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CRIME DE VIOLAÇÃO DE DOMICÍLIO
BEM COMUM
UTILIZAÇÃO EXCLUSIVA DA CASA DE MORADA DE FAMÍLIA
Sumário
Ainda que a fração habitacional em causa nos autos integre o património comum a partilhar, comete o crime de violação de domicílio o ex-cônjuge que, aproveitando a ausência do outro, arromba a fechadura e invade o antigo lar conjugal quando o direito à sua utilização, até à partilha, fora atribuído em exclusivo ao outro por decisão judicial.
(Sumário da responsabilidade do Relator)
Texto Integral
Processo: 412/22.9GBMTS.P1
Acordam em conferência na 1.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto
I. I.1
Nos autos de processo comum n.º 412/22.9GBMTS, que correu termos no Juízo Local Criminal de Matosinhos - ..., do Tribunal Judicial da Comarca do Porto, por acórdão de 09.07.2024, decidiu-se, além do mais (transcrição): a) Condenar a arguida AA pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de violação de domicílio, p. e p. pelo artigo 190º nºs 1 e 3 do Código Penal, na pena de 95 (noventa e cinco) dias de multa, à taxa diária de €5,50 (cinco euros e cinquenta cêntimos), o que perfaz o montante de €522,50 (quinhentos e vinte e dois euros e cinquenta cêntimos); b) Julgar parcialmente procedente o pedido de indemnização civil deduzido nos autos pelo assistente/demandante BB e, em consequência, condenar a demandada AA no pagamento àquele da quantia de €84,30 (oitenta e quatro euros e trinta cêntimos), a título de danos patrimoniais, e da quantia de €600,00 (seiscentos euros), a título de danos não patrimoniais, acrescida dos juros de mora à taxa legal, a contar da notificação e até efectivo e integral pagamento, improcedendo o pedido cível quanto ao demais;
(…)
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I.2
Inconformada, veio a arguida AA interpor o recurso ora em apreciação (Ref.ª 41930308) referindo, em conclusões, o que a seguir se transcreve:
I. A Arguida, AA foi condenada, pela prática de um Crime de Violação de Domicílio, previsto e punido pelo Art.º 190º, n.ºs 1 e 3 do Código Penal, não se conformando com esta decisão, no que concerne ao sentido decisório, adoptado pela Meritíssima Juíza, em relação ao elemento subjectivo do tipo legal de Crime em causa; II. Reconhece, todavia, como verdadeiros os factos dados como provados, pelo Ilustre Tribunal a quo, os quais ela sempre assumiu de forma honesta; III. Não lhe merecendo, porquanto, qualquer reparo os ítems: “A. Factos Provados”, com excepção do ponto 8, cfr se explanará no nosso II sub, nem "Factos não Provados"; IV. Com efeito, a Arguida agiu de forma voluntária e dotada da consciência possível, a uma Cidadã que se encontra profundamente deprimida e fragilizada, acuada e violentada, em todas as frentes da sua Vida, desconhecendo, todavia, que a sua conduta perfaria um ilícito jurídico-penal; V. Cumprindo referir que a sua actuação não se desenvolveu em Liberdade, mas antes sumamente condicionada por um inequívoco animus salvandi, inspirada pelo pânico, pelo desespero e desnorte a que a conduziram os inúmeros comportamentos do Assistente; VI. Senão, atentemos nas Declarações da Arguida, que contextualiza os factos praticados, explicando porque decidiu sair da sua casa em Abril de 2017, que ainda comprara em solteira, (em 1997), aludindo ao Crime de Violência Doméstica, (cuja Sentença se encontra junta aos autos, como Doc.1.10, do nosso Requerimento de 5/12/2024), do qual foi Vítima ao longo de 8 anos; VII. Resultando, porquanto, que a Arguida saiu para fugir a um Agressor, aqui Assistente, que se recusava a sair da casa, após o que, passado um ano, em 26/02/2018, (depois de Requerido Divórcio, sem consentimento do Assistente, seu ex cônjuge, ainda em 2016), mantendo este a recusa em sair, para que o Divórcio finalmente fosse decretado e a Guarda dos seus Filhos fosse regulada, a Arguida acedeu em que a casa lhe fosse atribuida: “até à venda ou partilha”, (Cfr.Doc.1.1,, nos autos, tb anexo a Rto de 5/12/2024); VIII. Referindo que a Meritíssima Juíza, titular desse Processo de Divórcio, lhe terá dito, na Audiência: “A Sra já está há um ano fora da casa, agora é só esperar mais um pouco, até venda ou partilha”; encontrando-se, indubitavelmente ínsito, no Espírito da Julgadora e, portanto, da Sentença que proferiu, embora não tenha sido plasmado por escrito, um prazo temporal, um conceito de transitoriedade, de curto prazo; IX. Ora, durante este extenso período de tempo de 4 anos, (ou 5 desde 2017), o Assistente acomodou-se à confortável situação de viver numa casa que nunca pagou, jamais tendo liquidado condomínio ou o Mútuo com Hipoteca junto do Banco e não se mostrando receptivo a mostrá-la a qualquer interessado na compra, nem a conversar com o ex cônjuge, no sentido de concretizarem Partilhas; X. No entanto, os anos passaram-se, e a Vida da Arguida degradava-se assustadoramente, fruto, em grande medida, das actuações do Assistente, já transcritas neste Recurso; XI. Sendo que, cumulativamente, encontrava-se em risco de ser despejada, da casa que arrendara; XII. Aliás, dúvidas não restam em como a Arguida não falta à Verdade, se buscarmos respaldo nas palavras do próprio Assistente, transcritas nas Motivações deste Recurso; XIII. Ou seja, o Assistente aceitaria um Acordo específico, como a Arguida não concordou com os teus termos, recusou-se a negociar, através de Advogados, noutro qualquer, indiferente ao drama enfrentado pela Arguida e não só não aceita tentar alcançar um Acordo que sirva ambas as partes, como não poupa esforços para prejudicar a Arguida, a possibilidade dela auferir rendimento, (cfr. se prova com Doc..1.10, do rto de 5/12/2024, do Proc. Violência Dom. n.