I – Estando em causa (na revista em separado) a impugnação de uma decisão identificada como interlocutória e que foi formalmente integrada no acórdão final, a qual versou sobre a discussão acerca da hipotética extinção da instância por inutilidade/impossibilidade da lide nos termos do artigo 277º, alínea e), do Código de Processo Civil, face à existência de uma deliberação renovatória válida da sociedade Ré, questão essa apenas suscitada na pendência dos presentes autos no Tribunal da Relação de Lisboa (a 1ª instância nada poderia ter dito sobre a matéria na medida em que a validade da deliberação renovatória havia sido entretanto impugnada em acção judicial autónoma), a mesma é sindicável pelo Supremo Tribunal de Justiça, na medida em que foi proferida em primeiro grau e encontram-se reunidos no caso todos os pressupostos gerais de recorribilidade.
II – Esta decisão escapa, por sua própria natureza, aos efeitos da dupla conforme previstos no artigo 671º, nº 3, do Código de Processo Civil.
III - Sendo formalizada em acórdão subscrito pelo coletivo de Juízes Desembargadores reveste, por isso mesmo, a natureza de decisão colegial passível de conhecimento por este Supremo Tribunal de Justiça.
IV – Estando, portanto, em causa a aplicação do regime regra previsto no artigo 673º do Código de Processo Civil, não se justifica o julgamento em separado da revista, através da organização de apenso (que deve declarar-se findo), pelo que, não havendo fundamento para a impugnação autónoma, a matéria sobre que versa este recurso será assim conhecida conjuntamente no âmbito do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça a proferir no processo principal.
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça (6ª Secção-Cível).
I - RELATÓRIO.
Instaurou AA a presente acção declarativa, sob a forma de processo comum, contra G.P. – Gestão de Patrimónios, Lda..
Essencialmente alegou:
É titular de uma quota de € 100,00 no capital social da Ré.
A Ré deliberou, a Assembleia Geral de sócios realizada em 21 de Maio de 2018, a instauração de acção de condenação contra o A. e seu pai.
Foi no âmbito da referida acção que o ora A. veio a ter conhecimento da mencionada Assembleia.
Com efeito, a referida Assembleia Geral não foi convocada, tendo reunido com recurso ao uso abusivo de uma procuração passada em 2014 pelo A. ao irmão, em virtude da ida do primeiro para o Brasil até 27 de Abril de 2016.
Concluiu pedindo:
- A nulidade das deliberações tomadas na Assembleia Geral da R. de 21 de Maio de 2018;
- Subsidiariamente a sua anulação, e;
- Que se considere inadmissível a possibilidade de renovação das mesmas.
A R. apresentou contestação, na qual arguiu as excepções de ilegitimidade activa parcial, litispendência e caducidade.
Impugnou ainda a matéria de facto e a de direito.
Pediu a condenação do A. como litigante de má fé, em multa e indemnização de valor não inferior a € 1.000,00.
O A. respondeu às excepções e pediu a condenação da R. como litigante de má fé, em multa e indemnização de valor não inferior a € 5.000,00.
Foi proferida sentença, datada de 23 de Junho de 2019, onde se decidiu:
1. Julgar improcedente a excepção de caducidade deduzida pela Ré;
2. Nos termos do art.º 56.º, n.º 1, al. a), do CSC, declarar nulas as deliberações tomadas na reunião assembleia geral da Ré de 21 de Maio de 2018;
3. Julgar prejudicado o pedido de anulação deduzido pelo A. a título subsidiário;
4. Julgar improcedente, por não provado, o pedido de que se considere inadmissível a possibilidade de renovação das deliberações vertida no artigo 62.º do CSC.
5. Julgar improcedentes, por não provados, os pedidos de condenação de ambas as partes como litigância de má-fé.
Apenas a Ré interpôs recurso de apelação contra a referida sentença.
Na pendência deste recurso no Tribunal da Relação de Lisboa foi proferido o seguinte despacho:
“Os presentes autos encontravam-se suspensos a aguardar, conforme Acórdão proferido em Conferência no dia 21/6/2022, o trânsito em julgado da decisão final que viesse a ser proferida nos autos com o n.º 12661/19.2..., o que veio a suceder conforme certificado nos autos, por informação de 22/10/2024, em 5/6/2024.
Declara-se assim finda a suspensão da instância.
Nos presentes autos o A. AA instaurou acção sob a forma de processo comum contra a R. G.P. – Gestão de Patrimónios, Lda., pedindo a declaração de nulidade das deliberações tomadas na Assembleia Geral da R. de 21.05.2018 e, subsidiariamente a sua anulação. Mais pediu seja declarada inadmissível a possibilidade da sua renovação.
Em fundamento alegou, em síntese, que é titular de uma quota de 100,00 € no capital social da Ré, que em assembleia geral de 21.05.2018 a ré deliberou a instauração de acção de condenação contra si e o seu pai, que a dita assembleia não foi convocada, e que foi realizada com recurso abusivo a uma procuração que em 2014 o autor conferiu ao seu irmão.
Contestada a acção, por exceção e por impugnação, foi realizada audiência prévia e, declarada desnecessária a realização de audiência de julgamento, em 24.06.2019 foi proferida sentença que decidiu:
i) Julgar improcedente a exceção de caducidade deduzida pela ré;
ii) Nos termos do art.º 56.º, n.º 1, al. a), do CSC, declarar nulas as deliberações tomadas na reunião assembleia geral da Ré de 21.05.2018;
iii) Julgar prejudicado o pedido de anulação deduzido pelo A. a título subsidiário;
iv) Julgar improcedente, por não provado, o pedido de declaração que se considere inadmissível a possibilidade de renovação das deliberações vertida no artigo 62.º do CSC.
v) Julgar improcedentes, por não provados, os pedidos de condenação de ambas as partes como litigantes de má-fé.
A ré recorreu da decisão pedindo a sua revogação na parte em que declarou nulas as deliberações, e a sua substituição por outra que decida pela inutilidade superveniente da lide com fundamento na renovação das deliberações invocada em sede de alegações de recurso ou, em alternativa, por uma que absolva a recorrente.
Para o que aqui importa, alegou, em síntese, que nos dias 28.06 e 10.07.2019 foi realizada assembleia geral dos sócios da ora Recorrente na qual foi deliberada a renovação das deliberações sociais tomadas na Assembleia Geral de 21 de Maio de 2018, de interposição de ações judiciais contra o autor e o então sócio BB para recuperação dos créditos sobre eles detidos pela ré, facto que qualificou como superveniente relativo ao mérito da causa e que alegou e entende dever ser conhecido por este tribunal de recurso ao abrigo do disposto nos arts. 611º e 663º do Código do Processo Civil, com efeito extintivo do pedido do recorrido confirmado pelo tribunal a quo.
