão da liberdade com a defesa da ordem e da paz social.
Refira-se, desde logo, que diferentemente do plasmado na decisão objecto de recurso na apreciação dos pressupostos da eventual concessão da liberdade condicional se considera que se deve começar por efectuar o juízo de prognose sobre o comportamento futuro do arguido e só após a realização de tal análise cumprirá então averiguar da compatibilidade da concessão da liberdade com a defesa da ordem e da paz social.
Na verdade, que deve ser esse o caminho decorre, desde logo, da circunstância de este último pressuposto apenas ser exigível até aos 2/3 da pena em cumprimento.
Ou seja, primeiramente cabe efectuar a análise das condições pessoais de cada recluso e da capacidade demonstrada pelo mesmo de, no futuro, levar uma vida conforme ao direito e, só depois, averiguar, naquele caso concreto perante aquela circunstância de vida, da compatibilidade da concessão da liberdade com as exigências de prevenção geral.
Na realidade, o caminho inverso torna-se perverso na medida em que se desconsideram as concretas circunstâncias de um determinado recluso para se privilegiarem razões genéricas de prevenção geral referentes ao tipo de crime cometido – no caso o tráfico de estupefacientes – e daí concluir, sem mais, não ser comportável a concessão de liberdade condicional ao meio da pena.
Aliás, deve dizer-se que se estranha que na decisão em recurso se tenha concluído que as exigências de prevenção geral são muito elevadas, quando na decisão condenatória se afirmou algo bem diferente: isto é que, na situação da arguida, atendendo designadamente ao baixo grau de ilicitude dos factos – considerando a relativamente baixa quantidade de cocaína em causa – e à culpa relativamente pouco intensa – por se tratar do que habitualmente se designa de “correio de droga” – as exigências de prevenção geral se encontravam próximas do nível mínimo. Eventualmente, concluiu-se então dessa forma porque se teve em atenção os factos concretos e não simplesmente desconsiderando a hipótese real para adoptar um discurso, quiçá vago e eivado de conceitos genéricos, habitual quando está em causa actividade conexa a tráfico de produtos estupefacientes.
Ora, sendo assim irá, neste momento, percorrer-se um caminho distinto do trilhado na decisão em recurso, começando por ponderar as exigências de prevenção especial para, depois, se avaliarem as atinentes à prevenção geral.
Relativamente à prognose favorável sobre o comportamento do arguido deve ter-se em consideração a evolução da personalidade do condenado durante o tempo de execução da prisão e a sua perspectivação num juízo de prevenção especial positiva ou de ressocialização.
Ou seja, para decidir da concessão da liberdade condicional, deve o julgador considerar se o condenado está preparado para se reintegrar na sociedade e prosseguir a sua vida sem cometer novos crimes.
Ora, sendo este o critério fundamental para a aferição deste parâmetro, não pode deixar de se discordar da decisão em recurso quando conclui, unicamente com base no facto que deu como demonstrado “A reclusa assume a prática do crime, o qual justifica com dificuldades económicas: tinha empréstimos e queria pagá-los para poder organizar a sua vida e ter filhos: um dos empréstimos era para pagar a renda do apartamento e queria pagar as despesas com os consumos domésticos, que “A reclusa centra-se essencialmente no prejuízo que a reclusão trouxe para si e para a sua família, revelando dificuldades em pensar nas consequências e impactos dos seus comportamentos para com os outros e sociedade em geral.
Ora, a reflexão autocrítica sobre a conduta criminosa e suas consequências são indispensáveis para uma cabal interiorização do desvalor da conduta e, como tal, essenciais para que se conclua que a condenada está munida de um relevante inibidor endógeno. Quem não logra percecionar em plenitude o mal cometido, dificilmente possui mecanismos passíveis de evitar a repetição da sua conduta.
Não deixa, assim, de evidenciar a adoção ainda ao presente momento de uma postura de desculpabilização e de desresponsabilização, denotando défices de ponderação nas consequências e danos causados com a sua conduta.
Tem, pois, a reclusa ainda um caminho a percorrer para efeitos de interiorização do desvalor da sua atuação e a severidade das consequências desta.”
