Ups... Isto não correu muito bem. Por favor experimente outra vez.
PROIBIÇÕES DE PROVA
ERRO NOTÓRIO NA APRECIAÇÃO DA PROVA
ERRO DE DIREITO
AUTO DE RECONSTITUIÇÃO DO FACTO
DECLARAÇÕES DO ARGUIDO
DEPOIMENTO DO ÓRGÃO DE POLICIA CRIMINAL
VALORAÇÃO
NULIDADE DA SENTENÇA
Sumário
1. A proibição de prova relacionada com a violação do princípio da imediação da prova constitui um vício do modo de formação da convicção do tribunal, cuja repercussão é a nulidade da prova proibida quando ela venha a ser valorado na sentença. 2. O erro de direito consubstanciado na violação das regras que regulam o modo de formação da convicção, incluindo as proibições de prova, não pode ser reconduzido ao vício do erro notório na apreciação da prova. 3. Se a reconstituição do facto conta com a intervenção do arguido e com a prestação de declarações por parte deste, a respectiva valoração fica necessariamente sujeita a alguns constrangimentos legais. 4. As declarações do arguido feitas em reconstituição dirigida exclusivamente pelo órgão de polícia criminal não podem ser lidas em audiência, salvo solicitação do arguido (artigos 356.º, n.º 1, al. b), e 357.º, n.º 1, al. a), do CPP). 5. Não sendo permitida a leitura deste auto, as declarações do arguido ali constantes não podem ser valoradas e invocadas na fundamentação da sentença (art. 355.º, n.º 1, do CPP). 6. O disposto no n.º 4 do art. 345.º do Código de Processo Penal também é aplicável à reconstituição do facto na qual, tendo participado um dos arguidos, sejam outros arguidos incriminados pela versão reconstituída daquele. 7. Consequentemente, o arguido “colaborante” não pode deixar de se sujeitar ao contraditório, sob pena de proibição de valoração desse meio de prova – pelo menos na parte em que incrimine o co-arguido – para viabilizar a fundamentação da formação da convicção do tribunal. 8. Mas as restrições de valoração não ficam por aqui, pois os órgãos de polícia criminal que tiverem recebido declarações de arguido cuja leitura não for permitida não podem ser inquiridos como testemunhas sobre o conteúdo daquelas (artigos 356.º, n.º 7, e 357.º, n.º 3, do CPP). 9. O erro de direito consubstanciado na violação destas regras que regulam o modo de formação da convicção conduz à nulidade da valoração da prova proibida pelo tribunal a quo e determina a invalidade da sentença em tal valoração se verificou (art. 122.º, n.º 1, do CPP).
Texto Integral
Acordam os juízes, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Guimarães
I – RELATÓRIO
1. Decisão recorrida
No âmbito do processo n.º 355/18.0GAVNF, que corre os seus termos no Juízo Local Criminal de Vila Nova de Famalicão, foi proferida sentença, datada de 15.07.2024, que, além do mais, condenou os arguidos: 1. AA 2. BB 3. CC 4. DD 5. EE 6. FF 7. GG 8. HH e 9. II
nos seguintes termos (transcrição):
“(…)
5.2.- Condenar o arguido AA na pena de três anos e seis meses de prisão; o arguido BB na pena de três anos de prisão; o arguido CC na pena de três anos e seis meses de prisão e o arguido DD na pena de três anos de prisão, pela prática de um crime de furto qualificado, em coautoria material, p. e p. pelo art.º 203.º, e 204.º, n.º 2, al. e), por referência ao art.º 202.º, al. d) e n.º 1, al. f), ambos do Código Penal.
5.3.- Condenar o arguido EE na pena de quinhentos dias de multa, à taxa diária de oito euros; o arguido FF na pena de quatrocentos e oitenta dias de multa, à taxa diária de sete euros; o arguido GG na pena de quatrocentos e cinquenta dias de multa, à taxa diária de sete euros; o arguido HH na pena de quatrocentos e cinquenta dias de multa, à taxa diária de sete euros, pela prática, em coautoria material de (um) crime de recetação, em autoria material p. e p. art.º 231.º, n.º 1, todos do Código Penal.
5.4.- Condenar o arguido II na pena de trezentos dias de multa, à taxa diária de seis euros, pela prática de um crime de recetação, em autoria material p. e p. art.º 231.º, n.º 1, todos do Código Penal.
5.5.- Julgar parcialmente procedente o pedido de indemnização civil deduzido pela demandante EMP01..., LDA., contra os demandados AA, BB, DD, CC, II, HH, FF, GG e EE e, em consequência:
5.5.1.- condena-se solidariamente os demandados AA, DD, BB e CC a pagar à demandante a quantia de 5.430,66 euros, correspondente ao valor das baterias que retirar dos dois empilhadores; quantia esta, acrescida de juros de mora, à taxa legal de 4%, vencidos desde a data da notificação do pedido de indemnização civil até integral pagamento.
5.5.2.- condena-se solidariamente os demandados AA, DD, BB, CC, EE, HH, FF e GG a pagar à demandante a quantia de 15.978,00 euros, correspondente ao valor de 100 (cem) placas de vitrocerâmica, novas em caixas, de 3 focos, da marca EMP01..., referência ...06; quantia esta, acrescida de juros de mora, à taxa legal de 4%, vencidos desde a data da notificação do pedido de indemnização civil até integral pagamento.
5.5.3.- condena-se solidariamente os demandados AA, DD, BB, CC e II a pagar à demandante a quantia de 319,56 euros, correspondente ao valor de 2 (duas) placas de vitrocerâmica, novas em caixas, de 3 focos, da marca EMP01..., referência ...06; quantia esta, acrescida de juros de mora, à taxa legal de 4%, vencidos desde a data da notificação do pedido de indemnização civil até integral pagamento.
5.5.4.- condena-se solidariamente os demandados AA, DD, BB e CC a pagar à demandante a quantia de 10.545,48 euros, correspondente ao valor de 66 (sessenta e seis) placas de vitrocerâmica, novas em caixas, de 3 focos, da marca EMP01..., referência ...06; quantia esta, acrescida de juros de mora, à taxa legal de 4%, vencidos desde a data da notificação do pedido de indemnização civil até integral pagamento.
(…).” 2. Recursos 2.1. Inconformado com esta decisão, o arguido AA recorreu da mesma, tendo concluído a respectiva motivação nos seguintes termos (transcrição):
“(…)
1ªExiste erro notório na apreciação da prova, por força da nulidade do auto de reconstituição dos autos, pois nas palavras de Simas Santos e Leal Henriques in “Recursos Penais”, 9ª Edição, Rei dos Livros, 2020, pág. 81, o erro notório na apreciação da prova existe quando “desrespeitaram regras sobre o valor a prova vinculada ou das leges artis. 2ª Tal auto de reconstituição de facto, sob a capa de “relatório de diligência externa”, foi determinante para a condenação do Recorrente pelo crime de furto, mas constitui prova proibida, no caso dos autos, pois que na realidade estamos perante um reconhecimento, com declarações encapotadas do arguido, que não obedecem ao estatuído no artigo 357.º do CPP; 3ª Compulsado o relatório de diligência externa, o mesmo não cumpre os requisitos do artigo 150.º do CPP, mas constitui sim um reconhecimento de locais, onde não só onde teriam ocorridos os crimes, mas também onde os arguidos se teriam encontrado, antes e apos a ocorrência dos factos. Ou seja, não se tratou de uma recriação do furto, mas uma espécie de itinerário, de modo a que o OPC pudesse desenvolver uma narrativa cronológica dos eventos; 4ª Acresce ainda que o arguido DD presta efetivamente declarações no referido auto, incriminando vários arguidos, entre quais os Recorrente, pelo que que efetivamente sucedeu foi uma espécie de interrogatório “ambulante”, prestado perante OPC e não a magistrado judicial. 5ª Nesse sentido, tal constitui reprodução de declarações não permitidas no âmbito do artigo 357.º do CPP, pelo que são nulas (vide Ac. STJ de 27.06.2007, in CJ (STJ) XV, II, 230); 6ª A este propósito, é basilar o Acórdão desta Relação, de 23.10.2007, sob o processo n.º 20/15.0GDMDL.G1, cujo sumário se transcreve:
“I) A reconstituição do facto, como meio de prova autónomo, não pode ser confundida com declarações prestadas nos autos pelo arguido, as quais se encontram expressamente previstas na lei processual penal como "não permitidas" se não se contiverem dentro do âmbito previsto no artº 357º do CPP. II) No caso dos autos, não houve nem reprodução das condições do facto, nem repetição do modo de realização. Apenas declarações do arguido enquanto se deslocava aos vários locais (onde confessava ter praticado furtos) acompanhado pelo OPC. III) Por isso forçoso é concluir que, ao dar relevância a tal meio de prova, como se de um auto de reconstituição se tratasse, o tribunal recorrido valorou como válido, um meio de prova que não podia utilizar, o que redundou em necessário erro de julgamento, porquanto resulta evidente da motivação que se para os factos denunciados em determinados autos, o tribunal a quo se socorreu de outros indícios para alicerçar a sua convicção relativamente à prática dos factos por algum(ns) dos arguidos, nos restantes autos, nada de concludente terá sido trazido, para a audiência de julgamento com vista a apurar o(s) autor(es) dos factos denunciados. III) De qualquer modo, ao valorar como válido um meio de prova que não podia utilizar, o tribunal recorrido incorreu em erro notório na apreciação da prova, prevenido no artº 410º, nº 2, c) do CPP. IV) Verificado tal vício, torna-se necessário o reenvio do processo à primeira instância para novo julgamento, nos termos do artº 426º, nº 1, do CPP.” 7ª No mesmo sentido, o Acórdão da Relação de Coimbra de 28.01.2015, sob o processo n.º 1150/09.3GCVIS.C1, in www.dgsi. 8ª Sendo tal prova nula, e consistindo num claro erro notório da apreciação da prova, deve tal meio ser expurgado da sentença recorrida, com as demais consequências 9ª O auto de reconstituição é também nulo por violação do artigo 345, n.º 4 do CPP, uma vez que o nas arguido DD, não obstante ter prestado as declarações constantes do auto em que indica quais os arguidos que terão efetuado os furtos, recusou-se, no seu legitimo direito ao silêncio, de prestar declarações em sede de audiência de julgamento. 10ª Nos termos do artigo 345. º n.º 4 do CPP, a “- Não podem valer como meio de prova as declarações de um co-arguido em prejuízo de outro co-arguido quando o declarante se recusar a responder às perguntas formuladas nos termos dos n.ºs 1 e 2.” 11ª Não tendo o arguido DD prestado declarações em sede de audiência de julgamento, as declarações prestadas em sede de inquérito, sob a forma de auto de diligencia externa, não podem servir de prova contra os restantes arguidos, sob pena de nulidade- que é o transparece da decisão recorrida, pois, para que as declarações de inquérito, pudessem ser válidas, teria de ser o arguido DD a prestar declarações em sede de audiência de julgamento, o que não fez, pelo que não podiam os recorrentes serem “incriminados”, como entendeu erradamente o tribunal “a quo”. 12ª Veja-se a este propósito, o basilar Acórdão da Relação do Porto, de 08.02.2017, sob o processo n.º 918/14.3JAPRT.P1, in www.dgsi.pt, que sumaria o seguinte:
“I– A prova por reconstituição do facto destina-se a determinar de um facto poderia ter ocorrido de certa forma e consiste na reprodução das condições em que hipoteticamente decorreu e na repetição do seu modo de realização, e é precedida de despacho da autoridade judiciária. II – O auto de reconstituição dos locais é meio de prova atípico. III – As declarações prestadas em inquérito por arguido, no interrogatório por órgão de polícia criminal, incriminatória de co arguido, a apreciação do “auto de reconstituição dos locais” integrado naquele interrogatório e a audição do órgão de polícia criminal que a tal procedeu, não podem valer como prova para a condenação do coarguido. IV- Não valem como meio de prova contra o coarguido, em face do artº 345º4 CPP por maioria de razão, as declarações prestadas em inquérito por arguido que se recuse a prestar declarações em audiência. V- As declarações de admissão de culpa em inquérito pelo arguido, em interrogatório por autoridade policial, sem a assistência do defensor não podem ser valoradas em julgamento por aplicação da regra do artº 141º1 b) CPP a contrario sensu e por maioria de razão.” 13ª Deverá entao, por esta via tal auto ser declarado nulo, sob pena de violação dos artigos 20º nºs 1 e 2 e 32º nºs 1, 3 e 5 da Constituição, no artigo 6º nº 3 al. c) da Convenção Europeia dos Direitos Humanos e nos artigos 47º e 48º nº 2 da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia. 14ª É entendimento do Recorrente que em face da prova produzida em audiência os factos dados como assentes sob os n.os 2 a 7, e 9 deveriam ser dados como não provados, e, por conseguinte, não serem dados como assentes; 15ª Com efeito os meios de prova principais, consistiram no famigerado auto de “reconstituição”, e no depoimento testemunhal do Cabo JJ – cfr depoimento de n. os 10 de janeiro de 2024, com o seu início pelas 10h14m e termo pelas 12h35m, 16ª Este agente, que elaborou o auto, apenas afirmou que o recorrente seria um dos autores do crime, face ao que lhe foi transmitido pelo arguido DD, sendo que conforme referiu até o Tribunal recorrido na sua fundamentação; 17ª Tal testemunha retirou ilações através das informações prestadas por um co-arguido, sem que demonstrasse, de forma direta, a participação do recorrente, pelo que tal depoimento não pode ser valorado, pois tal testemunha socorre-se de conversas tidas com o arguido DD, ainda antes de ter assumido tal estatuto processual; 18ª As conversas informais de arguido não podem ser valorizadas como meio de prova. E o Recorrente vai mais longe, pois aqui se afirma que, o teor de tais declarações informais – como o Tribunal recorrido reconhece na sua fundamentação – não pode passar a ser permitido através do depoimento de uma testemunha, mesmo sendo agente de autoridade, como é o caso. 19ª Assim, a valoração deste depoimento, constitui uma clara violação dos artigos 356, n.º 7 e 357. N.º 3 do Código de Processo Penal, devendo por isso não ser atendido como suporte à matéria de facto; 20ª Neste sentido, veja- se o Acórdão da Relação do Porto, de 07.02.2024, sob o processo n.º, 182/22.2GCVFR.P1, in www.dgsi.pt, cujo sumário se cita:
“I– Não podem valer como prova afirmações do arguido prestadas em “conversas informais” com um agente policial, seja tal conversa posterior ou anterior à sua constituição como arguido II - As razões substanciais que levam à irrelevância como prova de declarações informais de arguido prestadas depois da sua constituição como tal são as mesmas que deverão levar a essa irrelevância quando tais declarações são prestadas antes dessa constituição.” 21ª Veja-se o douto Acórdão da Relação de Évora, de 18.04.2023, sob o processo n.º 26/21.0PHMTS.E1, também in www.dgsi.pt; 22ª Não sendo valorado tal depoimento, as restantes testemunhas, sem exceção, conseguiram ligar o recorrente aos crimes; 23ª Por outro lado, temos também, não só as declarações do Recorrente – cfr depoimento de 9 de janeiro de 2024, com seu início às 10h24m e termo às 10h35m, - como dos arguidos CC –cfr depoimento de 09 de janeiro de 2024, com início às 10h46m e seu termo às 11h09 -, e do arguido BB – cfr depoimento a 09 de janeiro de 2024, com início às 10h35m e o termo às 10h46m -, em que todos, sem exceção negaram a prática dos factos. 24ª O que sobra quanto ao Recorrente? a) A posse de uma placa?
Sempre se diga, que a mesma foi apreendida 9 meses apos os factos! E a mera posse não demonstra que o recorrente tenha furtado a placa apreendida, como as restantes. Apenas evidencia a posse de um objeto. Se assim fosse, também, pela mesma ordem de razão a testemunha KK seria arguido, pois tenha na sua posse uma placa furtada. b) a ida à Sucata?
Conforme resulta dos depoimentos das testemunhas LL – cfr depoimento de 09 de janeiro de 2024, com início pelas 15h32m e termo às 15h43m - e MM – cfr depoimento de 10 de janeiro de 2024, com o início pelas 10h07 e o termo pelas 10h14m as mesmas, enquanto responsáveis da empresa conheciam o Recorrente, como sendo vendedor de sucata, mais adiantando que nao tinham qualquer problema com o recorrente. Além do mais, o próprio arguido BB referiu ter sido o próprio de adquiriu as baterias, ao passo que o recorrente nunca afirmou tê-las adquirido, mas apenas acedido a uma solicitação, no sentido de emprestar um veículo para carregar as baterias, bem como para ajudar a vender tais objetos por ser cliente habitual da sucata. 25ª O Tribunal recorrido podia nao acreditar nas versões “pueris” dos arguidos, mas é certo que nao existe prova que contradite tais declarações. 26ª Quanto ao ponto 9. dos factos provados nao existe prova que o recorrente tenha “despachado” o material furtado para o arguido EE, pois a ligação tribunal recorrido estabeleceu nao tem respaldo em prova nenhuma! 27ª Na realidade, o Tribunal recorrido estabeleceu uma conclusão desprovida de qualquer suporte probatório, o que viola as mais elementares regras de livre apreciação da prova! 28ª Ora, não restam dúvidas que a prova não é suficiente para que se condene o arguido, pelo que estamos perante uma situação em que se enquadra no princípio da livre apreciação da prova, em que o julgador, nos termos do artigo 127.º do CPP opte por uma versão em detrimento de outra. 29ª Por falta de elementos suficientes, tais factos terão de constar da matéria não provada, pois tal prova impõe decisão diversa, pelo que a sentença recorrida viola o princípio “in dubio pro reo”, devendo, por isso o Recorrente ser absolvido dos crimes que foi condenado e que aqui se invocam. 30ª Pelo que o tribunal “a quo” devia dar por não provada a matéria assente nos pontos 2 a 7 e 9, da sentença recorrida
POR MERA CAUTELA 31ª A pena aplicada ao Recorrente é manifestamente exagerada, pois não teve em conta o relatório social, como o seu grau de participação; 32ª A factualidade dada como provada, sem prescindir, reitere-se tudo quanto se disse quanto à factualidade que deveria ser dado como não provada, as concretas necessidades de prevenção geral e especial, e as circunstâncias que depunha a favor e contra o recorrente, condenar aquele em pena de prisão não superior a 02 anos, suspensa na sua execução; 33ª O Recorrente, não deixa de ser vítima da sua própria condição social, de fatores exógenos e endógenos em que a sua personalidade se formou, do desinvestimento que os seus pais fizeram em si e do abandono precoce da formação escolar e da precariedade da sua ocupação laboral; 34ª Porém, o recorrente atualmente está integrado socialmente;
- Continua a beneficiar do apoio da família e mostra comprometimento face às suas responsabilidades, tanto no que se reporta ao trabalho, como à medida judicial/pena a que se encontra sujeito;
- Tem feito esforços para modicar sua conduta, conforme se alcança do seu percurso prisional 35ª Pelo exposto, sempre este só deveria ser condenado nos termos supra propugnados. 36ª O Acórdão recorrido não apreciou a possibilidade de recorrente vir a poder beneficiar do perdão da pena contido na Lei n.º 38-A/2023, de 02/08 (lei que estabelece um perdão de penas e uma amnistia de infrações por ocasião da realização em Portugal da Jornada Mundial da Juventude), quando o deveria tê-lo feito, pois preenche os requisitos para a sua pena ser perdoada; 37ª Com efeito:
a) O crime foi praticado antes das 00h00m horas de 19-06-2023;
b) À data da prática dos factos, o arguido ainda não tinha atingido a idade de 30 anos;
d) O crime – furto - não integra nenhuma das exceções previstas no artigo 7.º da Lei;
e) o crime em causa abstratamente punível com uma pena não superior a oito anos 4.º 38ª Deve, por isso o recorrente beneficiar da referida Lei, sendo-lhe amnistiado perdoado um ano de prisão à pena que lhe foi aplicada; 39ª A sentença recorrida encontra-se eivada de inconstitucionalidade por violação dos artigos 2º e 32º da CRP, no que tange à interpretação que foi feita sobre o artigo 127º do CPP, ou seja, pela errada aplicação do princípio da livre apreciação de prova, já que os factos provados sobre os n.os ¨2 a 7 e 9 e a consequente condenação do Recorrente não resultam da prova produzida, a qual, na melhor das hipóteses apenas criou dúvida sobre a sua veracidade (neste sentido cfr o Acórdão do Tribunal Constitucional 1165/96, publicado no Diário da República, II Série, de 06 de fevereiro de 1997) 40ª A sentença em crise não aplicou as regras de experiência e logica comuns imanentes ao princípio da livre apreciação da prova, pondo em causa assim, com tal interpretação do artigo 127.º do CPP, as garantias de defesa do Recorrente, presentes em todo o todo o artigo 32. º da CRP, mas sobretudo o seu n.º 2, no qual está expresso o princípio da presunção de inocência e implícito o princípio “in dubio pro reo”, pelo que é claramente desconforme à CRP e, por conseguinte, inconstitucional; 41ª A sentença recorrida violou ou fez errada interpretação dos artigos 40.º, n.os 1 e 2, 70º, 71º, n.os 1 e 2, 204.º, n.º 2, al. e), do Código Penal, 127º,150.º, 345, n.º 4, 356, n.º 7 e 357, n.º 3, 374º. n.º 2 e 379º, n.º 1, al c), e 410 n.º 2, al. c) do Código de Processo Penal, artigos, 2.º, 20º, n.º 1, 32º, n.os 1 e 5, da CRP, 6, n.º 3 al. c) da CEDH e as demais disposições que V. Exas. suprirão
(…)”.
2.2. Igualmente inconformado com a referida decisão, o arguido BB recorreu da mesma, tendo concluído a respectiva motivação nos seguintes termos (transcrição):
“(…)
III. Tal convicção assenta apenas no depoimento da testemunha JJ, assentando em prova indireta.
IV. O tribunal a quo dá como provados os factos com os nº 1, a 7, 19, 22, 31 e 51.
V. O arguido negou a prática dos factos, de forma clara e devidamente esclarecida em depoimento prestado em sede de audiência de discussão e julgamento.
VI. Sendo, assim, incorretamente julgados como provados estes factos (nº 1, a 7, 19, 22, 31 e 51.
VII. Uma vez que tal condenação se baseia em presunções e prova indireta.
VIII. O Tribunal a quo na análise critica e na apreciação que fez da prova produzida, tal como lhe permite o art º 127 do C.P.P , ponderou somente o que entendeu que deveria ponderar para condenar o Arguido BB.
IX. Não foi devidamente valorado o depoimento do arguido AA, que corrobora o depoimento do co arguido NN.
X. Na sua fundamentação, a decisão do tribunal a quo refere: “ Com efeito, se nos ativermos, desde logo, ao depoimento da testemunha JJ e ao teor do “auto de reconstituição dos factos” junto a fls. 511 a 518, facilmente ajuizamos esta verdade por nós ajuizada está evidenciada nesse meio de prova legítimo e processualmente válido, além do demais quadro probatório já supra evidenciado. Na verdade, conforme referiu esta testemunha, na sequência das diligências efetuadas pela GNR no âmbito da investigação e de acordo com os dados que lhe foram espontaneamente transmitidos pelo arguido DD, foi possível apurar os autores do furto ocorrido nas instalações da EMP01.... (…)
“O arguido BB, por seu turno, negou alguma vez ter ido ter as instalações da EMP01...
XI. Sem prescindir, decidindo-se pela aplicação de uma pena ao Arguido, deveria sempre considerar-se que ponderadas a ilicitude global do facto e as exigências de prevenção requeridas, é de crer que uma pena coincidente com o mínimo legal da moldura pena abstrata aplicável, realizará, de forma suficiente, as finalidades da punição, considerando-se adequada ao caso concreto e à medida da culpa do arguido.
XII. O Tribunal na análise critica e na apreciação que fez da prova produzida, tal como lhe permite o art º 127 do C.P.P , ponderou somente o que entendeu que deveria ponderar para condenar o Arguido BB, tendo o feito com base não em provas concretas , mas em indícios , o que é claramente violador do principio de Legalidade e do principio in dubio pro reo.
XIII. Em suma, dúvidas não restam de que o arguido não praticou o crime de que vem acusado.
XIV. A prova produzida não é suficiente para sustentar uma condenação.
XV. Deve o arguido ser absolvido do crime em que foi condenado, com as devidas consequências legais.
(…)”.
