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CONDUÇÃO DE VEÍCULO EM ESTADO DE EMBRIAGUEZ
ALCOOLÍMETRO
VALIDADE
Sumário
1. O teste quantitativo só pode ser efetuado por analisadores que obedeçam às características fixadas em regulamento, cuja utilização seja aprovada por despacho da Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária, precedida de homologação de modelo pelo Instituto Português da Qualidade (artigos 1º e 14º do Regulamento de fiscalização da condução sob influência do álcool ou de substâncias psicotrópicas). 2. Da conjugação do disposto no artigo 7º, nº 7, 8º a 10º, do Regime Geral de Controlo Metrológico de Métodos e Instrumentos de Medição (DL 29/2022), regulamentado, no que concerne especificamente aos alcoolímetros, pela aprovação da Portaria n.º 366/2023, de 15/11, artigos 7º a 9º, resulta que o sistema de controlo metrológico dos alcoolímetros, da competência do Instituto Português da Qualidade, I.P. (IPQ), se desenvolve em três etapas: na primeira verificação, efetuada antes da colocação do instrumento em serviço; na verificação periódica anual, salvo indicação em contrário no despacho de aprovação de modelo, e na verificação extraordinária, 3. Os alcoolímetros em uso poderão permanecer em utilização enquanto estiverem em bom estado de conservação e nos ensaios de verificação metrológica incorrerem em erros que não excedam os erros máximos admissíveis. (artigo 11º do regulamento do controlo metrológico dos alcoolímetros aprovado pela Portaria n.º 366/2023, de 15/11).
Texto Integral
Acordam em conferência na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Guimarães:
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I- RELATÓRIO
No processo sumário n.º 2/25.4PTVRL, do Tribunal Judicial da Comarca de Vila Real, Juízo Local Criminal de Vila Real - Juiz 1, foi julgada a arguida AA, tendo sido proferida sentença, com o seguinte dispositivo:
«III – DECISÃO Nestes termos, julga-se a acusação procedente, por provada, e, em consequência: a) Condeno AA, pela prática, em 05-01-2025, de 1 (um) crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido pelo artigo 292.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 55 (cinquenta e cinco) dias de multa, ao quantitativo diário de € 5,00 (cinco euros), o que perfaz a quantia total de € 275,00 (duzentos e setenta e cinco euros); b) Condeno AA, pela prática, em 05-01-2025, de 1 (um) crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido pelos artigos 292.º, n.º 1 e 69.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal, na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de 4 (quatro) meses e 15 (quinze) dias. Custas pela arguida, que se fixa no mínimo legal que vai reduzida a metade, em virtude da confissão (arts. 374.º/4, 344.º/2/c), 513.º e 514.º, do Código de Processo Penal, e artigo 8º, n.º 9, e Tabela III, do Regulamento das Custas Processuais).»
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Não se conformando com esta sentença, a arguida recorreu para este Tribunal da Relação, concluindo na sua motivação o seguinte (transcrição): «II – Conclusões:
1. Pretende-se com o presente recurso por em crise a douta Sentença a quo que, deu, em suma, como provados in totum os factos constantes da douta Acusação, através da qual a Arguida / Recorrente vinha acusada da prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido nos termos do disposto no artigo 292.º, número 1 e do artigo 69.º, número 1, alínea a) do Código Penal. 2. No humilde entendimento da Arguida / Recorrente, o Tribunal a quo não deveria ter considerado como provados todos os factos elencados no despacho de Acusação. 3. O inconformismo da Arguida / Recorrente com a decisão recorrida prende-se essencialmente por se crer que, in casu, existe não um erro de apreciação de prova per se, mas, ao invés, a admissão e aceitação de prova proibida que por assim não ter sido entendida condicionou a formação da convicção do douto Tribunal a quo e determinou uma apreciação errónea da prova produzida. 4. Assentar uma decisão em factos baseados em provas proibidas e / ou ilegalmente obtidas despirá o Estado da sua veste de promotor da justiça penal; impondo-se, assim, a declaração de nulidade, e determinando-se que a prova documental junta aos autos se considerasse inválida, porque ilegalmente obtida, e, por tal, o talão comprovativo emitido por aquele aparelho fosse completamente desconsiderado. 5. Pois que as provas produzidas só poderão ser admissíveis se, nos termos do disposto no artigo 125.º do Código de Processo Penal, não forem proibidas por lei. 6. A Arguida/Recorrente entende que, parte dos factos dados como provados o foram indevidamente, já que não se pode deixar de apontar a ilegalidade da obtenção da prova documental que fundamenta alguns destes factos e que permitiu que a Meritíssima Juiz a quo assim os considerasse. 7. A mera análise da motivação da matéria de facto é suficiente para confirmar a total fé probatória depositada no talão de folhas seis, emitido pelo alcoolímetro. 8. Sendo que a “confirmação espontânea” por parte da Arguida/Recorrente nunca poderia ser suficiente para formar convicção inabalável no julgador quanto à taxa de álcool no sangue registada. 9. Uma vez que, tal taxa de alcoolemia detetada é, obrigatoriamente, aferida por outro meio de prova que não a mera confissão – in casu, pelo talão do exame de pesquisa de álcool no sangue pelo método do ar expirado, cuja admissibilidade a Arguida / Recorrente questiona. 10. Resulta da douta sentença que “(…) dúvidas não restam que o equipamento ora em causa nos autos se mostra legalmente adequado a ser utilizado na fiscalização, como o foi, pelo que o respectivo talão também se mostra plenamente válido e, como tal, passível de ser valorado como meio de prova, pelo que que se concluiu que inexiste qualquer proibição de prova no que toca a este.”. 11. No entanto, peca o douto Tribunal a quo pela desconsideração total daquilo que foi alegado pela Arguida quanto à aprovação (e ao prazo de validade da mesma) dos dispositivos em causa. 12. Pois que a medição da taxa de álcool no sangue, no âmbito da fiscalização prevista no artigo 153.º do Código da Estrada, é feita através de um aparelho específico, que é um analisador quantitativo, sendo que este aparelho tem de respeitar as características fixadas em regulamentação própria; isto é, têm de ser aprovados por despacho do Presidente da Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária, e tal aprovação é precedida da homologação do respetivo modelo pelo Instituto Português da Qualidade, nos termos do disposto no Regulamento do Controlo Metrológico dos Alcoolímetros. 13. Dispõe o artigo 7.º do Decreto-Lei número 29/2022, de 07 de abril que o prazo de validade da aprovação do modelo é de dez anos, salvo disposição em contrário no despacho de aprovação do modelo. 14. E resulta do talão de folhas seis e do Auto de Notícia por Detenção que a Arguida / Recorrente foi sujeita a fiscalização com o alcoolímetro em causa nos autos é da marca ..., modelo ... PT, número de série ... que corresponde ao modelo ...6, tendo tal modelo sido aprovado pela primeira vez para utilização na fiscalização pelo Instituto Português da Qualidade no Despacho número 8219/2019, a 29 de julho de 2019 e a validade dessa aprovação ficado estipulada por um período de três anos a contar da data da publicação em Diário da República, tudo conforme o número 7 do sobredito Despacho. 15. Assim, tem, necessariamente, de se concluir que a aprovação do aparelho que foi utilizado nos presentes autos para pesquisa de álcool no sangue da Arguida / Recorrente tinha caducado em 16 de setembro de 2022, em virtude dos três anos decorridos desde a data da publicação do despacho de aprovação em Diário da República, a 17 de setembro de 2019. 16. Sendo a aprovação essencial para o mero uso do aparelho, e tendo tal aprovação um prazo de validade de três anos (que se venceu em 2022) a fiscalização à Arguida ocorre com um alcoolímetro não válido e o talão que dali se retira mais não é se não prova inadmissível – já que proibida, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 125.º do Código de Processo Penal, porque ilegalmente obtida. 17. Por mera consulta dos autos confirma-se que resulta do Auto de Notícia por Detenção que a Arguida/Recorrente foi submetida ao exame quantitativo de pesquisa de álcool no ar expirado, “através de alcoolímetro marca ..., modelo ... PT, n.º ..., aprovado pelo IPQ através do Despacho nº 8219/2019, de 29 de Julho, aprovação de modelo n.º ...6”, não sendo fornecidos aos autos quaisquer outras informações ou provas que o aparelho utilizado não corresponda exatamente ao modelo número ...6 aprovado por apenas três anos em 2019. 18. Não podendo dizer-se que os aparelhos Drager Alcotest ... PT são todos o mesmo modelo, caso contrário não teria havido necessidade de sucessivas aprovações posteriores e muito menos tais aprovações teriam números de modelo diferentes. 19. A Arguida/Recorrente foi fiscalizada a 05 de janeiro de 2025 por um aparelho Drager Alcotest ... PT ...6, cujo prazo de validade qualitativa se encontrava expirado desde 16 de setembro de 2022; pelo que naquela data não era lícito às autoridades fiscalizadoras fazerem uso de tal aparelho de forma probatoriamente útil. 20. Existe vinculação probatória quanto à prova da alcoolemia. 21. Não sendo possível que a mera confissão, por parte da Arguida / Recorrente, de que bebeu (sangria e cerveja) estabelecesse a taxa de álcool no sangue da Arguida / Recorrente no dia dos factos por que veio acusada e por que acabou condenada. 22. O facto 2 e o facto 4 do elenco de factos dados como provados deverão ser eliminados e ser inscritos no elenco de factos dados como não provados. 23. Impugna-se, assim, a decisão proferida sobre a matéria de facto, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 412.º, números 3 e 4 do Código de Processo Penal por se entender que o Tribunal a quo apreciou erradamente a prova, resultando tal erro da análise da prova produzida em audiência de discussão e julgamento, interpretada à luz das regras da lógica, da experiência e da normalidade, tendo sido incorretamente julgado o facto constante do número 2 e do número 4 dos factos provados, os quais deveriam ter sido julgados como não provados pelo douto Tribunal a quo. 24. Ao incluir tais factos na factualidade dada como provada, o Tribunal a quo incorreu ainda no vício a que alude o artigo 410.º, número 2, alínea a) do Código de Processo Penal, por força do erro notório de apreciação de prova (proibida). 25. O douto Tribunal a quo fez, assim, uma errada interpretação do artigo 292.º, número 2 do Código Penal, do artigo 153.º do Código da Estrada, do artigo 17.º da Lei número 18/2007, de 17 de maio e do artigo 125.º do Código de Processo Penal. 26. Normas, essas, que deverão ser interpretadas e conjuntamente aplicadas no sentido de que o modelo de alcoolímetro utilizado na pesquisa de álcool no ar expirado a que a Arguida / Recorrente foi sujeita já não se encontrava devidamente aprovado pelo Instituto Português da Qualidade, tornando-se qualquer prova dali resultante em prova inválida e inadmissível em juízo. 27. No mais, independentemente de o aparelho em causa ter sido ou não sujeito a verificação inicial e/ou verificação periódica, a verdade é tão só que esse aparelho já não se encontrava aprovado para a realização da fiscalização e, ainda assim, não consta dos autos qualquer despacho de efetiva verificação com informação da eventual aptidões e reunião de condições de funcionamento de tal aparelho específico. 28. E na eventualidade de a decisão a proferir por acórdão pelo Venerando Tribunal ad quem não contemplar a absolvição, da Arguida/Recorrente, da prática do crime por que vem acusada; sempre será de rever a pena ora fixada, considerando a factualidade que vier a ser dada como provada; o que, sempre e necessariamente, implicará a redução do número de dias de multa aplicado, já que o mesmo se crê, salvo o devido respeito, que é muito e merecido, exagerado. 29. Subsidiariamente e na situação de inexistirem alterações no âmbito da matéria de facto, o que só por mera hipótese académica se pode conceber, sem que, ainda assim, se conceda, sempre será de reconsiderar, pelo Venerandos Juízes Desembargadores, a medida da sanção acessória de proibição de conduzir veículos a motor. Nestes termos, e nos melhores de Direito, Deve o presente recurso obter total provimento e procedência e, em consequência, revogar-se a douta Sentença recorrida, proferida pelo Tribunal a quo, substituindo-a por outra que decida em harmonia com o alegado e, bem assim, as antecedentes conclusões e, a final: a) Alterando a matéria de facto nos exatos termos sobreditos e, assim, absolvendo a Arguida / Recorrente da prática do crime por que vem acusada; Na eventualidade de, ainda assim, não se entender de tal forma: b) Reformulando os critérios aplicáveis à dosimetria da pena e, consequente, aplicando uma pena inferior à Arguida / Recorrente. Só assim se fazendo inteira JUSTIÇA.»
