JUIZ
PROCEDIMENTO DISCIPLINAR
PROCEDIMENTO CRIMINAL
AUTONOMIA
SUSPENSÃO
INQUÉRITO
CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA
VICE-PRESIDENTE
ATO ADMINISTRATIVO
ATOS PREPARATÓRIOS
IMPUGNAÇÃO
NOTIFICAÇÃO
Sumário


I. A decisão, proferida pelo Vice-Presidente do Conselho Superior da Magistratura, de cessação da suspensão de processo de inquérito, não constitui um ato definidor de situações jurídicas, lesivo da esfera jurídica do juiz alvo do procedimento.
II. Por isso, essa decisão não carece de ser notificada ao juiz visado pelo inquérito, nem aquela é suscetível de impugnação administrativa.

Texto Integral

Ação administrativa n.º 3/25.2YFLSB

Acordam os juízes na Secção do Contencioso do Supremo Tribunal de Justiça

I. RELATÓRIO

1. AA, Juiz de Direito, intentou ação administrativa de impugnação contra o Conselho Superior da Magistratura.

Em síntese, o Autor alegou o seguinte:

- Notificado da deliberação do Conselho Permanente do CSM, de ........2024, que determinou a instauração de procedimento disciplinar, o Autor, ao abrigo dos artigos 164.º, n.º 1, alínea a), 167.º, n.º 1 e 2, alínea a), do Estatuto dos Magistrados Judiciais, doravante “EMJ”, apresentou impugnação administrativa para o Plenário do CSM;

- Na sequência de suspensão do processo de inquérito (disciplinar) contra si instaurado, pelo Vice-Presidente do CSM, o Autor confiou que, até à conclusão do procedimento de suspensão provisória do processo-crime, a correr termos no processo n.º 1022/22.6..., do Tribunal da Relação de Coimbra, o procedimento disciplinar de inquérito se manteria igualmente suspenso;

- A decisão de revogação da suspensão provisória do processo n.º 1022/22.6... não transitou em julgado, encontrando-se pendente de recurso interposto pelo Autor;

- A decisão do Vice-Presidente do CSM, de ........2024, que determinou a prossecução do processo de inquérito, tinha de ser notificada ao Autor, por não se tratar de um ato preparatório ou instrumental que não lesa direitos ou interesses legalmente protegidos do Autor;

- O Autor adquiriu o direito de que o inquérito disciplinar se mantenha suspenso até à conclusão do procedimento de suspensão provisória do processo-crime, por força dos princípios da confiança e boa-fé a que o CSM está adstrito;

- O Autor tem o direito de impugnar administrativamente a decisão do Vice-presidente do CSM, de ........2024, nos termos da alínea c) do n.º 2 do artigo 167.º do EMJ;

- O Plenário do CSM deveria ter apreciado a impugnação administrativa apresentada pelo Autor, relativa à deliberação do Conselho Permanente do CSM de ........2024, que determinou a instauração de procedimento disciplinar, tendo por base a dita decisão do Vice-Presidente do CSM de ........2024.

O Autor concluiu, peticionando o seguinte:

Por todo o exposto, deve a presente ação ser julgada procedente, por provada e, em consequência, ser revogada a deliberação do Plenário do CSM de ........2025, determinando-se, consequentemente, a tal órgão do CSM, o conhecimento da impugnação administrativa apresentada pelo Autor da deliberação do Conselho Permanente do CSM de ........2024”.

2. O Conselho Superior da Magistratura apresentou contestação, na qual pugnou pela improcedência da ação, argumentando, para tanto, o seguinte:

- O ato que determinou a suspensão do inquérito disciplinar não assume qualquer natureza lesiva, pelo que o mesmo sucede, por maioria de razão, com o ato que determinou a cessação da suspensão do mesmo inquérito, inexistindo possibilidade de o impugnar;

- A falta de notificação não coartou as possibilidades de impugnação do despacho do Vice-Presidente por parte do Autor, pois estas nunca existiram;

- O despacho do Vice-Presidente do CSM, para além de não configurar, de modo algum, um ato lesivo de direitos ou interesses legalmente protegidos, não constitui uma decisão final e executória, dado que apenas determina a prossecução do procedimento de inquérito que, no limite, poderia culminar com o seu arquivamento;

- O despacho impugnado consubstancia um ato interno, de ordenação procedimental e, portanto, insuscetível de afetar os direitos e interesses legalmente protegidos do Autor e, em concreto, as suas garantias de defesa, dado que não lhe era sequer dirigido;

- A suspensão do procedimento de inquérito foi determinada até cessar a respetiva suspensão do processo-crime, pelo prazo de 1 ano;

- Quanto à justificação para a confiança alegada pelo Autor, ou seja, a existência de elementos objetivos capazes de provocarem uma crença plausível, estes são circunscritos precisamente à suspensão do processo-crime, altura em que revogada a suspensão, dissipa-se igualmente a justificação para essa confiança, o que veio a ocorrer em 11.02.2024, por decisão do Tribunal da Relação de Coimbra;

- A continuação da suspensão do inquérito disciplinar, já praticamente findo e apenas dependente do respetivo relatório, até que fosse efetivamente revogada a suspensão do processo-crime, o que veio a ocorrer a ........2024, não corresponde a qualquer "não-exercício prolongado", suscetível de criar no Autor qualquer expetativa legítima de não ser retomado o respetivo inquérito disciplinar;

- O despacho do Vice-Presidente do CSM, de ........2024, bem como a Deliberação do Conselho Permanente de ........2024 e a Deliberação do Plenário do CSM de ........2025 não enfermam de qualquer ilegalidade, não existindo qualquer violação de normas ou princípios legais a estas associadas.