º103/20.5PIPRT) e tal como se retira das Declarações do próprio Assistente; XIV. Sendo que, para além de impedir o Acordo, o Assistente também impediu a Venda da Casa, tal como se extrai, cristalinamente, da sua Inquirição; XV. Enfim, dívidas não podem quedar que por a casa ter sido atribuída ao Assistente “até à Venda ou Partilha”, este impediu tanto uma como outra, mantendo-se confortavelmente na casa, enquanto a Assistente vivia (vive) na pobreza e em situação desesperada, sendo que a Casa acabou por ser vendida em leilão judicial, (cfr Docs.1.3 e 1.4, juntos ao Rto citado supra) aos 9/06/2023, tendo este apenas saído aos 17/11/2023, depois de notificação de que iria ser efectuada a entrega do imóvel com recurso a forças policiais; XVI. Sempre se Recusou, o Assistente, a diligenciar no sentido da obtenção de um Acordo, com o argumento ad nauseam referido, de que a Arguida “renegou o Acordo” que estava prestes a ser alcançado em 2019, que era o único possível para si, tendo, a Arguida, não só enviado múltiplas mensagens e telefonemas, como ele acabou, a contragosto, por reconhecer; XVII. Como foi bater-lhe à porta, também por diversas vezes, sendo que nunca lhe atendeu, como a sua Filha, conivente consigo, nomeadamente no dia da prática dos factos, (22/07/2022), confirmou: ” J(17.48) A pergunta é se anteriormente a esta situação que se reporta a este processo que estamos a falar, se a sua Mãe já tinha tentado falar com o seu Pai, ido nomeadamente bater à porta para falar com o seu Pai e o seu Pai e o seu pai, ou quem estivesse no interior, propositadamente não abriu para não falar, se já tinha acontecido? B: (18.09) Sim.” XVIII. Jamais lhe tendo sido permitido entabular conversações, tendentes a Transacção de Partilha, nem directamente, nem através de Advogado, pelo que impossibilitou a Partilha e também a venda, mantendo os cartazes apenas uns meses e depois escudando-se no COVID e em desculpas pueris de que não mostrava a casa, porque os vizinhos só vinham bisbilhotar, sem intenções de efectuar uma compra, nunca tendo cuidado de pagar as despesas da casa, que acabou por ser executada pela Instituição Bancária Mutuante, tendo sido vendida na praça, com óbvio prejuízo financeiro também para a Arguida, pois, no expoente da desfaçatez, considera que esta é que devia continuar a sustentar o lar em que ele vivia; XIX. Face a todo o sobre exposto, extrai-se, inequivocamente, que o Assistente impeliu e até previu, vide o facto de ele e sua Filha terem trancado as portas dos respectivos quartos, (cfr. também consignou a douta Sentença, ora em crise, na sua pág 10ª, linhas 9ª e 10ª) que a Arguida agiria como agiu, mais cedo ou mais tarde, não procurando evitá-lo, conforme faria Pessoa de bons princípios, tentando resolver as pendências, (partilha e/ou venda) com ela, mas antes já detendo uma estratégia pensada, de tudo documentar e chamar a Polícia, para demandar criminalmente; XX. Isso mesmo resulta, claramente, da Inquirição da testemunha CC, já transcrita neste Recurso; XXI. Consequentemente e em súmula, temos uma Cidadã, nestes autos Arguida, ainda por recuperar de uma imensa Dor Moral, sem recursos financeiros, devido, entre outros factores, ao boicote que lhe perpetrou o Assistente, já tendo recebido diversas notificações de um Processo de Despejo, o qual estava eminente, (cuja Sentença foi prolatada apenas 3 meses após os factos); qual era acossada, constantemente, por queixas e processos judiciais da autoria do Assistente e que a acrescer recebera Notificação, em Março de 2022, de que, devido a Denúncia Anónima em como teria bens, lhe poderiam vir a ser retirados todos os Apoios Judiciários, com que litigava, para se defender, das diversas iniciativas processuais protagonizadas pelo Assistente; XXII. Nesse pretérito dia, 22/7/22, no auge do desespero, mudou o canhão, entrou na casa, arrumou-a e telefonou aos Filhos e ao Assistente, dizendo, (Cfr pág 44 anexa à Participação: “Como sabes tenho mação de despejo e tove de voltar para nossa casa com o nosso filho DD”, “Vim em paz”, “..quero que estejamos juntos para falarmos em paz..” ..”reunião”); XXIII. Depois disso, no dia 23 quando o Assistente chegou com a Filha e a Polícia, a Arguida esteve a conversar com os Agentes, que não lhe disseram que ali não podia permanecer, porque ela era efectivamente comproprietária, sendo que nem os Agentes da PSP tinham a certeza de que o acesso e permanência da Arguida naquela casa fosse ilegal, cfr. Pág 9, da Participação, nos autos: “A patrulha no local, após tentativas de contacto com o Procurador de turno, não conseguiu obter qualquer informação no auxílio a uma tomada de decisão, mantendo-se a suspeita no interior da residência, tendo a patrulha identificado as partes e lavrado o auto do ocorrido”; XXIV. Ora se os próprios Agentes da Autoridade, inteirados por ambas as Partes dos elementos relevantes, não tinham a certeza da ilicitude do comportamento da Arguida, como pode asseverar-se de que esta teria?? XXV. Abandonou a casa dia dia, afirmando que regressaria para conversar; até hoje nunca o conseguiu e as Partilhas continuam por fazer... XXVI. Consideramos que a Arguida actuou com ausência de consciência da Ilicitude, a qual afastará a Culpa, nos termos do Art.