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Em 1ª instância, o Ministério Público, nas suas alegações de resposta, concluiu do seguinte modo (transcrição): «- CONCLUSÕES -
1. Entende a arguida que deviam ter sido dados como não provados os factos constantes dos pontos 2 e 4 dos factos provados, porquanto assentaram em prova proibida - talão de resultado de fls. 6, extraído de aparelho de analisador quantitativo caducado a 16.9.2022 - não sendo a confissão da arguida suficiente para formar convicção do julgador quanto à concreta taxa de álcool de que era portadora (artigos 292.º, n.º 2, do Código Penal, 153.º, do Código da Estrada, 17.º, da Lei n.º 18/2007, de 17 de Maio e 125.º, do Código de Processo Penal). 2. Sucede que, contrariamente ao referido pela arguida, o aparelho utilizado foi sujeito a uma primeira aprovação por Despacho n.º 8219/2019, de 17 de Setembro, por três anos, uma aprovação complementar por Despacho n.º 9378/2021, de 24 de Setembro e uma renovação por Despacho n.º 4941/2022, de 27 de Abril, estando válido à data dos factos. 3. Alega ainda a arguida que as penas aplicadas pecam por excesso. 4. Ora, a arguida vem condenada pela prática de crime rodoviário, cuja frequência é avassaladora e um reconhecido flagelo em Portugal, ao qual está causalmente ligada a alta taxa de sinistralidade, com aumento sucessivo de vítimas mortais, pelo que se entende que as exigências de prevenção geral são muito significativas. 5. Acresce a circunstância de ter actuado com dolo directo e elevado grau de ilicitude: foi detectada a conduzir automóvel, num dos principais arruamentos de ..., com uma taxa de álcool 1,786 g/l de sangue. 6. O legislador prevê molduras penais de plasticidade suficiente a integrar os mais diversos níveis de exigências de prevenção geral, especial, graus de ilicitude e culpa. 7. Admitir-se a diminuição dos dias de multa (55 Dias) ou da pena acessória (4 Meses e 15 Dias), já aplicadas em valores muito próximos dos mínimos legais das respectivas molduras, a alguém que conduz com taxa de álcool de 1,786 g/l é grassar a impunidade. 8. Assim, tendo em conta as condições factuais em causa, o grau de ilicitude, o quadro legal de referência quanto à determinação da medida das penas, as exigências de prevenção do caso, o dolo e a culpa com que a arguida actuou e, ainda, os princípios constitucionais da adequação, necessidade e proporcionalidade, é forçoso concluir que as penas aplicadas nos autos não se mostram excessivas.
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Nestes termos e nos melhores de Direito que V.as Ex.as doutamente suprirão, deverá ser negado provimento ao recurso apresentado pelo arguido, mantendo-se integralmente a decisão recorrida. Assim decidindo, farão V.as Ex.as a costumada JUSTIÇA!!»
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Neste tribunal da Relação a Exma. Sr.ª Procuradora Geral Adjunta emitiu o seguinte parecer (transcrição): “(…) «II.-O nosso parecer: Considerando as conclusões do recurso que, como é sabido, delimitam o seu objecto, sendo apenas essas questões as que o tribunal de recurso terá de apreciar (Cfr. Prof. Germano Marques da Silva, "Curso de Processo Penal" III, 2ª ed., pág. 335 e jurisprudência uniforme do STJ (cfr. Ac. STJ de 28.04.99, CJ/STJ), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, nomeadamente os vícios previstos no art.º 410º nº 2 do CPP, em nosso entender, importa aqui apreciar: 1-Se se verifica o erro notório de apreciação de prova (proibida)-art.º 410.º 2 a) do CPP; 2-Se se verifica erro de julgamento quanto aos factos provados n.ºs 2 e 4 3-Se as penas, principal e acessória, são excessivas e devem ser reduzidas
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1-Da impugnação ampla da matéria de facto ao abrigo do art.º 412.º3 e 4 do CPP/erro notório de apreciação da prova: Segundo o recorrente os factos n.ºs 2 e 4 da matéria de facto provada foram incorretamente julgados, devendo o Tribunal a quo, ante a prova pericial junta aos autos, concretamente, o teste de alcoolemia, tê-los considerado não provados e ser absolvida do crime de que foi acusada nos autos. Analisemos: Como é consabido, o recurso da matéria de facto não se destina a postergar o princípio da livre apreciação da prova. A decisão do Tribunal há-de ser sempre uma “convicção pessoal – até porque nela desempenham um papel de relevo não só a atividade puramente cognitiva, mas também elementos racionalmente não explicáveis (v. g. a credibilidade que se concede a um certo meio de prova) e mesmo puramente emocionais” – Prof. Figueiredo Dias, «Direito Processual Penal», Vol. I, 1974, pág. 204. Como se tem vindo a defender jurisprudencialmente, «Mesmo quando houver documentação da prova, a sua livre apreciação, devidamente fundamentada segundo as regras da experiência, no sentido de uma das soluções plausíveis torna a decisão inatacável. Doutro modo seriam defraudados os fins visados com a oralidade e a imediação da prova» (Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 06/03/2002, proferido no Processo n.º 0111381); «Uma decisão errada, ilegal ou arbitrária não pode ser sustentada numa simples alegação da discordância entre a convicção do recorrente e a convicção que o julgador livremente formou com base na prova produzida em audiência de julgamento, antes passa necessariamente pela demonstração inequívoca de que o tribunal que a proferiu contrariou as regras da experiência e desrespeitou princípios basilares do direito probatório (v. g. prova legalmente vinculada, provas proibidas etc.). Quando o recorrente pretende apenas por em causa a livre apreciação da prova, o recurso estará irremediavelmente destinado à improcedência. É que, como se referiu, o tribunal é livre de dar credibilidade a determinados depoimentos, em detrimento de outros, desde que essa opção seja explicitada e convincente, como é o caso. Cumprida essa exigência, a livre convicção do juiz torna-se insindicável, até porque a documentação dos atos da audiência não se destina a substituir, nem substitui, a oralidade e a imediação da prova. Defender-se uma outra solução, o tribunal de recurso acabaria “por proceder a um juízo, mas com inversão das regras da audiência de julgamento ou, então, numa espécie de juízos por parâmetros” (Damião da Cunha, «O Caso Julgado Parcial», 2002, pág. 37)» (Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 28/06/2004). Importando recordar que se é certo que os tribunais da Relação conhecem de facto e de direito nos termos do disposto no art.º 428.º do Código de Processo Penal, o modelo de recurso no nosso processo penal não é o da repetição do julgamento, mas da sindicância do juízo decisório da matéria de facto efetuado pela primeira instância, no sentido de verificar se houve ou não erro de julgamento na apreciação/valoração das provas. A credibilidade de cada meio de prova tem subjacente a aplicação de máximas da experiência comum que enformam a opção do Julgador e a sua aplicação concreta apenas poderá ser questionada caso careça de razoabilidade, já que o Julgador na primeira instância apreende os meios de prova com imediação e valora uns em detrimento de outros sempre com o objetivo de perseguir a verdade material. Assim, para a modificação da decisão de facto, não basta que as provas produzidas permitam uma decisão diversa da proferida pelo tribunal. A menos que exista prova vinculada, o tribunal decide de acordo com as regras da experiência e a livre convicção e, por isso, não é suficiente para a pretendida modificação da decisão de facto que as provas especificadas pelo recorrente permitam uma decisão diferente da proferida pelo tribunal, sendo indispensável, para tal efeito, que imponham decisão diversa da recorrida, recaindo tal demonstração sobre o recorrente. No caso, a recorrente imputa o erro de apreciação de prova e de julgamento no que se refere à valoração, pelo Tribunal a quo, do teste de alcoolemia de fls. 6, afirmando que o prazo de caducidade do aparelho se conta a partir da sua aprovação técnica, pelo Instituto Português da Qualidade, já que é esta a entidade que atesta a conformidade dos instrumentos, a sua fiabilidade e oseu bom funcionamento e que tem, forçosamente, de se concluir que a aprovação do aparelho que foi utilizado nos presentes autos para pesquisa de álcool no sangue da Arguida / Recorrente tinha caducado em 16 de Setembro de 2022 em virtude dos três anos decorridos desde a data da publicação do despacho de aprovação em Diário da República, a 17 de Setembro de 2019 Por conseguinte, diz, a fiscalização ocorreu com um alcoolímetro não válido e o talão que dali se retira, mais não é, se não, prova inadmissível, já que proibida, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 125.º do Código de Processo Penal, porque ilegalmente obtida. Mas não é assim. O referido teste de alcoolemia é um meio de obtenção de prova legal – cfr. art.ºs 1.º e 2.º do Regulamento de Fiscalização da Condução sob Influência do Álcool ou de Substâncias Psicotrópicas, que foi aprovado pela Lei n.º 18/2007, de 17 de Maio – estabelecendo o art.º artº 153º do Código da Estrada que: “1— O exame de pesquisa de álcool no ar expirado é realizado por autoridade ou agente de autoridade mediante a utilização de aparelho aprovado para o efeito. 2— Se o resultado do exame previsto no número anterior for positivo, a autoridade ou o agente de autoridade deve notificar o examinando, por escrito, ou, se tal não for possível, verbalmente, daquele resultado, das sanções legais dele decorrentes, de que pode, de imediato, requerer a realização de contraprova e de que deve suportar todas as despesas originadas por esta contraprova no caso de resultado positivo. ----- Sendo certo que, tal como decorre do expediente junto com a participação, a arguida foi notificada, nos termos do art.º 153.º n.º 2 de que poderia requerer a contraprova, declinando esse direito, o que comprova que, na altura, não teve quaisquer dúvidas em relação ao teste realizado e ao seu resultado. Como é sabido, a utilização dos alcoolímetros permite estabelecer uma relação fisiológica entre a concentração de álcool no ar alveolar expirado (TAE) e a concentração presente no sangue (TAS), sendo aquela concentração de álcool no ar expirado diretamente proporcional à sua concentração no sangue, quando este passa pelos pulmões. Em Portugal, a conversão dos valores do teor de álcool no ar expirado (TAE) em teor de álcool no sangue (TAS) é baseada no princípio de que 1 mg de álcool por litro de ar expirado é equivalente a 2,3 g de álcool por litro de sangue: 1 mg/L (TAE) = 2,3 g/ L (TAS). Segundo o art.º 5.º da Portaria n.º 366/2023, O controlo metrológico legal dos alcoolímetros compete ao Instituto Português da Qualidade, I. P. (IPQ, I. P.), e compreende as operações de Aprovação de Modelo, Primeira Verificação, Verificação Periódica e Verificação Extraordinária. E de acordo com os seus artigos 6.º n.º 1, 7.º e 8.º, Art.º 6.º ( Aprovação de modelo) 1 “ A aprovação de modelo é o ato que atesta a conformidade de um instrumento de medição ou de um dispositivo complementar com as especificações aplicáveis à sua categoria com vista à sua disponibilização no mercado “ art.º 7.º ( Primeira verificação) 1 - “ A primeira verificação compreende o conjunto de operações destinadas a constatar a conformidade da qualidade metrológica dos instrumentos de medição, novos ou reparados, com a dos respetivos modelos aprovados e com as disposições regulamentares aplicáveis, devendo ser requerida, para os instrumentos novos, pelo fabricante ou mandatário, e pelo utilizador, para os instrumentos reparados” e 2- Nos instrumentos de medição cuja qualidade metrológica esteja dentro dos erros máximos admissíveis e restantes disposições regulamentares aplicáveis relativamente ao respetivo modelo, a marca de primeira verificação é aposta no ato da operação. art.º 8.º n.º 1 - A verificação periódica tem uma periodicidade anual e é válida durante um ano após a sua realização. Ora, pese embora a argumentação da recorrente quanto à caducidade da validade do aparelho, escamoteia a recorrente que, tal como sublinhou a Mmª Juiz na douta sentença, o modelo do alcoolímetro utilizado foi inicialmente aprovado pelo IPQ através do Despacho n.º 8219/2019, de 17 de Setembro (aprovação de modelo n.º ...6), por 3 anos a contar da data de publicação no Diário da República, mas foi objecto de aprovação complementar através do Despacho n.º 9378/2021, de 24 de Setembro (aprovação complementar de modelo n.º ...4 destinado ao alcoolímetro aprovado através do Despacho n.º 8219/2019, publicado na 2.ª série do Diário da República, n.º 178, de 17 de setembro de 2019 ( “ a que corresponde a aprovação de modelo n.º ...6 “), aprovação que veio a ser renovada – por 3 anos a contar da data de publicação – pelo mencionado Despacho n.º 4941/2022, de 27 de Abril. Por outro lado, ainda que assim não fosse, à luz da citada Portaria n.º 366/2023 e Decreto-Lei n.º 29/2022, de 7 de Abril, inexistiria qualquer obstáculo para a valoração do resultado obtido pelo aparelho de medição contestado pela recorrente. Na verdade, o Decreto-Lei n.º 29/2022, de 7 de abril ( regime geral do controlo metrológico legal dos métodos e dos instrumentos de medição definido neste último diploma) prevê no seu artigo 7.º n.º 2 que a aprovação de modelo é requerida pelo respetivo fabricante ou mandatário e é válida por um período de 10 anos findo o qual carece de renovação. Mais estabelecendo, no n.º 7 desse normativo que “ Os instrumentos de medição em utilização, cuja aprovação de modelo não seja renovada ou tenha sido revogada, podem permanecer em utilização desde que satisfaçam as operações de verificação metrológica aplicáveis “. ( sublinhado nosso). Assim, mesmo o decurso do prazo de 10 anos, contados desde a respectiva homologação, não faz caducar a validade, nem acarreta a nulidade da prova obtida. Como ressalta desta última norma, os aparelhos podem continuar a ser utilizados, desde que submetidos às operações de verificação que a lei estipula. É que, como doutamente se refere no Acórdão desta Relação de 27/1/2020, no Processo n.º 33/19.3PTVRL.G1 “ uma coisa é o prazo de validade de aprovação do modelo do aparelho, outra é a qualidade técnica do mesmo para efectuar medições, sendo que esta pode manter-se para além daquele desde que reconhecida e válida conforme as verificações exigidas “ ...” o esgotamento do prazo de validade da aprovação técnica, sem que tenha havido lugar à sua renovação, não determina, por si só, que os alcoolímetros do modelo em causa deixem de ser utilizados na fiscalização, podendo sê-lo desde que satisfaçam as operações de verificação a que tenham de ser sujeitos, de acordo com as regras aplicáveis, ou seja, através das mencionadas verificações periódicas e extraordinárias já aludidas, previstas nos art.ºs 4.º e 5.º do DL n.º 291/20 e no art.º 5.º do Regulamento do Controlo Metrológico dos Alcoolímetros, que continuarão a garantir a fiabilidade metrológica “( cfr. no mesmo sentido, o Ac. desta mesma Relação de 25/11/2019, no Processo n.º 407/19.0PBVCT.G1). Pelo que, na situação sub judice, tendo o alegado equipamento sido objecto de verificação pelo IPQ e aprovado em 16.01.2024 ( 1.ª verificação ), sempre cumpriria as condições legais para ser utilizado e o respectivo resultado ser valorado, como foi. É, assim, completamente infundada a alegação da existência de erro na apreciação de tal prova pericial “ proibida “ e de erro de julgamento em relação aos factos impugnados, os quais devem manter-se intocáveis.
