VALOR PROCESSUAL
CUMULAÇÃO DE PEDIDOS
PROVA PERICIAL
Sumário


I – O artigo 79.º do CPT visa garantir às partes o recurso para os tribunais da 2.ª instância nas categorias de ações aí identificadas, não sendo de aplicar o disposto no número 1 do artigo 303.º do CPC.
II - Embora o Tribunal recorrido tenha proferido despacho a dispensar a enunciação dos temas de prova, se foi alegada factualidade que se encontra controvertida e interessa à decisão a proferir, e cuja dilucidação contende com conhecimentos médicos (âmbito da incapacidade para o trabalho), não pode apodar-se de impertinente ou dilatória uma perícia médica que foi requerida por uma das partes e que tem por objecto tais questões de facto, devendo o Tribunal admitir a sua realização.

Texto Integral


I – RELATÓRIO

AA, com os demais sinais nos autos, intentou a presente acção declarativa, sob a forma de processo comum, contra EMP01..., S.A., também nos autos melhor identificada, pedindo a condenação desta:

“A. A RECONHECER AO A. A SUA INAPTIDÃO DEFINITIVA PARA EXERCER AS FUNÇÕES DE CARTEIRO, DE ACORDO COM O RESULTADO DA JUNTA MÉDICA A QUE O MESMO FOI SUBMETIDO A 22.10.2024;
B. A RECLASSIFICAR PROFISSIONALMENTE O A., NOS TERMOS DA CONVENÇÃO COLETIVA DE TRABALHO EM VIGOR, EM VIRTUDE DA SUA INAPTIDÃO PARA O EXERCÍCIO DAS SUAS FUNÇÕES NORMAIS, E A REAFETÁ-LO A OUTRA ATIVIDADE TENDO EM CONTA AS SUAS CAPACIDADES FÍSICAS E INTELECTUAIS E AS SUAS HABILITAÇÕES LITERÁRIAS;
C. A RÉ CONDENADA A PAGAR AO A. UMA INDEMNIZAÇÃO NO VALOR NUNCA INFERIOR A €5.000,00 (CINCO MIL EUROS) A TÍTULO DE DANOS NÃO PATRIMONIAIS EM VIRTUDE DO ASSÉDIO SOFRIDO PELO A., NOS TERMOS DO ARTIGO 28.º E 29.º, N.º 4 DO CÓDIGO DO TRABALHO.
D. CUSTAS E DEMAIS PROCURADORIA.”
           
Alegou para o efeito, e muito em síntese, que foi admitido ao serviço no ano de 1991, mediante a celebração de um contrato de trabalho para desempenhar as funções da categoria profissional de CRT – Carteiro, trabalho por si exercido, de segunda a sexta-feira, e que compreendia, designadamente,
− Executar as tarefas inerentes à fase do ciclo operativo em que intervém;
− Executar as tarefas inerentes às atividades de carga e descarga, acondicionamento, transporte, tratamento manual ou mecanizado de objetos postais, assegurando igualmente as decorrentes da operação dos meios utilizados, bem como a recolha de elementos e outros indicadores de atividade;
− Assegurar a recolha, distribuição, entrega e cobrança de objetos postais e outros serviços de terceiros contratualizados com os EMP01..., no quadro da atividade e negócio postal, nomeadamente os associados a atividades de distribuição, entrega, cobrança, promoção, venda, recolha e tratamento de informação;
− Efetuar assistência e atendimento a clientes, em situações específicas, e colaborar na promoção e venda da gama de produtos e serviços comercializados pelos EMP01...;
− Colaborar em ações que visem o desenvolvimento da organização e metodização do trabalho ou dos serviços postais;
− Conduzir os veículos de serviço, comunicando as deficiências verificadas e os casos de avaria ou anomalia do veículo, de modo a poder ser providenciado o andamento do serviço;
Possuindo o II Grau de classificação, nos termos da cláusula 23.ª da Convenção Coletiva – ACT que identifica - e respetivo anexo (anexo II).
Acontece que no início do ano de 2024 o A. começou a sentir dificuldades na execução das suas funções diárias como Carteiro, nomeadamente, começou a perder o seu sentido de orientação, a trocar correspondências, a deslocar-se a certo local e depois não saber o caminho de volta, etc.
Atentas tais circunstâncias, no dia 22 de outubro de 2024 foi o A. submetido a junta médica a pedido da entidade patronal e executada pela empresa que presta os serviços de medicina do trabalho à R., tendo então o A. sido considerado “inapto definitivamente” para exercer as funções atuais de Carteiro.
Não obstante tal indicação, foi também considerado que o A. poderia desempenhar funções para as quais não fosse necessário esforço mental.
Ora, nos dias subsequentes o A. apresentou-se normalmente ao serviço no seu posto de trabalho, tendo-lhe sido negada a entrada pelo seu superior hierárquico e, apesar da mandatária do A. ter enviado uma carta à R. interpelando-a para se abster de impedir o A. a entrar no seu local de trabalho e a reintegrar o mesmo noutra categoria profissional adequada à sua condição atual e na qual não seja exigido esforço mental, continuou a R. a impedir o A. de entrar no local de trabalho e exercer as funções que lhe estavam destinadas ou outras, violando o dever de ocupação efetiva do trabalhador/autor.
.
Não obstante a sua condição de saúde, o A. está apto a executar as funções compreendidas na categoria profissional de empregado de serviços gerais.
Indicou como valor da acção o valor de €8.000,00 (oito mil euros).