º 17, n.º1 do CP, pois para a Arguida, a atribuição da casa era embuída de um espírito de transitoriedade, há muito expirado, que lhe permitia agir, à data da prática dos factos, como legítima proprietária, acedendo à Casa e não indo para a Rua, sem meios para arrendar; sendo que o facto de, posteriormente, ter-se sujeitado a viver num escritório, sem banheira, nem espaço e depois num sofá por empréstimo, a prazo e sem condignidade, não reduz em nada o desespero que experienciou, no momento; XXVII. Portanto, desde já se alega o Erro quanto à Ilicitude, cfr acima explanado, com a consequente Absolvição como corolário necessário; XXVIII. A acrescer e sem prescindir, ainda que assim se não entenda, o que se considera por dever de ofício, sempre estaremos perante uma Causa de Exclusão da Ilicitude, tal como está prevista nos Art.ºs 31 e seguintes; XXIX. Porquanto, a Arguida agiu para assegurar o seu Direito à Habitação, Constitucionalmente consagrado, XXX. Direito esse Fundamental, que decorre da Dignidade da Pessoa Humana e o qual, in casu, se sopesa com uma consignação judicial, emitida 5 anos antes e inspirada num óbvio Espírito de transitoriedade bem menos dilatada, Fê-lo já em desespero e totalmente convicta de que estava no seu Direito de o fazer, não violando qualquer disposição legal; XXXI. Verificam-se, por conseguinte, cumulativamente os requisitos vertidos no Art.º 34º do CP, tendo agido, a Arguida, segundo um Direito de Necessidade, posto que o perigo de se tornar sem abrigo não foi fruto das suas acções, o seu interesse de ter tecto ressalta incontestavelmente superior ao do Queixoso, a manter incólume a sua privacidade e todo o status quo, sendo perfeitamente razoável impor-lhe uma coabitação a prazo, posto que já vinha obstaculizando a que a Arguida resolvesse parte da sua vida há 5 anos...Sendo que ainda que se não aceitasse esta causa de exclusão de ilicitude, o que se concede por dever de Ofício, sempre estaríamos perante um Estado de Necessidade desculpante, uma vez que a integridade física da Contestante ficaria claramente comprometida se se visse privada de um tecto, (crf. Art.º35º do CP); Termos em que se Requer a V. Exas., Venerandos Desembargadores, se dignem dar provimento ao presente Recurso, Absolvendo a Arguida, por Erro quanto à Ilicitude e/ou Exclusão de ilicitude /culpa; Ou, se assim se não entender, o que se concede por dever de ofício, A reduzirem-lhe a Pena, atento todo o alegado. Assim fazendo a já habitual e sã JUSTIÇA!
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I.3
Admitido o recurso, por tempestivo e legal, o Ministério Público apresentou as suas alegações de resposta (Ref.ª 42325447), pugnando pela improcedência da pretensão recursória.
Refere, em conclusões: 1.ª - O Direito Penal assegura a proteção dos bens jurídicos considerados fundamentais pela sociedade. 2.ª - Nesta acepção, o Direito Penal constitui, no quadro do ordenamento jurídico, um instrumento de “ultima ratio”, reduzindo a sua intervenção às situações problemáticas de absoluta irrenunciabilidade. 3.ª - Por esse motivo, as condutas tipificadas como crime são genericamente aceites e reconhecidas pela generalidade dos cidadãos como ilícitas e violadoras das normas essências da vida em sociedade. 4.ª - A Recorrente não negou, nem nas declarações prestadas na audiência de discussão e julgamento nem nas suas alegações de recurso, ter conhecimento do caracter proibido da intromissão em domicílio alheio, ainda para mais quando tal intromissão foi efectuada através de arrombamento. 5.ª - Considera a Recorrente que, ao ter acreditado ou suposto que a atribuição da casa de morada de família ao Assistente seria uma situação transitória, alterada nalguns meses por via da partilha ou venda- o que não veio a acontecer, fê-la incorrer num erro que, aliado ao desespero de poder vir a ser despejada e sem alternativa habitacional, a “forçou” a praticar os factos dados como provados. 6.ª - A incorreta percepção sobre o lapso de tempo em que o Assistente usufruiria da casa de morada de família como sua própria residência, ou das manobras por este desenvolvidas para prolongar tal situação em nada contendem com o carácter ilícito da conduta da arguida. 7.ª - A existir algum erro, ou representação incorrecta da realidade, tal ocorreu no momento em que foi reconhecido ao Assistente o direito a usufruir de casa de morada de família como sua própria residência até à partilha ou à sua venda, e não no momento em que a Recorrente decidiu arrombar a porta da residência do Assistente e ali permanecer. 8.ª - Existem diversos elementos no processo que permitem concluir que a Recorrente tinha consciência que não tinha direito a aceder ou forçar a sua entrada no local onde o Assistente fixava a sua residência. 9.ª - Em primeiro lugar, conforme a Recorrente admite nas próprias alegações de Recurso, tentou por diversas ocasiões entrar num acordo com o Assistente, que levasse à venda do imóvel – consciente que assim não poderia usufruir do mesmo. 