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3- Da invocada excessividade da pena: Sem contestar os critérios e circunstâncias atendidas pelo Tribunal a quo na ponderação das penas aplicadas e sem especificar as razões porque se devem alterar as penas principal e acessória, alega ainda a recorrente, de forma conclusiva, que ambas são excessivas, devendo ser reconsideradas. Tal pretensão, porém, também não tem qualquer fundamento. Pena principal: Em conformidade com o disposto no art.º 71.º do Código Penal, interpretado à luz do art.º 40.º do mesmo diploma, a determinação da pena, dentro dos limites fixados na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, atendendo-se a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor ou contra o arguido. O limite máximo da pena deverá ser fixado de acordo com a culpa, o limite mínimo de acordo com as exigências de prevenção geral e a pena a aplicar, dentro da moldura penal assim conseguida, de acordo com as exigências de prevenção especial que o caso concreto reclama. A disposição legal em apreço consagra o entendimento do Prof. Figueiredo Dias sobre os fins das penas “as finalidades da aplicação de uma pena residem primordialmente na tutela dos bens jurídicos e, na medida do possível, na reinserção do agente na comunidade. Por outro lado, a pena não pode ultrapassar, em caso algum, a medida da culpa. Nestas duas preposições reside a fórmula básica de resolução das antinomias entre os fins das penas; pelo que também ela tem de fornecer a chave para a resolução do problema da medida da pena (…) Assim, pois, primordialmente, a medida da pena há-se ser dada pela medida da necessidade de tutela dos bens jurídicos face ao caso concreto” («Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime», Editorial Notícias, 1993, pág. 227). A determinação da natureza e medida da pena far-se-á, assim, em função da culpa do arguido, por forma a satisfazer as particulares exigências de prevenção especial, tendo em vista a recuperação daquele, sem deixar de atender à necessidade de dissuasão. Como escreveu a Sr.ª Prof.ª Doutora ANABELA MIRANDA RODRIGUES In “O modelo de prevenção na determinação da medida concreta da pena” – Revista Portuguesa de Ciência Criminal, Ano 12, n.º 2- abril – junho de 2002, pág. 147 s 182, o art.º 40.º do Código Penal, com a revisão de 1995, dita três etapas fundamentais de política criminal, assim descritas: “Em primeiro lugar, a medida da pena é fornecida pela medida da necessidade de tutela de bens jurídicos, isto é, pelas exigências de prevenção geral positiva (moldura de prevenção). Depois, no âmbito desta moldura, a medida concreta da pena é encontrada em função das necessidades de prevenção especial de socialização do agente ou, sendo estas inexistentes, das necessidades de intimidação e de segurança individuais. Finalmente, a culpa não fornece a medida da pena, mas indica o limite máximo da pena que em caso algum pode ser ultrapassado em nome de exigências preventivas.” Analisada a douta sentença recorrida, Tribunal a quo, para além dos factos constantes da acusação, considerou provados os seguintes factos: - a confissão integral e sem reservas da arguida; - a ausência de antecedentes criminais; -que trabalha como vigilante e animadora social na Escola Básica ..., a recibos verdade, auferindo, em média, cerca de € 450,00 por mês; -que não tem empréstimos/dívidas -vive em casa de um tia e não contribuiu para as despesas. -não tem ninguém a seu cargo. -tem o 12.º ano de escolaridade. Daí que, na ponderação da pena a aplicar à arguida, seguindo as regras dos art.ºs 40.º e 71.º do Código Penal e sopesando as concretas circunstâncias do caso, o grau de culpa e as exigências de prevenção, numa moldura abstracta de pena de 10 dias a 120 dias de multa, decidiu o Tribunal fixar a pena de 55 dias de multa, que, por se situar muito áquem do ponto médio daquelamoldura, se apresenta como uma pena justa, apropriada e proporcional à gravidade do seu comportamento. Nenhum reparo merece, pois, a decisão do Tribunal a quo nesta concreta questão. Pena acessória: A proibição de conduzir veículos motorizados deve ser graduada, tal como a pena principal, segundo os aludidos critérios gerais de determinação das penas previstos nos artigos 40.º e 71.º do Código Penal, devendo, concomitantemente, relevar-se a natureza e finalidades próprias da pena acessória que, como refere Figueiredo Dias, in As consequências jurídicas do crime, 1993, pág. 96, desempenha uma função preventiva adjuvante da pena principal já que “a função preventiva não se esgota com a intimidação da generalidade mas se dirige também, ao menos em alguma medida à perigosidade do delinquente”. Acrescentando este mesmo autor, a págs.165, que “... à proibição de conduzir deve também assinalar-se (e pedir-se) um efeito de prevenção geral de intimidação, que não terá em si nada de ilegítimo porque só pode funcionar dentro do limite da culpa (...). Por fim, mas não por último, deve esperar-se desta pena acessória que contribuía, em medida significativa, para a emenda cívica do condutor imprudente e leviano”. Tal como se decidiu no Acórdão deste Tribunal da Relação de Guimarães de 24 de Abril de 2017, no Processo 12/17.5GAPTL G1 “A condução automóvel, em si, já é uma atividade perigosa e sê-lo-á muito mais quando exercida por quem, por ter ingerido bebidas alcoólicas em excesso, não está em condições de o fazer. Trata-se de uma conduta que, por colocar frequentemente em causa valores de particular relevo, como a vida, a integridade física e o património, se reveste de acentuada perigosidade. É justamente essa perigosidade que se visa prevenir com a aplicação da pena acessória de proibição de conduzir. Uma vez que tal perigosidade é tanto maior quanto maior for o grau de alcoolemia detetado no condutor, a taxa de álcool no sangue há-de constituir um factor relevante na determinação da medida da pena acessória”.( sublinhado nosso). Tendo em conta todas as circunstâncias do caso, a TAS apresentada pela arguida/recorrente ( 1,786 g/l ) e as especiais e conhecidas necessidades de prevenção geral que se fazem sentir, cremos que a pena acessória de 4 meses e 15 dias, isto é, uma pena muito próxima do seu limite mínimo, numa moldura abstracta que poderia atingir os três anos, se revela, objectivamente, criteriosa, proporcional e adequada, inexistindo quaisquer fundamentos para a sua alteração. Em suma: quer a pena principal, quer a pena acessória aplicadas à arguida se mostram ponderadas e ajustadas, além de que, como é hoje jurisprudência dominante, pequenas divergências na fixação da pena concreta não devem, em princípio, ser fundamento para a sua alteração pelo Tribunal de recurso que, ao contrário do Tribunal a quo, não beneficiou da imediação e oralidade (neste sentido, lê-se no Acórdão do STJ de 12-07-2018, Proc. n.º 116/15.9 JACBR.C1.S1, «o recurso não visa nem pretende eliminar alguma margem de atuação, de apreciação livre, reconhecida ao tribunal de primeira instância enquanto componente individual do ato de julgar»).
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Por todo o exposto, o nosso parecer é no sentido do não provimento do recurso»
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Cumpriu-se o disposto no art. 417º, nº 2, do CPP, não tendo sido apresentada resposta ao parecer.
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Colhidos os vistos, o processo foi presente à conferência, por o recurso dever ser aí julgado, de harmonia com o preceituado no art. 419º, n.º 3, al. c) do citado código. Cumpre apreciar e decidir.
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II- FUNDAMENTAÇÃO
QUESTÕES A DECIDIR
Conforme jurisprudência constante e assente, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, é pelas conclusões que o recorrente extrai da motivação apresentada, em que sintetiza as razões do pedido (artigo 412.º, n.º 1, do CPP), que se delimita o objeto do recurso e os poderes de cognição do Tribunal Superior.
Face às conclusões extraídas pela recorrente da motivação apresentada, para além da alusão a um suposto erro notório na apreciação da prova e/ou erro de julgamento, as questões que na verdade cumpre apreciar, e que prejudicam aquelas outras, são de direito e prendem-se com:
- Nulidade da prova, por proibida, respeitante à utilização de um aparelho de medição de álcool inválido, caducado, com reflexo na matéria de facto.
- Medida da pena.
