LEI DE PROTEÇÃO DE CRIANÇAS E JOVENS EM PERIGO
MEDIDA DE PROMOÇÃO E PROTEÇÃO
PROGENITOR
FILHO
MENOR
FILIAÇÃO
COMPETÊNCIA TERRITORIAL
JUÍZO DE FAMÍLIA DE MENORES
TRIBUNAL COMUM
ACOLHIMENTO RESIDENCIAL
DOMICÍLIO
RESIDÊNCIA OCASIONAL
RESIDÊNCIA PERMANENTE
CONFLITO DE COMPETÊNCIA
Sumário


O critério para a alteração superveniente da competência territorial, independentemente do concreto local onde o menor se encontre em execução da medida de acolhimento residencial, é o mesmo que preside à fixação da competência de acordo com a regra geral do artigo 79.º, n.º 1, da LPCJP, que está também ínsito no n.º4 do mesmo preceito, ou seja, o de atribuir competência ao tribunal que se encontre em melhores condições para conhecer a realidade familiar e social em que o menor está inserido e aplicar as medidas mais adequadas

Texto Integral


I - Relatório

1. Em 24.10.2023, o Ministério Público1 instaurou, junto do Tribunal Judicial da Comarca de Faro – Juízo de Família e Menores de Portimão, processo judicial de promoção e protecção requerendo que, nos termos do disposto nos artigos 3.º, n.º 1 e n.º 2, alíneas c) e f), 35.º, n.º 1, alínea f), 37.º, 49.º e 50.º, n.º 1, da Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo (doravante LPCJP), seja aplicada à recém-nascida, filha da menor AA, a título provisório, a medida de acolhimento residencial em instituição a indicar pela Segurança Social, a executar assim que tenha alta hospitalar.

2. Distribuídos os autos ao Juiz ... do Juízo de Família e Menores de Portimão, foi proferido despacho, de 26.10.2023, em que se decidiu “aplicar, provisoriamente, assim que a recém-nascida tenha alta hospitalar, a medida de acolhimento residencial na Casa de Acolhimento que venha a ser indicada pela Segurança Social, prevista no artigo 35.º, n.º 1, al. f) da LPCJP”.

3. Nos termos do disposto nos artigos 80.º, 35.º, n.º 1 alínea f), 37.º, n.º 1, 49.º e 50.º, todos da LPCJP, foi determinado, tal como havia sido promovido, que a intervenção protectiva fosse alargada à mãe da recém-nascida, AA, também ela menor, sendo-lhe aplicada, a título cautelar, a medida de acolhimento residencial, para ser integrada juntamente com a sua filha no Centro de Apoio ..., Resposta Social da SCM de ....

4. Por acordo de promoção e protecção celebrado a 29.11.2023, foi aplicada a favor de AA, nascida a ........2007, e da filha desta, BB, nascida a ........2023, a medida de acolhimento residencial, pelo período de um ano e revisão semestral, prevista no artigo 35.º, n.º 1, alínea f), da LPCJP.

5. A medida de acolhimento residencial foi sendo periodicamente revista, mantida e prorrogada. Mãe e filha encontram-se acolhidas na Casa de ... (IPSS ...), em Lisboa

6. Por despacho de 24.04.2025, o Juízo de Família e Menores de Portimão - Juiz ... entendeu que não mantinha a competência territorial para os presentes autos, considerando que a avó materna a quem a jovem AA foi confiada em termos tutelares cíveis, em momento anterior ao acolhimento, passou a residir com a filha, mãe da AA (e avó da BB), em ..., há mais de três meses. Ordenou, consequentemente, a remessa dos autos ao Juízo de Família e Menores de Loures, por ser o territorialmente competente.