O autor respondeu alegando, para o que aqui interessa, que as deliberações renovatórias invocadas como fundamento do recurso foram objeto de impugnação judicial em processo que instaurou e corre termos sob o n.º 12661/19.2... do Juízo de Comércio de ... com fundamento na invalidade da procuração decretada inválida pela sentença recorrida, e porque foram tomadas com uma estrutura de votos decorrente de aumento de capital que também são objeto de impugnação que deduziu pelas ações n.º 1098/19.3... e n.º 5788/19.2... do Juízo do Comércio de .... Concluiu que, “por interdependência, admitir-se-á a suspensão da instância nos presentes autos enquanto as três ações indicadas nos artigos 3. e 19. das presentes contra-alegações não forem definitivamente decididas conforme artigos 276.º, al. c) e 279.º CPC, e não já a inutilidade superveniente da lide conforme requer a Recorrente”, e mais alegou que “a declaração de nulidade das deliberações tomadas na Assembleia Geral de 21.05.2018 não é irrelevante quanto aos efeitos jurídicos que poderá produzir porquanto às deliberações renovatórias de 10.07.2019 não foi conferido efeito retroativo, e tais deliberações referem-se à possibilidade de a Recorrente, sociedade, intentar ações judiciais contra os seus sócios, direito esse sujeito a prazos de prescrição.”
Concluiu pedindo que o recurso seja julgado totalmente improcedente ou, a admitir-se algum efeito, que seja o da suspensão da instância conforme artigos 276.º, al. c) e 279.º Código de Processo Civil até que seja proferida decisão nos Processos n.º 12661/19.2..., Juízo de Comércio de ... – Juiz ..., n.º 1098/19.3..., Juízo do Comércio de ... – Juiz ..., e n.º 5788/19.2..., Juízo do Comércio de ... – Juiz ....”
Pois bem, as acções em causa encontram-se findas.
No Proc. n.º 12661/19.2..., Juízo de Comércio de ... – Juiz ... o A., aqui também A. formulou contra a R., aqui também R., o seguinte pedido:
a) A nulidade das deliberações tomadas na assembleia geral da Ré de 10/07/2019 ao abrigo do disposto no artigo 56.º, n.º 1, alínea d), do Código das Sociedades Comerciais; ou, caso assim não se entenda
b) A anulação das mesmas deliberações por via dos artigos 58.º, n.º 1, alíneas a) b) e c), 69.º, n.º 1 e 290.º n.º 3, todos do Código das Sociedades Comerciais.
Em sede de Saneador Sentença conheceu-se parcialmente de mérito e foi proferida decisão a julgar improcedente o pedido de declaração de nulidade das deliberações tomadas na assembleia geral da Ré de 10/07/2019, ao abrigo do disposto no artigo 56.º, n.º 1, alínea d), do Código das Sociedades Comerciais, formulado sob a alínea a) do petitório constante da petição inicial.
Determinou-se o prosseguimento dos autos para conhecer do pedido formulado sob a alínea b).
Sucede que por Sentença de foi decidido, para o que aqui interessa, julgar extinta a instância por impossibilidade superveniente da lide, de harmonia com o disposto no art.º 277.º, alínea e), do Código de Processo Civil.
A fundamentação do decidido é a seguinte:
“Mostram-se assentes, por acordo e por documentos, os seguintes factos:
1. Na assembleia geral da Ré realizada em 10/07/2019, foram discutidas e votadas, respetivamente, as contas do exercício de 2018 e a reaprovação das contas de 2017 por ter havido retificações.
2. Os presentes autos prosseguiram para apreciação do pedido de anulação das deliberações tomadas na aludida assembleia geral da Ré de 10/07/2019, por via dos artigos 58.º, n.º 1, alíneas a) b) e c), 69.º, n.º 1 e 290.º n.º 3, todos do Código das Sociedades Comerciais.
3. Na assembleia geral da Ré realizada em 14/03/2024, foi aprovada a renovação integral, com efeitos retroativos, das deliberações tomadas na assembleia geral da Ré realizada a 10/07/2019.
4. O Autor não impugnou as deliberações aprovadas na referida assembleia geral da Ré de 14/03/2024.
IV. Como é sabido, com a presente ação, o Autor pretende impugnar as deliberações sociais aprovadas na assembleia geral da Ré de 10/07/2019, tendo os autos prosseguido para a apreciação do pedido de anulação das referidas deliberações por via dos artigos 58.º, n.º 1, alíneas a) b) e c), 69.º, n.º 1 e 290.º n.º 3, todos do Código das Sociedades Comerciais (cfr. ata da audiência prévia realizada em 18/01/2024). Sucede que, entretanto, a Ré apresentou requerimento informando que havia renovado, em assembleia geral realizada no dia 14/03/2024, e com efeitos retroativos, as deliberações aqui impugnadas (e tomadas na assembleia geral da Ré de 10/07/2019). Em face disto, importa analisar os efeitos processuais nesta instância das deliberações (renovadoras) tomadas na assembleia geral da Ré de 14/03/2024.
A propósito da renovação da deliberação, dispõe o art.º 62.º, do Código das Sociedades Comerciais:
«1. Uma deliberação nula por força das alíneas a) e b) do nº 1 do artigo 56.º pode ser renovada por outra deliberação e a esta pode ser atribuída eficácia retroativa, salvaguardados os efeitos de terceiros.
2. A anulabilidade cessa quando os sócios renovem a deliberação anulável mediante outra deliberação, desde que esta não enferme do vício da precedente. O sócio, porém, que nisso tiver um interesse atendível pode obter anulação da primeira deliberação relativamente ao período anterior à deliberação renovatória.»
Com a renovação da deliberação social (e mais ainda, tendo a mesma eficácia retroativa), tem-se em vista conservar e preservar os efeitos jurídicos pretendidos com a deliberação anterior, mas sem a “sombra” de qualquer invalidade, obviando aos inconvenientes e incertezas decorrentes da instauração ou da pendência duma ação impugnatória da deliberação anterior. E, sendo renovadora, a deliberação repete e substitui a deliberação primitiva, ocupando retroativamente o seu lugar.
Como se afirma no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 22/09/2021, processo n.º 675/10.2TBPTS.L1.S1, disponível em www.dgsi.pt, «(…) a renovação da deliberação não é um ato complementar ou de segundo grau, não determinando a sanação da primitiva deliberação, nem originando a imputação de efeitos (de forma consolidada) a esta, sendo à nova deliberação que passam a reportar-se todos os efeitos (para o futuro e também para o passado, em caso, como o dos autos, de eficácia retroativa da deliberação renovadora).» sublinhado nosso.
