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APREENSÃO DE VEÍCULO
LEVANTAMENTO
REGULAMENTO (EU) 2018/1805
DECISÃO-QUADRO 2003/577/JAI
DECISÃO-QUADRO 2006/783/JAI
Sumário
(Sumário da responsabilidade da Relatora) I. O Regulamento (EU) 2018/1805 de 28.11.2018 só se aplica às certidões de apreensão transmitidas em ou após 19 de Dezembro de 2020, nos termos dos seus arts. 40.º e 41.º. II. No caso vertente, têm aplicação, antes, as Decisões-Quadro (doravante DQ) 2003/577/JAI e 2006/783/JAI. III. Assim, tendo os recorrentes lançado-mão - e bem - do procedimento nacional com vista ao levantamento das apreensões, na qualidade de terceiros de boa-fé, que foi julgado improcedente, resta-lhes, agora, junto das autoridades de emissão e, querendo, obter o levantamento das apreensões.
Texto Integral
= Decisão Sumária =
I. Relatório
No processo de instrução n.º 3894/18.0...-A.L2 do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste, Juízo de Instrução Criminal de Sintra – Juiz 3, em que são arguidos, AA, BB e CC, com os demais sinais nos autos, a Sr.ª Juiz+ de Instrução Criminal (doravante JIC), por despacho exarado nos autos, indeferiu a sua pretensão no sentido de se solicitar à autoridade judiciária espanhola o levantamento da apreensão dos veículos com as matrículas ..-UN-.., ..-XA-.. e ..-UJ-.., defendendo para o efeito que já se mostra ultrapassado o prazo razoável de apreensão dos veículos sem qualquer acusação, nem indício, nem fundamento que justifique a manutenção de tal apreensão.
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Não se conformando com o mencionado despacho, dele interpuseram recurso os arguidos, formulando as seguintes conclusões (transcrição): «A) Inconformados com o conteúdo do despacho emanado pela Mm. ª Juiz de Direito, os Recorrentes, vêm, assim, interpor recurso do mesmo, em virtude de este consubstanciar uma violação do seu direito à propriedade, consagrado no art. 62º da Constituição da República Portuguesa; B) Tal despacho, com certificação citius a ...-...-2025, tem o seguinte teor: “Na sequência do Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa que confirmou a decisão que indeferiu a pretensão de AA, BB e CC de levantamento da apreensão das respetivas viaturas, pretendem agora os requerentes que se solicite junto da autoridade judiciária espanhola o levantamento da apreensão dos veículos com as matrículas ..-UN-.., ..-XA-.. e ..-UJ-.., defendendo para o efeito que já se mostra ultrapassado o prazo razoável de apreensão dos veículos sem qualquer acusação, nem indício, nem fundamento que justifique a manutenção de tal apreensão. O Ministério Público pronunciou-se no sentido de ser indeferido o requerido por se tratar de questão que já foi definitivamente apreciada. Efetivamente a pretensão dos requerentes não poderá proceder por duas ordens de razão: Em primeiro lugar, é aos requerentes que cumpre, se assim o entenderem, suscitar diretamente a questão perante a autoridade judiciária espanhola, não cabendo à autoridade portuguesa fazê-lo. Em segundo lugar, como se decidiu no Acórdão da Relação de Lisboa de 23 de fevereiro de 2023, já transitado em julgado, “(…) a estarem os veículos apreendidos à ordem dos presentes autos, há que manter a sua apreensão até quando a mesma se afigurar necessária pela autoridade judiciária, sem prejuízo de os terceiros de boa-fé, ofendido com tal apreensão, como são os recorrentes, poderem exercer os seus direitos de reparação relativamente àqueles que praticaram os atos ilícitos que estiveram na base da transmissão das referidas viaturas. Em face do exposto, e sem necessidade de mais desenvolvidos considerandos, indefere-se o requerido.”; C) A ...-...-2024, vieram os Recorrentes requerer à Mm. ª Juiz de Instrução Criminal, mediante requerimento, que solicitasse o levantamento da apreensão dos seus veículos à autoridade judiciária espanhola que a tinha ordenado, no âmbito do cumprimento da cooperação judiciária em matéria de direito penal; D) Por despacho de ...-...-2024 e respetiva certificação citius a ...-...-2025, a Mm. ª Juiz de Direito veio indeferir o pedido dos Recorrentes, recorrendo à seguinte fundamentação: “Em primeiro lugar, é aos recorrentes que cumpre, se assim o entenderem, suscitar diretamente a questão perante a autoridade judiciária espanhola, não cabendo à autoridade portuguesa fazê-lo. Em segundo lugar, como se decidiu no Acórdão da Relação de Lisboa de 23 de fevereiro de 2023, já transitado em julgado, “(…) a estarem os veículos apreendidos à ordem dos presentes autos, há que manter a sua apreensão até quando a mesma se afigurar necessária pela autoridade judiciária, sem prejuízo de os terceiros de boa-fé, ofendido com tal apreensão, como são os recorrentes, poderem exercer os seus direitos de reparação relativamente àqueles que praticaram os atos ilícitos que estiveram na base da transmissão das referidas viaturas.” E) Todavia, importa esclarecer, no que concerne ao segundo fundamento utilizado pela Mm. ª Juíza, que, a ...-...-2022, os Recorrentes dirigiram, ao Mm. º Juiz de Instrução Criminal, requerimento a solicitar o levantamento da apreensão dos seus veículos, nos termos do art. 178º, n.º 7 do CPP, tendo tal pedido sido indeferido por este. F) Nesta senda, os Recorrentes interpuseram recurso do despacho de indeferimento, emanado pelo MM. º Juiz de Instrução Criminal, para o Tribunal da Relação de Lisboa, defendendo o levantamento da apreensão dos veículos, em razão desta representar uma ponderosa violação do seu direito à propriedade, recurso esse que, por decisão proferida por aquele Tribunal de 2ª Instância, a ...