2.3. Igualmente inconformado com a referida decisão, o arguido CC recorreu da mesma, tendo concluído a respectiva motivação nos seguintes termos (transcrição):
“(…) IV- Antes de mais, cumpre salientar que, na falta de elementos de prova que sustentem, cabalmente e com o rigor e a segurança exigíveis, a factualidade imputada ao arguido, persistirá a dúvida razoável sobre a verificação e a autoria dos factos, pelo que, de acordo com o princípio fundamental da presunção de inocência do arguido, plasmado no artigo 32.º, nº2, da CRP, tal incerteza não poderá desfavorecê-lo (in dubio pro reo); V- Em sede de Inquérito, o arguido/recorrente, prestou declarações numa primeira fase na qualidade de testemunha e, posteriormente, na qualidade de arguido tendo negado a prática dos factos e confirmado todo o teor das suas declarações inicialmente prestado, a saber: “ (---) que alugou o veículo ... – ... ao seu proprietário; que no mês de maio de 2018, emprestou o dito veiculo a três indivíduos; que só conhece dois deles e os identifica como sendo o BB e o outro é o DD cunhado do primeiro, sendo que desconhece a identidade do último indivíduo; que o dito DD é muito parecdido com ele, alías já várias pessoas lho disseram; que se recorda do BB lhe ter dito que tinha umas baterias para ir vender à sucata e se ele queria ir com eles (os três), tendo o mesmo recusado (---) ”; - tudo conforme consta dos autos a fls. 391 a 393, 464 a 467 e 528 a 529 dos autos; VI- Na busca domiciliária e apreensão realizada quer na residência, quer aos veículos automóveis do arguido/recorrente, não foram localizados/apreendidos nenhum tipo de objetos suscetíveis de constituir prova que possam incriminar o arguido CC - cfr. elementos constantes a fls. 393 a 399 dos autos. No exame pericial de vestígio digital ... realizado não se verificou qualquer correspondência com o arguido/recorrente – cfr. relatório exame pericial a fls. 33 a 37, 1710 e 1716 dos autos. No auto de visionamento de vídeo e extração de fotogramas provenientes da camara de vigilância do estabelecimento de EMP02..., Lda. (EMP03...), o arguido/recorrente não aparece e, relativamente ao fotograma n.º 98 a fls. 78, por ser pouco legível, não se consegue apurar com toda a certeza e convicção a identificação do indivíduo ali constante; VII- Em sede de audiência de discussão e julgamento, o arguido/recorrente CC prestou declaração, confirmou as suas declarações prestadas em sede de inquérito, negou a prática do crime de furto qualificado, tendo referido que não sabe onde fica a empresa EMP01... e que apenas emprestou uma carinha de veículo ... a pedido do seu primo e coarguido AA para ir até uma sucata; confrontado com as imagens juntas aos autos, o arguido/recorrente confirmou que“o camião” que “alugou” ao BB é o veículo de caixa aberta que está fotografado nessas imagens e confirmou ainda, não estar nessas fotografias e não ser o individuo que aparece no fotograma n.º 98. VIII- Contudo, tal facto provado em sede de audiência de julgamento relativamente a carinha de veículo ..., emprestada e utilizada, não permite afirmar ou sequer permitir ao tribunal a quo na sua livre convicção concluir com toda a certeza que o arguido CC tenha sido ele próprio ou em conjugação de esforços com os restantes coarguidos, o autor dos factos. IX- Os fatos dados como provados relativamente ao crime de furto qualificado e com interesse para o presente recurso, consta dos pontos1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 19, 22, 25 e 51 do parágrafo 2-1. – FATOS PROVADOS COM RELEVÊNCIA PARA A DECISÃO DA CAUSA, da sentença ora recorrida; X-No ponto 2.3. – MOTIVAÇÃO DO TRIBUNAL, no que respeito ao comportamento do arguido/recorrente descrito nos pontos supra mencionados, o Tribunal baseou a sua convicção no conjunto da prova produzida em audiência de julgamento, designadamente, na conjugação das declarações dos arguidos AA, BB e CC, do legal representante da assistente/demandante, OO, nos depoimentos das testemunhas de acusação, na prova pericial e ainda na prova documental constantes dos próprios autos e em especial relevo, no relatório de diligência externa encarado como “ reconstituição dos factos” a fls. 511 e sgs; (sublinhado nosso). XI- Ora com esta conclusão não está de acordo o recorrente. XII- Resulta expressamente da lei, a prova é apreciada segundo as regras de experiência e a livre convicção da entidade competente. Porém, a livre apreciação da prova não se confunde de modo algum com apreciação arbitrária da prova nem com a mera impressão gerada no espirito do julgador pelos diversos meios de prova; a prova livre tem como pressupostos valorativos a obediência a critérios da experiência comum e da lógica do homem médio suposto pela ordem jurídica. XIII- Nos presentes autos, entende o recorrente que não foi produzida prova para o Tribunal de 1ª instância ter dado como provado os fatos assentes nos pontos1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 19, 22, 25 e 51 do parágrafo 2-1., da douta sentença recorrida. XIV- Na verdade, não resulta minimamente demonstrada a produção de qualquer resultado pela ação imputada ao ora recorrente.Não só a matéria fáctica é manifestamente insuficiente para se ter concluído como o fez o Tribunal a quo e considerar verificada a prática de um crime de furto qualificado, em coautoria material, como é o mesmo inquestionável ter-se verificado manifesto e incontornável erro na apreciação da prova. Na fundamentação de facto e quanto aos factos considerados como provados, existem indubitavelmente juízos errados, dúvidas e incertezas que se levantam; XV- Analisemos então o que de interesse para esta matéria disseram, em primeiro lugar, os arguidos que quiseram prestar declarações na audiência de julgamento a saber, AA, BB e CC – declarações transcritas na douta Sentença: o arguido AA (primo do recorrente) no essencial,relatou: “ (---)pediram a minha carinha para levar umas coisas à sucata; utilizamos umacarinha branca, caixa aberta, de sete lugares que tinha sida emprestada ao meu primo; carregámos as coisas na casa do BB; fui eu, o CC, o BB e o DD; eles carregaram a carinha com as baterias; o CC é que tinha a carrinha; o BB é que tinha consigo as baterias para levar à sucata mas não sei onde ele arranjou essas baterias; eu só pedi a carrinha ao CC porque eu não tina a minha carrinha; nunca estive na empresa EMP01... (---)”; Tal depoimento em nada indicia qualquer intenção criminosa por parte do arguido e ora recorrente; sem prescindir que, depois de ter sido confrontado com as imagens – cfr. fls. 66 a 79 – o arguido AA disse que não conseguia identificar o CC e verbalizou dúvidas quanto à presença deste no interior da EMP03...; o depoimento do arguido BB no essencial contou: “ (---)comprei as baterias por 100 euros a uns senhores que não conheço; eles queriam despachar essas baterias por 100 euros; nunca vi mais esses senhores; eles não me disseram donde vinham essas baterias; comprei-lhes as baterias por 100 euros e achei um bom negócio; depois pedi ao AA para me disponibilizar a carrinha dele; foi o CC que arranjou a carrinha; o AA e o CC aparecerem com a carrinha e o PP ajudou a carregar e foi connosco à sucata; O AA e o CC apareceram na minha casa numa carrinha de caixa aberta e eu e o meu cunhado é que carregámos as baterias na carrinha que o AA e o CC trouxeram; nunca estive na empresa EMP01...(---)”; Tal depoimento também não indicia qualquer intenção criminosa – crime de furto qualificado – relativamente ao arguido e ora recorrente; sem prescindir, que, depois de ter sido confrontado com as imagens constantes dos autos, o arguido BB também disse que não conseguia identificar o CC e verbalizou dúvidas quanto à presença deste no interior da EMP03...; o arguido/recorrente, CC negou a prática de qualquer atuação criminosa e no essencial disse: “que não fez nada, apenas alugou a carinha de veículo ..., de caixa aberta a pedido do arguido BB porque tinha uma sucata para vender; não entrou na sucata porque o dono lhe tinha proibido o acesso; não sabe quem conduziu a carinha, não sabe quem foi a sucata com o arguido BB; não sabe onde fica a empresa EMP01...…”;confrontado com as imagens juntos aos autos, este arguido confirmou que “o camião” que “alugou” ao BB é o veículo de caixa aberta que está fotografado nessas imagens e confirmou ainda que ele não está nessas fotografias e que apenas consegue identificar nessas fotografias o arguido AA e o arguido BB. Ora, tais declarações do arguido/recorrente CC não indiciam qualquer intenção e/ou atuação criminosa. XVI- Quanto ao representante legal da assistente/demandante da empresa EMP01..., OO, o mesmo disse, no essencial, que não conhece os arguidos, descreveu de forma serena e coerente o furto e que, na altura da ocorrência dos factos, não havia alarme nas instalações da EMP01... ou câmara de vigilância; Este depoimento não indicia qualquer intenção criminosa por parte do arguido /recorrente. XVII- Continuamos sem demonstração fatual de intenção e/ou atuação criminosa imputada ao arguido ora recorrente. XVIII- Por conseguinte, analisemos de perto o que de interesse para esta matéria disseram, as testemunhas arroladas pelo Ministério Público – depoimentos esses, transcritos na douta Sentença: o depoimento da testemunha QQ, Guarda Principal do posto da GNR ... em nada indicia qualquer concretização de ato criminoso por parte do arguido/ recorrente; o depoimento da testemunha RR, militar da GNR no posto da GNR ..., em nada indicia qualquer concretização de ato criminoso por parte do arguido/ recorrente; o depoimento da testemunha SS, agente de polícia do NIC de ..., não evidencia factualmente uma intenção e/ou atuação criminosa do arguido/recorrente; o depoimento da testemunha TT, agente de polícia do NIC de ..., não evidencia factualmente uma intenção e/ou atuação criminosa por banda do arguido/recorrente, o depoimento da testemunha LL, socia – gerente na EMP03..., não permite retirar uma conclusão a desfavor do arguido/recorrente, nem indicia qualquer motivo e/ou intenção criminosa do arguido/recorrente; sem prescindir que em sede de inquérito e quando confrontada com o visionamento do fotograma n.º 98 de fls. 78 dos autos tal testemunha referiu: “ (…)tem muitas parecenças, mas acho que não se trata do CC uma vez que ele nessa altura não entrava na sucata(…) (sublinhado nosso); a testemunha MM, socia- gerente da EMP03..., disse, afirmou que “na altura da venda das baterias, foi emitido uma fatura e o arguido CC não estava presente porque existia uma querela entre ele e nós (…)” (sublinhado nosso); Este depoimento, em nada comprova qualquer atuação criminosa por parte do arguido/recorrente; Acresce que, deste depoimento, extrai-se com interesse para os autos, que a testemunha – tal como o próprio arguido/recorrente CC, também afirmou que este último não estava presente no dia da venda da mercadoria na EMP03... em virtude de ter havido uma querela e o arguido/recorrente estar proibido de aceder as instalações daquela sucata; aliás em sede de inquérito e quando confrontada com o visionamento do fotograma n.º 98 de fls. 78 dos autos, tal testemunha também referiu: “ (…) conheço o CC, mas acho que não se trata do arguido CC pelo fato de nas circunstâncias de tempo da venda das baterias o mesmo não entrava na sucata (…)”. A testemunha JJ, militar da GNR, afirmou em suma que fizerem diligências com base na videovigilância e chegaram ao arguido UU; “ (---) o arguido DD disse como o furto tinha sidoefetuado;este arguido, em declarações informais, disse que o furto foi em duas fases; toda a investigação desenvolveu-se na sequência das declarações deste arguido; (…) nas imagens da sucata, podemos identificar os arguidos AA, BB e DD;o relatório de diligência externa é a reconstituição dos factos;após o interrogatório, ele (DD) mostrou vontade em colaborar com a investigação; ele disse que foi o arguido BB que o convidou; ele disse que no ilícito estava o DD, o AA, o CC, o BB;(…)ele disse que ele e o BB entraram e transportaram as baterias para a carrinha onde estava o AA e o CC;(…) considerando a natureza do furto, a investigação começou logo pelas sucatas; (…)o arguido DD foi relevante para a reconstituição do furto; (sublinhado e negrito nosso); tal depoimento, para além de não comprovar qualquer atuação criminosa do arguido/recorrente CC, limita-se a elaborar um raciocínio com base em desconfianças, convicções pessoais e sobretudo com base nas declarações prestadas pelo arguido PP aquando da diligência externa realizada - reconstituição dos fatos, e que não pode ser valorado conforme ora adiante se demonstrará; o depoimento da testemunha, VV apenas confirme a utilização de uma carinha de veículo ..., matrícula ..-..-QT, a qual na altura dos fatos tinha sida emprestada pelo arguido/recorrente CC; contudo, tal fato demonstrado, não permite afirmar com toda a certeza ou concluir que o Arguido CC tenha estado envolvido nos fatos constantes da douta acusação ou melhor dizer, tenha sido ele próprio ou em conjugação de esforços com os restantes coarguidos, o autor dos factos – crime de furto em causa; o depoimento da testemunha, WW, companheiro da irmã do arguido/recorrente CC, não permite concluir qualquer fato ilícito que se possa imputar ao arguido/recorrente; o depoimento da testemunha, XX, sócio-gerente da EMP01..., em nada referiu quanto a culpabilidade do arguido/recorrente; do depoimento da testemunha, YY, extrai-se com interesse para os autos, que era habitual o arguido/recorrente destrocar cheques no posto de abastecimento sito em ... – ... e que tais cheques eram sempre provenientes de uma sucata; contudo, naquele dia não se recorda da pessoa que lhe pediu para destrocar o cheque no valor de 700 euros; pelo que, salvo o devido respeito, tal depoimento não permite concluir qualquer fato criminoso que possa ser imputado ao arguido/recorrente CC, muito menos os fatos constantes da douta acusação; o depoimento da testemunha ZZ em nada permite retirar tal conclusão, nem indicia qualquer motivo e intenção criminosa por parte do arguido/recorrente CC; XIX- Assim, no global dos depoimentos das testemunhas da acusação no que diz respeito ao crime de furto qualificado, verifica-se que nenhuma prova concreta e sustentável foi demonstrada quanto a incriminação do arguido/recorrente CC. XX- A convicção do Tribunal a quo fundou-se ainda no conjunto de prova documental junto aos autos, e, em especial relevo para a decisão da causa, o relatório de diligência externa – reconstituição dos fatos – em que participou o coarguido PP. XXI- Com efeito, o Tribunal recorrido entendeu condenar o arguido/recorrente concluindo no essencial: “ (---) “quanto a essa autoria,é nosso entendimento que o quadro probatório supra evidenciado, apreciado à luz das regras de experiência comum de normalidade, permite-nos, com a certeza que se impõe,dar como provado que o crime de furto dessas baterias e 168 placas de vitrocerâmica de 3 bocas com a referência ...06 foi praticado pelos arguidos AA, DD, BB e CC nos termos que lhe é imputado e com a indiscutível intenção criminosa. Com efeito, se nos ativermos, desde logo, ao depoimento da testemunha JJ e ao teor do “auto de reconstituição dos fatos” junto a fls 511 a 518, facilmente ajuizamos esta verdade por nós ajuizada está evidenciada nesse meio de prova legítimo e processualmente valido; na verdade, conforme referiu esta testemunha na sequência das diligências efetuadas pela GNR no âmbito da investigação e de acordo com os dados que lhe foram espontaneamente transmitidos pelo arguido PP, foi possível apurar os autores do furto ocorrido nas instalações da EMP01...; dúvida não nos assola que os arguidos AA, BB, CC e PP, no período de tempo em apreço, praticaram o furto que lhes é imputado no libelo acusatório (---) ” (negrito e sublinhado nosso). XXII- Porém, não concorda o arguido/recorrente com essa decisão visto que, a prova produzida em sede de audiência e julgamento deveria conduzir indubitavelmente à sua absolvição. O erro notório na apreciação da prova é flagrante. XXIII- Com efeito, o Tribunal a quo errou ao concluir como conclui que o arguido CC, “apesar de ter afirmado que não esteve no interior da EMP03... (ausência momentânea, para além de convincentemente “justificada”, como também referiu a testemunha MM), apenas o desvia desse momento em concreto, mas não o afasta da coautoria do furto porquanto, não fosse a sua carrinha, o furto dos eletrodomésticos e das baterias ficaria obviamente gorado. A sua intervenção nessa ação criminosa, atenta a natureza e quantidade de bens, transportados com recurso à sua carrinha, é inquestionável”. (negrito nosso). XXIV- O fato da carinha estar na posse do arguido/recorrente aquando do furto, o fato da carinha ter sido utilizada para transportar os bens furtados em dois momentos temporais diferentes – quer na empresa EMP01..., quer na EMP03..., não permite afirmar ou sequer permitir ao tribunal a quo concluir com toda a certeza que o arguido CC tenha tido intervenção nessa ação criminosa – sendo que este não admitiu tais factos, nenhuma testemunha o viu nos 2 (dois) locais (Empresa EMP01... e EMP03...) e não existe vídeo e/ou registo fotogramas que o identifica. XXV- O Tribunal a quo também errou ao concluir como conclui que os quatros arguidos ” tiveram na sua posse objetos que foram furtados do interior das instalações da demandante no exato momento em que também desapareceram as ditas placas de vitrocerâmica.”, já que como supra se referiu e atenta a toda a prova produzida em sede de audiência de julgamento, nenhum material furtado foi encontrado na posse do arguido/recorrente. XXVI- Resulta assim inequivocamente um juízo probatório negativo da falta de prova segura e suficientemente consistente para afirmar com toda a certeza e convicção que o arguido/recorrente teve participação ativa no crime de furto ocorrido nas instalações da empresa EMP01... e na venda dos bens furtados na EMP03.... XXVII- O Tribunal a quo quanto a autoria do crime de furto ocorrido na Empresa EMP01... e da venda das baterias furtadas na EMP03..., notoriamente errou, ao dar relevância, considerar e valorar, sobretudo, o auto de reconstituição dos factos a fls 511 a 518, as declarações prestadas pelo coarguido PP e a utilização da carinha de veículo ... com a matrícula ..-..-QT, ASSOCIANDO TAIS FACTOS AO AQUI ARGUIDO, APURANDO ASSIM COM TODA A CERTEZA QUE SE IMPOÊ A SUA IDENTIDADE E COMO SENDO O AUTOR, EM COAUTORIA MATERIAL, NOS TERMOS IMPUTADOS. XXVIII- A prova por reconstituição regulada no art.º 150º, do CPP é uma experiência provocada artificialmente, e visa reproduzir, tão fielmente quanto possível, as condições em que se afirma ou se supõe ter ocorrido o facto criminoso e repetir o modo de realização do mesmo; A reconstituição pode respeitar aos factos relativos à imputação – execução do facto típico, de uma sua parte, elemento ou circunstância (podendo nomeadamente compreender o acesso ao local do crime, a retirada ou fuga, a destruição ou ocultação dos instrumentos utilizados e, nos crimes contra a propriedade, a ocultação da coisa subtraídas), apuramento do grau de ilicitude ou de uma causa de exclusão, bem como para aferição da culpa do agente. Igualmente pode ter por objeto aspetos atinentes à prova. XXIX- No caso vertente, o auto desta diligência bem como as fotografias que o acompanham e ilustram, ele é a reconstituição do “périplo” seguido pelo arguido PP aquando da prática dos factos, tal como consta do próprio auto de reconstituição, ele traduz-se na repetição do trajeto efetuado por aquele arguido aquando dos factos em investigação, reproduzindo o modo como nele os arguidos tiveram intervenção e o circunstancialismo que rodeou cada episódio que reconstruiu. XXX- Como se decidiu no Ac. da Relação de Coimbra de 17 de Novembro de 2010, o “reconhecimento de locais” do crime não representa um meio de prova tipificado na lei adjetiva, o qual se integra na prova por reconstituição do facto, a que se refere o art.º 150º do CPP”. A jurisprudência tem entendido, que a reconstituição do facto representa uma tentativa de reconstrução do facto ilícito praticado, neste caso do percurso percorrido, a qual pressupõe uma participação voluntária e ativa do arguido, podendo contrariar o seu privilégio contra a auto-incriminação, mesmo no caso de o arguido se remeter ao silêncio na audiência. Com este âmbito a reconstituição junta aos autos não pode deixar de se não aceitar como prova, mas já não pode valer em tudo aquilo que extravasa este âmbito e resvala para verdadeiras declarações do arguido que tanto podem ser tomadas no local onde as coisas aconteceram como em qualquer gabinete. XXXI- No caso concreto, o arguido PP, além de indicar os locais onde praticou os factos, prestou verdadeiras declarações acerca dos factos que nada têm a ver com a diligência. Na audiência de discussão e Julgamento o arguido PP “convenientemente” remeteu-se ao silêncio; a leitura das suas declarações informais constantes no relatório de diligência externa, apesar de ter sida requerida pela Digníssima Senhora Procuradora em sede de audiência de discussão e julgamento, a mesma foi impugnada pelos restantes arguidos. XXXII- Assim sendo,em termos materiais/substanciais não representa aquele auto de reconstituição mais do que meras declarações (ilustradas) do arguido PP no âmbito de uma diligência de inquérito, e não tendo sido admitido e/ou não tendo àquele arguido requerido a leitura das mesmas, tais declarações não podem ser valoradas como meio de prova dos factos constantes da douta acusação; Admitir-se, pois, essas declarações como meio de prova era violar de modo grosseiro, a proibição de valorar declarações prestada fora do âmbito do disposto no art.º 357º do CPP, deixando-se entrar pela janela o que não se permitiu que entrasse pela porta. XXXIII- Pelo que, o Tribunal recorrido não podia considerar, como considerou, meio de prova válido tudo quanto o arguido PP declarou para além da simples indicação dos lugares onde praticou os crimes, pois que quanto aos mais os autos em causa são pura e simplesmente autos de declarações e como tal não podem ser valorados por violarem a proibição ínsita no já referido art.º 357º do CPP; tal relatório de diligência externa - auto de reconstituição não podia servir como meio de prova para a condenação do arguido/recorrente CC, já que nesta parte representa pura e simplesmente declarações que não podem ser valoradas. XXXIV- Ademais, os esclarecimentos dados pelo arguido PP – equivalente a meras declarações orais –não pode justificar a sua credibilidade, já que analisando toda a prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento, e como ora demonstrado, não foram produzidos outros meios de prova (documental e testemunhal) que CORROBORAM O RELATÓRIO DE RECONSTRUÇÃODOS FATOS QUANTO A INCRIMINAÇÃO DO ARGUIDO CC; XXXV- Efetivamente, inexistem elementos suficientes para se poder, com segurança bastante, concluir que o arguido/recorrente CC tivesse sido autor dos factos; XXXVI- Ao valorar como válido um meio de prova que não podia utilizar, o Tribunal a quoincorreu em erro notório na apreciação da prova, acabando por dar como provados, com base em tal meio de prova, factos que não poderia dar; não foi pois carreada para os autos prova suficiente que permitisse ao Tribunal “a quo” dar como provado os fatos constantes dos pontos 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 19, 22, 25 e 51 do parágrafo 2-1, da douta sentença ora recorrida. XXXVII- Por outro lado, é evidente que o Tribunal “a quo” fundou erradamente a sua convicção, não tendo observado a presunção de inocência que está na origem do princípio “in dúbio pro reo”, violando o n.º 2, do artigo 32º da Constituição. O princípio da presunção de inocência, ali contemplado, a lei fundamental, tem ínsita, ali, além do mais, “ a proibição de inversão do ónus da prova em detrimento do arguido; por isso, sejam os crimes em questão ou outros quaisquer, à acusação, cumpre sempre provar o que se alega, de modo que se pode dizer, que em processo penal não existe ónus de prova, no sentido de que, resultando dúvida sobre os fatos, ela resolve-se, em sede de puro fato, sempre a favor do arguido – in dúbio pro reo. E nunca contra ele. XXXVIII- Nos presentes autos, foi criada uma claríssima dúvida razoável quanto aos fatos que suportam a condenação do arguido/recorrente, pelo que “a sua absolvição aparece como a única atitude legítima a adotar”. o Tribunal a quo, ao condenar o arguido/recorrente, violou claramente o disposto no n.º 2, do artigo 32º da Constituição da Republica Portuguesa. Este preceito devia ter sido interpretado e aplicado no sentido da sua absolvição. XXXIX- Impugna-se ainda a pena de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão efetiva aplicada ao arguido/recorrente CC, por ser de todo manifestamente exagerada. XXXX- A medida concreta da pena deve respeitar os limites estabelecidos na lei, sendo feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, considerando-se a finalidade das penas, havendo ainda de atender a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, possam depor a favor ou contra o arguido. XXXXI-Os antecedentes criminais do arguido/recorrente foram o principal fundamento para aplicação da pena de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão efetiva. Porém, impõe-se necessariamente, a verificação de um equilíbrio entre a prevenção geral e a necessidade de ressocialização do arguido. XXXXII- Ora, os antecedentes criminais do arguido/recorrente relacionam-se, na sua maioria, com crimes diferentes do roubo, não ENVOLVENDO VIOLÊNCIA CONTRA PESSOAS. Do registo criminal do arguido contam-se 7 (sete) condenações, sendo mais de metade por condução sem habilitação legal; apenas 2 (duas) dessas condenações foi por crime de roubo nos anos de 2015 e 2019 – conforme consta do certificado de registo criminal junto aos autos a fls. 2056 a 2062. XXXXIII- O registo criminal não pode servir de agravante para aplicação da sanção, atenta a necessidade de ressocialização do arguido plasmada no fim das penas em processo penal. XXXXIV- A personalidade do arguido, débil, sem dúvida, não deve ser vincada por excessivo tempo de prisão, que vai impedir, se não mesmo impedir de forma irremediável, a sua ressocialização. XXXXV- “Estamos em crer que o juiz, ainda que inconscientemente, acabará, antes do tempo, por tomar em linha de conta, aquando da averiguação da culpa do agente pelo facto concreto de que vem acusado, indistintamente, todo o passado criminal do arguido, influenciando (negativamente), determinados elementos, o seu juízo sobre a pessoa que, no tribunal, tem diante de si, na fase que processualmente é a mais importante para a sua defesa.” XXXXVI- Nos termos de todo o supra alegado e não tendo o arguido/recorrente praticado o crime em que foi condenado, deve o mesmo ser absolvido do pagamento solidário do pedido de indemnização civil parcialmente provado pelo tribunal a quo.
(…)”.
2.4. Igualmente inconformado com a referida decisão, o arguido DD recorreu da mesma, tendo requerido a realização de audiência e concluído a respectiva motivação nos seguintes termos (transcrição):
“(…)
5- Depois de uma análise rigorosa da prova produzida (no caso das declarações e depoimentos através do registo áudio).
6. Constatámos que o Tribunal a quo não considerou aspetos e circunstâncias que se consideram essenciais na decisão recorrida.
7. Desde logo, debrucemo-nos sobre o depoimento da Testemunha JJ, militar da GNR, fulcral para a formação da convicção do Tribunal a quo.
8. Porém, antes de mais, afigura-se necessário um enquadramento geral.
9. Na fase de inquérito, o arguido desempenhou um papel preponderante, designadamente no que respeita à reconstituição dos factos constantes nos autos a fls. 511 a 518 e ao auxílio dos órgãos de polícia criminal (doravante OPC) no decurso da investigação.
10. Ora, no hiato temporal que antecede a reconstituição, os OPC detinham imagens de vídeo vigilância, mas que seriam insuficientes para sustentar probatoriamente a acusação pelos crimes de furto.
11. Nesse momento, os OPC sabiam de um arrombamento e um furto a um armazém da empresa EMP01... e a posterior venda de material furtado a uma sucata.
12. Agentes do crime, planeamento e execução, era ainda aquilo que faltava apurar.
13. A recolha de prova bastante de se ter verificado um crime deveu-se, em grande parte, ao aqui arguido que, de forma auto-consciente, pretendeu colaborar com os OPC na descoberta da verdade.
14. Aliás, a testemunha JJ afirma-o, por diversas vezes, no depoimento prestado no dia 10-01-2024, de acordo com a ata do registo de gravação de áudio, teve início às 10:14 e fim às 12:35, duração 02:21:01, “Com esse relatório de diligência externa, onde o Arguido disse como é que o ilícito tinha sido feito,quem o que o tinha convidado, quem é que sabia que o portão já estava abertonas circunstâncias de tempo do furto das baterias” (sublinhado nosso).
15. Ainda no mesmo depoimento:
Testemunha JJ: “O furto das baterias e o furto das vitrocerâmicas e aquecedores, não é o mesmo, é um espaço temporal, mas foi em duas fases, ou seja, o furto das baterias foi em data posterior ao furto dos eletrodomésticos, assim podemos dizer.”
Juiz: “Porque é que diz isso?”
Testemunha JJ: “Porque no relatório de diligencia externa, onde depois de inquirido e depois havia fundada suspeita da prática do crime, foi constituído arguido o DD, ele disponibilizou-se para vir ao local, dizer como setinha passado, fizemos um relato de diligência externa, onde ele relatou tudo.E nesse relato refere que quem o convidou foi o arguido BB, já sabia que o portão estava arrombado, já sabia a localização, já sabia partes, ou seja, os acessos onde devia ir, ou seja já tinha estado lá dentro anteriormente, ou seja, para estar lá dentro anteriormente tinha de ter feito parte do furto da vitrocerâmica e dos aquecedores, assim como o arguido AA também sabia essas características e é nesse sentido que digo que foi em fases diferentes” (sublinhado nosso).
Juiz: Na sequência das declarações do Senhor DD, não é? Testemunha JJ: Sim, pelo DD. (sublinhado nosso)
Juiz: Conseguiram, digamos, fazer esse enquadramento temporal. Testemunha JJ: Sim
Juiz: Mas voltando à carrinha, chegaram a verificar se o CC era o possuidor dessa carrinha?
Testemunha JJ: Sim
Juiz: E depois, então só na sequência das declarações do Senhor DD é que conseguiram, digamos, fazer a reconstrução destes episódios.
Testemunha JJ: Não foi só das declarações, que inicialmente foi inquirido na palavra de testemunha, depois foi interrogado e disponibilizou-se e fizemosrelatório de diligência externa onde ele, mas foi com base nisso, sim. (sublinhado nosso)
Juiz: Essencial, não é?
Testemunha JJ: Sim(sublinhado nosso)
16. A testemunha JJ, militar da GNR, no depoimento prestado, quando menciona “relatório de diligência externa”, pretende fazer referência à realização de uma reconstituição dos factos, conforme consta no decurso do depoimento acima identificado e que aqui se transcreve:
Procuradora: Na EMP03..., tinha as imagens de vídeo vigilância, conseguia perceber-se quem eram as pessoas que estavam lá retratadas?
Testemunha: Depois de os ver, não tenho dúvidas que era o AA, DD e o BB. Relativamente ao CC, tenho algumas dúvidas que seja ele, mas as vezes as imagens, ao ver-mos a pessoa à nossa frente é diferente. Conjugado com o relatório de diligência externa, do arguido DD, essas dúvidas ficaram dissipadas.
Procuradora: Quando chama de relatório de diligência externa, quer-se referir a reconstituição de facto, porque foi isso que foi feito, não sei porque é que deram o nome de relatório de diligência externa, é isso que está a referir-se, não é?
Testemunha: É isso que eu me estou a referir.
17. Após confrontar a Testemunha JJ com o dito relatório de diligência externa, melhor dizendo, a reconstituição dos factos:
Procuradora: O que é que foi feito em concreto?
Testemunha: Após o interrogatório, ele mostrou-se, acho que isso até ficou redigido no interrogatório, ele (entenda-se o aqui arguido) mostrou vontade emcolaborar com a investigação, deslocamo-nos ao local e ele indicou onde foi, quem é que o convidou, quem é que sabia (sublinhado nosso).
Vejamos, todos os detalhes, circunstâncias e contornos associados ao crime, foram devidamente investigados, averiguados e, posteriormente, elencados na acusação, devido à reconstituição dos factos realizada pelo aqui arguido.
18. Sem a colaboração do aqui arguido, os OPC não tinham forma de saber que o furto ocorreu em duas fases e em dias distintos, até porque no local do furto não havia imagens de vídeo vigilância e ninguém nas redondezas testemunhou o furto a acontecer.
19. Ora, o arguido colaborou com a justiça, auxiliou os OPC de forma voluntária e auto-consciente, o que permitiu aos OPC a investigação de detalhes, circunstâncias e contornos que, de outra forma, não teriam forma de obter.
20. Ao atuar da forma descrita, o aqui arguido demonstrou arrependimento pela conduta anteriormente praticada.
21. O aqui arguido atuou de forma contrária aos demais co-arguidos, que declararam nada ter feito, com desculpas de mau pagador, passe-se a expressão.
22. Facto é que o aqui arguido colaborou com a justiça, ao passo que os demais arguidos não.
23. Apesar disto, o aqui arguido recebeu o mesmo “tratamento” que os restantes co- arguidos acusados de furto, tendo sido condenado na mesma pena que os demais.
24. Não se compreende, nem se aceita.
25. O Tribunal a quo, na douta motivação e até no decurso da audiência de discussão e julgamento (remetemos para a transcrição do ponto 15), reconheceu que o aqui arguido desempenhou um papel preponderante na descoberta da verdade, designadamente através da reconstituição dos factos, que consta nos autos de fls. 511 a 518.
26. Porém, na decisão recorrida, o Tribunal a quo ignorou por completo a valoração dessa colaboração do arguido e condenou-o na mesma pena que os demais, como que numa perspetiva de mera subsunção das normas ao caso concreto, sem atender as circunstâncias e demais aspetos que influíram na boa decisão da causa e descoberta da verdade material.
27. Aliás, sem atender que na inexistência da reconstituição dos factos efetuada pelo aqui arguido, a investigação e, por conseguinte, acusação pelos factos descritos nos autos seria difícil, ou até mesmo impossível.
28. Assim, o tribunal a quo ao não valorar como devia a prova documental dos autos, fls. 511 a 518, na qual consta a reconstituição dos factos em que participou o aqui arguido, violou princípio da livre apreciação da prova, consagrado no artigo 127º do Código de Processo Penal, dado que deveria ter considerado tal colaboração do arguido como uma atenuante na aplicação da pena.
29. Princípio que, conforme salienta Figueiredo Dias in “Direito Processual Penal”, lições coligidas 1988-9, p. 139, está associada ao “(…) dever de perseguir a chamada “verdade material” -, de tal sorte que a apreciação há-de ser, em concreto, recondutível a critérios objetivos e, portanto, em geral susceptível de motivação e controlo”.
30. Neste mesmo sentido, Henrique Eiras in “Processo Penal Elementar”, Quid Iuris, 2003, 4ª Ed., p. 102, refere que este princípio “(…) não significa que o tribunal possa utilizar essa liberdade à sua vontade, de modo discricionário e arbitrário, decidindo como entender, sem fundamentação. O juiz tem de orientar a produção de prova para a busca da verdade material e, ao decidir há-de fundamentar as suas decisões: a apreciação da prova que faz reconduz-se a critérios objetivos, controláveis através da motivação. A sua convicção, que o levará a decidir de certa maneira e não de outra, embora pessoal e objetivável.”.
31. Por isso, condenar o arguido na mesma pena que os demais co-arguidos condenados pelo crime de furto, consiste também numa violação na determinação da medida da pena, previsto no artigo 71º do Código Penal e bem assim do artigo princípio da igualdade em sentido positivo, estabelecido no artigo 13º da CRP.
32. O arguido, na audiência de discussão e julgamento não prestou declarações.
33. O motivo pelo qual o arguido primou por nada declarar, prende-se com o facto de temer retaliações e represálias dos restantes co-arguidos.
34. Aliás, entre a audiência de discussão e julgamento e a prolação da sentença, o arguido foi ameaçado e coagido diversas vezes pelos co-arguidos.
35. O arguido temeu pela vida e ficou constrangido na sua alma.
36. Este medo inquietante deixou o arguido prostrado.
37. O arguido, no decurso da audiência de discussão e julgamento, pretendia confessar os crimes pelos quais vinha acusado, contudo, o receio pela sua vida impediu o arguido de o fazer.
38. As ameaças vieram a concretizar-se quando, no dia 22-08-2024, pelas 19:32h, o arguido foi agredido pelo co-arguido CC que, no fim das agressões, lhe dirigiu a seguinte expressão: “Não vai ficar por aqui”.
39. O arguido, aterrorizado, no dia 07-09-2024, apresentou queixa na Guarda Nacional Republicana, no Posto Territorial ..., que deu origem ao NUIPC 000340/24.3GBVNF, conforme documento que aqui se junta para todos os devidos efeitos legais (Doc.1).
40. Pelo exposto, o motivo subjacente à não confissão dos factos por parte do arguido, foi o pavor e o amedrontamento acerca das consequências resultantes dessa mesma confissão e não a sua autoincriminação.
41. Até porque o arguido, em sede de inquérito, efetuou uma reconstituição dos factos, pelo que seria infrutífero o direito ao silêncio por parte deste.
42. Aliás, sempre se dirá que a reconstituição dos factos realizada em fase de inquérito constitui uma confissão dos factos, apenas insuscetível de valoração enquanto confissão devido ao princípio da imediação.
43. Não obstante, a intenção do arguido sempre foi no sentido de colaborar com os OPC, de forma a não protelar a realização da justiça e de modo a demonstrar o seu arrependimento pelos factos praticados.
44. Desta feita, o aqui arguido deveria ter beneficiado de uma atenuação na pena.
45. O arguido tem 4 filhos menores.
46. Reside com a sua companheira e tem 3 filhos menores de idade.
47. O arguido é uma pessoa simples, com o 9º grau de escolaridade, desempregado, porém à procura de um trabalho.
48. O arguido está familiar e socialmente inserido.
49. O arguido e a sua companheira são os garantes da habitação.
50. Com a manutenção da pena aplicada, a companheira e os seus filhos irão passar por dificuldades, causando imensos prejuízos ao agregado familiar do arguido.
51. Além do mais, o comportamento colaborante, pacífico e humilde do arguido, revelam uma faceta da personalidade que, conjugada com a sua plena inserção social e familiar, permite, indesmentivelmente, afirmar que estamos perante a atenuação da pena.
52. Por outro lado, o comportamento do arguido tem ainda a virtualidade de revelar a intenção do mesmo em não continuar com a atividade criminosa.
53. Acresce que, o seu núcleo familiar fortíssimo irá dar-lhe todo o apoio necessário e afastá-lo da prática de qualquer conduta criminosa, seja ela qual for bem como dos meios e contatos pouco recomendáveis onde se viu incluído.
54. Uma vez que, na prisão, é muito provável que o recorrente seja forçado a estabelecer contacto, ainda que pontual, com outros presos indiciados pela prática do mesmo crime de furto, entre eles, um dos co-arguidos nestes autos, é evidente que o suporte e o convívio familiares assumem-se, muito mais do que a estadia na prisão, como meio mais eficaz de o afastar da prática de qualquer conduta criminal.
55. Importa ainda ter presente que o arguido tem uma estrutura psicológica muito frágil, pelo que a sua permanência em estabelecimento prisional, longe da sua família, certamente colocará em risco a sua própria vida.
