SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA
PRORROGAÇÃO DO PRAZO
Sumário

(Sumário da responsabilidade do Relator)
I-A revogação da suspensão de execução da pena depende da verificação da dupla condição consubstanciada no cometimento de um novo crime e que isso infirmou, de forma definitiva, o juízo de prognose favorável em que a suspensão se baseou, no sentido de que deixou de ser possível esperar, fundadamente, que no futuro o condenado se afaste da prática de outros crimes.
II -O acento tónico está colocado, não no cometimento de crime durante o período da suspensão da pena de prisão e na correspondente condenação, mas no facto de o cometimento do segundo crime e a respetiva condenação revelarem a inadequação da suspensão para prosseguir as finalidades da punição.
III-Em todo o caso, a revogação surge sempre como último ratio e só terá lugar quando estiverem esgotadas ou se revelarem ineficazes as providências do art.º 55º do CP.

Texto Integral

Acordam no Tribunal da Relação de lisboa

I-Relatório
No processo comum (tribunal singular), do Juízo Local ... – foi decidido, por despacho de 13-05-2025, o seguinte:
“Em face do exposto, e concordando com a douta promoção que antecede, revogo a suspensão da execução da pena de 4 meses de prisão a que o arguido AA foi condenado e, em consequência, determino o cumprimento da correspondente pena de prisão – cf. artigo 56.º, n.º 1, al. b), do Código Penal”
***
Não se conformando com essa decisão, o MP recorreu para este Tribunal da Relação formulado as seguintes conclusões (transcrição):
1.O presente recurso tem por objeto o despacho proferido a 13.05.2025 através do qual o tribunal a quo revogou a suspensão da execução da pena de prisão.
2. Entende o recorrente que o despacho a quo violou e fez uma errada interpretação do disposto nas alínea a) e b) do n.º 1 do art.º 56 do CP.
3. Em 20.10.2024, o arguido, ora recorrente praticou idêntico facto que determinou a sua comissão na prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, e por ele foi condenado, na pena de 6 meses de prisão, suspensão na sua execução por 1 ano, sujeito a regime de prova.
4. Determina a alínea b) do art.º 56.º do CP que : “1 - A suspensão da pena de prisão é revogada sempre que, no seu decurso, o condenado: b) cometer crime pelo qual venha a ser condenado , e revelar que as finalidades que estavam na base da suspensão não, puderam, por meio delas, ser alcançadas.”.
5. Do elemento literal do referido preceito legal, a condenação à posteriori que venha a verificar-se por crime de idêntica natureza, não constitui condição ope legis, para que se opere a revogação da suspensão da execução da pena de prisão que beneficiará em momento pretérito.
6. Seguindo de perto os ensinamentos do prof. Pinto Albuquerque, no seu comentário ao CÓDIGO PENAL, ensina-nos que “(…) Só a condenação em pena de prisão efetiva pode revelar que as finalidades que estiveram na base de uma decisão prévia de suspensão não puderam ser alcançadas, pois a condenação em pena de multa ou em pena substitutiva supõe um juízo de prognóstico ainda favorável ao agente pelo tribunal da segunda condenação
(….)”
7. Entende o Recorrente por esta razão que o tribunal violou e fez uma errada interpretação do disposto na alínea b) do n.º 1 do art.º 56 do CP, na medida em que, apenas motivaria à luz daquele preceito a revogação da suspensão da execução da pena de prisão, a condenação do arguido pela prática de um crime em pena de prisão efetiva, pois que só essa, por si só, poderia evidenciar que as finalidades subjacentes à suspensão de que beneficiou não poderão ser alcançados.
8. Não é imputado ao arguido qualquer incumprimento grosseiro ou culposo quanto aos deveres que fazem parte no plano de conduta que lhe foi gizado pela DGRSSP.
9. Pelo que, por essa razão entende o recorrente que o tribunal a quo violou o disposto na alínea a), do n.º 1 do art.º 56.º do CP.
