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SINDICATO
LEGITIMIDADE
REPRESENTAÇÃO DE ASSOCIADOS
DIUTURNIDADE
CONTAGEM
Sumário
I - O CESP – Sindicato dos Trabalhadores do Comércio, Escritórios e Serviços de Portugal actua nos autos, não enquanto parte, mas em representação de onze associadas com referência à violação, com carácter de generalidade, de direitos individuais de idêntica natureza - 5º, 2 c), CPT. A regularidade da sua intervenção respeita não a requisitos de legitimidade, mas de representação, que se encontram cumpridos, mormente pela junção de declarações de autorização das associadas. II - Ao longo dos anos em que prestaram serviço para a ré, o direito a diuturnidades reivindicado pelas trabalhadoras foi sendo regido por vários blocos normativos de instrumentos de regulamentação colectiva não negocial (PRT e PE), uns concedendo tal direito, outros não o concedendo. III- A partir de novembro de 2022, as trabalhadoras têm direito a diuturnidades ao abrigo da portaria de extensão nº 259/2022, de 27-10, rectificada quanto ao início do seu pagamento pela portaria 270/2022 de 9-11, as quais estenderam as condições laborais previstas no CCT, e suas alterações, celebrado entre a CNIS (Confederação Nacional das Instituições de Solidariedade) e a FEPCES (Federação Portuguesa dos Sindicatos do Comércio, Escritórios e Serviços e outros), publicadas no BTE nº 41, de 8-11-2019, nº 2, de 15-01-2021 e nº 39, de 22-10- 2021. IV - A contagem da antiguidade das trabalhadoras para efeitos de diuturnidades aquilata-se pelo decurso do tempo ao serviço da empregadora, sem se interromper, pese embora o seu pagamento possa não ser devido em algum período anterior consoante o IRCT em vigor.
Texto Integral
I - RELATÓRIO
O CESP – Sindicato dos Trabalhadores do Comércio, Escritórios e Serviços de Portugal intentou a presente acção de processo comum contra “Santa Casa da Misericórdia ...”, pedindo a condenação da ré no pagamento às representadas identificadas na petição inicial das quantias aí referidas a título de diuturnidades vencidas a partir de 10 de Novembro de 2022 até ao mês de Julho de 2023, das diuturnidades vincendas a partir de Agosto de 2023 de acordo com a antiguidade de cada uma delas, e dos juros, vencidos e vincendos, até integral pagamento.
Alega que representa uma parte das suas associadas que trabalham ao serviço da Ré, que o autorizaram a representá-los em defesa do direito violado, individual de cada um dos associados, com carater de generalidade, conforme documentos nºs 1 a 11 (declarações de autorização); as associadas têm direito a uma diuturnidades no valor de 21€ por cada 5 anos de serviço até ao limite de 5, que a ré lhes nega, conforme IRCT aplicáveis, a saber portarias de extensão nº 259/2022 de 23 de outubro, alterada pela portaria 270/2022 de 9 de novembro, estendendo às trabalhadoras o CCT celebrado entre a Confederação Nacional das Instituições de Solidariedade Social – CNIS e a FEPCES –Federação Portuguesa dos Sindicatos do Comércio, Escritórios e Serviços e outros, publicados no BTE nº 41 de 8 de novembro de 2019, BTE nº 2 de 15 de janeiro de 2021 e BTE nº 39 de 22 de outubro de 2021.
A ré contestou por:
a) impugnação, alegando serem outros os IRCT aplicáveis, mormente o CCT outorgado entre a UMP com a FNE, BTE nº 14 de 15-04-2023, com Portaria de Extensão nº 148-2023, de 31-05. Ainda que fosse aplicável o IRCT invocado pelo A, este nunca teria poderia ter eficácia retroactiva.
b) por excepção, alegando, no que releva ao recurso, a ilegitimidade activa porque o A nem representa um interesse colectivo, mas sim uma mera soma de interesses individuais (5º, 1, CPT), nem dispões de autorização dos trabalhadores (5º, 2, c, CPT).
Realizou-se audiência final.
Proferiu-se a sentença ora recorrida, com o seguinte dispositivo: “Assim, e face a tudo o exposto, decide-se: Julgar a acção parcialmente procedente: - condenar a R. a proceder ao pagamento, a título de diuturnidades vencidas até ao final do mês de Setembro de 2023, das seguintes quantias: - à AA - €203,00 ;- à BB - €406,00; - à CC - €609,00 ; - à DD - €1.015,00 ; - à EE - €840,00 ; - à FF - €406,00 ; - à GG - €1.015,00; - à HH - €1.015,00 ; - à II - €1.015,00 ; - à JJ - €1.015,00 ; - à KK - €1.015,00; - condenar a R. a proceder ao pagamento das diuturnidades que entretanto se forem vencendo relativamente a todos os trabalhadores aqui representados pelo A.; - condenar a R. no pagamento dos juros vencidos e vincendos, à taxa legal. Custas por A. e R., na proporção do respectivo decaimento, e sem prejuízo da isenção de que o A. beneficia.”
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FOI INTERPOSTO RECURSO PELA RÉ :
Artigos 1 a 17 das conclusões:
A recorrente sustenta que o recorrido/A. – CESP - é parte ilegítima nos presentes autos, porque se formulam pedidos que não revestem a característica de direitos respeitantes a interesses coletivos de trabalhadores, mas uma mera soma de direitos individuais; e, apesar de existirem declarações subscritas -5.º n.º 2 al. c) do CPT-, estas traduzem somente uma tomada de conhecimento da intenção do CESP em apresentar em juízo a ação, não sendo suficientes para conferir legitimidade ao sindicato.