56. Motivo pelo qual o apoio família é especialmente importante para a sua existência.
57. Para além do mais, depois do impacto sofrido com todos os transtornos, medo, ameaças e agressões por parte dos co-arguidos, bem como a sua debilidade física e instabilidade emocional sempre o impediriam de continuar com a atividade criminosa e/ou sequer de praticar algum ato menos conforme com a lei, sendo que que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
58. Nos termos do artigo 50º do Código Penal, encontram-se preenchidos todos os pressupostos para que a pena de prisão seja suspensa na sua execução.
59. Assim sendo, considerando tudo o supra exposto, a presente decisão recorrida deve ser substituída por uma outra em que seja decretada a suspensão da execução da pena de prisão, comprometendo-se o arguido ao cumprimento de deveres ou à observância de regras de conduta.
60. Pelo exposto, o Tribunal a quo violou, entre outros, o artigo 13º da CRP, 50º e 71º do CP e o 127º do CPP.
(…)”.
2.5. Igualmente inconformado com a referida decisão, o arguido EE recorreu da mesma, tendo concluído a respectiva motivação nos seguintes termos (transcrição):
“(…) III. Falta de prova directa e suficiente: A condenação do Recorrente EE baseia-se principalmente em presunções e prova indiciária. Não foi apresentada prova concreta de que o Recorrente EE sabia que os bens adquiridos eram de origem ilícita, conforme exige o artigo 231.º do Código Penal para configurar o crime de receptação. IV. Erro na apreciação da prova: O tribunal a quo não valorou devidamente o depoimento das testemunhas OO, XX e AAA, que afirmaram que EE mantinha relações comerciais legítimas e frequentes com a EMP01..., o que fragiliza a acusação de que ele teria agido com dolo. V. Presunção de dolo inadequada: O simples fato de o preço dos bens alegadamente adquiridos ser inferior ao de mercado não é suficiente para presumir que o Recorrente EE sabia da sua origem ilícita. A jurisprudência e a doutrina penal exigem prova concreta de dolo, que não foi apresentada. VI. Inconsistências na investigação: A busca realizada no armazém do Recorrente EE não resultou na apreensão de qualquer bem alegadamente furtado, apenas um manuscrito engordurado no lixo. A investigação falhou em procurar documentos de contabilidade que poderiam esclarecer as transações. VII. Ausência de ligação clara entre o arguido e o furto: A cronologia dos factos demonstra que a alegada venda das placas a terceiros ocorreu meses após o furto, o que enfraquece a tese de que o Recorrente EE sabia da origem ilícita dos bens. A ligação temporal entre o furto e a alegada venda a terceiros é insuficiente para sustentar a acusação de receptação. VIII. Falta de prova da titularidade dos bens pela Assistente: A Assistente não apresentou prova cabal de que as placas em questão lhe pertenciam. A falta de comprovação da titularidade afeta tanto a responsabilidade civil quanto a criminal. IX. Violação do princípio in dubio pro reo: Diante das dúvidas e fragilidades nas provas apresentadas, o tribunal deveria ter aplicado o princípio in dubio pro reo, absolvendo o Recorrente EE pela ausência de prova inequívoca de dolo. X. Responsabilidade solidária indevida: A condenação solidária imposta ao Recorrente EE para pagar a indemnização à Assistente não encontra suporte nas provas apresentadas, já que não foi demonstrado que ele obteve vantagem patrimonial com a venda dos bens alegadamente furtados. XI. Discrepância entre acusação e sentença: Há uma clara contradição entre os factos alegados na acusação e os factos provados na sentença, particularmente no que diz respeito ao conhecimento prévio do Recorrente EE sobre a origem ilícita dos bens, sem que haja prova direta que sustente tal conclusão. XII. Omissão de factos relevantes: A investigação falhou em considerar elementos que poderiam absolver o Recorrente EE, como a ausência de imagens de videovigilância que comprovassem que a testemunha BBB esteve no armazém do Recorrente para adquirir a placa, e o fato de o próprio BBB ter publicitado a venda da placa EMP01.... XIII. Na sua fundamentação, a decisão do Tribunal a quo refere: “ Com efeito, se nos ativermos, desde logo, ao depoimento da testemunha JJ e ao teor do “auto de reconstituição dos factos” junto a fls. 511 a 518, facilmente ajuizamos esta verdade por nós ajuizada está evidenciada nesse meio de prova legítimo e processualmente válido, além do demais quadro probatório já supra evidenciado. Na verdade, conforme referiu a testemunha JJ, na sequência das diligências efectuadas pela GNR no âmbito da investigação e de acordo com os dados que lhe foram espontaneamente transmitidos pelo arguido DD, foi possível apurar os autores do furto ocorrido nas instalações da EMP01.... (…)
Contudo, não se consegue entender o motivo que levou o agente JJ a afirmar que, na busca ao armazém de ... “o material furtado terá passado por esse armazém”, para concluir, a seguir que “acho que nesta busca não se recuperou nada”. XIV. Acrescentou ainda a mesma testemunha, que a testemunha AAA lhe havia transmitido que: comprou uma placa, para, em seguida, afirmar que havia 4 ou 5 placas enviadas para o AAA. Afinal, se não encontraram nada, na busca ao armazém, onde fotografaram as 4 ou 5 placas?
Na citada busca ao armazém, foi apreendido um manuscrito no lixo, com os dizeres placa EMP01... 100 euros. Ao apreenderem o dito papel engordurado no lixo, seria normal que os agentes procurassem saber se existiam documentos da contabilidade, designadamente faturas de compra dos equipamentos. Por incrível que pareça a quem investiga, nada perguntaram. Conclusão “lógica” da equipa de investigação foi terem perguntado ao arguido FF se tinha placas e, como ele disse que não tinha, então já tinha tido, ou seja, que ele já tinha escoado. Verdade de La Palisse. XV. Sem prescindir, decidindo-se pela aplicação de uma pena ao arguido, deveria sempre considerar-se que ponderadas a ilicitude global do facto e as exigências de prevenção requeridas, é de crer que uma pena coincidente com o mínimo legal da moldura pena abstracta aplicável, realizará, de forma suficiente, as finalidades da punição, considerando-se adequada ao caso concreto e à medida da culpa do arguido. XVI. O Tribunal na análise critica e na apreciação que fez da prova produzida, tal como lhe permite o art º 127 do C.P.P, ponderou somente o que entendeu que deveria ponderar para condenar o Arguido EE, tendo o feito com base não em provas concretas, mas em indícios, o que é claramente violador do principio de Legalidade e do principio in dubio pro reo. XVII. Em suma, dúvidas não restam de que o arguido não praticou o crime de que foi condenado. XVIII. A prova produzida não é suficiente para sustentar uma condenação. ~ XIX. Deve o Recorrente ser absolvido do crime em que foi condenado, com as devidas consequências legais.
(…)”.
2.6. Igualmente inconformado com a referida decisão, o arguido FF recorreu da mesma, tendo concluído a respectiva motivação nos seguintes termos (transcrição):
“(…) I. O arguido FF foi condenado pela prática de um crime de receptação, na pena de quatrocentos e oitenta dias de multa, à taxa diária de sete euros pela prática, em coautoria material de (um) crime de recetação, p. e p. art.º 231.º, n.º 1, todos do Código Penal. II. O arguido FF tinha uma relação de amizade e de trabalho com arguido EE, cuja função era criar plataformas online para publicitação e vendas de bens, os quais eram adquiridos no âmbito de Insolvências – facto que foi atestado pela testemunha Cabo Sá e pela testemunha CCC. III. As testemunhas arroladas, DDD e EEE, confirmaram que os funcionários do Sr. EE, não tinham conhecimento dos valores a que eram adquiridos os bens, nem intervinham nos valores fixados para venda; IV. Não foi produzida prova que relacionasse o arguido com o furto dos bens ou que tenha tido intervenção na aquisição, fixação do eventual valor de aquisição das placas e muito menos que tenha obtido qualquer vantagem patrimonial e que soubesse que essa vantagem patrimonial, advinha à custa do sacrifício patrimonial de terceiro, designadamente, por proveniência ilícita. V. O arguido EE vendia artigos provenientes de insolvências, pelo que sendo o Recorrente desconhecedor dos valores pagos pelo a aquisição e posterior venda dos bens e, admitindo que os artigos adquiridos no âmbito de insolvências, são-no a baixos preços, o Recorrente não teria sequer como suspeitar de algum ato ilícito praticado; VI. O Recorrente foi condenado sem provas suficientes para o efeito, decorrendo apenas da sua relação laboral e o facto de estar integrado no grupo de whatsaap onde trocaram sms diversas. VII. A acusação não logrou obter prova que sustentasse a aquisição das placas, por todos os arguidos e que todos em igualdade, ficcionaram os preços de aquisição, que todos pagaram esse preço e que todos fixaram o valor de venda e assim,
todos obtiveram uma vantagem patrimonial ilícita. VIII. Inexiste qualquer elemento probatório que permitisse ao meritíssimo juiz a quo, concluir que o arguido FF atuou dolosamente e que obteve qualquer vantagem patrimonial, preenchendo os elementos do tipo do crime de receptação p.e.p. art. 231º 1CP. IX. A douta sentença recorrida, incorre assim em: Erro notório na apreciação da prova., artigo 410 n.º 2, al. c) CPP; Insuficiência para a decisão da matéria provada, artigo 410 n.º 2, al. a) CPP; Violação do princípio “IN DUBIO PRO RÉU”; Incorrecta avaliação da medida da pena. X. O “erro notório na apreciação da prova”, a que se reporta a alínea c) do nº 2 artigo 410º, verifica-se quando um homem médio, perante o teor da decisão recorrida, por si só ou conjugada com o senso comum, facilmente percebe que o tribunal violou as regras da experiência ou de que efectuou uma apreciação manifestamente incorrecta, desadequada, baseada em juízos ilógicos, arbitrários ou mesmo contraditórios, como sucede no caso em apreço. XI. O meritíssimo juiz a quo, se tivesse feito um juízo correcto, o Tribunal teria obrigatoriamente de ter dado como não provados os pontos 9, 10, 11, 12, 13, 14, 15, 16, 17, 18, 19, 20, 21 e 22 da douta sentença, ao contrário do que decidiu e absolvido o arguido do crime de receptação. XII. A douta sentença violou assim o principio in dúbio pro reu, bem assim, o princípio da livre apreciação da prova, nos termos do disposto no art. 127º, segundo a qual se deve realizar de acordo com critérios lógicos e objectivos, o que não sucedeu in casu. XIII. A douta sentença prolatada mais não é do que um acervo de suposições, conjeturas e presunções a que o meritíssimo juiz a quo se socorreu para fundamentar a sua convicção da culpabilidade dos arguidos. XIV. As presunções consideradas em sede de sentença relativamente á participação do Recorrente do crime que lhe foi imputado, mostram-se inadmissíveis, porquanto as mesmas não traduzem um percurso racional lógico, que permitisse inferir, para além da dúvida razoável, da culpabilidade do arguido. XV. Impor-se-ia decisão diversa à prolatada, absolvendo-se o arguido do crime de receptação e, em consequência, ser absolvido do pedido de indemnização civil em que foi condenado. XVI. Ao que acresce que a Assistente não logrou fazer prova da titularidade de todas as placas de que se arroga lesada, sendo os documentos por si juntos, incapazes de provar tal factualidade. XVII. Caso assim não entenda, sempre se pugnará pela justa e adequada pena a aplicar, devendo a mesma ser revista em respeito ao disposto nos arts. 70º e 71º CP. XVIII. A sentença recorrida violou ou fez errada interpretação dos artigos 231.º, nº 1 CPP, arts. 40.º, nºs 1 e 2, 70º, 71º, nºs 1 e 2, arts. 127º e 410 n.º 2, als. a) e c) do Código de Processo Penal e artigos, 32º, nºs 1 e 5, da CRP.
(…)”.
2.7. Igualmente inconformado com a referida decisão, o arguido GG recorreu da mesma, tendo concluído a respectiva motivação nos seguintes termos (transcrição):
“(…) I. A decisão condenatória contra o Recorrente GG foi baseada em presunções e falhas probatórias. Não foi demonstrado dolo suficiente para configurar o crime de receptação, uma vez que não há provas robustas de que ele efetivamente comercializou qualquer placa de marca EMP01... ou que tinha conhecimento da origem ilícita do referido bem. Além disso, a Sentença baseou-se em indícios frágeis, ignorando a relação meramente comercial entre GG e outros arguidos. II. A Sentença que condenou o Recorrente GG não conseguiu demonstrar de forma clara e objetiva que ele tenha vendido qualquer bem de marca EMP01... ou que soubesse da origem criminosa dos bens que alegadamente vendeu. III. A relação entre o Recorrente GG e o Arguido EE era puramente comercial, não configurando uma coautoria ou participação em qualquer esquema ilícito. IV. Durante o julgamento, as testemunhas confirmaram que o Recorrente GG não tinha acesso direto aos bens no armazém do Arguido EE. V. Para além disso, as mesmas testemunhas confirmam que o Recorrente GG não participou no transporte, no furto, nem na posse, limitando-se à venda publicitária de produtos, que não eram de marca EMP01.... Não há qualquer prova direta que o relacione ao crime de receptação. VI. A condenação do Recorrente GG foi baseada em erros na apreciação da prova, especialmente no depoimento inconsistente da testemunha BBB, que contradisse as suas próprias declarações com os anúncios que o próprio publicou. Não há prova documental que comprove que o Recorrente GG publicitou a venda da placa EMP01..., sendo a única prova existente um anúncio colocado pelo próprio BBB. VII. O crime de receptação exige a prova inequívoca de que o arguido tinha conhecimento da origem ilícita dos bens. A mera comercialização não é suficiente para configurar o crime. VIII. A jurisprudência nacional e internacional reforça a necessidade de prova clara do dolo, o que não foi atendido no caso do Recorrente GG; IX. A relação existente entre o Recorrente e os demais arguidos, por si só, não configura qualquer envolvimento em um esquema criminoso de escoamento de bens furtados. A mera prestação de serviços publicitários por comissão não pode ser considerada coautoria ou participação em crime. X. Não há prova de que Recorrente GG mantivesse uma relação societária ou pessoal com EE ou outros arguidos que fosse além da prestação de serviços. Nenhuma testemunha confirmou tal ligação, enfraquecendo a tese da condenação. XI. A distância temporal de aproximadamente 8 meses entre o furto e a alegada venda do bem pelo Recorrente GG torna impossível sustentar a tese de escoamento rápido de bens furtados, conforme a fundamentação da condenação. XII. Ficou provado em julgamento que o Recorrente GG não participava nos grupos de WhatsApp onde se discutiam os bens furtados, contrariando a tese acusatória de que ele sabia da origem ilícita dos produtos. XIII. A condenação do Recorrente GG baseou-se em presunções e não em provas concretas. Não há qualquer prova objetiva de que ele publicitou ou esteve na posse dos bens furtados. XIV. A jurisprudência nacional é clara ao afirmar que presunções não podem ser a base exclusiva de uma condenação penal. No caso do Recorrente GG, não houve prova robusta que demonstrasse o dolo necessário para a condenação. XV. As contradições nas provas testemunhais, especialmente no que diz respeito ao depoimento de BBB, que foi intercetado a vender a placa EMP01..., são claras. Mesmo assim, o tribunal não deu o devido valor a essas inconsistências, violando o princípio in dubio pro reo. XVI. Para além do anúncio visionado pela testemunha BBB, ao Recorrente GG foi imputado um outro anúncio, mas de venda de uma placa de 3 bocas de marca .... XVII. O Recorrente GG, não esteve presente em nenhuma das entregas das placas, pelo que qualquer negócio alegadamente celebrado no armazém, foi sem o conhecimento e/ou participação do Recorrente. XVIII. O tribunal a quo não demonstrou que o Recorrente GG tenha obtido qualquer vantagem patrimonial com a venda dos bens. Não há prova de que ele recebeu qualquer pagamento. XIX. A responsabilidade penal exige a demonstração inequívoca da intenção de obter uma vantagem patrimonial ilícita, o que não foi provado neste caso. A Sentença falhou em demonstrar essa intenção por parte do Recorrente GG. XX. A Assistente não comprovou a titularidade dos bens alegadamente furtados. A ausência de prova documental adequada retira a legitimidade da Assistente para formular o pedido civil de indemnização. XXI. A jurisprudência nacional é clara ao exigir a prova inequívoca da titularidade dos bens como condição para que o pedido civil seja considerado procedente. A falta dessa prova deveria ter resultado na improcedência do pedido de indemnização. XXII. A responsabilidade solidária imposta ao Recorrente GG carece de fundamento legal, uma vez que não foi provada a sua participação direta no furto ou qualquer concertação de vontades com os demais arguidos. XXIII. A jurisprudência exige prova clara de participação conjunta e consciente para a aplicação da responsabilidade solidária, o que não ocorreu neste caso. XXIV. A sentença condenatória não foi devidamente fundamentada, uma vez que não houve provas objetivas suficientes para sustentar a condenação do Recorrente GG. O tribunal limitou-se a repetir argumentos da acusação sem analisar de forma crítica as provas apresentadas. XXV. O direito de defesa do Recorrente GG foi violado, pois o tribunal não considerou devidamente as contradições nas provas e não aplicou o princípio in dubio pro reo, prejudicando o direito a um processo justo e equitativo. XXVI. Mesmo que se admitisse a responsabilidade do Recorrente GG, a aplicação de uma pena semelhante à dos outros arguidos é desproporcional, considerando que ele é primário e não há provas conclusivas contra ele.
(…)”.
2.8. Igualmente inconformado com a referida decisão, o arguido HH recorreu da mesma, tendo concluído a respectiva motivação nos seguintes termos (transcrição):
“(…) I. Inexistência de prova directa do dolo: O crime de receptação, previsto no artigo 231.º do Código Penal, exige que o agente tenha conhecimento da origem ilícita dos bens ou, no mínimo, uma fundada suspeita sobre essa origem. No caso do Recorrente HH, não foi produzida prova suficiente que demonstre de forma inequívoca o dolo necessário à condenação. A Sentença baseou-se, essencialmente, em presunções e indícios frágeis, como o único anúncio de venda de uma placa de vitrocerâmica, sem que se tenha demonstrado que o recorrente sabia da sua proveniência criminosa. II. Ambiguidade das mensagens trocadas entre os arguidos: O tribunal de primeira instância fez uma interpretação inadequada e descontextualizada das mensagens trocadas entre o Recorrente HH e outros arguidos, nomeadamente, o arguido EE. Estas comunicações, por si só, não constituem prova suficiente para inferir o conhecimento da proveniência ilícita dos bens. A responsabilização por receptação não pode basear-se exclusivamente em comunicações ambíguas sem uma prova objectiva do dolo. III. Falta de conexão com o crime antecedente: O Recorrente HH não tem qualquer ligação directa ou indirecta com o furto que originou as placas de vitrocerâmica. A Sentença falhou em estabelecer um vínculo concreto entre o Recorrente e os responsáveis pelo furto. De acordo com a jurisprudência, como no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 16 de Outubro de 2013 (Proc. n.º 118/08.1GBBRG.C1), a existência de uma suspeita razoável sobre a proveniência ilícita dos bens é essencial para a configuração do crime de receptação, o que não foi demonstrado no presente caso. IV. Aplicação do princípio "in dubio pro reo": Em face da falta de provas directas e das contradições existentes nos autos, o princípio "in dubio pro reo", consagrado no artigo 32.º da Constituição da República Portuguesa, deveria ter sido aplicado em benefício do Recorrente HH. O Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 7 de Maio de 2015 (Proc. n.º 55/13.4PBRGR.S1) estabelece que, na ausência de prova clara e inequívoca, o tribunal deve decidir a favor do arguido. V. Falta de prova da titularidade dos bens pela Assistente: A condenação do Recorrente HH à responsabilidade solidária no pagamento de uma indemnização civil à Assistente carece de base legal, uma vez que esta não conseguiu provar de forma cabal que os bens furtados lhe pertenciam. Nos termos do direito civil, o pedido de indemnização deve ser sustentado pela prova inequívoca da titularidade dos bens, conforme reiterado no Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 11 de julho de 2017 (Proc. n.º 2427/16.2T9GMR.G1). A ausência dessa prova enfraquece a própria base da condenação. VI. Violação do dever de fundamentação das decisões judiciais: O dever de fundamentação das decisões judiciais, consagrado no artigo 205.º da Constituição da República Portuguesa, foi violado no presente caso, uma vez que a sentença condenatória não explicou de forma clara e coerente como se chegou à conclusão de que o Recorrente HH tinha conhecimento da origem ilícita dos bens. O Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10 de Outubro de 2013 (Proc. n.º 279/12.1GCSTR.S1) sublinha a necessidade de fundamentação robusta e objectiva para sustentar qualquer condenação. VII. Discrepâncias na análise da prova: Comparando o tratamento das provas em relação ao Recorrente HH, verifica-se uma abordagem incoerente na apreciação da prova, violando o princípio da igualdade de tratamento processual. As contradições na análise das provas testemunhais e documentais reforçam a necessidade de absolvição do Recorrente HH ou, subsidiariamente, a revisão da pena aplicada.
(…)”. 2.9. Igualmente inconformado com a referida decisão, o arguido II recorreu da mesma, tendo concluído a respectiva motivação nos seguintes termos (transcrição):
“(…) I- O presente recurso tem como objeto a matéria de direito da sentença proferida nos presentes autos que condenou o recorrente pela prática de um crime de receptação, p. e p. pelo art. 231.º n.º 1, do CP. II- O arguido vinha acusado da prática de um crime de receptação, porquanto, alegadamente, no dia “… 18 de maio de 2018, através de pessoa cuja identidade não foi possível apurar, mas com ligações aos arguidos AA e BB, o arguido II comprou uma quantidade indeterminada de electrodoméstico da marca ..., ocorrido entre o dia ../../2018 e a manhã do dia 18/05/2018, nomeadamente placas de vitrocerâmica de 3 focos, marca EMP01..., referência ...06 e aquecedores da marca EMP01... com referência NS...2.” (itálico nosso). III- Em julgamento foi dado como provado que o arguido havia praticado o referido crime, tendo o Tribunal a quo baseado a sua decisão na prova testemunhal produzida e na prova documental junta aos autos a fls. 401. IV- No entanto, e salvo melhor opinião, não poderia o Tribunal a quo condenar o arguido. V- Importante frisar, em primeiro lugar, que qualquer condenação pressupõe a autoria do crime pelo arguido. VI – E, nessa medida, deve-se atentar aos elementos que compõem o tipo legal de crime aqui em casa e determinar que os mesmos se encontram preenchidos. VII – Ora, para esse efeito, atentemos nos factos dados como provados respeitante ao aqui arguido:
“… 17.- Após esse furto ocorrido entre o dia ../../2018 e o dia 21-08-2018, através pessoa cuja identidade não foi possível apurar, mas com ligações aos arguidos AA e BB, o arguido II comprou, pelo menos, duas placas de vitrocerâmica de 3 focos, marca EMP01..., referência ...06. 18.- Cerca das ..., do dia 24 de maio de 2018, o arguido II anunciou no site da internet denominado ..., a venda das placas de vitrocerâmica de 3 focos, da marca ..., com referência ...06, novas em caixa, pelo valor de 90,00€ (noventa) euros, conforme documento junto a fls. 38 a 40, cujos dizeres se dão aqui por integralmente reproduzidos. … 20.- Os arguidos HH, II, GG, FF e EE, quando adquiriram os referidos eletrodomésticos a uma pessoa que não conheciam, que se lhe apresentou a negociar os objetos, abordando-os para tal, pelos valores supra referidos, sabendo o valor dos mesmos em novo e apresentando-se os objetos em estado novo e selados, alguns, viram que o estava a adquirir por um preço muito inferior àquele que os mesmos valiam, e que obtinha desse modo uma vantagem patrimonial, agindo com esse propósito e intenção. 21.- Sabiam os arguidos que os referidos objetos só lhe podiam ser vendidos nas referidas condições se proviessem de uma situação ilícita.” (itálico nosso). VIII- Efetivamente o arguido publicitou a venda de placas no site ..., mas nas buscas efetuadas ao seu domicílio foi-lhe apreendido, apenas, o seu telemóvel. IX- Note-se que nas buscas efetuadas não foram encontradas quaisquer placas vitrocerâmicas!! X – Questionámo-nos, assim, como é que o Tribunal a quo condenou o arguido baseado, apenas e só, num anúncio num site de compras? XI- Aliás, em bom rigor, o arguido até podia estar a anunciar a venda, mas sem ter qualquer acesso, desconhecendo, inclusivamente, se as mesmas existiam. XII- Efetivamente o anúncio das mesmas não prova que o arguido tinha as placas e que sabia que as mesmas tinham uma proveniência ilícita. XIII- O bem jurídico tutelado pelo tipo legal de crime previsto e punido pelo artigo 231.º do CP não é o património daquele que o viu agredido ao ter-lhe sido retirado o domínio da coisa, mas sim os direitos de natureza patrimonial dessa mesma pessoa e que podia exercer quanto à recuperação da coisa, sendo que a passagem da mesma para mãos de terceiro torna mais difícil essa recuperação. XIV- Deste modo, o crime de receptação comporta duas formas: (i) uma mais gravemente punida, em que o agente, conhecedor da origem criminalmente ilícita da coisa, intenta obter, com a sua conduta, uma vantagem patrimonial, para si ou para terceiro; (ii) outra, cuja punição é menos gravosa, em que o agente atua, sem a necessária cautela, adquirindo ou recebendo a coisa, prevendo ou podendo prever que a sua origem seja criminalmente ilícita; XV- Esão elementos objetivos do crime em causa a prática de qualquer uma das modalidades de conduta previstas relativamente a uma coisa que foi obtida por outra pessoa mediante um facto ilícito e típico contra o património. XVI- E o elemento subjetivo exige no caso do n.º1 o dolo genérico, em qualquer das suas modalidades supra referidas, e bem assim um elemento subjetivo especial da ilicitude que acresce ao dolo a “intenção de o agente obter, para si ou para outra pessoa, vantagem patrimonial” (em detrimento do dolo específico). XVII- Nesse sentido veja-se o Ac. do TRG de 28/01/2019 onde se pode ler que: “ Donde resulta que, conforme a letra da lei, para a verificação do crime de receptação não basta o conhecimento por parte do agente, de que a coisa tem origem ilícita ou mesmo criminosa, sendo necessário que o agente tenha conhecimento que a coisa provém de um facto ilícito típico contra o património: o dolo do tipo – o conhecimento e vontade de praticar o facto, com consciência da sua censurabilidade e com a intenção de obter vantagem patrimonial – pressupõe o conhecimento efectivo pelo agente, a dita “ciência certa”, de que a coisa (adquirida, detida, etc.) tem essa específica proveniência ilícita. Dito de outro modo, o receptador tem de actuar com a intenção de obter vantagem na perpetuação de uma situação anti-jurídica patrimonial(2)….” (itálico nosso). XVIII- Do que decorre da sentença proferida resulta claro que a matéria de facto provada é insuficiente para a verificação do crime em referência, que exige que o dolo abranja especificamente a efetiva ciência por parte do agente de que a coisa provém de um facto ilícito típico contra o património. XIX- Acresce, ainda, que do Ac. do TRG atrás referido se retira “… que mesmo a actuação do agente com a simples representação da possibilidade dessa proveniência, conformando-se com ela, seja insuficiente para o preenchimento do tipo subjectivo definido no nº 1 do preceito, …” (itálico nosso). XX- Porquanto, dúvidas não existem que os elementos que constituem o tipo legal de crime dos presentes autos não se encontram preenchidos. XXI- E, deste modo, o Tribunal a quo não podia ter condenado o arguido. XXII- Por outro lado, o Tribunal a quo não teve em conta o princípio “in dúbio pro reo”, uma vez que dos factos dados como provados respeitantes ao aqui arguido não se vislumbra um único que demonstre o preenchimento dos elementos do crime, no qual o arguido foi condenado. XXIII- Ademais, a CRP, no seu art. 32.º, consagra o princípio da Presunção de Inocência, segundo o qual, ninguém pode ser punido ou sujeito a uma pena ou sanção acessória sem que a sua culpabilidade fique demonstrada inequivocamentee sem margem para dúvidas o que, com a merecida vénia, não se verificou em relação ao arguido. XXIV- Pelo exposto, o Tribunal a quo violou o disposto no art. 32.º n.º 2 da CRP.
(…)”.
3. Respostas aos recursos
Após a admissão dos referidos recursos, o MINISTÉRIO PÚBLICO junto do tribunal a quo respondeu a todos, sem formular as pertinentes conclusões e pugnado pela improcedência dos recursos, excepto na parte relativa à aplicação do perdão de pena de prisão aos arguidosAA e BB, em conformidade com o previsto no art. 3.º, n.º 1, da Lei n.º 38-A/2023.
4. Tramitação subsequente
Recebidos os autos nesta Relação, o processo foi com vista à Digníssima Procuradora-Geral Adjunto, o qual emitiu parecer e pugnando a final pela improcedência dos recursos interposto pelos arguidos, com a ressalva da aludida aplicação do perdão de pena de prisão.
Este parecer foi notificado para efeito de eventual contraditório e os recorrentes CC, EE, GG, HH e II responderam reiterando integralmente as suas pretensões recursórias.
Efectuado o exame preliminar, foi determinada a realização da audiência requerida pelo recorrente DD.
Na audiência, o recorrente DD reiterou as suas pretensões recursórias e a Exma. Senhora Procuradora-Geral Adjunta pugnou pela manutenção integral da decisão recorrida relativamente a este arguido.
Cumpre apreciar e decidir.
*
II – FUNDAMENTAÇÃO
A) Objecto do recurso
Em conformidade com o disposto no art.º 412.º do Código de Processo Penal e com a jurisprudência fixada pelo Acórdão do Plenário da Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça n.º 7/95, de 19 de Outubro de 1995, o objecto do recurso define-se pelas conclusões que a recorrente extraiu da respectiva motivação, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso.
Assim sendo, importa apreciar as seguintes questões (sendo que a respectiva ordem de conhecimento será determinada pela relação de precedência lógica e prejudicialidade):
Conhecimento oficioso
· A contradição insanável da fundamentação
Recurso do arguido AA
· Erro notório na apreciação da prova
· Impugnação ampla do julgamento da matéria de facto
o Violação do princípio in dubio pro reo
·Medida concreta da pena de prisão
· Pena de substituição (suspensão da execução da pena)
· Aplicação do perdão previsto na Lei n.º 38-A/2023 Recurso do arguido BB
· Impugnação ampla do julgamento da matéria de facto
· Medida concreta da pena de prisão
· Aplicação do perdão previsto na Lei n.º 38-A/2023 Recurso do arguido CC
· Erro notório na apreciação da prova
· Impugnação ampla do julgamento da matéria de facto
o Violação do princípio in dubio pro reo
· Medida concreta da pena de prisão
Recurso do arguido DD
· Pena de substituição (suspensão da execução da pena)
Recurso do arguido EE
· Impugnação ampla do julgamento da matéria de facto
o Violação do princípio in dubio pro reo
· Medida concreta da pena
· Responsabilidade civil solidária
Recurso do arguido FF
· Erro notório na apreciação da prova
· Impugnação ampla do julgamento da matéria de facto
o Violação do princípio in dubio pro reo
· Medida concreta da pena
Recurso do arguido GG
· Impugnação ampla do julgamento da matéria de facto
o Violação do princípio in dubio pro reo
· Medida concreta da pena
Recurso do arguido HH
· Nulidade da sentença (falta de fundamentação)
· Impugnação ampla do julgamento da matéria de facto
o Violação do princípio in dubio pro reo
· Medida concreta da pena
Recurso do arguido II
· Violação do princípio in dubio pro reo
· Errado enquadramento jurídico dos factos provados B) Apreciação dos recursos
1. Fundamentação de facto da decisão recorrida
A decisão recorrida apresenta, na parte que interessa, o seguinte teor no plano da fundamentação de facto (transcrição):
(…)
2. – Fundamentação.