-...-2023, foi considerado improcedente; G) No entanto, os pedidos feitos pelos Recorrentes, nos Requerimentos submetidos a ...-...-2022 e a ...-...-2024, correspondem a pedidos distintos, circunstância a que acresce o perpetuar da violação da sua propriedade privada, com a manutenção da apreensão dos seus veículos, sem fim à vista, e que legitima o seu novo pedido; H) Destarte, no requerimento datado de ...-...-2022, os Recorrentes solicitaram ao Mm. º Juiz de Instrução Criminal o levantamento da apreensão dos veículos, ao passo que, no requerimento submetido a ...-...-2024, os Recorrentes solicitaram à Mm. ª Juíza de Instrução Criminal que contactasse à autoridade judiciária espanhola que ordenou a apreensão dos veículos, solicitando-lhe o levantamento de tal medida, quanto aos veículos com as matrículas ..-UN-.., ..-XA-.. e ..-UJ-..; I) Deste modo, e como foi possível demonstrar, os despachos de indeferimento, emitidos pelos Meritíssimos Juízes de Instrução Criminal, versaram sobre pretensões distintas, J) A este propósito, importa referir o entendimento do Supremo Tribunal de Justiça, em Acórdão datado de 29 de dezembro de 2019, proferido no âmbito do processo 4043/10.8TBVLG.P1.S1, disponível em www.dgsi.pt: “A excepção de caso julgado e a autoridade de caso julgado são duas vertentes, a primeira negativa e a segunda positiva, dessa mesma realidade – o caso julgado. A excepção implica sempre a identidade de sujeitos, de pedido e de causa de pedir (cfr. art. 581º, nºs 1 a 4, do CPC). A autoridade do caso julgado não: exigir essa tríplice identidade equivaleria, como já se afirmou, a 'matar' esta figura; 'a autoridade existe onde a excepção não chega, exactamente nos casos em que não há identidade objectiva'. A excepção de caso julgado tem um efeito negativo de inadmissibilidade da segunda acção, impedindo qualquer decisão futura de mérito; na segunda acção, o juiz deve abster-se de conhecer do mérito da causa, absolvendo o réu da instância (art. 576º nº 2 do CPC). A autoridade de caso julgado 'tem o efeito positivo de impor a primeira decisão, como pressuposto indiscutível da segunda decisão de mérito. Este efeito positivo assenta numa relação de prejudicialidade: o objecto da primeira decisão constitui questão prejudicial na segunda acção, como pressuposto necessário da decisão de mérito que nesta há-de ser proferida (…). (…) Na excepção, a repetição deve ser impedida, uma vez que só iria reproduzir inutilmente a decisão anterior ou decidir diversamente, contradizendo-a. Na autoridade, há uma conexão ou dependência entre o objecto da segunda acção e o objecto definido na primeira acção, sem que aquele se esgote neste. Aqui, impõe-se que essas questões comuns não sejam decididas de forma diferente, devendo a decisão da segunda acção acatar o que foi decidido na primeira, como pressuposto indiscutível." K) Por conseguinte, não há qualquer identidade entre os pedidos feitos pelos Recorrentes nos sobreditos requerimentos, não estando verificada a exceção de caso julgado, nem existe qualquer relação de prejudicialidade ou dependência entre os pedidos feitos pelos Recorrentes, aos Meritíssimos Juízes de Instrução Criminal, a ...-...-2022 e a ...-...-2024, não havendo autoridade de caso julgado; L) Assim, o primeiro argumento utilizado pela MM. ª Juíza de instrução Criminal para indeferir o requerido pelos Recorrentes, mobilizado sem menção a qualquer normativo legal, de que caberia a estes solicitar o levantamento da apreensão, diretamente, à autoridade judiciária espanhola, enquanto entidade que ordenou a apreensão, não procede, como se demonstrará; M) Tal entendimento viola o princípio da cooperação judiciária em matéria penal entre Estados-Membros da União Europeia, prevista nos arts. 82º a 86º do TFUE, desconsiderando o consagrado no Regulamento (UE) 2018/1805, do Parlamento Europeu e do Conselho de 14 de novembro de 2018, quanto à matéria da apreensão dos bens em processo penal; N) Com este Regulamento, procurou a EU assegurar a uniformização do processo de reconhecimento mútuo das decisões de apreensão e perda nos Estado-Membros, prevendo o seu art. 4º, n.º 1 que “A decisão de apreensão é transmitida através de uma certidão de apreensão. A autoridade de emissão transmite a certidão de apreensão prevista no artigo 6.o diretamente à autoridade de execução ou, se aplicável, à autoridade central a que se refere o artigo 24.º, n.º 2, por qualquer meio que permita conservar um registo escrito e em condições que permitam à autoridade de execução determinar a autenticidade da certidão.”; O) Relativamente à manutenção da apreensão e às faculdades de que é titular a autoridade de execução da decisão, institui o art. 12º, n.º 2 do Regulamento 2018/1805, do Parlamento Europeu e do Conselho de 14 de novembro de 2018 que “A autoridade de execução pode, tendo em conta as circunstâncias do caso em apreço, apresentar um pedido fundamentado à autoridade de emissão no sentido de limitar a duração do período de apreensão dos bens. O pedido, acompanhado de eventuais informações justificativas pertinentes, é transmitido por qualquer meio que permita conservar um registo escrito e em condições que permitam à autoridade de emissão assegurar-se da autenticidade do pedido. Ao analisar tal pedido, a autoridade de emissão tem em conta os interesses de todas as partes, incluindo os da autoridade de execução. A autoridade de emissão responde ao pedido o mais rapidamente possível. Se não concordar com a limitação, a autoridade de emissão informa do facto a autoridade de execução, indicando os fundamentos da sua discordância. Nesse caso, os bens permanecem apreendidos nos termos do n.