Daí que Pinto Furtado In Deliberações dos Sócios, pág. 626] afirme que: «(…) se a deliberação de renovação não se apresenta como um simples ato complementar ou de 2.º grau, sendo verdadeiramente uma nova deliberação que pretende erigir a mesma disciplina de interesses da anterior, mas isenta de mácula, não é de todo concebível a existência de uma ação da anulação ou de declaração de nulidade contra a deliberação anterior, contra uma deliberação que, afinal, foi riscada do mapa.” (…).
Acrescentando mais à frente que, no caso de a renovação só vir a ocorrer já na pendência de um processo judicial oposto contra a deliberação primeiramente adotada (o caso dos autos), «também aqui, se a renovação operou a substituição da deliberação que estava a ser impugnada, parece evidente que o pedido do autor deixa de poder ser atendido, pela impossibilidade lógica de vir a anular-se ou a decretar-se a invalidade ou inexistência jurídica de algo que, entretanto, cessou de existir» [2 Ob. citada, pág. 631]. E ainda que «ficamos em presença dos efeitos que jorram da nova deliberação – e esta, reproduzindo embora o conteúdo da anterior, nem por isso deixa de constituir uma nova deliberação, inteiramente distinta da primeira, que define uma ulterior vontade social sobre o mesmo objeto e, portanto, fica exclusivamente atida à sindicância da sua própria formação, não sendo lícito ao tribunal estabelecer se a renovação eliminou a precedente causa de invalidade.» [3 Ob. citada, pág. 632.]
Reportando-nos ao caso dos autos, as deliberações aqui impugnadas são, indubitavelmente, suscetíveis de renovação, sendo ponto assente que na assembleia geral da Ré realizada em 14/03/2024, foi aprovada a renovação integral, com efeitos retroativos, das deliberações tomadas na assembleia geral da Ré realizada a 10/07/2019, em crise nestes autos.
Acresce que o Autor não impugnou as deliberações aprovadas na referida assembleia geral da Ré de 14/03/2024. Ora, como vimos supra, a deliberação de renovação substituiu as deliberações impugnadas nestes autos e, ao fazê-lo, inutilizou o pedido e a causa de pedir desta ação, e impediu a sua análise e apreciação pelo Tribunal.
É que, como afirmou o Supremo Tribunal de Justiça no acórdão supra citado, «(…) se há uma ato da sociedade (a nova deliberação) que retira valor à primitiva deliberação, a decisão do juiz que se debruce sobre um pedido de impugnação da primitiva deliberação, debruça-se sobre um ato que não é já sequer uma manifestação da vontade social (e se os efeitos a que tendia a primitiva deliberação não lhe são já imputáveis, a ação que a impugna não poderá chegar ao seu termo).» Em face disto, importa concluir que, na pendência da causa, por força da deliberação de renovação apresentada pela Ré, este Tribunal ficou impedido de analisar e de se pronunciar sobre o mérito da causa, o que faz cair por terra o pedido do Autor no seu requerimento de 06/03/2024 de dar como provados os factos alegados na petição inicial por confissão dos mesmos e de declarar procedente a presente ação, antes se impondo, ao invés, a extinção da instância, com fundamento em impossibilidade superveniente da lide, nos termos do art.º 277.º, al. e). do Código de Processo Civil.”
Face à factualidade que consta da decisão proferida e que aqui se reproduziu, afigura-se que está o presente Recurso em condições de vir a ser proferida decisão de inutilidade superveniente do mesmo, atendendo a que:
“3. Na assembleia geral da Ré realizada em 14/03/2024, foi aprovada a renovação integral, com efeitos retroativos, das deliberações tomadas na assembleia geral da Ré realizada a 10/07/2019.
4. O Autor não impugnou as deliberações aprovadas na referida assembleia geral da Ré de 14/03/2024.”
Relembre-se que nos autos já se havia referido que:
“Para a decisão das questões prévias colocadas impõe-se considerar a seguinte matéria de facto, decorrente da tramitação da instância e trazida documentalmente aos autos com o Recurso e admitida pelas partes:
1. AA intentou a presente acção declarativa de anulação e declaração de nulidade de deliberações sociais contra G.P.- Gestão de Patrimónios, Lda. pedindo, entre outros, a nulidade das deliberações tomadas na Assembleia Geral da Ré de 21 de Maio de 2018 ao abrigo do disposto no artigo 56.º, número 1, al. a) do Código das Sociedades Comerciais ou, caso assim não se entenda, a anulação das mesmas deliberações por via do artigo 58.º número 1, al. b) e c) do Código das Sociedades Comerciais.
2. A Assembleia Geral Extraordinária da R. de 21/5/2018 teve a seguinte Ordem de Trabalhos:
“Ponto Um – Deliberar a interposição de Acção Judicial a intentar contra o Sócio AA em virtude de se ter conhecido, em Setembro de 2016, que havia sido transferido para a sua conta a quantia de 760.000€ (setecentos e sessenta mil euros), sem qualquer justificação, motivo ou substrato válido, verba essa cuja devolução já lhe foi solicitada verbalmente e por escrito, não tendo havido qualquer resposta da sua parte.
Ponto Dois – Deliberar a interposição de Acção Judicial a intentar contra o sócio BB, em virtude de se ter conhecido em Setembro de 2016 que haviam sido transferidos ou por si levantados diverso montantes, totalizando a quantia de 415.000€ (quatrocentos e quinze mil euros), sem qualquer justificação, motivo ou substrato válido, verba essa cuja devolução já lhe foi solicitada verbalmente e por escrito, não tendo havido qualquer resposta da sua parte.”
3. Foi proferida Sentença nos autos notificada à Recorrente em 24 de Junho de 2019, declarando nulas as deliberações tomadas na assembleia geral da Ré de 21/5/2018.
4. No dia 28 de Junho de 2019, teve lugar uma Assembleia Geral dos sócios da ora Recorrente, constando como ponto três da ordem dos trabalhos: “Renovação das deliberações sociais da Assembleia Geral de 21 de Maio de 2018, em que foram deliberadas a interposição de acções judiciais contra o então sócio BB e contra o sócio AA, para recuperação dos créditos detidos por esta empresa”, adiada, com a mesma Ordem de Trabalhos, para o dia 10/7/2019.
5. No dia 10 de Julho de 2019, reuniu, de novo, a Assembleia Geral dos sócios da ora Recorrente, tendo sido aprovada a Deliberação sobre o Ponto 3 da Ordem de trabalhos.”
Desta forma, a aprovação da deliberação renovatória aprovada na referida assembleia geral da Ré de 14/03/2024 e sem que dela tenha havido impugnação é susceptível de tornar inútil o prosseguimento do presente Recurso.
No entanto, antes de proferir decisão impõe-se ouvir previamente as partes, o que se determina; tudo sem prejuízo da Recorrente, se assim o entender, poder também desistir do recurso interposto.
Notifique”.