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A DECISÃO RECORRIDA:
A sentença proferida na primeira instância tem o seguinte teor:
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“(…) II. FUNDAMENTAÇÃO A) FACTOS PROVADOS Resultaram como provados os seguintes factos: 1) No dia 05-01-2025, cerca das ..., na via pública, concretamente na Av.ª..., em ..., a arguida conduzia o veículo ligeiro de passageiros, da marca ...”, modelo ..., com a matrícula ..-..-PF, tendo objecto de fiscalização rodoviária. 2) Sucede que, a arguida conduzia o veículo acima referido sujeito a uma taxa de alcoolemia no sangue de pelo menos, 1,786 g/l. 3) A arguida representou e quis ingerir bebidas alcoólicas e conduzir o veículo automóvel na via pública, tendo conduzido sujeito à influência do álcool no sangue. 4) Sabia a arguida que a sua conduta era proibida e punida por lei e tinha capacidade de se determinar de acordo esse conhecimento. Mais se apurou que, 5) A arguida não tem antecedentes criminais. 6) A arguida trabalha como vigilante e animadora social na Escola Básica ..., a recibos verdade, auferindo, em média, cerca de € 450,00 por mês. 7) Tem o 12.º ano de escolaridade. 8) Não tem empréstimos/dívidas. 9) Actualmente vive em casa de um tia e não contribuiu para as despesas. 10) Não tem ninguém a seu cargo. 11) No circunstancialismo de tempo e lugar em causa, a arguida dirigia-se para BB com um amigo se que se encontrava alcoolizado. 12) Mostra-se arrependida. B) FACTOS NÃO PROVADOS Inexistem. C) MOTIVAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO Nos presentes autos, o Tribunal formou a sua convicção quanto à matéria de facto com base na prova produzida e examinada em audiência de julgamento. Designadamente, e quanto à factualidade vertida nos pontos 1) a 4) dos factos provados, o Tribunal atendeu à confissão integral e sem reservas da arguida que vai ao encontro ao teor do auto de notícia de fls. 4-5. Por sua vez, no que toca, em especial, à TAS registada e à TAS obtida depois de deduzido o erro máximo admissível, atendeu-se ao teor, para além do referido auto de notícia, do talão de fls. 6 e ao certificado de fls. 11, ao teor das próprias alegações da arguida, sendo que a mesma confirmou espontaneamente que, no dia em causa, ingeriu bebidas alcoólicas, quer ao jantar (bebeu sangria), quer num bar e na discoteca onde se deslocou posteriormente, onde ingeriu cerveja em quantidade não concretamente apurada. Nesta parte, cumpre chamar à colação o estatuído no Código da Estrada na versão introduzida pela Lei n.º 72/2013, de 03/09, designadamente no seu artigo 170.º, n.º 1, alínea b), segundo o qual, no auto de notícia da infracção atinente à detecção do estado de embriaguez deve constar a referência à TAS obtida pelo aparelho de medição mas também à TAS após dedução do erro máximo admissível (EMA). Sem prejuízo de tal disposição ser expressamente aplicável às contra-ordenações, a jurisprudência tem firmado entendimento de que se deve tratar de igual forma as infracções criminais, estendendo-se esta regra aos ilícitos criminais. Ora, a arguida foi submetida à realização do teste quantitativo de pesquisa de álcool efectuado no Alcoolímetro ...10..., ...03, tendo o talão do teste sido impresso (conforme do próprio resulta) pela impressora que integra esse equipamento e exatamente com a mesma numeração (...). O alcoolímetro em questão foi aprovado pelo Instituto Português da Qualidade (IPQ) através do despacho de aprovação do modelo Despacho n.º 8219/2019, de 29.07, tendo tal modelo sido aprovado para fiscalização pelo Despacho n.º 9911/2019, 31.10 da ANSR, sendo que o equipamento foi objecto de verificação pelo IPQ a 16.01.2024. Em concreto, o modelo do alcoolímetro utilizado foi inicialmente aprovado pelo IPQ através do Despacho n.º 8219/2019, de 17 de Setembro (aprovação de modelo n.º ...6), por 3 anos a contar da data de publicação no Diário da República, foi objecto de aprovação complementar através do Despacho n.º 9378/2021, de 24 de Setembro (aprovação complementar de modelo n.º ...4), aprovação que veio a ser renovada – por 3 anos a contar da data de publicação – pelo mencionado Despacho n.º 4941/2022, de 27 de Abril. Pelo despacho n.º 10056/2022, de 16 de Agosto de 2022, a ANSR aprovou complementarmente para utilização no controlo e fiscalização do trânsito, o equipamento alcoolímetro quantitativo marca ..., modelo ... PT. Assim, dúvidas não restam que o equipamento ora em causa nos autos se mostra legalmente adequado a ser utilizado na fiscalização, como o foi, pelo que o respectivo talão também se mostra plenamente válido e, como tal, passível de ser valorado como meio de prova, pelo que que se concluiu que inexiste qualquer proibição de prova no que toca a este. Por sua vez, no que respeita à verificação de tais equipamentos cumpre referir o seguinte: o controlo metrológico dos alcoolímetros é da competência do Instituto Português da Qualidade, I.P. - IPQ e compreende a aprovação de modelo; a primeira verificação; a verificação periódica e a verificação extraordinária. No que respeita à verificação periódica dos equipamentos, resulta expresso do disposto no artigo 7.º da Portaria n.º 1556/2007, de 10 de Dezembro – que regulamenta o controlo metrológico dos alcoolímetros – que a primeira verificação é efectuada antes da colocação do instrumento no mercado, após a sua reparação e sempre que ocorra violação do sistema de selagem, dispensando-se a verificação periódica nesse ano, sendo que a verificação periódica é anual, salvo indicação em contrário no despacho de aprovação de modelo. Nem o despacho de aprovação do modelo em causa (despacho n.º 8219/2019, de 17 de Setembro), nem os despachos de renovar a aprovação de tal modelo previram qualquer período de verificação periódica distinto do anual e ora previsto na referida Portaria n.º 1556/2007, de 10 de Dezembro. Ora, no caso em apreço, constata-se que equipamento ora em causa teve a sua primeira verificação no pretérito dia 16.01.2024, pelo que, tendo os factos ocorrido em 05.01.2025, constata-se que o equipamento foi utilizado ainda durante o período válido da primeira verificação, uma vez que a mesma ocorre anualmente (cf. artigo 8.º, n.º 1 da Portaria n.º 366/2023, de 15 de novembro). A final, sempre se dirá que tais diplomas nada estabelecem quanto à eventual utilização de tais equipamentos em determinadas condições metrológicas, pelo que, nesta parte, e mesmo nada se tendo apurado quanto à temperatura de utilização, o certo é que o equipamento em causa funcionou, tanto que emitiu o respectivo talão, nada evidenciando nos autos que não estivesse em condições de utilização. Face ao exposto, e tendo presente as declarações de arguida e a taxa de alcoolemia por si apresentada, que é bastante superior ao limiar mínimo da actual proibição legal – dado que para a generalidade dos condutores, considera-se sob influência de álcool o condutor que apresente uma taxa de álcool no sangue igual ou superior a 0,5 g/l e estando em causa condutor em regime probatório - , a mesma não podia ignorar o seu próprio estado de embriaguez, atentos os efeitos, nomeadamente, alteração de sensações, percepção espácio-temporal, capacidade/tempo de reacção, entre outros. No que se refere à ausência de antecedentes criminais da arguida, o tribunal considerou o Certificado de Registo Criminal juntos aos autos a fls. 24 [cf. ponto 5) dos factos provados]. Finalmente, quanto às suas condições pessoais, sociais e económicas nos termos que resultaram provados nos pontos 6) a 12) dos factos provados, o Tribunal atendeu às declarações da arguida que se afiguraram verosímeis e que vão ao encontro do teor do print junto aos autos a 10.01.2025 (ref.ª ...34). D) MOTIVAÇÃO DE DIREITO I) ENQUADRAMENTO JURÍDICO-PENAL A arguida vem acusada da prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punível pelos artigos 69.º, n.º 1, alínea a) e 292.º, n.º 1 do Código Penal. Dispõe o artigo 292.º, n.º 1, do Código Penal, “Quem, pelo menos por negligência, conduzir veículo, com ou sem motor, em via pública ou equiparada, com uma taxa de álcool no sangue igual ou superior a 1,2 g/l, é punido com pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa até 120 dias, se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal.”. Estamos perante um crime comum e de perigo abstracto, na medida em que pode ser cometido por qualquer pessoa e, ainda, porque para a sua consumação não se exige a efectiva lesão do bem jurídico protegido, sendo que o perigo não faz parte do tipo, sendo apenas motivo da proibição, ou seja, a conduta do agente é punida independentemente de ter criado ou não um perigo efectivo para o bem jurídico. O tipo objectivo do ilícito jurídico-penal sob apreço consubstancia-se assim nos seguintes elementos: a) A acção de condução; b) De veículo, com ou sem motor; c) Em via pública ou equiparada; d) Com uma taxa de álcool no sangue igual ou superior a 1,20 gramas por litro de sangue. No que se refere ao elemento subjectivo do tipo, este crime está previsto na forma dolosa, em qualquer uma das modalidades de dolo, bem como na forma negligente (cf. artigos 292.º, n.º 1, 13.º, 14.º e 15.º, todos do CP). Volvendo a nossa atenção para o caso concreto, e conforme resulta dos factos dados como provados, a arguida, no dia 05-01-2025, cerca das ..., na via pública, concretamente na Av.ª..., em ..., conduzia o veículo ligeiro de passageiros, da marca ...”, modelo ..., com a matrícula ..-..-PF, com uma taxa de álcool no sangue de pelo menos 1,786 g/l após dedução da margem de erro máxima admissível [cf. pontos 1) e 2) dos factos provados]. Mais resultou como provado que a arguida representou e quis ingerir bebidas alcoólicas e conduzir o veículo automóvel na via pública, tendo conduzido sujeito à influência do álcool no sangue e, ainda, que sabia a arguida que a sua conduta era proibida e punida por lei e tinha capacidade de se determinar de acordo esse conhecimento [cf. pontos 3) e 4) dos factos provados]. Inexistem quaisquer causas de exclusão da ilicitude ou da culpa. Atento o exposto, verificados que estão os elementos objectivo e subjectivo do ilícito em apreço, resta concluir que a conduta da arguida integra a prática, em autoria material, de um crime de um condução de veículo em estado de embriaguez, devendo, por conseguinte, ser punida nos termos da lei. II) DAS CONSEQUÊNCIAS JURÍDICAS DO CRIME Feito o enquadramento jurídico-penal da matéria de facto dada como provada, importa, agora, determinar qual a natureza e a medida da pena a aplicar à arguida. Em primeiro lugar, e de forma muito breve, cumpre chamar à colação o princípio da legalidade na medida em que não podem ser aplicadas penas ou medidas de segurança que não estejam expressamente previstas em lei anterior, nem se pode aplicar pena ou medida de segurança mais grave do que as previstas ao tempo em que a conduta do agente teve lugar ou da verificação dos respectivos pressupostos [cf. artigos 29.º, n.ºs 3 e 4 e 165.º, n.º 1, alínea a) da Constituição da República Portuguesa – doravante CRP]. Mas não é apenas o princípio da legalidade que norteia o programa-político-criminal de emanação jurídico-constitucional: há que também ter em conta os princípios da congruência ou da analogia substancial entre a ordem axiológica constitucional e a ordem legal dos bens jurídicos protegidos pelo direito penal (artigo 18.º da CRP), da proibição do excesso, da culpa (artigo 1.º, 13.º e 25.º, n.º 1 da CRP), da proporcionalidade, da socialidade [artigos 2.º, 9.º, alínea d), 26.º, n.º 1 e 30.º, n.º 1 da CRP], da preferência das reacções criminais não privativas da liberdade face às privativas (artigo 18.º, n.º 2 da CRP), da aplicação da lei penal mais favorável (artigo 29.º, n.º 4, in fine, da CRP), da insusceptibilidade de transmissão da responsabilidade criminal (artigo 30.º, n.º 1 da CRP), da não automaticidade dos efeitos da pena (artigo 30.º, n.º 4 da CRP), e ainda, o princípio segundo o qual os condenados em pena ou medida de segurança privativas da liberdade mantêm a titularidade dos direitos fundamentais (artigo 30.º, n.º 5 da CRP). Tendo presente tais princípios, cumpre agora determinar a pena aplicável à arguida, tendo presente o tipo legal de crime que resulta preenchido nos termos supra expostos. DAS MOLDURAS ABSTRACTAS DAS PENAS Nos presentes autos, resulta que a arguida praticou um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, que é punido, em termos abstractos, com pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa até 120 dias [artigos 69.º, n.º 1, alínea a) e 292.º, n.º 1 do CP]. Não se encontrando fixados os limites mínimos, quer para a pena de prisão, quer para a pena de multa, é necessário recorrer aos mínimos legais fixados nos artigos 41.º, n.º 1, e 47.º, n.º 1, ambos do CP, que se estabelece em um mês e 10 dias, respectivamente, para a pena de prisão e pena de multa. DA ESCOLHA DA NATUREZA DA PENA No que toca à escolha da pena, a lei penal estabelece como critério que sempre que o crime seja punível em alternativa com pena privativa da liberdade e pena não privativa da liberdade, o tribunal deverá dar preferência à aplicação de penas não privativas da liberdade sempre que as mesmas realizem de forma adequada e suficiente as necessidades da punição (artigos 70.º e 40.º, n.º 1, do CP). Na verdade, a aplicação de uma pena tem como finalidade a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade, conforme disposto no artigo 40.º, n.º 1, do CP. De tal forma, realça-se que a pena não tem um fim retributivo e a sua aplicação tem em vista as exigências de prevenção geral positiva ou de integração. Por outro lado, cumpre explicitar que a utilização da pena visa ainda manter e reforçar a confiança da comunidade na validade e força de vigência das normas do Estado que tutelam bens jurídicos, e assim, o ordenamento jurídico-penal, de tal forma que a prevenção geral negativa surge apenas como efeito lateral da necessidade de tutela de bens jurídicos através da dissuasão da prática de futuros crimes. Acompanhamos Paulo Pinto de Albuquerque (in Comentário ao Código Penal à luz da Constituição da República Portuguesa e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, 3ª Edição Actualizada, Universidade Católica Editora, Novembro, 2015, página 358) quando refere que “O momento relevante para o apuramento das necessidades preventivas é o do julgamento e não o da prática do facto, razão pela qual o tribunal pode ponderar factos novos que tenha ocorrido entre a prática do facto e a audiência de julgamento que revelem uma atenuação ou agravamento das necessidades preventivas”. Assim, esta opção, que deverá ser feita caso a caso, exige do tribunal uma selecção ponderada dos delinquentes que deverão ser sujeitos a uma pena de privativa de liberdade ou a uma pena não privativa de liberdade. De tal forma, sempre que a pena alternativa à pena de prisão realize as finalidades da punição (ou seja a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade), é por ela que o julgador deverá optar, já que a pena de prisão deve ser a última medida a aplicar no âmbito do nosso ordenamento jurídico-penal. Concretizando. No que respeita às necessidades de prevenção geral em crimes como o de condução de veículo em estado de embriaguez, temos que as mesmas são elevadas desde logo porque a sinistralidade rodoviária é uma realidade que atinge proporções preocupantes nos nossos dias, sendo imperioso dissuadir tais comportamentos, tendo em conta as graves e dramáticas consequências que podem advir de comportamentos de condutores transgressores da lei. Assim, torna-se imprescindível impor à arguida uma pena susceptível de reafirmar as expectativas comunitárias na manutenção da vigência da norma jurídica violada. Conforme se refere no acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 03-12-2008 (proferido no processo n.