2.1. - Factos provados com relevância para a decisão da causa:
1.- Em circunstâncias de tempo não concretamente apuradas, mas que se situam entre os dias ../../2018 e 21-08-2018, os arguidos AA, BB, DD e CC, em conjugação de esforços e em execução concertada de plano estabelecido entre todos, dirigiram-se às instalações da empresa EMP01..., sita na Rua ..., ..., pretendendo aí entrar e retirar eletrodomésticos e outros bem aí existentes na posse da ofendida, a que pudessem lançar mão, para deles fazerem coisa sua, contra a legítima vontade da sua legítima possuidora.
2.- Com tal propósito e utilizando para o efeito objetos não concretamente apurados, mas aptos para tal efeito, arrombaram o cadeado do portão traseiro, conseguindo-se introduzir-se no seu interior.
3.- Depois de percorrerem as instalações da sociedade ofendida/demandante, os arguidos, retiraram e levaram consigo os seguintes objetos: - 168 placas de vitrocerâmica de 3 bocas com a referência ...06, no valor unitário de venda ao público de 159,78 euros, conforme documento junto a fls. 1736, cujos dizeres se dão aqui por integralmente reproduzidos,
4.- … - 24 baterias (48V) 500ha que equipavam o empilhador ..., no valor de 3.509,35€ (três mil e quinhentos e nove euros e trinta e cinco cêntimos); - 12 baterias (24V) 480ha que equipavam o empilhador ..., no valor de 1.921,31€ (mil e novecentos e vinte e um euros e trinta e um cêntimo), conforme documentos juntos a fls. 98 e 99, cujos dizeres se dão aqui por integralmente reproduzidos.
5.- Todos esses objetos foram deslocados do local pelos arguidos com recurso ao veículo automóvel, da veículo ..., modelo ..., comercial de caixa aberta, com cabine dupla de coro branca, com a matrícula ..-..-QT.
6.- Após, os arguidos abandonaram o local na posse dos referidos bens, com a intenção de se apoderarem dos mesmos e sem autorização do respetivo dono.
7.- As referidas baterias foram depois vendidas pelos arguidos à EMP03... (EMP04... Lda.), pelo valor de 793,58 €.
8.- No dia 4 de fevereiro de 2019 o arguido AA detinha no interior da sua residência, em estado novo, a placa de vitrocerâmica de 3 focos, da marca EMP01..., referência ...06.
9.- Em dia não concretamente apurado, mas após esse furto, através pessoa cuja identidade não foi possível apurar, mas com ligações aos arguidos AA e BB, o arguido EE comprou 100 placas de vitrocerâmica, novas em caixas, de 3 focos, da marca EMP01..., referência ...06, pelo valor de 5.000,00€, valorizando, assim, cada unidade no montante de 50,00€.
10.- Após armazenar essa 100 placas, algumas das quais, no interior do armazém situado no Centro Empresarial, em ..., os arguidos EE, GG, FF e HH diligenciaram pela difusão nas redes sociais da venda das referidas placas vitrocerâmicas, marca EMP01..., em estado novo, embaladas e pelo preço superior ao valor pago por elas pelo arguido EE.
11.- Assim, na execução desse plano, no dia 23-05- 2018, o arguido FFF anunciou através de foto e texto, nos grupos “compra- coisas” e “coisas para vender” da rede social Facebook, a venda de várias placas novas e embaladas pelo valor de 125,00€ (cento e vinte e cinco euros), conforme documento junto a fls. 41 a 43, cujos dizeres se dão aqui por integralmente reproduzidos.
12.- Nesta publicação do arguido FFF, este utilizou nessa sua publicação a mesma fotografia que o arguido EE enviou para o arguido BB no dia anterior, isto é, no dia 22-05-2018, referindo o EE no respetivo envio “Ora ai esta a fantástica” Esta vão ficar aqui”, “Só falta 99”, conforme documentos juntos a fls. 676, cujos elementos descritivos e dizeres se dão aqui por integralmente reproduzidos.
13.- O arguido GG, em data não concretamente apurada, mas anterior a ../../2019, anunciou no sítio da internet ..., a venda de placas EMP01..., pelo valor de 100,00€ (cem euros), indicando como contacto o seu número pessoal ...03.
14.- Na sequência deste anúncio do GG, o BBB visualizou o anúncio de venda dessa placa e ligou para o número de telemóvel que pertence ao arguido GG, informando-o que tinha interesse na aquisição, tendo-lhe sido transmitido por este arguido que se deveria dirigir ao armazém do arguido EE, situado no Centro Empresarial ..., para lhe ser entregue a referida placa, mediante a entrega do valor anunciado.
15.- Já no local combinado supra indicado, perante o BBB compareceu o arguido FF que acompanhou BBB ao interior do armazém e aí lhe entregou a placa da marca EMP01..., devidamente selada, contra a entrega de 100,00 € (cem) euros em numerário.
16.- Nessa altura, o arguido FF ainda informou BBB que tinha mais unidades dessas placas para venda.
17.- Após esse furto ocorrido entre o dia ../../2018 e o dia 21-08-2018, através pessoa cuja identidade não foi possível apurar, mas com ligações aos arguidos AA e BB, o arguido II comprou, pelo menos, duas placas de vitrocerâmica de 3 focos, marca EMP01..., referência ...06.
18.- Cerca das ..., do dia 24 de maio de 2018, o arguido II anunciou no site da internet denominado ..., a venda das placas de vitrocerâmica de 3 focos, da marca ..., com referência ...06, novas em caixa, pelo valor de 90,00€ (noventa) euros, conforme documento junto a fls. 38 a 40, cujos dizeres se dão aqui por integralmente reproduzidos.
19.- Os arguidos AA, DD, BB e CC, em conjugação de esforços e intentos, agiram da forma descrita, com a intenção de se apoderar dos referidos objetos, integrando-os no seu património, bem sabendo que os mesmos não lhes pertenciam e que agiam contra a vontade e sem autorização da sua legítima dona, que se viu lesada no seu património, no valor de 26.843,04 euros, correspondente ao valor das placas de vitrocerâmica de 3 focos, da marca ..., com referência ...06, e no valor de 5.430,66 euros, correspondente ao valor das baterias que retirar dos dois empilhadores.
20.- Os arguidos HH, II, GG, FF e EE, quando adquiriram os referidos eletrodomésticos a uma pessoa que não conheciam, que se lhe apresentou a negociar os objetos, abordando-os para tal, pelos valores supra referidos, sabendo o valor dos mesmos em novo e apresentando-se os objetos em estado novo e selados, alguns, viram que o estava a adquirir por um preço muito inferior àquele que os mesmos valiam, e que obtinha desse modo uma vantagem patrimonial, agindo com esse propósito e intenção.
21.- Sabiam os arguidos que os referidos objetos só lhe podiam ser vendidos nas referidas condições se proviessem de uma situação ilícita.
22.- Os arguidos atuaram livre, consciente e voluntariamente, e sabiam que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.
23.- Aquando da ocorrência do furto, cada placa de vitrocerâmica de 3 focos, da marca EMP01..., referência ...06, tinha um valor comercial de 159,78 euros, conforme documento junto a fls. 1736, cujos dizeres se dão aqui por integralmente reproduzidos.
24.- Essas placas de vitrocerâmica de 3 focos, da marca EMP01..., referência ...06, estavam embaladas para serem fornecidas aos clientes demandante, pelo valor total de 26.843,04 euros.
25.- Na substituição das baterias furtadas pelos arguidos AA, DD, BB e CC, a demandante despendeu do valor total de € 5.430,66 (cinco mil quatrocentos e trinta euros e sessenta e seis cêntimos), referente à reposição de 24 baterias (48V) 500ha que equipavam o empilhador ..., no valor de € 3.509,35 e 12 baterias 24(v) 480ha que equipavam o empilhador ..., no valor de € 1.921,31.
26.- O arguido II já sofreu a seguinte condenação: - pela prática de um crime de recetação, p. e p. pelo artigo 231.º, do C.P., na pena de 210 dias de multa, à taxa diária de 5,50 euros, transitada em julgado no passado dia 22-05-2023.
27.- O arguido HH já sofreu as seguintes condenações: - pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelo artigo 292.º, n.º 1, do C.P., na pena de 90 dias de multa, à taxa diária de 6 euros e na sanção acessória de proibição de condução de veículos motorizados pelo período de 3 meses, transitada em julgado no dia 16-09-2009; - pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelo artigo 292.º, n.º 1, do C.P., na pena de 100 dias de multa, à taxa diária de 6 euros e na sanção acessória de proibição de condução de veículos motorizados pelo período de 5 meses, transitada em julgado no dia 18-06-2018.
28.- O arguido DD já sofreu as seguintes condenações: - pela prática de um crime de furto qualificado, p. e p. pelo artigo 203.º, n.º 1 e 204.º, n.º 2 al. e), do C.P., na pena de 2 anos de prisão, suspensa na sua execução, transitada em julgado no passado dia 16-04-2018; - pela prática de um crime de burla simples, p. e p. pelo artigo 217.º, do C.P., na pena de 80 dias de multa, à taxa diária de 5 euros, transitada em julgado no passado dia 26-04-2022.
29.- O arguido AA já sofreu as seguintes condenações: - pela prática de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo artigo 86.º, da Lei 5/2006, de 23-02, na pena de 200 dias de multa, à taxa diária de 5 euros, transitada em julgado no passado dia 09-05-2011; - pela prática de um crime de furto qualificado, na forma tentada, p. e p. pelo artigo 203.º, n.º 1 e 204.º, n.º 2 al. f), do C.P., na pena de 180 dias de multa, à taxa diária de 5 euros, transitada em julgado no passado dia 13-07-2017; - pela prática de um crime de furto qualificado, p. e p. pelo artigo 203.º, n.º 1 e 204.º, n.º 2 al. f), do C.P., na pena de 10 meses de prisão, suspensa na sua execução por um ano, transitada em julgado no passado dia 22-10-2018; - pela prática de um crime de furto qualificado, p. e p. pelo artigo 203.º, n.º 1 e 204.º do C.P., na pena de 2 anos e 4 meses de prisão, suspensa pelo mesmo período, transitada em julgado no passado dia 06-02-2020; - pela prática de um crime de furto qualificado, na forma tentada, p. e p. pelo artigo 203.º, n.º 1 e 204.º, n.º 2 al. e), do C.P., na pena de 13 meses de prisão, substituída por 390 horas de trabalho a favor da comunidade, transitada em julgado no passado dia 20-05-2019; - pela prática de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo artigo 97.º, da Lei 5/2006, de 23-02, na pena de 14 meses de prisão, suspensa na sua execução, transitada em julgado no passado dia 02-07-2020; - pela prática de um crime de furto qualificado, p. e p. pelo artigo 203.º, n.º 1 e 204.º, n.º 2 al. e), do C.P., na pena de 3 anos e 6 meses de prisão, transitada em julgado no passado dia 11-09-2023; - pela prática de um crime de ofensa à integridade física qualificada, na forma tentada, p. e p. pelo artigo 143.º, 145.º, n.º 1, al. a) e 132.º, al. h), do C.P., na pena de 1 ano e 3 meses de prisão, suspensa na sua execução por um ano e três meses, transitada em julgado no passado dia 12-01-2018;
30.- O arguido GG não tem antecedentes criminais.
31.- O arguido BB já sofreu as seguintes condenações: - pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo artigo 3.º, n.ºs 1 e 2, do Dec. Lei 2/98 de 03-01, na pena de 60 dias de multa, à taxa diária de 5 euros, transitada em julgado no passado dia 16-02-2022; - pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo artigo 3.º, n.ºs 1 e 2, do Dec. Lei 2/98 de 03-01, na pena de 50 dias de multa, à taxa diária de 5 euros, transitada em julgado no passado dia 11-03-2022, entretanto perdoada; - pela prática de um crime de roubo qualificado, p. e. p. pelo artigo 201.º, n.ºs 1 e 2, al. do C.P., na pena de 6 anos de prisão, transitada em julgado no passado dia 26-01-2024.
32.- O arguido FF já sofreu as seguintes condenação: - pela prática de um crime de coação, na forma tentada, p. e p. pelo artigo 154.º, do C.P., na pena de 180 dias de multa, à taxa diária de 7 euros, transitada em julgado no passado dia 11-12-2019.
33.- O arguido EE não tem antecedentes criminais.
34.- O arguido CC já sofreu as seguintes condenações: - pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo artigo 3.º, n.ºs 1 e 2, do Dec. Lei 2/98 de 03-01, na pena de 120 dias de multa, à taxa diária de 5 euros, transitada em julgado no passado dia 28-09-2004. - pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo artigo 3.º, n.ºs 1 e 2, do Dec. Lei 2/98 de 03-01, na pena de 100 dias de multa, à taxa diária de 3 euros, transitada em julgado no passado dia 09-01-2007. - pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo artigo 3.º, n.ºs 1 e 2, do Dec. Lei 2/98 de 03-01, na pena de 3 meses de prisão, suspensa na sua execução por um ano, transitada em julgado no passado dia 11-10-2010. - pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo artigo 3.º, n.ºs 1 e 2, do Dec. Lei 2/98 de 03-01, na pena de 6 meses de prisão, substituída por 180 dias de multa, à taxa diária de 5 euros, transitada em julgado no passado dia 09-06-2011. - pela prática de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo artigo 86.º, da Lei 5/2006, de 23-02, e pela prática de um crime de furto simples, p. e p. pelo artigo 203.º, n.º 1 do C.P., na pena de 300 dias de multa, à taxa diária de 5 euros, transitada em julgado no passado dia 10-12-2012. - pela prática de um crime de furto qualificado, p. e p. pelo artigo 203.º, n.º 1 e 204.º, n.º 2 al. e), do C.P., na pena de 2 anos e 4 meses de prisão, suspensa na sua execução, transitada em julgado no passado dia 03-11-2016; - pela prática de um crime de furto qualificado, p. e p. pelo artigo 203.º, n.º 1 e 204.º, n.º 2 al. e), do C.P., na pena de 3 anos e 3 meses de prisão, suspensa na sua execução, transitada em julgado no passado dia 18-11-2021;
35.- O arguido CC está desempregado, tem 5 filhos, dois deles maiores, recebe RSI no montante total de 1100,00 euros, paga 250,00 de renda de casa, a companheira não trabalha e tem o 3.º ano de escolaridade.
36.- O arguido FF recebe um rendimento mensal de cerca de 1000,00 euros, está divorciado, tem dois filhos maiores, paga 535,00 de renda de casa e tem o curso de desenhador de máquinas.
37.- O arguido HH não recebe qualquer rendimento, vive em cada da mãe e tenho o 6.º ano de escolaridade.
38.- O arguido GG recebe um salário médio mensal de 1300,00 euros, vive em ..., tem dois filhos menores de idade, paga 800,00 euros de renda e tem o 12.º ano de escolaridade.
39.- O arguido EE aufere um rendimento mensal de 1100,00 euros, tem dois filhos em guarda partilhada, paga um empréstimo hipotecário no montante mensal de 1000,00 euros e tem o 12 ano de escolaridade,
40.- O arguido DD está desempregado, recebe um subsidio mensal de 500,00 euros, tem 4 filhos menores de idade, vive em casa de um familiar e tem o 9.º ano de escolaridade.
41.- O arguido CC encontra-se em acompanhamento por esta equipa da DGRSP, desde novembro de 2021, no âmbito da suspensão de execução de pena aplicada nos processos 481/19.9GCBRG do Tribunal Judicial da Comarca de ..., onde foi condenado pela prática de um crime de furto qualificado. A medida está orientada para a vertente laboral, mudança de atitude face ao crime e condenação e desenvolvimento de competências pessoais e sociais. O arguido tem revelado adesão às reflexões propostas, demonstrando, contudo, pouca proatividade na melhoria da vertente laboral.
42.- O trajeto de vida de CC tem vindo a decorrer num contexto familiar desfavorecido, socialmente minoritário e com padrões educativos e de socialização específicos do grupo de pertença. Não frequentou a escola tendo adquirido competências básicas de literacia, não possuindo formação ou experiência profissional o que concorre para dificuldades de inserção no mercado de trabalho. O arguido dispõe de enquadramento sociofamiliar proporcionado pela companheira filhos e progenitores, um agregado que se mostra apoiante.
43. - O arguido CC não apresenta responsabilidades de carácter profissional estruturadas, subsistindo com recurso a apoios sociais. Sendo beneficiário de rendimento social de inserção e no âmbito deste processo, usufrui do acompanhamento de estruturas comunitárias de natureza social, fator que em paralelo com as suas rotinas centradas na gestão e apoio familiar e alguns trabalhos ocasionais, evidenciam alguma estruturação e orientação prossocial do seu quotidiano. De relevar a existência de antecedentes criminais, designadamente por crimes de natureza patrimonial, estando a ser acompanhado em pena suspensa com regime de prova, revelando adesão à intervenção. Em caso de condenação será importante manter objetivos de intervenção com vista integração laboral formal e estruturada do arguido, com vista à autonomização financeira e centrada também, no reforço das suas competências pessoais e sociais, designadamente responsabilidade e consciencialização de conceitos e valores juridicamente protegidos.
44.- O processo de socialização de AA decorreu em agregado familiar que registou grande mobilidade residencial, condicionante da escolarização do arguido em idade regulamentar. O arguido AA não detém qualificação escolar ou profissional e não desenvolveu qualquer atividade profissional estruturada até à data. O agregado constituído pelo arguido subsiste há vários anos com apoio social do Estado – Rendimento Social de Inserção e abonos dos filhos. Conta, ainda, com o apoio da sua família de origem. O arguido regista anteriores contactos com o sistema de justiça penal, revelando juízo crítico face ao cometimento de ilícitos criminais. AA esteve a ser acompanhado pelos serviços da DGRSP, mantendo sempre uma atitude adequada e de colaboração. O arguido apresenta fatores de risco relevantes, nomeadamente a ausência de rotinas laborais consistentes e regulares, antecedentes criminais e baixa escolarização/formação. Pelo exposto, consideramos que o processo de reinserção social de AA, estará dependente da devida interiorização da ilicitude dos atos praticados, de definir um projeto de vida que passe pelo investimento na vertente escolar/profissional que lhe permita desenvolver hábitos de trabalho e adquirir competências profissionais e sociais, como formas de prevenção de reincidência.
45.- No EP ..., o arguido AA tem mantido um comportamento adequado, de acordo com as normas institucionais, encontrando-se em fase de observação. Face à sua conduta criminal, o arguido verbaliza um discurso de reconhecimento da ilicitude da tipologia criminal, conseguindo identificar a dimensão física e emocional do dano causado nas vítimas, ainda que contextualize os seus comportamentos nas dificuldades económicas que detinha na altura e em défices de controlo de emoções em certas circunstâncias. Quando questionado sobre a tipologia dos factos em apreço aos presentes autos e ainda que numa perspetiva abstrata, o arguido revela capacidade de reconhecimento da norma violada. Em meio livre, mantém visitas dos elementos do agregado de origem e do agregado constituído, que se manifestam solidários e disponíveis para o apoiar no decorrer do percurso prisional e o acolher no seu regresso ao meio livre.
46.- À data dos factos que deram origem ao presente processo, o arguido DD partilhava agregado com a então companheira, GGG. A dinâmica relacional do casal foi descrita como disfuncional e pautada por episódios de tensão e conflito, assumindo o arguido um comportamento agressivo para com a companheira, exacerbado pelos consumos abusivos de álcool e substâncias que também manifestava, segundo referiu. O casal já tinha uma filha, na altura com 2 anos de idade, a qual, por intervenção da Comissão de Proteção de Crianças e Jovens, foi retirada do agregado com cerca de 4 meses e institucionalizada, até ser entregue pouco tempo mais tarde aos cuidados de um irmão do arguido. Posteriormente nasceram mais dois filhos do casal, DD em ../../2020 e HHH em ../../2023 que permaneceram no agregado do casal. Em novembro de 2023, o casal decidiu separar-se, mas mantiveram a coabitação. No entanto, com a deterioração crescente da dinâmica relacional, DD foi constituído arguido, indiciado pela prática de um crime de violência doméstica na companheira, factos que originaram a aplicação de uma medida judicial de suspensão provisória do processo ao mesmo. Após os factos que estiveram na origem do processo de violência doméstica, DD abandonou a habitação que partilhava com o seu agregado, em dezembro de 2023, e foi acolhido em casa de uma irmã, na mesma localidade (...), onde permaneceu apenas durante umas semanas. Posteriormente, manteve-se em situação de sem abrigo, até ser acolhido pela irmã, III, em ... – ... (morada constante nos autos), há cerca de 3 meses, situação que conserva no presente. Partilha agregado com a irmã de 38 anos de idade, desempregada, e com os sobrinhos, JJJ e KKK de 16 e 8 anos de idade respetivamente. O cunhado, LLL, de 42 anos, encontra-se emigrado na .... A habitação onde reside a família foi arrendada pelo casal, irmã e cunhado, e constitui-se um apartamento de tipologia 2, inserido em zona semiurbana pacata. Apesar de manter com a irmã III e seu agregado uma dinâmica relacional positiva, manifesta vontade de autonomizar e ter o seu próprio espaço e privacidade, pelo que não perspetiva manter este enquadramento a curto prazo, indicando para breve, mudança para um quarto arrendado nas proximidades da sua presente morada. O arguido sinaliza ainda um relacionamento afetivo anterior, aos 18/19 anos de idade, com coabitação, do qual resultou um descendente, atualmente com 13 anos de idade. Este relacionamento teve uma duração muito curta, de apenas 4/5 meses, segundo referiu, tendo terminado também em virtude de comportamentos alcoólicos e agressivos do arguido para com a companheira. Mantém na atualidade, contacto com este filho, ainda que não respeite em pleno as suas responsabilidades parentais (cumprimento do pagamento da Pensão de Alimentos e outras despesas).
47.- O arguido DD apresenta um percurso de vida marcado pela retaguarda familiar disfuncional e inconsistente, que motivou que o arguido fosse institucionalizado em lar de acolhimento durante a sua primeira infância, onde o mesmo começou a manifestar comportamentos disruptivos de desafio e agressividade, protagonizando 2 fugas da instituição Desde muito jovem, iniciou o consumo de substâncias estupefacientes e álcool que, a par dos seus comportamentos agressivos, condicionaram principalmente os seus vínculos familiares e as suas relações afetivas sinalizando neste contexto, dois relacionamentos mais significativos dos quais nasceram 4 filhos. Encontra-se na presente data a ser acompanhado pelo CRI de ..., com o objetivo de conter e tratar as suas adições. Habilitou-se com o 9º ano de escolaridade, já em idade adulta e revela um percurso profissional dotado de acentuada mobilidade, intercalada com longos períodos de desemprego que se refletiram em períodos de grande carência económica. Atualmente beneficia de enquadramento laboral regular e estruturado, ainda que muito recente, perspetivando através dele reorganizar a sua vida e conseguir a sua autonomização do agregado da irmã, com quem vive há cerca de 3 meses. Apesar de sinalizar uma imagem social associada a pares desviantes, refere ter-se afastado da sua rede social do passado, mantendo apenas contacto com uma dessas amizades. Não obstante adotar um discurso de reconhecimento das regras de vida em sociedade, manifesta dificuldades ao nível do pensamento consequencial e controlo dos seus impulsos. Do exposto, na eventualidade de condenação, consideramos que DD reúne condições para poder garantir a execução de uma sanção na comunidade, revelando necessidades de inserção/manutenção de atividade laboral regular e estruturada, manutenção da intervenção no âmbito das suas adições no CRI de ..., afastamento de pares desviantes e com hábitos de consumo de substâncias e interiorização do desvalor da conduta.
48.- O processo desenvolvimental do arguido II decorreu no seio do agregado familiar de origem composto pelos pais e três irmãos, num contexto socioeconómico desfavorável, residentes no bairro ..., recebendo uma educação pautada pelos padrões e valores do grupo de pertença. O núcleo familiar subsistia, com dificuldades, da pensão de reforma por invalidez atribuída ao pai.
49.- O arguido II integrou a escolaridade em idade regulamentar, tendo concluído o 7º ano de escolaridade com 17 anos de idade, descrevendo um percurso escolar sem registos de problemáticas comportamentais. Como ocupação dos tempos livres referiu ter praticado atividade desportiva, nomeadamente, futebol, que deixou quando se casou. Aos 18 anos de idade casou dentro dos costumes do seu grupo de pertença. Contudo para poderem aceder a realojamento aquando da demolição do bairro, ocuparam um espaço de arrecadação situado numa cave de um bloco do bairro, tendo sido realojados em 2004 no bairro do ... onde residem. Deste relacionamento teve quatro filhos e na sequência do nascimento do filho mais novo, em 2018, o agregado foi realojado em apartamento camarário de tipologia 4 noutro bloco no mesmo bairro. A nível profissional, não regista qualquer experiência formal, pelo que ao longos dos anos a subsistência do arguido e do agregado familiar foi suportada por subsídios/apoios sociais. Registou confrontos com o sistema de administração da justiça penal sendo acompanhado por esta DGRSP.
50.- À data dos factos pelos quais vem acusado no presente processo, o arguido II residia na morada constante nos autos com a companheira (coarguida, 40 anos de idade, desempregada) e pelos quatro filhos (20, 17, 14 e 9 anos de idade), descrevendo uma dinâmica familiar positiva. A filha mais velha autonomizou-se por casamento, já sendo mãe de uma criança (com cerca de 6 meses de vida), mas que, segundo o arguido, terá reintegrado, de forma temporária, o agregado de origem. O núcleo familiar reside num apartamento camarário, de tipologia 4, com adequadas condições de habitabilidade e inserido em bairro situado em zona periférica da cidade, caracterizada por considerável incidência de problemáticas sociais e criminais. Foi caracterizado um relacionamento positivo com os vizinhos que o elegeram como o gestor da entrada habitacional, o que foi confirmado pela técnica que acompanha o agregado familiar no âmbito do protocolo do RSI. O arguido e respetivo agregado subsistem da prestação do rendimento social de inserção, no montante atual de 488.63 euros e da prestação do abono de família referente aos filhos, no montante de 143 euros, para fazer face a uma despesa fixa mensal estimada em 141.44 euros, correspondente às dívidas fixas relacionadas com a manutenção da habitação, designadamente a renda, o fornecimento de água e de energia elétrica, e do serviço de televisão por cabo. O casal avalia a sua situação económica como marcada por dificuldades, onde enquadram o facto de terem contraído dívidas relativamente com a renda de casa (cerca de 300 euros) e com a água (que ambos os arguidos indicaram valores diferentes), e com a eletricidade (que normalmente ascende aos 62 Euros) mas que a coarguida refere não conseguirem pagar há cerca de 5/6 meses. A estas despesas acrescem despesas fixas em medicação para com um dos filhos, indicando um valor de cerca de 60 Euros. O casal refere ter solicitado apoio à técnica de acompanhamento no âmbito do RSI, para negociarem o pagamento em prestações relativamente às dívidas que detêm.
51.- Na sequência das respetivas condutas, os demandados causaram um prejuízo à demandante correspondente ao valor das ditas placas de vitrocerâmica, novas em caixas, de 3 focos, da marca EMP01..., referência ...06 e ao valor despendido por esta com a substituição das baterias dos empilhadores.
*****
2.2.- Factos não provados com relevância para a decisão da causa:
Não se provaram os demais factos vertidos na acusação ou resultantes da defesa dos arguidos que não estejam mencionados nos factos assentes ou em estejam contradição com estes, nomeadamente, os seguintes:
1.- Das instalações da sociedade ofendida, os arguidos AA, BB, CC e DD retiraram e levaram consigo os seguintes objetos: 300 aquecedores da marca EMP01... com referência NS...2, no valor unitário de PVP de 30,00 euros.
2.- Com o arrombamento do portão e porta, os arguidos AA, BB, CC e DD causaram à demandante danos que a ofendida no valor de 150,00€ (cento e cinquenta) euros.
3.- A demandante despendeu da quantia de € 150,00 (cento e cinquenta euros), pela reparação do vidro da porta frontal da porta do armazém e o cadeado do portão traseiro.
4.- Com o furto das 240 placas de vitrocerâmica de 3 focos, marca EMP01..., referência ...06, a demandante sofreu um prejuízo no montante total de € 31.176,00 (trinta e um mil cento e setenta e seis euros), referentes às 240 placas de vitrocerâmica de 3 focos, marca EMP01..., referência ...06.
*****
2.3.- Motivação do tribunal.
O Tribunal formou a sua convicção no conjunto da prova produzida na audiência de julgamento, apreciada à luz das regras de experiência comum e de normalidade, designadamente, na conjugação das declarações dos arguidos AA, BB e CC e do legal representante da assistente/demandante, OO, com os depoimentos das testemunhas XX , QQ , RR , MM, SS, TT, LL, EEE, VV, WW, JJ, YY, CCC, BBB, AAA e ZZ, com o teor do auto de notícia de fls. 12 e 13, com o teor do relatório tático de inspeção ocular de fls. 15 a 17, com o teor do relatório fotográfico de fls. 25 a 30, com o teor do relatório OSINT de fls. 38 a 44, com o teor da fatura n.º ...65 de fls. 58, com o teor da fatura n.º ...65 de fls. 59, com o teor da fatura n.º ...18... EMP05... SA de fls. 60, com o teor do auto de visionamento de vídeo e extração de fotogramas de fls. 64 a 79, com o teor da relação de vendas a fls. 84, com o teor da certidão permanente de fls. 86 a 89, com o teor do orçamento de fls. 98 e 99, com o teor do auto de busca de fls. 342 a 349, com o teor do relatório fotográfico de fls. 351 a 355, com o teor do auto de busca de fls. 383 a 385, com o teor do auto de busca de fls. 401 a 404, com o teor do relatório fotográfico de fls. 405, com o teor da declaração de autorização de pesquisa e leitura e telemóvel e cartões nele inseridos de fls. 414, com o teor do auto de busca de fls. 421 a 426, com o teor do auto de busca de fls. 421 a 426, com o teor do exame direto de fls. 494, com o teor do auto de busca de fls. 519, com o teor da declaração de autorização de pesquisa e leitura e telemóvel e cartões nele inseridos de fls. 533), com o teor da Certidão permanente AMP de fls. 555 a 561, com o teor da cópia do cheque de fls. 600 e 601, com o teor da Cópia do cheque de fls. 600 e 601, com o teor do reconhecimento de pessoas por fotografia de fls. 615, com o teor do auto de reconhecimento presencial de pessoas de fls. 1228 a 1230, com o teor da declaração de leitura e leitura do telemóvel de fls. 616 a 618, com o teor do auto de busca de fls. 623 a 629, com o teor do relatório fotográfico de fls. 630 a 638, com o teor do Croqui de fls. 639 a 641, com o teor da Declaração de autorização de pesquisa e leitura e telemóvel e cartões nele inseridos de fls. 647, com o teor da informação da ... de fls. 794 e 795, com o teor da informação do Banco 1... de fls. 817, 864, com o teor da informação do Banco 2... de fls. 831/882, com o teor da certidão permanente de fls. 832 e 833, com o teor da informação da EMP06... de fls. 819 e 820, 865 e 866), com o teor da informação da EMP06... de fls. 883 e 884, com o teor do relatório de extração do conteúdo de telemóvel de fls. 922 a 962), com o teor do relatório de extração do conteúdo do telemóvel de fls. 963 a 986V, com o teor do relatório de extração do conteúdo do SIM Card de fls. 987 e 988), com o teor do relatório de extração do conteúdo do telemóvel de fls.1007 a 1008V, com o teor do relatório de extração do conteúdo do telemóvel de fls. 989 a 1006, com o teor do relatório de extração do conteúdo do telemóvel de fls.1009 a 1079, com o teor do auto de revista de fls.1116 a 1118, com o teor do relatório de extração do conteúdo do telemóvel de fls.1152 a 1154, com o teor do relatório de extração do conteúdo do SIM card e telemóvel de fls.1155 e 1156, com o teor do relatório de extração do conteúdo do tablet e SIM Card de fls. 1157 a 1183 a 1184, com o teor da fatura de compra de fls.1198, com o teor da Ficha de cliente - EMP01... de fls.1199 e 1200), com o teor dos exames aos aparelhos radiotelefónicos e cartões – PEN`S Drive na capa do volume 1; com o teor do auto de apreensão de imagens de fls. 9, com o teor dos autos de apreensão de fls. 356 e 357, 358 a 359, 406, 453, 493, 530, 642, 646, 1119 e respetivos autos de exame, com o teor do com o teor do auto de exame direto e relatório fotográfico de fls. 1120 a 1124, com o teor do auto de apreensão de fls. 1312, com o teor do relatório técnico de inspeção judiciária de fls. 19 a 30, com o teor do relatório de exame pericial de fls. 33 a 37, com o teor do relatório de exame aos telemóveis e periféricos de fls. 913 a 916V, com o teor do relatório de exame aos telemóveis e periféricos de fls. 1127 a 1130, com o teor do exame direto e com o teor dos relatórios sociais juntos aos autos.