A ré - tendo-se realizado audiência de partes, malogrou-se, nessa sede, a conciliação - apresentou contestação, defendendo-se por impugnação, e dando a sua versão dos factos, da qual emerge que, aceitando a alegada relação laboral, questiona o âmbito da incapacidade para o trabalho do autor, nomeadamente para efeitos de se saber  se abrange todas as funções/tarefas inerentes à categoria de CRT e quais as funções que, apesar das suas limitações de saúde, pode exercer.
Termina pedindo que se julgue totalmente improcedente a presente ação e, em consequência, absolva a ré de todos os pedidos contra si formulados.
Seguidamente pronunciou-se a ré sobre o valor da acção nos termos seguintes:
VALOR: o da ação.”

No requerimento probatório (e para além de juntar documentos, requerer o depoimento de parte do autor e arrolar testemunhas) a ré solicitou a realização de perícia médica, nos seguintes termos:

1. DA PROVA PERICIAL: ao abrigo dos artigos 467.º, nos 1 e 3, e 475.º, n.º 1, do CPC, e da Lei n.º 45/2004, de 19 de agosto, requer-se a V. Exa. que se digne ordenar a sujeição do Autor, AA, a perícia médico-legal a realizar por perito médico designado pelo Instituto Nacional de Medicina Legal e Ciências Forenses, I. P., a qual deverá incidir sobre os seguintes quesitos:
a) O Autor padece da doença neurodegenerativa crónica? Em caso afirmativo, de que doença/distúrbio neurocognitivo padece? De Alzheimer ou de outro tipo de demência?
b) Se, ao quesito a), se tiver respondido que o Autor sofre de Alzheimer, indique o estágio em que a doença se encontra.
c) Em função das respostas oferecidas aos quesitos a) e b), o Autor possui as faculdades mentais necessárias para trabalhar no seio de uma organização empresarial?
d) Caso o quesito c) tenha merecido resposta afirmativa, o Autor tem condições mentais para desempenhar as funções de carteiro? Em caso afirmativo, de entre as funções que se seguem, identifique aquelas que o Autor pode desempenhar:
i. Executar tarefas inerentes à fase do ciclo operativo em que intervém (fase da recolha e distribuição postal);
ii. Tarefas inerentes às atividades de carga e descarga, acondicionamento, transporte, tratamento manual ou mecanizado de objetos postais, assegurando igualmente as decorrentes da operação dos meios utilizados, bem como a recolha de elementos e outros indicadores de atividade;
iii. Assegurar a recolha, distribuição, entrega e cobrança de objetos postais e outros serviços de terceiros contratualizados com os EMP01..., no quadro da atividade e negócio postal, nomeadamente os associados a atividades de distribuição, entrega, cobrança, promoção, venda, recolha e tratamento de informação.
iv. Efetuar assistência e atendimento a clientes, em situações específicas, e colaborar na promoção e venda da gama de produtos e serviços comercializados pelos EMP01...;
v. Colaborar em ações que visem o desenvolvimento da organização e metodização do trabalho ou dos serviços postais; e
vi. Conduzir os veículos de serviço, comunicando as deficiências verificadas e os casos de avaria ou anomalia do veículo, de modo a poder ser providenciado o andamento do serviço.
e) Consoante as funções identificadas em resposta ao quesito d), estime, de acordo com a evidência científica atual, o tempo durante o qual manterá a posse das faculdades mentais mínimas necessárias à sua execução.

Prosseguindo os autos, veio a proferir-se despacho a fixar o valor da causa, nos seguintes termos:
II. Valor da causa:
Nos termos dos artigos 296º, 297º, nº 1, 299º e 306º n.º 2, todos do Código de Processo Civil ex vi art. 1º, nº 2 do CPT, fixo à causa o valor de: Euros 5.000,00.”
 Tendo-se na mesma ocasião proferido despacho – saneador no âmbito do qual, conhecendo-se do requerimento probatório formulado na contestação, o Tribunal a quo decidiu o seguinte:
“ Prova pericial:
Veio a ré requerer a realização de prova médica pericial ao autor.
A causa de pedir nos autos trata de aferir se o autor está inapto definitivamente para exercer as funções de carteiro.
E relativamente a esta questão as partes estão em plena concordância. Aliás, é o próprio autor que reconhece o seu estado, aceitando o resultado da avaliação do serviço externo de higiene e segurança no trabalho da ré, e com essa base formulou o pedido que consta da alínea A. do petitório.
Ou seja, não há divergência entre as partes que justifique a realização da prova pericial.
Não está em causa a inaptidão total susceptível de colocar em causa a relação laboral estabelecida entre as partes, mas tão-só para a função/categoria de carteiro. É unicamente esta a causa de pedir.
Sendo certo que, de acordo com o Acordo de empresa, a incapacidade deve ser atestada pelos serviços de saúde do trabalho da empresa e a reconversão para outra categoria profissional não depende da realização de perícia.
Em face do exposto, por se afigurar impertinente e dilatória, indefere-se a realização da prova pericial (art. 476º, nº 1 do CPC ex vi art. 1º, nº 2 do CPT).
Notifique.