Pronunciou-se a ora recorrente, através do seu requerimento de 30 de Outubro de 2024, nos seguintes termos:
“1. Nestes autos estará em causa a nulidade das deliberações tomadas na reunião assembleia geral da Recorrente havida em 21 de Maio de 2018.
2. A ora Recorrente, com a interposição do recurso, levou ao conhecimento dos autos factos supervenientes e que influíam (e continuam a influir) na decisão da causa.
3. Factos, esses, que maisnão eramdo que a verificação de uma deliberação renovatória das deliberações sociais nestes autos em causa.
4. Com efeito, no dia 10 de Julho de 2019, reuniu, de novo, a Assembleia Geral dos sócios da ora Recorrente, constando como ponto três da ordem dos trabalhos a renovação das deliberações sociais da Assembleia Geral de 21 de Maio de 2018, em que foi deliberada a interposição de acções judiciais contra o então sócio BB e contra o sócio AA (aqui Recorrido), para recuperação dos créditos detidos pela ora Recorrente.
5. Ora, no caso dos presentes autos, as deliberações que se pretendia fossem anuladas foram, de facto, renovadas porquanto houve uma nova deliberação, que se encontra devidamente expurgada da precedente causa de invalidade que afectara o processo de formação da anterior, qual seja a violação do prazo de antecedência (artº377º do Código das Sociedades Comerciais).
6. Ou seja, as deliberações tomadas em 10 de Julho de 2019, reproduzindo embora o conteúdo das antecedentes, consubstanciam novas deliberações, inteiramente distintas das primeiras, definidoras de uma ulterior vontade social sobre o mesmo objecto.
7. Pelo que, e, tendo obtido o conhecimento dos factos supervenientes,
8. O Venerando Tribunal da Relação de Lisboa, veio a entender (e muito bem) que não se podia deixar de atender aos factos novos, conhecendo-os por serem passíveis de influir na decisão da presente causa.
9. E, nessa medida, decidiu suspender a presente instância até que ocorresse decisão com trânsito em julgado nos autos com o nº12661/19.2..., que, por sua vez, seencontravam suspensos a aguardar decisão no Proc. 5788/19.2...
10. Resulta, destarte, que o Venerando Tribunal da Relação de Lisboa fazia depender a extinção da presente instância da decisão que viesse a ser proferida em sede da acção judicial cujo objecto era (e ainda é) a deliberação renovatória.
11. Ora, quer o processo 5788/19.2..., quer o processo 12661/19.2... encontram-se findos.
12. Releva-se o teor da decisão proferida em sede do processo 12661/19.2... (que apreciava a deliberação renovatória):
Pelo exposto, decido julgar improcedente o pedido de declaração de nulidade das deliberações tomadas na assembleia geral da Ré de 10/07/2019, ao abrigo do disposto no artigo 56.º, n.º 1, alínea d), do Código das Sociedades Comerciais, formulado sob a alínea a) do petitório constante da petição inicial.
13. Assim sendo,
14. Daqui não pode, pois, deixar de resultar a extinção da presente instância por inutilidade superveniente da lide.
15. Uma vez que:
16. Dispõe o nº1 do artº62º do Código das Sociedades Comerciais que:
17. “Uma deliberação nula por força das alíneas a) e b) do nº1 do artigo 56º pode ser renovadas por outra deliberação e a esta pode ser atribuída eficácia retroactiva, salvaguardando os efeitos de terceiros.”
18. Por seu turno dispõe o nº2 do referido preceito que:
19. “A anulabilidade cessa quando os sócios renovem a deliberação anulável mediante outra deliberação, desde que esta não enferme do vício da precedente, ….”.
20. Através da renovação, os sócios voltam a aprovar a deliberação que antes haviam tomado, contendo a nova aprovação, no seu objecto, o conteúdo da decisão renovada.
21. A deliberação que opera a renovação deve respeitar o essencial do conteúdo da deliberação renovada.
22. Na renovação, a deliberação constitui-se ex novo, tudo se passando como se não tivesse existido a deliberação anterior, independentemente da validade ou não desta última, o que releva é a validade da decisão de renovação.
23. Havendo renovação, os efeitos jurídicos passam a imputar-se unicamente à deliberação renovatória.
24. Ora, no caso dos presentes autos, as deliberações que se pretendia fossem anuladas foram, de facto, renovadas porquanto houve uma nova deliberação, que se encontra devidamente expurgada da precedente causa de invalidade que afectara o processo de formação da anterior.
25. Ou seja, as deliberações tomadas em 10 de Julho de 2019, reproduzindo embora o conteúdo das antecedentes, consubstanciam novas deliberações, inteiramente distintas das primeiras, definidoras de uma ulterior vontade social sobre o mesmo objecto.
26. Daqui não pode, pois, deixar de resultar a extinção da presente instância por inutilidade superveniente da lide, nos termos do previsto no artº277º, al.) c) do Código do Processo Civil.
27. Julgando-se o presente Recurso provido por procedente, e, em consequência se revogue a sentença proferida na parte em que declarou nulas as deliberações tomadas na reunião assembleia geral da Recorrente de 21 de Maio de 2018, substituindo-se a mesma por outra que venha a decidir pela inutilidade superveniente da lide, por via da renovação das deliberações.
28. Como requerido pela ora Recorrente no recurso interposto.
29. O que desde já se requer.
Nestes termos,
E, nos melhores de Direito que Vª. Exa. mui doutamente suprirá, requer-se extinção da presente instância por inutilidade superveniente da lide, nos termos do previsto no artº277º, al.) c) do Código do Processo Civil, julgando-se procedente o recurso interposto pela Recorrente, e, em consequência, se revogue a sentença proferida, na parte em que declarou nulas as deliberações tomadas na reunião assembleia geral da Recorrente de 21 de Maio de 2018, substituindo-se a mesma por outra que venha a decidir pela inutilidade superveniente da lide, por via da renovação das deliberações”.
Por sua vez, anuiu ao convite que lhe foi dirigido, afirmou o A. recorrido:
“Conforme o A/recorrido já alegou nos presentes autos, a invalidade das deliberações da Assembleia Geral de 21 de Maio de 2018 não é irrelevante quanto aos efeitos jurídicos que poderá produzir uma vez que, às deliberações renovatórias de 10 de Julho de 2019 não foi conferido efeito retroactivo (apenas o tendo sido às de 14 de Março de 2024) e as primeiras (de 21 de Maio de 2018) referem-se à possibilidade de a recorrente intentar acções judiciais contra os seus sócios, nomeadamente contra o A. recorrido, o que fez, direito esse sujeito a prazos de prescrição.
Assim, tem o A/recorrido interesse atendível em ver julgadas nulas e/ou anuláveis as deliberações de 21 de Maio de 2018 nos termos do artigo 62º, nº 2, in fine, do Código das Sociedades Comerciais, o que respeitosamente se requer.