No mais refere, conforme conclusões: 18 - O setor de atividade desenvolvido pela Recorrente/R. apresenta contratação coletiva própria para os seus trabalhadores. Às relações laborais estabelecidas entre a Recorrente/R. e os seus trabalhadores é aplicável o Contrato Coletivo de Trabalho celebrado entre a União das Misericórdias - UMP e a FNE - Federação Nacional da Educação e outros, publicado no BTE n.º 14, de 15 de abril de 2023, objeto de extensão através da Portaria de Extensão n.º 148/2023, de 31 de Maio publicada no BTE n.º 21 de 8 de junho de 2023. 19 - Aquando da entrada em vigor do Contrato Coletivo de Trabalho celebrado entre a União das Misericórdias - UMP e a FNE - Federação Nacional da Educação e outros, publicado no BTE n.º 14, de 15 de abril de 2023, objeto de extensão através da Portaria de Extensão n.º 148/2023, de 31 de Maio publicada no BTE n.º 21 de 8 de junho de 2023, aos trabalhadores representados pelo Recorrido/A. aplicava-se o Contrato Coletivo celebrado entre a CNIS - Confederação Nacional das Instituições de Solidariedade e a FEPCES - Federação Portuguesa dos Sindicatos do Comércio, Escritórios e Serviços e outros, publicadas no BTE n.º 41, de 8 de novembro de 2019, n.º 2, de 15 de janeiro de 2021 e n.º 39, de 22 de outubro de 2021, objeto de extensão através da Portaria n.º 259/2022, de 27 de outubro. 20 - A publicação da Portaria n.º 182/2023, de 28 de junho, veio afastar a aplicação do contrato coletivo celebrado entre a Confederação Nacional das Instituições de Solidariedade - CNIS e a FNSTFPS - Federação Nacional dos Sindicatos dos Trabalhadores em Funções Públicas e Sociais, a todos os trabalhadores das Misericórdias, incluindo os da aqui Recorrente/R. por esta se encontrar filiada na União das Misericórdias Portuguesas. 21 - A Portaria de Extensão n.º 310/2023, de 16 de outubro, também veio afastar a aplicação do contrato coletivo entre a Confederação Nacional das Instituições de Solidariedade - CNIS e a FEPCES - Federação Portuguesa dos Sindicatos do Comércio, Escritórios e Serviços e outros, a todos os trabalhadores das Misericórdias, incluindo os da aqui Recorrente/R. por esta se encontrar filiada na União das Misericórdias Portuguesas. 22 - A Portaria de Extensão n.º 311/2023, de 16 de outubro, veio afastar a aplicação do contrato coletivo entre a União das Misericórdias Portuguesas - UMP e o Sindicato dos Enfermeiros Portugueses - SEP e outros, a todos os trabalhadores que se encontrem filiados no CESP, aqui no Recorrido/A. 23 - Da publicação destas últimas duas Portarias de Extensão é inequívoco que os trabalhadores representados pelo Recorrido/A. deixaram de ter instrumento de contratação coletiva de trabalho que os regulamente, passando a estar abrangidos pelo Código do Trabalho. 24 - A existência de regulamentação coletiva de trabalho para o setor ( BTE n.º 14, de 15 de abril de 2023, objeto de extensão através da Portaria de Extensão n.º 148/2023, de 31 de Maio publicada no BTE n.º 21 de 8 de junho de 2023), sujeita a portaria de extensão para todas as Misericórdias (Portaria de Extensão n.º 182/2023, de 28 de Junho, Portarias de Extensão n.º 310/2023 e n.º 311/2023, ambas de 16 de outubro), afasta a aplicação de contrato coletivo diverso aos trabalhadores das Misericórdias. 25 - Nos termos do art. 483º n.º 2, conjugado com o art. 482º n.ºs 2, 3 e 4 do Código do Trabalho, havendo concorrência entre Portarias de Extensão, o que se verifica, in casu, nomeadamente com as Portarias de Extensão n.º 259/2022 de 23 de outubro, n.º 310/2023 e n.º 311/2023, ambas de 16 de outubro e analisadas em conjunto, prevalece a aplicação da última. 26 - Assim não é devido o pagamento de diuturnidades às trabalhadores representados pelo Recorrido/A., porque o contrato coletivo aplicável ao setor nada prevê a esse título. 27 - Caso se entenda pela aplicação do CCT celebrado entre a CNIS e a FEPCES, através da portaria de extensão 259/2022 de 27 de outubro, e da portaria de extensão n.º 270/2022 de 9 de novembro, só serão devidos valores a pagar a título de diuturnidades, à partir de 2 de novembro de 2022 e o vencimento do primeiro pagamento da diuturnidade devido ocorrerá apenas no quinto ano a contar da data da entrada em vigor do CCT supra, ou seja, a novembro de 2027, atendendo à não retroatividade das cláusulas de expressão pecuniária, previstas naqueles diplomas. 28 - Caso se entenda pela aplicação do CCT celebrado entre a CNIS e a FEPCES, através da portaria de extensão 259/2022 de 27 de outubro, e da portaria de extensão n.º 270/2022 de 9 de novembro, nos termos da Clausula 96º daquele CCT, o valor da diuturnidade a pagar deverá acrescer ao valor da tabela salarial aplicável ao trabalhador representado pelo Recorrido/A., devendo a decisão proferida pelo Tribunal ”a quo” ser revogada e consequentemente, condenar a R./Recorrente a pagar os seguintes valores às trabalhadoras do A./Recorrido: - à AA - nada a pagar (-€115,00) - à BB - nada a pagar (-€45,00) - à CC - nada a pagar (- € 115,00) - à DD - € 585,00 - à EE - € 425,00 - à FF - nada a pagar (- € 325,00) - à GG - € 385,00 - à HH - nada a pagar - à II - nada a pagar - à JJ - € 585,00 - à KK - € 585,00 Termos em que, nos melhores de direito e com o sempre Mui Douto suprimento de V. Exas., deve ser dado provimento ao presente recurso e, por via dele: Deverá a Douta Sentença ser revogada e substituída por outra que:Declare o Recorrido/A. parte ilegítima nos presentes autos e, consequentemente, julgue procedente a exceção de ilegitimidade ativa do Recorrido/A. Sem conceder, Caso assim não se entenda, - Determine a aplicação do contrato coletivo entre a União das Misericórdias Portuguesas - UMP e o Sindicato dos Enfermeiros Portugueses - SEP e outros, objeto de extensão pelas Portarias n.º 310/2023 e n.º 311/2023, ambas de 16 de outubro, a TODOS os trabalhadores das Misericórdias Portuguesas, incluindo às trabalhadoras representadas aqui pelo Recorrido/A. e, consequentemente, julgue nada ser devido a título de diuturnidades às trabalhadoras em causa. Sem conceder, Caso assim não se entenda, - Declarar a não retroatividade das cláusulas de expressão pecuniária para a Recorrente/R., e a serem devidas diuturnidades, julgue o seu calculo iniciar-se na data da entrada em vigor do CCT aplicável (CNIS/FEPCES), objeto das Portarias de Extensão 259/2022 de 27 de outubro e 270/2022, de 9 de novembro, isto é, 2 de novembro de 2022 e o vencimento do primeiro pagamento da diuturnidade devido ocorrer no quinto ano a contar da data da entrada em vigor do CCT supra, ou seja, a novembro de 2027. Sem conceder, Caso assim não se entenda, - Condenar a R./Recorrente a pagar os seguintes valores às trabalhadoras do A./Recorrido, fazendo jus à clausula 96º do CCT aplicável: - à AA - nada a pagar (-€115,00) - à BB - nada a pagar (-€45,00) - à CC - nada a pagar (- € 115,00) - à DD - € 585,00 - à EE - € 425,00 - à FF - nada a pagar (- € 325,00) - à GG - € 385,00 - à HH - nada a pagar - à II - nada a pagar - à JJ - € 585,00 - à KK - € 585,00”.