Inconformada com estas decisões, delas veio a ré interpor o presente recurso de apelação para este Tribunal da Relação de Guimarães, apresentando alegações que terminam mediante a formulação das seguintes conclusões (transcrição):

“I.        
A Recorrente não se conforma com o despacho saneador prolatado nos presentes autos, no que concerne ao indeferimento da prova pericial e à atribuição à causa do valor de €5.000,00 (cinco mil euros).
II.        
Em prol de uma reapreciação avisada da primeira questão, recordamos que o Autor foi contratado pela Recorrente para se ocupar das funções inerentes à categoria profissional de “Carteiro (CRT)”.
III.       
Dedicando-se, há mais de 3 (três) décadas, a estas funções, o Autor é responsável pela distribuição e entrega de objetos postais ao longo de um giro/rota previamente definido pela Recorrente.
IV.      
Estes giros/rotas são estáveis e, por isso, a certa altura, os carteiros quase conseguem percorrê-los de olhos fechados, tal é o conhecimento que possuem do itinerário e das suas minudências.
V.       
Todavia, o desempenho do Autor no âmbito das funções que, pela experiência de décadas, já executava de forma mecânica, começou a patentear algumas irregularidades graves, como a troca de destinatários e o baralhamento da correspondência.
VI.      
Ocasiões houve em que o Autor se esqueceu do percurso associado ao giro/rota, desviando-se dele, e em que, quando a Recorrente lhe pedia para se localizar, tinha dificuldades sérias em responder.
VII.     
O zénite, quem sabe, do défice de discernimento, de clarividência e de lucidez que os seus comportamentos aparentavam, ocorreu no CDP (Centro de Distribuição Postal) ... de ..., quando, alienado da realidade, o Autor desapareceu dessas instalações e obrigou a que, num misto de desespero e de receio que lhe acontecesse algo, os seus colegas de trabalho se desdobrassem em diligências para reencontrá-lo.
VIII.    
Neste contexto, no dia 24 de setembro de 2024, o Autor foi convocado para um exame ocasional de saúde, do qual proveio uma ficha de aptidão para o trabalho onde o Dr. BB (médico do trabalho) o reputou “apto condicionalmente” para as funções de carteiro e (lhe) recomendou o evitamento de “tarefas pesadas, com pouca exigência de memória /rapidez”, a utilização de um equipamento de proteção individual, a sua ocupação com “trabalhos simples, tipo VCS, sem responsabilidades” e a reconversão/reclassificação profissional (cf. doc. 3 da contestação).
IX.      
Pouco depois, no dia 22 de outubro, o Autor foi sujeito a um novo exame da mesma espécie e, desta feita, o Dr. BB deu-o como definitivamente inapto para o exercício das aludidas funções de carteiro, embora não tenha descartado o desempenho de “funções sem exigência mental” (cf. doc. 4 da contestação).
X.       
A Recorrente tem procurado compreender o que cabe no conceito (a)científico de “funções sem exigência mental” e localizar, na sua estrutura organizativa, um posto de trabalho compatível com a recomendação, enquanto o contrato do Autor se encontra suspenso, por facto impeditivo da prestação de atividade que lhe respeita e ao abrigo do artigo 294.º, n.º 1, e 296.º, n.º 1, do CT.
XI.      
Com a propositura desta ação, o Autor procura obter a condenação da ré/Recorrente no reconhecimento da sua inaptidão definitiva para o exercício das funções de carteiro e, ato contínuo, na sua reclassificação profissional, para categoria coadunável com as suas “capacidades físicas e intelectuais”, sob a desejada proteção da Cláusula 25.ª do AE/EMP01... 2023.
XII.     
Com a contestação, a Recorrente requereu a realização da prova pericial, nos termos acima descritos e que, por economia, se consideram, nesta conclusão, integralmente reproduzidos.
XIII.    
No despacho saneador, o Tribunal a quo não se mostrou recetivo a essa diligência e, ajuizando-a impertinente e dilatória, indeferiu-a:
Veio a ré requerer a realização de prova médica pericial ao autor.
A causa de pedir nos autos trata de aferir se o autor está inapto definitivamente para exercer as funções de carteiro.
E relativamente a esta questão as partes estão em plena concordância. Aliás, é o próprio autor que reconhece o seu estado, aceitando o resultado da avaliação do serviço externo de higiene e segurança no trabalho da ré, e com essa base formulou o pedido consta da alínea A. do petitório.
Ou seja, não há divergência entre as partes que justifique a realização da prova pericial. Não está em causa a inaptidão total susceptível de colocar em causa a relação laboral estabelecida entre as partes, mas tão-só para a função/categoria de carteiro. É unicamente esta a causa de pedir.
Sendo certo que, de acordo com o Acordo de empresa, a incapacidade deve ser atestada pelos serviços de saúde do trabalho da empresa e a reconversão para outra categoria profissional não depende da realização de perícia.
Em face do exposto, por se afigurar impertinente e dilatória, indefere-se a realização da prova pericial (art. 476º, nº 1 do CPC ex vi art. 1º, nº 2 do CPT).
XIV.    
As premissas enquadradoras dispostas nas conclusões anteriores, se têm alguma virtude, é a de facilitar a desconstrução da retórica emprestada à rejeição da perícia médico-legal, demonstrando à saciedade que a diligência probatória requerida não é impertinente, nem dilatória.
XV.     
Na esteira da jurisprudência, a perícia só é dilatória quando se destina à demonstração de factos cuja apreciação não exige conhecimentos especiais que, pela sua natureza técnico-científica, estão subtraídos ao julgador.
XVI.    
Dá-se, por isso, o caso, que, por certo, não conhece paralelo na história da justiça portuguesa, de se apelidar de dilatória uma perícia médico-legal!
XVII.   
Com a devida vénia, como se o Tribunal a quo reunisse os conhecimentos necessários para se pronunciar acerca da saúde neurológica de um trabalhador ou estivesse qualificado para fazer diagnósticos e descortinar o seu impacto nas capacidades profissionais daqueloutro.
XVIII.  