º 207/08.2GCACB.C1, em que foi relatora Isabel Valongo, disponível em www.dgsi.pt), “No crime de condução de veículo em estado de embriaguez, como crime de perigo abstracto, as exigências de prevenção geral são determinantes na fixação da medida concreta da pena, para aquietação da comunidade e afirmação de valores essenciais afectados por comportamentos que, antes e para além de causarem efectivos danos, são aptos a colocar em perigo bens jurídicos essenciais, como sejam a segurança rodoviária e indirectamente bens pessoais, como seja a vida, de indiscutível valor supremo.”. As necessidades de prevenção especial são medianas baixas, devido à circunstância de a arguida não ter antecedentes criminais, não se evidenciando uma personalidade adversa à ressocialização. No caso concreto, e atento o exposto considera este Tribunal que a aplicação à arguida de uma pena não privativa da liberdade se mostra adequada e suficiente para acautelar as necessidades de punição aqui reclamadas, razão pela qual o tribunal opta pela pena de multa para punir o crime aqui em apreciação. DA DETERMINAÇÃO DA MEDIDA CONCRETA DA PENA DE MULTA Por sua vez, nos termos do artigo 71.º do CP, a determinação da medida da pena aplicável tem como critérios a culpa do agente e as exigências de prevenção, com as funções definidas segundo a chamada teoria da moldura da prevenção ou da defesa do ordenamento jurídico. Segundo esta teoria, à prevenção geral positiva cabe fornecer uma moldura de prevenção, em que o limite superior corresponderá ao ponto óptimo de protecção dos bens jurídicos e como limite inferior o ponto abaixo do qual já não é comunitariamente suportável a fixação da pena sem pôr em causa a função tutelar inerente à mesma. Já a culpa, entendida em sentido material e referida à personalidade do agente expressa no facto, surge como pressuposto irrenunciável e limite máximo e inultrapassável da aplicação de uma pena. De facto, não pode haver a aplicação de pena sem culpa e, em caso alguma, a pena pode ultrapassar a medida da culpa. Por outras palavras, a culpa é que define o limite máximo da pena, pelo que não concorre para a definição da medida da pena (artigo 40.º, n.º 2, do CP). Assim, o limite máximo é fixado de acordo com a culpa e o limite mínimo de acordo com as exigências de prevenção geral. Já a pena concreta a aplicar é fixada, dentro da moldura penal assim conseguida, de acordo com as exigências de prevenção especial que ao caso convenham, tendo como intuito a socialização do agente e a sua reintegração social. Acresce, e tendo em conta o disposto no referido artigo 71.º do CP, que na determinação da medida concreta da pena ter-se-ão em conta, dentro dos limites abstractos definidos na lei, todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor ou contra o arguido, nomeadamente, as enumeradas no artigo n.º 2 do mesmo preceito. Daqui resulta ainda o princípio da proibição da dupla valoração, segundo o qual não deve ser valorado, na determinação da pena, uma circunstância que já o tenha sido aquando da verificação do preenchimento dos pressupostos da responsabilidade criminal. Cumpre ainda explicitar, e nas palavras de Maria João Antunes, que “A prevenção e a culpa devem manter-se distintas na função que cada uma desempenha na determinação concreta da pena, sem que a distinção dos princípios regulativos da culpa e da prevenção signifique que cada um dos diversos factores de medida da pena (artigo 71.º, n.º 2, do CP) deva ser imputado só a uma ou a outra” (in Consequências Jurídicas do Crime, 2ª Edição, Coimbra Editora, Novembro, 2015, pág. 48.). Por outras palavras, há factores no caso concreto que se podem reconduzir a uma das alíneas do n.º 2 do referido artigo 71.º do CP e, consequentemente, que podem relevar quer para a culpa quer para a prevenção quer de forma antinómica ou vice-versa. Acresce ainda que as circunstâncias referentes à culpa se evidenciam no momento da prática do facto. Já as circunstâncias referentes à prevenção emergem no momento do julgamento. Tendo presente o modelo adoptado, importa infra eleger, no caso concreto, os critérios de aquisição e de valoração dos factores da medida da pena, mormente os referidos nas diversas alíneas do n.º 2, do artigo 71.º do CP. Voltemos então a nossa atenção para o caso concreto. Desde logo, há que atentar nas circunstâncias que antecederam, são contemporâneas ou posteriores ao cometimento do delito e que influenciam a determinação da pena, de modo a concretizar-se o tipo e a gravidade da mesma, pelo que cabe atentar quer às que são favoráveis, quer às que são desfavoráveis. Ora, a favor da arguida, abonam as circunstâncias de não ter antecedentes criminais, de estar socialmente inserida, de ter confessado os factos e se mostrar arrependida. Por sua vez, contra a arguida depõem as circunstâncias de: ter agido com dolo directo, não merecendo grande reflexão, uma vez que se encontra no expoente máximo do grau de culpa e o grau de ilicitude do facto é mediano/alto, na medida em que a taxa de álcool detectada é já consideravelmente elevada. Quanto às necessidades de prevenção geral, atentas as repercussões ocasionadas no tecido social pela prática deste tipo de ilícito, assumem relevo elevado, tendo em conta o supra referido, apesar de, no caso, não existirem pessoas directamente afectadas pela conduta da arguida. Tudo ponderado, entende este Tribunal que é consentâneo com a culpa da arguida e suficiente para o advertir contra a prática de novos ilícitos criminais, bem como justo, adequado e proporcional, a aplicação ao mesmo, pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punível pelos artigos 69.º, n.º 1, alínea a) e 292.º, n.º 1 do CP, de uma pena de multa de 55 (cinquenta e cinco) dias. Quanto à fixação do quantitativo diário da multa, estabelece o artigo 47.º, n.º 2, do CP, que a taxa diária da multa deverá ser fixada entre € 5,00 e € 500,00, tendo em conta a situação económica e financeira da condenada e os seus encargos pessoais. Assim e atenta a concreta situação económica da arguida, melhor descriminadas nos pontos 6) a 10) dos factos provados, afigura-se-nos ajustado fixar, uma taxa diária de € 5,00 (cinco euros), o que perfaz a quantia total de € 275,00 (duzentos e setenta e cinco euros). DA SANÇÃO ACESSÓRIA Citando Maria João Antunes, “São penas acessórias as penas cuja aplicação pressupõe a fixação na sentença condenatória de uma pena principal ou de substituição, estando previstas quer na parte geral quer na parte especial do CP” (idem, página 25). No caso, o artigo 69.º, n.º 1, alínea a), do CP , estabelece que: “1 - É condenado na proibição de conduzir veículos com motor por um período fixado entre três meses e três anos quem for punido: a) Por crimes de homicídio ou de ofensa à integridade física cometidos no exercício da condução de veículo motorizado com violação das regras de trânsito rodoviário e por crimes previstos nos artigos 291.º e 292.º; (…)”. Quanto à necessária dependência, para a aplicação de uma pena acessória, da pré-existência de uma pena principal, constata-se que tal requisito se encontra preenchido nos presentes autos em face da determinação da aplicação à arguida de uma pena principal pelo crime de condução de veículo em estado de embriaguez (cf. artigo 292.º, do CP). Por outro lado, a determinação da medida da pena acessória rege-se pelas mesmas regras que fundamentam a determinação concreta da medida da pena principal. Tendo aqui presente o supra explanado a propósito da escolha da pena principal, mostra-se adequada à culpa da arguida e necessária ao integral cumprimento das exigências de prevenção geral e especial em causa, a aplicação da pena acessória de proibição de conduzir veículos a motor pelo período de 4 (quatro) meses e 15 (quinze) dias, na medida em que apenas através do cumprimento de tal sanção poder ser removida a perigosidade inerente ao exercício da condução pela arguida e de poder esta vir a reflectir o seu comportamento enquanto condutora e cidadã.
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DA RESPONSABILIDADE TRIBUTÁRIA A condenação penal da arguida importará a sua condenação nos encargos que o presente processo criminal deu lugar, impondo-se a fixação da taxa de justiça individual e adequada, em função dos limites impostos pelo Regulamento das Custas Processuais, como decorre do disposto nos artigos 513.º e 514.º, ambos do Código de Processo Penal, e artigo 8º, n.º 9, e Tabela III, do referido Regulamento das Custas Processuais, pelo que se fixa a taxa de justiça a pagar pela arguida no mínimo legal que vai reduzida a metade, em virtude da confissão (arts. 374.º/4, 344.º/2/c), 513.º e 514.º, do Código de Processo Penal, e artigo 8º, n.º 9, e Tabela III, do RCP). III – DECISÃO Nestes termos, julga-se a acusação procedente, por provada, e, em consequência: a) Condeno AA, pela prática, em 05-01-2025, de 1 (um) crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido pelo artigo 292.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 55 (cinquenta e cinco) dias de multa, ao quantitativo diário de € 5,00 (cinco euros), o que perfaz a quantia total de € 275,00 (duzentos e setenta e cinco euros); b) Condeno AA, pela prática, em 05-01-2025, de 1 (um) crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido pelos artigos 292.º, n.º 1 e 69.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal, na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de 4 (quatro) meses e 15 (quinze) dias. Custas pela arguida, que se fixa no mínimo legal que vai reduzida a metade, em virtude da confissão (arts. 374.º/4, 344.º/2/c), 513.º e 514.º, do Código de Processo Penal, e artigo 8º, n.º 9, e Tabela III, do Regulamento das Custas Processuais).»
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APRECIAÇÃO DO RECURSO.
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É pacífico o entendimento de que quanto à impugnação da matéria de facto podem os recorrentes seguir um de dois caminhos: ou invocam os vícios de lógica da sentença previstos no art. 410.º, n.º 2, do CPP, devendo, neste caso, ater-se apenas ao texto da decisão e às incoerências que aí possam ser encontradas, ou apresentam uma impugnação alargada, que lhes permite analisar a prova produzida em julgamento, extrapolando o espaço limitado do texto da decisão recorrida.
Em qualquer das opções impõe-se aos recorrentes o cumprimento de regras para que o recurso possa ser apreciado.
E no caso da impugnação ampla da matéria de facto resulta do texto do art. 412.º, n.º 3, do CPP que não é uma qualquer divergência que pode levar o Tribunal ad quem a decidir pela alteração do julgado em sede de matéria de facto.
As provas que a recorrente invoque e a apreciação que sobre as mesmas faça recair, em confronto com a valoração que o Tribunal a quo efetuou, devem revelar que os factos foram incorretamente julgados e que se impunha decisão diversa da recorrida em sede do elenco dos factos provados e não provados.
Ou seja, para alcançar sucesso na sua pretensão, não basta estar demonstrada pela recorrente a possibilidade de existir uma solução, em termos de matéria de facto, alternativa à fixada pelo Tribunal a quo. Na verdade, é raro o julgamento onde não estão em confronto duas, ou mais, versões dos factos (arguido/assistente ou arguido/Ministério Público ou mesma arguida/arguido), qualquer delas sustentada, em abstrato, em prova produzida, seja com base em declarações dos arguidos, seja com fundamento em prova testemunhal, seja alicerçada em outros elementos probatórios.
Por isso, haver prova produzida em sentido contrário, ou diverso, ao acolhido e considerado relevante pelo Tribunal a quo não só é vulgar como é insuficiente para, só por si, alterar a decisão em sede de matéria de facto.
É necessário que a recorrente demonstre que a prova produzida no julgamento só poderia ter conduzido à solução por si pugnada em sede de elenco de matéria de facto provada e não provada e não à consignada pelo Tribunal.
E na análise da prova que apresenta na sua impugnação da matéria de facto (alargada) tem a recorrente de argumentar fazendo uso do mesmo raciocínio lógico e exame crítico que se impõe ao Tribunal na fundamentação das suas decisões, com respeito pelos princípios da imediação e da livre apreciação da prova.
Esta ideia sobressai do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 23-11-2017, onde se afirmou: (Proc. n.º 146/14.8GTCSC.S1 - 5.ª Secção, acessível in www.stj.pt)
«I - Há uma dimensão inalienável consubstanciada no princípio da livre apreciação da prova consagrado no art. 127.º, do CPP. A partir de um raciocínio lógico feito com base na prova produzida afigura-se, de modo objectivável, ter por certo que a arguida praticou determinados factos. Exige-se não uma certeza absoluta mas apenas e só o grau de certeza que afaste a dúvida razoável, a dúvida suscitada por razões adequadas. O que há-de ser feito mediante uma «valoração racional e crítica de acordo com as regras comuns da lógica, da razão e das máximas da experiência comum».
II - Percorrido este caminho na fundamentação, a impugnação dos factos há-de ser feita com a indicação das concretas provas que imponham decisão diversa da recorrida sob pena de tal impugnação redundar em mera discordância acerca da apreciação da prova desses mesmos factos, respeitável decerto, mas sem consequências de índole processual.»
E esta posição está igualmente associada à ideia – que é preciso não perder de vista – de que o reexame da matéria de facto não de destina a realizar um segundo julgamento pelo Tribunal da Relação, mas tão-somente a corrigir erros de julgamento em que possa ter incorrido a 1.ª Instância.
Neste sentido, que é pacífico, decidiu-se no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 20-09-2017: (Proc. n.º 772/10.4PCLRS.L1.S1 – 3.ª Secção, acessível in www.stj.pt)
«I - O reexame da matéria de facto pelo tribunal de recurso não constitui, salvo os casos de renovação da prova, uma nova ou uma suplementar audiência, de e para produção e apreciação de prova, sendo antes uma actividade de fiscalização e de controlo da decisão proferida sobre a matéria de facto, rigorosamente delimitada pela lei aos pontos de facto que a recorrente entende erradamente julgados e ao reexame das provas que sustentam esse entendimento – art. 412.º, n.º 2, als. a) e b), do CPP.