10.ª - Em segundo lugar, ciente do direito do arguido a ali residir enquanto não existisse uma decisão definitiva quanto à venda do imóvel ou partilha do património conjugal, deu entrada a incidente judicial com vista à alteração da atribuição da casa de morada de família – em momento anterior ao da introdução na residência do Assistente, ainda que a sua decisão (desfavorável à arguida) tenha sido decidido já em 20.01.2023, conforme sentença junta pela própria arguida em 05.12.2024). 11.ª - São pressupostos do estado de necessidade desculpante a verificação de uma situação de perigo actual para bens jurídicos de natureza pessoal do agente ou de terceiro e ser o facto ilícito praticado idóneo a afastar o perigo que não seria removível por outro modo, sendo estes requisitos cumulativos. 12.ª - Para fundamentar a alegação de que a Recorrente actuou num estado de necessidade desculpante esta limita-se a invocar a sua frágil situação económica, bem como a pendência de um processo judicial de despejo e inexistência de alternativas habitacionais que a poderiam deixar sem residência. 13.ª - Quer dos elementos documentais juntos aos autos, quer das suas declarações prestadas na audiência de discussão e julgamento e reafirmadas nas alegações de Recurso é manifesto que a Recorrente não se encontrava numa situação de perigo actual para qualquer bem jurídico relevante. 14.ª - Com efeito, quando a Recorrente praticou os factos esta tinha uma residência fixa - no imóvel identificado no ponto 17 dos factos provados, o qual ocupava por arrendamento. 15. ª - Relativamente a este imóvel, apesar de pender uma acção de despejo, a sentença apenas foi proferida 3 meses depois (21/10/2022), a determinar a resolução do contrato de arrendamento e a entrega do arrendado, mas a Recorrente apenas saiu efectivamente do locado em Março de 2023. 16.ª - Quando a Recorrente decidiu voluntariamente arrombar e introduzir-se na residência do Assistente, a mesma ocupava um imóvel, e continuou a ocupar nos 8 meses seguintes, não se vislumbrando que a sua actuação tenha sido determinada pela prevenção de qualquer perigo iminente para a vida ou integridade física da Recorrente. 17.ª - Aliás, nem quando foi efectivamente despejada do imóvel que ocupava, a Recorrente passou a uma situação de sem abrigo, mudando a sua residência para um escritório (cfr. n.º 18 dos factos provados). Porque a sentença apreciou devidamente os factos em questão e efectuou uma correcta subsunção jurídica dos mesmos, deve a sentença ser mantida no seus exactos termos, sendo julgado improcedente o Recurso interposto, assim se fazendo a habitual, JUSTIÇA!
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I.4
Também o assistente BB apresentou resposta à pretensão recursória (Ref.ª 42378808), pugnando pelo não provimento desta e referindo, em conclusões, que: I - Vem o recurso interposto da sentença proferida nos autos supra mencionados na medida em que a Arguida discorda da sua condenação, pela prática, como autora material e, na forma consumada, de um crime de violação de domicílio, p. e p. pelo art. 190º, n.º 1 e 3 do Código Penal na pena de 95 (noventa e cinco) dias de multa, à taxa diária de €5,50 (cinco euros e cinquenta cêntimos), perfazendo o valor global de €522,50 (quinhentos e vinte e dois euros e cinquenta cêntimos). II - A Recorrente invoca a falta de preenchimento do elemento subjectivo do tipo legal do crime de violação de domicílio seja pela falta de consciência da ilicitude, ou, subsidiariamente, pelo estado de necessidade em que se encontrava. III – Os argumentos utilizados pela Recorrente não têm qualquer razoabilidade e até de justiça e, consequentemente, subscrevemos integralmente a resposta ao recurso intentado pelo Digníssimo Magistrado do Ministério Público. Assim, IV - A recorrente assume os factos praticados, contudo alega falta de consciência de ilicitude. V – Ora, o bem jurídico protegido pela norma incriminadora prevista no art. 190º do C.P. tem a ver com a subtracção aos olhares e ao acesso dos outros da esfera espacial onde se desenrola a vivência doméstica e familiar da pessoa, onde ela, no recato de um espaço vedado a estranhos, pode exprimir livremente o seu mais autêntico modo de ser e de agir.[ ver, acórdão do Tribunal Constitucional, n.º 593/2008, de 10.12.2008, no Processo n.º 397/08, 2.ª Secção e Acórdão do mesmo Tribunal n.º 67/97]. VI - O elemento subjectivo do referido tipo legal traduz-se no conhecimento e vontade de praticar o facto, com intenção de perturbar a vida privada, a paz e o sossego do ofendido, e com consciência da censurabilidade da sua conduta. VII - Como é sabido, o dolo, legalmente definido no art. 14º do C. Penal, consiste no conhecimento – elemento intelectual – e vontade – elemento volitivo – do agente em realizar o facto, com consciência da sua censurabilidade – consciência da ilicitude. VIII - Assim, a consciência da ilicitude é momento constitutivo do dolo (não do tipo de ilícito, mas do tipo de culpa), o seu momento emocional, sendo, portanto, uma exigência da actuação dolosa do agente na realização do tipo. IX - A recorrente considera não estar indiciado o elemento subjectivo do crime de violação de domicílio imputado nos autos à arguida, por entender que “agiu de forma voluntária e dotada da consciência possível a uma cidadã