Sobre a (im)pertinência, o Tribunal recorrido valorou a concordância das partes acerca de uma matéria que não dominam e quanto ao selo da inaptidão definitiva do Autor, construída em cima de uma ficha de aptidão para o trabalho nebulosa, a ponto de insinuar que ela substitui o veredicto técnico de um perito.
XIX.    
Ainda que o peso desta concordância não fosse nulo, afiguram-se, sobretudo, muito simplistas as afirmações de que a causa de pedir se esgota na inaptidão definitiva do Autor para as funções de carteiro e de que o escopo da perícia médico-legal requerida não transcende esta questão.
XX.     
Bem mais do que isso, esta diligência visa esclarecer se o Autor sofre de Alzheimer e, dentro do respetivo espetro, qual é o estágio de evolução da doença, se esta enfermidade preclude, a todo o diâmetro, a sua aptidão para o trabalho — e, por isso, também a sua reclassificação profissional — ou se ainda lhe permite prestar a sua  atividade como carteiro, quais as funções que ainda está em condições de assegurar, e, nessa hipótese, por quanto tempo poderá desempenhá-las.
XXI.    
A apreciação dos pedidos A. e B. (o reconhecimento da inaptidão definitiva e a viabilidade fáctica da reclassificação profissional) pressupõe que estas questões encontrem respostas nos autos, o que jamais sucederá se a perícia médico-legal for preterida.
XXII.   
Quanto ao pedido A., a ficha de aptidão para o trabalho que o Tribunal a quo brande, não é suficiente para reconhecer a inaptidão definitiva do Autor (cf. doc. 4 da contestação).
XXIII.  
Não o é porque o médico responsável pela elaboração da ficha (Dr. BB) ofereceu-se ao paradoxo — aparente, pelo menos — de afirmar que o Autor está definitivamente inapto para as funções de carteiro e, ao mesmo tempo, de sugerir que, dentro desta categoria, lhe podem ser confiadas “funções sem exigência mental”.
XXIV. 
Aqui, a perícia médico-legal possibilita descobrir se a inaptidão definitiva se circunscreve às funções respeitantes à categoria profissional de “Carteiro (CRT)” que suponham atividade mental ou se também abrange aquelas que não a envolvam;
XXV.  
E caso a inaptidão não se estenda às “funções sem exigência mental”, permite a identificação daquelas que, estando associadas à referida categoria, podem, à luz da evidência científica, ser adjudicadas ao Autor, e por quanto tempo.
XXVI. 
Enquanto estas dúvidas não forem dissipadas — e só poderão sê-lo através da realização da perícia —, o Tribunal a quo não tem margem para se pronunciar sobre o mérito do primeiro pedido formulado pelo Autor.
XXVII.
Para o efeito, foram projetados os quesitos d) e e), assim como os quesitos a), b) e c) o foram para aferir da plausibilidade fáctica da reclassificação profissional, uma vez que, do ponto de vista jurídico, a Cláusula 25.ª, n.º 1, do AE/EMP01... 2023, fá-la depender da anuência escrita da Recorrente;
XXVIII.
E, no limite, em tese, a Recorrente só estaria disposta a consenti-la, munida de um relatório que atestasse a doença de que o Autor sofre, o estágio em que se encontra e a medida em que afeta o exercício da atividade profissional;
XXIX. 
Na posse de um laudo especializado onde se discriminassem as funções cujo desempenho o estado de saúde do Autor ainda lhe permite, a partir do qual se pudesse procurar a categoria profissional adequada a recebê-lo, como consequência da operação de reclassificação.
XXX.  
Ademais, como, no pedido B., o Autor requer que a reclassificação se coadune com as suas “capacidades físicas e intelectuais”, não se enxerga como o Tribunal a quo possa deferi-la sem se certificar, por meio pericial, de que ela se lhes adequa…
XXXI. 
Atrever-se-á a impô-la sem garantir que, contrariamente à de origem (“Carteiro (CRT”), a categoria profissional de destino acomoda funções compatíveis com as “capacidades físicas e intelectuais” do Autor?
XXXII.
Muito nos admira que, em face deste pedido, o Autor não tenha suscitado a realização da perícia médico legal e muito nos admirará se, em sede de contra-alegação de recurso, depuser contra a sua pertinência.
XXXIII.
Pelo arrazoado, a perícia não é dilatória nem impertinente, devendo a decisão de indeferimento ser substituída por uma decisão de admissão de tal meio probatório, o que, sob a égide dos artigos 388.º do Código Civil, e 467.º, nºs 1 e 3, 475.º e 476.º, n.º 1, do CPC, se requer de forma expressa.
XXXIV.           
De igual modo, a Recorrente não pode subscrever os €5.000,00 (cinco mil euros), pelos quais o valor da causa foi fixado no despacho saneador, pois que as contas apressadas do Tribunal a quo contrariam a disciplina dos artigos 297.º, n.º 2, e 303.º, n.º 1, do CPC, que o artigo 1.º, n.º 2, alínea a), do CPT, manda aplicar.
XXXV.
A Instância recorrida limitou-se a confundir a utilidade económica do pedido C. com o valor da causa, mau grado o facto de estarmos perante um cenário de cumulação (cf. artigo 555.º do CPC).
XXXVI.           
Quando assim é, o artigo 297.º, n.º 2, do CPC, estatui que “o valor [da causa] é a quantia correspondente à soma dos valores de todos eles”, pelo que, in casu, se tem de atentar, outrossim, aos pedidos A. e B..
XXXVII.          
Os pedidos A. e B. foram formulados sob uma lógica de dependência, formando um bloco que merece o valor único de €30.000,01 (trinta mil euros e um cêntimo), por força dos artigos 303.º, n.º 1, do CPC, e 44.º, n.º 1, da Lei da Organização do Sistema Judiciário.
XXXVIII.         
Através de A., que é a causa do pedido B., o Autor almeja a condenação da ré/Recorrente no reconhecimento da sua inaptidão definitiva para as funções de carteiro, o que corresponde a um interesse insuscetível de medição pecuniária ou imaterial.
XXXIX.           
E a utilidade económica imediata deste bloco de pedidos não está traduzida na quantia indemnizatória de €5.000,00 (cinco mil euros) em cujo pagamento se requer, em C., que a ré/Recorrente seja condenada, pela alegada prática de assédio.
XL.     
Entre o bloco de pedidos A. e B., e o pedido C., verifica-se uma cumulação substantiva, ou real, e, como tal, o valor da causa, que provém da soma do valor pecuniário de ambos, corresponde a €35.000,01 (trinta e cinco mil euros e um cêntimo);
XLI.    
Requer-se, por conseguinte, que seja fixado à ação o valor constante da conclusão anterior.”