º 1. Se a autoridade de emissão não responder no prazo de seis semanas a contar da receção do pedido, a autoridade de execução deixa de estar obrigada a executar a decisão de apreensão.” P) Ora, transpondo tais considerações para o caso em apreço, a autoridade de execução é a autoridade judiciária portuguesa, a MM. ª Juíza de Instrução Criminal, ao passo que a autoridade de emissão é a autoridade judiciária espanhola que ordenou a apreensão dos suprarreferidos veículos, em sede de processo penal; Q) Os Regulamentos são atos legislativos de direito derivado da União Europeia, que gozam de aplicabilidade direta e vinculam, após a sua entrada em vigor, os Estados-Membros, de forma automática, inclusive, as suas autoridades judiciárias; R) Ademais, vigora o Princípio do Primado do Direito da União Europeia, que mesmo não estando expressamente plasmado no TUE e no TFUE, é reconhecido pelo TJUE, impondo a supremacia do direito da União Europeia sobre o direito nacional dos Estados-Membros, estando, por isso, uma autoridade de execução de um Estado-Membro obrigada a reconhecer, desde que verificados os requisitos para tal, uma decisão de apreensão emitida por uma autoridade de emissão de outro Estado-Membro; S) Posto isto, em observância dos princípios da cooperação judiciária, do reconhecimento mútuo e da reciprocidade, uma autoridade de execução está também obrigada a comunicar, quando tal seja preciso, com a autoridade de emissão da decisão de apreensão de outro Estado-Membro, de acordo com o previsto nos arts. 82º a 86º do TFUE e do Regulamento 2018/1805, do Parlamento Europeu e do Conselho de 14 de novembro de 2018; T) Consequentemente, a MM. ª Juíza de Instrução Criminal, dando cumprimento ao estipulado no art. 12º, n.º 2 do Regulamento 2018/1805, do Parlamento Europeu e do Conselho de 14 de novembro de 2018, e enquanto autoridade de execução, face ao requerimento apresentado pelos Recorrentes, deveria ter efetuado um pedido à autoridade judiciária espanhola que ordenou a apreensão, visando limitar o período de apreensão dos bens e permitir o levantamento da mesma; U) Apesar deste pedido, feito pela autoridade de execução à autoridade de emissão, dever ser acompanhado da devida fundamentação, no que concerne às apreensões em apreço, não existem dúvidas, relativamente à necessidade de levantamento das apreensões pela autoridade judiciária espanhola, tal como se passar a demonstrar; V) No sobredito processo-crime, os Recorrentes e a Org, Lda. são meros intervenientes acidentais, tendo os Recorrentes adquirido os seus veículos à Org, Lda., com respeito por todos os devidos trâmites legais, facto comprovado pelos documentos já juntos aos autos; W) Neste seguimento, o Recorrente AA pagou o veículo com a matrícula ..-UN-.., através da entrega de 6.000 em numerário e de recurso ao crédito bancário, no valor de 30.000, concedido pelo ..., a Recorrente BB efetuou o pagamento do veículo com a matrícula ..-XA-.., marca ..., ... 420, com o cheque n.º …09 sobre o ... e o Recorrente CC realizou o pagamento do veículo com a matrícula ..-UJ-.., marca Jaguar, ... ..., mediante entrega do cheque n.º …09 do ..., conforme atestam os documentos previamente juntos aos autos; X) A Org, Lda. comprou os supra identificados veículos à ..., tal como comprovam os documentos já juntos aos autos, desconhecendo esta e os Recorrentes qualquer viciação dos veículos, enquanto terceiros de boa-fé, sem qualquer ligação aos ilícitos investigados no presente processo; Y) Assim, os Recorrentes e a Org, Lda. foram totalmente surpreendidos pelas apreensões, feitas pelas autoridades portuguesas a pedido das autoridades espanholas, a ...-...-2020, relativamente aos veículos com a matrícula ..-UJ-.., da marca ... e com a matrícula ..-UN-.., da marca ..., ..., e a ...-...-2020, no que concerne ao veículo com a matrícula ..-XA-.., da marca ..., ...; Z) Ainda para mais, atendendo ao facto dos Recorrentes, a ...-...-2020, terem sido constituídos fiéis depositários dos seus veículos e, concomitantemente, lhes ter sido permitido circular com os mesmos, estando obrigados a zelar pela sua devida utilização e a garantir a sua conservação; AA) Razão pela qual não é possível compreender as finalidades da manutenção da apreensão dos veículos, nestes moldes, pois, para além da sua normal desvalorização, os veículos estão também sujeitos ao desgaste associado ao seu uso correntes, estando uma possível restituição dos veículos aos ofendidos esvaziada de qualquer utilidade, em virtude destas viaturas ser, ao dia de hoje, francamente diminuto; BB) A esta circunstância acresce o facto de terem passado quase cinco anos desde a apreensão dos veículos, apreensão essa que se mantém, no âmbito de um inquérito que parece ser interminável, atentando esta delonga contra o consagrado no art. 32º da CRP e o art. 6º da CEDH; CC) Na verdade, o prolongamento ad aeternum da fase de inquérito contende, ainda, com o direito à propriedade dos Recorrentes, meros intervenientes acidentais, nos termos do art. 62º da CRP, pois apesar destes poderem utilizar os veículos, não podem alineá-los, vendo-se impedidos de os trocar por outras viaturas, tendo ainda de suportar todos os encargos gerados por estes, resultantes do seu normal desgaste e da sua crescente obsolescência; DD) Há que frisar que o nosso ordenamento jurídico protege a propriedade de boa-fé, nos termos do disposto no art. 62º da CRP, no art. 35º, n.