3. O Ministério Público absteve-se de se pronunciar acerca do mérito da causa.

4. Ao abrigo do disposto no n.º 2 do art.º 87.º-B do Código de Processo dos Tribunais Administrativos, foi dispensada a audiência prévia.

5. Foram colhidos os vistos legais.

II . SANEAMENTO

O tribunal é competente.

Inexistem nulidades que invalidem todo o processado.

As partes têm capacidade e personalidade judiciárias, são legítimas e estão devidamente representadas.

Não se verificam nulidades ou outras questões prévias que obviem à apreciação do mérito.

O valor da ação é de € 30 000,01, indicado pelo Autor e não impugnado pela parte contrária, nada se oferecendo que obste à fixação desse valor (cfr. artigos 31.º n.º 1 e 34.º n.º 1 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos e, ainda, artigos 305.º n.º 11 e 306.º n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil, ex vi art.º 31.º n.º 4 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos).

III. FUNDAMENTAÇÃO

1. As questões a apreciar na presente ação são as seguintes: Da impugnabilidade do ato de cessação da suspensão do procedimento especial de inquérito; da impugnabilidade do ato que converte o inquérito na fase instrutória do procedimento disciplinar.

2.1. Dos elementos constantes dos autos colhe-se a seguinte

Matéria de facto

1. Em ........2022 foi autuado o processo de inquérito n.º 1022/22.9..., em que é denunciado o aqui Autor AA.

2. Em ........2022, por comunicação da Juíza Presidente do Tribunal Judicial da Comarca de Viseu, foi solicitado ao CSM que averiguasse junto do Tribunal da Relação de Coimbra a existência de processos crime e do eventual decretamento de medidas de coação suscetíveis de interferir com o desempenho profissional dos Juízes.

3. Em ........2022, por despacho do Vice-Presidente do CSM, foi instaurado o inquérito disciplinar n.º .../IN/0019, respeitante ao ora Autor.

4. Em ........2022, o Tribunal da Relação de Coimbra proferiu despacho, no processo n.º 1022/22.6..., pelo qual suspendeu este processo com a imposição do cumprimento de injunções pelo prazo de 1 ano.

5. Em ........2022, o Inspetor Judicial propôs a suspensão do processo de inquérito n.º .../IN/0019 até à conclusão do procedimento de suspensão provisória do processo, a correr termos no processo n.º 1022/22.6..., do Tribunal da Relação de Coimbra, constando da respetiva proposta, nomeadamente, o seguinte:

“[…]

Por decisão de Vª Exa., de .../.../2022, foi deliberado instaurar processo de inquérito, em que é visado o Exmo. Sr. Juiz de Direito Dr. BB, para apuramento dos factos a que se reporta a acusação deduzida no âmbito do processo de inquérito n.º 1022/22.6..., em que lhe era imputada a prática de três crimes de violência doméstica p. e p. pelo art. 152.º, nº 1, als. a e e) e n.º 2 do Código Penal, em que figuram como ofendidos o então seu cônjuge e os seus dois filhos menores.

Na sequência de requerimento de suspensão provisória do processo formulada pela ofendida, por si, e em representação dos seus dois filhos comuns ao Visado, foi agendada audição do arguido e ofendidos para o passado dia 13 de Setembro, no Tribunal da Relação de Coimbra, onde pende a instrução do processo em causa.

Após a realização de tal audição, considerando o Tribunal da Relação de Coimbra, para além do mais, que a aceitação das vitimas foi informada, esclarecida e consciente e que o ali arguido aceitou a suspensão provisória do processo com imposição de injunções, foi proferida a seguinte decisão:

(...) decido aplicar ao arguido a suspensão provisória do processo pelo prazo de um ano, com as seguintes injunções:

[…]

Declaro extintas as medidas de coacção impostas ao arguido."

*

No caso vertente, o que basilarmente estaria em causa em termos de relevância disciplinar - nos termos do art. 82.º do Estatuto do Magistrados Judiciais -, seria a prova dos factos consubstanciadores do cometimento pelo visado de três ilícitos de violência doméstica, que naturalmente teria relevo na dignidade indispensável ao exercício das suas funções.

Porém, a verdade é que o processo crime mostra-se suspenso provisoriamente nos termos supra referidos, sendo certo que caso o visado venha a cumprir as injunções nos termos estabelecidos, decorrido que esteja o prazo de um ano, o processo será arquivado, em consonância com o plasmado no art. 283.º, n.º 3 do Código de Processo Penal, o que no nosso entender, deverá levar igualmente ao arquivamento dos presentes autos, pois nesse caso afigura-se-nos - utilizando os termos legais do art. 82.º do Estatuto dos Magistrados Judiciais - que inexistiriam actos a sindicar que pela sua natureza e repercussão se mostrem incompatíveis com a dignidade indispensável ao exercício das suas funções. A situação mostrar-se-á então sanada, penalmente arquivada e sem que se vislumbrem quaisquer repercussões na dignidade indispensável ao exercício das funções.

Em face do exposto, propõe-se a suspensão dos autos até à conclusão do procedimento de suspensão provisória do processo, a correr termos no processo n.º1022/22.6..., do Tribunal da Relação de Coimbra.

6. Em ........2022, por despacho do Vice-Presidente do CSM foi determinada a suspensão do inquérito disciplinar.

7. Em ........2022, o CSM dirigiu ao Ilustre mandatário do Autor o ofício n.º .../OFC/..., pelo qual comunica a suspensão do inquérito disciplinar.