O autor apresentou contra–alegações, pugnando pela improcedência do recurso.

Admitido o recurso na espécie própria e com o adequado regime de subida, foram os autos remetidos a este Tribunal da Relação e pela Exma. Senhora Procuradora-Geral Adjunta foi emitido parecer no sentido da improcedência do recurso no que concerne à pretendida alteração do despacho saneador na parte em que rejeitou a perícia médica e ser dado provimento ao mesmo, no que respeita ao valor a atribuir à ação.

Tal parecer mereceu resposta por parte da recorrente, reafirmando e desenvolvendo, em suma, os fundamentos invocados nas alegações.

Dado cumprimento ao disposto na primeira parte do n.º 2 do artigo 657.º do Código de Processo Civil foi o processo submetido à conferência para julgamento.

II OBJECTO DO RECURSO

Delimitado que é o âmbito do recurso pelas conclusões da recorrente, sem prejuízo das questões que sejam de conhecimento oficioso (artigos 608.º n.º 2, 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 3, todos do Código de Processo Civil, aplicável por força do disposto no artigo 87.º n.º 1 do CPT), enunciam-se então as questões que cumpre apreciar:
- Valor da acção;
- Se é admissível a perícia médico-legal requerida pela ré/recorrente.

III - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Os factos relevantes para a decisão são os que constam do relatório supra.

IV – APRECIAÇÃO DO RECURSO

Do valor da acção:
Em conformidade com as pertinentes normas legais (cf. art. 306.º/1 e 552.º/1 al. f), do CPC), o autor atribuiu um valor à ação (€ 8.000,00), que obteve a anuência da ré – pois que na contestação ofereceu o mesmo valor -, vindo o Tribunal recorrido a fixar, porém, um outro valor à causa (€ 5.000,00).
Vejamos então se assiste razão à recorrente ao pretender que seja fixado à causa o valor de €35.000,01.
Com mais directa pertinência para dilucidarmos a presente questão, de verificação do valor da causa, trazem-se desde já à colação os seguintes preceitos do Código de Processo Civil:

Artigo 296.º
Atribuição de valor à causa e sua influência
1- A toda a causa deve ser atribuído um valor certo, expresso em moeda legal, o qual representa a utilidade económica imediata do pedido.
2- Atende-se a este valor para determinar a competência do tribunal, a forma do processo de execução comum e a relação da causa com a alçada do tribunal.
3- Para efeito de custas judiciais, o valor da causa é fixado segundo as regras previstas no presente diploma e no Regulamento das Custas Processuais.
Artigo 297
Critérios gerais para a fixação do valor
1- Se pela ação se pretende obter qualquer quantia certa em dinheiro, é esse o valor da causa, não sendo atendível impugnação nem acordo em contrário; se pela ação se pretende obter um benefício diverso, o valor da causa é a quantia em dinheiro equivalente a esse benefício.
2- Cumulando-se na mesma ação vários pedidos, o valor é a quantia correspondente à soma dos valores de todos eles; mas quando, como acessório do pedido principal, se pedirem juros, rendas e rendimentos já vencidos e os que se vencerem durante a pendência da causa, na fixação do valor atende-se somente aos interesses já vencidos.
3- No caso de pedidos alternativos, atende-se unicamente ao pedido de maior valor e, no caso de pedidos subsidiários, ao pedido formulado em primeiro lugar.

Artigo 299
Momento a que se atende para a determinação do valor
1- Na determinação do valor da causa, deve atender-se ao momento em que a ação é proposta, exceto quando haja reconvenção ou intervenção principal.
2- O valor do pedido formulado pelo réu ou pelo interveniente só é somado ao valor do pedido formulado pelo autor quando os pedidos sejam distintos, nos termos do disposto no n.º 3 do artigo 530.º.
3- O aumento referido no número anterior só produz efeitos quanto aos atos e termos posteriores à reconvenção ou intervenção.
4- Nos processos de liquidação ou noutros em que, analogamente, a utilidade económica do pedido só se define na sequência da ação, o valor inicialmente aceite é corrigido logo que o processo forneça os elementos necessários.

Artigo 303.º
Valor das ações sobre o estado das pessoas ou sobre interesses imateriais ou difusos
1- As ações sobre o estado das pessoas ou sobre interesses imateriais consideram-se sempre de valor equivalente à alçada da Relação e mais (euro) 0,01.
2- A mesma regra é aplicável às ações para atribuição da casa de morada de família, constituição ou transmissão do direito de arrendamento.
3- Nos processos para tutela de interesses difusos, o valor da ação corresponde ao do dano invocado, com o limite máximo do dobro da alçada do Tribunal da Relação. (realces nossos)

Por outro lado, importa reter que, em matéria civil, o valor da alçada da 1.ª instância está actualmente fixado em € 5.000,00 e a dos tribunais da Relação está fixado em € 30.000,00 – artigo 44.º da Lei n.º 62/2013, de 26/08 (LOSJ).
Por alçada entende-se o “limite de valor até ao qual o tribunal julga sem recurso ordinário”.[1]

Uma primeira nota que cumpre realçar, é que embora a recorrente pugne agora pela atribuição à causa do valor de € 35.000,01 certo é que na contestação que apresentou aceitou o valor de € 8.000,00 que havia sido indicado pelo autor na petição inicial.
Não foi este o valor fixado pelo Tribunal recorrido, nem nos parece que seja o correcto – nem o recorrido explicita, de forma minimamente perceptível, a razão de ser da indicação desse valor -, adiantando-se já que também não se afigura correcto o valor de € 35.000,01 proposto pela recorrente.