***
Notificado, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 413º do Código de Processo Penal, o MP respondeu (conclusões):
1.Os antecedentes criminais e a proximidade dos valores que vêm sendo violados pelo recorrente, são indicativos de que as exigências de prevenção especial são elevadas;
2. As exigências de prevenção geral, falando-se de condução sob a influência do álcool são, publica e notoriamente, elevadas;
3. A decisão sob recurso foi a que se impunha para que as normas penais, e as condenações que já sofreu, não sejam “letra morta”.
***
Admitido o recurso, foi determinada a sua subida imediata, nos autos e com efeito suspensivo.
***
Neste Tribunal, na vista a que se refere o art.º 416º do CPP, o Mº. Pº aderiu à fundamentação expendida na resposta ao recurso apresentada pelo MP junto do tribunal recorrido.
***
Não foi dado cumprimento ao disposto no artigo 417º nº 2 em virtude do MP, junto deste tribunal, não ter elaborado uma pronúncia autónoma.
***
II-Delimitação do objeto do recurso.
Nos termos do art.º 412.º do Código de Processo Penal, e de acordo com a jurisprudência há muito assente, o âmbito do recurso define-se pelas conclusões que o recorrente extrai da motivação por si apresentada. Não obstante, «É oficioso, pelo tribunal de recurso, o conhecimento dos vícios indicados no artigo 410.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito» [Acórdão de Uniformização de Jurisprudência 7/95, Supremo Tribunal de Justiça, in D.R., I-A, de 28.12.1995].
Desta forma, tendo presentes tais conclusões, é a seguinte a questão a apreciar:
Se deve ser revogada a suspensão de execução da pena ou prorrogado o período de suspensão.
***
III-Fundamentação
O despacho recorrido tem o seguinte teor (transcrição):
“Por sentença de 22-01-2024, foi o arguido AA condenado pela prática, em autoria material, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido pelo artigo 292.º, n.º 1.º, do Código Penal na pena de 4 (quatro) meses de prisão, suspensa na sua execução pelo prazo de 1 (um) ano nos termos do artigo 50.º, n.º 1.º e 5.º, do Código Penal, subordinada ao acompanhamento de regime de prova assente num plano de reinserção social, elaborado e executado, com vigilância e apoio, durante o tempo de duração da suspensão, pelos serviços de reinserção social, devendo o mesmo conter, além do mais, as regras de conduta para o plano de readaptação e aperfeiçoamento da responsabilidade do arguido, vocacionado para a temática prevenção e segurança rodoviária dirigido ao consumo de álcool, nos termos dos artigos 53.º e 54.º, do Código Penal, e condicionada à obrigação de, durante o período de suspensão:
i. Submeter-se à realização de uma consulta em médico da especialidade e subsequente tratamento médico contra a dependência de álcool e/ou a cura em instituição adequada, caso tal seja prescrito pelo médico assistente. Esta decisão transitou em julgado em 19-02-2024.
Compulsados os autos, designadamente, o certificado do registo criminal, constata-se que em 20/10/2024, o arguido voltou a praticar o crime de condução de veículo em estado de embriaguez, e por ele foi condenado, de entre o mais, na pena de 6 meses de prisão, suspensa na sua execução por 1 ano, sujeito a regime de prova.
Em 27-02-2024 foi junto aos autos relatório da DGRSP, dando nota do seguinte: “No âmbito do acompanhamento em apreço foi solicitada marcação de consulta de alcoologia ao ... e o condenado foi encaminhado para este organismo. Não manteve a frequência esperada nas referidas consultas, referindo acompanhamento e realização de análises e consulta de reavaliação na ....