8. Em ........2024, o Tribunal da Relação de Coimbra revogou a suspensão provisória do processo n.º 1022/22.6...

9. Em ........2024, o Inspetor Judicial propôs a prossecução do procedimento disciplinar, o que fez, nomeadamente, com os seguintes fundamentos:

“[…]

Os presentes autos de inquérito foram iniciados em .../.../2022.

Ficaram suspensos desde .../.../2022 em virtude de o processo crime movido contra o Exmo. Juiz aqui visado - sob o nº 1022/22.6... - e cujos factos eram também objeto do presente procedimento, ter sido provisoriamente suspenso, podendo levar, em caso de cumprimento das injunções estabelecidas, ao respetivo arquivamento, com o consequente arquivamento também do presente procedimento disciplinar.

A esta data, tal suspensão perdura.

Sucede que:

- A aludida suspensão provisória do processo penal foi decidida em .../.../2022 e então pelo prazo de um ano.

- A mesma suspensão foi objeto de decisão revogação por decisão do Trib. Relação de Coimbra de .../.../2024, por alegado incumprimento das injunções por parte do arguido.

- Dessa decisão de revogação foi interposto recurso pelo arguido, admitido com efeito meramente devolutivo e ainda não decidido pelo STJ, aonde corre termos pela 5ª Secção sob o nº 1022/22.6...-B.S1.

- Foi, entretanto, e no processo crime, em fase de instrução, proferido despacho de pronúncia pelos factos da acusação, integrantes de 3 crime de violência doméstica p. e p. pelo art. 152, nº 1, als. a) e e), e nº 2, do Cód. Penal.

- Foi recentemente (em .../.../2024) junta a este procedimento uma comunicação/participação da Exma. Sra. Juíza Desembargadora do ... que tem a seu cargo o processo crime e proferiu a decisão instrutória, dando conta de ter rececionado uma carta do arguido a comunicar que contra ela tem intenção de proceder criminal e disciplinarmente e intimando-a a, em 8 dias, responder se conhecia ou não outra Sra. Desembargadora, arrolada como testemunha da mulher/vítima.

- Ainda mais recentemente (em .../.../2024), foi rececionado um requerimento do ilustre mandatário da vítima do processo penal a dar conta que o arguido contra ela moveu uma ação cível a peticionar indemnização por danos causados.

Ora, face às razões que deixo elencadas e que são posteriores à suspensão do procedimento e atendendo a que a instrução do presente procedimento já havia sido praticamente efetuada/concluída antes de ficar suspenso, julgo que, neste momento, as vantagens em continuar sem prosseguir para o relatório do inquérito (com proposta de arquivamento ou processo disciplinar) não se sobrepõem às vantagens que haverá em prosseguir, a saber:

- a clarificação da situação disciplinar do Exmo. Juiz visado;

- a eventual atendibilidade, caso venha a ser instaurado processo disciplinar, das novas condutas suscetíveis de, também elas, terem relevância disciplinar (no caso, a intimação à Sra. Desembargadora); e

- a sempre possível atendibilidade de uma posterior decisão do STJ - no sentido da revogação da decisão de revogação da suspensão provisória do processo crime - no âmbito do eventual procedimento disciplinar que venha a ser instaurado.

Nestes termos e porque o presente procedimento especial foi moldado para ser célere e prévio ao procedimento disciplinar propriamente dito, propomos a sua Exa. a prossecução daquele”.

10. Em ........2024, o Vice-Presidente do CSM proferiu despacho de concordância com a proposta do Inspetor Judicial e determinou, com os fundamentos ali constantes, a prossecução do procedimento disciplinar de inquérito.

11. Em ........2024, o Inspetor Judicial elaborou, no âmbito do processo de inquérito n.º .../IN/..., o “Relatório de Inquérito”, no qual propôs a instauração de procedimento disciplinar ao Autor, bem como que o inquérito constituísse a parte instrutória do processo disciplinar, uma vez que ocorrera a audição do visado.

12. Em ........2024, a Secção de Assuntos Inspetivos e Disciplinares do Conselho Permanente do CSM deliberou, por unanimidade, concordar com a proposta formulada pelo Inspetor Judicial nos autos de inquérito em que é visado o Autor e, em consequência, instaurar procedimento disciplinar a este, constituindo o inquérito a parte instrutória do processo disciplinar.

13. Em ........2024, o CSM dirigiu ao Autor o ofício n.º..., pelo qual comunicou a Deliberação da Secção de Assuntos Inspetivos e Disciplinares do Conselho Permanente que determinou a instauração do processo disciplinar sob o n.º .../PD/....

14. Em ........2024, o Autor apresentou impugnação administrativa dirigida ao Presidente do CSM, na qual argumentou, nomeadamente, o seguinte:

“(…)

1- Como resulta do relatório da proposta final elaborada pelo Exmo. Sr. Inspector Judicial nos presentes autos, no dia .../.../2024 foi proferida decisão pelo Exmo. Sr. Juiz Conselheiro Vice-Presidente do CSM que determinou a cessação da suspensão do procedimento de inquérito que havia sido pelo mesmo decidida no ano de ..., com fundamento no facto de no processo n.º 1022/22.T... onde o arguido ter sido acusado da prática de 3 crimes de violência doméstica, ter sido aplicada a suspensão provisória do processo;