que se encontra profundamente deprimida e fragilizada, acuada e violentada, em todas as frentes da sua vida, desconhecendo, todavia, que a sua conduta perfaria um ilícito jurídico-penal”. X – Contudo, isto não é justificação para os factos praticados sob pena de todas as pessoas deprimidas e fragilizadas invocarem esse estado anímico para invocar a falta de consciência da ilicitude. XI - Aliás, basta atentar na prova documental junta pela arguida aos autos, designadamente, a ata de audiência de julgamento no processo de divórcio sem consentimento do outro cônjuge onde foi acordado que a casa de morada de família fica atribuída ao requerente marido até à venda ou partilha; XII – Bem como a sentença sobre o incidente com vista à alteração da atribuição da casa de morada de família, onde se decidiu manter a resolução tomada por acordo entre a requerente e o requerido quanto ao uso da casa de morada de família (…). XIII – Significa isto que, a Arguida tanto sabia que não podia invadir a casa atribuída ao Assistente que tentou alterar judicialmente a atribuição da casa de morada de família. XIV – De outra forma, se a Arguida pensasse que não era crime para que recorreria ao tribunal pedir a alteração? XV - Neste sentido, esta conduta que vem imputada à arguida, por esta assumida livre e voluntariamente, não pode deixar de consubstanciar uma actuação dolosa por parte da mesma na realização do tipo previsto no art. 190º do C. Penal. XVI - No caso dos autos, foi provado que a arguida se dirigiu ao imóvel atribuído ao assistente, para ali proceder à troca da fechadura da porta que dá acesso à mesma, sem o consentimento e contra a vontade do assistente, impedindo este de ali entrar. XVII - Perante tal factualidade que se provou, a arguida sabia que aquela sua actuação seria realmente ilícita, tanto assim é que comprou uma fechadura nova para colocar na porta da habitação depois do arrombamento. XVIII - Por outro lado, ainda que a arguida desconhecesse a ilicitude da sua actuação, por ignorância ou por incorrecta informação, porque a ignorância da lei a ninguém aproveita, o erro não pode deixar de ser, à partida, censurável. XIX – Se a ignorância resulta de uma atitude de contrariedade ou de indiferença perante o dever-ser, então há uma deficiência da própria consciência-ética do agente, que lhe não permite apreender correctamente os valores jurídico-penais e, por isso, deve o agente ser punido a título de dolo. XX - A censurabilidade só é de afastar se e quando se trate de proibições de condutas cuja ilicitude material ainda não esteja devidamente sedimentada na consciência éticosocial, quando a concreta questão “se revele discutível e controvertida”, o que não é o caso presente. XXI - Com efeito, o comum dos cidadãos em Portugal há muito que não ignora que é proibido introduzir-se na residência de outrem, contra a vontade e sem o consentimento de quem lá habita, ainda que se seja titular do espaço onde se situe essa habitação. XXII - Trata-se de facto típico cuja punibilidade se pode e deve, desde logo presumir, conhecida de todos logo, também da arguida. XXIII - A arguida foi administradora/gerente de várias empresas, devendo, por isso, terse a arguida como presumivelmente esclarecida sobre a ilicitude e a punibilidade da sua actuação. XXIV - A que acresce, não foram invocados argumentos válidos para justificar a violação do direito à privacidade/intimidade do assistente nessa sua área de reserva pessoal, da habitação e da residência, que se provou ter a arguida perpetrado. XXV - A arguida deu entrada de um incidente para alteração da casa de morada de família em momento anterior ao da introdução na residência do Assistente, demonstrando, assim, que sabia perfeitamente que teria de recorrer aos meios judiciais para alteração da situação. XXVI - Neste sentido, a Recorrente não tem qualquer razão nas suas alegações. XXVII – Relativamente ao estado de necessidade, refere a Recorrente que agiu para assegurar o seu direito à habitação, constitucionalmente consagrado. XXVIII – Contudo, a Arguida mente ao afirmar que não tinha casa. XXIX - Vejamos, dos documentos juntos aos autos pela arguida, quando a mesma praticou os factos tinha uma habitação arrendada, onde residia; XXX - Quando invadiu a residência do assistente, a arguida não tinha nenhuma sentença de despejo, tendo esta saído 3 meses após a invasão de domicílio; XXXI - Mesmo com a sentença, a arguida só saiu 8 meses após a invasão, da casa arrendada; XXXII - Ora, no momento da invasão, onde estava o perigo iminente para a vida e integridade física da arguida? A arguida não justifica. Nem podia fazê-lo, pois não há argumentação possível. XXXIII - Pelo que, esteve bem o tribunal a quo condenar a arguida nos termos em que o fez e, consequentemente, nada há apontar ao tribunal a quo. Pelo que, nos termos expostos e nos melhores de Direito e pelo muito que será suprido por este Venerando Tribunal, deverão V. Exas. julgar o recurso improcedente, fazendo assim V. Exas inteira e sã JUSTIÇA
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I.5
Neste Tribunal, o Digno Procurador-Geral Adjunto teve vista nos autos (Ref.ª 19383851), tendo emitido parecer no sentido de que o recurso não merece provimento, assumindo os argumentos constantes das respostas apresentadas em primeira instância.