CONTRA-ALEGAÇÕES- sustenta-se que o recurso não merece provimento.
PARECER DO MINISTÉRIO PÚBLICO – sustenta-se que o recurso não merece provimento.
RESPOSTAS AO PARECER: não foram apresentadas.
O recurso foi apreciado em conferência –659º, do CPC.
QUESTÕES A DECIDIR[1]: “ilegitimidade” activa; instrumentos de regulamentação colectiva aplicáveis à relação laboral, direito a diuturnidades.
II - FUNDAMENTAÇÃO
A) FACTOS FACTOS PROVADOS:
1 – A R. é uma instituição constituída na ordem jurídica e canónica, equiparada a Instituição Particular de Solidariedade Social (IPSS) para fins de solidariedade social.
2 - O Autor é uma associação sindical com os Estatutos publicados no BTE n.º 6 de 15/02/2014.
3 – O A. representa os seguintes seus associados que trabalham ao serviço da R., nos termos das declarações juntas com a p.i. (documentos 1 a 11que aqui se dão por integralmente reproduzidos):
- AA, admitida ao serviço da R. em 12 de Novembro de 2016, com a categoria profissional de encarregada de serviços gerais, que auferiu de retribuição base mensal €705,00 em 2022 e €760,00 em 2023;
- BB, admitida ao serviço da R. em 18 de Dezembro de 2010, com a categoria profissional de ajudante de acção educativa, que auferiu de retribuição base mensal €705,00 em 2022 e €760,00 em 2023;
- CC, admitida ao serviço da R. em 1 de Setembro de 2004, com a categoria profissional de ajudante familiar, que auferiu de retribuição base mensal €705,00 em 2022 e €760,00 em 2023;
- DD, admitida ao serviço da R. em Novembro de 2021, com a categoria profissional de ajudante de acção educativa, que auferiu de retribuição base mensal €705,00 em 2022 e €760,00 em 2023;
- EE, admitida ao serviço da R. em 2 de Julho de 2001, com a categoria profissional encarregada de serviços gerais, que auferiu de retribuição base mensal €705,00 em 2022 e €760,00 em 2023;
- FF, admitida ao serviço da R. em 5 de Outubro de 2011, com a categoria profissional de ajudante familiar, que auferiu de retribuição base mensal €705,00 em 2022 e €760,00 em 2023;
- GG, admitida ao serviço da R. em 1 de Setembro de 1996, com a categoria profissional de ajudante de cozinheira, que auferiu de retribuição base mensal de €705,00 em 2022 e €760,00 em 2023;
- HH, admitida ao serviço da R. em 2 de Julho de 1990, com a categoria profissional de educadora social principal, que auferiu a retribuição base €993,00 em 2022 e 2023;
- II, admitida ao serviço da R. em 2 de Agosto de 1999, com a categoria profissional de ajudante de lar, que auferiu de retribuição base mensal €705,00 até Outubro de 2022 (estando de baixa para assistência à mãe);
- JJ, admitida ao serviço da R. em Dezembro de 1991, com a categoria profissional de ajudante de acção educativa, que auferiu de retribuição base mensal €705,00 em 2022 e €760,00 em 2023;
- KK, admitida ao serviço da R. em Dezembro de 1987, com a categoria profissional de ajudante de acção educativa, que auferiu de retribuição base mensal €705,00 em 2022 e €760,00 em 2023.
4 – Todos as supra identificadas trabalhadoras encontram-se inscritos no A.
5 – A R. prossegue, entre outras, as actividades reguladas pelas instituições de solidariedade social, nomeadamente a prestação de apoio às pessoas idosas, à família e à integração social e comunitária.
6 - A R. chegou a subscrever o ACT celebrado entre a Santa Casa da Misericórdia ... e outras e a FNE – Federação Nacional dos Sindicatos de Educação e outros (BTE 1.ª série, n.º 47, de 22 de Dezembro de 2001).
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B) ENQUADRAMENTO JURÍDICO
B. 1 - A QUESTÃO DA ILEGITIMIDADE ACTIVA:
Sustenta a recorrente que o autor sindicato não dispõe de legitimidade para representar as onze associadas, quer porque alegadamente não estão em causa interesses colectivos, quer porque o sindicato não dispõe de autorização destas para as representar.
Refere o art. 5º, CPT sob a epígrafe “Legitimidade de estruturas de representação colectiva dos trabalhadores e de associações de empregadores” (limitando-nos às previsões que ao caso podem interessar):
“1 - As associações sindicais e de empregadores são partes legítimas como autoras nas acções relativas a direitos respeitantes aos interesses colectivos que representam. 2 - As associações sindicais podem exercer, ainda, o direito de acção, em representação e substituição de trabalhadores que o autorizem: .... c) Nas acções respeitantes à violação, com carácter de generalidade, de direitos individuais de idêntica natureza de trabalhadores seus associados.”
Estamos perante previsões diferentes.
O primeiro normativo (5º, 1) reporta-se a um caso de legitimidade. O objecto do processo contempla interesses colectivos, em que a associação sindical intervém como parte. Dizemos que se trata de um caso de legitimidade porque está em causa uma relação de pertença ou de titularidade do direito que se pretende fazer valer. Neste caso, a associação não actua em representação, nem em substituição de ninguém, ela própria é parte.
O segundo normativo (5º, 2, c), CPT) reporta-se a interesses pessoais ou individuais (embora com certas características de generalidade), em que quem detém a legitimidade substantiva e processual é o trabalhador. Por isso, o que aqui está em causa, não é propriamente uma questão de legitimidade, mas sim de representação processual dos trabalhadores pela associação sindical.