2- Sucede que, certamente por lapso, a referida decisão do Exmo. Sr. Juiz Conselheiro Vice-Presidente do CSM de .../.../2024 – que traduz um ato administrativo, conforme previsto no art.º 148.º, do Código do Procedimento Administrativo (doravante CPA), aplicável ex vi art.º 166.º, n.º 1, do Estatuto dos Magistrados Judiciais (doravante EMJ) – não foi notificada ao aqui arguido, o qual, desse modo, desconhece seus fundamentos fácticos e jurídicos;

3- O arguido tem o direito de analisar a referida decisão do Exmo. Sr. Juiz Conselheiro Vice-Presidente do CSM de .../.../2024, com vista a, caso assim o venha a entender, poder exercer o seu direito de defesa e de impugnação administrativa junto do Conselho Permanente do CSM, como previsto no art.º 167.º, n.º 1 e 2, al. c), do EMJ;

4- Tal direito foi violado, inquinando, salvo melhor entendimento, de nulidade todo o posterior procedimento administrativo que culminou com a deliberação do Conselho Permanente de ........2024, a qual igualmente se encontra feria de tal vício, nos termos previstos noart.º 161.º, n.º 2, al. l), do CPA, aplicável ex vi art.º 166.º, n.º 1, do EMJ, na medida em que teve como pressuposto a eficácia decisão do Exmo. Sr. Juiz Conselheiro Vice-Presidente do CSM de .../.../2024 e, consequentemente, a regularidade procedimental subjacente ao relatório de inquérito elaborado pelo Exmo. Sr. Inspector Judicial por força dessa decisão de ........2024;

5– Como é sabido, o CPA consagra o dever de notificação de todo e qualquer ato administrativo aos seus destinatários, como, aliás , imposto pelo artigo 268.º, n.º 3, da Constituição da República Portuguesa;

6- Além disso, o artigo 114.°, n.º 2, do CPA, aplicável ex vi art.º 166.º, n.º 1, do EM, determina que da notificação do acto administrativo devem constar:

a) O texto integral do ato administrativo, incluindo a respetiva fundamentação, quando deva existir;

b) A identificação do procedimento administrativo, incluindo a indicação do autor do ato e a data deste;

c) A indicação do órgão competente para apreciar a impugnação administrativa do ato e o respetivo prazo, no caso de o ato estar sujeito a impugnação administrativa necessária.

7 - No caso em análise, foi omitida totalmente a notificação da dita decisão do Exmo. Sr. Vice-Presidente do CSM;

8 - A decisão do Exmo. Sr. Vice-Presidente do CSM de .../.../2024 está sujeita a impugnação administrativa necessária, nos termos da al. c), do n.º 2, do art.º 167.º, do EMJ;

9 - Como é sabido, a notificação dos atos administrativos desempenha uma função garantística ou processual de superior relevância, de forma que o ato só pode ser oponível e iniciar-se o decurso do prazo de impugnação após aquela, assim se impedindo que sejam desencadeados efeitos jurídicos ablativos enquanto o ato administrativo não tiver sido notificado àqueles que por eles são atingidos na esfera jurídica (neste sentido, Ac. do T.C.Adminstrativo do Norte, de ........2021, Proc. n.º 00121/19.6..., in www.dgsi.pt).

10 - Deste modo, a referida decisão do Exmo. Vice-Presidente do CSM de ........2024 não é oponível ao arguido, como previsto no art.º artigo 60.°, n.° 1, do CPTA

11 - Não sendo oponível ao arguido, a referida decisão não poderá ter qualquer eficácia jurídica, inquinando, dessa forma, de nulidade todo o procedimento administrativo que lhe sucedeu e que culminou com a deliberação do Conselho Permanente do CSM de ........2024, a qual igualmente se encontra ferida de tal vício, nos termos previstos no art.º 161.º, n.º 2, al. l), do CPA;

Pelo exposto, requer-se que:

a) se reconheça que a decisão do Exmo. Sr. Juiz Conselheiro Vice-Presidente do CSM de .../.../2024 não foi notificada ao arguido, não tendo, por isso, eficácia jurídica;

b) se declare a nulidade de todo o procedimento administrativo que teve lugar em consequência da dita decisão, incluindo a deliberação do Conselho Permanente de ...-...-2024, nos termos previstos no art.º 161.º, n.º 2, al. l), do CPA;

c) se determine a notificação ao arguido da decisão do Exmo. Sr. Juiz Conselheiro Vice-Presidente do CSM de .../.../2024 para que, caso assim venha a entender, o arguido possa impugnar administrativamente a mesma no prazo legal. (…)”.

15. No âmbito do processo n.º 2024/PD/2013, o relator elaborou o projeto de deliberação, do qual se extrai o seguinte teor:

“(…)

II. Questão prévia – da (in)admissibilidade da impugnação

Antes de mais, importa averiguar da admissibilidade da presente impugnação.

Na génese da presente impugnação encontra-se um despacho proferido pelo Exm° Sr. Vice-Presidente do CSM, em ........2024, no âmbito do inquérito disciplinar que corre termos contra o aqui Exm.º Impugnante, despacho esse que determinou a prossecução do inquérito disciplinar, assim dando por finda a suspensão do mesmo, que havia sido determinada em ........2022, em virtude de o processo crime movido contra o aqui Exmº impugnante - cujos factos são também objeto do corrente procedimento disciplinar - ter sido então provisoriamente suspenso (com o estabelecimento de injunções que, se cumpridas, levariam ao respetivo arquivamento).