º 3 do Decreto-Lei n.º 15/93 e art 7º do Código do Registo Predial, sendo os Recorrentes terceiros de boa-fé, tal como já foi comprovado pelos documentos juntos aos autos, carecendo a sua situação jurídica de tutela jurisdicional; EE) Situação que assume contornos de especial importância, pois como é consabido, o Juiz de Instrução Criminal é o “Juiz das Liberdades”, competindo-lhe, por excelência, assegurar os direitos, liberdades e garantias dos cidadãos, com respaldo constitucional; FF) Deste modo, exigia-se outra decisão da Mm.ª Juíza de Instrução Criminal, uma vez que os Recorrentes são somente intervenientes acidentais, que adquiririam os veículos de boa-fé, desconhecendo qualquer viciação destes, e que têm de suportar as despesas associadas às mesmas, devendo a Mm.ª Juíza de Instrução Criminal ter entrado diretamente em contacto com a autoridade judiciária espanhola que ordenou a apreensão, requerendo, pelos motivos supra expostos, o levantamento da medida de apreensão dos veículos, de acordo com o art. 12º, n.º 2 do Regulamento 2018/1805, do Parlamento Europeu e do Conselho de 14 de novembro de 2018; GG) É ainda relevante mencionar a constante “desigualdade de armas” a que os Recorrentes têm estado sujeitos, tendo estes somente acesso a dados do inquérito, mediante notificação a si dirigida, ou àqueles que o detentor(a) da ação penal pode consultar, relativamente ao que consta nos autos, reiterando-se a existência de uma violação do direito à propriedade dos Recorrentes e a violação do seu direito a um processo justo e equitativo; HH) Nesta senda, a morosidade excessiva do inquérito em apreço é totalmente alheia aos Recorrentes, sendo também alheia a estes quais os “motivos” que a fundamentam, visto que os seus veículos estão apreendidos há demasiado tempo, período impossível de considerado aceitável; II) Estes factos consubstanciam uma violação do art. 6º, n.º 1 do CEDH, podendo justificar uma “responsabilização do Estado”, situação que já não é nova para o Estado Português, que tem vindo a ser reiteradamente condenado por Estrasburgo por violações deste mesmo normativo; JJ) Nestes termos, o direito à propriedade dos cidadãos encontra-se consagrado no art. 62º da Constituição da República Portuguesa, no art. 17º da Declaração Universal dos Direitos Humanos, no art. 1º do Protocolo Adicional à Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos Humanos e das Liberdades Fundamentais e no art. 17º, n.º 1 da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia e, apesar de não se tratar de um direito absoluto, é um direito cuja restrição, tal como entendeu o Tribunal da Relação de Lisboa, no Acórdão proferido a 26 de Janeiro de 2023, no Processo n.º 267/21.0JELSB-G.L1-9, “está sujeita aos princípios da proporcionalidade e da necessidade, que se traduzem, no que a esta figura respeita, respetiva redução (seja em extensão, seja temporal) ao mínimo indispensável à satisfação dos propósitos processuais que a lei visa satisfazer através de tal medida provisoriamente restritiva do ius utendi, fruendi et abutendi, inerente, no caso do direito de propriedade”; KK) Esta mesma posição já tinha sido defendida pelo Tribunal da Relação de Évora, no Acórdão proferido a 7 de Maio de 2013, no Processo n.º 1034/11.5...-A.E1, que fez menção à necessidade da aplicação e da limitação temporal do confisco de bens ser devidamente analisada e compatibilizada com o princípio da presunção de inocência, respeitando o art. 6º, n.º 1 da Convenção Europeia dos Direitos Humanos: “I – A apreensão de um objecto não deve funcionar como uma antecipação da decisão final, mas tão só, como um meio de obtenção de prova que permita essa mesma decisão. II – Por isso, só tem justificação se servir a prova. Se a obtenção e preservação da prova for possível, sem recurso à apreensão, esta não deve manter-se.”; LL) Tal aceção está também presente no art. 18º, n.º 2 e n.º 3 da CRP, preceito constitucional com o qual, à semelhança do que ocorre relativamente à Declaração Universal dos Direitos Humanos e demais tratados internacionais, se deverão compatibilizar as normas processuais penais; MM) Neste mesmo sentido, sublinhe-se a condenação da Estónia por violação do disposto no art. 6º, n.º 1 da Convenção Europeia dos Direitos Humanos, do art. 1º do Protocolo n.º 1 Adicional à Convenção dos Direitos Humanos e do art. 13º da Convenção Europeia dos Direitos Humanos, em virtude de ter procedido ao confisco de bens, em sede de processo penal, de forma reiterada, sem que a aplicação de tal medida estivesse devidamente fundamentada e por excessiva morosidade processual; NN) Pelo supra exposto, deverá decidir-se que a autoridade judiciária portuguesa deverá comunicar à autoridade judiciária espanhola que emitiu a decisão de apreensão, o pedido feito pelos Recorrentes, solicitando-lhe o levantamento da apreensão dos seus veículos. Pede-se, respeitosamente, a Vossa melhor e justa consideração para com tudo o exposto e que julguem V. Exas procedente o pressente recurso, revogando o despacho recorrido e ordenando a sua substituição por outro que garanta a defesa dos direitos dos Recorrentes, em concreto que a autoridade judiciária portuguesa comunique à autoridade judiciária espanhola o pedido feito pelos Recorrentes, solicitando-lhe o levantamento da apreensão dos seus veículos de matrículas ..-UJ-.., ..-UN-.., ..-XA-... Assim se fazendo a tão habitual e acostumada, JUSTIÇA!!!!!!»