Na verdade, do citado facto dado como demonstrado na decisão objecto de recurso apenas resulta que a arguida assume o crime cometido, dando uma explicação para o seu modo de actuação – ou seja, explicitando as concretas circunstâncias que a motivaram, apesar de não ter antecedentes criminais, como também consta da decisão recorrida, a cometer a factualidade que determinou a reclusão que sofre.
Neste conspecto, tal simples circunstância é base escassa para se concluir que a arguida não percepcionou o mal cometido, que se centra no prejuízo que a reclusão lhe trouxe a ela própria ou à sua família e que adopta uma postura de desculpabilização e de desresponsabilização perante o tipo de ilícito que praticou.
Note-se que para a formulação do juízo de prognose favorável não se exige, evidentemente, uma radical transformação do recluso: “Em um Estado de direito democrático, fundado no princípio da dignidade humana (art. 1.º e 2.º, da Constituição da República), não cabe entre os objectivos de uma pena criminal a transformação do condenado em homem novo, corrigido das suas íntimas convicções quanto aos motivos da actuação respectiva e psicologicamente reconfigurado pela sanção”; Ao invés “o que tem de exigir-se como índice da desejada ressocialização, e apenas isso, é a interiorização de uma objectiva adesão à norma criminal e disponibilidade pessoal para tanto, não uma íntima conversão” – ambos os segmentos citados estão presentes no Ac. do Tribunal da Relação de Coimbra de 12/7/2023, proferido no Processo n.º 6803/10.0TXLSB-AG.C1, em que foi Relator PEDRO LIMA.
Ou dizendo de outra forma no que tange ao “arrependimento” e à “assunção dos crimes” citando-se o Ac. do TRL de 27/01/2016, proferido no proc. nº 1608/12.7TXLSB-I.L1-3, in ECLI, “Sobre estas considerações há que dizer, em primeiro lugar, que não encontramos na literatura científica apoio para a relevância conferida, com carácter geral, à assunção da prática dos crimes por parte do recluso, dado que ela consubstancia uma narrativa posterior ao comportamento relacionada com um particular contexto ou circunstância. Não há que lhe dar, pelo menos, demasiada importância. A negação ou a apresentação de factores desculpantes, como aconteceu com o condenado no passado, constituem atitudes normais que, muitas vezes, têm a ver com a auto-estima e com a vergonha pela conduta e visam preservar o infractor da reacção negativa das pessoas que lhe são queridas. Outra coisa seria se o recorrente tivesse uma atitude legitimadora do seu anterior comportamento, o que inegavelmente constituiria um factor de risco.
Vale por dizer que a atitude face ao crime será, antes de mais, um indício a ter em consideração na avaliação a efectuar relativamente ao risco de que o recluso volte a cometer crimes, designadamente de idêntica natureza daqueles que determinaram a reclusão.
Na verdade, no horizonte de quem decide, tem de estar presente a ideia de que um juízo de prognose radica na previsão de uma situação, extraída da análise de casos de alguma forma similares ao que se examina e em que a base da conclusão a retirar há-de assentar nas regras da experiência. Tal espécie de juízo, assim sendo, não encerra em si qualquer tipo de certeza invencível, apenas dando nota de uma séria probabilidade, ancorada num juízo racional, mas inelutavelmente empírico. Por isso, tal juízo não pode pretender que o condenado, uma vez devolvido à comunidade, não voltará a cometer crimes; com efeito, apenas pode asseverar que o condenado efectuou um percurso positivo de interiorização do alcance das condutas que levaram à reclusão e que demonstra forte capacidade para evoluir na sociedade sem atentar contra bens jurídicos tão relevantes que uma sua violação faz desencadear uma reacção penal.
Significa isto que, feita a conjugação e ponderação dos factores supra enunciados, a liberdade condicional deverá ser concedida quando o julgador conclua que o condenado reúne condições que, razoavelmente, fundam a expectativa de que, uma vez colocado em liberdade, assumirá a espécie de condutas conformes às regras da comunidade.
Inversamente, a liberdade condicional deverá ser negada quando o julgador conclua que o condenado não reúne tais condições, seja porque o juízo contrário se revela carecido de razoabilidade, seja porque se revelaria temerário.