Do que foi possível apurar manteve o consumo de substâncias etílicas, com recidiva abusiva, diligenciando por sua iniciativa novo internamento na ..., atendendo a um novo contacto judicial por crime de idêntica natureza (factos datados de 20 de outubro de 2024) que resultou em nova condenação na pena de seis meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de um ano (Processo n.º187/24.7..., Juízo de Competência Genérica de ...). (…)
O condenado compareceu às entrevistas na DGRSP e frequentou a sessão referente à atividade Taxa.0. Patenteou-se um perfil com dificuldades no autocontrolo ao nível dos consumos de substâncias etílicas, tendo apresentado recidiva, com novo contacto judicial por crime de idêntica natureza e que resultou em nova condenação.”
Das declarações que prestou – cf. artigo 495.º, do Código de Processo Penal – resulta que o condenado se limita a assumir os seus erros (a ingestão de bebidas alcoólicas), e não tem explicação para os seus comportamentos delituosos, não sabe por que os cometeu. Referindo que tem cumprido as consultas médicas agendadas.
Com efeito, o condenado, apesar dos vários internamentos, tem sempre recaídas, não se consciencializando que não pode conduzir estando sob efeito de álcool.
O seu percurso criminal revela que não interiorizou o desvalor das sua condutas, nem o sentido e propósitos das condenações a que foi sujeito, demonstrando insensibilidade pelos valores da comunidade que integra, pelo trabalho dos técnicos de reinserção social e pelas decisões judiciais que lhe deram sucessivas oportunidades.
Durante o período de suspensão da execução da pena de prisão aplicada nos presentes autos, o arguido praticou factos pelos quais veio a ser condenado e a suspensão na execução da pena de prisão - período que o condenado deve aproveitar para refletir e adotar um comportamento particularmente correto - foi absolutamente ineficaz.
Conclui-se, assim, que a simples censura de facto que estava na base da suspensão não possibilitou que se alcançassem as respetivas finalidades, tanto mais que foi condenado pela prática de crime contra a autoridade e a segurança rodoviária, o que denota uma elevada insensibilidade em relação aos bens jurídicos protegidos por normas incriminadoras e, bem assim, pelas condenações a que foi sujeito.
O juízo de prognose favorável à suspensão na execução da pena de prisão foi objetivamente posto em causa pela condenação subsequente.
Determina o artigo 56.º, n.º 1, al. b), do Código Penal, que a suspensão da execução da pena de prisão é revogada sempre que no seu decurso o condenado “cometer crime pelo qual venha a ser condenado, e revelar que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, serem alcançadas”.
Em face do exposto, e concordando com a douta promoção que antecede, revogo a suspensão da execução da pena de 4 meses de prisão a que o arguido AA foi condenado e, em consequência, determino o cumprimento da correspondente pena de prisão – cf. artigo 56.º, n.º 1, al. b), do Código Penal.
Notifique.
Após trânsito, emita mandado de detenção e condução e remeta boletim ao registo criminal. Comunique à equipa da DGRSP que acompanha o condenado”
Cumpre apreciar os fundamentos do recurso.
No dia 27-2-2025 foi elaborado o relatório final relativo ao regime de prova.
Em 20/10/2024 o arguido voltou a praticar o crime de condução de veículo em estado de embriaguez, e por ele foi condenado, de entre o mais, na pena de 6 meses de prisão, suspensa na sua execução por 1 ano, sujeito a regime de prova.
O arguido foi ouvido, nos termos do artigo 495º nº 2 do CPP, no dia 21-3-2025, das quais resulta, quanto às suas condições pessoais, que trabalha como ..., tem a seu cargo a sua mulher, a qual não exerce profissão remunerada, e um filho menor. Resulta, também, apesar de algumas fragilidades quanto ao controlo de consumo de bebidas alcoólicas, que o arguido assume padecer de um problema aditivo e que tem vontade, demonstrada nas consultas médicas e internamento na ..., em tratar essa dependência.
No dia 11-4-2025 o arguido pronunciou-se, através de requerimento dirigido ao processo, nos seguintes termos: “Por tudo o exposto, a defesa do arguido requer que não seja revogada a suspensão da execução da pena de prisão a que o arguido foi condenado, antes pelo contrário, requer que seja prorrogado o período de suspensão da execução da pena de prisão que lhe foi aplicada, nos termos do disposto no artigo 55.º, al. d) do C.P., devendo o arguido cumprir escrupulosamente o que ficou delineado, comprovando nos presentes autos até ao termo do prazo.”