Refere a CRP, art. 56º, 1, que “Compete às associações sindicais defender e promover a defesa dos direitos e interesses dos trabalhadores que representem”.
Refere o CT, art. 443º sob a epigrafe “Direito das associações “1 - As associações sindicais e as associações de empregadores têm, nomeadamente, o direito de:... d) Iniciar e intervir em processos judiciais e em procedimentos administrativos quanto a interesses dos seus associados, nos termos da lei;”
Podem fazê-lo na defesa dos referidos interesses colectivos enquanto parte (5º, 1, CPT).
Podem fazê-lo, alternativamente, em representação da parte que são os associados (5º, 2, c, CPT), por estarem em causa conflitos jurídicos essencialmente similares que respeitam a um grupo de trabalhadores, havendo todo o interesse que eles sejam agregados por razões de economia e uniformização.
A qualidade em que a associação sindical intervém afere-se pelo modo como esta configura a causa de pedir e o pedido.
No caso, a associação sindical apresentou-se em representação das onze trabalhadoras associadas e não como parte. Ela própria o afirma (5º, 6º e 7º da p.i.[2]) identificando todas as associadas e juntando as declarações de representação, dizendo expressamente fazê-lo ao abrigo do art. 5º, 2, c), CPT.
O preceito apenas requer, primeiro, que os direitos individuais sejam da mesma natureza, como é caso, pois todas as associadas pretendem ver reconhecido o direito a diuturnidades que reclamam com base nos mesmos instrumentos de regulamentação colectiva (portarias de extensão). O essencial da questão é assim comum a todas, pois passa pela interpretação, escolha, articulação e aplicação dos mesmos instrumentos de regulamentação colectiva.
O preceito também requer, segundo, que se esteja perante uma violação com caracter de generalidade, o que significa apenas “muita frequência”, conforme Carlos Alegre, CPT anotado, Almedina, 2003, pág. 49. O requisito também se verifica pois são reivindicados vários anos de diuturnidades e por número significativo de trabalhadores (11), sabendo-se que correm outros processos contra outras Misericórdias com a mesma questão. Não há sequer que aferir se estamos perante interesses colectivos, pois a associação sindical actua em representação de outrem e não como parte.
Vejamos agora a questão levantada pela recorrente referente à forma de autorização capaz de conferir poder de representação às associações sindicais. Estamos a fiscalizar uma regularidade de representação processual e não propriamente a aferir da legitimidade, nos termos supraditos.
A autorização pode ser dada de várias formas, de modo mais activo, ou mais passivo.
Para facilitar a prova da autorização, a lei estabelece uma presunção legal de que ela existe quando a intenção de intentar a acção seja comunicada por escrito ao trabalhador com indicação do seu objecto, e este nada diga em contrário, por escrito, e num certo prazo- nº 3, 5º CPT.
Mas nada impede que os trabalhadores, activamente, logo autorizem a associação sindical. Neste caso, obviamente, não é preciso sequer comunicação por parte desta. Está feita directamente a prova da autorização, sem necessidade de recurso à presunção.
Também pode haver um meio termo em que os trabalhadores declarem que sabem que a associação, na vez deles, pretende exercer o direito de acção com um certo objecto. Ora, foi isto que está provado que aconteceu no caso dos autos.
Consta do ponto provado 3, que todas as associadas emitiram “declarações de representação” - juntas com a petição inicial. Todos esses documentos, datados e assinados, após as respectivas identificações, contém os seguintes dizeres:
Ora, não será preciso muita demora para se concluir que dos documentos resulta que as associadas sabem que o seu sindicato pretende representá-las em acções em que se discute a reclamação de diuturnidades com bases em certos IRCT e não se opõem a tal, pois nada declaram em contrário.
As associadas, além de citarem a norma legal referente à representação (5º, 2, c, CPT), identificam o objecto da acção como sendo o direito a diuturnidades, as quais são reclamadas ao abrigo de concretos instrumentos de regulamentação colectiva (CCT e PE) que também identificam.
Não há qualquer incerteza, nem se descortina dúvida legítima que possa existir sobre a concordância das associadas em serem representadas pelo autor sindicato.
Mistura ainda a recorrente os requisitos necessários à intervenção processual da associação sindical que age em representação, com o conceito de “interesses colectivos”, referindo que este inexiste.
É certo que “interesses colectivos” são aqueles que existem independentemente do interesse individual de cada trabalhador, não sendo o seu mero somatório. São antes uma pluralidade de interesse “iguais ou pelo menos de sentido idêntico”, os quais se desligam e emancipam do individuo concreto. Justificando, por isso, que a sua tutela seja conferida a um sujeito distinto e que sejam exercidos por uma organização por razões de facilitação - assim o referem os acórdãos do STJ de 10-01-2024, proc. 8991/21.6T8LSB.L1.S1 e de 22-04-2015, proc. 729/13.3TTVNG.P1.S1. www.dgsi.pt
Contudo, no caso não há que entrar nessa discussão, porque, nos termos referidos, a associação sindical não actua como parte em defesa de interesses colectivos, mas sim em representação de outrem, os associados
Improcede o recurso nesta parte.
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B. 2 - IRCT APLICÁVEL E DIREITO A DIUTURNIDADES:
Pela primeira instância foi reconhecido o direito a diuturnidades, contado sem hiatos e de forma ininterrupta, a partir de novembro de 2022 em diante, reclamado pela associação sindical em nome das suas onze associadas.
O referido direito teria acolhimento legal na Portarias de Extensão nº259/2022, de 27 de outubro, doravante PE 259/22, logo rectificada pela Portaria de Extensão 270/2022, de 9 de novembro, doravante PE 270/22. Estes normativos estenderam o contrato coletivo, e suas alterações, outorgado entre a CNIS (Confederação Nacional das Instituições de Solidariedade) e a FEPCES (Federação Portuguesa dos Sindicatos do Comércio, Escritórios e Serviços e outros), publicado no BTEºs nºs 41, de 8-11- 2019, nº 2, de 15-01-2021, e nº 39, de 22-10- 2021 (doravante CCT CNIS/FEPCES 2019 e alterações), mormente às relações de trabalho entre as instituições particulares de solidariedade social não filiadas na confederação outorgante que prosseguissem atividades ali reguladas e a trabalhadores ao seu serviço de profissões e categorias profissionais nele previstas.