Porque aquela suspensão provisória do procedimento criminal foi, entretanto, objeto de revogação pelo Tribunal da Relação de Coimbra, em ........2024 (por alegado incumprimento das injunções por parte do arguido) - e não obstante este ter recorrido para o Supremo Tribunal de Justiça (recurso cuja decisão se aguarda) e proferido despacho de pronúncia pelos factos constantes da acusação (integrantes da prática de três crimes de violência doméstica), o Exm° Sr. Inspetor Judicial designado para proceder ao inquérito disciplinar veio propor que este prosseguisse os seus termos, dando por terminada a suspensão que havia sido determinada.

Foi na sequência de tal proposta que, concordando, o Exmº Sr. Vice-Presidente do CSM proferiu o despacho em questão - e cuja falta de notificação ao aqui Exmº Impugnante gera, na sua opinião, a nulidade de todo o posterior processado.

Sucede que tal despacho não tem a natureza que o Exm° Impugnante lhe pretende conferir, como passa a analisar-se, com o apoio que pode considerar-se pacífico da doutrina e jurisprudência.

Como é conhecido, a revisão constitucional operada em 1989 eliminou as características da defínitividade e executoriedade dos atos administrativos suscetíveis de recurso contencioso com fundamento em ilegalidade, passando o critério de tal recorribilidade a assentar na suscetibilidade de esses atos lesarem direitos ou interesses legalmente tutelados dos recorrentes. Tal alteração não significou, pois, que todo e qualquer ato administrativo passou a ser sindicável, mas sim que qualquer ato administrativo lesivo de direitos ou interesses legalmente protegidos passou a ser impugnável, ainda que tal ato carecesse de definitividade ou executoriedade.

Como tal, importa perscrutar se o ato primariamente sindicado pelo ora Exmº Impugnante assume natureza lesiva, não obstante tratar-se de um ato meramente preparatório ou instrumental, pois que inserido no procedimento administrativo e ordenado a prosseguir o mm até ao seu culminar, não constituindo uma decisão final e executória – […].

[…]

Sendo, pois, pacífico que o ato que determina a abertura de um processo disciplinar não constitui, em regra, um ato lesivo, por maioria de razão o mesmo se dirá do ato que determina a instaura de um inquérito disciplinar, que antecede aquela eventual decisão – como é o caso presente, uma vez que o ato originariamente sindicado pelo Exmº Impugunante foi praticado em sede de inquérito disciplinar -, ou até a decisão que converte o inquérito disciplinar em fase instrutória do processo disciplinar, como avisadamente vem decidindo o mesmo STA […].

As considerações tecidas valem, mutatis mutandis, para o ato que determina o levantamento da suspensão do inquérito disciplinar, previamente decidida pela existência de um procedimento criminal em curso pelos mesmos factos – e cuja investigação pode auxiliar a instrução do processo disciplinar ou trazer ao conhecimento factos que o podem ampliar, confirmar ou infirmar.

Neste particular, importa ainda realçar que o ato que determina a suspensão do inquérito disciplinar por efeito da instauração e tramitação do processo crime, é um ato discricionário, uma faculdade da autoridade disciplinar – e não um imperativo legal -, a apreciar em cada caso concreto. […]

[…]

E se os atos que determinam a abertura de um inquérito disciplinar ou de um processo disciplinar, ou da conversão de inquérito disciplinar em processo disciplinar, ou de suspensão do inquérito ou processo disciplinar quando na pendência de processo-crime pelos mesmos factos, não são atos lesivos – nem, como tal, destacáveis e impugnáveis – também o ato que determina o levantamento de tal suspensão e mandar prosseguir o inquérito ou o processo disciplinares, não é um ato lesivo, partilhando das mesmas características daqueles outros (sendo, à semelhança do ato que determinou a suspensão, um ato meramente discricionário e, como os demais, meramente ordenar do próprio procedimento).

E esta última afirmação deixa também por terra a afirmação do Exmoº Impugnante de que tal ato deveria necessariamente ter-lhe sido notificado e que o mesmo tinha de ser devidamente fundamentando […].

O raciocínio desenvolvido pelo Exmº Impugnante ao longo da sua impugnação (em especial a aplicação direta e imediata dos preceitos do CPA) padece de vários vícios.

Por um lado, importa notar que o Código do Procedimento Administrativo apenas tem aplicação ao procedimento disciplinar a título subsidiário: o procedimento disciplinar é um procedimento especial, não se lhe aplicando as regras do CPA, sem mais – o que já resultava, de resto, do disposto no artigo 83.º-E do Estatuto dos Magistrados Judiciais.

Por outro lado, o despacho que determinou o levantamento da suspensão do inquérito disciplinar não tinha como destinatário o ora Exmoº Impugnante. Trata-se de um ato interno, de ordenação procedimental, que nenhum efeito tem sobre as garantias de defesa do arguido. O processo está em curso, nele serão observadas todas aquelas garantias, em especial. O direito de audição e produção de prova e contradita, não constituindo tal ato nenhum momento inovatório, nem causando efeitos que não tivessem já sido produzidos quando da instauração do próprio procedimento.

Mas, sobretudo, como resulta lapidarmente do que supra se analisou, tal despacho não está sujeito a impugnação administrativa necessária, nem do mm pode o arguido deduzir impugnação administrativa ou recorrer contenciosamente de qualquer decisão administrativa que da mesma (indevidamente) conhecesse.

Em suma, tratando-se de ato meramente preparatório, não lesivo e de ordenação interna, o ato que determinou o fim da suspensão do procedimento é inimpugnável e não está sujeito a notificação obrigatório.

E sendo tal ato o causador de toda a nulidade processual invocada, basta a evidência da não impugnabilidade do mesmo e da ausência de efeitos lesivos (o mesmo se dizendo, como cimos, também da deliberação do Conselho Permanente de instauração do processo disciplinar) para que se tenha de concluir pela inadmissibilidade legal da presente impugnação”.