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Deu-se cumprimento ao disposto no art.º 417.º n.º 2 do C.P.P., não tendo sido exercido o contraditório.
Foram os autos aos vistos e procedeu-se à conferência, importando, pois, apreciar e decidir.
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II.
Questões a decidir:
Conforme jurisprudência recorrente e pacífica, o âmbito de qualquer recurso é delimitado pelas conclusões que sobrevêm às alegações da recorrente, sem prejuízo do conhecimento, ainda que oficioso, dos vícios da decisão a que se alude no n.º 2 do art.º 410.º do C.P.P. (cfr. art.ºs 119.º, n.º 1, 123.º, n.º 2 e 410.º, n.º 2, als. a) a c) do C.P.P. e Acórdão de fixação de jurisprudência n.º 7/95, de 19.10).
No caso, vistas as conclusões apresentadas em sede recursória, constitui objeto do presente recurso apreciar:
a) Da impugnação da matéria de facto - erro de julgamento;
b) Do preenchimento dos elementos subjetivos do crime – causas de exclusão da culpa e da ilicitude;
c) Da adequação da pena.
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III. III.1
Por facilidade de exposição, retenha-se o teor da sentença posta em crise, nas partes relevantes: (…)
II. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO A. Factos provados: Da discussão da causa, e com relevo para a decisão final, resultaram provados os seguintes factos: 1. A arguida e o assistente BB contraíram casamento em ../../1997, que foi dissolvido por divórcio em 26.02.2018; 2. Em 26.02.2018, no âmbito do processo de divórcio que correu termos sob o n.º ......, no Juízo de Família e Menores de Matosinhos, ..., a anterior casa de morada de família do ex-casal, sita na Rua ..., ..., ..., em ...,..., ficou atribuída exclusivamente ao assistente, que aí ficou a residir, até à venda ou partilha; 3. No dia 22.07.2022, numa altura em que o assistente se encontrava de férias e ausente da referida residência onde ainda residia, a arguida, sem para tal estar autorizada pelo assistente, penetrou no interior da mesma, estroncando a fechadura aí existente; 4. Nessa ocasião, a arguida instalou-se no interior da residência, aí colocando as suas roupas e objectos pessoais e transportando para um lugar de garagem alguns objectos do assistente que aí se encontravam; 5. A arguida enviou uma mensagem SMS ao assistente referindo-lhe que ia passar a residir no seu domicilio; 6. A arguida, ao penetrar através do estroncamento da fechadura no interior da residência do assistente, actuou com o propósito concretizado de se introduzir num domicilio que era considerado bem comum mas tinha sido exclusivamente atribuído, até à venda ou partilha, ao assistente, bem sabendo que agia sem autorização e contra a vontade deste e que, dessa forma, violava a sua privacidade e intimidade, o que logrou; 7. Para o efeito, a arguida não se inibiu quebrar a fechadura existente na residência, bem sabendo que danificava um objecto que não lhe pertencia, pelos menos em exclusivo, agindo contra a vontade do assistente; 8. A arguida actuou de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei penal; Mais se provou que: 9. Na sequência dos factos supra descritos, o assistente viu a fechadura da sua porta ser estroncada, pelo que teve de comprar uma nova, no valor de €84,30; 10. A referida casa era o local onde o assistente e a sua filha viviam, tinham toda a sua vida organizada, bens e objectos pessoais; 11. O assistente viu os seus bens, nomeadamente fotografias e cartas, remexidos; 12. E a sua privacidade invadida e violada; 13. Com a invasão da sua habitação pela demandada, o assistente sentiu tristeza, perturbação e transtornação; 14. A demandada sabia que, ao fazê-lo numa semana em que o assistente estava de férias com os filhos, diminuía as possibilidades de defesa do mesmo; 15. A arguida tinha deixado de residir no imóvel referido em 2. desde o mês de Abril de 2017; 16. O imóvel referido em 2. já foi vendido, no âmbito do processo nº ..., do Juízo de Execução do Porto, ...., tendo o assistente deixado de residir no mesmo depois de ter sido agendada, para 17.11.2023, uma diligência de entrega coerciva do imóvel; 17. À data dos factos referidos em 3., já corria uma acção de despejo referente ao imóvel em que a arguida residia, sob o nº ..., do Juízo Local Cível do Porto, J2, tendo aí sido proferida sentença em 21.10.2022, em que se decidiu, além do mais, determinar a entrega do arrendado e do lugar de garagem, livres e desocupados de pessoas e bens à autora, nas mesmas condições em que este se encontrava aquando da realização do contrato; 18. A arguida saiu do imóvel referido em 2. no dia 23.07.2022, tendo regressado ao imóvel referido em 17., onde se manteve até Março de 2023, altura em que passou a ocupar um escritório; 19. Previamente à data dos factos referidos em 3., a arguida tinha intentado um incidente com vista à alteração da atribuição da casa de morada de família, no processo nº ..., no qual foi proferida sentença proferida em 20.01.2023, em que se decidiu julgar improcedente o incidente e, em consequência, manter a resolução tomada por acordo entre a requerente e o requerido quanto ao uso da casa de morada de família sita na Rua ..., ..., ..., ..., ...; 20. A arguida encontra-se desempregada e não aufere rendimentos; 21. Tem gasto, para o seu sustento, os montantes que recebeu da venda da aludida casa; 22. Reside em casa emprestada; 23. Não é dona de qualquer veículo, utilizando um veículo emprestado por um amigo seu; 24. Tem o 11º ano de escolaridade; 25. Não tem