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O Ministério Público, na 1.ª instância, respondeu ao recurso interposto pelo arguido, formulando as seguintes conclusões (transcrição): «1. Os presentes autos iniciaram-se com queixa-crime apresentada pela ..., contra DD, na qual a mesma relata, em síntese, que o denunciado se apoderou de três veículos alugados pela queixosa, e os revendeu em Espanha. 2. No âmbito dos mecanismos de cooperação policial internacional, apurou-se os veículos da queixosa se encontravam abrangidos no âmbito de investigação a correr termos em Espanha, envolvendo também outros veículos, que teriam feito o percurso inverso (ou seja, foram alugados em Espanha, e posteriormente transmitidos e vendidos em Portugal) (folhas 134 a 150, tendo comunicação similar dado origem ao NUIPC 9022/18.4..., incorporado aos presentes autos). 3. Entre os veículos então identificados como alugados em Espanha e posteriormente trazidos para Portugal, onde foram vendidos sem a anuência do respectivo proprietário, encontravam-se precisamente os veículos que ostentam actualmente as matrículas 72-UN—32, ..-UJ-.. e ..-XA-.. (folhas 333 a 349). 4. Obtidos os processos de legalização e atribuição de matrícula portuguesa aos ... referidos veículos (folhas 354 a 362, 373 a 381, 382 a 390 e 391 a 403), resultou inequívoca a correspondência dos veículos em causa com aqueles identificados na comunicação do Gabinete Sirene, referente ao processo a correr termos em Espanha. 5. Os Requerentes já anteriormente solicitaram o levantamento das apreensões dos seus veículos, em incidente que foi julgado improcedente. 6. Dessa decisão interpuseram recurso, ao qual não foi dado provimento (conforme resulta do Acórdão de folhas 399 a 402 do Apenso A. Ll). 7. Com efeito, percorrido o mesmo, verifica-se que os Requerentes desenvolvem, essencialmente, a mesma ordem de argumentos já anteriormente expendidos e apreciados, aditando apenas mais base normativa a essa argumentação, designadamente de ordem constitucional e internacional, nomeadamente os artigos 20º, n.º 4, e 32º, n.º2da C.R.P., como também no artigo 10º da Declaração Universal dos Direitos Humanos, no artigo 6º, n.º 6, da Convenção para a Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, no artigo 14º, n.º 1, do Pacto internacional sobre os Direitos Civis e Políticos, e nos artigos 47º, n.º 2 da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia. 8. Em nenhum momento do seu requerimento os recorrentes fazem qualquer pedido ao abrigo de acordo com o art. 12º, n.º 2 do Regulamento 2018/1805, do Parlamento Europeu e do Conselho de 14 de novembro de 2018, ao contrario do que se fundamenta no recurso. 9. Cumpre dizer ainda o seguinte, as apreensões feitas foram feitas a pedido das autoridades judiciárias espanholas após introdução no sistema SIS Schengen, contando as viaturas acima identificadas da lista de veículos localizados em Portugal com procedimentos judiciais em Julgados Espanhóis (cfr. fls. 127 a 128) e não na sequência de qualquer despacho que tenha sido proferido nos autos a determinar a apreensão. Porque assim é, não pode a autoridade judiciária portuguesa determinar o levantamento da apreensão das viaturas em causa, ainda que considerasse existir fundamento para tal, sem previamente obter essa autorização por parte das autoridades judiciárias espanholas que determinaram a apreensão. 10. Assim conforme resulta do processo as apreensões das viaturas não foram feitas ao abrigo do Regulamento 2018/ 1805, do Parlamento Europeu e do Conselho de 14 de novembro de 2018; 11. De acordo com o art.º 41.º do aludido diploma este só entrou em vigor a 19/12/2020, ou seja em data posterior às apreensões das viaturas automóveis dos recorrentes. 12. No seu artigo 40.º, n.º 1, dispõe-se que o regulamento é aplicável às certidões de apreensão e às certidões de perda transmitidas em ou após19/12/2020. 13. Relativamente às certidões de apreensão e certidões de perda transmitidas antes de 19/12/2020 aplicam-se as Decisões Quadro 2003/577/JA1 e 2006/783/JAI até à execução da definitiva da decisão de apreensão ou da decisão de perda. 14. Ora as apreensões das viaturas também não resultaram de pedidos de cooperação internacional nos termos das Decisões Quadro 2003/577/JA1 e 2006/78/JAI, com o envio de certidão de apreensão das viaturas ao abrigo desta legislação. 15. Por outro lado, ainda que se considere a aplicação do Regulamento ao caso em concreto, sempre se dirá que o tribunal não tem o dever de pedir o levantamento da apreensão nos termos do art.º 12.º., que dispõe o seguinte nos seus n.ºs 1 e 2: 1. Os bens sujeitos a uma decisão de execução permanecem apreendidos no Estado de execução até a autoridade competente desse Estado dar uma resposta definitiva a uma decisão de perda transmitida nos temos do artigo 14.