II - O recurso da matéria de facto não visa a prolação de uma segunda decisão de facto, antes e tão só a sindicação da já proferida.»
Contextualizado, de forma sumária, o quadro legal e jurisprudencial em que assenta o reexame da matéria de facto pelos Tribunais da Relação, passemos à análise em concreto da impugnação da matéria de facto apresentada pela recorrente.
Vejamos, porém, e em primeiro lugar, a questão respeitante à suscitada a invalidade da prova obtida pela utilização do aparelho de medição do álcool, de cuja apreciação dependem em absoluto os alegados erro notório na apreciação da prova, vício da decisão, e o erro de julgamento, impugnação ampla da matéria de facto.
A prática do crime de condução em estado de embriaguez, pelo qual a recorrente foi condenada, para além da pena principal é ainda sancionada com proibição de conduzir veículos com motor por um período entre 3 meses e 3 anos (art. 69º, n.º 1, al. a), do Código Penal).
No caso dos autos, o Tribunal recorrido condenou a recorrente na pena de 55 (cinquenta e cinco) dias de multa à taxa diária de € 5,00 (cinco euros); e na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de 4 (quatro) meses e 15 (quinze) dias;
A presença de álcool no sangue é indiciada por meio de teste no ar expirado efetuado em analisador qualitativo. Já a demonstração da taxa de álcool no sangue é efetuada por teste no ar expirado através de um analisador quantitativo ou por análise sanguínea, que só é realizada quando não for possível efetuar a primeira ou o examinando do primeiro teste o requerer.
O teste quantitativo só pode ser efetuado por analisadores que obedeçam às características fixadas em regulamento, cuja utilização seja aprovada por despacho da Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária, precedida de homologação de modelo pelo Instituto Português da Qualidade (artigos 1º e 14º do Regulamento de fiscalização da condução sob influência do álcool ou de substâncias psicotrópicas aprovado, em anexo, pela Lei nº18/2007, de 15 de Maio, e artigo 153º, nº3, alínea b), do Código da Estrada).
A determinação da taxa de álcool no sangue de um condutor obedece a um específico meio de prova, de natureza técnica e não percetível pelo conhecimento direto do homem para além daquele que lhe foi exigido para a sua construção, adequação e controlo.
A TAS revelada pelo teste de ar expirado ou sangue constitui um procedimento técnico e científico (efetuado por mecanismos humanamente controláveis e através de variáveis científicas neles apostas) e, nesse sentido, o seu resultado (manifestado por uma declaração técnica impressa – teste de ar expirado – ou declaração técnica humanamente certificada – teste sanguíneo) não representa qualquer prova documental, mas tão só a corporização do resultado de uma perícia, algo que se encontra subtraído à livre apreciação do julgador.
Naturalmente que a ausência de utilização de um analisador regulamentado, homologado e autorizado compromete o seu valor probatório.
E é esta a questão que a recorrente coloca, a validade da prova obtida com recurso a um aparelho cujo prazo de validade considera caducado.
Vejamos.
O Regulamento de Fiscalização da Condução sob Influência do Álcool ou de Substâncias Psicotrópicas (aprovado pela Lei n.º 18/2007, de 17 de Maio) prevê no seu artigo 14.º que, nos testes quantitativos de álcool no ar expirado só podem ser utilizados analisadores que obedeçam às características fixadas em regulamentação e cuja utilização seja aprovada por despacho do presidente da Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária, sendo tal aprovação precedida de homologação de modelo, a efetuar pelo Instituto Português da Qualidade, nos termos do Regulamento do Controlo Metrológico dos Alcoolímetros.
O regime do controlo metrológico dos métodos e instrumentos de medição encontrava-se estatuído no DL n.º 291/90, de 20 de setembro, estabelecendo o seu art.º 2.º, n.ºs 2 e 7, que “a aprovação de modelo será válida por um período de dez anos, findo o qual carece de renovação”, sendo que “os instrumentos de medição em utilização cuja aprovação de modelo não seja renovada ou tenha sido revogada podem permanecer em utilização desde que satisfaçam as operações de verificação aplicáveis.
Assim, decorria de forma expressa do disposto no citado normativo que, no que concerne à homologação de modelos, importará atentar no Regulamento do Controlo Metrológico dos Alcoolímetros.
O Regulamento do Controlo Metrológico dos Alcoolímetros encontrava-se previsto na Portaria n.º 1556/2007, de 10 de Dezembro, ressaltando do respetivo preâmbulo que, com o diploma em causa, procedeu-se à atualização das regras a que o controlo metrológico deve obedecer com vista a acompanhar, tecnicamente, o que vem sendo indicado nas Recomendações da Organização Internacional de Metrologia Legal; sendo que o controlo metrológico dos métodos e instrumentos de medição em Portugal, em geral, obedece ao regime constante do citado Decreto-Lei n.º 291/90, de 20 de Setembro, e às disposições regulamentares gerais constantes do Regulamento Geral do Controlo Metrológico aprovado pela Portaria n.º 962/90, publicada no Diário da República, 1.ª série, de 9 de Outubro de 1990, e ainda às disposições constantes das portarias específicas de cada instrumento de medição.
No artigo 6.º do Regulamento do Controlo Metrológico dos Alcoolímetros, Portaria n.º 1556/2007, previa-se o procedimento atinente ao pedido de aprovação de um modelo e ainda que a aprovação de modelo é válida por 10 anos, salvo disposição em contrário no despacho de aprovação de modelo.
O regime previsto nesta Portaria não colidia com o previsto no Regime Geral de Controlo Metrológico de Métodos e Instrumentos de Medição, previsto no Decreto-lei 291/90, de 20 de Setembro.
Entretanto, foi aprovado o Decreto-Lei n.º 29/2022, de 7 de Abril, que aprova o Regime Geral do Controlo Metrológico Legal Dos Métodos e dos Instrumentos de Medição (RGCMLMIM), que entrou em vigor em 01.07.2022, que veio revogar o Decreto-Lei n.º 291/90, de 20 de Setembro.
Tal como já estava previsto na citada Portaria n.º 1556/2007 (RCMA), este Decreto-Lei n.º 29/2022 (RGCMLMIM) consagra, no seu artigo 5.º, que:
“1 — O controlo metrológico legal dos instrumentos de medição compreende as seguintes operações:
a) Aprovação de modelo;
b) Primeira verificação;
c) Verificação periódica;
d) Verificação extraordinária.
2 — As operações de controlo metrológico legal realizadas nos termos legalmente previstos são válidas em todo o território nacional”, sendo ainda que tais operações se encontram regulados nos artigos 8.º, 9.º e 10.º deste diploma legal (de harmonia com o que se dispunha nos artigos 1.º, n.º 3, 2.º, n.ºs 1 e 2, 3.º, 4.º e 5.º, todos do entretanto revogado Decreto-Lei n.º 291/90, de 20 de Setembro).
Em sintonia com os supra citados artigos 6.º, n.º 3, e 10.º da Portaria n.º 1556/2007, temos que, nos termos do artigo 7.º, n.ºs 1, 2 e 7, deste Decreto-Lei n.º 29/2022 (RGCMLMIM):
“1 - A aprovação de modelo é o ato que atesta a conformidade de um instrumento de medição ou de um dispositivo complementar com as especificações aplicáveis à sua categoria com vista à sua disponibilização no mercado.
2 - A aprovação de modelo é requerida pelo respetivo fabricante ou mandatário e é válida por um período de 10 anos findo o qual carece de renovação.
(…)
7 - Os instrumentos de medição em utilização, cuja aprovação de modelo não seja renovada ou tenha sido revogada, podem permanecer em utilização desde que satisfaçam as operações de verificação metrológica aplicáveis”, sendo este artigo 7.º, n.º 7, à semelhança do artigo 2.º, n.º 7, do entretanto revogado Decreto-Lei n.º 291/90, de 20 de Setembro.
No dia 15.11.2023, foi publicada, no Diário da República n.º 221/2023, Série I, de 15.11.2023, a Portaria n.º 366/2023, de 15 de Novembro, que aprovou o novo RCMA, revogando a citada Portaria n.º 1556/2007, de 10 de Dezembro.
Esta Portaria n.º 366/2023 entrou em vigor no dia seguinte ao da sua publicação e a alteração em causa resultou da necessidade de adaptação do regime específico dos alcoolímetros ao novo RGCMLMIM, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 29/2022, de 7 de Abril (por sua vez regulamentado pela Portaria n.º 211/2022, de 23 de Agosto), a que abaixo se fará referência.
Ora, como é evidente, a certificação do alcoolímetro que é analisada nos presentes autos, contrariamente ao decidido em primeira instância, teria de levar em conta esta regulamentação que já estava em vigor à data dos factos.
Desde qualquer modo, faz-se notar que, à semelhança do que já resultava do mencionado regime geral (RGCMLMIM), o novo regime dos alcoolímetros (RCMA) não introduziu alterações suscetíveis de conflituar com o entendimento que vinha sendo seguido.
O RCMA aprovado pela aludida Portaria n.º 366/2023, determina, no seu artigo 6.º, n.º 1, que:
“A aprovação de modelo deve obedecer aos requisitos previstos no artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 29/2022, de 7 de abril, e ao artigo 2.º do regulamento anexo à Portaria n.º 211/2022, de 23 de agosto”.
E o n.º 2 deste artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 29/2022, para o qual se remete, estatui que:
“A aprovação de modelo é requerida pelo respetivo fabricante ou mandatário e é válida por um período de 10 anos findo o qual carece de renovação”.
Mais dispõe o RCMA, aprovado pela Portaria n.º 366/2023, no seu artigo 7.º, n.º 1, que:
“A primeira verificação é efetuada antes da colocação do alcoolímetro em serviço, ou após a sua reparação e sempre que ocorra violação do sistema de selagem, dispensando-se a verificação periódica nesse ano, tendo o mesmo prazo de validade”, à semelhança do que já resultava do citado artigo 7.º, n.º 1, do RCMA aprovado pela Portaria n.º 1556/2007.
Por sua vez, no seu artigo 8.º - Verificação periódica – estabelece-se:
“1 - A verificação periódica tem uma periodicidade anual e é válida durante um ano após a sua realização.”
Acresce que o artigo 11.º do mesma Portaria n.º 366/2023, determina o seguinte:
“Os alcoolímetros em uso poderão permanecer em utilização enquanto estiverem em bom estado de conservação e nos ensaios de verificação metrológica incorrerem em erros que não excedam os erros máximos admissíveis”, tal como resultava do citado artigo 10.º do RCMA aprovado pela Portaria n.º 1556/2007.»
Esta Portaria n.º 366/2023, – procedendo à aprovação do novo regulamento a que deve obedecer o controlo metrológico dos alcoolímetros – constitui um ato regulamentar do Governo que ocupa, na hierarquia das fontes normativos, uma posição inferior ao Decreto-Lei que visa regulamentar (Decreto-lei 29/2022, de 7 de abril), sendo deste complemento e encontrando-se a este necessariamente subalternizado, subordinado e vinculado, não podendo a sua disciplina, sequer, contrariar o previsto no diploma que regulamenta, conforme resulta claro do disposto no artigo 112.º, n.ºs 1, 6 e 7 da Constituição da República Portuguesa.
Ao analisarmos o previsto no Decreto-lei 29/2022, e confrontando-o com o previsto na citada Portaria n.º 366/2023, resulta claro que a disciplina prevista nesta última em nada contraria o previsto no Regime Geral de Controlo Metrológico de Métodos e Instrumentos de Medição.
Efetivamente, nesse decreto lei encontram-se previstas as operações de controlo metrológico dos instrumentos de medição, incluindo a aprovação de modelo, quanto a esta regendo o artigo 7.º, que no seu n.º 2 prevê que a aprovação de modelo será válida por um período de 10 anos findo o qual carece de renovação, limitando-se o artigo 6.º do Regulamento do Controlo Metrológico dos Alcoolímetros a prever o procedimento atinente ao pedido de aprovação de um modelo, e a reiterar que a aprovação de modelo é válida por 10 anos, salvo disposição em contrário no despacho de aprovação de modelo.
É deste regime legal, e da sua interpretação, que a recorrente suscita a caducidade do aparelho utilizado no caso vertente, por ter expirado o prazo respeitante à aprovação do respetivo modelo, uma vez que esse prazo de validade dos aparelhos metrológicos de pesquisa de álcool, vulgo alcoolímetros, que no caso vertente é de três anos (normalmente é válida por 10 anos, salvo disposição em contrário no despacho de aprovação de modelo, como acontece no caso dos autos), e que, à data da fiscalização efetuada pelas autoridades, já haviam decorrido.
Aqui chegados, cumpre recorrer aos ditames de interpretação de normas previstos no artigo 9.º do Código Civil, dos quais resulta que a interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, não só não podendo o intérprete considerar o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal (ainda que imperfeitamente expresso), como na fixação do sentido e alcance da lei, sempre terá o intérprete que presumir que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.