Em caso de ser determinada a inutilidade do prosseguimento do recurso, sempre tal inutilidade deverá ser imputada, em todo o caso, exclusivamente à Ré, recorrente, por superveniência, em relação à sentença proferida em primeira instância que determinou a nulidade das deliberações de 21 de Maio de 2018, das assembleias gerais de 10 de Julho de 2019 e 14 de Março de 2024 que a própria convocou”.
O Tribunal da Relação de Lisboa, integrando a decisão desta questão no seu acórdão de 19 de Dezembro de 2024, decidiu da eventual extinção da instância por inutilidade superveniente da lide nos seguintes termos:
“Nos termos do Despacho proferido em 29/10/2024 foram ainda as partes convidadas a pronunciar-se sobre a inutilidade do prosseguimento do presente Recurso, porquanto no Proc. n.º 12661/19.2..., Juízo de Comércio de ... – Juiz ... o A., aqui também A. formulou contra a R., aqui também R., o seguinte pedido: a) A nulidade das deliberações tomadas na assembleia geral da Ré de 10/07/2019 ao abrigo do disposto no artigo 56.º, n.º 1, alínea d), do Código das Sociedades Comerciais; ou, caso assim não se entenda
b) A anulação das mesmas deliberações por via dos artigos 58.º, n.º 1, alíneas a) b) e c), 69.º, n.º 1 e 290.º n.º 3, todos do Código das Sociedades Comerciais.
Em sede de Saneador Sentença conheceu-se parcialmente de mérito e foi proferida decisão a julgar improcedente o pedido de declaração de nulidade das deliberações tomadas na assembleia geral da Ré de 10/07/2019, ao abrigo do disposto no artigo 56.º, n.º 1, alínea d), do Código das Sociedades Comerciais, formulado sob a alínea a) do petitório constante da petição inicial.
Determinou-se o prosseguimento dos autos para conhecer do pedido formulado sob a alínea b).
Sucede que por Sentença de 2/5/2024 foi decidido, para o que aqui interessa, julgar extinta a instância por impossibilidade superveniente da lide, de harmonia com o disposto no art.º 277.º, alínea e), do Código de Processo Civil.
A fundamentação do decidido é a seguinte:
“Mostram-se assentes, por acordo e por documentos, os seguintes factos:
1. Na assembleia geral da Ré realizada em 10/07/2019, foram discutidas e votadas, respetivamente, as contas do exercício de 2018 e a reaprovação das contas de 2017 por ter havido retificações.
2. Os presentes autos prosseguiram para apreciação do pedido de anulação das deliberações tomadas na aludida assembleia geral da Ré de 10/07/2019, por via dos artigos 58.º, n.º 1, alíneas a) b) e c), 69.º, n.º 1 e 290.º n.º 3, todos do Código das Sociedades Comerciais.
3. Na assembleia geral da Ré realizada em 14/03/2024, foi aprovada a renovação integral, com efeitos retroativos, das deliberações tomadas na assembleia geral da Ré realizada a 10/07/2019.
4. O Autor não impugnou as deliberações aprovadas na referida assembleia geral da Ré de 14/03/2024.
IV. Como é sabido, com a presente ação, o Autor pretende impugnar as deliberações sociais aprovadas na assembleia geral da Ré de 10/07/2019, tendo os autos prosseguido para a apreciação do pedido de anulação das referidas deliberações por via dos artigos 58.º, n.º 1, alíneas a) b) e c), 69.º, n.º 1 e 290.º n.º 3, todos do Código das Sociedades Comerciais (cfr. ata da audiência prévia realizada em 18/01/2024). Sucede que, entretanto, a Ré apresentou requerimento informando que havia renovado, em assembleia geral realizada no dia 14/03/2024, e com efeitos retroativos, as deliberações aqui impugnadas (e tomadas na assembleia geral da Ré de 10/07/2019). Em face disto, importa analisar os efeitos processuais nesta instância das deliberações (renovadoras) tomadas na assembleia geral da Ré de 14/03/2024.
A propósito da renovação da deliberação, dispõe o art.º 62.º, do Código das Sociedades Comerciais:
«1. Uma deliberação nula por força das alíneas a) e b) do nº 1 do artigo 56.º pode ser renovada por outra deliberação e a esta pode ser atribuída eficácia retroativa, salvaguardados os efeitos de terceiros.
2. A anulabilidade cessa quando os sócios renovem a deliberação anulável mediante outra deliberação, desde que esta não enferme do vício da precedente. O sócio, porém, que nisso tiver um interesse atendível pode obter anulação da primeira deliberação relativamente ao período anterior à deliberação renovatória.»
Com a renovação da deliberação social (e mais ainda, tendo a mesma eficácia retroativa), tem-se em vista conservar e preservar os efeitos jurídicos pretendidos com a deliberação anterior, mas sem a “sombra” de qualquer invalidade, obviando aos inconvenientes e incertezas decorrentes da instauração ou da pendência duma ação impugnatória da deliberação anterior. E, sendo renovadora, a deliberação repete e substitui a deliberação primitiva, ocupando retroativamente o seu lugar.
Como se afirma no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 22/09/2021, processo n.º 675/10.2TBPTS.L1.S1, disponível em www.dgsi.pt, «(…) a renovação da deliberação não é um ato complementar ou de segundo grau, não determinando a sanação da primitiva deliberação, nem originando a imputação de efeitos (de forma consolidada) a esta, sendo à nova deliberação que passam a reportar-se todos os efeitos (para o futuro e também para o passado, em caso, como o dos autos, de eficácia retroativa da deliberação renovadora).» sublinhado nosso.
Daí que Pinto Furtado [1 In Deliberações dos Sócios, pág. 626] afirme que: «(…) se a deliberação de renovação não se apresenta como um simples ato complementar ou de 2.º grau, sendo verdadeiramente uma nova deliberação que pretende erigir a mesma disciplina de interesses da anterior, mas isenta de mácula, não é de todo concebível a existência de uma ação da anulação ou de declaração de nulidade contra a deliberação anterior, contra uma deliberação que, afinal, foi riscada do mapa.” (…).
Acrescentando mais à frente que, no caso de a renovação só vir a ocorrer já na pendência de um processo judicial oposto contra a deliberação primeiramente adotada (o caso dos autos), «também aqui, se a renovação operou a substituição da deliberação que estava a ser impugnada, parece evidente que o pedido do autor deixa de poder ser atendido, pela impossibilidade lógica de vir a anular-se ou a decretar-se a invalidade ou inexistência jurídica de algo que, entretanto, cessou de existir» [2 Ob. citada, pág. 631]. E ainda que «ficamos em presença dos efeitos que jorram da nova deliberação – e esta, reproduzindo embora o conteúdo da anterior, nem por isso deixa de constituir uma nova deliberação, inteiramente distinta da primeira, que define uma ulterior vontade social sobre o mesmo objeto e, portanto, fica exclusivamente atida à sindicância da sua própria formação, não sendo lícito ao tribunal estabelecer se a renovação eliminou a precedente causa de invalidade.» [3 Ob. citada, pág. 632.]