Está em causa, nos presentes autos, a revogação da suspensão da execução da pena de 4 meses de prisão aplicada ao recorrente, com base no fundamento previsto na alínea b) do artigo 56.º, n.º 1 do Código Penal.
O artigo 50.º, n.º1, do Código Penal, dispõe: «1-O tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
A suspensão da execução da pena de prisão constitui uma verdadeira pena autónoma de substituição cujo cumprimento é feito em liberdade e pressupõe a prévia determinação da pena de prisão, em lugar da qual é aplicada e executada.
Para que o tribunal possa lançar mão desta pena de substituição é necessário, em primeiro lugar, a presença de um pressuposto formal de que a medida da pena imposta ao agente não seja superior a cinco anos de prisão e, em segundo lugar, a verificação de um pressuposto material que se traduz na formulação de um juízo de prognose favorável relativamente ao comportamento daquele, em que o tribunal conclua que, atenta a sua personalidade, as condições de vida, a sua conduta anterior e posterior ao crime e as respetivas circunstâncias, a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
Quanto ao pressuposto material, ou seja, quanto ao juízo de prognose favorável este tem de reportar-se ao momento em que a decisão de suspensão de execução da pena é tomada e pressupõe uma valoração conjunta de todos os elementos que tornem possível concluir que o agente irá sentir a condenação como uma solene advertência, ficando, assim, o eventual cometimento de novos crimes prevenido com a simples ameaça da prisão.
Quanto à revogação da suspensão de execução da pena estabelece o artigo 56.º do C.P o seguinte:
1–A suspensão da execução da pena de prisão é revogada sempre que, no seu decurso, o condenado:
a)-Infringir grosseira ou repetidamente os deveres ou regras de conduta impostos ou o plano de reinserção social; ou
b)-Cometer crime pelo qual venha a ser condenado, e revelar que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas.
2–A revogação determina o cumprimento da pena de prisão fixada na sentença, sem que o condenado possa exigir a restituição de prestações que haja efetuado.”
Daqui decorre que a decisão que determina o cumprimento da pena de prisão substituída, não constitui uma consequência imediata e automática da conduta do condenado, antes depende da constatação, após realizadas as diligências que a lei determina e aquelas que o tribunal considera adequadas, de que as finalidades punitivas que estiveram na base da aplicação da suspensão já não podem ser alcançadas através dela, frustrando-se, definitivamente, o juízo de prognose anteriormente efetuado.
No que concerne ao crime cometido no decurso da suspensão, porque a lei não distingue, ele tanto pode ser doloso, como pode ser negligente.
O artigo 56.º, n.º1, alínea b) do CP não distingue, para efeitos de revogação da suspensão, que o crime praticado no decurso do período de suspensão tenha a natureza do crime punido com a pena de substituição, sendo ainda irrelevante o tipo de pena àquele aplicada.
Como se refere o Ac. do TRL de 10-05-2022, proferido no processo nº 2755/14.6PYLSB-aL1 “Porém, o cometimento de crime não desencadeia, de forma automática, a revogação da suspensão, pois nos termos da alínea b), do n.º1, do aludido artigo 56.º, mesmo a condenação por um crime cometido no decurso do período de suspensão da execução da pena de prisão só implica a revogação da suspensão se tal facto infirmar, de modo definitivo, o juízo de prognose favorável que esteve na base da suspensão, quer dizer, se revelar que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas”.
Assim sendo, o acento tónico está colocado, não no cometimento de crime durante o período da suspensão da pena de prisão e na correspondente condenação, mas no facto de o cometimento do segundo crime e a respetiva condenação revelarem a inadequação da suspensão para prosseguir as finalidades da punição.