Ora, no caso em apreço, afigura-se-nos, salvo o devido respeito por opinião diversa, resultar claro de uma análise integral do disposto no artigo 7.º do Regime Geral de Controlo Metrológico de Métodos e Instrumentos de Medição (DL 29/2022) que o legislador, não só não quis que o mero decurso do prazo de 10 anos, no caso vertente três anos, da aprovação de um modelo inviabilizasse a utilização de todos os equipamentos desse modelo que estivessem em uso, como quis precisamente o contrário, dado que previu de forma expressa que, ainda que não tenha sido renovada a aprovação, um concreto instrumento de medição em uso poderá continuar a ser utilizado desde que satisfaça as operações de verificação aplicáveis, nos termos do nº 7 do referido preceito legal.
O que veio a ser confirmado, no que concerne especificamente aos alcoolímetros, pela aprovação da Portaria n.º 366/2023, de 15/11, onde no já referido artigo 11.º se veio a consagrar a disposição transitória de que «os alcoolímetros em uso poderão permanecer em utilização enquanto estiverem em bom estado de conservação e nos ensaios de verificação metrológica incorrerem em erros que não excedam os erros máximos admissíveis».
Ora, face ao sistema de controlo metrológico dos alcoolímetros, da competência do Instituto Português da Qualidade, I.P. (IPQ), que compreende as acima citadas operações de aprovação de modelo e os vários tipos de verificações, constatamos que esse controlo se desenvolve em três etapas: na primeira verificação, efetuada antes da colocação do instrumento em serviço; na verificação periódica anual, salvo indicação em contrário no despacho de aprovação de modelo, e na verificação extraordinária (artigo 7º do regulamento do controlo metrológico dos alcoolímetros aprovado pela Portaria n.º 366/2023, de 15/11).
Assim sendo, numa situação como a em causa nos autos, essencial se mostra apurar se:
Tendo decorrido o prazo de aprovação do modelo, um concreto instrumento de medição (alcoolímetro) que se encontra em utilização, se o mesmo aparelho foi, ou não, sujeito à verificação metrológica periódica anual;
Se foi, averiguar se, na sequência dessa verificação, cumpriu os parâmetros necessários para que possa continuar em uso, mostrando-se documentado nos autos que o aparelho em causa foi objeto de tal verificação.
Feitos estes considerandos, entremos no caso vertente.
Verificamos, desde logo, que o aparelho utilizado na realização do teste quantitativo de pesquisa de álcool no ar expirado foi o alcoolímetro DRAGER ALCOTEST, modelo ...10 PT, com o número de série ....
Por despacho do IPQ nº 8219/2019, de 17 de setembro, foi tal modelo de alcoolímetro aprovado, pelo prazo de três anos contados da data da sua publicação, tendo-lhe sido atribuído o nº ...6 (D.R. II Série, nº 178, de 17 de setembro.
O mesmo organismo aprovou complementarmente, através do Despacho n.º 9378/2021, de 24 de setembro (aprovação complementar de modelo n.º ...4), esse mesmo equipamento;
E renovou a aprovação do referido equipamento, através do Despacho n.º 4941/2022, de 27 de abril (renovação da aprovação de modelo n.º ...0), por 3 anos a contar da referida data de publicação.
A utilização do referido modelo foi inicialmente aprovada pela ANSR pelo despacho nº 9911, de 31 de outubro de 2019, – competência atribuída pelos artigos 1º e 2º, nº2, alínea f), do Decreto-Lei nº77/2007, de 29 de março.
Aprovou complementarmente, através do Despacho n.º 4497/2022, de 19 de abril, esse mesmo equipamento.
E, pelo despacho n.º 10056/2022, de 16 de Agosto de 2022, publicado no DR nº 157/2022, II Série, a ANSR aprovou complementarmente para utilização no controlo e fiscalização do trânsito, o equipamento alcoolímetro quantitativo marca ..., modelo ... PT.
Esse aparelho foi alvo de verificação pelo aludido IPQ, em 16 de janeiro de 2024.
Ou seja, mediante estas datas e despachos, o alcoolímetro onde foi realizado o teste encontra-se aprovado para fiscalização em 2021, essa aprovação pelo IPQ verificou-se inicialmente em 17/09/2021, e foi objeto de aprovação complementar em 24/09/2021. Pelo que, no dia 06/01/2025 a aprovação do modelo, não renovada, havia caducado.
Porém, desde o dia 16 de janeiro de 2024 e até ao dia 16 de janeiro de 2025, após verificação efetuada para além do termo do prazo de validade da aprovação, o referido aparelho pode permanecer em utilização (cfr. os citados artigos 5º, 6º, nº 1, 7º, 8º e 11º do Regulamento do Controlo Metrológico dos Alcoolímetros, e artigos 7º, nºs 1, 2 e 7, 8º e 9º do Regulamento Geral do Controlo Metrológico).
Como se vê, o aparelho em causa foi alvo de verificação efetuada pela entidade competente, a 16 de janeiro de 2024, tendo sido aprovado em conformidade com o Regulamento em vigor, o que significa que este foi sujeito a um conjunto de operações destinadas a constatar se mantinha a qualidade metrológica dentro das tolerâncias admissíveis relativamente ao modelo respetivo e que se concluiu que estavam reunidas as condições legais para que possa continuar a ser utilizado, sendo tal certificação válida até 16 de janeiro de 2025 (cfr. artigo 8.º, nº 3 do Regime Geral de Controlo Metrológico de Métodos e Instrumentos de Medição, e 8º, nº 1 do Regulamento do Controlo Metrológico Legal dos Alcoolímetros).
Em face de tudo o exposto, contrariamente ao invocado pela recorrente, considerando os normativos citados, dúvidas não nos restam de que o alcoolímetro utlizado aquando da fiscalização, não foi utilizado fora das condições legalmente previstas, não existindo qualquer disposição legal que disponha em sentido diverso do consagrado no artigo 7.º, n.º 7º e 9º do Regime de Controlo Metrológico de Métodos e Instrumentos de Medição,
O resultado obtido pelo modelo em causa verificado é, pois, absolutamente válido, porque obedece ao rigoroso sistema da sua regulação.
Não se mostram violados os preceitos legais invocados pelo recorrente, concretamente o disposto no artigo 7.º do DL nº 29/2022, de 7 de abril, bem como o preceituado no artigo 153.º, n.º 1, do CE, artigo 17.º, da Lei 18/2007, de 17 de Maio, o art. 292º do CPP e o art. 125º do CPP.
Assim sendo, não se verifica a invocada nulidade, nem o resultado obtido através da utilização do aludido aparelho de pesquisa de álcool no sangue constitui prova proibida, art. 125º do CPP, quanto ao exame quantitativo de álcool a que foi sujeita a recorrente.
Pelo que, não podem ser questionados os factos provados sob os pontos 2 e 4.
Assim sendo, também não se verificam os invocados vício da decisão (erro notório na apreciação da prova) e erro de julgamento, cuja apreciação se mostra prejudicada face ao ora decidido.
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Da Medida da Pena
Importa agora apreciar a medida da pena a aplicar.
Cumpre desde já referir, a fim de delimitar os poderes e modo de intervenção deste Tribunal, que a sindicância do decidido não se efetivará como se inexistisse decisão recorrida ou como se este Tribunal da Relação se predispusesse a aplicar a pena contestada pela primeira vez. Ademais, note-se que “(…) o tribunal de recurso deve intervir na alteração da pena concreta, apenas quando se justifique uma alteração minimamente substancial, isto é, quando se torne evidente que foi aplicada sem fundamento, com desvios aos citérios legalmente apontados” [cfr. acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 18.03.2015, proc. 109/14.3GATBU.C1, Rel. Inácio Monteiro, consultado em www.dgsi.pt, sublinhado nosso].
Como se pode ler no acórdão deste Tribunal da Relação de Guimarães de 05.03.2018 [proc. n.º 827/17.4GAEPS.G1, Rel. Armando Azevedo, consultado em www.blook.pt], em alinhamento com a doutrina e jurisprudência aí citada, “(…) quanto aos limites de controlabilidade da determinação da pena em sede de recurso - entendemos ser de seguir o entendimento da doutrina e da jurisprudência no sentido de que é suscetível de revista a correção das operações de determinação ou do procedimento, a indicação de fatores que devam considerar-se irrelevantes ou inadmissíveis, a falta de indicação de fatores relevantes, o desconhecimento pelo tribunal ou a errada aplicação dos princípios gerais de determinação, mas a determinação do quantum exato de pena só pode ser objeto de alteração perante a violação das regras da experiência ou a desproporção da quantificação efetuada”.
Efetivamente e tendo existido, a montante, um julgamento – com contraditório pleno, oralidade e imediação – e uma atividade jurisdicional de fixação concreta da pena no culminar daquela audiência, na dependência do Tribunal ad quem não estará a realização de nova e originária determinação da pena mas, tão só, no que o caso convoca, a sindicância do quantum da pena, seguindo e tendo por referencial os critérios de determinação utilizados pelo Tribunal a quo e respetiva motivação, escrutinando a eventual existência de falhas ou omissões, exercendo a sua função corretiva se o resultado da operação se revelar ilegal ou manifestamente desproporcionado.
Do exposto resulta que a intervenção em segunda instância deverá ser sempre pautada pelo princípio da mínima intervenção, intercedendo se e quando o processo determinativo se revele insuficiente ou desajustado à luz dos critérios legais de determinação da pena, tendo por matriz os factos assentes.
Na verdade, a individualização judiciária da pena não é imune a um grau controlado de discricionariedade, inexistindo uma pena concreta inquestionável ou uma sentença certa e ideal, mas, antes, uma gama de decisões que, numa faixa de razoabilidade e proporcionalidade, poderão ser adequadas, conquanto os tribunais, aplicando os mesmos critérios de determinação das penas concluam, em casos semelhantes, por penas aproximadas. (cfr. Ac da RP de 03/07 de 2024, Rel. Paulo Costa, in www.dgsi.pt)
Voltemos ao caso vertente.
A moldura penal abstrata do crime encontra-se compreendida entre um mês a um ano de pena de prisão ou dez dias a cento e vinte dias de pena de multa.
O artigo 70.º do Código Penal dispõe que “se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”. E, segundo o estipulado no artigo 40º do citado diploma legal, a aplicação das penas visa a proteção de bens jurídicos (prevenção geral) e a reintegração do agente na sociedade (prevenção especial).
O art.º 71.º do CP estabelece os critérios da determinação da medida concreta da pena, dispondo que a determinação desta, dentro dos limites definidos na moldura legal, efetua-se em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, valorando o Tribunal todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo, depuserem a favor ou contra o agente, tendo sempre por limite a culpa que, axiologicamente estranha a finalidades retributivas, estabelece o limite superior da pena que ainda seja concordante com as exigências de preservação da dignidade da pessoa humana.
Na sentença sob escrutínio entendeu-se que a aplicação da pena de multa serve as finalidades preventivas consagradas no art. 40º do CP, a proteção do bem jurídico violado e a reintegração da arguida na sociedade.
Concretamente: «DA DETERMINAÇÃO DA MEDIDA CONCRETA DA PENA DE MULTA Por sua vez, nos termos do artigo 71.º do CP, a determinação da medida da pena aplicável tem como critérios a culpa do agente e as exigências de prevenção, com as funções definidas segundo a chamada teoria da moldura da prevenção ou da defesa do ordenamento jurídico. Segundo esta teoria, à prevenção geral positiva cabe fornecer uma moldura de prevenção, em que o limite superior corresponderá ao ponto óptimo de protecção dos bens jurídicos e como limite inferior o ponto abaixo do qual já não é comunitariamente suportável a fixação da pena sem pôr em causa a função tutelar inerente à mesma. Já a culpa, entendida em sentido material e referida à personalidade do agente expressa no facto, surge como pressuposto irrenunciável e limite máximo e inultrapassável da aplicação de uma pena. De facto, não pode haver a aplicação de pena sem culpa e, em caso alguma, a pena pode ultrapassar a medida da culpa. Por outras palavras, a culpa é que define o limite máximo da pena, pelo que não concorre para a definição da medida da pena (artigo 40.º, n.º 2, do CP). Assim, o limite máximo é fixado de acordo com a culpa e o limite mínimo de acordo com as exigências de prevenção geral. Já a pena concreta a aplicar é fixada, dentro da moldura penal assim conseguida, de acordo com as exigências de prevenção especial que ao caso convenham, tendo como intuito a socialização do agente e a sua reintegração social. Acresce, e tendo em conta o disposto no referido artigo 71.º do CP, que na determinação da medida concreta da pena ter-se-ão em conta, dentro dos limites abstractos definidos na lei, todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor ou contra o arguido, nomeadamente, as enumeradas no artigo n.º 2 do mesmo preceito. Daqui resulta ainda o princípio da proibição da dupla valoração, segundo o qual não deve ser valorado, na determinação da pena, uma circunstância que já o tenha sido aquando da verificação do preenchimento dos pressupostos da responsabilidade criminal. (…)” Tendo presente o modelo adoptado, importa infra eleger, no caso concreto, os critérios de aquisição e de valoração dos factores da medida da pena, mormente os referidos nas diversas alíneas do n.º 2, do artigo 71.º do CP. Voltemos então a nossa atenção para o caso concreto. Desde logo, há que atentar nas circunstâncias que antecederam, são contemporâneas ou posteriores ao cometimento do delito e que influenciam a determinação da pena, de modo a concretizar-se o tipo e a gravidade da mesma, pelo que cabe atentar quer às que são favoráveis, quer às que são desfavoráveis. Ora, a favor da arguida, abonam as circunstâncias de não ter antecedentes criminais, de estar socialmente inserida, de ter confessado os factos e se mostrar arrependida. Por sua vez, contra a arguida depõem as circunstâncias de: ter agido com dolo directo, não merecendo grande reflexão, uma vez que se encontra no expoente máximo do grau de culpa e o grau de ilicitude do facto é mediano/alto, na medida em que a taxa de álcool detectada é já consideravelmente elevada. Quanto às necessidades de prevenção geral, atentas as repercussões ocasionadas no tecido social pela prática deste tipo de ilícito, assumem relevo elevado, tendo em conta o supra referido, apesar de, no caso, não existirem pessoas directamente afectadas pela conduta da arguida. Tudo ponderado, entende este Tribunal que é consentâneo com a culpa da arguida e suficiente para o advertir contra a prática de novos ilícitos criminais, bem como justo, adequado e proporcional, a aplicação ao mesmo, pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punível pelos artigos 69.º, n.º 1, alínea a) e 292.º, n.º 1 do CP, de uma pena de multa de 55 (cinquenta e cinco) dias. Quanto à fixação do quantitativo diário da multa, estabelece o artigo 47.º, n.º 2, do CP, que a taxa diária da multa deverá ser fixada entre € 5,00 e € 500,00, tendo em conta a situação económica e financeira da condenada e os seus encargos pessoais. Assim e atenta a concreta situação económica da arguida, melhor descriminadas nos pontos 6) a 10) dos factos provados, afigura-se-nos ajustado fixar, uma taxa diária de € 5,00 (cinco euros), o que perfaz a quantia total de € 275,00 (duzentos e setenta e cinco euros).