Reportando-nos ao caso dos autos, as deliberações aqui impugnadas são, indubitavelmente, suscetíveis de renovação, sendo ponto assente que na assembleia geral da Ré realizada em 14/03/2024, foi aprovada a renovação integral, com efeitos retroativos, das deliberações tomadas na assembleia geral da Ré realizada a 10/07/2019, em crise nestes autos. Acresce que o Autor não impugnou as deliberações aprovadas na referida assembleia geral da Ré de 14/03/2024. Ora, como vimos supra, a deliberação de renovação substituiu as deliberações impugnadas nestes autos e, ao fazê-lo, inutilizou o pedido e a causa de pedir desta ação, e impediu a sua análise e apreciação pelo Tribunal.
É que, como afirmou o Supremo Tribunal de Justiça no acórdão supra citado,
«(…) se há uma ato da sociedade (a nova deliberação) que retira valor à primitiva deliberação, a decisão do juiz que se debruce sobre um pedido de impugnação da primitiva deliberação, debruça-se sobre um ato que não é já sequer uma manifestação da vontade social (e se os efeitos a que tendia a primitiva deliberação não lhe são já imputáveis, a ação que a impugna não poderá chegar ao seu termo).» Em face disto, importa concluir que, na pendência da causa, por força da deliberação de renovação apresentada pela Ré, este Tribunal ficou impedido de analisar e de se pronunciar sobre o mérito da causa, o que faz cair por terra o pedido do Autor no seu requerimento de 06/03/2024 de dar como provados os factos alegados na petição inicial por confissão dos mesmos e de declarar procedente a presente ação, antes se impondo, ao invés, a extinção da instância, com fundamento em impossibilidade superveniente da lide, nos termos do art.º 277.º, al. e). do Código de Processo Civil.”
Entendeu-se assim no mesmo Despacho proferido em 29/10/2024 que, face à factualidade que consta da decisão proferida e que aqui se reproduziu, está o presente Recurso em condições de vir a ser proferida decisão de inutilidade superveniente do mesmo, atendendo a que:
“3. Na assembleia geral da Ré realizada em 14/03/2024, foi aprovada a renovação integral, com efeitos retroativos, das deliberações tomadas na assembleia geral da Ré realizada a 10/07/2019.
4. O Autor não impugnou as deliberações aprovadas na referida assembleia geral da Ré de 14/03/2024.”
Relembre-se que nos autos já se havia referido que:
“Para a decisão das questões prévias colocadas impõe-se considerar a seguinte matéria de facto, decorrente da tramitação da instância e trazida documentalmente aos autos com o Recurso e admitida pelas partes:
1. AA intentou a presente acção declarativa de anulação e declaração de nulidade de deliberações sociais contra G.P.- Gestão de Patrimónios, Lda. pedindo, entre outros, a nulidade das deliberações tomadas na Assembleia Geral da Ré de 21 de Maio de 2018 ao abrigo do disposto no artigo 56.º, número 1, al. a) do Código das Sociedades Comerciais ou, caso assim não se entenda, a anulação das mesmas deliberações por via do artigo 58.º número 1, al. b) e c) do Código das Sociedades Comerciais.
2. A Assembleia Geral Extraordinária da R. de 21/5/2018 teve a seguinte Ordem de Trabalhos:
“Ponto Um – Deliberar a interposição de Acção Judicial a intentar contra o Sócio AA em virtude de se ter conhecido, em Setembro de 2016, que havia sido transferido para a sua conta a quantia de 760.000€ (setecentos e sessenta mil euros), sem qualquer justificação, motivo ou substrato válido, verba essa cuja devolução já lhe foi solicitada verbalmente e por escrito, não tendo havido qualquer resposta da sua parte.
Ponto Dois – Deliberar a interposição de Acção Judicial a intentar contra o sócio BB, em virtude de se ter conhecido em Setembro de 2016 que haviam sido transferidos ou por si levantados diverso montantes, totalizando a quantia de 415.000€ (quatrocentos e quinze mil euros), sem qualquer justificação, motivo ou substrato válido, verba essa cuja devolução já lhe foi solicitada verbalmente e por escrito, não tendo havido qualquer resposta da sua parte.”
3. Foi proferida Sentença nos autos notificada à Recorrente em 24 de Junho de 2019, declarando nulas as deliberações tomadas na assembleia geral da Ré de 21/5/2018.
4. No dia 28 de Junho de 2019, teve lugar uma Assembleia Geral dos sócios da ora Recorrente, constando como ponto três da ordem dos trabalhos: “Renovação das deliberações sociais da Assembleia Geral de 21 de Maio de 2018, em que foram deliberadas a interposição de acções judiciais contra o então sócio BB e contra o sócio AA, para recuperação dos créditos detidos por esta empresa”, adiada, com a mesma Ordem de Trabalhos, para o dia 10/7/2019.
5. No dia 10 de Julho de 2019, reuniu, de novo, a Assembleia Geral dos sócios da ora Recorrente, tendo sido aprovada a Deliberação sobre o Ponto 3 da Ordem de trabalhos.”
Considerando assim que a aprovação da deliberação renovatória aprovada na referida assembleia geral da Ré de 14/03/2024 e sem que dela tenha havido impugnação seria susceptível de tornar inútil o prosseguimento do presente Recurso, foram as partes convidadas a pronunciar-se, o que fizeram nos termos das respostas que antecedem, tendo a Recorrente, em síntese pugnado pela “…extinção da presente instância por inutilidade superveniente da lide, nos termos do previsto no artº277º, al.) c) do Código do Processo Civil, julgando-se procedente o recurso interposto pela Recorrente, e, em consequência, se revogue a sentença proferida, na parte em que declarou nulas as deliberações tomadas na reunião assembleia geral da Recorrente de 21 de Maio de 2018, substituindo-se a mesma por outra que venha a decidir pela inutilidade superveniente da lide, por via da renovação das deliberações.”;
E a Recorrida: “… discute-se a respetiva utilidade de prosseguimento, interposto que foi pela Ré/Recorrente e mediante as informações trazidas pela mesma aos autos. (…) Recorde-se que, conforme o A./Recorrido já alegou nos presentes autos, a invalidade das deliberações da Assembleia Geral de 21.05.2018 não é irrelevante quanto aos efeitos jurídicos que poderá produzir uma vez que, às deliberações renovatórias de 10.07.2019 não foi conferido efeito retroativo (apenas o tendo sido às de 14.03.2024), e as primeiras (de 21.05.2018) referem-se à possibilidade de a Recorrente intentar ações judiciais contra os seus sócios, nomeadamente contra o A./Recorrido, o que fez, direito esse sujeito a prazos de prescrição. (…) Assim, tem o A./Recorrido interesse atendível em ver julgadas nulas e/ou anuláveis as deliberações de 21.05.2018 nos termos do artigo 62.º, n.º 2 in fine CSC, o que respeitosamente se requer a esse Venerando Tribunal a par da inutilidade do prosseguimento do presente Recurso. (…) Sem prejuízo do sentido e conteúdo da decisão que for tomada, e no caso de ser determinada por esse Venerando Tribunal a inutilidade do prosseguimento do presente recurso, sempre deverá tal inutilidade ser imputada, em todo o caso, exclusivamente, à Ré, Recorrente, por superveniência, em relação à sentença proferida em primeira instância que determinou a nulidade das deliberações de 21.05.2018, das assembleias gerais de 10.07.2019 e 14.03.2024 que a própria convocou, o que igualmente se requer.”