Ou seja, partindo do caso concreto tem que se extrair que não é mais possível efetuar um juízo de prognose favorável em relação ao condenado, e que as finalidades que estiveram na base da suspensão da execução da pena estão irremediavelmente comprometidas.
Conforme refere Paulo Pinto de Albuquerque (Comentário do Código Penal, 3ª ed., pág. 317), “o critério material para decidir sobre a revogação da suspensão é exclusivamente preventivo, isto é, o tribunal deve ponderar se as finalidades preventivas que sustentaram a decisão de suspensão ainda podem ser alcançadas com a manutenção da mesma ou estão irremediavelmente prejudicadas em virtude da conduta posterior do condenado”.
Daqui decorre, sobretudo naquelas situações em que o crime cometido no período da suspensão da execução da pena corresponde a um comportamento meramente ocasional e não a um modo-de-ser do arguido, que ainda será possível concluir que as finalidades da suspensão não foram, em definitivo, comprometidas.
No caso que estamos a analisar, a revogação da suspensão de execução da pena depende da verificação da dupla condição consubstanciada no cometimento de um novo crime e que isso infirmou, de forma definitiva, o juízo de prognose favorável em que a suspensão se baseou, no sentido de que deixou de ser possível esperar, fundadamente, que no futuro o condenado se afaste da prática de outros crimes.
Este segundo elemento exige, deste modo, que em concreto e tendo por referência o momento temporal em que se toma a decisão de revogação, o cometimento do crime durante o período da suspensão é demonstrativo de que não se cumpriram as expectativas que motivaram a aplicação da suspensão de execução da pena e que esta se revela, assim, inadequada para se alcançarem as finalidades da punição, ou seja, que o arguido não volte a cometer novos crimes.
Para que o tribunal esteja em condições de concluir com segurança que não se cumpriram os objetivos procurados com a suspensão de execução da pena, terá de indagar, com vista a fundamentar a sua decisão, informações atualizadas (reportadas o mais próximo possível do momento da decisão a tomar) e em critérios preventivos reportados ao momento desta apreciação (não ao momento em que o agente cometeu o crime cuja execução da pena ficara suspensa).
Em todo o caso, a revogação surge sempre como último ratio e só terá lugar quando estiverem esgotadas ou se revelarem ineficazes as providências do art.º 55º do CP.
Com efeito, dispõe o artigo 55º do CP o seguinte:
Se, durante o período da suspensão, o condenado, culposamente, deixar de cumprir qualquer dos deveres ou regras de conduta impostos, ou não corresponder ao plano de reinserção, pode o tribunal:
a) Fazer uma solene advertência;
b) Exigir garantias de cumprimento das obrigações que condicionam a suspensão;
c) Impor novos deveres ou regras de conduta, ou introduzir exigências acrescidas no plano de reinserção;
d) Prorrogar o período de suspensão até metade do prazo inicialmente fixado, mas não por menos de um ano nem por forma a exceder o prazo máximo de suspensão previsto no n.º 5 do artigo 50.º
A revogação determina o cumprimento da pena de prisão fixada na sentença.
No caso em apreço, o arguido foi condenado, por sentença transitada em julgado em 22-1-2024, numa pena de 4 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de um ano, subordinada a regime de prova assente num plano de reinserção social, elaborado e executado, com vigilância e apoio, durante o tempo de duração da suspensão, pelos serviços de reinserção social, devendo o mesmo conter, além do mais, as regras de conduta para o plano de readaptação e aperfeiçoamento da responsabilidade do arguido, vocacionado para a temática prevenção e segurança rodoviária dirigido ao consumo de álcool, nos termos dos artigos 53.º e 54.º, do Código Penal, e condicionada à obrigação de, durante o período de suspensão, submeter-se à realização de uma consulta em médico da especialidade e subsequente tratamento médico contra a dependência de álcool e/ou a cura em instituição adequada, caso tal seja prescrito pelo médico assistente. Esta decisão transitou em julgado em 19-02-2024.