A recorrente em recurso sustenta que as Portarias nº 182/2023, de 28 de junho, nº 310/2023, de 16 de outubro e nº 311/2023, de 16 de outubro, afastam a aplicação do CCT invocado pelas associadas, e que o CCT que, por extensão, entendem aplicável não confere diuturnidades. Mais referem que, ainda que fosse aplicável O IRCT referido na sentença, o vencimento do primeiro pagamento da diuturnidade devido ocorreria apenas no quinto ano a contar da data da entrada em vigor do CCT (novembro de 2022), atendendo à não retroatividade das cláusulas de expressão pecuniária.
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A problemática em causa foi tratada, pela primeira vez, nesta Relação de Guimarães no acórdão lavrado pela ora relatora, proc. nº 3672/22.1T8BRG.G1, de 23-11-2023, wwww.dgsi.pt.
Tanto quanto nos apercebemos, a sentença, remetendo para outra decisão de 1ª instância, seguiu integralmente o dito acórdão nos seus fundamentos e precisos termos.
Não há razões para nos afastarmos do que então defendemos.
No recurso vem questionado o período posterior a novembro de 2022 durante o qual são reclamadas diuturnidades, pelo que serão feitas as referências anteriores que se afigurem necessárias à compreensão do caso, mormente em termos de contagem das diuturnidades.
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Cronologia dos instrumentos colectivos aplicáveis:
Tal como então o dissemos naquele que designaremos de acórdão “inicial” (p. 3672/22.1T8BRG.G1, de 23-11-23), fazendo um apanhado apenas na parte que ora releva, e tendo em conta que a associada “mais antiga” iniciou funções na ré em 1987 (associada nº 11), seguindo-se outras em 1991 (4 e 10 associadas), tendo a “menos antiga” iniciado funções em 2016, o direito das associadas a diuturnidades ao longo dos tempos tinha abrigo nos seguintes instrumentos: Primeiro bloco normativo (desde o início e até maio de 2010):
Vigorou a PRT de 1985[3] relativamente às associadas com maior antiguidade e seguidamente a PRT de 1996[4], aplicáveis às relações de trabalho entre as instituições particulares de solidariedade social, onde se incluem as Santas Casas de Misericórdia, e os trabalhadores ao seu serviço cujas funções correspondam às profissões nelas mencionadas -BASE II da PRT 1985 e art. 1º da PRT 1996.
Os normativos eram aplicáveis porque ao tempo não existiam instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho de origem negocial, nem portaria de extensão.
Tal como deixámos expresso no acórdão inicial, proc. 3672/22.1T8BRG.G1:
“Lembra-se que os instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho, enquanto fontes específicas do mundo laboral, subdividem-se em duas grandes categorias sob o prisma da sua origem. A um lado agrupam-se os instrumentos negociais ou autónomos (mormente convenções colectivas e acordo de adesão), em que a regulamentação das relações laborais é da autoria dos próprios interessados, empregadores e/ou associação de empregadores e trabalhadores representados em associações sindicais. A outro lado agrupam-se os instrumentos colectivos não negociais ou heterónomos em que a regulamentação é da autoria do Estado, feita por via administrativa, direcionada ao conteúdo das relação laborais em certo sector de actividade e universo profissional, mediante portarias de extensão (PE) ou de portarias de condições de trabalho (PCT), estas últimas originariamente denominadas de portarias de regulamentação do trabalho (PRT) - 2º, 1 e 2, 29º, 36º e 38º do Decreto-Lei nº 519-C1/79, de 29 de Dezembro, doravante LRCT (diploma que regulamenta s reações colectivas de trabalho) aplicável na altura, mas que têm correspondência nos artigos 1º, 2º, 573º a 580º CT 2003, 1º e 2º, 514º a 518º CT 2009. Entre estes instrumentos de regulamentação colectiva sempre houve e continua a haver hierarquia, prevalecendo os negociais sobre os não negociais. Apenas na falta dos primeiros, serão os segundos subsidiariamente emitidos e aplicados - 29º, 4, 36º, 38º, LRCT, 575º e 578º CT 2003 (na terminologia deste código regulamentos de extensão e regulamentos de condições mínimas), 515º e 517º CT 2009. Privilegia-se que os próprios interessados regulem os seus direitos e obrigações laborais, empregadores e trabalhadores, estes últimos obrigatoriamente através de sistemas de representação ou mandato (sindicatos). O princípio orientador desta matéria é assim o do primado da autonomia colectivo, em detrimento da regulamentação colectiva de origem não negocial - Maria do Rosário Palma Ramalho, Tratado do Direito do Trabalho, Parte III-Situações Laborais Colectivas, 3ª ed., Almedina, p. 191-2. O que também justifica que, na concorrência entre os vários instrumentos de regulamentação colectiva, a entrada em vigor de um instrumento regulatório de origem negocial, mormente convenção colectiva, afaste a aplicação do instrumento de origem não negocial - 29º, 4, 38º LRCT, 538º CT 2003, 484º CT 2009. Em suma e no que ao caso mais interessa, a portaria de regulamentação do trabalho (actualmente denominada de portaria de condições de trabalho) destina-se apenas a suprir lacunas, deixando de vigorar logo que da autonomia das partes emerjam outros instrumentos de negociação colectiva - Pedro Romano Martinez, Direito do Trabalho, 9º ed., Almedina, p.1208.”
A lacuna existia na altura, pelo que eram aplicáveis as referidas PRT´s. Estas conferiam direito a diuturnidades - Base XLIX PRT 1985, 1 diuturnidade de 1.100§00 por cada 5 anos, com o limite de 5, e art. 21º, 1, PRT 1996, 1 diuturnidade de 2.700§00 por cada 5 anos, com o limite de 5.
Segundo bloco normativo:
Portaria de Extensão 278/ 2010 de 24-05, que estendeu o CCT entre a Santa Casa da Misericórdia ... e outras e a FNE - Federação Nacional dos Sindicatos da Educação e outros de 2001 e alteração CCT 2010[5]:
Na parte que ora nos interessa, a portaria estendeu as condições de trabalho do referido CCT às relações de trabalho entre Santas Casas de Misericórdia outorgantes, entre elas a ora recorrida, que prosseguissem as actividades nela reguladas e trabalhadores ao seu serviço, das referidas profissões e categorias profissionais, não representados pelas associações sindicais outorgantes.