Na formulação deste juízo, o Tribunal de Execução de Penas deve basear-se em razões consistentes com os objectivos da decisão condenatória e fazer uma avaliação razoável à luz desses específicos objectivos. As circunstâncias do caso, a vida anterior do condenado, a sua personalidade e a evolução desta durante a execução da pena de prisão funcionam como índices de aferição da eventual ressocialização e da prognose sobre um comportamento futuro do condenado sem o cometimento de novos crimes.
No caso dos autos verifica-se, como decorre da factualidade dada como demonstrada, que a reclusa cumpre a pena única de 4 anos e 6 meses de prisão, à ordem do processo nº 476/22.5... do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo art. 21º, 1 da L 15/93 de 22/01.
A arguida não tinha antecedentes criminais, tendo à data da prática dos factos de 28 anos de idade, sendo nacional da ..., país para onde pretende regressar quando colocada em liberdade.
Acresce que a mesma, antes da sua reclusão, vivia integrada no seu meio familiar, inicialmente com os pais e posteriormente com o seu companheiro da época (o seu co-arguido), com quem tinha ido residir para os ..., em busca de melhores condições de vida, cerca de um mês antes dos factos em causa nos autos.
No seu país, depois de ter estudado até ao 12º ano, começou a trabalhar com 19 anos de idade, tendo desde então exercido uma qualquer actividade laboral.
Já no decurso da reclusão a recorrente e o seu co-arguido terminaram o relacionamento pretendendo a mesma regressar ao seu país, indo viver com a sua mãe e padrasto que se encontram disponíveis para a acolherem e auxiliarem incluindo a nível económico, sendo certo que a mesma conta, naquele seus país, com perspectivas de integração laboral.
Em reclusão, a recorrente tem mantido um comportamento adaptado, demonstrando hábitos de trabalho, verificando-se que está a trabalhar de modo regular na ....
É certo que ainda não beneficiou de licenças de saída jurisdicional, desconhecendo-se qual o motivo para tal circunstância – sendo certo que da factualidade dada como provada na decisão recorrida não resulta qualquer facto que se mostre impeditivo da referida concessão, designadamente a existência de qualquer incidente de índole disciplinar. Assim, está-se em crer, à antedita ausência de saídas jurisdicionais não será alheio o facto de a recorrente ter nacionalidade estrangeira, não dispondo no nosso país de apoio necessário para poder beneficiar da citada medida de flexibilização da pena. Por isso, esse condicionalismo não deve ser valorado em desfavor da recorrente, já que se prenderá ao facto da reclusa não ter um qualquer vínculo – familiar, laboral ou social – com Portugal.
Ou seja, da decisão recorrida decorrem circunstâncias de que resulta que a recorrente é ainda uma jovem que, querendo, poderá vir a integrar-se na sociedade sem cometer novos crimes, tanto mais que em reclusão tem vindo a demonstrar um percurso de adaptação, de cumprimento de regras e de integração laboral.
Por outro lado, do Acórdão condenatório também resulta que a arguida confessou os factos e que a quantidade de droga que ela e o seu co-arguido transportavam não era significativa (cerca de 500g transportadas pela arguida e pouco mais de 800 gramas no caso do seu co-arguido), atendendo a que se tratavam de “correios de droga”.
Ora, o prolongamento da duração das penas de prisão apresenta necessariamente um inequívoco prejuízo para a saúde mental dos prisioneiros, depauperando, identicamente, a sua saúde mental. Taipa de Carvalho (in Direito Penal Parte Geral Questões Fundamentais, p. 109) assinala que «a realidade dos estabelecimentos penitenciários tem demonstrado uma contradição entre a finalidade ressocializadora da pena e a realidade dessocializadora e criminógena dos estabelecimentos prisionais, sendo estes considerados verdadeiras “escolas do crime”.»
Ou seja, a execução de uma pena não pode, sob pena de se funcionalizar, olvidar a ideia de humanidade no cumprimento das penas, designadamente considerando o respeito pelos direitos fundamentais do recluso.
In casu, como já se procurou salientar, o percurso prisional da recorrente é francamente positivo, pautando-se pela tentativa de aquisição de valências, designadamente laborais, que lhe facultem a possibilidade de evoluir comunitariamente de forma válida.
No tocante ao segundo pressuposto supra enunciado está em causa a tutela do ordenamento jurídico e as exigências de prevenção geral positiva, no confronto da sociedade em geral e da vítima em especial, para avaliar da suficiência da medida para assegurar a ordem e a paz social.