16. Em ........2025, o Plenário do CSM deliberou aprovar o projeto de deliberação do relator, no sentido de “não conhecer da impugnação, por legalmente inadmissível».

2.2. Motivação da decisão de facto

A convicção do Tribunal quanto aos factos provados vertidos nos pontos n.os 1 a 16 do probatório fundou-se na análise crítica dos documentos juntos aos autos, incluindo o processo administrativo, em particular os documentos relativos ao processo de inquérito n.º .../IN/... e, ainda, ao processo n.º 1022/22.6..., que correu termos no Tribunal da Relação de Coimbra.

2.3. O Direito

2.3.1. O Autor impugna, nos presentes autos, a deliberação do Plenário do CSM, de ........2025, que não conheceu da impugnação administrativa por si apresentada na sequência da notificação da deliberação do Conselho Permanente do CSM, de ........2024. Argumentou, para tanto, que pretendia ver apreciada a decisão do Vice-Presidente de ........2024, por se tratar de ato que lesa os seus direitos. Alega que adquiriu o direito de que o procedimento disciplinar de inquérito, que em relação a si foi instaurado, se mantivesse suspenso até à conclusão do procedimento de suspensão provisória do processo-crime, por força dos princípios da confiança e boa-fé a que o CSM está adstrito. Acrescenta, assim, que tem o direito de impugnar administrativamente aquela decisão, nos termos da alínea c) do n.º 2 do art.º 167.º do EMJ, decisão essa de que deveria ter sido notificado.

E é, precisamente, sobre o direito de o Autor ver apreciada a sua impugnação administrativa pelo CSM que dissentem as partes e que aqui cumpre apreciar e decidir, no quadro das normas legais aplicáveis, mormente o EMJ.

Desde logo, sublinha-se que estão em causa, nos presentes autos, factos que deram origem a um processo de inquérito criminal, que correu termos no Tribunal da Relação de Coimbra, e, também, a um procedimento de inquérito disciplinar, instaurado pelo aqui Demandado CSM, ambos contra o Autor (cf. pontos 1 e 3 dos factos provados).

Com efeito, um mesmo facto pode constituir, simultaneamente, uma infração criminal e uma infração disciplinar e, como tal, motivar a aplicação a uma mesma pessoa de uma sanção penal e disciplinar. Porém, tal não significa que uma deva influir necessariamente na outra.

Há muito que vem sendo reconhecida a autonomia entre o processo-crime e o processo disciplinar, dado que são diferentes os pressupostos da respetiva responsabilidade e diversa a natureza e finalidade das sanções aplicadas naqueles processos (cfr. acórdãos do STA, de 24.01.2002, processo n.º 048147; de 25.02.2010, processo n.º 01035/08; de 27.01.2011, processo n.º 01079/09, todos consultáveis, tal como os adiante referidos, em www.dgsi.pt; na doutrina, cfr., v.g.,, Ana Sofia de Magalhães e Carvalho, “Responsabilidade Criminal e Procedimento Disciplinar”, in CEJ - Direito das Relações Laborais na Administração Pública [Em linha]. Lisboa: Centro de Estudos Judiciários, 2018, p. 682 a 687, disponível em https://cej.justica.gov.pt/LinkClick.aspx?fileticket=_T8Gybsn3yk%3d&portalid=30). O processo criminal visa punir a violação de regras jurídicas protetoras de interesses vitais da comunidade e, assim, dirige-se a interesses e necessidades específicos da sociedade em geral; por seu turno, o processo disciplinar visa sancionar a violação de deveres funcionais, ou seja, a defesa do interesse e harmonia dos serviços ou da função (cfr., v.g., o acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 21.02.2013, processo n.º 07420/11).

E, porque se trata de processos independentes, a Administração pode instaurar o processo disciplinar antes e independentemente da apreciação e decisão do facto pelos tribunais (cfr. acórdão do STJ, de 24.11.2020, processo n.º 4/20.7YFLSB).

Reflexo, também, desta autonomia é a circunstância de mesmo no caso de ser proferida uma sentença absolutória no processo-crime ou uma decisão de arquivamento, tal não impedir que os mesmos factos venham a ser considerados provados no âmbito do processo disciplinar e, como tal, que o arguido seja neste punido. E isto porque “[n]o exercício do poder disciplinar, a autoridade administrativa, tal como o julgador, não está sujeito a regras probatórias fixas, devendo a convicção probatória ser formada livremente com base na prova disponível e tendo em atenção que a verdade dos factos a atingir na decisão não é a verdade ontológica ou absoluta, mas a verdade prática, baseada na convicção objectivável do decisor para além de toda a dúvida razoável” (cfr. acórdão do TCAS, de 19.01.2006, processo n.º 05685/01 e, ainda, acórdão do STA, de 06.12.2005, processo n.º 042203).

A autonomia entre o procedimento disciplinar e o procedimento criminal merece expresso acolhimento no art.º 83.º do EMJ, no qual se pode ler que:

1 - O procedimento disciplinar é autónomo relativamente ao procedimento criminal e contraordenacional instaurado pelos mesmos factos.

2 - Quando, em procedimento disciplinar, se apure a existência de infração criminal, o inspetor dá imediato conhecimento deste facto ao Conselho Superior da Magistratura e ao Ministério Público.

3 - Proferido despacho de validação da constituição de magistrado judicial como arguido, a autoridade judiciária competente dá imediato conhecimento desse facto ao Conselho Superior da Magistratura”.