º ou até a autoridade de emissão informar a autoridade de execução de qualquer decisão ou medida que tenha por efeito a perda da força executória da decisão ou a sua retirada nos termos do artigo 27.º, n.º 1. 2. A autoridade de execução pode, tendo em conta as circunstâncias do caso em apreço, apresentar um pedido fundamentado à autoridade de emissão no sentido de limitar a duração do período de apreensão dos bens. O pedido, acompanhado de eventuais informações justificativas pertinentes, é transmitido por qualquer meio que permita conservar um registo escrito e em condições que permitam à autoridade de emissão assegurar-se da autenticidade do pedido. Ao analisar tal pedido, a autoridade de emissão tem em conta os interesses de todas as partes, incluindo os da autoridade de execução. A autoridade de emissão responde ao pedido o mais rapidamente possível. Se não concordar com a limitação, a autoridade de emissão informa do facto a autoridade de execução, indicando os fundamentos da sua discordância. Nesse caso, os bens permanecem apreendidos nos termos do n.º 1. Se a autoridade de emissão não responder no prazo de seis semanas a contar da receção do pedido, a autoridade de execução deixa de estar obrigada a executar a decisão de apreensão. 16. O Regulamento nº 2108/1805 estabelece as regras segundo as quais um Estado-Membro reconhece e executa no seu território uma decisão de apreensão ou uma decisão de perda emitida por outro Estado-Membro no âmbito de processos em matéria penal. 17. Se estiver em causa apenas a perda dos bens a apreender o instrumento de cooperação a utilizar será o Regulamento 2018/1805. 18. Assim, ainda que o recorrente não tenha invocado o art.º 12.º, n.º 2, do Regulamento no seu requerimento de .../.../2024, mas sim as normas do processo penal, a verdade é que o tribunal no seu douto despacho entende que os motivos invocados não são de modo a pedir às autoridades espanholas qualquer limitação à apreensão, e para tal invoca, e bem, o douto acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa já proferido nos autos, o qual ponderou os direitos de todos os intervenientes processuais e manteve as apreensões. 19. Não nos podemos esquecer que a norma diz que a autoridade de execução pode e não que deve. Portanto estamos perante uma faculdade do tribunal de atendendo aos direitos conflituantes no objecto da apreensão, do possuidor e das autoridades de execução, decide formular ou não esse pedido. 20. Assim a nosso ver o tribunal decidiu bem, existindo sempre o direito dos recorrentes de requerem o levantamento das apreensões no processo criminal que corre os seus termos em Espanha. Nestes termos e pelos expostos fundamentos, deverá negar-se provimento ao recurso e confirmar-se inteiramente o douto despacho judicial. V.Ex.ª, porém, encontrarão a decisão que for Justa!»
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Nesta instância, a Exma. Sr.ª Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer, no sentido de que «o recurso deve ser julgado improcedente».
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Após o exame preliminar do recurso em apreço, afigura-se-me que este deve ser rejeitado.
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II. FUNDAMENTAÇÃO
Para melhor compreensão do que aqui está em causa, transcreve-se o despacho recorrido: «Requerimento de fls. 430: Na sequência do Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa que confirmou a decisão que indeferiu a pretensão de AA, BB e CC de levantamento da apreensão das respetivas viaturas, pretendem agora os requerentes que se solicite junto da autoridade judiciária espanhola o levantamento da apreensão dos veículos com as matrículas ..-UN-.., ..-XA-.. e ..-UJ-.., defendendo para o efeito que já se mostra ultrapassado o prazo razoável de apreensão dos veículos sem qualquer acusação, nem indício, nem fundamento que justifique a manutenção de tal apreensão. O Ministério Público pronunciou-se no sentido de ser indeferido o requerido por se tratar de questão que já foi definitivamente apreciada. Efetivamente a pretensão dos requerentes não poderá proceder por duas ordens de razão: Em primeiro lugar, é aos requerentes que cumpre, se assim o entenderem, suscitar diretamente a questão perante a autoridade judiciária espanhola, não cabendo à autoridade portuguesa fazê-lo. Em segundo lugar, como se decidiu no Acórdão da Relação de Lisboa de 23 de fevereiro de 2023, já transitado em julgado, “(…) a estarem os veículos apreendidos à ordem dos presentes autos, há que manter a sua apreensão até quando a mesma se afigurar necessária pela autoridade judiciária, sem prejuízo de os terceiros de boa-fé, ofendido com tal apreensão, como são os recorrentes, poderem exercer os seus direitos de reparação relativamente àqueles que praticaram os atos ilícitos que estiveram na base da transmissão das referidas viaturas.” Em face do exposto, e sem necessidade de mais desenvolvidos considerandos, indefere-se o requerido. Notifique.»