DA SANÇÃO ACESSÓRIA Citando Maria João Antunes, “São penas acessórias as penas cuja aplicação pressupõe a fixação na sentença condenatória de uma pena principal ou de substituição, estando previstas quer na parte geral quer na parte especial do CP” (idem, página 25). No caso, o artigo 69.º, n.º 1, alínea a), do CP1, estabelece que: “1 - É condenado na proibição de conduzir veículos com motor por um período fixado entre três meses e três anos quem for punido: a) Por crimes de homicídio ou de ofensa à integridade física cometidos no exercício da condução de veículo motorizado com violação das regras de trânsito rodoviário e por crimes previstos nos artigos 291.º e 292.º; (…)”. Quanto à necessária dependência, para a aplicação de uma pena acessória, da pré-existência de uma pena principal, constata-se que tal requisito se encontra preenchido nos presentes autos em face da determinação da aplicação à arguida de uma pena principal pelo crime de condução de veículo em estado de embriaguez (cf. artigo 292.º, do CP). Por outro lado, a determinação da medida da pena acessória rege-se pelas mesmas regras que fundamentam a determinação concreta da medida da pena principal. Tendo aqui presente o supra explanado a propósito da escolha da pena principal, mostra-se adequada à culpa da arguida e necessária ao integral cumprimento das exigências de prevenção geral e especial em causa, a aplicação da pena acessória de proibição de conduzir veículos a motor pelo período de 4 (quatro) meses e 15 (quinze) dias, na medida em que apenas através do cumprimento de tal sanção poder ser removida a perigosidade inerente ao exercício da condução pela arguida e de poder esta vir a reflectir o seu comportamento enquanto condutora e cidadã.»
Nos presentes autos, o Tribunal a quo individualizou a pena aplicada à recorrente em de 55 (cinquenta e cinco) dias de multa, à taxa diária de € 5,00 (cinco euros), pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido pelo artigo 292.º, n.º 1, do Código Penal; e na pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor de qualquer categoria pelo período de 4 (quatro) meses e 15 (quinze) dias nos termos do disposto no artigo 69.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal.
Importa, antes de mais, referir que à data dos factos a arguida conduzia com uma taxa de álcool no sangue, reduzido o erro máximo admissível, de 1,786g/l, taxa que se afigura de nível médio/alto.
O crime de condução de veículo em estado de embriaguez é punido com pena de prisão até um ano ou com pena de multa até 120 dias.
A punição em 55 dias de multa mostra-se abaixo do ponto médio, e bastante aquém do limite máximo da pena de multa legalmente prevista, que é de 120 dias.
No caso concreto, constatamos que as necessidades de prevenção geral são elevadas, uma vez que este é um tipo de crime que ocorre frequentemente.
No que toca às necessidades de prevenção especial, estas são de grau médio, dado que a arguida não tem antecedentes criminais, está inserida social, familiar e laboralmente, e nada indicia que continue a delinquir ou que o seu comportamento evidencie desrespeito pelo direito estabelecido, tudo apontando que se terá tratado de um percalço ocorrido na vida de uma jovem adulta.
Não podemos olvidar a taxa que apresentava quando foi detida pelos factos destes autos, 1,786 gl [correspondente à taxa apurada deduzida do valor do erro máximo admissível], circunstância que não pode ser escamoteada, revelando-se já algo elevada, bastante acima do mínimo permitido. Ou seja, no caso vertente ambas as exigências se apresentam com um grau de intensidade que vai do médio ao elevado, sendo certo também que o comportamento revelado em julgamento, onde confessou os factos, também pode ser tido em conta, embora essa sua postura não assuma relevância especial no seu apuramento, face à evidência desses factos.
Assim sendo, a questão da escolha da pena teria que ser decidida por recurso a um juízo de culpa, porque, como vimos, em caso algum a medida da pena pode ultrapassar a medida da culpa.
Ora, nesse âmbito, e face a todo o conjunto de circunstâncias ponderadas, afigura-se-nos que o tribunal recorrido fez uma correta opção pela aplicação da pena de multa, tendo em consideração o disposto no citado artigo 70.º do Código Penal. Considerando o desvalor global da conduta da arguida aqui em causa, as exigências de prevenção geral e especial que as circunstâncias concretas exigem e a forma como os factos foram praticados.
O facto de beneficiar de inserção social e familiar, é ultrapassado pela algo elevada ilicitude que se retira da sua conduta, face à consciência de que tinha ingerido bebidas alcoólicas em demasia e, não obstante, se ter metido à estrada ao volante do veículo automóvel que conduzia, para além da taxa que apresentava. Pelo que, se nos afigura que, no caso, as aludidas finalidades da punição se mostram salvaguardadas com a opção tomada em 1ª instância de aplicar pena de multa na medida fixada.
A necessária tutela dos bens jurídicos protegidos pela incriminação do crime em causa e a estabilização contrafáctica das expectativas comunitárias, assim como considerações de prevenção especial de socialização, fundamentam tal escolha e medida da pena aplicada, bem como se mostra adequada e proporcional o valor diário fixado, face à apurada situação da arguida, e que não foi questionada, conforme foi ponderado na sentença recorrida.
Pelo que improcede a sua pretensão
Medida da pena acessória
A prática do crime de condução em estado de embriaguez, pelo qual a recorrente foi condenada, para além da pena principal é ainda sancionada com proibição de conduzir veículos com motor por um período entre 3 meses e 3 anos (art. 69º, n.º 1, al. a), do Código Penal).
No caso dos autos, o Tribunal recorrido fixou a pena acessória em quatro (4) meses e quinze (15) dias de proibição de condução.
Entende a recorrente que a pena acessória de proibição de conduzir veículos fixada é desajustada, por exagerada, e que deveria ter sido aplicada em medida inferior.
Ponderemos.
Quanto à pena acessória impõe realçar-se o saber do Prof. Figueiredo Dias que discorre pela seguinte forma: “Se, como se acentuou, o pressuposto material de aplicação desta pena deve ser que o exercício da condução se tenha revelado, no caso, especialmente censurável, então essa circunstância vai elevar o limite da culpa do (ou pelo) facto. Por isso, à proibição de conduzir deve também assinalar-se e (pedir-se) um efeito geral de intimidação, que não terá em si nada de ilegítimo, porque só pode funcionar dentro dos limites da culpa. Por fim, mas não por último, deve esperar-se desta pena acessória que contribua, em medida significativa, para a emenda cívica do condutor imprudente e leviano" - As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, 1993, pags. 164 e 165.
Mais refere o mesmo autor, “A pena tem, sempre, o fim de servir para manter e reforçar a confiança da comunidade na validade e na força de vigência das suas normas de tutela de bens jurídicos e, assim, no ordenamento jurídico-penal. É o instrumento, por excelência destinado a revelar perante a comunidade que a ordem jurídica é inquebrantável, apesar de todas as violações que tenham lugar”. Temas Básicos da Doutrina Penal, pags. 74 e ss.
A sanção agora em causa tem, pois, a natureza de pena acessória, traduzindo-se numa censura adicional pelo crime praticado.
Quanto às suas finalidades, deve assinalar-se um efeito de prevenção geral de intimidação, e deve esperar-se desta pena acessória que contribua para a emenda cívica do condutor.
Esta pena acessória tem, assim, uma função preventiva adjuvante da pena principal, sendo a sua finalidade a intimidação da generalidade e dirigindo-se ainda à perigosidade do agente.
Resulta do artigo 69º do Código Penal que a aplicação da pena acessória em causa depende da verificação de dois pressupostos, um de natureza formal e outro de natureza material, sendo que, no caso dos autos, o de natureza formal se mostra preenchido pela condenação do recorrente pelo cometimento do crime previsto no artigo 292.º, n.º 1, do Código Penal.
O pressuposto material verifica-se quando for de considerar no caso que o exercício da condução se revelou especialmente censurável.
E aqui, temos de concluir que a arguida/recorrente adotou um comportamento em relação à condução rodoviária, apesar do estado de embriaguez que a afetava, com uma taxa de álcool no sangue de 1,786 g/l, muito superior ao mínimo legal, e significativamente acima do limite do ilícito penal, em que manifestou um elevado desrespeito pelas normas, especialmente censurável, pelo que necessário se torna a aplicação de uma pena acessória que, inibindo-a daquele direito, contribua para a interiorização do dever de participar, de forma responsável e, sobretudo, segura, no trânsito rodoviário.
Mostra-se, pois, igualmente preenchido o pressuposto material de aplicação da sanção acessória, a qual, por isso, não poderia deixar de ter lugar.
É certo que a proibição de conduzir veículos com motor pode atingir colateralmente, limitando-o no direito ao exercício dessa atividade, na utilização da viatura para se deslocar, mas esse direito não constitui um direito absoluto, podendo ser constrangido, desde que a restrição se mostre justificada, proporcional e adequada à preservação de outros direitos ou garantias constitucionais. E é isto que se verifica no caso dos autos com a necessidade de proteção do direito à vida, à integridade física e o património de outrem.
Assim, não se verifica qualquer desproporção com a aplicação da pena acessória de proibição de condução no caso dos autos.
Para a determinação da medida concreta da pena acessória têm aplicação os critérios estabelecidos no art.71º do Código Penal já acima referidos, e que aqui damos por reproduzidos.
Repetimos que não se pode esquecer a taxa de álcool detetada (1,786 g/l, muito acima do máximo permitido para a condução lícita e até do mínimo do ilícito penal), o que aponta para um período de inibição a distanciar-se do mínimo legal.
Considerando todos os fatores atrás enunciados, nomeadamente a TAS apurada, elevada dentro do tipo legal de crime, a confissão, embora no caso não assuma particular relevância para a descoberta da verdade, o facto de não ter antecedentes criminais, afigura-se que as exigências de prevenção se satisfazem com a fixação da pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor que lhe foi fixado na sentença recorrida, medida essa que se afigura adequada e proporcional, respeitando os artigos 18.º da Constituição da Republica Portuguesa e os artigos 40.º e 71.º, do Código Penal.
É assim, certo que, tanto na fixação da pena principal, como na medida da sanção acessória não foram violados quaisquer princípios ou normas jurídicas atinentes a essas operações de determinação da medida de cada uma das penas aplicadas, que se mostram ajustadas e proporcionados ao caso concreto.
Daí improcederem todas as pretensões invocadas pela recorrente no presente recurso.
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III – DISPOSITIVO
Nestes termos, acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Guimarães em:
- Julgar improcedente o recurso interposto pela arguida AA, e, consequentemente, confirmar a sentença recorrida.
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Custas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 4 (quatro) UC´s [arts. 513.º, n.º 1 do Código de Processo Penal e 8.º, n.º 9 do Regulamento das Custas Processuais e Tabela III, anexa a este último diploma].
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(O acórdão foi elaborado pelo relator e revisto pelos seus signatários, nos termos do artigo 94.º, n.º 2 do C. P. P.)
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Guimarães 11 de junho, de 2025
Os Juízes Desembargadores
Relator - José Júlio Pinto
1º Adjunto - Pedro Freitas Pinto
2ª Adjunta – Fátima Furtado