Não obstante o exposto, encontrando-se os factos em apreciação em sede criminal, pode ser determinada - e, por via de regra, assim será – a suspensão do processo disciplinar a aguardar a decisão que ali venha a ser proferida. As razões para tal opção estão expostas no acórdão do STJ, de 21.3.2019, processo n.º 30/18.6YFLSB, de cujo sumário se extrai, nomeadamente, o seguinte:

8. Com efeito, só assim se conseguirá, por um lado, prevenir uma indesejável desarmonia, senão mesmo contradição, entre os desfechos alcançáveis nas duas sedes punitivas e, por outro lado, otimizar a atividade probatória com prevalência da investigação criminal em si mais ampla do que a disciplinar e, portanto, com vantagens acrescidas para a defesa do arguido, ainda que com alguns custos de celeridade.

9. Tal suspensão mostra-se justificada num caso, como o dos autos, em que o processo disciplinar emergiu em virtude de a acusação deduzida no inquérito criminal, inteiramente acolhida na subsequente pronúncia, ter revelado novos factos passíveis, simultaneamente, de qualificação criminal e disciplinar que, além disso, necessitavam de ser diferenciados, em sede disciplinar, de outros factos constantes da mesma acusação mas que já tinham sido objeto de anterior processo disciplinar”.

A este respeito, denota-se, porém, que a possibilidade de suspensão do procedimento disciplinar é uma faculdade do órgão disciplinar (e não uma vinculação legal), a apreciar segundo as circunstâncias do caso concreto.

Ou seja, nada impõe que o procedimento disciplinar tenha de ser suspenso por estar a decorrer processo-crime, mercê da já referida autonomia do primeiro em relação ao segundo.

Assim, como anteriormente decidido por este Tribunal, vigorando, como vigoram, os princípios da autonomia e da independência entre o processo-crime e o processo disciplinar, não ocorre uma relação de prejudicialidade entre ambos, inexistindo, portanto, qualquer obrigação de suspender o processo disciplinar.

Estas considerações são, igualmente, válidas para os procedimentos especiais de inquérito e sindicância, previstos e regulados nos artigos 123.º-A e seguintes do EMJ.

Prosseguindo, e retomando, agora, o processo especial de inquérito, denota-se que este visa a averiguação de factos determinados (cf. art.º 123.º-C do EMJ).

Recebido o relatório final de inquérito e concluindo-se pela existência de infração, o CSM pode deliberar a conversão deste inquérito em procedimento disciplinar, sendo que, quando tenha sido ouvido o magistrado judicial visado, poderá o inquérito constituir a parte instrutória deste último (cf. art.º 126.º do EMJ).

Feito este breve enquadramento, vejamos, agora, da impugnabilidade do ato de ........2024, que cessou a suspensão do procedimento especial de inquérito, e do ato de ........2024, que instaurou o procedimento disciplinar contra o Autor (cf. pontos 10 e 12 do probatório).

De harmonia com o disposto no art.º 52.º da Constituição da República Portuguesa (CRP), todos os cidadãos têm o direito de apresentar perante quaisquer entidades reclamações para defesa dos seus direitos. Do mesmo modo, o art.º 268.º, n.º 4 da CRP prevê que “É garantido aos administrados tutela jurisdicional efectiva dos seus direitos ou interesses legalmente protegidos, incluindo, nomeadamente, o reconhecimento desses direitos ou interesses, a impugnação de quaisquer actos administrativos que os lesem, independentemente da sua forma, a determinação da prática de actos administrativos legalmente devidos e a adopção de medidas cautelares adequadas”.

Como previsto no art.º 167.º, n.º 2, alíneas a) e c) do EMJ, cabe impugnação administrativa necessária para o plenário do CSM de todos os atos ou omissões, nomeadamente, do Conselho Permanente, e, ainda, do Presidente, Vice-Presidente e vogais do CSM.

Quanto a estas impugnações administrativas aplica-se, subsidiariamente, o regime constante do Código de Procedimento Administrativo [doravante, “CPA”] (cf. artigo 166.º, n.º 1 do EMJ), em particular as normas relativas aos recursos administrativos (cf. artigos 184.º a 199.º do CPA).

Refira-se, assim, o art.º 184.º, n.º 1, alínea a) do CPA, que prevê que os interessados têm o direito de impugnar os atos administrativos perante a Administração Pública, solicitando a sua revogação, anulação, modificação ou substituição.

Por sua vez, o art.º 186.º, n.º 1, alínea a) do CPA dispõe que têm legitimidade para impugnar graciosamente «os titulares de direitos subjetivos ou interesses legalmente protegidos que se considerem lesados pela prática ou omissão do ato administrativo». Atento o disposto neste preceito legal, resulta claro que se impõe o critério da lesividade do ato administrativo para legitimar o uso de meios graciosos.

Nos termos previstos no artigo 148.º do CPA, são atos administrativos as decisões dos órgãos da Administração que, no exercício de poderes jurídico-administrativos, visem produzir efeitos jurídicos numa situação individual e concreta.