Relembrando o pedido,
NESTES TERMOS E NOS DEMAIS DE DIREITO QUE V. EXA. DOUTAMENTE SUPRIRÁ DEVE A PRESENTE AÇÃO SER DECLARADA PROCEDENTE POR PROVADA E EM CONSEQUÊNCIA SER A RÉ CONDENADA:

A. A RECONHECER AO A. A SUA INAPTIDÃO DEFINITIVA PARA EXERCER AS FUNÇÕES DE CARTEIRO, DE ACORDO COM O RESULTADO DA JUNTA MÉDICA A QUE O MESMO FOI SUBMETIDO A 22.10.2024;
B. A RECLASSIFICAR PROFISSIONALMENTE O A., NOS TERMOS DA CONVENÇÃO COLETIVA DE TRABALHO EM VIGOR, EM VIRTUDE DA SUA INAPTIDÃO PARA O EXERCÍCIO DAS SUAS FUNÇÕES NORMAIS, E A REAFETÁ-LO A OUTRA ATIVIDADE TENDO EM CONTA AS SUAS CAPACIDADES FÍSICAS E INTELECTUAIS E AS SUAS HABILITAÇÕES LITERÁRIAS;
C. A RÉ CONDENADA A PAGAR AO A. UMA INDEMNIZAÇÃO NO VALOR NUNCA INFERIOR A €5.000,00 (CINCO MIL EUROS) A TÍTULO DE DANOS NÃO PATRIMONIAIS EM VIRTUDE DO ASSÉDIO SOFRIDO PELO A., NOS TERMOS DO ARTIGO 28.º E 29.º, N.º 4 DO CÓDIGO DO TRABALHO.
D. CUSTAS E DEMAIS PROCURADORIA.
diremos que o formulado sob a al. A) traduz um pressuposto lógico conducente à reclassificação profissional reclamada no pedido expresso em B), não tendo aquele primeiro pedido verdadeira autonomia enquanto tal.[2]
Assim, para efeitos de fixação do valor da acção importa-nos os pedidos formulados sob as al.s B) e C).

Ora, quanto ao pedido formulado em B) sustenta a recorrente, em suma, que “o Autor almeja a condenação da ré/Recorrente no reconhecimento da sua inaptidão definitiva para as funções de carteiro, o que corresponde a um interesse insuscetível de medição pecuniária ou imaterial.”, pretendendo assim que, aplicando-se ao caso o disposto no n.º 1 do art. 303.º do CPC, aos pedidos formulados nas A) e B), que a seu ver o foram sob uma lógica de dependência, seja atribuído o valor de € 30.000,01.

Como de forma esclarecedora se afirma em Ac. STJ de 11-11-2020, “(…) a tese dos «interesses imateriais» era largamente acolhida na vigência do Código de Processo do Trabalho de 1963, que guardava absoluto silêncio sobre essa questão.
Já o Código de Processo do Trabalho de 1979 consignava, expressamente, no seu artigo 46.º, n.º 3, que «[a]s ações em que esteja em causa o despedimento do trabalhador, a sua reintegração na empresa ou a validade do contrato de trabalho nunca terão valor inferior ao da alçada da Relação e mais 1$00».
Consagrou-se, assim, tese semelhante à do citado artigo 312.º [artigo este que corresponde ao artigo 303.º no actual CPC].
Porém, o Código de Processo do Trabalho de 1981 veio contemplar solução diversa, apenas assegurando o recurso para a Relação ao estabelecer que «[a]s ações em que esteja em causa o despedimento do trabalhador, a sua reintegração na empresa ou a validade do contrato de trabalho nunca terão valor inferior ao da alçada do tribunal da primeira instância e mais 1$00».
Esta inversão legislativa, que veio contemplar uma solução idêntica à adotada na alínea a) do artigo 79.º do atual Código de Processo do Trabalho, suscitou a Leite Ferreira (Código de Processo do Trabalho Anotado, 4.ª edição, 1996, p. 239), a anotação seguinte:
«De tudo isto resulta claro que, não obstante a natureza dos interesses em jogo nas ações em causa […], o propósito do legislador de 1981 foi o de assegurar sempre, em tais situações, recurso para a 2.ª instância. A partir daquele valor — alçada do tribunal da primeira instância e mais 1$00 — será de observar o regime geral das alçadas, especialmente o disposto nos artigos 305.º e 306.º do Código de Processo Civil e 74.º, n.º 4 do Código de Processo do Trabalho.
Se a vontade do legislador tivesse sido a de garantir sempre recurso para o Supremo, bastar-lhe-ia, ou nada dizer, deixando que a jurisprudência continuasse a socorrer-se, subsidiariamente, do artigo 312.º do Código de Processo Civil, ou, no seguimento deste normativo e do artigo 46.º, n.º 3, do Código de Processo do Trabalho de 1979, dizer que naquelas ações o valor nunca seria inferior ao da alçada da Relação e mais 1$00.»
Fica assim demonstrado, como se afirma no citado acórdão de 14 de Novembro de 2001, «que o legislador de 1981 (e também o de 1999) se desligou da equiparação aos interesses imateriais do artigo 312.º do Código de Processo Civil, fazendo ele próprio a sua valoração dos interesses em causa para efeitos de recurso.
Deste modo, os interesses imateriais conexos com os litígios de natureza laboral não relevam no cálculo do valor das ações e por esse motivo são irrelevantes para a determinação do valor da sucumbência.[3]