Não restam dúvidas de que o recorrente, no período de suspensão de execução da pena, por decisão de 20/10/2024, voltou a praticar o crime de condução de veículo em estado de embriaguez, e por ele foi condenado, de entre o mais, na pena de 6 meses de prisão, suspensa na sua execução por 1 ano, sujeito a regime de prova, o que faz com que se mostre preenchido o pressuposto formal para a revogação da suspensão.
Não restam dívidas, também, conforme resulta do relatório final relativo ao regime de prova, bem como do despacho recorrido, que o arguido padece de um problema de alcoolismo e que os crimes aqui em causa são uma consequência necessária desse problema aditivo. Resulta também destes elementos processuais que o arguido, durante a execução do regime de prova, compareceu às entrevistas na DGRSP e frequentou a sessão referente à atividade Taxa.0. Porém, ao nível da problemática do alcoolismo, demonstrou dificuldades quanto ao autocontrolo do consumo de bebidas alcoólicas, tendo apresentado recidiva, que culminou com o cometimento de um novo crime de idêntica natureza.
Há que ter presente que, quanto a este novo crime, não obstante o mesmo ter sido cometido cerca de 9 meses após a condenação sofrida nestes autos e ter sido cometido durante o período da suspensão de execução da pena, ainda assim o tribunal da nova condenação concluiu pela presença de um prognóstico favorável na medida em que suspendeu a pena de prisão imposta ao arguido, igualmente sujeita a regime de prova.
Assim, tendo em conta toda a informação que consta dos autos e tendo sempre por referência o momento temporal em que se toma a decisão de revogação, importa agora ponderar se o novo crime (de idêntica natureza) cometido pelo arguido, cerca de 9 meses após ter sido solenemente advertido pelo tribunal (em 22-1-2025), revela que a suspensão da execução da pena não teve qualquer efeito dissuasor da prática de novo crime, tendo sido definitivamente frustradas as expectativas comunitárias que assentavam na prognose de que o condenado iria conduzir futuramente a sua conduta conforme à norma e não voltaria a delinquir.
Dito de outro modo, há que avaliar se a conduta do arguido inviabilizou a satisfação das finalidades que estavam na base da pena de substituição de suspensão da execução da pena que lhe foi aplicada.
O tribunal recorrido considerou que as finalidades de prevenção especial que fundamentaram a aplicação da suspensão de execução da pena não foram alcançadas pelas seguintes razões:” Conclui-se, assim, que a simples censura de facto que estava na base da suspensão não possibilitou que se alcançassem as respetivas finalidades, tanto mais que foi condenado pela prática de crime contra a autoridade e a segurança rodoviária, o que denota uma elevada insensibilidade em relação aos bens jurídicos protegidos por normas incriminadoras e, bem assim, pelas condenações a que foi sujeito.
O juízo de prognose favorável à suspensão na execução da pena de prisão foi objetivamente posto em causa pela condenação subsequente”
Porém, para chegarmos a uma conclusão segura quanto à frustração do juízo de prognose, haverá que ter em conta outros fatores, que no caso concreto constam dos autos e não foram tidos em conta na decisão recorrida.
Assim, importa averiguar o que se passou durante o período de suspensão e as razões para o sucedido.
Importa ponderar, também, a relação temporal entre a data da suspensão da execução da pena e a data em que foi praticado o novo facto, a relação entre os dois crimes praticados, a análise das circunstâncias do cometimento do novo crime, ou seja, do quadro em que o condenado voltou a delinquir e o seu impacto negativo na obtenção das finalidades que justificaram a suspensão da pena.
Importa, ainda, ponderar a evolução das condições de vida do arguido até ao momento em que foi proferida a decisão de revogação, dado que é esse o momento a ter em conta para a decisão de revogar ou não a suspensão da execução da pena.