O elemento decisivo no conceito de ato administrativo, que o permite distinguir de outras condutas administrativas, é que seja expressão de uma declaração de vontade pela qual se determina a solução de um determinado caso concreto. Apenas os atos que tenham um conteúdo decisório podem ser qualificados como atos administrativos. Dele ficam, portanto, excluídas as declarações de ciência, juízos de valor ou opiniões, como as informações, pareceres (não vinculativos), atos opinativos, confirmativos e atos instrumentais, que não têm qualquer conteúdo decisório. Conforme pondera Diogo Freitas do Amaral, “só tem sentido submeter aos regimes procedimental e substantivo do ato administrativo do CPA - cujo escopo fundamental é, a par do de garantir a conveniente prossecução do interesse público, assegurar uma protecção adequada das posições jurídicas dos particulares - condutas administrativas suscetíveis de definir, por si sós, imediata ou potencialmente, a esfera jurídica dos particulares, ou, por outras palavras, condutas idóneas a «produzir uma transformação jurídica externa»” (Diogo Freitas do Amaral, Curso de Direito Administrativo, vol. II, Almedina, 3.ª reimpressão da edição de 2001, pág. 222).

Conforme sobredito, para que um ato seja impugnável, deve revestir-se de eficácia externa, ou seja, “da suscetibilidade de produzir efeitos jurídicos que se projetem para fora do procedimento onde o ato se insere” (cfr. acórdão do STA, de 16.12.2009, processo n.º 0140/09). E, para efeitos de impugnação administrativa, importa, reitere-se, que seja lesivo (cf. art.º 186.º, n.º 1, alínea a) do CPA).

Ora, o ato que decide instaurar o procedimento disciplinar assume-se, por regra, como um (mero) ato de tramitação ou preparatório do ato final, qual seja a decisão final do procedimento disciplinar, que poderá ser punitiva, aplicando sanções disciplinares, ou de arquivamento.

Com efeito, o ato de instauração do procedimento disciplinar não produzirá, à partida, efeitos imediatos (lesivos) na esfera jurídica do visado, o aqui Autor, o que apenas sucederá com a decisão final do procedimento. Será, pois, este ato administrativo final que definirá a sua situação jurídica, mormente caso lhe seja eventualmente aplicada uma sanção disciplinar. Assumindo-se como um ato lesivo, poderá a decisão final do procedimento disciplinar ser impugnada, ainda que com fundamento em vícios do procedimento que o precedeu.

O mesmo se diga quanto ao ato que converte o processo de inquérito na fase instrutória do procedimento disciplinar (cf. art.º 126.º do EMJ). Também este ato consubstancia, em regra, um ato de trâmite e, como tal, é inimpugnável administrativa e judicialmente.

Neste sentido, aliás, já se pronunciou este Tribunal, no acórdão de 04.07.2019, proferido no processo n.º 30/19.9YFLSB, cujo entendimento se subscreve e que, por isso, na parte aplicável, se reproduz: “[a] conversão do inquérito em processo disciplinar (e o subsequente prosseguimento do processo disciplinar) não consubstancia uma consolidação irreversível da situação de facto, uma vez que, caso a pretensão no recurso contencioso (processo principal) venha a ser julgada procedente, tal posterior anulação do ato que converteu o inquérito em procedimento disciplinar (na sequência da declaração nulidade ou anulabilidade da deliberação em crise) acarretará a destruição dos efeitos jurídicos da conversão do inquérito em processo disciplinar, eliminando da ordem jurídica o processo disciplinar». Reafirma-se, neste aresto, “a falta de lesividade autónoma do ato que ordena a conversão do inquérito em processo disciplinar (e sem qualquer efetivação de responsabilidade disciplinar)”.

A igual conclusão se chega quanto à natureza do ato que determina a suspensão de um procedimento disciplinar e, concomitantemente, o ato que cessa essa suspensão. Também este ato se configura como um ato preparatório da decisão final, não lesivo, e, como tal, inimpugnável. Como reiteradamente referido na jurisprudência dos Tribunais Superiores, será lesivo o ato que “atinge por forma negativa direito ou interesse legalmente protegido do administrado”, o que não se verifica com o ato de suspensão ou levantamento desta suspensão do procedimento disciplinar (cfr. acórdão do STA, de 11.01.2005, processo n.º 01626/03).

De igual modo, por identidade ou maioria de razão, é insuscetível de impugnação administrativa a decisão de cessação da suspensão de procedimento de inquérito disciplinar.

Pelas razões expostas, a decisão de cessação da suspensão do procedimento de inquérito, mencionada em 10 dos factos provados, não tinha de ser notificada ao requerente.

Destarte, bem andou o CSM ao não conhecer da impugnação administrativa apresentada pelo Autor, com os fundamentos constantes da deliberação de...2025, louvando-se na proposta que a precedeu (cf. pontos 15 e 16 dos factos provados).

Tudo visto e ponderado, conclui-se pela improcedência da argumentação aduzida pelo Autor, sendo de manter o ato impugnado, consubstanciado na deliberação do CSM de ....2025, na ordem jurídica, por legal.

3. Das custas

Vencido, deve o Autor ser condenado nas custas do processo (cf. art.º 527.º do CPC e art.º 6.º, n.º 1 e Tabela I-A do Regulamento das Custas Processuais).

IV. DECISÃO

Pelo exposto, acordam os juízes que constituem a Secção de Contencioso deste Supremo Tribunal de Justiça em julgar a ação improcedente e, em consequência, absolver o Conselho Superior da Magistratura do pedido.

Custas pelo Autor.

Lx, 26.6.2025

Jorge Leal (Juiz Conselheiro relator)

Ana Paula Lobo (Juíza Conselheira adjunta)

Antero Luís (Juiz Conselheiro adjunto)

José Eduardo Sapateiro (Juiz Conselheiro adjunto)

Jorge Gonçalves (Juiz Conselheiro adjunto)

Maria do Rosário Gonçalves (Juíza Conselheira adjunta)

Maria de Deus Correia (Juíza Conselheira adjunta)

Nuno Gonçalves (Juiz Conselheiro Presidente)