*
Vejamos, em primeiro lugar, o que verbalizaram, no essencial, os arguidos que prestaram declarações e as testemunhas inquiridas na audiência de julgamento:
- O arguido AA afirmou, no essencial, o seguinte: “(…) pediram a minha carrinha para levar umas coisas à sucata; disse-lhes que não tinha a minha carrinha, mas e meu primo o disponibilizou uma carrinha; utilizámos uma carinha branca, caixa aberta, de sete lugares; esta carrinha estava emprestada ao meu primo; acompanhei-os à sucata para levar umas coisa; carregámos as coisas na casa do BB; fui eu, o CC, o (BB) BB e o DD; eles carregaram a carrinha com as baterias; eu recebi o valor; eu tinha uma placa em casa que a minha esposa e a mãe compraram em Famalicão; a minha mãe também tinha outro igual em casa; a placa que tinha em casa estava nova e já há tinha há muito tempo; a placa não era da nossa eletricidade, tinha mais cabos e nunca a consegui ligar; não sabia quais eram os fios certos para a ligar; a minha esposa comprou essa placa numa feira de Famalicão; a minha mãe comprou duas, uma para ela e outra para a minha irmã; a minha mulher comprou uma para nós; fui à sucata, o BB é que me pediu o favor de arranjar a carrinha para levar coisas; o CC é que tinha a carrinha; não me lembro quanto ganhámos com essa sucata; o (BB) BB é que tinha as baterias para levar à sucata; algumas estavam partidas e outras inteiras; não sei onde o (BB) BB arranjou essas baterias; quando o BB me pediu a carinha em estava no hospital junto do meu pai; eu só pedi a carrinha ao CC porque eu não tinha a minha carrinha; nunca estive na EMP01...; nas imagens – cfr. fls. 66 a 79 - não consigo identificar o CC; …”
- O arguido BB referiu, no essencial, o seguinte: “(…) numa sexta feira, fui comer ao um restaurante e no exterior estavam uns senhores que me disseram que tinham umas baterias para vender; esses senhores tinham as baterias numa carrinha; eles disseram que queria despachar essas baterias por 100 euros; não sei quem são esses senhores; eles não me disseram donde vinham essas baterias; nunca mais vi esse senhores; eu comprei-lhe as baterias por 100 euros e eu achei bom negócio; esses senhores descarregaram essas baterias na minha casa; esses transportaram as baterias para a minha casa; depois pedi ao AA para me disponibilizava a carrinha dele, ele estava no hospital; o CC é que arranjou a carrinha; o AA e o CC apareceram com a carrinha e o DD ajudou carregar e foi connosco à sucata; deu o cheque ao AA porque tinha as mãos sujas; depois descontei o cheque e entreguei-lhes algum dinheiro por causa da carrinha; não me lembro do valor que recebi pelas baterias; o AA e o CC apareceram na minha casa numa carinha de caixa aberta, acho que tinha a cor azul; eu e o meu cunhado é que carregámos as baterias na carrinha que o AA e o CC trouxeram; nunca estive na EMP01...; não me lembro do nosso do restaurante; esse restaurante ficava em ...; os senhores da bateria estavam a falar entre ele, eu ouvi e meti-me na conversa; eu tinha 100 euros no bolso e fiz o negócio e eles descarregaram as baterias na traseira da minha casa; nas imagens – cfr. fls. 66 a 79 - não consigo identificar o CC; … “
- O arguido CC disse, em suma, referiu o seguinte: “(…) não fiz nada do que me acusam; apenas aluguei o camião ao Sr. BB; o camião é um ...; de caixa aberta; não sei a matrícula; não sei a matrícula; acho que era cor castanha; o camião era de um empreiteiro – cfr. elementos de identificação do veículo juntos a fls. 111 a 116-; nessa data já tinha a carrinha comigo há cerca de uma duas semanas; o BB pediu-me para alugar o camião porque tinha uma sucata para vender; não sei quem me pediu para alugar o camião; eu não entrei na sucatada porque o dono já me tinha proibido; aluguei o camião ao BB, mas não sei onde ele foi; não sei quem conduziu o camião; quando foram buscar o camião, eu tinha ido ao hospital e nem sei quem foi buscar o camião; só sei que ele levou o camião; ele disse-me que tinha uma sucata para vender; não sei quem foi com ele à sucata; não me lembro quanto é que ele me pagou; eu estava proibido de entrar na sucata por causa de uma zanga da minha família com eles; a carrinha do AA estava avariada e foi o meu primo AA que ligou para mim e disse que o BB tinha uma sucata para vender; penso que lhe aluguei a carrinha no dia seguinte; eu só soube que era uma sucata, mais nada; eu aluguei a carrinha, mas não me lembro quanto recebi; não sei onde é a EMP01...; …”
Confrontado com as imagens juntas a fls. 66 a 79, este arguido confirmou que “o camião” que “alugou” ao BB é o veículo de caixa aberta que está fotografado nessas imagens.
Na sequência destas imagens, o arguido confirmou ainda que ele não está nessas fotografias e que apenas consegue identificar nessas fotografias o arguido AA e o arguido BB.
Note-se que após este depoimento, os arguidos AA e BB verbalizaram dúvidas quanto à presença do arguido CC no interior dessa sucata.
- O representante legal da EMP01..., OO, referiu, no essencial o seguinte: “(…) furtaram material das instalações da EMP01...; levaram baterias, placas e aquecedores; levaram cento e poucas placas; as placas estavam novas; os aquecedores estavam novos; as baterias estavam instaladas nos empilhadores; as placas e os aquecedores estavam embalados; levaram as coisas durante um fim de semana; as instalações estão encerradas; rebentaram uma da porta; não havia alarme nessas instalações ou câmaras de vigilância; o meu filho é que está mais dentro deste assunto; temos lá muita mercadoria; não sei se foram lá em dois dias distintos; as placas de 3 bocas da EMP01... são vendidas na sua maioria em ...; o meu filho é que está dentro do assunto das vendas; a EMP01... tem relações comerciais com os arguidos GG e EE desde 2016 ou 2017; estes arguidos são clientes de placas, aquecedores, de tudo; quando aconteceu o furto, a EMP01... já tinha relações comerciais com estes dois arguidos; não sei o valor que pagámos pela substituição das baterias; as placas com defeitos são destruídas e dá-se baixa no inventário; não se recordo do numero de placas que foram furtadas; não tinha seguro; vi as placas à venda na internet; cerca de 70% das placas com esta referência são destinadas aos mercado espanhol; ...”
Confrontado com as faturas anexas ao pedido de indemnização civil deduzido pela EMP01... e juntas a fls. 1726v e 1737, o legal representante da demandante confirmou os dizeres das mesmas, nomeadamente, que em abril de 2018, as placas de vitrocerâmica eram vendidas aos clientes pelo preço aí mencionando de 159,78 euros e os aquecedores de parede eram vendidos ao preço unitário de 28,17 euros.
Confrontado com o orçamento de fls. 98 e 99, relativo à reposição das baterias nos dois empilhadores, confirmou o seu teor.
- A testemunha QQ, militar da GNR, afirmou, no essencial, o seguinte; “(…) após notícia do furto, fui ao local e verifiquei uma porta arrombada; apenas uma porta estava arrombada; esse armazém tinha material de eletrodomésticos novos; só fiz o auto de notícia; ...”
Confrontado com o teor do auto de notícia de fls. 3, esta testemunha confirmou o seu teor.
- A testemunha RR, militar da GNR, disse, em suma, o seguinte; “(…) não tive intervenção na investigação; estava na patrulha às ocorrências; após notícia do furto fui ao local com o colega QQ; vi um portão arrombado; queixaram-se do furto de placas de vitrocerâmica e baterias; …”
- A testemunha SS, NIC de ..., referiu, em resumo, o seguinte; “(…) acompanhei o cabo JJ em algumas diligências de investigação; acompanhei duas buscas a uma residência e a um armazém; fui a uma sucata, EMP03...; acompanhei uma diligência à habitação do Sr. BB por causa de uma viatura; numa das buscas lembro-me de ter apreendido um telemóvel; na busca ao armazém em ..., estava relacionado com material furtado que terá passado por esse armazém; acho que nesta busca não se recuperou nada; nesta busca ao armazém, acho que não estava lá nenhum dos arguidos; mas eu só ajudei a essa busca;…”
Confrontado com o auto de busca de fls. 623, a testemunha confirmou o seu teor, nomeadamente, a apreensão de um manuscrito junto a fls. 674.
- A testemunha TT, NIC de ..., referiu, em síntese, o seguinte; “(…) após a noticia do crime; acompanhei uma busca domiciliária; nunca tive qualquer contacto com os arguidos; nunca recuperei qualquer objeto furtado; …” .
- A testemunha LL mencionou, em resumo, o seguinte; “(…) trabalho na EMP03...; conheço o AA e o CC; lembro-me das baterias; não me recordo de quantas pessoas foram no dia da venda das baterias; paguei pelas baterias; paguei em cheque ou transferência; só pagamos em dinheiro até 50 euros; no dia em que levaram as baterias, não me lembro se o CC foi; …”
- A testemunha MM disse, em resumo, o seguinte; “(…) trabalho na EMP03...; lembro-me da venda das baterias; não me lembro do valor da transação; emitimos fatura; pagámos em cheque as baterias; o CC não estava porque existia uma querela entre ele e nós; o AA e o BB estavam lá, aquando das baterias; algumas estavam danificadas e a verter ácido; …”.
- A testemunha JJ, militar da GNR, afirmou, em suma, o seguinte; “(…) o NIC foi chamado ao local; deparámo-nos com arrombamentos na porta frontal e portão traseiro; queixaram-se da fata de placas vitrocerâmica, aquecedores e baterias dos empilhadores; o local é um armazém da empresa EMP01...; o NAT recolheu vestígios; apurámos a venda das baterias numa sucata que tem videovigilância; apurámos a matrícula do veículo; o veículo estava sob a responsabilidade do arguido CC; a fatura da venda das baterias tem a matrícula do veículo; chegámos ao proprietário do veículo e ele disse-nos que tinha entregue esse veículo para abate nessa sucata mas, na verdade, disseram-nos na sucara que esse veículo tinha sido vendido e estava na posse do arguido CC; fizemos diligências com base na videovigilância, chegámos ao arguido DD; o arguido DD disse como o furto tinha sido efetuado; este arguido, em declarações informais, disse que o furto foi em duas fases; o furto das baterias foi posterior em data posterior ao furto dos eletrodomésticos; este arguido, disse que o BB já tinha estado lá dentro e sabia da existência do armazém; na sequência das declarações do arguido DD apurámos o tempo destes dois furtos; toda a investigações desenvolveu-se na sequência das declarações deste arguido; as baterias não conseguimos apreender porque já estavam destruídas pela sucata; as placas de vitrocerâmica foram furtadas em primeiro; na habitação do AA foi apreendida uma dessas placas em estado novo; só apreendemos esta placa; o escoamento das placas foi feito por dois destinos diferentes, pelo armazém do Sr. EE; há mensagens com o arguido FF em que diz que adquiriu placas por 5k e manda-lhe uma fotografia com uma placa instalada; uma testemunha AAA deste processo também lhe comprou uma placa; também há fotografias nesse armazém do arguido EE com mais 4 ou 5 placas que foram enviadas para a testemunha AAA; ainda com ramificações ao armazém temos o arguido GG que publicitou duas vendas destas placas EMP01... e uma ..., mas quando o cliente foi ao armazém só havia placas EMP01...; a venda da placa foram feitas pelo arguido FF; esta placa foi apreendida; foi apreendido um manuscrito no lixo com os dizeres placa EMP01... 100 euros; o arguido II publicitou no ... a venda de placas; foi apreendido o seu telemóvel que comprova que o mesmo estava a vender placas da EMP01...; nas imagens da sucata, podemos identificar os arguido AA, BB e DD; o relatório de diligência externa é a reconstituição dos factos – cfr. fls. 511 a 518 -; após o interrogatório, ele (DD ) mostrou vontade em colaborar com a investigação; ele disse que foi o arguido BB que o convidou; ele disse que no ilícito estava o DD, o AA, o CC, o BB; ele disse que foram de 17 a 21 de maio foram ao armazém; disse que foram no veículo que depois foi vender as baterias; ele disse que o BB lhe tinha dito que o portão já estava aberto e onde estavam as baterias; ele disse que ele e o BB entraram e transportaram as baterias para a carrinha onde estava o AA e o CC; ele até disse que transportaram as baterias com um porta cargas e que algumas estavam danificadas com o ácido a cair; depois disse que só venderam as baterias no dia seguinte; ele disse que foram os quatro à sucata; disse que foi o BB que recebeu o cheque; o cheque foi destrocado depois; julgo que o DD e o BB receberam 90 euros; quem faz o furto tenta escoar as placas o mais fácil possível; o primeiro que contactamos foi o arguido FF a perguntar se tinha placas, ele disse que não tinha; depois apurámos que ele já tinha escoado; na queixa fala-se em 240 placas e 100 aquecedores; 149 euros cada uma das placas e os aquecedores 30 euros cada um; vimos publicações das placas do GG pelo valor de 100 euros e chegámos ao comprador; um dos compradores dirigiu-se ao armazém do arguido EE e contactaram com o FF e concretizou o negócio; o FF tinha uma relação de trabalho com o arguido EE; no armazém do EE existem outras empresas e é o local de trabalho do FF; não sei a que título é que o GG publicitava; o arguido HH também publicitou, acho que sim; essa foto que ele publicitou com o remetente EE e a mesma foto do HH; ele têm um grupo da ...; o EE estava em ... e brinca que estava a vender placas da EMP01...; o MMM era um possível escoador do produto e falaram nas placas e com as mesmas fotografias no interior do armazém; eu estive no armazém e confirmo que essas fotografias são do interior do armazém do arguido EE, não tenho duvidas disso; apreendemos uma placa ao comprador BBB e outra ao comprador que foi publicitada pelo arguido GG publicitada como ... e que no armazém disseram-lhe que já não tinha ... e indicou que só tinha EMP01... ao BB; no total apreendemos 3 placas a contar com a placa da residência do AA, todas elas com a mesma referência furtadas no armazém; a placa apreendida ao AA estava em estado novo e as outras duas já estavam usadas; para entrar arrombaram o portão traseiro, onde estava o cais de embarque; a porta da frente também foi arrombada; acho que nesta porta houve quebra de vidro; aquando da busca ao armazém do arguido EE notificou-se a responsável do armazém que nunca foram disponibilizadas pelo arguido EE; o arguido BB, para justificar a falta ao seu interrogatório na autoridade policial, utilizou o mesmo número de telemóvel identificado no anúncio das placas de cerâmica; as referências das placas encontra-se numa vinhetas que está na parte inferior da mesma; as três placas apreendidas tinham todas as mesmas referência; das 204 placas de vitrocerâmica furtadas vi três delas com a mesma referência, uma delas foi apreendida ao arguido AA, outras duas aos compradores; o arguido II publicitou a venda de placas com as mesmas fotos publicitadas pelos outros arguidos; no decurso das diligências vi essa foto publicitada pelo arguido II; quando mês desloquei ao armazém da EMP01... vi material selado; vi filas de paletes com material elétrico, todas elas seladas; no armazém da EMP01... foi possível identificar o local onde se encontravam as paletes foram furtadas; no armazém da EMP01..., quando lá fui, na zona de carga, ainda lá estavas as paletes e a pelicula de filme que envolvia as paletes; os aquecedores aparecem na publicação do arguido II, uma mala de um carro com a placa e um aquecedor; as placas têm um valor de mercado de 149 euros e estavam à venda por 100 euros; o portão das traseiras estava arrombado e é o local onde se situa a zona de carga; este furto terá sido realizado em duas fases; o armazém situa-se numa zona industrial, não tem habitações nas imediações; furtaram uma linha de paletes conforme se pode verificar a foto n.º 30 junta a fls. 25 e ss.; considerando a natureza do furto, a investigação começou logo pelas sucatas; as baterias que foram vendidas à sucata, estavam danificadas e a verter ácido; todas as placas têm a mesma referência, têm 3 focos e têm a marca EMP01...; o arguido DD foi relevante para a reconstituição do furto; o armazém do arguido EE vendia eletrodomésticos; o arguido DD disse-nos, aquando da restituição dos factos (relatório de diligência externa), referiu que não participou no furto das placas e aquecedores; ele só participou no furto das baterias que foi posterior ao furto das placas e dos aquecedores; tenho conhecimento que o AA e o CC são primos; quando fui à sucata já as baterias tinham sido destruídas; atento os fotogramas, as baterias são idênticas às dos empilhadores; o anúncio do DD (testemunha) diz placa de indução nova, 150 euros, janeiro de 2019; não sei onde está o anúncio do GG; não sei de das vendas das placas o GG recebeu algum valor; uma testemunha que tinha placa da EMP01... e disse que ligou para o numero de telemóvel que é o número do telemóvel do GG; o GG também vendia outros produtos na internet; o GG não está nas mensagens da ...; …”.
Confrontada com a fotografia da placa de vitrocerâmica apreendida à testemunha BBB e junta a fls. 494, esta evidenciou que a referência dessa placa apreendida que coincide com a referência das placas vitrocerâmica furtadas à EMP01....
Esta testemunha acrescentou que essa referência também consta da caixa que embalava as placas vitrocerâmica existente no armazém da EMP01... e junta a fls. 27.
Esta testemunha também identificou o armazém da EMP01... como sendo o armazém que está fotografado a fls. 25 e ss.. E salientou que na fotografia n.º 15 de fls. 25 e ss. é possível identificar o ácido das baterias dos empilhadores.
Esta testemunha também foi confrontada com as fls. 670 e ss., e confirmou que essas fotografias foram extraídas de um telemóvel apreendido ao arguido FF e algumas das quais dizem respeito às mensagens publicitadas por parte dos arguidos com vista à venda das placas furtadas à EMP01..., nomeadamente, “a estadia do arguido EE em ... também com vista à venda das placas”.
Para além disto, esta testemunhas também afirmou que na fotografia de fls. 676 é possível ver uma mensagem do arguido EE a afirmar que comprou as placas todas por 5K e também uma dessas placas já instalada numa cozinha tem o mesmo design igual à placas furtadas.
- A testemunha EEE referiu, em síntese, o seguinte: “(…) fui trabalhadora da ...; vendíamos eletrodomésticos; quando foi efetuada a busca às instalações ainda não trabalhávamos com a EMP01...; enquanto trabalhei, nunca vi lá placas da EMP01...; o arguido BB andava lá pelo armazém do Sr. EE; o Sr. GG também ia lá ao armazém algumas vezes; não sei em que data a ... começou a trabalhar com a EMP01...; …”
Confrontada com as fotografias junta a fls. 630 e ss., reconhece que essas fotos correspondem ao armazém do arguido EE.
E confrontada com as mensagens de fls. 944 e 945, reconhece que essas mensagens.
- A testemunha VV disse, no essencial, o seguinte: “(…) conheço o CC; sou colega dele; não sei se ele tem algum carro; fui proprietário de uma carrinha ..., cor branca, caixa aberta; levei essa carrinha para o abate; emprestei essa carrinha ao CC uma semana;…”
Confrontada com as fotografias de fls. 66 a 79 e ss., confirmou que a carrinha fotografada era a sua carrinha.
- A testemunha WW afirmou, no essencial, que nunca “trocou” cheques a pedido do seu cunhado CC numa bomba de gasolina.
- A testemunha KK referiu, em suma, o seguinte: “(…) comprei uma placa que entreguei à policia; era da marca EMP01...; essa placa tinha 3 bocas; adquiri essa placa através do ...; o anúncio falava de uma placa ...; dirigiu-me a um armazém e disseram que já não havia ... mas apenas EMP01... de 3 bocas; o preço era o mesmo e aceitei; era um bom negócio; eu estava a mudar de casa e tinha urgência numa placa; essa placa de 3 bocas não se usa muito em Portugal; acho que paguei 100 ou 120 euros; esse armazém era na ...; falei com uma pessoa diferente daquela que estava a publicitar; estava lá alguém nesse armazém para me entregar a placa, mas não tinha pago a placa; na altura pedi fatura mas deram me uma desculpa e não tenho fatura; nunca fui buscar a fatura; essa placa está com a GNR; era uma pessoa particular que estava a anunciar; respondi ao anúncio por mensagem e depois, no armazém, não me lembro se falei com algum dos arguidos no armazém; entrei no armazém pelo acesso dos camiões; a GNR contactou-me por causa dessa placa; depois instalei a placa e para a devolver tive de a desmontar; …”
Confrontada com fls. 1273 e ss., confirmou que foi na sequência desse anúncio que comprou uma placa de 3 bocas da EMP01... e que nesse anúncio constava o seguinte contacto telefónico ...03 (correspondente ao contato telefónico do arguido GG).
Confrontado com o auto de apreensão de fls. 1312 e 1313, confirmou que foi a sua placa de vitrocerâmica que comprou nas circunstâncias descritas que foi apreendida.
Confrontada com as fotografias junta a fls. 630 e ss., reconhece essas fotos como sendo o armazém onde foi buscar a placa que comprou da marca EMP01....
- A testemunha XX referiu, em síntese, o seguinte: “(…) sou um dos sócios gerentes da EMP01...; o furto já aconteceu há uns anos; não presenciei o furto; na altura o armazém não tinha alarme; num fim de semana prolongado não estávamos cá e quando regressamos vimos as portas arrombadas e o furto das baterias dos empilhadores, placas e não me recordo de mais nada; na altura fiz uma relação dos bens furtados; as baterias eram de dois empilhadores; foram muitas placas; eles entraram pelo portão de trás; danificaram as fechaduras dos portões de fole; os eletrodomésticos estavam em estado novo, em paletes, prontos a entregar aos nossos clientes; a referência acaba em 2006 de 3 bocas; as baterias eram usadas; as baterias são pesadas e deram trabalho para retirar; depois recordo-me de ir à GNR buscar uma placa ou duas que foram apreendidas; as placas apreendidas tinham a mesma referência daquelas que despareceram; já não me recordo dos aquecedores; é um modelo que é vendido 99% para ...; é um modelo de 3 bocas que é utilizado em ...; vi anúncios na internet a publicitar a venda das placas; as placas eram vendidas a 99 euros aos nossos clientes e no mercado é mais caro; o armazém funciona como depósito e como precisávamos de mercadoria, verificámos que faltavam as placas; o portão da traseira estava arrombado; vi rastros do ácido das baterias no chão; foram muitos assaltos e já não me lembro de tudo; vi os rastros no chão das baterias; não se recordo se fui ao armazém entre os assaltos das placas e das baterias; naquela altura não tinha sido vendida qualquer placa no mercado nacional; conheço o EE e o GG; a EMP01... tem relações comercial com o Sr. EE, penso que aquando do furto ainda não tinham relações comerciais; agora vendemos-lhe eletrodomésticos; não me lembro do valor da reparação das fechaduras e do portão; a contagem do material desparecido é efetuado com base nas listagens que temos no sistema; as placas estavam embaladas para serem vendidas no mercado Espanhol; a contagem é feita com base no inventário à data dos factos; confirmo a quantidade de material; a relação comercial com o arguido EE é mais recente; nos anúncios não vi o nome das pessoas; na altura, não conhecia o arguido GG; na altura dei o numero de placas que desapareceram; elas estavam em lotes de 20 e tal ou mesmo 20; cada palete deve levar cerca de 28 ou 30; de cabeça não sei dizer quantas paletes despareceram; para furtar essas paletes tiveram de fazer várias viagens; na câmara do vizinho vi uma carrinha de caixa aberta a passar e foi mais do que um dia; nos registos está a data em que a EMP01... começou a ter relações comerciais com os arguido EE; hoje vendemos essas placas a 99 euros; à data as placas era mais caras; daqui a 2 meses as placas vão aumentar por causa do aumento do preço dos contentores de transporte; as placas têm a mesma tecnologia à décadas; não sei se há placas que foram vendidas para ... foram depois comercializadas em Portugal; este foi dos primeiros furtos nesse armazém da EMP01...; antes do assalto, não sei quando tinha ido lá, mas vamos lá todas as semanas; as paletes estavam com filme; lembro-me mais das placas; não damos cotações dos valores a quem não é cliente; agora tenho relação com estes senhores; fizemos a contagem do stock; o stock é atualizado online; sempre que sai algum stock este é imediatamente atualizado; esse produto até era recente na nossa gama de produtos; este foi o maior furto em 2018; a EMP01... não vende placas danificadas ou avariadas; as placas não são reparáveis; …”.
Confrontado com fls. 158 e ss., esta testemunha confirmou a entrega desses documentos à GNR e que dizem respeito à listagem dos clientes nacionais que, aquando da ocorrência do furto, receberam da EMP01... placas com a mesma referência das placas de vitrocerâmica furtadas.
Confrontado com as faturas juntas com o PIC a fls. 1736v e 1337, a testemunha confirmou o seu teor, nomeadamente, o valor das placas e dos aquecedores, bem domo o número de placas e de aquecedores que desapareceram.
Confrontado com a faturas de fls. 98 e 99, confirmou que foi esse o valor despendido pela demandante para repor as baterias dos dois empilhadores, cujas baterias foram furtadas, como disse.
- A testemunha YY disse, em suma, o seguinte: “(…) sou escriturária num posto de abastecimento; esse posto situa-se em ...; não é normal as pessoas pagarem com cheque; lembro-me de receber um cheque de 700 euros, mas já não me lembro quem me entregou esse cheque; esse cheque era para pagar combustível; não faço ideia do valor da dívida de combustível; desse valor grande foram dois ou três cheques; recordo-me que fui chamada à GNR para depor e disse que tinha destrocado o cheque para pagar uma dívida; já era costume eles irem lá, só aceitava cheques do CC, do WW (cunhado do CC) e do sogro ou pai; foi um dos três que destrocou esse cheque; acho que o cheque era duma sucata; os cheques eram sempre de uma sucata;… “.
- A testemunha DDD afirmou, em suma, o seguinte: “(…) conheço o arguido EE porque fui funcionária numa empresa dele, select variation; de 2016/2017 a 2020; eu fazia recursos humanos; tinha um gabinete em que trabalhava sozinha; angariava trabalhadores, anúncios, entrevistas, …; o GG foi trabalhar para lá; existiam duas empresas no mesmo local; o GG chegou mais tarde e conseguiu arranjar ali emprego; antes de trabalhar lá o GG não ia lá; o HH é na mesma situação; eu conheci-os lá na empresa, tirando o BB que é meu amigo; nas redes sociais identificou-me como NNN; enquanto lá trabalhei não sei se vendiam placas da EMP01...; eu não costumava ir ao armazém; eu colocava anúncios na internet; …”
A testemunha BBB referiu, em síntese, o seguinte: “(…) pelo nome não conheço nenhum dos arguidos; adquiri uma placa EMP01... de três bocas; conheço o arguido FF; comprei a placa EMP01... há cerca de 5 anos, através de um anúncio do ...; precisava de uma placa e nas lojas o preço era fora do meu orçamento; vi no ... uma placa nova com um preço na casa dos 100 euros; entrei em contacto por mensagem com o vendedor; à posterior marcámos um encontro num armazém de insolvência, situado em ..., próximo da nacional 13; eu falei com um senhor ao telefone que me disse que não era ele que ia estar presente, mas outra pessoa; não me recordo do dia; encontrei-me com o este senhor (arguido FF) nesse armazém; ele foi buscar a placa, paguei em dinheiro e fui embora; só vi essa placa; na altura ele disse-me que tinham mais placas iguais; instalei essa placa num apartamento; como era uma placa boa e estava com um preço bom, anunciei a venda dessa placa por 160 euros; depois fui contactado pelo NIC; mal soube da história, devolvi a placa às autoridades; depois comprei uma placa numa loja com fatura; o anúncio no ... indicava que tinha uma placa; eu tenho esse número de telefone comigo; para comprar a placa telefonei para o número de um SS ...03; vi um anúncio que indicava uma placa de fogão à venda; em comparação com o meu anúncio de venda, o meu tinha fotografia; o anúncio do ... penso que não tinha fotografia; o anúncio do ...; quando falei com o vendedor ao telefone, era para comprar a placa para instalar num apartamento; acredito que comprei a placa em meados de janeiro/fevereiro de 2019; adquiri a placa e coloquei a mesma à venda no mesmo dia ou no dia seguinte; tirei a fotografia a essa placa; só decidi vender depois de a comprar; como o senhor me disse que tinha mais placas iguais, tirei a fotografia para vender; se conseguisse vender, comprava mais; depois do contacto do NIC, entreguei a placa um ou dois dias depois; entreguei porque me disseram que a placa podia ter sido roubada; quando comprei a placa, não havia qualquer indicio de que havia algo de errado; não sei se comprei a placa a uma empresa; facultei os contactos que tinha ao NIC; depois de a comprar, tirei uma fotografia à caixa da placa; a caixa estava montada e foi aberta no armazém, onde a comprei; eu perguntei se havia mais placas porque pareceu-me um bom negócio; esse armazém era um armazém de insolvências; o senhor que me atendeu agiu naturalmente; na primeira e segunda abordagens, os militares do NIC estiveram em minha casa; os militares do NIC disseram-me que através da fotografia que coloquei no ... identificaram a placa como sendo uma das placas que tinha sido furtada; eu não sabia que o artigo tinha sido roubado; ...”.
Confrontado com fls. 630, 631, 632 e 633, confirmou que comprou a placa de vitrocerâmica da EMP01... no armazém que consta dessas fotografias.
- A testemunha AAA declarou, em síntese, o seguinte: “(…) conheço o arguido EE e o FF; por volta de 2016, comecei a comprar material a ambos; eu também tinha uma empresa de venda de eletrodomésticos; em 2018 propuseram-me a compra de placas vitrocerâmica EMP01...; o EE é que me propôs o negócio; o EE vendia material da EMP01... e mandou-me um catálogo; nessa época, tinha um armazém e eu tinha uma loja; resolvi montar uma loja e falei com ele para ver se tinha material que me interessasse; ele me falou que tinha essas placas EMP01...; eu fui ao armazém dele na ...; ele nunca se falou na quantidade; na verdade, eu só precisava de uma para exposição; não cheguei a comprar qualquer placa; não me lembro da razão de não ter feito o negócio; pedi para eles para me dizerem se comprasse uma grande quantidade, 30 ou 50, se reduzia o preço; eu não sei se a EMP01... tinha conhecimento desse negócio; o meu contacto era ...90; quando negociei com ele, ele disse-me que não tinha essa quantidade de 30,40 ou 50; …”
- A testemunha ZZ afirmou, em síntese, o seguinte: “(…) coloquei novas baterias nos empilhadores; prestou serviços para a EMP01...; prestei serviços para a EMP01... até 2023; lembrou-me de ser os empilhadores sem baterias; cheguei a ver umas fotografias de umas baterias na policia de ...; vi umas pessoas a tirar uns elementos de uma carrinha; eles estavam a tirar elementos de uma bateria, mas não sei se essas baterias estavam nos empilhadores; o que vi eram baterias que podiam estar num empilhador; o que me mostraram, foram elementos de baterias de empilhador; não conheço as pessoas que estavam nas fotografias; …”
*
Para além da apontada prova testemunhal e declarações dos arguidos, importa salientar a seguinte prova documental:
- A fls. 25 e ss., é possível identificar o armazém da EMP01...; paletes com filme sem mercadoria; porta cargas com paletes vazias e com filme; a empilhadores; vestígios de ácido das baterias dos empilhadores; e paletes embaladas com placas de vitrocerâmica; uma palete com 28 caixas de placas de vitrocerâmica devidamente embaladas e revestidas com filme.