Embora fossem excluídos da sua aplicação os trabalhadores filiados em sindicatos associados na FEPCES, segundo o que se diz na sentença na altura as associadas não eram sindicalizadas, o que só aconteceu em 2019, questão não questionado em recurso.
Assim, a portaria de extensão nº 278/10 passou a ser aplicável às trabalhadoras não sindicalizadas, afastando a PRT.
Repare-se que as portarias de extensão prevalecem sobre as portarias de regulamentação ou de condições de trabalho.
Quanto à sua destrinça e hierarquia referimos no acórdão “inicial” da RG nº 3672/22.1T8BRG.G1, de 23-11-2023:
“...A portaria de extensão é um acto administrativo - largamente disseminado no nosso ordenamento - provindo do Governo mediante o qual se estende o âmbito de aplicação de uma convenção colectiva ou decisão arbitral a empregadores (ou associação de empregadores) que não subscreveram a convenção e/ou a trabalhadores não filiados nas associações sindicais outorgantes - 514º a 516º CT 2009. Visa evitar o vazio de regulamentação e uniformizar o regime laboral dos trabalhadores num mesmo sector de actividade e profissional. A portaria de condições de trabalho[6] é um puro acto administrativo em que a regulamentação colectiva em determinado sector de actividade e profissional é feito de novo, por inexistir regime jurídico convencional, nem ser possível estender uma regime convencionado com recurso a portaria de extensão e não existir ao tempo da sua emissão associação de empregadores ou de trabalhadores - 517º a 518º CT 2009. Em tempos idos alcançaram grande importância em certos sectores inoperacionais em matéria de contratação colectiva, como foi precisamente o caso das IPPS´s devido a falta de enquadramento associativo patronal, sendo actualmente figuras residuais dada a predominância da negociação colectiva ou sua extensão por recurso a portaria ministerial- Maria do Rosário Palma Ramalho, Tratado do Direito do Trabalho, Parte I- Dogmática Geral, 4ª ed., Almedina, p. 270 a 277. Ora, tal como acontece entre IRCT´s negociais e não negociais, também entre estes últimos subsiste uma hierarquia e relação de subsidiariedade, prevalecendo a portaria de extensão e somente na sua falta poderá haver recurso a portaria de condições de trabalho. Esta prevalência encontra explicação no facto de aquela (PE) ser ainda o prolongamento de um regime negocial colectivo[7], um aproveitamento da regulamentação da autoria dos próprios interessados (empregadores e trabalhadores) aplicável a outros sujeitos dentro do sector de actividade, portanto, ainda um derivado do primado da autonomia colectiva. “
Sendo o CCT em causa aplicável, este não conferia direito a diuturnidade, as quais foram abolidas na clª 58.
Donde, no período que medeia de 29-05-2010 até à data em que as trabalhadoras se sindicalizaram no CES em 2019, estas não teriam direito a receber diuturnidades.
Terceiro bloco normativo:
A partir da sindicalização das trabalhadoras no CESP em 2019 e considerando a sua exclusão do âmbito de aplicação da PE 278/10, as relações de trabalho passam a ser reguladas novamente pela PRT 96. Dado o vazio de regulamentação, as trabalhadoras readquirem o direito a diuturnidades.
Anotam-se as particularidades de funcionamento dos IRCT e as diferenças entre os conceitos de “revogação” (algo definitivo) e de “inaplicabilidade” (algo que pode ser temporário), podendo acontecer que um instrumento não aplicável durante um certo possa voltar a regular a relação jurídica.
A este propósito referimos no acórdão “inicial” da RG nº 3672/22.1T8BRG.G1, de 23-11-2023: “Tanto as PE como as PRT (ou PCT), aplicando-se a uma generalidade de destinatários (trabalhadores/empregadores) e regulando relações jurídicas a constituir, são dotadas de generalidade e abstração, detendo natureza normativa. O que se reflecte no seu regime - Pedro Romano Martinez, Direito do Trabalho, 9º ed., Almedina, p. 1211-4. Assim, a PRT (ou PCT) deixará de vigorar quando revogada por outra, em conformidade com as regras gerais de cessação de vigência da lei - 7º CC. Deixará ainda de ser aplicável (o que é diferente de ser revogada[8]) na vigência de uma convenção colectiva[9] aplicável à relação laboral, ou se for emitida uma portaria de extensão que prevalece sobre aquela- 2º, 29º, 4, 36º e 38º, LRCT, 537º, 1, b), 538º, 578º, CT 2003, 484º, 515º e 517º, CT 2009. A PRT 96 que regulava as relações de trabalho entre AA e ré (atenta a natureza de IPSS que esta detinha e as profissões desempenhadas pelas trabalhadoras) consagrava na clª 21 o direito a diuturnidade de 2.700$00 por cada cinco anos até ao limite de cinco..... A anterior PRT 1985 também consagrava estes direitos nas clªs XXIX, XLV, XLIX, sendo o valor das diuturnidades de 1.100§00.”
Entrando agora já na outra questão suscitada pela recorrente quanto à suposta retroactividade, pese embora entre 2010 e 2019, as trabalhadoras não sindicalizadas no CESP não tenham direito a receber diuturnidades, logo que o readquirem, a contagem da antiguidade - que se aquilata pelo decurso do tempo- não se interrompe.
Isto porque, como dissemos no acórdão da RG que relatámos e que vimos seguindo: “Donde, passam as referidas autoras, na falta de IRCT negocial, novamente a estar abrangidas pelas referida PRT 96 que se mantinha em vigor nunca tendo sido expressamente revogada. Voltou o vazio de regulamentação que justifica a PRT. Readquirem assim o direito a diuturnidades. Contudo, ao contrário do que defende a recorrente, pese embora entre 29 de abril de 2010 e fevereiro, março e abril de 2019 se interrompa o pagamento das diuturnidades por inexistir título, tal não significa que a antiguidade das autoras referente a este período não venha a ser contabilizado uma vez readquirido o direito a diuturnidades por força da PRT 96. Uma coisa é o não recebimento das diuturnidades durante aquele hiato de tempo, consequência que decorre do princípio da não retroactividade dos actos normativos (12º CC). Outra coisa são os pressupostos em que assenta o direito readquirido a diuturnidades que havia sido interrompido, sendo aqueles associados ao decurso do tempo ao serviço da ré. Ora as AA nunca deixaram de trabalhar para a mesma ré. Nem de desempenhar as mesmas funções. O vínculo laboral continuou o seu devir, sem hiatos. A nosso ver, nenhuma razão há para desconsiderar a realidade e para se ficcionar um reinício e contagem sem correspondência com os factos. Assim, a antiguidade das autoras deve ser contada de modo corrido, sem interrupções, somando-se uma diuturnidade a cada período de cinco anos (com o limite de 5, segundo a CCT), apenas não lhes serão liquidadas as diuturnidades mensais referentes ao período em que estiveram abrangidas pela PE 2010 que as aboliu.”
