RECLUSO
SANÇÃO DISCIPLINAR
INADMISSIBILIDADE DE RECURSO
Sumário

(Sumário da responsabilidade da Relatora)
I. Em matéria de execução de penas e medidas de segurança, o princípio geral é o de que as decisões do Tribunal de Execução de Penas só são recorríveis nos casos expressamente previstos na lei;
II. É irrecorrível para o Tribunal da Relação a decisão do Tribunal de Execução de Penas que aprecia a impugnação do despacho do Director do Estabelecimento Prisional pelo qual foram aplicadas ao recluso medidas disciplinares.

Texto Integral

I. Relatório

AA, recluso no EP de ..., veio reclamar, nos termos do art. 450.º do CPP, do despacho que não admitiu o recurso que interpôs da decisão que julgou improcedente a impugnação da medida disciplinar aplicada pelo Director do Estabelecimento Prisional.
Alega, em síntese, que a correcta interpretação do art.235.º, n.º1 do Código da Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade não impõe qualquer irrecorribilidade das decisões proferidas pelo Tribunal de Execução de Penas, em sede de impugnação de sanções disciplinares aplicadas pelo Director do EP. Alega ainda que a medida disciplinar prevista nos arts. 105.º n.º 1 al. g) e 108.º do CEPMPL é desumana, afrontando directamente o disposto nos arts. 3.º e 13.º da Convenção Europeia dos Direitos Humanos.
Cumpre apreciar.
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II. Fundamentação
Da consulta dos autos resultam os seguintes factos com relevância para a decisão:
1. Por despacho de 12.03.2025 foi liminarmente rejeitada, nos termos do disposto no art.º 201 n.º 1 do Código de Execução das Penas, a impugnação apresentada pelo recluso da decisão do Director do Estabelecimento Prisional …, que lhe aplicou as medidas disciplinares de internamento em cela disciplinar, pelo período de 14 (catorze) dias e de suspensão da visita íntima, por um período de seis meses;
2. Por requerimento de 29.04.2025 o recluso interpôs recurso da referida decisão para o Tribunal da Relação de Lisboa;
3. Sobre o que foi proferido, em 27.05.2025, o seguinte despacho (reclamado):
Req. ref.ª(...)4585 – ...-...-2025:
Invocando o disposto no art.399º e segs do Código de Processo Penal, vem o recluso, através do seu Ilustre mandatário, apresentar recurso da decisão proferida nos presentes autos.
Salvo o devido respeito por outra opinião, ao contrário do referido, o CEPMPL não é omisso “quanto à possibilidade de recurso da decisão do Tribunal de Execução de Penas”, neste caso, da decisão de indeferimento da impugnação da sanção disciplinar.
O art. 235º n.º 1 do CEPMPL que dispõe que, das decisões do tribunal de execução de penas cabe recurso para a Relação nos casos expressamente previstos na lei, configura uma norma especial em relação à regra geral contida no art. 399º do Código de Processo Penal.
Daquela resulta que só cabe recurso das decisões do Tribunal de execução das penas nos casos expressamente previstos na lei (sublinhado nosso).
Neste âmbito, o regime adjectivo não prevê o direito de recurso das decisões do Tribunal de Execução de Penas de indeferimento de impugnação de medida disciplinar (arts. 114º, 200º e 206º).
Nesse mesmo sentido parece claramente apontar o art. 171º n.º 4 do Regulamento Geral dos Estabelecimentos Prisionais (D.L. n.º 51/2011, de 11.4) que dispõe que “Nos termos do n.º 2 do artigo 114º do Código, as medidas disciplinares de permanência obrigatória no alojamento ou de internamento em cela disciplinar não são executadas imediatamente, apenas se iniciando a execução quando se esgotar o prazo para a impugnação ou, se a decisão for impugnada, quando houver decisão definitiva do Tribunal de Execução das Penas” (sublinhado nosso).
Pelo exposto e razões aduzidas, ao abrigo do disposto nos arts. 154º e 235º n.º 1, ambos do CEPMPL e art. 414º n.º 2, 1ª parte do Código de Processo Penal, por inadmissibilidade legal, não admito o recurso interposto pelo recluso da decisão proferida nos autos.
Notifique.
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Dispõe o art. 235.º do Código da Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade sobre recursos admissíveis para o Tribunal da Relação:
1 - Das decisões do tribunal de execução das penas cabe recurso para a Relação nos casos expressamente previstos na lei.
2 - São ainda recorríveis as seguintes decisões do tribunal de execução das penas:
a) Extinção da pena e da medida de segurança privativas da liberdade;
b) Concessão, recusa e revogação do cancelamento provisório do registo criminal;
c) As proferidas em processo supletivo.
No caso, não está em causa qualquer das situações taxativamente previstas no n.º2 do artigo citado, nem está expressamente previsto na lei o recurso para o Tribunal da Relação da decisão do TEP que decide (no caso, indefere liminarmente, nos termos do art. 201 n.º 1) a impugnação da decisão administrativa que aplicou ao recluso sanções disciplinares.
O n.º1 do citado artigo do Código da Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade estabelece um princípio inverso ao previsto no art. 399.º do Código de Processo Penal, de acordo com o qual é permitido recorrer dos acórdãos, das sentenças e dos despachos cuja irrecorribilidade não estiver prevista na lei. Em matéria de execução das penas e medidas de segurança, a regra ou princípio geral é que as decisões do TEP só são recorríveis nos casos expressamente previstos na lei.
No sentido da irrecorribilidade da decisão do TEP que aprecia a impugnação da decisão de aplicar sanções disciplinares, parece apontar – como se escreveu o despacho reclamado - o art. 171º n.º 4 do Regulamento Geral dos Estabelecimentos Prisionais (D.L. n.º 51/2011, de 11.4) que dispõe que “Nos termos do n.º 2 do artigo 114º do Código, as medidas disciplinares de permanência obrigatória no alojamento ou de internamento em cela disciplinar não são executadas imediatamente, apenas se iniciando a execução quando se esgotar o prazo para a impugnação ou, se a decisão for impugnada, quando houver decisão definitiva do Tribunal de Execução das Penas” (destaque nosso).
No sentido da irrecorribilidade para o Tribunal da Relação da decisão do TEP que aprecia a impugnação da decisão de aplicação de sanção disciplinar, v. a decisão do Vice-presidente do TRE de 17.06.2024, proc. n.º 186/23.6TXEVR-B.E1 (disponível para consulta na íntegra em https://www.dgsi.pt/jtre.nsf/134973db04f39bf2802579bf005f080b/a6d0de39d8586f8280258b4600303db5?OpenDocument).
Quanto à alegada “notória e evidente violação dos arts. 3.º e 13.º da Convenção Europeia dos Direitos Humanos”, não pode proceder como fundamento para a admissão do recurso para o Tribunal da Relação, tratando-se de matéria respeitante ao próprio mérito do recurso. De resto, exorbitam também do âmbito da reclamação a arguição de nulidade do despacho reclamado, por omissão de pronúncia, ou a alegada injustiça da decisão impugnada.
Sendo que o direito a recurso perante uma instância nacional, (cfr. art. 13.º da CEDH) foi assegurado com a impugnação das sanções disciplinares aplicadas ao recluso para o Tribunal de Execução de Penas, ao abrigo do art. 200.º do CEPMPL, que estabelece o princípio geral de que as decisões dos serviços prisionais são impugnáveis, nos casos previstos no presente Código, perante o tribunal de execução das penas.
A admissão de recurso para o Tribunal da Relação está prevista em relação certos casos, nomeadamente no art. 222.º, para as situações previstas no Capítulo IX do Código, mas não em relação ao Capítulo VIII (arts. 200.º a 215.º), que regula a impugnação perante o TEP das decisões dos serviços prisionais.
Pelo que não resta senão concluir que não é admissível recurso para o Tribunal da Relação do despacho do Juiz do TEP que rejeita liminarmente a impugnação pelo recluso do despacho do Director do Estabelecimento Prisional pelo qual lhe foram aplicadas medidas disciplinares.
Improcede, pois, a reclamação.
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III. Decisão
Pelo exposto, julgo a reclamação improcedente.
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Lisboa, 28.06.2025
Eleonora Viegas
(Vice-Presidente, com competências delegadas)