7. Remetidos os autos em conformidade, o Juízo de Família e Menores de Loures – Juiz ..., do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Norte, declarou-se incompetente em razão do território por entender que foi “prematura a remessa dos autos não só porque continua em fase de avaliação, sem certezas, a possibilidade da criança e progenitora integrarem o domicilio dos seus familiares, não se perspetivando que tal aconteça num futuro próximo, mas também porque o acolhimento residencial não é pressuposto para aferir da competência territorial, ao que acresce não se mostrar ainda aplicada qualquer medida em meio natural a favor desta criança.”.

Suscitou junto do Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, o presente conflito negativo de competência.

8. Cumprido o n.º2 do artigo 112.º do CPC, o Ministério Público, em seu douto parecer, pronuncia-se no sentido de se julgar competente para prosseguimento do presente processo o Juízo de Família e Menores de Loures (Juiz ...) do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Norte.

II – Apreciando e decidindo

1. De acordo com o artigo 109.º, n.º2, do CPC, verifica-se a existência de um conflito negativo de competência quando dois tribunais da mesma ordem jurisdicional se consideram incompetentes para conhecer da mesma questão.

Acresce que, conforme decorre do n.º3 do artigo 109.º do CPC, a existência de uma situação de conflito de competência pressupõe que as decisões em confronto tenham transitado em julgado.

No caso, dois tribunais judiciais de 1.ª instância, de competência especializada (Família e Menores) denegam a competência territorial própria, atribuindo-a ao outro, para apreciação da acção de promoção e protecção, em benefício dos menores AA e sua filha BB.

Configura-se, assim, um conflito negativo de competência, nos termos do artigo 109.º, n.º 2, do CPC, cuja resolução não pode radicar no recurso ao caso julgado formal.

Com efeito, conforme já sublinhado, dois tribunais judiciais de 1ª instância denegam a competência territorial própria, atribuindo-a ao outro, para apreciação da presente acção. Nestes casos, o legislador entendeu que esse impasse teria de ser ultrapassado por decisão cometida ao presidente do tribunal com competência para o efeito por forma a assumir uma intervenção clarificadora com repercussão em litígios futuros.

Assim, por estarem em causa decisões com a área de competência de diferente tribunal da Relação (cfr. artigo 32.º, n.º 1 e anexo I à Lei da Organização do Sistema Judiciário – LOSJ), cabe ao Presidente do Supremo Tribunal de Justiça a competência para resolução de conflito, por ser este o Tribunal superior com hierarquia imediata sobre os juízos conflituantes – artigo 110.º, n.º2, do CPC.

2. Em causa está acção reportada a procedimento de jurisdição voluntária2 regulado pela Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo (LPCJP) e, subsidiariamente pelo CPC, permitindo que a situação possa ser objecto de apreciação, tendo em linha de conta a ponderação das circunstâncias concretas do caso.

3. Das decisões em conflito e dos elementos disponíveis nos presentes autos, verifica-se que AA e sua filha BB encontram-se a viver na Casa de ... (IPSS ...), em Lisboa, ao abrigo da medida de acolhimento residencial.

4. Entre as medidas de promoção e protecção previstas no artigo 35.º, da LPCJP, encontra-se a de acolhimento residencial (cfr. n.º 1, al. f)).

Dispõe o artigo 79.º, da LPCJP – que define a competência territorial do tribunal para a aplicação das medidas de promoção de direitos e protecção das crianças e jovens em perigo:

"1 - É competente para a aplicação das medidas de promoção e proteção a comissão de proteção ou o tribunal da área da residência da criança ou do jovem no momento em que é recebida a comunicação da situação ou instaurado o processo judicial.

2 - Se a residência da criança ou do jovem não for conhecida, nem for possível determiná-la, é competente a comissão de proteção ou o tribunal do lugar onde aquele for encontrado.

(…)

4 - Se, após a aplicação de medida não cautelar, a criança ou o jovem mudar de residência por período superior a três meses, o processo é remetido à comissão de proteção ou ao tribunal da área da nova residência.

5 - Para efeitos do disposto no número anterior, a execução de medida de promoção e proteção de acolhimento não determina a alteração de residência da criança ou jovem acolhido.