Assim, todo o tempo de trabalho anterior é atendido para efeitos de contagem do número de diuturnidades - o mesmo tem vindo a ser entendido em acórdãos posteriores proferidos por diferentes relatores nesta Relação de Guimarães, mormente de 23-01-2025, proc. 2556/23.0T8VCT.G1 e de 20-02-2025, proc. 3400/23.4T8VCT.G1, e ainda acórdão anterior da Relação de Lisboa de 3-05-2023, proc. 9087/22.4T8LSB.L1-4, www.dgsi.pt
Último bloco normativo:
Portaria de Extensão nº 259/2022, de 27 de outubro e Portaria 270/2022 de 9 de novembro:
Tal como sustenta o A. em nome das associadas, e foi confirmado na 1º instância, é aplicável a Portaria de Extensão nº 259/2022, de 27 de outubro, doravante PE 259/22, rectificada pela Portaria 270/2022 de 9 de novembro, doravante PE 270/22.
As referidas PE´s estenderam às partes o contrato coletivo, e suas alterações, celebrado entre a CNIS- Confederação Nacional das Instituições de Solidariedade e a FEPCES - Federação Portuguesa dos Sindicatos do Comércio, Escritórios e Serviços e outros, publicadas no BTE nº 41, de 8 de novembro de 2019, nº 2, de 15 de janeiro de 2021 e nº 39, de 22 de outubro de 2021, doravante CCT CNIS/FEPCES 2019 e alterações.
O referido CCT, embora outorgado por associação representativa das trabalhadoras ora em causa, não foi outorgado por confederação em que a empregadora misericórdia se encontrasse filiada, pelo que somente poderá ser aplicável mediante extensão administrativa nos termos expostos.
O que foi feito pela PE 259/22 onde se refere que o CCT é estendido “Às relações de trabalho entre as instituições particulares de solidariedade social não filiadas na confederação outorgante que prossigam as atividades reguladas pela convenção e trabalhadores ao seu serviço das profissões e categorias profissionais nela previstas;”-1º, 1, a), PE.
Repare-se que o preâmbulo da PE menciona que deduziram oposição à extensão a União das Misericórdias Portuguesas e que esta não foi considerada procedente. Apenas foi excluída da extensão a FNSTFPS- 1º, 3, PE 259/22.
Em suma: O CCT CNIS-FEPCES 2019, por força da portaria de extensão 259/22, passou a regular as condições de trabalho das 11 trabalhadoras. O qual, na sua cláusula 70ª confere direito a diuturnidades: “1- Os trabalhadores que estejam a prestar serviço em regime de tempo completo têm direito a uma diuturnidade no valor de 21,00 €, por cada cinco anos de serviço, até ao limite de cinco diuturnidades.”
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Objeções da recorrente a esta aplicação:
Segundo percebemos, no recurso a recorrente não nega que durante um determinado período, este CCT CNIS/FEPCES foi aplicável às relações entre as partes - ver art. 19º das conclusões.
A recorrente, contudo, sustenta que a portaria rectificativa nº 270/22 excluiu do âmbito da portaria rectificada nº 259/22 a regulação das condições laborais das trabalhadoras em causa.
Tal entendimento não tem qualquer sustentação legal.
A PE rectificativa teve por objectivo, apenas e tão somente, alterar (dilatar) a data da entrada em vigor das alterações em matéria salarial e pecuniária para minimizar o impacto do aumento de encargos extraordinários. Tal resulta do preâmbulo onde se reafirma que “as relações de trabalho entre trabalhadores e instituições particulares de solidariedade social filiadas na União das Misericórdias Portuguesas - UMP, sem regulamentação coletiva negocial aplicável, passam a estar abrangidas pelas condições de trabalho previstas no referido contrato coletivo e suas alterações em vigor...”, concatenado com o disposto no art. 1º da PE 270/22.
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Sustenta também a recorrente que a partir de certa altura passaram a ser aplicáveis outras portarias de extensão que cita, aliás de forma não coincidente na contestação e em fase de recurso, aludindo a que deve ser aplicada a última delas, segundo as regras de relacionamento entre portaria de extensão.
Vejamos uma a uma. O CCT outorgado entre a UMP- União das Misericórdias Portuguesas e FNE - Federação Nacional da Educação e outros, BTE nº 14, de 15-04-23, por força da Portaria de Extensão nº 148/2023, de 31-05, BTE n 21, de 8-06:
A recorrente na contestação refere a aplicação às relações em causa deste CCT outorgado entre a UMP e FNE e outros, que será específico para o sector das misericórdias, e que afastaria o CCT CNIS/FEPCES que abrange um universo maior constituído pelas mais diversas instituições de solidariedade social.
Ora, a CCT, não outorgado pela recorrida, nem por associação em que aquela se encontre filiada, não é aplicável às condições laborais em causa, por força do princípio da dupla filiação segundo o qual o contrato colectivo só surte efeitos entre as partes outorgantes e seus representados- 496º CT/09.
Também não percebemos a invocação da PE 148/2023.
A mesma é clara no sentido de que a extensão da CCT não é aplicável aos associados do CESP.
Na verdade, consta do preâmbulo que o CESP, entre outros, deduziu oposição à extensão, porque “a emissão da portaria de extensão atinge interesses fundamentais dos seus associados por terem convenção própria que abrange as relações de trabalho entre instituições particulares de solidariedade social, estendida por portaria que também se aplica às referidas instituições que o projeto de portaria pretende abranger...”. Refere-se, ainda, no preâmbulo que foram excluídos do “ âmbito da presente extensão dos trabalhadores representados pelas referidas oponentes”, entre eles, o CESP. Finalmente, para que dúvidas não restem, ficou consagrado no art. 1º, nº 2 que “A presente extensão não é aplicável às relações de trabalho em que sejam parte trabalhadores filiados ou representados, respetivamente, pelas associações sindicais seguintes:....c) CESP - Sindicato dos Trabalhadores do Comércio, Escritórios e Serviços de Portugal;”
O CCT em causa não é, assim, aplicável aos autos, por nenhuma forma.