No que diz respeito a tal pressuposto, como resulta do que supra já se deixou dito, concorda-se com o que ficou exarado na decisão condenatória no sentido de que as exigências de prevenção geral não são muito elevadas, designadamente porque, como ocorreu no caso dos autos, o transporte intercontinental de droga por via aérea, a cargo de pessoas contratadas para o efeito, que viajam como vulgares passageiros de avião e que levam a droga disfarçada no interior do próprio corpo, não permite a passagem de grandes quantidades de estupefacientes, sendo certo que nem a arguida, nem o seu co-arguido eram os donos do produto que transportavam, nem estavam ligados ao circuito comercial dos estupefacientes, limitando-se a actuar do modo como o fizeram para obterem proventos económicos, também eles não muito elevados.
Com efeito, como se pode ler no AC. do STJ de 09/06/2010, proferido no proc nº 294/09.6JELSB.L1.S1 em que foi relator HENRIQUES GASPAR, “A dimensão dos riscos e das consequências faz surgir, neste domínio, uma particular saliência das finalidades de prevenção geral – prevenção de integração para recomposição dos valores afectados e para a afirmação comunitária da validade das normas que, punindo as actividades de tráfico, protegem tais valores.
Mas também, por isso mesmo, a dimensão da ilicitude que impõe o primado das finalidades de prevenção geral tem de estar conformada pela situação concreta e pelas variadas formulações, objectivas e subjectivas, da actividade que esteja em causa.
O nível e a densidade da ilicitude constituem, nos crimes de tráfico de estupefacientes, os elementos referenciais das exigências de prevenção geral.
No caso, o recorrente efectuava por via aérea, de ... com destino a ..., um transporte de cocaína com o peso líquido de três quilos quatrocentas e quinze gramas, não se demonstrando que tivesse ligação à origem ou ao destino do produto, nem se provando participação ou interesse no destino ou nas vantagens do comércio para além do pagamento do serviço avulso de transporte; de acordo com os factos provados, o recorrente efectuava uma tarefa vulgarmente designada como “correio” de droga, esperando obter com tal colaboração cerca de seis mil euros.
A intervenção dos “correios” na logística e nos circuitos de distribuição de estupefacientes suscita problemas específicos, tanto na apreciação, dimensão e projecções de ilicitude, como nas consequentes exigências de prevenção geral.
Numa certa perspectiva, a actividade dos “correios” pode ser considerada como relativamente marginal, pela natureza fragmentária que revela e pela comum dissociação dos agentes em relação ao domínio das actividades organizadas de tráfico; constituem, por regra, prestadores avulsos de serviços, sem integração nas organizações, sem intervenção no domínio dos circuitos e sem partilha dos proventos do tráfico organizado.
Mas, do plano das organizações, a utilização de “correios” permite a dispersão dos riscos de apreensão de grandes quantidades unitárias e o benefício logístico da desconcentração do transporte pela utilização de rotas variadas, potenciando os modos de transporte do produto.
Há, pois, por este lado das coisas, uma ponderação no plano da ilicitude e da prevenção geral que não pode ser desconsiderada.
Deste modo, em conjugação destes factores de apreciação e decisão, as imposições de prevenção geral assumem relevância decisiva, consideradas a contribuição da actividade de transporte através de “correios” para a projecção espacial e difusão do produto e a necessidade de reafirmar, através da sanção, a validade dos valores essenciais afectados.
Mas as exigências de prevenção geral têm de ser coordenadas em cada caso com o princípio da culpa e com os limites da culpa.
Aqui, as condições pessoais e de vida do recorrente, a confissão (não tanto por si, visto o modo de verificação dos factos, mas como revelação do espaço interior de afirmação e de interiorização do desvalor), mas especialmente as condições pessoais e de vida, a idade, a situação de carência e de saúde, aconselham a acentuação da culpa como limite da função utilitarista da prevenção geral.
Ora, neste momento, em que como já se viu as exigências de prevenção especial se mostram asseguradas, de um ponto de vista predominantemente teleológico, não se justifica que razões de prevenção geral – prevalentemente abstractas – se impeça a reintegração da recorrente, que atendendo às respectivas condições pessoais da mesma, só poderá ser efectiva, junto da sua família, no ambiente do seu país de origem e através da respectiva inserção laboral.