condenações criminais registadas. A. Factos não provados: Com interesse para a decisão da causa, não se provaram quaisquer factos para além dos supra descritos, não se tendo provado designadamente que: A. A mensagem SMS aludida em 5. foi enviada no próprio dia 22.07.2022 e referia ainda que a arguida ia passar a residir consigo (assistente); B. Ao receber a mensagem SMS aludida em 5., o assistente de imediato se opôs, comunicando tal oposição à arguida e pedindo-lhe que saísse de sua casa, tendo-se esta, apesar disso, mantido no interior da citada residência; C. A fechadura nova referida em 9. ascendeu ao valor de €100,00; D. O assistente, quando acedeu à casa, viu toda a sua mobília retirada do sítio, estando colocada no lugar desta a da demandada; E. O assistente despendeu cerca de €300,00 para contratar uma empresa de mudanças para levar a mobília da arguida de volta para casa dela; F. A referida casa era o local onde o filho do assistente vivia à data dos factos, tinha toda a sua vida organizada, bens e objectos pessoais; G. O assistente viu alguns dos seus bens danificados; H. O assistente e seus filhos nunca mais se sentiram confortáveis, tranquilos e seguros na sua própria casa; I. Viveram em permanente sobressalto até à venda da casa, sobretudo quando não se encontravam em casa, por recearem que a demandada pudesse vir a repetir, a qualquer momento, tal comportamento; J. O assistente e os seus filhos, quando estavam em casa, tremiam de susto ao mínimo estalido que ouvissem e acordavam muitas vezes de noite a pensar que a demandada lhes tinha entrado pela casa dentro, sabendo esta que criava o sentimento de receio daquele. III. MOTIVAÇÃO DA DECISÃO DE FACTO A convicção do Tribunal, no tocante aos factos provados e não provados, fundou-se na análise crítica e conjunta da prova produzida e analisada em audiência de julgamento, a qual foi apreciada à luz das regras da experiência e da livre convicção do julgador, de harmonia com o disposto no artigo 127º do Código de Processo Penal. Desde logo, a prova do facto enunciado em 1. alicerçou-se na análise do assento de casamento junto a fls. 74 e 75 dos autos (tendo o mesmo sido confirmado por arguida e assistente). Para a prova do facto vertido em 2., atendeu-se ao teor da acta e do documento de fls. 11 e 12. No mais, cumpre referir que a arguida prestou declarações em sede de audiência de julgamento, tendo confirmado, no essencial, a factualidade objectiva que lhe era imputada, nomeadamente que tinha penetrado na residência em causa, onde vivia o assistente que, naquele momento, estava ausente em férias, tendo retirado o canhão da porta com um berbequim e colocado outra fechadura; que lá tinha dormido uma noite; e que tinha levado diversos móveis e objectos pessoais, movendo outros que lá se encontravam e levando alguns para a garagem. O que a arguida procurou fazer foi justificar a sua conduta, ainda que de modo amiúde incongruente e ziguezagueante (por exemplo, afiançando que o que tinha ficado acordado era a atribuição da casa em apreço ao assistente até ao divórcio, e não até à venda ou partilha, quando resulta claro da acta supra referida que o divórcio foi decretado nesse mesmo dia em que foi acordada aquela atribuição). Quanto à factualidade atinente ao foro interno, a arguida afirmou que entendia que a casa era dela e que tinha o direito de lá ficar. Todavia, também neste particular, as suas declarações foram inconsistentes, tendo em conta que a própria reconheceu que tinha tentado inverter a decisão judicial de atribuição da casa de morada de família e que, à data dos factos, não tinha obtido qualquer decisão judicial favorável (tendo referido que a Juíza lhe tinha dito que, já agora, esperava mais um pouco, mas sendo certo, no entanto, que resulta dos autos que, apesar de o incidente já correr na data em que a arguida praticou os factos em análise no presente processo – cfr. fls. 63 e ss. – apenas foi proferida sentença em tal incidente em 20.01.2023 – cfr. a sentença junta pela própria arguida em 05.12.2024). Ademais, observa-se que, no print da mensagem junto a fls. 19 (mensagem da esquerda), consta uma alusão à “nossa casa”. E na acta da diligência ocorrida em 26.02.2018, a fls. 11, diligência essa em que a arguida estava presente, com Mandatário, e em que se alcançou um acordo, consta expressamente, no elenco dos “Bens Comuns”, a casa de morada de família em questão. Posto isto, há que referir que, relativamente aos aludidos factos objectivos, a verificação dos mesmos também resultou do que foi relatado pelo assistente e pela testemunha CC, filha de ambos (sendo que a testemunha DD, igualmente filho, recusou prestar depoimento, ao abrigo do disposto no artigo 134º nº 1 al. a) do Código de Processo Penal), explicitando-se que, quanto à matéria descrita em 4., se pôde ainda atender às fotografias juntas a fls. 21 verso e ss., e quanto ao facto elencado em 5., se pôde valorar o print de fls. 19. No que se reporta dos factos respeitantes ao foro interno, entendeu-se que os aludidos elementos de prova documental juntos aos autos, conjugados com as regras da experiência comum e com as próprias declarações da arguida (que, como dito, foram inconsistentes quando procurou negá-los) também permitiam que tais factos fossem dados como provados. Nestes moldes, entendeu-se que estava demonstrada a factualidade consignada de 3. a 8. e em 19. A prova da factualidade mencionada em 9. extraiu-se das declarações do assistente, do depoimento de CC e da análise das fotografias juntas