Esta orientação, para nós convincente, tem sido, senão de todo unânime, claramente dominante nos nossos Tribunais Superiores, conquanto se possam surpreender algumas nuances, em atenção a particularidades de situações concretas, como é ex. o Ac. da RL de 19-12-2018, de cujo sumário e fundamentação consta:
II– O artigo 79.º do CPT procura garantir às partes o recurso para os tribunais da 2.ª instância nas categorias de ações aí identificadas, o que implica que, ainda que se aceite que o reconhecimento de uma dada categoria profissional ao trabalhador se reconduz a interesses imateriais, seguro é que o legislador processual laboral criou um regime especial para esse tipo de ações, afastando assim a aplicação às mesmas do disposto no número 1 do artigo 303.º do NCPC.”
“Se bem que nos pareça que a afirmação absoluta constante dos Sumários dos dois Arestos do STJ acima transcritos será excessiva, dado se nos afigurar que existirão ações de natureza laboral cujo objeto implicará a discussão de interesses imateriais como os previstos no artigo 303.º do NCPC (bastará pensar na violação dos direitos de personalidade do trabalhador e na ação especial dos artigos 186.º-D a 186.º-F do CPT) [[6]], pensamos que, no que respeita à determinação da categoria profissional do trabalhador, tal questão não se coloca.”[4]

No presente caso, e por reporte à al. B) do pedido, está precisamente em causa a determinação da categoria profissional (a que – também - alude a al. a) do art. 79.º do CPT) pois que nisso se traduz a peticionada «reclassificação profissional».

Donde, e no que tange a este pedido, não havendo qualquer fundamento para se atribuir o valor de € 30.000,01, o valor da causa não possa ser inferior a € 5.000,01.

Existindo uma verdadeira cumulação de pedidos com aquele formulado sob a al. C) – pedido de indemnização a título de danos não patrimoniais -, temos então que à causa deve ser atribuído o valor de € 10.000,01 (€5.000,01 + € 5.000,00).

- Da admissibilidade da perícia médico-legal requerida pela ré/recorrente:

Contendendo com a questão supra enunciada, na decisão recorrida discorreu-se, como já decorre do relatório supra, nos termos seguintes:
A causa de pedir nos autos trata de aferir se o autor está inapto definitivamente para exercer as funções de carteiro.
E relativamente a esta questão as partes estão em plena concordância. Aliás, é o próprio autor que reconhece o seu estado, aceitando o resultado da avaliação do serviço externo de higiene e segurança no trabalho da ré, e com essa base formulou o pedido que consta da alínea A. do petitório.
Ou seja, não há divergência entre as partes que justifique a realização da prova pericial.
Não está em causa a inaptidão total susceptível de colocar em causa a relação laboral estabelecida entre as partes, mas tão-só para a função/categoria de carteiro. É unicamente esta a causa de pedir.
Sendo certo que, de acordo com o Acordo de empresa, a incapacidade deve ser atestada pelos serviços de saúde do trabalho da empresa e a reconversão para outra categoria profissional não depende da realização de perícia.”

Pressupôs-se, pois, na decisão recorrida que as partes estão de acordo quanto a estar o autor definitivamente inapto para exercer as funções de carteiro.
No recurso a ré insurge-se contra esta premissa.[5]

Vejamos.

Na petição inicial, a propósito desta questão, o autor alegou em particular o seguinte:
12. Ora, no âmbito de tal junta médica o A. foi considerado “inapto definitivamente” para exercer as funções atuais de Carteiro. - Conforme tudo melhor se alcança da Ficha de Aptidão para o Trabalho, documento que adiante de junta e que aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os devidos e legais efeitos. Doc. n.º 2.
13. Não obstante tal indicação, consta ainda de tal documento que o A. poderia desempenhar funções para as quais não fosse necessário esforço mental.
14. Recomendando a correção das condições de trabalho do trabalhador, isto é, a atribuição de outra categoria profissional ao A. que não envolvesse a execução de funções de exigência mental.
E,
34. Assim, o A. pode ser reconvertido para outra categoria profissional, atenta a sua situação de saúde.
35. Uma vez que, apesar de o mesmo não estar apto mentalmente para exercer as funções de carteiro, o A. pode continuar a prestar à R. a sua atividade noutra função, ocupação ou categoria profissional.
36. Designadamente, o A. entende estar apto a exercer funções relativas à categoria profissional de Empregado de serviços gerais,
37. Que apenas exigem o grau de qualificação I,
38. Ou seja, tal grau apenas exige a execução de atividades (manuais ou mecanizadas) de natureza elementar.
39. Designadamente,
− Efetuar atividades de suporte que não requeiram qualificação específica.
40. Neste sentido, existe na Empresa uma categoria profissional compatível com as restrições psíquicas do A.
41. Pelo que, a R. deverá atribuir ao A. a categoria profissional de Empregado de serviços gerais e delegar ao mesmo, novas funções a executar no âmbito desta categoria profissional. (realce nosso)