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A outra Portaria n.º 182/2023, de 28 de junho, que a recorrente invoca em recurso:
A PE em causa vem estender as alterações ao CCT outorgado entre a CNIS (Confederação Nacional das Instituições de Solidariedade) e a FNSTFPS (Federação Nacional dos Sindicatos dos Trabalhadores em Funções Públicas e Sociais), publicado no BTE n.º 8, de 28 de fevereiro de 2023.
Nos termos supraditos, não tendo as partes (recorrente e recorrida) outorgado o CCT, nem sendo filiados em associação outorgante, aquele não é directamente aplicável às relações de trabalho em causa por não se verificar o princípio da dupla filiação - 496º CT/09.
A invocação de PE 182/2023 é também desadequada. Conforme o refere o art. 1º, 1, a), 2, desta PE, as condições de trabalho do CCT objecto de extensão não são aplicáveis “às instituições particulares de solidariedade social filiadas na União das Misericórdias Portuguesas”, como será o caso da recorrente.
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A outra Portaria n.º 310/2023, de 16 de outubro, que a recorrente invoca em recurso:
A PE vem estender as alterações do contrato coletivo entre a CNIS (Confederação Nacional das Instituições de Solidariedade) e a FEPCES (Federação Portuguesa dos Sindicatos do Comércio, Escritórios e Serviços e outros, publicadas no BTE, n.º 24, de 29 de junho de 2023.
A recorrente Santa Casa da Misericórdia ... não outorgou o CCT, nem se encontra filiada em associação outorgante.
A leitura da portaria evidencia que a União das Misericórdias Portuguesas (UMP) se opôs à extensão e aplicação às misericórdias nela filiadas das alterações ao referido CCT.
E, pese embora as condições de trabalho constantes das alterações ao CCT tenham sido estendidas às instituições particulares de solidariedade social (IPSS) não filiadas na confederação outorgante, dessa extensão foram excluídas as filiadas na UMP, conforme o referido preâmbulo e o disposto no art. 1º, 1, a), 2) da PE (“2 - O disposto na alínea a) do número anterior não é aplicável às instituições particulares de solidariedade social filiadas na União das Misericórdias Portuguesas - UMP ...”
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A outra Portaria 311/2023, de 16 de outubro, que a recorrente invoca em recurso:
A PE vem estender as alterações do contrato coletivo entre UMP- União das Misericórdias Portuguesas e o SEP e outros- Sindicato dos Enfermeiros Portugueses - SEP e outros, publicado no BTE, n.º 24, de 29 de junho de 2023,
O CCT invocado não foi outorgado pela recorrida, nem por associação em que esta se encontre filiada, donde, mais uma vez, falhando o principio da dupla filiação, não é aplicável às condições laborais em causa- 496º CT/09.
Assim, só por portaria de extensão poderia ser aplicável às condições de trabalho em causa.
A leitura da PE evidencia que o CESP se opôs à extensão, alegado “a existência de contrato coletivo próprio, celebrado com a Confederação Nacional das Instituições de Solidariedade - CNIS, com portaria de extensão...”, conforme preâmbulo.
Donde, pese embora as condições de trabalho constantes das alterações ao CCT em causa tenham sido estendidas às relações de trabalho entre as Santas Casas da Misericórdia filiadas na União das Misericórdias Portuguesas e trabalhadores ao seu serviço não representados pelas associações sindicais outorgantes, dessa extensão ficaram, contudo, excluídos os trabalhadores filiados em sindicatos representados pela FEPCES - Federação Portuguesa dos Sindicatos do Comércio, Escritórios e Serviços, onde se incluem os associados representados pela recorrida
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Em suma, nenhum dos normativos citados pela recorrente é aplicável aos autos, termos em que se denega a apelação.
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III - DECISÃO
Pelo exposto, acorda-se em negar provimento ao recurso, mantendo-se a sentença recorrida.
Custas a cargo da recorrente.
Notifique.
18-06-2025
Maria Leonor Barroso (relatora) Francisco Sousa Pereira Antero veiga
[1] Segundo os artigos 635º/4, e 639º e 640º do CPC, o âmbito do recurso é balizado pelas conclusões do/s recorrente/s salvo as questões de natureza oficiosa. [2] Petição inicial: ”5. E, nos termos do disposto na alínea c) do nº 2 do artigo 5º do Código do Processo do Trabalho, as associações sindicais podem exercer o direito de ação em substituição de trabalhadores que o autorizem.6. O Autor representa uma parte dos seus associados que trabalham ao serviço da Ré, que o autorizam a representá-los em defesa do direito violado, individual de cada um dos associados, com carater de generalidade, conforme documentos nºs 1 a 11.7. O Autor, devidamente autorizado, tem legitimidade para instaurar a presente ação, em representação de 11 dos seus associados:..”.(seguem-se os nomes das associadas...) [3] Portaria de Regulamentação de Trabalho de 09.08.1985, publicada no BTE nº 31, de 22.08.1985 [4] PRT de 12.04.1996, publicada no BTE n.º 15, de 22.04.1996. [5] CCT que a ora ré subscreveu, publicadas nos BTE´s nº 47 de 22.12.2001 (versão original) e no BTE nº 3 de 22.01.2010 (alteração), entre a Santa Casa da Misericórdia ...- e outras ali identificadas, entre elas a ora ré e a FNE — Federação Nacional dos Sindicatos da Educação. [6] Originariamente denominada de portaria de regulamentação do trabalho (36º LRCT) e depois de regulamento de condições mínimas (CT 2003). [7] Pese embora possam afectar negativamente a negociação colectiva e desmotivar a filiação sindical. [8] Porque o diploma pode continuar a ser aplicável a outras relações laborais surtindo efeitos e/ou voltar a ser aplicável às presentes se houver novo vazio. [9] Ou proferida decisão arbitral, consignando-se que de futuro referiremos só as CCT por serem as potencialmente aplicáveis ao caso.