* APRECIAÇÃO DO RECURSO
O âmbito do recurso, conforme jurisprudência corrente, é delimitado pelas suas conclusões extraídas pelo recorrente da motivação apresentada, sem prejuízo naturalmente das questões de conhecimento oficioso do tribunal, cfr. arts. 402.º, 403.º, e 412.º, n.º 1, todos do Código de Processo Penal (doravante CPP).
Assim, e vistas as conclusões do recurso, as questões a decidir consistem em saber:
A. Da inexistência de caso julgado (quanto à novo pedido efectuado);
B. Da obrigatoriedade de pedido de colaboração das autoridades portuguesas junto das autoridades espanholas, nos termos do art. 12.º, n.º 2 do Regulamento (EU) 2018/1805 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 14.11.2018 (relativo ao reconhecimento mútuo das decisões de apreensão e de perda), com vista à solicitação do levantamento das viaturas pertencentes aos recorrentes e apreendidas por estas últimas.
Cumpre decidir. A. Do alegada inexistência de caso julgado:
Alegam os recorrentes que não se verifica qualquer caso julgado em decorrência da prolação do Ac. deste Tribunal da Relação, porquanto o mesmo, que indeferiu a pretensão dos então recorrentes, fundou-se num pedido distinto.
E, analisado acórdão, há que dizer que assiste inteira razão aos recorrentes, pois que o pedido formulado vidava o levantamento da apreensão das viaturas em questão, mas pelas autoridades judiciais portuguesas.
Ora, o que os ora recorrentes pretendem, agora, é que o tribunal português solicite o levantamento da apreensão, junto das autoridades espanholas, ao abrigo do princípio da colaboração nos termos estatuídos no Regulamento (EU) 2018/1805.
Assim, dúvidas não restam de que o requerimento formulado tem um objecto distinto do anterior, razão por não existe o alegado caso julgado.
Todavia, ainda que inexista, a verdade é que, pela razões que seguem, o recurso sempre seria manifestamente improcedente.
Vejamos porquê. B. Da alegada obrigatoriedade de pedido de colaboração das autoridades portuguesas junto das autoridades espanholas, nos termos do art. 12.º, n.º 2 do Regulamento (EU) 2018/1805 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 14.11.2018:
Relativamente a este ponto, há que dizer que os recorrentes partem de premissas erradas.
Como se diz de forma clara translúcida - e que acompanhamos de perto – no Ac. do TRL de 25.01.2024, não publicado e proferido no processo n.º 837/22.0TELSB-C.L1, desta 9.ª Secção Criminal, relatado pelo Juiz Desembargador, Jorge Rosas de Castro, há que «garantir um equilíbrio razoável entre os interesses de ordem pública visados pelas medidas restritivas e pela desejável discrição, por razões de eficácia, da atividade investigatória, por um lado, e por outro, o interesse que o particular poderá ter em contestar tais medidas, desafiando-as numa base contraditória e em tendencial igualdade de armas para que o processo criminal seja justo e equitativo».
E prossegue dizendo, acertadamente que quanto ao direito de propriedade «… este direito não tem uma natureza absoluta, estando sujeito a restrições de vária ordem, devendo estas porém ter em vista uma finalidade legítima, serem adequadas a alcançá-la e respeitarem critérios de proporcionalidade, só assim podendo passar o crivo, desde logo, do art. 18º, nºs 2 e 3 da CRP. (…). Tem sido esta, de resto, a linha seguida pelo TEDH, considerando este que recaem sobre os Estados, do art. 1º do Protocolo Adicional nº 1 à CEDH, obrigações positivas de natureza processual, destinadas a garantir um equilíbrio razoável entre os interesses de ordem pública visados pelas medidas restritivas e pela desejável discrição, por razões de eficácia, da atividade investigatória, por um lado, e por outro lado o interesse que o particular poderá ter em contestar tais medidas, desafiando-as numa base contraditória e em tendencial igualdade de armas (cfr. Acs. do TEDH Filkin c. Portugal, nº 69729/12, §§ 78-79, de 3/03/2020 e G.I.E.M. S.R.L. et autres c. Italie [GC], nos 1828/06 et 2 autres, § 302, 28/06/2018)» (sublinhado nosso).
Ora, no caso vertente, as autoridades portuguesas limitaram-se a executar um pedido das autoridades espanholas, não se aplicando, por isso, a legislação nacional, designadamente, o prazo máximo para a conclusão do inquérito, sendo certo que os recorrentes não revestem a qualidade de arguidos ou suspeitos em Espanha nem em Portugal.