Ou seja, neste circunstancialismo, a reinserção comunitária da recorrente será indubitavelmente de mais fácil consecução submetida à liberdade condicional do que com a manutenção da reclusão.
Neste conspecto, e atendendo a que as razões preventivas de natureza geral se encontram cumpridas a um nível satisfatório, a reclusão da recorrente já se não mostra suportável, atendendo ao concreto condicionalismo vivenciado pela mesma.
Assim, diferentemente do que foi considerado na decisão objecto de recurso, tem necessariamente de se concluir que estão, nesta fase, reunidos os pressupostos que impõem a aplicação à reclusa (que ao mesmo anuiu) do instituto da liberdade condicional.
V- Decisão:
Face ao exposto, acordam os juízes do Tribunal da Relação de Lisboa em conceder provimento ao recurso, determinando-se que à recorrente AA seja concedida liberdade condicional, com efeitos imediatos e até ao fim da pena em cumprimento, com as seguintes condições:
a) Fixar residência em ..., de onde se não poderá ausentar por mais de cinco dias sem prévia autorização do Tribunal;
b) Manter conduta socialmente adequada e dedicar-se, com regularidade, a uma ocupação laboral;
c) Contactar a Equipa de Reinserção Social da Direcção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais – Lisboa Penal 1 (Av. Almirante Reis, 72, 1150-020 Lisboa; Tel. (+351) 218 812 200; Fax. 213 176 121; correio.lisboa.p1@dgrs.mj.pt), no prazo de 5 (cinco) dias após a libertação e sempre que lhe for solicitado e, aceitando a sua tutela, contactar a mesma sempre que lhe seja solicitado, cumprir as ordens legais e recomendações que lhe sejam transmitidas.
*
Notifique, sendo a condenada com cópia desta decisão, devendo o mesmo ser advertido, antes da libertação, de que:
1) A falta de cumprimento das condições e regras de conduta impostas pode acarretar as consequências previstas nas alíneas a) a c), do artigo 55.º, do Código Penal;
2) A liberdade condicional será revogada se, no seu decurso, a libertada condicionalmente:
a) Infringir, grosseira ou repetidamente, as condições impostas; ou
b) Cometer crime pelo qual venha a ser condenada e revelar que as finalidades que fundamentam a presente liberdade condicional não puderam ser alcançadas por essa via, o que determinará a execução da pena de prisão ainda não cumprida, nos termos previstos no artigo 64.º, do Código Penal.
*
Notifique.
Passe mandados de Libertação imediata da condenada, caso não interesse a sua prisão à ordem de outro processo.
*
Não há lugar a custas (art. 513º do CPPenal, aplicável, ex vi art. 154º do CEP).
*
Lisboa, 26 de Junho de 2025
Rosa Maria Cardoso Saraiva
Jorge Rosas de Castro (com voto de vencido de acordo com declaração junta)
Diogo Coelho Sousa Leitão
*
Voto vencido
Sabemos que são dois os requisitos materiais para concessão da liberdade condicional ao meio da pena, à luz do art. 61º, nº 2 do Código Penal:
i. que seja fundadamente de esperar, atentas as circunstâncias do caso, a vida anterior do agente, a sua personalidade e a evolução desta durante a execução da pena de prisão, que o condenado, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes; e
ii. que a libertação se revele compatível com a defesa da ordem jurídica e da paz social.
Estamos diante requisitos cumulativos: o condenado pode ter um comportamento prisional exemplar; pode ter aproveitado a reclusão para se valorizar pessoal, académica e profissionalmente; pode não ter outros antecedentes criminais; pode ter no exterior uma excelente rede social de contactos e de apoio à reinserção; pode, em suma, ser claramente favorável o juízo de prognose sobre o seu comportamento futuro; se, porém, a libertação não for compatível com a defesa da ordem jurídica e da paz social, a liberdade condicional não pode ser concedida.
Ora, é aqui que reside a nossa divergência face à posição que fez vencimento no acórdão, que em larga medida se prende com a leitura das chamadas exigências de prevenção geral, ou seja, com a necessidade sentida pela comunidade de ver reforçada a confiança em que as normas e valores ofendidos ou postos em perigo pela prática criminosa continuam válidos, vigentes e são adequadamente protegidos pelo sistema legal e judiciário.