- A fls. 38 a 40 existem fotografias de um perfil atribuído ao II, com o contacto telefónico ...41, que publicita no dia 24-05-2018, a venda uma placa de vitrocerâmica, com a referência ...06, marca EMP01... com 3 bocas, pelo preço de 90 euros. Nestas fotografias é possível verificar que as placas publicitadas da marca EMP01... ainda estão embaladas.
- A fls. 41 a 43 existem fotografias de um perfil atribuído ao HH, que publicita, no dia 23-05-2018, a venda de várias unidades novas de placas de vitrocerâmica, marca EMP01... com 3 bocas, pelo preço de 125 euros.
- A fls. 47 consta uma fatura emitidas pela EMP04..., Lda. (EMP03...) a favor de BB, com o n.º FCO SFP/...65, datada de 21-05-2018, no valor de 793,58 euros, respeitante a baterias transportadas pelo veículo com a matrícula ..-..-QT.
-A fls. 48 consta o comprovativo da entrega de um cheque ao BB, no montante de 793.58 euros, na sequência da transação a que alude a fatura de fls. 47.
- A fls. 66 e ss constam os fotogramas extraídos das câmaras de videovigilância da EMP03... relativa a essa transação identificada na fatura de fls. 47.
- A fls. 84 consta uma relação dos clientes nacionais a quem a EMP01... vendeu as placas de vitrocerâmica com a referência ...06, marca EMP01... (note-se que desta relação não consta o nome de qualquer armazém ou loja pertencentes a qualquer um dos arguidos).
- A fls. 86 e ss. consta a certidão comercial da sociedade comercial EMP01..., lda.
- A fls. 98 e 99 constam dois orçamentos relativo a conjuntos de baterias para empilhadores, no montante de 3.509,35 euros e 1.921,31 euros.
- A fls. 110 consta uma declaração relativa à venda do veículo com a matrícula ..-..-QT, assinada por EMP07....
- A fls. 111 e 112 consta o certificado de matrícula do veículo com a matrícula ..-..-QT.
- A fls. 113 consta o certificado de inspeção do veículo com a matrícula ..-..-QT.
- A fls. 114 consta o requerimento de registo automóvel relativo ao veículo com a matrícula ..-..-QT.
- A fls. 128 consta a ficha biográfica da PJ relativa ao arguido AA.
- A fls. 130 consta a ficha biográfica da PJ relativa ao arguido CC.
- A fls. 131 consta a ficha biográfica da PJ relativa ao arguido II.
- A fls. 153 e 154 consta um anúncio datado de 23-05-2018 publicitado pelo arguido HH na plataforma Facebook com os seguintes dizeres: Placa fogão electrica, várias unidades embaladas, novas” – a foto usada neste anúncio é exatamente a mesma foto utilizada no dia anterior pelo arguido EE no anúncio junto a fls. 676 e 677.
- A fls. 158 consta uma fatura emitida pela EMP01... relativa à venda de uma placa vitrocerâmica com a referência ...06, pelo preço de 159,78 euros, datada de 21-07-2019, à empresa EMP08..., Lda.
- A fls. 324 consta um anúncio datado de 24-01-2019, de uma placa vitrocerâmica de 3 bocas com a referência ...06, marca EMP01..., pelo preço de 160,00 euros, emitido pela testemunha BBB.
- A fls. 342 a 358 consta o auto de busca à residência do arguido AA. (nessa busca foi apreendida uma placa vitrocerâmica de 3 bocas com a referência ...06, marca EMP01...).
- A fls. 393 e ss. consta o auto de busca à residência do arguido CC.
- A fls. 401 e ss. consta o auto de busca à residência do arguido II (nessa busca foi apreendido o telemóvel deste arguido).
- A fls. 421 e ss. consta o auto de busca à residência do arguido HH (nessa busca foi apreendido o telemóvel deste arguido).
- A fls. 493 consta o auto de apreensão à testemunha BBB de uma placa vitrocerâmica de 3 bocas com a referência ...06, marca EMP01....
- A fls. 511 a 518 consta o relato de diligência externa realizado no dia 11-02-2019, em que participou o arguido DD.
- A fls. 530 consta o auto de apreensão dum telemóvel que estava na posse do arguido CC.
- A fls. 601 consta cópia do cheque entregue pelas sucatas EMP03... ao arguido BB.
- A fls. 616 consta o auto de leitura do telemóvel da testemunha BBB.
- A fls. 623 e ss. consta o auto de busca ao armazém situado no centro empresarial de ... (nessa busca, além do mais, foi apreendido o telemóvel que estava na posse do arguido FF).
- A fls. 630 a 634 consta o relatório fotográfico na sequência da busca ao armazém situado no centro empresarial de ....
- A fls. 635 a 638 constam vários manuscritos apreendidos na busca ao armazém situado no centro empresarial de ...
- A fls. 644 e ss. constam os originais desses manuscritos apreendidos no armazém situado no centro empresarial de ....
- A fls. 669 consta o contacto do telemóvel do DJ com o número ...03, gravado no telemóvel apreendido ao arguido FF.
- A fls. 669 e 670 constam mensagens trocadas entre o arguido FF e o DJ.
- A fls. 670 constam várias mensagens trocadas entre o arguido FF e o DJ (numa dessas mensagens datada de 23-01, consta a seguinte: O Gajo queria fatura e eu disse que tinha de pagar IVA e ele desistiu.)
- A fls. 671 e 673 constam mensagens trocadas entre o arguido EE e o DJ OOO.
- A fls. 673 consta a seguinte mensagem datada de 11-09-2018, do arguido EE para o ...: claro que estou aqui a vender forte e feio. Placas EMP01....
- A fls. 674 consta a seguinte mensagem datada de 21-05-2018, do arguido EE enviadas para o arguido FF: ...06 MARCA EMP01....
- A fls. 676 consta a seguinte mensagem datada de 22-05-2018, do arguido EE enviadas para o arguido FF: comprei as placas todas 5k. E uma fotografia de uma placa de 3 bocas já instalada.
- A fls. 677 consta a seguinte mensagem datada de 22-05-2018, trocada entre o arguido EE e o arguido FF: já testaste a placa grande?/ Já. É de indução. Só liga com o tacho/ excelente/ esta vao ficar aqui- Só falta 99/o AAA quer 20 ou 30.
- A fls. 679 a 681 constam mensagens trocadas entre os arguidos EE e FF.
- A fls. 693 e ss. constam mensagens trocadas entre o arguido HH e o arguido FF.
- A fls. 697 e 698 constam mensagens enviadas pelo arguido FF para a testemunha AAA com fotografias de uma caixa selada de uma placa vitrocerâmica de 3 bocas com a referência ...06, marca EMP01....
- A fls. 712 e ss consta fotos do perfil do DJ OOO com o contacto de telemóvel n.º ...03.
- A fls. 923 constam varias fotografias do contacto telefónico do DJ com o n.º ...03.
- A fls. 924 consta a identificação dos membros do grupo ... do WhattsApp.
- A fls. 926 constam mensagens trocadas entre os mesmo do ....
- A fls. 929 consta uma publicação do arguido EE, datada de 22-05-2018, na qual constam os seguintes dizeres: ...06 marca EMP01.../ Comprei as placas todas por 5k (nessas mensagens é possível visionar a mesma fotografia utilizada pelo arguido HH, já supra mencionada).
- A fls. 928 a 937 contam várias mensagens trocadas ente o arguido EE e o arguido FF sobre as placas ...06 marca EMP01....
- A fls. 949 consta uma mensagem enviada pela testemunha AAA para o arguido FF em que aquele questiona este pelo preço de 50 placas.
- A fls. 1273 a 1217 constam fotos das mensagens trocadas entre a testemunha KK com vista à aquisição da placa EMP01... que adquiriu e nas quais consta o contacto do telemóvel do DJ OOO com o n.º ...03.
- A fls. 2019, a assistente juntou aos autos a lista de clientes da EMP01... no ano de 2018 (nessa lista de clientes não consta o nome de qualquer arguido ou empresa gerida por estes).
- A fls. 2075 a 2933, 2172 e ss. e 2186 e ss, a assistente juntou aos autos o comprovativo da relação de inventário de equipamentos, referente a 31 de dezembro de 2017 enviado ao serviço de finanças; relação de inventário de equipamentos referente a 31 de dezembro de 2017 enviado ao serviço de finanças; relação de faturas de compras e vendas de 1 de janeiro de 2018 a 18 de maio de 2018; comprovativo da relação de faturas de compras a fornecedores da EMP01... de 1 de janeiro de 2018 até à data do alegado furto.
*
Evidenciado, assim, no essencial, o quadro probatório produzido na audiência de julgamento e junto aos autos importa, em primeiro lugar, apurar a autoria do furto e, depois, a autoria do crime de recetação que é imputado aos demais arguidos no douto libelo acusatório.
*
Começando pelo primeiro desses crimes (crime de furto), importa dizer que após a ocorrência desse ilícito, a assistente mencionou à GNR a falta de 11 paletes de placas de vitrocerâmica de três bocas, a falta das baterias de dois empilhadores e danos no cadeado – cfr. fls. 13 e 16.
Nas fotografias 3, 4 e 5 de fls. 25 e 26 é possível identificar 6 paletes vazias e algum “filme” que as envolvia essas paletes, agora vazias.
Para além disso, na fotografia 30 de fls. 30 é possível contabilizar 28 caixas de placas vitrocerâmica numa única palete embalada para o cliente final da EMP01....
Note-se que a testemunha XX também confirmou que cada palete transporta cerca de 28 placas de vitrocerâmica.
Ainda no que diz respeito ao número e natureza dos bens furtados, o tribunal também analisou a vasta documentação junta mais recentemente pela assistente.
Dito isto, temos como indiscutível, atento o quadro probatório supra evidenciado, conjugado com as declarações vagas e pouco precisas do legal representante da EMP01... e com o depoimento da testemunha XX, que apenas foi apresentada prova indiscutível de que o furto em apreço apenas teve como objeto, para além das baterias dos dois empilhadores, cujos danos deixaram rastros bem visíveis no chão do armazém da assistente, 168 placas de vitrocerâmica de 3 bocas com a referência ...06 (correspondente a 6 paletes com 28 caixas cada uma dessas paletes).
Não há evidência do furto de qualquer outro eletrodoméstico do interior das instalações da EMP01....
Mas se dúvidas existem da quantidade de placas de vitrocerâmica furtadas em face da grandeza do número avançado pela assistente, não podemos deixar de referir, desde já, que só um dos recetores das mesmas “gaba-se” da posse de uma centena delas – cfr. fls. 676 e 677-, o que reforça a credibilidade dos números ajuizados pelo tribunal.
Partindo, assim, desta verdade apurada, essencialmente, com base nas fotografias obtidas no local após o denunciado furto, dado que os demais documentos juntos pela assistente e as declarações do legal representante não foram esclarecedores quanto a este aspeto em especial, importa, agora, determinar se os arguidos AA, BB, CC e DD foram os autores desse furto.
E quanto a essa autoria, é nosso entendimento que o quadro probatório supra evidenciado, apreciado à luz das regras de experiência comum[1] de normalidade, permite-nos, com a certeza que se impõe, dar como provado que o crime de furto dessas baterias e 168 placas de vitrocerâmica de 3 bocas com a referência ...06 foi praticado pelos arguidos AA, DD, BB e CC nos termos que lhe é imputado e com a indiscutível intenção criminosa.
Com efeito, se nos ativermos, desde logo, ao depoimento da testemunha JJ e ao teor do “auto de reconstituição dos factos” junto a fls. 511 a 518, facilmente ajuizamos esta verdade por nós ajuizada está evidenciada nesse meio de prova legítimo e processualmente válido, além do demais quadro probatório já supra evidenciado.
Na verdade, conforme referiu esta testemunha, na sequência das diligências efetuadas pela GNR no âmbito da investigação e de acordo com os dados que lhe foram espontaneamente transmitidos pelo arguido DD, foi possível apurar os autores do furto ocorrido nas instalações da EMP01..., não obstante a prova já recolhida até essa data.
E a valoração positiva desse meio de prova junto a fls. 511 a 518, acompanhado pelo depoimento do identificado militar da GNR, não nos está vedada, até porque os únicos que podiam reclamar que a mesma não os podia incriminar, nomeadamente, os arguidos AA, BB e CC, quiseram prestar declarações e pronunciaram-se sobre essa factualidade em concreto.
Acresce que tendo o arguido DD colaborado intencionalmente para a realização da reconstituição dos factos, é obvio, à luz da nossa jurisprudência maioritária, que o seu silêncio na audiência de julgamento não prejudica a valoração desse meio de prova [2].
Não obstante essa verdade outrora relatada, de um modo espontâneo, pelo arguido DD à GNR, existem nos autos outros meios de prova que, quando conjugados, também nos permitem atingir a mesma conclusão pelas seguintes razões:
Em primeiro lugar, não podemos deixar de referir que o arguido AA tinha na sua posse uma placa vitrocerâmica, 3 bocas, marca EMP01..., referência ...06, como já supra se evidenciou.
E essa posse, mesmo que meses depois da ocorrência do furto identificado no libelo acusatório, não pode ser desvalorizada com o argumento de que o furto já tinha ocorrido há muito tempo.
Na verdade, será exatamente por causa do decorrer desse “longo” período de tempo que o arguido AA aligeirou os cuidados de ocultação de um dos bens furtados e, por este motivo, foi possível a sua apreensão nas circunstâncias evidenciadas pelo autor de apreensão de fls. 342 a 358.
O “decurso do tempo” esgrimido na audiência de julgamento não beneficiou, claramente, o arguido AA, antes pelo contrário.
De todo o modo sempre se dirá que a narrativa pueril avançada pelo arguido para “justificar” a sua posse dessa placa de vitrocerâmica não tem, indiscutivelmente, a virtualidade probatória que o mesmo lhe quis atribuir.
Aliás, se algo é indiscutível, até pelos motivos que iremos aduzir mais adiante, estas placas escoam-se mais facilmente na “feira da internet” do que certamente na “feira de Famalicão”, onde se situa a investigação do crime e onde o arguido afirmou ter sido comprada essa placa vitrocerâmica que lhe foi apreendida.
A posse de uma das placas de vitrocerâmica que foram furtadas do interior do armazém da assistente, permite-nos, assim, estabelecer, desde já, a imputada autoria do crime de furto em apreço nos autos ao arguido AA.
Em segundo lugar, também não podemos deixar de realçar que os arguidos AA e BB também colocam os arguidos CC e DD na diligência levada a cabo com as baterias junto da sucata.
É certo que o arguido CC referiu que não esteve no interior dessa sucata, no momento em que aí se deixaram as ditas baterias.
Acontece que esta sua ausência momentânea, para além de convincentemente “justificada”, como também referiu a testemunha MM, apenas o desvia desse momento em concreto, mas não o afasta da coautoria do furto porquanto, não fosse a sua carrinha, o furto dos eletrodomésticos e das baterias ficaria obviamente gorado.
A sua intervenção nessa ação criminosa, atenta a natureza e quantidade de bens, transportados com recurso à sua carrinha, é inquestionável.
Note-se que estas baterias vendidas pelos arguidos na sucata dos “falcões”, como confirmado pelos arguidos AA e BB – cfr. neste sentido também fatura junta a fls. 47, comprovativo da entrega de um cheque ao BB junto a fls. 48 e fotogramas juntos a fls. 66 e ss.- são condizentes com as baterias furtadas dos empilhadores que estavam no interior do armazém da EMP01..., – cfr. neste sentido depoimento da testemunha ZZ e fls. 25 e ss.-, curiosamente, no período de tempo coincidente com o furto dos apontados eletrodomésticos e baterias dos empilhadores.
Acresce que, a “história” verbalizada pelo arguido BB para “justificar” a posse dessas baterias revela pouca criatividade e, por esta razão, não foi acompanhada pelo tribunal.
Com efeito, não basta ficcionar que num dia que não sabe precisar, à saída de um restaurante que não sabe onde se situa, viu um homem com uma carrinha cheia de baterias e que as queria vender por 100 euros porque não sabia nem porque as tinha na sua posse nem o que fazer com elas e ele aceitou esse negócio até porque tinha 100 euros no bolso, para convencer o tribunal de que essa narrativa corresponde à realidade, como é óbvio à luz das mais elementares regras de experiência comum.
Aliás, a ser verdade esta estória, certamente que esse “desesperado homem” sabia onde se situava outra o mesmo a sucata onde depois, com a ajuda dos demais arguidos, o arguido BB disse que levou as baterias e recebeu dinheiro por elas.
Em terceiro, não podemos deixar de dizer que estes quatro arguidos tiveram na sua posse objetos que foram furtados do interior das instalações da demandante no exato momento em que também desapareceram as ditas placas de vitrocerâmica.
Dúvida não há, assim, também pelos motivos agora evidenciados, que em face da natureza, da quantidade, das características dos eletrodomésticos, da caraterísticas e peso das baterias e do local onde o furto foi efetuado, que o mesmo só podia ter sido executado, desde o primeiro momento, pelos quatro arguidos, incluindo, assim, também o arguido DD no furto dos eletrodomésticos, donde, repete-se também foram furtadas as baterias dos empilhadores com recurso aos quais lograram carregar a dita carrinha com as ditas placas de vitrocerâmica.
Com efeito, dúvida não nos assola que os arguidos AA, BB, CC e DD arrombaram o portão do armazém da assistente e apoderaram-se, contra a vontade da assistente, das placas de vitrocerâmica e das baterias a que alude o auto de notícia junto a fls. 3, embora aquelas em número inferior ao avançado nessa data pela assistente às autoridades policiais.
Aliás, tudo aconteceu como o arguido DD verbalizou ao militar da GNR, embora este, convenientemente, em face das imagens exibidas do interior da sucata, tenha omitido a sua necessária e indispensável ajuda também no furto das identificadas placas de vitrocerâmica.
Assim, em face do quadro probatório supra evidenciado, o tribunal ajuizou que estes quatro arguidos, no período de tempo em apreço, praticaram o furto que lhes é imputado no libelo acusatório, com a indiscutível intenção de furtar tudo o que tivesse valor e que pudessem carregar, mesmo que em períodos de tempo distintos, o que desconhecemos.
Esclarecida, assim, a autoria do furto, bem como a natureza e quantidade de bens furtados do interior das instalações da assistente, importa agora determinar se os demais arguidos praticaram os factos que também lhe são doutamente imputados no libelo acusatório.
E para responder a esta questão, não podemos deixar de dizer, desde já, que a mera leitura das mensagens que o arguido EE trocou com o arguido FF já supra evidenciadas, permite-nos ajuizar, com a certeza que se exige, que foi ele o recetor de 100 das placas de vitrocerâmica com a referência que publicou e que foram, atenta essa referencia, as placas de vitrocerâmica furtadas pelos arguidos AA, CC, DD e BB nos termos já supra evidenciados.
Se dúvida há quanto à verdade deste nosso juízo, uma breve e superficial leitura das mensagens juntas a fls. 673, 674, 675, 676, 677 afastam-na categoricamente.
Note-se que parte destas mensagens são contemporâneas da data do furto ocorrido no armazém da assistente e donde despareceram as placas de vitrocerâmica com essa referência.
Os mais distraídos dirão, com vista a contraditar este nosso juízo, que 1% dessas placas foram vendidas pela EMP01... no nosso mercado nacional (com exceção e à cautela, diremos nós em coerência com o já afirmado, da “feira de Famalicão”) e, por essa razão, as placas que tanta “bazófia” despertaram no grupo do WhatsApp, foram adquiridas pelo arguido nesse exíguo mercado nacional.
Os mais entusiasmados também dirão, com vista a prejudicar este nosso juízo, que aquando desse publicitado entusiasmo por causa da venda das placas de vitrocerâmica da EMP01... com a referência ...06, o arguido EE já tinha relações comerciais, como até pode ter sugerido o legal representante da EMP01... nas suas vagas afirmações e, por este motivo, essas placas foram adquiridas à EMP01....
Acontece que em qualquer um destes desesperados cenários sugeridos pela defesa, o arguido EE tinha de ter apresentado um “papel” igual ao “papel” que outros clientes da EMP01... apresentaram, normalmente um “papel” denominado de “recibo de pagamento de 100 placas de vitrocerâmica da EMP01... com a referência ...06” e não o fez, podendo fazê-lo, dado que é um comerciante com confessado sucesso de vendas também em mercados emergentes – Cfr. fls. 158 donde consta uma fatura emitida pela EMP01... relativa à venda de uma placa vitrocerâmica com a referência ...06, pelo preço de 159,78 euros, datada de 21-07-2019, à empresa EMP08..., Lda..
A desenvolver uma atividade comercial devidamente acompanhada pela ATA, tinha obrigatoriamente de ter comprovativo de compra das placas e não o tem, como é óbvio.
Aliás, a ser verdade que possui o recibo de compra dessas placas de vitrocerâmica, temos confessadas dificuldades em compreender a prática de “dumping” por parte deste arguido.
Acresce que, apesar dessas declarações vagas e imprecisas do legal representante da assistente quanto à data do início das relações comerciais entre a EMP01... e a empresa do arguido EE e/ou arguido EE, não podemos deixar de evidenciar que em todas as listas de clientes juntas aos autos pela EMP01..., não há uma única referência, aquando das mensagens juntas a fls. 673, 674, 675, 676 e 677, que essa empresa e/ou arguido já era(am) clientes da EMP01....
Falece, assim, esta narrativa que colocamos no mesmo patamar de credibilidade das narrativas avançadas pelos arguidos AA e BB já supra mencionadas.
Dúvida não há, porque confessado pelo arguido EE nas identificadas mensagens, que este logrou adquirir 100 placas de vitrocerâmica com a referência ...06 e marca EMP01... aos arguidos AA, CC, BB e DD, sabendo, obviamente, atento o preço de venda publicitado, da sua origem.
Incorreu, assim, no crime que lhe é imputado no libelo acusatório com a descrita intenção.
E o mesmo se dirá, pelos mesmos motivos, relativamente ao arguido FF.
Com efeito, quer as mensagens que este arguido trocou com o arguido EE, quer as mensagens que este arguido FF trocou com a testemunha AAA, são suficientemente esclarecedoras dessa verdade por nós agora evidenciada – cfr. mensagens juntas a fls. 673, 674, 676, 677, 697, 698 e 949.
De facto, em todas essas mensagens o arguido PPP trata do “assunto” relativamente a estas placas de vitrocerâmica com a referência ...06 e marca EMP01..., do qual não existe qualquer documento que justifique a sua existência no armazém onde o arguido EE desenvolvida a sua atividade comercial.
E em todas essas mensagens é perfeitamente percetível que o arguido sabia da origem dessas placas ou não fosse o cliente mais exigente até reclamar pela emissão de um recibo e “desgraçadamente”, até pagar o IVA devido por essa transação.
Escusado será dizer que até os manuscritos apreendidos na busca ao armazém da empresa do arguido EE “concedem” tratamento especial às placas da EMP01... e não é certamente pelo alegado “óleo dos rissóis”.
Mas se dúvida existe da participação ativa deste arguido FF no escoamento “sem IVA” dessas placas de vitrocerâmica com a referência ...06, marca EMP01..., o depoimento da testemunha BBB, já supra evidenciado, é suficientemente esclarecedor onde e a quem comprou, sem o dito IVA – cfr. foto n.º 4 de fls. 670.
Note-se que nesse armazém onde a testemunha BBB afirmou ter concretizado a compra duma placa de vitrocerâmica com a referência ...06, marca EMP01..., como referiram as testemunhas DDD e EEE, é onde se situam as “empresas” do arguido EE e onde também “colaboravam”, no período de tempo em apreço, os arguidos GG (conhecido e publicitado nas redes sociais com o DJ) e HH.
Com efeito, o arguido GG, cujo número de contacto do telemóvel corresponde ao ...03 – cfr. fls. 669 e 1277 - foi o número utilizado pelos confessos compradores BBB e KK com vista à concretização da compra de duas dessas placas de vitrocerâmica que estavam nas instalações do arguido EE.
Dúvida não há, assim, que também este arguido tinha conhecimento do “esquema” com vista a escoar via “feira de internet” (expressão exclusivamente nossa) as ditas placas com a referência ...06, marca EMP01..., sem IVA, como evidenciado nas mensagens trocadas entre os arguidos.
A sua intervenção é, portanto, ativa até pela reconhecida colaboração que o mesmo desenvolveu com o arguido EE – cfr. neste sentido depoimentos das testemunhas DDD e EEE.
E a mesma atuação criminosa também se imputa aos arguidos II e HH, apesar de não existir qualquer indicio de que a atuação do arguido II foi concertada com a autuação dos demais arguidos acusados da prática de um crime de recetação.
Com efeito, também estes arguidos, como resulta dos anúncios por eles publicitados e supra evidenciados, também diligenciaram pelo escoamento das placas de vitrocerâmica com a referência ...06, marca EMP01....
Note-se que nesses anúncios que publicitaram nas plataformas digitais, os arguidos HH e II nem sequer esconderam que as placas estavam novas e embaladas.
Acresce que também estes anúncios são contemporâneos do anúncio publicitado pelo arguido EE e com a ocorrência do furto.
Neste contexto, em face da publicitação por parte dos arguidos da venda de placas de vitrocerâmica com a referência ...06, marca EMP01..., dificilmente podemos acompanhar qualquer argumento que vise afastar a culpa e a ilicitude que também lhes é atribuída no libelo acusatório.
De facto, não existe um único documento apresentado também por estes arguidos que justifique a posse legítima dessas placas de vitrocerâmica que, curiosamente, poucos dias antes tinham sido furtadas do interior do armazém da assistente pelos arguidos AA, BB, CC e DD.
Apesar do afirmado, importa, salientar, mais uma vez, que todos estes arguidos sabiam que todas essas placas estavam embaladas e em estado, o que afasta qualquer tese niilista quanto à sua intenção ao recebê-las e tentar escoá-las através dos sites de vendas existentes na internet.
Note-se que no caso a descoberta das placas de vitrocerâmica à venda por estes arguidos nos sites de vendas existentes na internet apenas foi possível porque são placas com um design específico e com uma referência única.
Acresce que os arguidos EE, FF, QQQ e HH também tinham a noção de que a sua venda não podia ser efetuada mediante a emissão de recibo (com IVA), com exceção do arguido II, cuja fragilidade económica evidenciada no respetivo relatório social, empurrou-o para este tipo de esquema criminoso.
Dúvida não nos assola que os arguidos II, HH, FF, GG e EE agiram com a intenção criminosa que lhes é imputada.
Os demais factos não provados resultaram da inexistência de qualquer prova quanto à sua ocorrência ou a prova produzida foi manifestamente insuficiente para os dar como provados.
E quanto a este aspeto em concreto, não podemos deixar de evidenciar, mais uma vez, que não há prova de que os arguidos AA, BB, CC e DD furtaram quaisquer aquecedores à EMP01... e, por maioria de razão, que os demais arguidos tiveram acesso aos mesmos em idênticas circunstâncias à das placas de vitrocerâmica.
Dai a resposta negativa do tribunal e essa factualidade.
Por sua vez, o depoimento destas duas testemunhas, MM e LL, considerando o teor da fatura de fls. 58 e com o teor das imagens de videovigilância juntas a fls. 66 a 79, acabou por ser irrelevante para a formação da convicção do tribunal porquanto nada de relevante acrescentou ao teor dessa fatura e dessas imagens.
Por fim, foram ainda relevantes as declarações dos arguidos quanto à sua situação socioeconómica, o teor dos relatórios sociais e o teor dos C.R.C. juntos aos autos.
(…)”. 2. Questão prévia dos erros de escrita
A redacção do texto relativo à motivação da fundamentação do julgamento da matéria de facto apresenta um erro manifesto de escrita que afectam os facto dados como provados sob os n.ºs 1), 11) e 17) que versa a matéria da data da subtracção dos bens.
Na verdade, o texto em apreço apresenta a seguinte redacção (negrito e sublinhado nossos):
“(…)
1.- Em circunstâncias de tempo não concretamente apuradas, mas que se situam entre os dias ../../2018 e 21-08-2018, os arguidos AA, BB, DD e CC, em conjugação de esforços e em execução concertada de plano estabelecido entre todos, dirigiram-se às instalações da empresa EMP01..., sita na Rua ..., ..., pretendendo aí entrar e retirar eletrodomésticos e outros bem aí existentes na posse da ofendida, a que pudessem lançar mão, para deles fazerem coisa sua, contra a legítima vontade da sua legítima possuidora.
(…)
9.- Em dia não concretamente apurado, mas após esse furto, através pessoa cuja identidade não foi possível apurar, mas com ligações aos arguidos AA e BB, o arguido EE comprou 100 placas de vitrocerâmica, novas em caixas, de 3 focos, da marca EMP01..., referência ...06, pelo valor de 5.000,00€, valorizando, assim, cada unidade no montante de 50,00€.
10.- Após armazenar essa 100 placas, algumas das quais, no interior do armazém situado no Centro Empresarial, em ..., os arguidos EE, GG, FF e HH diligenciaram pela difusão nas redes sociais da venda das referidas placas vitrocerâmicas, marca EMP01..., em estado novo, embaladas e pelo preço superior ao valor pago por elas pelo arguido EE.
11.- Assim, na execução desse plano, no dia 23-05- 2018, o arguido FFF anunciou através de foto e texto, nos grupos “compra- coisas” e “coisas para vender” da rede social Facebook, a venda de várias placas novas e embaladas pelo valor de 125,00€ (cento e vinte e cinco euros), conforme documento junto a fls. 41 a 43, cujos dizeres se dão aqui por integralmente reproduzidos.
(…)
17.- Após esse furto ocorrido entre o dia ../../2018 e o dia 21-08-2018, através pessoa cuja identidade não foi possível apurar, mas com ligações aos arguidos AA e BB, o arguido II comprou, pelo menos, duas placas de vitrocerâmica de 3 focos, marca EMP01..., referência ...06.
18.- Cerca das ..., do dia 24 de maio de 2018, o arguido II anunciou no site da internet denominado ..., a venda das placas de vitrocerâmica de 3 focos, da marca ..., com referência ...06, novas em caixa, pelo valor de 90,00€ (noventa) euros, conforme documento junto a fls. 38 a 40, cujos dizeres se dão aqui por integralmente reproduzidos.
(…)”.
É inequívoco que a referência ao mês de Agosto de 2018 deixada nos factos provados 1) e 17) constitui um erro de escrita patente, notório à face das demais datas constantes do texto do acórdão.
Tal lapso, por não envolver qualquer modificação essencial, é rectificável oficiosamente nos termos do artigo 380.º, n.º 1, alínea b) e n.º 2 do Código de Processo Penal.
Assim, por referência aos factos dados como provados sob os n.ºs 1) e 17), onde se escreveu “21-08-2018” passará a constar “21-05-2018”.
Por outro lado, também não suscita qualquer oposição que o arguido HH está incorrectamente identificado quando é referido como sendo FFF nos factos dados como provados.
Porquanto, desta feita por referência aos factos dados como provados sob os n. 11), onde se escreveu “FFF” passará a constar “HH”
3. Contradição insanável da fundamentação da sentença 3.1. O recurso pode ter como fundamento, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, a contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão (art 410.º, n.º 1, al. b), do CPP).