(…)

7 - Salvo o disposto no n.º 4, são irrelevantes as modificações de facto que ocorrerem posteriormente ao momento da instauração do processo.”.

No caso sob apreciação, evidencia-se a seguinte realidade fáctica:

- a menor AA, mãe de BB, tinha a sua residência em ..., junto da avó materna, CC, aos cuidados de quem foi confiada por decisão de 14.06.2025, proferida no âmbito do processo n.º 850/13.8..., do Juízo de Família e Menores de Portimão, a quem ficou entregue em exclusivo, o exercício das responsabilidades parentais da jovem;

- a filha de AA, BB, nasceu na casa dos avós, tendo sido a avó CC (bisavó de BB) que deu assistência ao parto e que posteriormente diligenciou para que a neta e filha desta fossem para o hospital;

- CC, após o falecimento do marido, mudou-se de ... para a casa da filha (mãe da AA), sita em ..., onde se encontra;

- AA e a filha BB pretendem integrar, assim que estejam reunidas as condições, o agregado familiar da mãe/avó e da avó/bisavó, DD e CC, que vivem em ....

À data da instauração deste processo a residência de AA encontrava-se fixada em ..., por ser o local onde a sua avó CC vivia e à guarda de quem foi judicialmente confiada. BB viria a nascer na casa de CC.

Vicissitudes da vida, levaram a que CC deixasse a morada em ... e se mudasse para a morada da filha (mãe de DD e avó de BB), sita na Rua ..., Vivenda ..., ..., – ..., ..., ....

Perante esta realidade fáctica não podemos deixar de considerar que é o Juízo de Família e Menores de Loures (Juiz ...), tribunal da área de residência da avó e mãe de AA, o que está, actualmente, em melhores condições para aferir a concreta situação destas e o momento em que poderão acolher AA e BB.

Entendemos, pois, que não há necessidade de protelar a remessa dos autos àquele juízo já que o objectivo das duas menores, mãe e filha, bem patente nos relatórios junto aos autos (de 6.10.2024 e de 27.03.2025) é integrarem, logo que possível, o respectivo agregado familiar.

Salienta-se que o critério para a alteração superveniente da competência territorial, independentemente do concreto local onde o menor se encontre em execução da medida de acolhimento residencial, é o mesmo que preside à fixação da competência de acordo com a regra geral do artigo 79.º, n.º 1, da LPCJP, que está também ínsito no n.º4 do mesmo preceito, ou seja, o de atribuir competência ao tribunal que se encontra em melhores condições para conhecer a realidade familiar e social em que o menor está inserido e aplicar as medidas mais adequadas.

Tudo isto sem prejuízo da “execução de medida de promoção e proteção de acolhimento não determinar a alteração da residência da criança ou jovem acolhido”.

Consequentemente, há que concluir no sentido de ser competente para a tramitação dos autos, o Juízo de Família e Menores de Loures - Juiz ..., do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Norte.

5. Nestes termos, decide-se competente, territorialmente, para tramitação do Processo de Promoção e Protecção o Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Norte, Juízo de Família e Menores de Loures, Juiz ....

Sem custas.

Notifique e comunique ao Ministério Publico e aos tribunais em conflito (artigo 113.º n.º 3, do CPC).

Lisboa, 6 de Julho de 2025

Graça Amaral

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1. Em representação da criança nascida a........2023, filha da referida AA, nascida a ........2007, e, “aparentemente”, de EE, nascido a ........1982, requerer a aplicação de medida provisória de acolhimento residencial, enquanto se procede ao diagnóstico da situação da recém-nascida e ao seu encaminhamento subsequente.↩︎

2. Nos procedimentos de jurisdição voluntária, as decisões judiciais, ainda que transitadas em julgado, podem ser alteradas, tanto pela superveniência de circunstâncias que o imponham, como também por circunstâncias anteriores que não tenham sido alegadas por ignorância ou outro motivo ponderoso – artigo 988.º, do CPC.↩︎