Expliquemos muito sucintamente a nossa posição.
O tráfico de estupefacientes é um fenómeno altamente perturbador da paz social: pelo flagelo humano a que dá origem, sobretudo nas grandes cidades; pela criminalidade associada que induz, alguma dela grave, como sucede com os roubos; pela própria perigosidade inerente à existência e ao funcionamento de redes organizadas.
Ora, neste momento, esta é reconhecidamente uma das ameaças maiores que o nosso País e o mundo (sim, o mundo) enfrentam em termos de criminalidade e de perturbação social. Não se trata apenas de uma perceção empírica; é uma realidade que os números e relatórios oficiais documentam e cujo combate passa (também) pelo universo da execução de penas – somos claramente local de destino e de trânsito de grandes quantidades de estupefaciente, proveniente em medida muito expressiva da América do Sul (veja-se o Relatório Anual de Segurança Interna de 2024).
As exigências de prevenção geral, em matéria de tráfico de estupefacientes, no âmbito do art. 21º do D.L. nº 15/93 são pois, por regra, nos nossos dias, muito elevadas, o que não pode deixar de se refletir na determinação da medida da pena, desde logo, mas também na ponderação do sim ou não à liberdade condicional, e em particular, no caso desta, quando do que se trata é de um marco tão sensível quanto o é o meio da pena. Não cremos, nestas circunstâncias, que faça muito sentido graduar-se a pena, no momento da sua determinação, em ponto que satisfaça as exigências de prevenção geral se depois, no momento da sua execução e sem que haja mudança sensível nas mesmas exigências de prevenção geral, aquela graduação se reduz, em termos prático-jurídicos, a metade.
Decerto que as situações não são todas iguais e há espaço para ajustamentos às especificidades dos casos concretos.
Mas será que existem na situação em apreço razões que tornem já suficiente, do ponto de vista da defesa da ordem jurídica e da paz social, o cumprimento, pela Recorrente, de não mais que metade da pena fixada?
Com o devido respeito para com a posição que fez vencimento no acórdão, não vemos essas razões.
Primeiro ponto: do que se trata é de cerca de um quilo e trezentas gramas de cocaína; não é coisa pouca - se considerarmos o que resulta da Portaria 94/96, a quantidade em causa daria para não menos que 6.500 doses médias individuais diárias.
Segundo ponto: esta cocaína foi trazida pela Recorrente e pelo co-arguido do Brasil para Portugal, por via aérea, no papel bem conhecido de «correios de droga».
Não haja dúvida que os chamados «correios de droga» são, quantas vezes (e aqui será o caso) pessoas que, fruto das dificuldades sociais e económicas em que vivem nos seus lugares de origem, arriscam-se a fazer este tipo de serviço em contexto de necessidade; como não haja dúvida que, dentro ou associados a grandes organizações criminosas, esses «correios de droga» estão muito longe de ser dos que mais lucram com o tráfico, não têm o domínio do negócio e expõem-se. Mas não haja também dúvida alguma de que os grandes circuitos de tráfico se servem deles, e precisam deles, para procederem ao transporte internacional de quantidades nada despiciendas de droga e para a fazer chegar ao consumidor.
Face à situação atual de extrema delicadeza em que o nosso País se encontra no âmbito do tráfico internacional, a comunidade exige, e com boa razão, que não possa em circunstância alguma passar para o grande crime e para os seus colaboradores a mensagem de que vale a pena tentar.
A concessão da liberdade condicional ao meio da pena em situações como a da Recorrente não contribuirá para a pacificação social; ao invés, dá origem a sentimentos de insegurança; gera a convicção de que são frágeis as reações penais; fomenta a ideia de que o sistema não é suficientemente dissuasor.
Por fim, acrescente-se, ainda que em jeito lateral, que não deixa de ser algo sintomático que todos os elementos do Conselho Técnico tenham lavrado parecer desfavorável à liberdade condicional, e que no mesmo sentido se tenham desenvolvido as posições expressas pela Digna Magistrada do Ministério Público junto da 1ª Instância e pela Sra. Procuradora-Geral Adjunta.
Em suma, teria confirmado a decisão recorrida.