Por outro lado, como bem diz o Ministério Público de 1.ª instância e sufragado pela Exm.ª Sr.ª Procuradora-Geral Adjunta, «as apreensões feitas foram feitas a pedido das autoridades judiciárias espanholas após introdução no sistema SIS Shengen, contando as viatura acima identificadas da lista de veículos localizados em Portugal com procedimentos judiciais em Julgados Espanhóis (cfr. fls. 127 a 128) e não na sequência de qualquer despacho que tenha sido proferido nos autos a determinar a apreensão. Porque assim é, não pode a autoridade judiciária portuguesa determinar o levantamento da apreensão das viaturas em causa, ainda que considerasse existir fundamento para tal, sem previamente obter essa autorização por parte da autoridades judiciária espanhola que determinou a apreensão.»
E acrescenta - e bem - que o disposto no art. 12.º , n.º 2 do supra citado Regulamento, não tem aqui aplicação, por força do disposto nos seus arts. 40.º e 41.º, aplicando-se, antes das Decisões-Quadro (doravante DQ) 2003/577/JAI e 2006/783/JAI.
Tais instrumentos tiveram como objectivo:
- A DQ 2003/577/JAI do Conselho, de 22.07.2003 (relativa à execução na União Europeia das decisões de congelamento de bens ou de provas), no seu art. 1.º, declara que «A presente decisão-quadro tem por objectivo estabelecer as regras segundo as quais um Estado-Membro reconhece e executa no seu território uma decisão de congelamento tomada por uma autoridade judiciária de outro Estado-Membro no âmbito de um processo penal. Não tem por efeito alterar a obrigação de respeito dos direitos fundamentais e dos princípios jurídicos fundamentais consagrados pelo artigo 6.º do Tratado», salvaguardados que se mostrem os direitos conferidos às partes e a terceiros interessados de boa fé, nos termos do seu considerando (5).
- A DQ 2006/783/JAI do Conselho de 06.10.2006 (relativa à aplicação do princípio do reconhecimento mútuo às decisões de perda), nos seus considerandos 6, 7, 8 e 15 refere que: «(6) Por último, em 22 de Julho de 2003, o Conselho aprovou a Decisão-Quadro 2003/577/JAI relativa à execução na União Europeia das decisões de congelamento de bens ou de provas (4). (7) A principal motivação da criminalidade organizada é o lucro. Por conseguinte, para ser eficaz, qualquer tentativa de prevenir e combater essa criminalidade deverá centrar-se na detecção, congelamento, apreensão e perda dos produtos do crime. Não basta assegurar meramente o reconhecimento mútuo, na União Europeia, de medidas jurídicas temporárias, como o congelamento e a apreensão; um controlo eficaz da criminalidade económica exige também o reconhecimento mútuo das decisões de perda dos produtos do crime. (8) A presente decisão-quadro tem por objectivo facilitar a cooperação entre Estados-Membros, no que se refere ao reconhecimento mútuo e à execução de decisões de perda de bens, de forma a obrigar um Estado-Membro a reconhecer e executar no seu território decisões de perda proferidas por um tribunal competente em matéria penal de outro Estado-Membro. A presente decisão-quadro está relacionada com a Decisão-Quadro 2005/212/JAI do Conselho, de 24 de Fevereiro de 2005, relativa à Perda de Produtos, Instrumentos e Bens relacionados com o Crime (1). O objectivo dessa decisão-quadro consiste em assegurar que todos os Estados-Membros disponham de regras eficazes aplicáveis à perda dos produtos do crime, nomeadamente no que se refere ao ónus da prova relativamente à origem dos bens que se encontrem na posse de uma pessoa condenada pela prática de uma infracção relacionada com a criminalidade organizada. (15) A presente decisão-quadro não trata da restituição de bens ao seu legítimo proprietário.»
Ora, decorre dos autos, que os recorrentes procuraram já fazer valer os seus direitos em incidente próprio - e bem já que aquelas DQ não tratam da restituição de bens, impondo, antes, o seu tratamento pela legislação nacional -, o qual foi julgado improcedente e confirmada por decisão do Tribunal Superior (cfr. fls. 399-402 do apenso A.L1).
Não olvida este Tribunal que a apreensão que incide sobre os veículos em causa já dura há muito tempo, mas não pode, por outro lado, esquecer que a lesada - que viu a suas viaturas serem vendidas sem sua autorização e “traficadas” (na expressão das DQ) noutro Estado - efectuou, atempadamente, queixa junto das autoridades espanholas competentes, pois que foi aí que os crimes foram cometidos.
Dito isto, é manifesto que não compete às autoridades nacionais apreciar da bondade do requerido.
No entanto, nada impede os ora recorrentes de, junto das autoridades espanholas, procurarem demonstrar os seus alegados direitos e diligenciarem no sentido do pretendido levantamento das apreensões, que só aquelas podem ordenar.
Por conseguinte, é notório que não assiste razão aos recorrentes, não tendo sido violadas quaisquer disposições legais, sendo o presente recurso manifestamente improcedente.
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III. DECISÃO
Pelos fundamentos expostos, porque é manifesta a improcedência, determina-se a rejeição do presente recurso, em conformidade com o disposto nos arts. 417.º, n.º 6 al. b) e 420.º, n.º 1 al. a), ambos do CPP.
Custas pelos recorrentes, com taxa de justiça que se fixa em 3 Ucs, acrescida de igual montante pela rejeição, cfr. arts. 513.º, n.º 1, 514.º, n.º 1 e 420.º, nº 3, todos do CPP e art. 8.º, n.º 9 do RCP e tabela III anexa a este último diploma legal.
Notifique.