A contradição em apreço “tanto pode emergir de factos contraditoriamente provados entre si, como entre este e os não provados (…), como finalmente entre a fundamentação (em sentido amplo, abrangendo a fundamentação de facto e de direito) e a decisão. (…) Por vezes, a contradição surpreende-se até no modo como se apresenta a fundamentação da matéria de facto, quando essa fundamentação resulta contraditória com a solução de facto encontrada” (Vide PEREIRA MADEIRA, in “Código de Processo Penal comentado”, Almedina, 2.ª Edição, 2016, pp. 1274-1275),
As referidas contradições só importam a efectiva verificação do vício quando sejam insanáveis, isto é, quando não sejam supríveis pelo tribunal ad quem. “Na verdade, tratando-se, por exemplo, de um erro no assentamento da matéria de facto (…) de um erro perceptível pela simples leitura do restante texto da decisão, não poderá falar-se em vício de contradição, o qual só existirá se, eliminado o erro pelo expediente previsto no art. 380.º do CPP, correcção a que o próprio tribunal de recurso pode e deve proceder (n.º 2 do mesmo artigo), a contradição persistir, Então, sim, insanável” (Idem). 3.2. A mera análise do segmento decisório acima transcrito revela que a decisão recorrida incorreu em manifesta contradição no julgamento da matéria de facto que afecta parcialmente o decidido.
Após ter dado como provado que as placas vitrocerâmicas foram subtraídas pelos arguidos AA, BB, CC e DD, o tribunal a quo deu como provado que o arguido EE – e apenas este – comprou 100 placas vitrocerâmicas a pessoa cuja identidade não foi possível apurar, mas com ligações aos arguidos AA e BB (Facto provado 9).
E mais foi dado como provado que, após a referida compra, os arguidos GG, FF e HH diligenciaram pela venda dos referidos electrodomésticos nas redes sociais (Facto provado 10).
Do mesmo modo, o tribunal a quo deu como provado que o arguido II – e apenas este – comprou, pelo menos, 2 placas vitrocerâmicas a pessoa cuja identidade não foi possível apurar, mas com ligações aos arguidos AA e BB (Facto provado 17).
Além disso, o tribunal a quo deu como provado que os arguidos EE, GG, FF, HH e II compraram as referidas placas vitrocerâmicas a pessoa que os mesmos não conheciam e cuja identidade não foi possível apurar (Facto provado 20).
Finalmente, o tribunal fez constar da motivação que “dúvidas não há, porque confessado pelo arguido EE nas identificadas mensagens, que este logrou adquirir 100 placas de vitrocerâmica com a referência ...06 e marca EMP01... aos arguidos AA, CC, BB e DD, sabendo, obviamente, atento o preço de venda publicitado, da sua origem” (fls. 41, in fine, da sentença).
3.3. A existência de contradições é manifesta, pois o tribunal a quo ora coloca o arguido EE acomprar directamente as 100 placas a um indivíduo não identificado com ligações aos arguidos AA e BB, ora coloca aquele arguido a comprar directamente a todos arguidos que intervieram na respectiva subtracção, sem que se perceba a ligação exclusiva do aludido indivíduo não identificado aos arguidos AA e BB e a falta de ligação aos demais arguidos intervenientes na subtracção.
Além disso, o tribunal a quo começou por colocar os arguidos GG, FF, HH a auxiliar EE na revenda das 100 placas, mas acabou por dar como igualmente provado que todos estes arguidoscompraram directamente as referidas placas a um indivíduo não identificado, sem que se perceba como é que esta pessoa não identificada é ou não é conhecida dos referidos arguidos. 3.4. As contradição existentes na fundamentação de facto da sentença recorrida são insanáveis, nesta Relação, pois não são supríveis mediante a mera análise da restante decisão recorrida e impõem a respectiva correcção mediante uma nova decisão sobre o julgamento da matéria de facto, isto sem prejuízo da proibição da reformatio in pejus.
Este vício decisório seria suficiente para determinar o reenvio do processo para novo julgamento a realizar em 1.ª instância apenas relativamente a parte do objecto do processo correspondente aos factos dados como provados sob os n.ºs 9, 17, 20 a 22 na parte relativa aos arguidos EE, GG, FF, HH e II – dir-se-ia apenas na parte relativa às imputadas receptações –, na medida em que não respeita a todos os factos típicos nucleares do objecto do presente procedimento criminal (art. 426.º, n.º 1, do CPP).
Não obstante, como se verá, o reenvio será mais amplo em virtude do concurso de outros valores negativos que afectam o julgamento da matéria de facto relativa à matéria da subtracção das placas vitrocerâmicas e das baterias. 4. Nulidade da decisão recorrida por falta de fundamentação
Segundo o recorrente HH , a decisão recorrida “não explicou de forma clara e coerente como se chegou à conclusão de que o Recorrente HH tinha conhecimento da origem ilícita dos bens”.
Com isso, pretende o recorrente arguir a nulidade da sentença recorrida prevista no art. 379.º, al. a), do CPP, por violação do disposto no art. 374.º, n.º 2 do CPP.
Analisada a motivação, é possível ainda perceber que o recorrente tem em vista o julgamento da matéria de facto alcançado relativamente aos factos provados 9) a 12), 20) e 21), mais concretamente, na vertente subjectiva traduzida no conhecimento do arguido HH sobre a origem ilícita das placas vitrocerâmicas.
Ora, o conhecimento desta questão mostra-se prejudicado pelo reenvio acima decidido. 5. Erro notório na apreciação da prova 5.1. Os recorrentes AA, CC e FF consideram que a decisão recorrida padece de erro notório na apreciação da prova.
Para tanto, estes recorrentes alegam que, não obstante o silêncio adoptado pelo co-arguido DD durante todo o julgamento, o tribunal a quo valorou indevidamente as declarações prestadas durante o inquérito pelo referido arguido exclusivamente perante órgão de polícia criminal e que ficaram reduzidas a escrito no auto denominado “Relato de diligência externa” que consta a fls. 511 e seguintes dos autos.
Mais alegam os recorrentes que as declarações do referido arguido que constam do aludido “Relato de diligência externa” constituem prova proibida em virtude de o co-arguido DD não ter solicitado a respectiva leitura no julgamento em conformidade com o disposto nos artigos 355.º e 357.º do Código de Processo Penal.
Mais foi alegado, desta feita ao abrigo do disposto no art. 345.º, n.º 4, do CPP, que estas declarações do co-arguido DD não podem valer como meio de prova contra os demais arguidos em virtude daquele se ter recusado a prestar declarações no julgamento.
5.2. O recurso pode ter como fundamento, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, o erro notório na apreciação da prova (art 410.º, n.º 2, al. c), do Código de Processo Penal).
Estão aqui incluídas, desde logo, “as hipóteses de erro evidente, escancarado, escandaloso, de que qualquer homem médio se dá conta”, mas também estão aqui previstas “todas as situações de erro clamoroso, e que, numa visão consequente e rigorosa da decisão no seu todo, seja possível, ainda que só ao jurista, e, naturalmente ao tribunal de recurso, assegurar, sem margem para dúvidas, comprovar que, nelas, a prova foi erroneamente apreciada” (Vide PEREIRA MADEIRA, in “Código de Processo Penal comentado”, Almedina, 2.ª Edição, 2016, p. 1275).
5.3. Nesta parte, os recorrentes vieram invocar proibições de prova relacionadas com a violação do princípio da imediação.
Vejamos, em síntese, o respectivo regime.
A leitura de acto processual de inquérito que contenha declarações do arguido prestadas perante órgão de polícia criminal só é permitida no julgamento a solicitação do próprio arguido (artigos 356.º, n.º 1, al. b), e 357.º, n.º 1, al. a), do CPP).
A violação das regras que permitem a leitura daquele acto processual, estabelecidas nos artigos 356.º e 357.º, pode também ter lugar na própria sentença.
A lei estatui expressamente a sanção: neste caso, a prova não vale em julgamento para o efeito de formação da convicção do tribunal e, portanto, não pode ser invocada na fundamentação da sentença ou acórdão (art. 355.º, n.º 1, do CPP).
Isto não pode deixar de significar que a insusceptibilidade de utilização de prova cuja produção na audiência fosse proibida constitui uma verdadeira proibição de prova.
Interessa, pois, saber qual é o regime do conhecimento das proibições de prova relacionadas com a violação do princípio da imediação.
5.4. À partida, tais proibições de prova não são legalmente equiparadas às proibições de prova relacionadas com aviolação dos direito fundamentais de liberdade e fulminadas com a sanção processual da nulidade (sui generis) expressamente prevista no art. 32.º, n.º 8, da Constituição, e no art. 126.º, do CPP.
Na verdade, a lei processual não se limita a declarar expressamente a nulidade destas últimas provas e acrescenta ainda que as mesmas não podem ser utilizadas (art. 126.º, n.º 1, do CPP).
Mais, estas nulidades probatórias podem ser conhecidas oficiosamente mesmo depois do trânsito em julgado da decisão, ou seja, podem ser conhecidas em sede de recurso extraordinário de revisão (artigos 118.º, n.º 3, e 449.º, n.º 1, al. e), do CPP).
É consabido que as nulidades tornam inválido o acto em que se verificarem (art. 122.º, n.º 1, do CPP).
Assim sendo, a sentença fundada nestas provas nulas é ela própria nula nos termos do art. 122.º, n. 1, do CPP.
Tais nulidades podem ser fundamento específico e autónomo de recurso ao abrigo do disposto n.º 3 do art. 410.º do Código de Processo Penal e a eventual procedência deste recurso conduz à repetição da sentença pelo tribunal aquo, desta feita sem a ponderação da prova proibida, isto é, a procedência destas nulidades nunca dá lugar a reenvio do processo para novo julgamento (artigos 410.º, n.ºs 2 e 3, e 426.º, n.º 1 a contrario, do CPP; PINTO DE ALBUQUERQUE, “Comentário do Código de Processo Penal”, 3.ª Edição, 2009, p. 321).
5.5. Dir-se-á, por maioria de razão, que a solução reenvio do processo para novo julgamento também estará afastada nas proibições de prova relacionadas com a mera violação do princípio da imediação.
Bem vistas as coisas, a desconformidade processual em presença não se reconduz a qualquer erro na apreciação dos meios de prova pelo julgador, mas antes na mera valoração de determinado meio de prova que era insusceptível de ser valorado.
Acima de tudo, importa perceber nesta situação, conforme assinalado por PINTO DE ALBUQUERQUE, que a chamada à colação da «solução do erro notório na apreciação da prova distorce o sentido deste vício decisório sobre a matéria de facto, por um lado, considerando sempre “notórias” quaisquer interpretações violadoras das disposições legais supra referidas e, por outro lado, deslocando a resolução da questão para o plano do art. 410.º, n.º 2, quando ela se deve colocar, por força da CRP, no plano das nulidades, isto é, do art. 410.º, n.º 3 » (Ob. Cit, p. 327).
Segundo o referido Autor, na ausência de um regime geral das proibições de prova, as proibições de prova relacionadas com a mera violação do princípio da imediação deverão seguir o mesmo regime dasproibições de prova relacionadas com a violação dos direito fundamentais de liberdade, pois avança que: “A proibição de prova relacionada com a violação do princípio da imediação da prova constitui um vício do modo de formação da convicção do tribunal, cuja repercussão é a nulidade da prova proibida quando ela venha a ser valorado na sentença (art. 32.º, n.º 8, da CRP) » (Idem).
Mais esclarece o referido Autor que «Quando o juiz valora prova proibida na sentença, pronunciando-se erradamente sobre a interpretação da norma que previa proibição de prova, isto é, admitindo como válida uma prova proibida, o vício é outro: a sentença incorre então num vício de direito (rectius, de interpretação jurídica). O vício deve ser devidamente alegado nos termos do artigo 412.º, n.º 2, al. b)» ((Ob. Cit, p. 327-328).
Aqui chegados, importa concluir, salvo melhor opinião, que o erro de direito consubstanciado na violação das regras que regulam o modo de formação da convicção, incluindo as proibições de prova, não pode ser reconduzido ao vício do erro notório na apreciação da prova.
Este erro de direito poderá conduzir à nulidade da prova proibida que torna inválido o acto em que se verificarem (art. 122.º, n.º 1, do CPP).
Assim sendo, a sentença fundada nestas provas nulas será ela própria nula nos termos do art. 122.º, n. 1, do CPP.
Vejamos, então, o que se passou nos presentes autos à luz deste entendimento.
5.6. Efectivamente, o arguido DD recusou prestar declarações sobre o objecto do processo durante todo o julgamento e o tribunal a quo valorou na sentença as declarações prestadas durante o inquérito pelo referido arguido exclusivamente perante órgão de polícia criminal que ficaram reduzidas a escrito no auto denominado “Relato de diligência externa” que consta a fls. 511 e seguintes dos autos.
Acresce que o arguido DD não solicitou a leitura daquele auto no julgamento em conformidade com o disposto nos artigos 355.º e 357.º do Código de Processo Penal.
Além disso, a sentença revela que o tribunal a quo entendeu expressamente que o silêncio daquele arguido na audiência não prejudicava a valoração do auto em apreço.
Em conformidade com o entendimento aqui avançado, estamos perante um eventual erro de direito a dilucidar à margem do vício decisório do erro notório na apreciação da prova, mais concretamente, em sede de impugnação do julgamento da matéria de facto.
Assim sendo, a invocação do vício decisório previsto no art. 410.º, n.º 2, al. c), do CPP, ficou a dever-se a uso impróprio do mesmo.
5.7. Porquanto, os recursos devem improceder nesta parte. 6. Impugnação ampla do julgamento da matéria de facto 6.1. Considerações gerais
Dispõe o art. 428.º do CPP que os Tribunais da Relação conhecem de facto e de direito.
Dado que no caso em análise houve documentação da prova produzida em audiência, com a respectiva gravação integral, pode o tribunal de recurso reapreciá-la na perspectiva ampla prevista nos artigos 412.º, n.º 3, e 431º do CPP, ficando, todavia, o seu poder de cognição delimitado pelas conclusões da motivação do recorrente.
Nestes casos de impugnação da matéria de facto, a apreciação pelo tribunal superior já não se restringe ao texto e contexto da decisão, mas abrange a análise do que se contém e pode extrair da prova (documentada/gravada) produzida em audiência, mas sempre a partir de balizas fornecidas pelo recorrente no estrito cumprimento do ónus imposto pelos n.º s 3 e 4 do artigo 412.º, tendo em vista o reexame dos erros de procedimento ou de julgamento e visando a modificação da matéria de facto, nos termos do artigo 431.º, alínea b), do Código de Processo Penal.
Este recurso não tem por finalidade nem pode ser confundido com um "novo julgamento" da matéria de facto, assumindo-se antes como um “remédio” jurídico.
Na verdade, conforme salientou o Prof. Germano Marques da Silva, “Recorde-se que o recurso ordinário no nosso Código é estruturado como um remédio jurídico, visa corrigir a eventual ilegalidade cometida pelo tribunal a quo. O tribunal ad quem não procede a um novo julgamento, verifica apenas da legalidade da decisão recorrida, tendo em conta todos os elementos de que se serviu o tribunal que proferiu a decisão recorrida. Por isso também a renovação da prova só seja admitida em situações excepcionais e sobretudo que tenha de indicar expressamente os vícios da decisão recorrida.” (Registo da prova em Processo Penal. Tribunal Colectivo e Recurso, in Estudos em homenagem a Cunha Rodrigues, vol. I, Coimbra 2001, pág. 809).
No mesmo sentido, ficou escrito no Ac. STJ de 17 de Fevereiro de 2005, Proc. 04P4324, “(…) o recurso em matéria de facto para a Relação não constitui um novo julgamento em que toda a prova documentada é reapreciada pelo Tribunal Superior que, como se não tivesse havido o julgamento em 1ª Instância, estabeleceria os factos provados e não provados e assim indirectamente validaria ou a factualidade anteriormente assente, mas é antes um remédio jurídico que se destina a despistar e corrigir erros in judicando ou in procedendo, que são expressamente indicados pelo recorrente, com referência expressa e específica aos meios de prova que impõem decisão diferente, quanto aos pontos de facto concretamente indicados, ou com referência à regra de direito respeitante à prova que teria sido violada, com indicação do sentido em que foi aplicada e qual o sentido com que devia ter sido aplicada”.
Por conseguinte, o recurso em matéria de facto, destina-se apenas à reapreciação da decisão proferida em primeira instância em pontos concretos e determinados. Tem como finalidade a reapreciação de “questões de que pudesse conhecer a decisão recorrida” (cfr. designadamente o art. 410º, n.º l do CPP).
Daí que o legislador tenha estabelecido um específico dever de motivação e formulação de conclusões do recurso nesta matéria - cfr. artigo 412º, n.º 1, 3 e 4 do CPP.
Segundo o n.º 3 do citado artigo 412º, quando impugne a decisão proferida sobre matéria de facto, o recorrente deve especificar:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida;
c) As provas que devem ser renovadas.
Por seu turno, nos termos do n.º 4 do mesmo artigo 412.º, na redacção que lhe foi conferida pela lei n.º 27/2015, de 14 de Abril, “Quando as provas tenham sido gravadas, as especificações previstas nas alíneas b) e c) do número anterior fazem-se por referência ao consignado na acta, nos termos do disposto no n.º 3 do artigo 364.º, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que se funda a impugnação”.
A este respeito, como se salientou no Ac. do STJ de 19-5-2010, processo n.º 696/05.7TAVCD.S1, que “As indicações exigidas pelos n.ºs 3 e 4 do artigo 412.º do CPP são imprescindíveis para a delimitação do âmbito da impugnação da matéria de facto e não um ónus de natureza puramente secundária ou meramente formal, antes se conexionando com a inteligibilidade e concludência da própria impugnação da decisão proferida sobre matéria de facto. É o próprio ónus de impugnação da decisão proferida sobre matéria de facto que não pode considerar-se minimamente cumprido quando o recorrente se limite a, de uma forma vaga ou genérica, questionar a bondade da decisão proferida sobre matéria de facto”.
Nesta matéria, o Ac. da Rel. de Coimbra de 22.10.2008, proferido no proc. n.º 1121/03.3TACBR.C1, bem explicita “A especificação dos “concretos pontos de facto” só se mostra cumprida com a indicação do facto individualizado que consta da sentença recorrida … que considera incorrectamente julgado, sendo insuficiente a alusão a todos ou parte dos factos compreendidos em determinados números ou itens da sentença, sendo que a exigência legal de especificação das “concretas provas” só se queda satisfeita com a indicação do conteúdo específico do meio de prova”.
Ainda sobre a exigência contida na alínea b) do n.º 3 do artigo 412.º do CPP, importa não perder de vista, como bem se enfatizou no Ac. desta Rel. de Guimarães de 20-3-2006, proc.º n.º 245/06-1ª, in www. dgsi.pt: (…) a lei refere as provas que «impõem» e não as que “permitiriam» decisão diversa. É que afigura-se indubitável que há casos em que, face à prova produzida, as regras da experiência permitem ou não colidem com mais do que uma solução. Se a decisão do julgador, devidamente fundamentada, for uma das soluções plausíveis segundo as regras da experiência, ela será inatacável, já que foi proferida em obediência à lei que impõe que ele julgue de acordo com a sua livre convicção.»
Vejamos, pois, o caso concreto. 6.2. Objecto da impugnação da matéria de facto
Explicitado o entendimento sobre o sentido e alcance da impugnação da matéria de facto, na vertente da impugnação ampla, importa constatar que o recorrente AA discorda parcialmente da decisão sobre o julgamento da matéria de facto, não havendo dúvidas quanto aos concretos factos sindicados, nem quanto às provas em que apoia a impugnação ampla.
Em concreto, este recorrente impugnou a matéria de facto constante dos factos dados como provados na decisão recorrida sob os números 2 a 7, e 9 acima transcritos, os quais considera incorrectamente julgados.
Em síntese, este recorrente entende que houve indevida valoração das declarações prestadas no inquérito pelo co-arguido DD e que os restantes meios de prova são insuficientes para sustentar o juízo probatório positivo alcançado pelo tribunal a quo.
Aliás, importa notar que tal alegação é partilhada pelos co-arguidos RRR e FF, os quais impugnam também os factos dados como provados sob os n.ºs 1, 19, 22, 25 e 51.
A consideração global das provas indicadas pelo recorrente AA pressupõe a prévia superação dos critérios normativos adoptados pelo tribunal a quo a respeito de um meio de prova constante do acervo probatório disponível nos autos que veio a ser expressamente valorado na decisão recorrida, a saber, a reconstituição do facto constante do auto denominado “Relato de diligência externa (reconhecimento de locais e esclarecimento de factos ilícitos)” que consta a fls. 511 dos autos.
6.4. A valoração indevida do auto denominado “Relato de diligência externa (reconhecimento de locais e esclarecimento de factos ilícitos)” 6.4.1. Durante o inquérito, mais concretamente, no dia 11 de Fevereiro de 2019, JJ, militar da Guarda Nacional Republicana, procedeu à inquirição inicial de DD e cedo o constituiu como arguido e o ouviu nessa qualidade, sem assistência de defensor, em virtude do mesmo ter assumido que interviera na subtracção e transporte das baterias até à sucateira (Auto de inquirição de fls. 495 e auto de interrogatório de fls. 507).
Na sequência deste interrogatório e ainda na mesma data, o referido militar da GNR elaborou o auto denominado “Relato de diligência externa (reconhecimento de locais e esclarecimento de factos ilícitos)” – constante de fls. 511 a 518 dos autos –, do qual consta que decidiu proceder “à reconstituição e/ou reprodução em que ocorreu o ilícito criminal (efectuando-se como elemento de complementaridade o registo fotográfico de cada situação indicada e bem assim print screen do Google Maps), em que o suspeito afirmou terem ocorrido os factos, descrevendo-os pormenorizadamente para efeitos de recolha de elementos de prova constitutivos desses ilícitos criminais, designadamente para determinar as condições e/ou as circunstâncias de tempo, modo, lugar e outras da sua efectivação, bem como, para (tendo por base os factos que afirmou possuir conhecimento directo), a recolha de outros elementos e/ou circunstâncias relevantes para a descoberta da verdade material.”.
Ficou a constar do aludido auto que o arguido, além do mais, referiu “foi convidado pelo BB para efectuarem um furto (…) a dada altura chegaram ao posto de abastecimento o CC e o AA conduzindo o CC um veículo de mercadoria (…) os quatro seguiram viagem em direcção a Famalicão até um armazém (…) que agora conhece como sendo da empresa EMP01... (…) o arguido e o BB (…) dirigiam-se para a zona de cargas (…) encontraram as baterias do empilhador ali estacionado que já se encontravam fora do mesmo, algumas danificadas e com fuga de ácido (…) BB apeou até à frente do armazém para chamar o CC e o AA, os quais de seguida se dirigiram às traseiras estacionando o veículo de traseira junto às baterias. Com o veículo estacionado de traseira, o arguido e o BB procederam ao carregamento das baterias (…) No dia seguinte (…) o CC e o AA foram buscar o depoente e o BB, tendo-se dirigido à EMP03..., no sentido de vender as baterias, tendo aquando da chegada o CC estacionado o veículo no interior junto às balanças”.
Sucede que o arguido DD não prestou declarações no julgamento sobre os factos típicos e também não solicitou ou consentiu na leitura das suas declarações prestadas em qualquer acto de inquérito.
Pode tal auto de reconstituição de facto ser valorado no julgamento da matéria de facto?
O tribunal a quo entendeu que o podia fazer e fê-lo exclusivamente a coberto da jurisprudência que cita na motivação acima transcrita.
Antecipa-se, salvo melhor opinião, que o tribunal a quo andou mal quando não concluiu pela proibição de valoração deste auto de reconstituição.
6.4.2. O meio de prova da reconstituição do facto encontra-se expressamente prevista na lei adjectiva penal.
O art. 150.º do Código de Processo Penal dispõe o seguinte (negrito e sublinhado nossos): Artigo 150.º
(Pressupostos e procedimento)
1 - Quando houver necessidade de determinar se um facto poderia ter ocorrido de certa forma, é admissível a sua reconstituição. Esta consiste na reprodução, tão fiel quanto possível, das condições em que se afirma ou se supõe ter ocorrido o facto e na repetição do modo de realização do mesmo.
2 - O despacho que ordenar a reconstituição do facto deve conter uma indicação sucinta do seu objecto, do dia, hora e local em que ocorrerão as diligências e da forma da sua efectivação, eventualmente com recurso a meios audiovisuais. No mesmo despacho pode ser designado perito para execução de operações determinadas.”
Importa precisar com rigor o alcance desta reconstituição do facto, pois este meio de prova não serve para atestar a existência ou inexistência de um determinado facto passado, mas apenas para atestar se ele poderia ter ocorrido de determinado modo e em certas condições (vide Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal”, II, 1999, p. 176; Ac. TRP 9.09.2009, p. 230/2008; Ac. STJ 6.12.2018. p. 22/98, e 23.4.2020, p. 289/16).
Complementarmente, dir-se-á que a prova por reconstituição também permitirá concluir definitivamente no sentido de que a hipótese factual que está a ser testada não é viável (vide Paulo Pinto de Albuquerque, “Comentário do Código de Processo Penal”, vol. 1, 5.ª Edição, 2023, p. 616).
Se a reconstituição do facto conta com a intervenção do arguido e com a prestação de declarações por parte deste, a respectiva valoração fica necessariamente sujeita a alguns constrangimentos legais, como se passará a explicar.
Para esse feito, importa convocar o regime jurídico relativo às declarações do arguido que emerge da conjugação das normas constantes dos artigos 141.º, 345.º e 355.º a 357.º do Código de Processo Penal (na redacção da Lei n.º 20/2013), os quais apresentam a seguinte redacção (negrito e sublinhado nossos): Artigo 141.º (Primeiro interrogatório judicial de arguido detido)
1 - O arguido detido que não deva ser de imediato julgado é interrogado pelo juiz de instrução, no prazo máximo de quarenta e oito horas após a detenção, logo que lhe for presente com a indicação circunstanciada dos motivos da detenção e das provas que a fundamentam.
2 - O interrogatório é feito exclusivamente pelo juiz, com assistência do Ministério Público e do defensor e estando presente o funcionário de justiça. Não é admitida a presença de qualquer outra pessoa, a não ser que, por motivo de segurança, o detido deva ser guardado à vista.
3 - O arguido é perguntado pelo seu nome, filiação, freguesia e concelho de naturalidade, data de nascimento, estado civil, profissão, residência, local de trabalho, sendo-lhe exigida, se necessário, a exibição de documento oficial bastante de identificação. Deve ser advertido de que a falta de resposta a estas perguntas ou a falsidade das respostas o pode fazer incorrer em responsabilidade penal.
4 - Seguidamente, o juiz informa o arguido:
a) Dos direitos referidos no n.º 1 do artigo 61.º, explicando-lhos se isso for necessário;
b) De que não exercendo o direito ao silêncio as declarações que prestar poderão ser utilizadas no processo, mesmo que seja julgado na ausência, ou não preste declarações em audiência de julgamento, estando sujeitas à livre apreciação da prova;
c) Dos motivos da detenção;
d) Dos factos que lhe são concretamente imputados, incluindo, sempre que forem conhecidas, as circunstâncias de tempo, lugar e modo; e
e) Dos elementos do processo que indiciam os factos imputados, sempre que a sua comunicação não puser em causa a investigação, não dificultar a descoberta da verdade nem criar perigo para a vida, a integridade física ou psíquica ou a liberdade dos participantes processuais ou das vítimas do crime; ficando todas as informações, à excepção das previstas na alínea a), a constar do auto de interrogatório.
5 - Prestando declarações, o arguido pode confessar ou negar os factos ou a sua participação neles e indicar as causas que possam excluir a ilicitude ou a culpa, bem como quaisquer circunstâncias que possam relevar para a determinação da sua responsabilidade ou da medida da sanção.
6 - Durante o interrogatório, o Ministério Público e o defensor, sem prejuízo do direito de arguir nulidades, abstêm-se de qualquer interferência, podendo o juiz permitir que suscitem pedidos de esclarecimento das respostas dadas pelo arguido. Findo o interrogatório, podem requerer ao juiz que formule àquele as perguntas que entenderem relevantes para a descoberta da verdade. O juiz decide, por despacho irrecorrível, se o requerimento há-de ser feito na presença do arguido e sobre a relevância das perguntas.
7 - O interrogatório do arguido é efetuado, em regra, através de registo áudio ou audiovisual, só podendo ser utilizados outros meios, designadamente estenográficos ou estenotípicos, ou qualquer outro meio técnico idóneo a assegurar a reprodução integral daquelas, ou a documentação através de auto, quando aqueles meios não estiverem disponíveis, o que deverá ficar a constar do auto.
8 - Quando houver lugar a registo áudio ou audiovisual devem ser consignados no auto o início e o termo da gravação de cada declaração.
9 - É correspondentemente aplicável o disposto no artigo 101.º
Artigo 345.º (Perguntas sobre os factos)
1 - Se o arguido se dispuser a prestar declarações, cada um dos juízes e dos jurados pode fazer-lhe perguntas sobre os factos que lhe sejam imputados e solicitar-lhe esclarecimentos sobre as declarações prestadas. O arguido pode, espontaneamente ou a recomendação do defensor, recusar a resposta a algumas ou a todas as perguntas, sem que isso o possa desfavorecer.
2 - O Ministério Público, o advogado do assistente e o defensor podem solicitar ao presidente que formule ao arguido perguntas, nos termos do número anterior.
3 - Podem ser mostrados ao arguido quaisquer pessoas, documentos ou objectos relacionados com o tema da prova, bem como peças anteriores do processo, sem prejuízo do disposto nos artigos 356.º e 357.º.
4 - Não podem valer como meio de prova as declarações de um co-arguido em prejuízo de outro co-arguido quando o declarante se recusar a responder às perguntas formuladas nos termos dos n.ºs 1 e 2.
Artigo 355.º (Proibição de valoração de provas)
1 - Não valem em julgamento, nomeadamente para o efeito de formação da convicção do tribunal, quaisquer provas que não tiverem sido produzidas ou examinadas em audiência.
2 - Ressalvam-se do disposto no número anterior as provas contidas em actos processuais cuja leitura, visualização ou audição em audiência sejam permitidas, nos termos dos artigos seguintes.
Artigo 356.º Reprodução ou leitura permitidas de autos e declarações
1 - Só é permitida a leitura em audiência de autos:
a) Relativos a actos processuais levados a cabo nos termos dos artigos 318.º, 319.º e 320.º; ou
b) De instrução ou de inquérito que não contenham declarações do arguido, do assistente, das partes civis ou de testemunhas.
2 - A leitura de declarações do assistente, das partes civis e de testemunhas só é permitida, tendo sido prestadas perante o juiz, nos casos seguintes:
a) Se as declarações tiverem sido tomadas nos termos dos artigos 271.º e 294.º;
b) Se o Ministério Público, o arguido e o assistente estiverem de acordo no sua leitura; c) Tratando-se de declarações obtidas mediante rogatórias ou precatórias legalmente permitidas.
3 - É também permitida a reprodução ou leitura de declarações anteriormente prestadas perante autoridade judiciária:
a) Na parte necessária ao avivamento da memória de quem declarar na audiência que já não recorda certos factos; ou
b) Quando houver, entre elas e as feitas em audiência, contradições ou discrepâncias.
4 - É permitida a reprodução ou leitura de declarações prestadas perante a autoridade judiciária se os declarantes não tiverem podido comparecer por falecimento, anomalia psíquica superveniente ou impossibilidade duradoira, designadamente se, esgotadas as diligências para apurar o seu paradeiro, não tiver sido possível a sua notificação para comparecimento.
5 - Verificando-se o pressuposto do n.º 2, alínea b), a leitura pode ter lugar mesmo que se trate de declarações prestadas perante o Ministério Público ou perante órgãos de polícia criminal.
6 - É proibida, em qualquer caso, a leitura de depoimento prestado em inquérito ou instrução por testemunha que, em audiência, se tenha validamente recusado a depor.