II. Da (in)utilidade do presente recurso.
Perante as posições suscitadas pelas partes nas respostas que apresentaram ao convite para tanto formulado, resulta que não é possível considerar a inutilidade superveniente em relação ao presente recurso, posto que na deliberação renovatória de 14/03/2024 foi aprovada a renovação integral, com efeitos retroativos, das deliberações tomadas na assembleia geral da Ré realizada a 10/07/2019; mas na deliberação renovatória tomada em 10/7/2019 não foi deliberado conferir-se carácter retroactivo à mesma.
Assim, mantém-se o interesse das partes, manifestado aliás nos requerimentos de resposta ao convite a tanto efectuado, nos termos supra expostos, na apreciação do presente recurso, o que se passa a fazer”.
O A. apresentou recurso de revista contra o acórdão final proferido, incluindo nele a discussão desta concreta matéria (extinção da instância por força da inutilidade/impossibilidade da lide nos termos do artigo 277º, alínea e), do Código de Processo Civil, provocado pelas deliberações renovatórias), apresentando as seguintes conclusões neste tocante:
- Parece ser claro e inequívoco que a renovação de deliberações impugnadas, sendo válidas as deliberações renovatórias, tem como única consequência processual a extinção da instância, com fundamento em inutilidade (ou impossibilidade) superveniente da lide, nos termos da al.) e) do artº 277º do Código do Processo Civil.
Tal entendimento vem até espelhado, de forma tabelar, no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça que se indicou como em contradição com o Acórdão nesta instância recursiva em crise, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental.
A realidade vem a ser que, não obstante existir uma esmagadora jurisprudência que admite a inutilidade superveniente, nos termos supra referidos, a realidade também vem a ser que não existe ainda, que se saiba, um Acórdão uniformizador de jurisprudência que encerre querelas doutrinárias e jurisprudenciais sobre este tema.
Aparentemente existe a necessidade de se clarificar que dando-se conhecimento que a deliberação renovadora na acção em que se impugna a deliberação primitiva, foi julgada válida por decisão judicial transitada em julgado, não podem prosseguir os autos em que se discute a deliberação primitiva, por oposição ao decidido na acção em que se impugnara a deliberação renovadora.
Contra-alegou o recorrido apresentando as seguintes conclusões (quanto à matéria abrangida por esta revista em separado):
J) Não merece reparo o Acórdão em crise por alegada violação da autoridade de caso julgado tal como configurado pela Recorrente, nem tão pouco ocorrem casos julgados contraditórios por via da validade da deliberação renovatória, face à exceção prevista no artigo 62º, n.º 2/2ª parte CSC, ou seja, por via da alegação e prova do interesse atendível do A. na prolação de decisão que declare a nulidade das deliberações de 21.05.2018.
L) Pelos mesmos motivos aduzidos para a inexistência de violação de autoridade de caso julgado, ou seja, por existir interesse atendível do Recorrido na prolação da sentença, não poderá haver espaço à inutilidade superveniente da lide pois que a mesma não é inútil, pelo menos no que aqui ficou demonstrado, no que tange ao invocado interesse do A. aqui Recorrido a coberto do artigo 62.º número 2, 2ª parte, CSC.
M) Excecionalmente, e por integração deste preceito, a renovação das deliberações tomadas na Assembleia Geral de 21/05/2018, com ou sem eficácia retroativa, não implica a inutilidade superveniente da presente lide conforme pretendido pela recorrente, improcedendo as alegações da Recorrente nesse ponto.
Pela Juíza Desembargadora relatora dos autos foi a este propósito proferido o seguinte despacho de admissão da revista:
“Da Admissão do Recurso.
Nas suas alegações a recorrente vem interpor recurso invocando:
“No Acórdão agora em crise, refere-se não ser possível considerar a inutilidade superveniente da lide, que havia sido suscitada.
E, refere-se que se não pode considerar a inutilidade superveniente da lide, porquanto:
(i) Na deliberação renovatória de 14-03-2024 foi aprovada a renovação integral, com efeitos retroativos, das deliberações tomadas na assembleia geral da Ré realizada a 10-07-2019, sendo que, na deliberação renovatória tomada em 10-07-2019 não lhe foi atribuído carácter retroactivo;
(ii) As partes mantêm interesse na apreciação do recurso.
Todavia, entende a Recorrente que aquela questão não só deveria ter sido conhecida, como deveria ter sido considerada a inutilidade superveniente da lide pelo Tribunal a quo, pelas razões que se invocarão infra.
Até porque a ora Recorrente nunca manifestou interesse na apreciação do recurso em tudo o que não fosse conexo e ou se reportasse à inutilidade superveniente da lide.
É, por isso, admissível o recurso comum de revista, nos termos da conjugação da al) d) do nº1 do artº 615º e do nº1 do art.º671º, ambos do Código do Processo Civil de revista do Acórdão proferido.”
Ora, decidida a invocação de nulidade na Conferência que antecede e verificando-se que o Acórdão proferido confirmou, sem voto e vencido e sem fundamentação essencialmente diferente a decisão de 1ª Instância, resulta que, nos termos do art.º 671º, n.º 3 não é admissível o recurso interposto com fundamento no art.º 671º, n.º 1 do Código de Processo Civil, pelo que se rejeita o mesmo.
Invoca ainda o recorrente que:
“É também admissível o recurso comum de revista porquanto o Acórdão agora em crise viola, manifestamente, o caso julgado. Conforme infra se verá.
É por isso admissível o recurso comum de revista, nos termos da conjugação do al) a) do nº2 do artº629º e do nº2 do art.º671º, ambos do Código do Processo Civil.