Tendo em conta o caso concreto, constata-se que o novo crime é igualmente uma consequência do problema aditivo do arguido, sendo que quanto a este novo crime o tribunal voltou a formular um juízo de prognose favorável, na medida que suspendeu a execução da pena. Verifica-se que após a prática do novo crime o arguido, apesar de revelar algumas fragilidades quanto ao controlo do consumo de bebidas alcoólicas, tem procurado, com recurso a consultas médicas e o acompanhamento decorrente do regime de prova, realizar tratamento médico quanto à sua problemática aditiva. Ora, esta atitude do arguido, não obstante algumas dificuldades, não pode deixar de ser valorada pelo tribunal no processo de decisão.
Há que ponderar, também, o esforço efetuado pelo arguido em procurar controlar a sua problemática aditiva e as consequências negativas que decorrem da interrupção deste tratamento. Não podemos ignorar que o tratamento do alcoolismo é um processo multifacetado que envolve, para além da desintoxicação, uma terapia individual e em grupo, medicamentos, apoio psicossocial e onde o suporte familiar assume grande relevância.
Deste modo, interromper, por agora, este processo de recuperação com a imposição ao arguido de uma pena curta de prisão (4 meses) será, necessariamente, negativo em termos de prevenção especial de ressocialização e não terá qualquer efeito positivo em termos do tratamento da dependência de que padece o arguido.
Não há notícia que o arguido tenha praticado crimes de outra natureza, o que reforça a conclusão de que os crimes aqui em causa são uma consequência necessária da doença crónica e multifatorial de que padece o arguido, sendo que a prevenção especial de ressocialização do arguido passa, obrigatoriamente, pelo tratamento do alcoolismo.
Conforme já vimos acima, para que se verifique a revogação da suspensão, a lei não se basta com a mera prática de um crime no período de suspensão da execução da pena, é necessário, ainda, que essa prática demonstre a frustração do juízo de prognose favorável subjacente à suspensão da execução da pena de prisão.
Neste contexto, tendo em conta todo o quadro circunstancial em que o arguido voltou a cometer o novo crime, sendo globalmente positivo o relatório da DGRSP junto aos autos, onde não se identificam, concretamente, factos que traduzam um incumprimento total do regime de prova, o facto dos crimes cometidos pelo arguido estarem diretamente relacionados com o problema de dependência alcoólica de que padece, afigura-se-nos não se justificar, pelo menos para já, a revogação da suspensão da execução da pena, já que os factos praticados no decurso do período de suspensão, tendo em conta as circunstâncias em que foi cometido, não frustram, em definitivo, o juízo de prognose favorável que esteve na base da dita suspensão.
Pelo contrário, justifica-se, neste momento processual, equacionar, tal como suscitado pelo próprio arguido, a prorrogação da suspensão e do regime de prova, dado que esta solução é aquela que melhor se ajusta às finalidades da punição, na medida em permite, não só a continuação do tratamento do alcoolismo, como um acompanhamento por parte dos serviços de reinserção social e do próprio tribunal do processo de recuperação do arguido.
Deste modo, decide-se, ao abrigo do disposto no artigo 55º al. d) do CP em prorrogar, por um ano, o período de suspensão de execução da pena sujeita a regime de prova, nos termos fixados na sentença 29-1-2024 proferida nestes autos.
Conclui-se, deste modo, que o recurso merece provimento.
IV – Decisão
Por todo o exposto, acordam os Juízes da 9.ª Secção desta Relação de Lisboa em conceder provimento ao recurso interposto pelo arguido AA revogando-se o despacho recorrido e determinando, ao abrigo do disposto no artigo 55º al. d) do CP, em prorrogar, por um ano, o período de suspensão de execução da pena sujeita a regime de prova, nos termos fixados na sentença 29-1-2024 proferida nestes autos.
Sem custas
Notifique

Lisboa, 26 de junho de 2025
Processado por computador e revisto pelo Relator (cf. art.º 94º, nº 2, do CPP).
Ivo Nelson Caires B. Rosa
Isabel Maria Trocado Monteiro
Ana Marisa Arnêdo