7 - Os órgãos de polícia criminal que tiverem recebido declarações cuja leitura não for permitida, bem como quaisquer pessoas que, a qualquer título, tiverem participado da sua recolha, não podem ser inquiridas como testemunhas sobre o conteúdo daquelas.
8 - A visualização ou a audição de gravações de actos processuais só é permitida quando o for a leitura do respectivo auto nos termos dos números anteriores.
9 - A permissão de uma leitura, visualização ou audição e a sua justificação legal ficam a constar da acta, sob pena de nulidade.
Artigo 357.º Reprodução ou leitura permitidas de declarações do arguido
1 - A reprodução ou leitura de declarações anteriormente feitas pelo arguido no processo só é permitida: a) A sua própria solicitação e, neste caso, seja qual for a entidade perante a qual tiverem sido prestadas; ou b) Quando tenham sido feitas perante autoridade judiciária com assistência de defensor e o arguido tenha sido informado nos termos e para os efeitos do disposto na alínea b) do n.º 4 do artigo 141.º.
2 - As declarações anteriormente prestadas pelo arguido reproduzidas ou lidas em audiência não valem como confissão nos termos e para os efeitos do artigo 344.º
3 - É correspondentemente aplicável o disposto nos n.os 7 a 9 do artigo anterior.
6.4.3. É insofismável que o auto de reconstituição que contenha declarações do arguido sobre a pretensa reprodução, tão fiel quanto possível, das condições em que se afirma ou se supõe ter ocorrido o facto, incluindo a intervenção do arguido declarante e dos co-arguidos nos factos sob investigação, é um auto que contém declarações do arguido.
Acresce que o regime jurídico da prova por reconstituição do facto não se esgota na norma constante art. 150.º do Código de Processo Penal, o qual, aliás, é omisso sobre as condições da respectiva valoração no julgamento e na decisão final.
Na verdade, a leitura de auto em que se colham as declarações prestadas pelos arguidos na reconstituição está regulada na lei processual penal (art. 355.º, n.º 2, do CPP).
A lei prescreve que a leitura de acto processual de inquérito que contenha declarações do arguido prestadas perante órgão de polícia criminal só é permitida no julgamento a solicitação do próprio arguido (artigos 356.º, n.º 1, al. b), e 357.º, n.º 1, al. a), do CPP).
A violação das regras que permitem a leitura daquele acto processual, estabelecidas nos artigos 356.º e 357.º, pode também ter lugar na própria sentença.
A lei estatui expressamente a sanção: neste caso, a prova não vale em julgamento para o efeito de formação da convicção do tribunal e, portanto, não pode ser invocada na fundamentação da sentença ou acórdão (art. 355.º, n.º 1, do CPP).
Dito isto, importa concluir que as declarações do arguido feitas em reconstituição dirigida exclusivamente pelo órgão de polícia criminal não podem ser lidas em audiência salvo solicitação do arguido (art. 357.º, n.º 1, al. a), do CPP).
Fora deste caso, tais declarações não podem ser valoradas (Vide, no mesmo sentido: STJ 03.10.2002, p. 02P2804; TRP 09.09.2009, p. 230/2008; TRC 29.1.2014, p. 6/2008; TRE 19.05.2015, p. 175/2010; TRG 23.10.2017, p. 20/2015; TRE 20.12.2018, p. 278/2017; STJ 06.12.2018, p. 22/98; Paulo Pinto de Albuquerque, “Comentário do Código de Processo Penal”, 3.ª Edição, 2009, p. 418; EURICO BALBINO DUARTE, “Making of – A reconstituição do facto no processo penal português”, in “Prova criminal e direito de defesa”, Coord. Teresa Beleza e Frederico Costa Pinto, 2010, pp. 51-61. Em sentido diverso, com o qual não se concorda, vide: STJ 05.01.2005, p. 04P3276; TRC 15.09.2010, p. 79/2007; TRP 26.10.2011, p. 104/2010).
Aliás, a admissibilidade de valoração incondicional das declarações do arguido feitas em reconstituição dirigida exclusivamente pelo órgão de polícia criminal equivaleria a atribuir maior valor probatório a um interrogatório policial do que a um interrogatório judicial realizado nas mesmíssimas condições.
Efectivamente, importa não perder de vista que a leitura de declarações anteriormente feitas pelo arguido no processo perante autoridade judiciária só é permitida – após a intervenção do legislador penal de 2013 – quando tenham sido feitas com assistência de defensor e o arguido tenha sido informado nos termos e para os efeitos do disposto na alínea b) do n.º 4 do artigo 141.º.
Acresce que o n.º 4 do art. 345.º do Código de Processo Penal também é aplicável à reconstituição do facto na qual, tendo participado um dos arguidos, sejam outros arguidos incriminados pela versão reconstituída daquele. Consequentemente, o arguido “colaborante” não pode deixar de se sujeitar ao contraditório, sob pena de proibição de valoração desse meio de prova – pelo menos na parte em que incrimine o co-arguido – para viabilizar a fundamentação da formação da convicção do tribunal (EURICO BALBINO DUARTE, ob. cit., p. 61).
Mas as restrições de valoração não ficam por aqui, pois os órgãos de polícia criminal que tiverem recebido declarações de arguido cuja leitura não for permitida não podem ser inquiridos como testemunhas sobre o conteúdo daquelas (artigos 356.º, n.º 7, e 357.º, n.º 3, do CPP).
Olhemos então para a situação dos autos e vejamos qual a solução que se impõe.
6.4.4. No caso concreto, é insofismável que o denominado “Relato de diligência externa (reconhecimento de locais e esclarecimento de factos ilícitos)” contém declarações do arguido DD sobre as condições em que terão ocorrido os factos, incluindo a intervenção do arguido declarante e dos co-arguidos AA, BB e CC nos factos sob investigação.
Assim vistas as coisas, tais declarações assumem um alcance eminentemente incriminatório de natureza confessória.
Aliás, estando então já em vigor as alterações introduzidas pela Lei n.º 20/2013 na redacção dos artigos 141.º, n.º 4, al. b), e 357.º, n.º 1, al. b), do CPP, e tendo havido colaboração e disponibilidade do arguido nesse sentido – como aparenta ter sucedido –, teria sido mais relevante e profícuo tais declarações confessórias terem sido recolhidas em interrogatórios e diligências de reconstituição dirigidas pelo Ministério Público com assistência de defensor e com a advertência expressa sobre a possibilidade de ulterior valoração das declarações contra a vontade dos próprios arguidos.
Mas não foi esta a opção processual assumida na investigação.
Acresce que o arguido DD não solicitou a leitura dos autos de reconstituição na audiência.
Consequentemente, as declarações prestadas pelo arguido DD no referido auto de reconstituição do facto não pode ser valorado no julgamento da matéria de facto a realizar nestes autos (art. 357.º, n.º 1, al. a), do CPP).
Do mesmo modo, o depoimento da testemunha JJ – militar da GNR que interveio na realização da referida diligência de reconstituição de facto – não pode ser valorado na parte em que reproduza o conteúdo de quaisquer declarações prestadas no inquérito pelo arguido DD (artigos 356.º, n.º 7, e 357.º, n.º 3, do CPP).
Além disso, estas declarações do co-arguido DD não podem valer como meio de prova contra os demais arguidos em virtude daquele se ter recusado a prestar declarações no julgamento (art. 345.º, n.º 4, do CPP).
Ora, a motivação do julgamento da matéria de facto acima transcrita é reveladora da elevada relevância probatória que foi atribuída a este auto de reconstituição com declarações do arguido e ao depoimento prestado pelo militar da GNR JJ sobre os conhecimentos ali alcançados a respeito dos factos sob investigação, aqui se incluindo a actuação do arguido DD e dos demais arguidos.
Conforme acima referido, este erro de direito conduz à nulidade da valoração da prova proibida pelo tribunal a quo e determina a invalidade da sentença em tal valoração se verificou (art. 122.º, n.º 1, do CPP).
Assim sendo, a sentença fundada nestas provas nulas será ela própria nula nos termos do art. 122.º, n. 1, do CPP.
6.4.5. Nada mais houvesse, a nulidade em apreço conduziria à mera reformulação da sentença pelo tribunal aquo, desta feita sem a ponderação da prova proibida.
Contudo, já se mostra decidido o reenvio para novo julgamento dos factos na parte relativa à imputação dos crimes de receptação, a realizar por diferentes juízes (426.º-A, n.º 1, do CPP).
Tal reenvio parcial é incompatível com a simultânea descida dos autos ao tribunal a quo para efeito de mera reformulação do julgamento da matéria de facto sem valoração da prova proibida na parte relativa à imputação dos crimes de furto qualificado.
Assim sendo, impõe-se que o novo julgamento abranja, afinal, a totalidade do processo (art. 426.º, n.º 1, do CPP).
No que respeita à valoração do auto constante de fls. 511 dos autos e dos eventuais depoimentos que vierem a ser prestados sobre como tal diligência decorreu e as declarações ali prestadas, este julgamento fica necessariamente vinculado à observância das normas constantes dos artigos 345.º, n.º 4, 355.º, n.ºs 1 e 2, 356.º, n.º 7, e 357.º, n.ºs 1, al. a), e 3, do CPP, com o sentido acima enunciado. 7. Obviamente, este reenvio prejudica a apreciação das restantes questões suscitadas nos recursos interpostos pelos arguidos que impugnaram o julgamento da matéria de facto, como sucede com os arguidos AA, BB, CC, EE, FF, GG, HH e II.
Do mesmo modo, o reenvio também não deixa de aproveitar ao arguido comparticipante DD, ficando, assim, igualmente prejudicado o conhecimento do respectivo recurso que versa exclusivamente matéria de direito relacionada precisamente com a relevância da colaboração probatória prestada durante a fase de inquérito no aludido “auto de reconstituição” (art. 402.º, n.º 2, al. a), do CPP). III – DECISÃO
Em função do exposto, acordam os Juízes desta Relação em: 1) Corrigir os lapsos de escrita existentes na motivação a respeito dos factos dados como provados sob o n.ºs 1), 11) e 17) [II: B: 2.]; 2) Declarar a nulidade da sentença com fundamento na valoração de prova proibida nos termos acima indicados [II: B: 6.4.];
3) Declarar a existência do vício da contradição insanável da fundamentação previsto na alínea b) do n.º 2 do art. 410.º, do Código de Processo Penal e, consequentemente, determinar o reenvio do processo para novo julgamento relativamente à totalidade do objecto do processo configurado na acusação e no pedido de indemnização civil, a realizar nos termos dos artigos 426.º, n.º 1, e 426.º-A, do mesmo diploma legal;
4) E considerar prejudicada a análise das demais questões suscitadas nos recursos.
Nesta nova decisão, sendo o caso, deverão ser retiradas todas as consequências quanto à qualificação jurídica dos factos a dar como provados, bem como à escolha e determinação da medida das penas, sem prejuízo do princípio da proibição de reformatio in pejus.
Sem tributação.
*
Guimarães, 11 de Junho de 2025
(Texto elaborado em computador e integralmente revisto pelos subscritores)
(Paulo Almeida Cunha - Relator)
(Bráulio Martins)
(Paulo Correia Serafim)
[1] “As regras de experiência comum autorizam a apreciar um comportamento determinado em função da cultura e comportamento social de um determinado povo, num tempo determinado - cfr.neste sentido douto Ac. do V.T.R.E., disponível in https://www.dgsi.pt/jtre.nsf/134973db04f39bf2802579bf005f080b/d03a3c920c83661680258566003a13f9. As regras da experiência não são meios de prova, mas antes raciocínios, juízos hipotéticos do conteúdo genérico, assentes na experiência comum, independentes dos casos individuais em que se alicerçam, com validade, muitas vezes, para além do caso a que respeitem, adquiridas, em parte, mediante observação do mundo exterior e da conduta humana, e, noutra parte, mediante investigação ou exercício científico de uma profissão ou indústria, permitindo fundar as presunções naturais, mas sem abdicar da explicitação de um processo cognitivo, lógico, sem espaços ocos e vazios, conduzindo à extracção de facto desconhecido do facto conhecido, porque conformes à realidade reiterada, de verificação muito frequente e, por isso, verosímil. – cfr. sente sentido douto Ac. do STJ datado de 06-07-2011 disponível in https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/6d3e832b041d7015802578cb0055ec14?OpenDocument. [2] - cfr. douto Ac. do V.T.R.E., datado de 06-06-2017, disponível in https://www.dgsi.pt/jtre.nsf/-/53E80AB4A93F24D68025814D002FDB23., na parte em que afirma o seguinte: “(…) Partindo do nº 1 do artigo 150º do C.P.P quando afirma que a reconstituição tem um único objetivo, o de “determinar se um facto poderia ter ocorrido de certa forma”, o tribunal recorrido conclui que «Tal significa, desde logo, que o meio de prova “reconstituição do facto” não se destina a descobrir um facto, a obter prova sobre ele e muito menos a determinar a autoria de dado facto. Para isso existem outros meios de prova.» E, dito isto e para estar de acordo com tal afirmação, é de espantar que o C.P.P. preveja a reconstituição como “meio de prova” já que ela não apresenta qualquer utilidade, a crer na tese exposta. A ser assim a reconstituição não seria um meio de prova, sim um mero prolegómeno psicológico para agentes policiais em início de investigação. Não poderíamos estar mais em desacordo com esta aparência de verdade inatacável. A reconstituição também serve, através da análise da forma ou formas como o ilícito poderá ter sido praticado, para o provar e para consolidar ideias sobre o modo de execução e adjuvar de forma importante outras provas “a descobrir um facto, a obter prova sobre ele e a determinar a autoria de dado facto”. Neste último caso a ajudar, inclusivé, a formar convicção sobre o número de agentes intervenientes. Ou seja, o tribunal recorrido olvidou que uma “prova” tem por função a “demonstração da realidade dos factos” – artigo 341º do Código Civil – e que “determinar se um facto poderia ter ocorrido de certa forma” é uma maneira de produzir prova. Como joga a pretensão punitiva do Estado através do uso deste meio de prova e o privilégio contra a auto-incriminação? Desde logo, e ao contrário do que acontece no reconhecimento onde a permanência na linha de identificação é obrigatória - na medida em que não exige, para a maioria dos casos, um facere do arguido - a reconstituição não é uma diligência em que o arguido tenha a obrigação de colaboração. E, precisamente, na medida em que supõe uma participação activa do arguido na reconstrução do ilícito, um facere que pode contrariar o privilégio contra a auto-incriminação, privilégio este que se não limita aos meios de prova “declarativos”. Aliás, neste campo foi já lavrada variada jurisprudência. Na essência, a ideia central foca-se na característica de prova (meio de prova) autónoma da reconstituição, no balanço a estabelecer com o exercício do direito ao silêncio em audiência de julgamento. Ou seja, a reconstituição pode fazer prova de que os factos se processaram de determinada forma e com a intervenção de certos agentes. É aliás prova que, para além de autónoma, é em regra pré-constituída (em momento anterior à audiência de julgamento) e não faz sentido excluí-la devido a facto futuro incerto, o saber se o arguido vai ou não exercer o seu direito ao silêncio. Mas essa parece ser a intenção do tribunal recorrido quando veicula a ideia de que as reconstituições não são admissíveis como prova porque os arguidos exerceram o direito ao silêncio em audiência de julgamento. Esta ideia – e esta constatada consequência na inadmissibilidade de valoração da prova no caso concreto – é rotundamente de afastar. Ou seja, uma prova que é autónoma e que está pré-constituída no processo é riscada dos autos de uma penada por vontade do arguido. Isto significa a criação de um novo direito dos arguidos: sempre que uma reconstituição seja incómoda o arguido pode neutralizá-la com efeitos rectroactivos. Não se trata de privilégio contra a auto incriminação, trata-se de privilégio de decretar a inutilidade de prova incómoda já constante dos autos. As questões controversas a este respeito têm-se colocado na destrinça a fazer entre “reconstituição” e “declarações” dos arguidos, prestadas em actos de reconstituição, quando se torna evidente que a polícia, quase exclusivamente, “aproveita” as reconstituições para fixar/formalizar declarações confessórias. Ou nos casos em que os arguidos ainda o não são e intervêm na reconstituição como testemunhas por ainda não terem sido constituídos arguidos – devendo sê-lo - aquando da realização da reconstituição. Eram testemunhas, logo eram obrigados a participar e a agir e depor de acordo com a verdade e estava-lhes vedado o exercício do privilégio contra a auto-incriminação. O que sempre remeteria para o disposto nos artigos 58º e 59º do C.P.P. Não é o que ocorre no caso dos autos em que as reconstituições foram meio de prova essencial para encontrar o rumo da investigação, parada muitos anos por ausência de elementos. Relativamente à relação entre “reconstituição” e “declarações” dos arguidos convém fazer então uma afirmação excludente, um reparo e uma ressalva. A excludente passa pela afirmação de que o privilégio contra a auto-incriminação, ideia geral que inclui o direito ao silêncio, não significa que o arguido tenha o privilégio de impedir que seja efectuada prova contra si. Esse sempre seria um enviesado privilégio. O reparo vale para realçar que há um elemento da realidade e de racionalidade que foi olvidado pelo tribunal recorrido. Não há reconstituição sem linguagem, assim como não há processo sem linguagem. E exigir que a reconstituição feita exclusivamente por arguidos não tenha “declarações” é exigir que as reconstituições sejam mudas, despidas da linguagem, característica essencial da humanidade. A ideia é interessante mas abertamente pouco eficaz. A ressalva surge depois de se reconhecer que uma reconstituição com arguidos contém, necessariamente, “declarações” dos mesmos na medida em que têm que verbalizar o conhecimento que tiveram do facto ocorrido para que o mesmo seja “reconstituído”. A cautela constante da ressalva impõe-se só e apenas se as forças policiais utilizarem a reconstituição como forma abusiva de obter uma declaração confessória por coacção ou ameaça, declarações estranhas ao objecto da reconstituição ou uso de expediente processual de não constituição como arguido, devendo ser. Por isso que, não ocorrendo tal nos autos – as “declarações” dos arguidos limitaram-se ao objecto das reconstituições - e sendo as reconstituições prova autónoma pré-constituída, se deva concluir que as mesmas reconstituições têm, necessariamente, de fazer parte das provas a valorar livremente.
- Cfr. douto Ac. do V.T.R.C., datado de 25-02-2015, disponível in https://www.dgsi.pt/jtrc.nsf/8fe0e606d8f56b22802576c0005637dc/92c52c4131c6b95c80257dfc00507b32?OpenDocument., na parte em que doutamente afirma o seguinte; “(…) O meio de prova previsto no art. 150º do CPP só não será, pois, admissível e validamente adquirido se na reconstituição, ou para criar os pressupostos de facto necessários à reconstituição, tiver sido utilizado qualquer meio (tortura, coacção, ou, em geral, ofensa da integridade física ou moral) que afecte a liberdade de determinação, o consentimento ou a disponibilidade do arguido para a participação na reconstituição do facto. A reconstituição do facto, como meio de prova tipicamente previsto, uma vez realizada no respeito dos pressupostos e procedimentos a que está vinculada, autonomiza-se das contribuições individuais de quem tenha participado e das informações e declarações que tenham co-determinado os termos e o resultado da reconstituição. As declarações (rectius, as informações) prévias ou contemporâneas que tenham possibilitado ou contribuído para recriar as condições em que se supõe ter ocorrido o facto, diluem-se nos próprios termos da reconstituição, confundindo-se nos seus resultados e no modo como o meio de prova foi processualmente adquirido. A autonomia do meio de prova previsto no art. 150º determina, pois, que tal meio (…) valha por si e possa ser processualmente adquirido como meio de prova, submetido, então à mediação substancial de avaliação e valoração nos limites do traçado pelo principio inscrito no art. 127º, do CPP. A questão releva, assim, apenas da aquisição do meio de prova e da sua utilização na função probatória que lhe couber no contexto de avaliação prudencial dos meios de prova. É, por isso, estranha à questão problemática do recurso aquela a que o artigo 356º, nº 7 (e o 357º, nº 2) do CPP pretende dar resposta. Estas disposições têm um âmbito de intervenção bem delimitado. Referem-se a declarações (prova pessoal) e pretendem prevenir a utilização probatória indirecta na audiência de declarações que a lei não permite que sejam utilizadas, como as que são prestadas anteriormente, em outro momento processual, e cuja leitura (e, consequentemente, a sua utilização probatória) não seja permitida. No caso de declarações do arguido, resulta do regime específico de leitura previsto no artigo 357º do CPP que, optando pelo silêncio na audiência, não pode haver leitura de declarações anteriores e, consequentemente, os órgãos de polícia criminal não podem der inquiridos como testemunhas sobre tais declarações. Esta interpretação, que imediatamente resulta da projecção literal do norma e da consideração dos elementos e das noções aí empregues, não suscita dúvidas, nem, nestes termos, dificuldades de aplicação. A dificuldade tem surgido apenas relativamente a casos em que o conteúdo do depoimento dos órgãos de polícia criminal incidiria, não sobre declarações processualmente registadas, mas sobre declarações avulsas, não formalizadas, "informais" e, por isso, não submetidas à disciplina (processual e delimitada) da permissão, ou proibição, de leitura. No que respeita a este ponto, os princípios estruturantes do processo penal e, especialmente, os atinentes ao conteúdo essencial do direito de defesa, não permitem a descaracterização indirecta, mediada por terceiros, do direitos do arguido a não responder a perguntas ou a não prestar declarações (artigo 61º, nº 1 e artigo 343º, nº 1 do CPP), enquanto tradução da garantia contra a auto-incriminação ("privilege against self-incrimination")¸ que significa que o acusado não pode ser constituído, contra a sua vontade, em fonte de prova contra si próprio, e que não pode ser compelido a testemunhar em seu desfavor. O privilégio contra a auto-incriminação significa que o arguido não pode ser obrigado, nem deve ser condicionado a contribuir para a sua própria incriminação, isto é, tem o direito a não ceder ou fornecer informações ou elementos (v. g., documentais) que o desfavoreçam, ou a não prestar declarações, sem que do silêncio possam resultar quaisquer consequências negativas ou ilações desfavoráveis no plano da valoração probatória (cfr., v. g., acórdão de 3 de Maio de 2001, do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, no caso J. B. c. Suíça). A possibilidade de colaboração co-determinante no processo, desde a fase de recolha da prova (aquisição da prova), até ao momento de administração relevante e contraditória (utilização) das provas encontra-se porém, na disponibilidade do arguido, que pode livremente colaborar na investigação e contribuir para aquisições probatórias substanciais autónomas das simples declarações que as proporcionam, e que, nessa medida, não podem ser eliminadas posteriormente pela invocação da garantia contra a auto-incriminação. E, nesta medida, os termos da colaboração prestada pelo arguido e as consequências derivadas no plano da aquisição probatória, não devem ser postos em causa, caso venha a invocar em momento posterior o direito ao silêncio, salvo se, como se referiu, a vontade e a determinação tiver sido perturbada, constrangida ou condicionada de tal modo que a situação possa ser enquadrada nas proibições de prova do artigo 126º do CPP. Mas os meios de prova derivados, na medida em que sejam autónomos (recte, em que ganhem autonomia como meios de prova), não se confundem com eventuais informações transmitidas pelo arguido e que tenham possibilitado a identificação e a correspondente aquisição probatória, ou a realização e a prática de actos processuais com formato e dimensão própria na enumeração dos meios de prova. Sendo, porém, este o conteúdo do direito, estão situadas fora do seu círculo de protecção as contribuições probatórias, sequenciais e autónomas, que o arguido tenha disponibilizado ou permitido, ou que informações prestadas tenham permitido adquirir, desde que, como se salientou, a colaboração ou as informações não estejam inquinadas por vícios do consentimento ou da vontade, suposto que o arguido foi informado dos direitos que lhe assistem e que integram o seu estatuto processual, ou pela utilização de métodos proibidos. Em tais circunstâncias, ou seja, se a contribuição do arguido para a aquisição probatória na fase processual de recolha estivesse afectada pela utilização de métodos proibidos, poderiam eventualmente ser discutidos os efeitos consequenciais - o chamado "efeito à distância", "Fernwirkung des Beweisverbot", ou, na formulação americana, "fruit of the poisonous tree". No entanto, esta é questão que não importa desenvolver, porque não vem sequer problematizada. Com efeito, nem está referida a existência, ou a simples alegação, de algum modo ou intervenção impróprio que tenha condicionado a contribuição do arguido na reconstituição, nem, por outro lado, o processo penal parece acolher a extensão da exclusão probatória determinada pelo efeito de contaminação [cfr., sobre o sentido e extensão da exclusão ("exclusionary rule") da aquisição probatória pelo "efeito à distância", e as limitações que necessariamente comporta, o acórdão do Tribunal Constitucional, nº 198/2004, de 24/3/04, no DR, II Série, de 2/6/04]. Delimitados, assim, os termos em que deve ser discutida e decidida a questão que constitui o objecto de recurso, vê-se que lhe é estranha a dimensão normativa que apresentam os nº 7 do artigo 356º e nº 2 do artigo 357º do CPP. Não estão, com efeito, em causa declarações formalizadas e processualmente adquiridas como meio de prova pessoal, cuja leitura não seja permitida em audiência (artigos 356º, nºs. 1 a 6 e 357º, nº 1, a contrario), nem é caso das chamadas «conversas informais» que, em rigor processual, não existem (cfr., v. g., os acórdãos deste Supremo Tribunal de 30/10/2001, proc. 2630/01; de 3/10/20º2, proc. 2804/02 e de 19/7/2003, proc. 615/03; na doutrina, DAMIÃO DA CUNHA, "O Regime Processual de Leitura de Declarações na Audiência de Julgamento (artºs. 356º e 357º do CPP)", in Revista Portuguesa de Ciência Criminal, Ano 7,Fasc. 3º, Julho-Setembro de 1997, p. 403 ss, desig. 422-433). Por outro lado, como tem sido aceite de forma sedimentada na jurisprudência deste Supremo Tribunal (cfr., v. g., acórdãos de 16/5/96, proc. 230/96; de 11/12/96, proc. 780/96; e de 22/4/2004, proc. 902704), a proibição constante dos artigos 365º, nº 7 e 357º, nº 2 do CPP não atinge as declarações dos órgãos de polícia criminal sobre factos e circunstâncias de que tenham obtido conhecimento por meios diferentes das declarações do arguido (ou de outro interveniente processual) que não possam ser lidas em audiência. Nesta perspectiva de compreensão, e vista a dimensão da reconstituição do facto como meio de prova autonomamente adquirido para o processo (artigo 150º do CPP), e a integração (ou confundibilidade) na concretização da reconstituição de todas as contribuições parcelares, incluindo da arguido, que permitiram, em concreto, os termos em que a reconstituição decorreu e os respectivos resultados, os órgãos de polícia criminal que tenham acompanhado a reconstituição podem prestar declarações sobre os modo e os termos em que decorreu; tais declarações referem-se a elementos que ganham autonomia, e como tal diversos das declarações do arguido ou de outros intervenientes no acto. Todavia - adverte-se - por força da necessária documentação processual da reconstituição, este meio deve bastar-se por si próprio enquanto meio de prova adquirido para o processo, e deve dispensar, no rigor das coisas, confirmações ou adjunções complementares não estando, no entanto excluído que os intervenientes, possam prestar esclarecimentos sobre a concreta natureza e os precisos termos em que se decorreu a reconstituição.
No mesmo sentido, cfr. douto Ac. do STJ, datado de 05-01-2005, disponível in https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/6f7d23e48ba2037d802570a50035503c?OpenDocument. Nos termos deste douto Ac. do STJ resulta claramente que “1. A reconstituição do facto, autonomizada como um dos meios de prova típicos (artigo 150° do Código de Processo Penal), consiste na reprodução, tão fiel quanto possível, das condições em que se afirma ou se supõe ter ocorrido o facto e na repetição do modo de realização do mesmo. 2. A reconstituição do facto, prevista como meio de prova autonomizado por referência aos demais meios de prova típicos, uma vez realizada e documentada em auto ou por outro vale como meio de prova, processualmente admissível, sobre os factos a que se refere, isto é, como meio válido de demonstração da existência de certos factos, a valorar, como os demais meios, «segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente» - artigo 127° do CPP. 3. Pela sua própria configuração e natureza, a reconstituição do facto, embora não imponha nem dependa da intervenção do arguido, também a não exclui, sempre que este se disponha a participar na reconstituição, e tal participação não tenha sido determinada por qualquer forma de condicionamento ou perturbação da vontade, seja por meio de coação física ou psicológica, que se possa enquadrar nas fórmulas referidas como métodos proibidos enunciados no artigo 126° do CPP. 4. A reconstituição do facto, uma vez realizada no respeito dos pressupostos e procedimentos a que está vinculada, autonomiza-se das contribuições individuais de quem tenha participado e das informações e declarações que tenham co-determinado os termos e o resultado da reconstituição, e as declarações (rectius, as informações) prévias ou contemporâneas que tenham possibilitado ou contribuído para recriar as condições em que se supõe ter ocorrido o facto, diluem-se nos próprios termos da reconstituição, confundindo-se nos seus resultados e no modo como o meio de prova for processualmente adquirido. 5. O privilégio contra a auto-incriminação, ou direito ao silêncio, significa que o arguido não pode ser obrigado, nem deve ser condicionado a contribuir para a sua própria incriminação, isto é, tem o direito a não ceder ou fornecer informações ou elementos) que o desfavoreçam, ou a não prestar declarações, sem que do silêncio possam resultar quaisquer consequências negativas ou ilações desfavoráveis no plano da valoração probatória. 6. Sendo, porém, este o conteúdo do direito, estão situadas fora do seu círculo de protecção as contribuições probatórias, sequenciais e autónomas, que o arguido tenha disponibilizado ou permitido, ou que informações prestadas tenham permitido adquirir, possibilitando a identificação e a correspondente aquisição probatória, ou a realização e a prática e actos processuais com formato e dimensão própria na enumeração dos meios de prova, como é a reconstituição do facto. 7. Vista a dimensão da reconstituição do facto como meio de prova autonomamente adquirido para o processo, e a integração (ou confundibilidade) na concretização da reconstituição de todas as contribuições parcelares, incluindo do arguido, que permitiram, em concreto, os termos em que a reconstituição decorreu e os respectivos resultados, os órgãos de polícia criminal que tenham acompanhado a reconstituição podem prestar declarações sobre os modo e os termos em que decorreu; tais declarações referem-se a elementos que ganham autonomia, e como tal diversos das declarações do arguido ou de outros intervenientes no acto, não estando abrangidas na proibição do artigo 356º, nº 7 do CPP.
Conforme se evidencia no douto Ac. do STJ, datado de 06-12-2018, disponível in http://www.gde.mj.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/ae5ae23cfa114b5e80258360004ebdca?OpenDocument., “(…) VI - A reconstituição do facto está sistematicamente autonomizado como um dos meios de prova típicos no artigo 150.º do CPP. Contrariamente à generalidade dos demais meios de prova, a reconstituição não tem por finalidade imediata, pelo menos em regra, a comprovação de um facto histórico, antes de verificar se um determinado facto poderia ter ocorrido nas condições em que se afirma ou supõe ter ocorrido e na forma em que terá sido executado. Trata-se de um modo de testar uma dada hipótese factual e se os seus resultados corroborarem o sentido da investigação de acordo com as provas e indícios até então obtidos tal não significa que o facto aconteceu efectivamente dessa forma, tão-somente que a hipótese em causa é plausível, verosímil. IX - À semelhança ainda do que dispõe hoje o n.º 4 do art. 345.º do CPP e sob pena de violação das garantias de defesa e do princípio do contraditório constitucionalmente assegurados (art. 32.º, n.ºs 1 e 5, da CRP), a nossa ordem processual não permite que um qualquer arguido participe numa reconstituição e que outro ou outros arguidos sejam incriminados pela versão por ele reconstituída, caso venha a usar do direito ao silêncio em audiência de julgamento, e, assim, à partida impedir o exercício do direito ao contraditório, traduzindo-se esse meio numa autêntica proibição de valoração de prova.”