Mas, é também admissível a revista, nos termos do da al.) b) do nº2 do artº671º do Código do Processo Civil, na medida em que o presente Acórdão se encontra em absoluta contradição com o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 22-09-2021, em sede do processo 675/10.2TBPTS.L1.S1, relatado por António Barateiro Martins, proferido no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito.”
Vejamos.
O n.º 2 do art.º 671º do Código de Processo Civil diz respeito a “decisões interlocutórias que recaiam unicamente sobre a relação processual…”.
No caso, a questão da inutilidade superveniente da lide apenas se colocou nesta Relação e consta do Acórdão o despacho que recaiu sobre esta questão, que se julga, salvo melhor opinião, poder enquadrar-se na previsão de recorribilidade invocada; tendo a parte invocado o fundamento do art.º 671º, n.º 2, b) do Código de Processo Civil admite-se o recurso interposto, a subir imediatamente, em separado e com efeito meramente devolutivo (art.º 675º, n.º 2 e 676º, n.º 1 do Código de Processo Civil).
Notifique o recorrente para indicar querendo, em cinco dias, as peças com as quais pretende instruir o recurso, sendo que do mesmo deve constar o Acórdão proferido a 19/12/2024; a conferência sobre as nulidades que antecede; o despacho de 4/6/2020; oAcórdão de 21/6/2022; o despacho de 29/10/2024.
O Recorrente veio ainda interpor recurso excecional de revista, invocando: “(i) - Da relevância de questões jurídicas cuja clarificação se afigura necessária e pertinente para uma melhor aplicação do Direito”, o que se integra no disposto pelo art.º 672º, n.º 1, a) do Código de Processo Civil.
Por se julgarem verificados os pressupostos gerais de que depende a admissibilidade do recurso de revista excepcional interposto, concretamente, os previstos pelo art.º 629º, n.º 1; 631º, n.º 1; 637º; 638º, n.º 1; 639º; e tendo sido invocado o art.º 672º, n.º 1, a), todos do Código de Processo Civil, deverão os autos ser remetidos ao Supremo Tribunal de Justiça, nos termos do art.º 672º, n.º 3 do Código de Processo Civil.
O recurso sobre nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo – art.º 675º, n.º 1 e art.º 676º, n.º 1, ambos do Código de Processo Civil.
Not”.
II – FACTOS PROVADOS.
Os indicados no RELATÓRIO supra.
III – QUESTÕES JURÍDICAS ESSENCIAIS DE QUE CUMPRE CONHECER.
Admissibilidade do presente recurso de revista em separado. Aplicação do regime previsto no artigo 673º do Código de Processo Civil.
Passemos à sua análise:
Está em causa nesta revista, organizada em separado do processo principal - por determinação da relatora do processo em 2ª instância -, a impugnação de uma decisão identificada como de natureza interlocutória, mas que foi formalmente integrada no acórdão final.
A mesma versou sobre a discussão acerca da (hipotética) extinção da instância por inutilidade/impossibilidade da lide nos termos do artigo 277º, alínea e), do Código de Processo Civil, face à existência de uma ulterior deliberação renovatória válida da sociedade Ré, nos termos gerais do artigo 62º do Código das Sociedades Comerciais, com o mesmo objecto (instauração de acção judicial contra sócios) da que se encontra impugnada nos presentes autos.
Tal questão fora aliás oficiosamente suscitada pela ilustre desembargadora relatora na pendência dos presentes autos no Tribunal da Relação de Lisboa, havendo notificado previamente as partes para, querendo, emitirem pronúncia sobre a matéria.
O que estas fizeram (a recorrente afirmando a extinção da instância da instância e o recorrido pugnando, ao invés, pela sua subsistência).
Tal poderia levar a supor, à partida, a subsequente prolação decisão singular sobre a questão.
O que não veio a acontecer, tendo de imediato sido proferido colegialmente o acórdão abrangendo a questão da suscitada extinção da instância, tudo acontecendo a par do conhecimento de todo o restante objecto do recurso de apelação contra a decisão final de 1ª instância.
Ora, a decisão sobre a extinção da instância – de que trata exclusivamente este apenso – é, em si, sindicável, na medida em que foi proferida em primeiro grau (a 1ª instância nada poderia ter dito sobre a matéria na medida em que a validade da deliberação renovatória havia sido, entretanto, impugnada em acção judicial autónoma) e encontram-se reunidos neste caso todos os pressupostos gerais de recorribilidade.
Acresce que esta mesma decisão escapa, por sua própria natureza, aos efeitos da dupla conforme previstos no artigo 671º, nº 3, do Código de Processo Civil, uma vez que inexiste pronúncia da 1ª instância sobre o assunto.
Para além de que, sendo adoptada formalmente em acórdão subscrito pelo coletivo de Juízes Desembargadores reveste, por isso mesmo, a natureza de decisão colegial passível de conhecimento por este Supremo Tribunal de Justiça.
Ao invés do que terá pressuposto o relator dos autos no seu despacho inicial, proferido em termos estritamente liminares e sem prejuízo de melhor apreciação, entende-se agora que estando em causa a aplicação do regime previsto no artigo 673º do Código de Processo Civil (e não o do artigo 671º, nº 2, alínea b), do Código de Processo Civil conforme se considerou no despacho de admissão do recurso no Tribunal da Relação), não se justificará afinal o julgamento em separado da revista, em termos da impugnação autónoma da identificada decisão interlocutória, embora esta também não se enquadre, por sua natureza, no âmbito do recurso de revista excepcional interposto pela sociedade Ré no processo principal (não há, como se disse, qualquer hipótese da verificação, neste particular, de uma situação de dupla conforme nos termos do artigo 671º, nº 3, do Código de Processo Civil).
Ou seja, em conformidade com o regime regra consagrado no artigo 673º do Código de Processo Civil, o recurso de revista sobre a matéria em referência deve ser conhecido no âmbito do acórdão a proferir no processo principal, julgando-se, em consequência, findo o presente apenso de revista em separado (que não tem no fundo qualquer tipo de justificação ou utilidade processual).
O que se decide, nada mais havendo a apreciar no presente apenso.
IV – DECISÃO
Pelo exposto, acordam os juízes do Supremo Tribunal de Justiça (6ª Secção - Cível) em julgar findo o presente recurso de revista em separado, por não haver lugar nos termos do artigo 673º a impugnação autónoma da decisão de hipotética extinção da instância conhecida no acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, sendo a matéria nele versada apreciada conjuntamente no âmbito do recurso de revista interposto no processo principal.
Custas da revista pela recorrente.
Comunique ao processo principal.
Lisboa, 9 de Julho de 2025.
Luís Espírito Santo (Relator)
Anabela Luna de Carvalho
Maria Olinda Garcia
V – Sumário elaborado pelo relator nos termos do artigo 663º, nº 7, do Código de Processo Civil.