Ora, na contestação que apresentou a ré não impugnou a matéria alegado nos citados artigos 12.º a 14.º, antes a aceitando expressamente, à excepção do segmento do art. 12.º onde se diz “junta médica” pois, alega a ré, tratou-se não de uma junta médica mas de um exame de saúde presidido por um médico do trabalho – cf. art. 8.º da contestação.
Convém, no entanto, ter presente que em tais artigos do articulado inicial o autor alega o que “foi considerado” no exame médico, vale por dizer, pelo médico que realizou o exame, e não o facto, em si, de o autor estar “inapto definitivamente para exercer as funções de carteiro”.
E esta destrinça não é de somenos, pois pode a demandada, sem com isso entrar em contradição, aceitar que no exame médico (na ficha de aptidão para o trabalho) foi “considerado”/aposto o entendimento conforme alegado pelo autor, mas discordar dessa posição, impugnando que o autor esteja efectivamente “inapto definitivamente para exercer as funções de carteiro”.
E é o que se afigura suceder na situação presente.
Com efeito, em 9. e 10. da contestação a ré expressamente impugnou o alegado pelo autor nos artigos (designadamente) 34., 35., 36., 38., 40. e 41. da petição inicial, onde o autor nomeadamente alega que não está apto para exercer as funções de carteiro e, bem assim, que pode continuar a prestar à ré a sua atividade noutra função, ocupação ou categoria profissional.
Mas se assim é, como se afigura, estes factos têm de considerar-se impugnados (para além de não haver acordo nos articulados, também não há aqui que valorar documento – v.g. as fichas de aptidão para o trabalho juntas - que faça prova plena) – cf. arts. 571.º, n.ºs 1 e 2, primeira parte, e 574.º/1/2/3, ambos do CPC, ex vi do art. 1.º/2 a) do CPT.

Saliente-se que, como alega a recorrente, a causa de pedir não se esgota na invocada inaptidão definitiva do autor para exercer as funções de carteiro.
Na economia da acção é outrossim necessário saber se o autor pode continuar a prestar à ré a sua atividade noutras funções, v.g. aquelas atinentes à categoria profissional que reclama.

Embora o Tribunal recorrido tenha proferido despacho consignando que “Dado que a enunciação dos temas de prova se reveste de simplicidade, abstemo-nos de proferir o despacho a que alude o art. 596º, do CPC (cf. art. 49º, nº 3 ex vi 62º, nº 2, ambos do CPT).” parece-nos manifesto que a factualidade reportada aquelas questões integra, por controvertida e interessar à decisão a proferir, o objecto da instrução – cf. art. 410.º do CPC.

E a matéria em questão, de índole médica, requer efectivamente conhecimentos dessa área, específicos/especiais.

Por outro lado, a alusão que no despacho recorrido se faz ao Acordo de Empresa (identificado em 31. e 32. da PI), v.g. a sua Cláusula 25.ª - “1-Por motivo de incapacidade superveniente do trabalhador, atestada pelos serviços de saúde do trabalho da empresa, para o desempenho das funções inerentes à categoria detida, pode aquele ser reconvertido para outra categoria profissional, mediante acordo escrito entre a empresa e o trabalhador” -, na medida em que se limita a conferir uma faculdade à empregadora (posto que obtenha o acordo escrito do trabalhador),  numa situação como a presente não permite, sem mais,  asseverar que a incapacidade deve ser atestada pelos serviços de saúde do trabalho da empresa e a reconversão para outra categoria profissional não depende da realização de perícia.

Ante o exposto, a requerida perícia não se mostra nem impertinente nem dilatória, pelo que é admissível, devendo a Mm.ª Juiz a quo proferir despacho nos termos previstos no art. 476.º do CPC.

V - DECISÃO

Nestes termos, acordam os juízes que integram a Secção Social deste Tribunal da Relação em julgar parcialmente procedente a apelação e, em consequência, revogando-se os dois despachos impugnados:

- Fixar à causa o valor de € 10.000,01 (dez mil euros e um cêntimo);
- Admitir a realização da requerida perícia, sem prejuízo do disposto no art. 476.º do CPC, devendo a Mm.ª Juiz a quo proferir despacho em conformidade.
Custas da apelação a cargo da recorrente e do recorrido, na proporção de ¼ e ¾, respectivamente.
Notifique.

Guimarães, 18 de Junho de 2025

Francisco Sousa Pereira (relator)
Vera Maria Sottomayor
Maria Leonor Chaves dos Santos Barroso
           

[1] cf. Alberto dos Reis, CPC Anotado, Vol. V, pág. 220.
[2] Como se lê no sumário do Ac. RL de 12-03-2013, Proc. 82/12.2YHLSB-A.L1-7, ROQUE NOGUEIRA, in www.dgsi.pt :          
“VII - Há cumulação real quando se formula mais de que um pedido de carácter substancial e há cumulação aparente quando a multiplicidade de pedidos é de carácter processual.
VIII - Quando se pede, como no caso, a declaração do direito exclusivo de autorizar a utilização/execução pública de fonogramas/videogramas no estabelecimento comercial explorado pela ré e a consequente condenação desta em indemnização por perdas e danos, por violação daquele direito, não se formulam dois pedidos substancialmente distintos, apenas se indicando as duas operações que o tribunal tem de desenvolver para atingir o fim último da acção, qual seja, a pretendida condenação da ré.”
[3] Proc. 19103/18.9T8LSB.L1.S1, ANTÓNIO LEONES DANTAS, www.dhgsi.pt 
[4] Proc. 01/18.9T8BRR-A.L1-4, JOSÉ EDUARDO SAPATEIRO, www.dgsi.pt
[5] Cf. em particular as conclusões:
XXII.
Quanto ao pedido A., a ficha de aptidão para o trabalho que o Tribunal a quo brande, não é suficiente para reconhecer a inaptidão definitiva do Autor (cf. doc. 4 da contestação).
XXIII.
Não o é porque o médico responsável pela elaboração da ficha (Dr. BB) ofereceu-se ao paradoxo — aparente, pelo menos — de afirmar que o Autor está definitivamente inapto para as funções de carteiro e, ao mesmo tempo, de sugerir que, dentro desta categoria, lhe podem ser confiadas “funções sem exigência mental”.