a fls. 29 verso. No que concerne aos factos enunciados de 10. a 14., importa referir que a respectiva prova se alicerçou igualmente nas declarações do assistente e no depoimento de CC, sendo certo que também se retirou das declarações da arguida que aqueles residiam na habitação em causa. Ademais, o print de fotografia de fls. 23 (fotografia de cima, à direita) também aponta inexoravelmente no sentido da demonstração de que documentos e correspondência do assistente foram remexidos pela arguida. Diga-se ainda que se considera perfeitamente compatível com as regras da experiência comum que a actuação da arguida tenha tido as consequências em questão. A factualidade plasmada em 15. foi tida como consensual, tendo resultado do que foi dito por arguida e assistente e extraindo-se ainda do teor da acta de fls. 19 verso e 20 e da sentença proferida no processo nº 103/20.5PIPRT, que foi junta pela arguida em 05.12.2024. Os factos descritos em 16., 17. e 18. também foram dados como provados com base nos elementos documentais juntos pela arguida em 05.12.2024, concatenados com as declarações da mesma e do assistente em audiência de julgamento. A prova da factualidade atinente à situação sócio-económica da arguida, de 20. a 24., alicerçou-se nas declarações prestadas pela mesma, conjugadas com o que resultou da pesquisa efectuada na base de dados disponíveis. A prova da ausência de condenações criminais da arguida, em 25., baseou-se na análise do seu certificado de registo criminal actualizado. Debruçando-nos agora sobre a factualidade dada como não provada, cumpre mencionar, a respeito da que se encontra elencada em A., que foi consensual que a mensagem em questão, a fls. 19, apenas tinha sido enviada e recebida no dia do regresso do assistente e respectivos filhos, em 23.07.2022 (sendo que na mensagem existe a indicação “sábado”, devendo frisar-se que o dia 23.07.2022 foi um sábado). Por outra banda, não resulta líquido, do teor de tal mensagem, que a pretensão da arguida fosse viver com o assistente na residência em questão. É certo que, na mesma, consta a menção “quero que estejamos juntos”, mas também não é menos verdade que, em tal mensagem, se faz alusão a uma “reunião” e em “falarmos em paz”. Quanto ao facto indicado em B., há que referir que quer a arguida quer o assistente afiançaram que este último não tinha dado qualquer resposta à mensagem supra mencionada. A matéria enunciada em C. foi dada como não provada na medida em que o valor que se apurou, com base na factura/talão cuja fotografia se mostra junta aos autos, é o valor consignado em 9. Relativamente ao facto descrito em D., há que assinalar que, se é verdade que se apurou que a residência e alguns bens do assistente tinha sido remexidos, tendo sido alterada a localização de alguns móveis, também não ficou demonstrado que tivesse sido o caso de toda a sua mobília. No que diz respeito ao facto indicado em E., cumpre deixar claro que o valor em causa não foi minimamente demonstrado, designadamente através de prova documental (não se vendo que fosse difícil de obter documento comprovativo, caso esse gasto tivesse sido feito). Neste particular, não se pode deixar de referir que, tendo o assistente demonstrado ser tão rigoroso na recolha de provas para instruir os presentes autos, é no mínimo estranho que não tivesse guardado qualquer elemento comprovativo deste facto, caso o mesmo se tivesse verificado. Quanto ao facto consignado em F., diga-se que foi pacífico, entre arguida e assistente, que o filho de ambos residia com a primeira, aquando da prática, por esta, dos factos em análise nos presentes autos. Finalmente, acerca dos factos descritos de G. a J., cabe esclarecer que o Tribunal apenas pôde contar, quanto aos mesmos, com as declarações do assistente e o depoimento de CC, os quais evidenciaram grande animosidade relativamente à pessoa da arguida, com quem disseram estar de relações cortadas. Ambos revelaram particular zelo em recolher elementos probatórios tendentes a instruir este processo e demonstraram parcialidade. Deve igualmente mencionar-se que, em diversos pontos, as declarações do assistente se afiguraram pouco espontâneas (por exemplo, quando convidado a elucidar qual a razão de se ter desinteressado de diligenciar no sentido da venda da casa). Note-se ainda que resultou do que os mesmos relataram (e também do que foi dito pela arguida) que ambos já vinham trancando portas interiores da residência, antes do episódio em apreço, pelo que não é líquido que tal episódio tenha aumentado o sentimento de insegurança dos mesmos, tanto mais que, aparentemente, nem por isso o assistente revelou mais pressa em vender a casa, tendo esperado que fosse agendada uma diligência de entrega coerciva do imóvel, sendo certo que acabou por ser assumido pela própria CC que a casa da sua avó paterna estaria desocupada após o falecimento desta. Assim, a decisão do Tribunal relativamente a tais factos prendeu-se com a ausência de elementos probatórios que, inequivocamente e de forma sólida e objectiva, apontassem no sentido da sua demonstração. (…)
*
III.2. Do erro de julgamento
Como é consabido, o julgamento da matéria de facto, em primeira instância, é efetuado segundo o princípio da imediação – possibilitando o contacto direto e pessoal entre o julgador e a prova, tangível ao e próprio do juiz a quo – sendo (…) as provas apreciadas por quem assistiu à sua produção, sob a impressão viva colhida nesse momento e formada através de certos elementos ou coeficientes imponderáveis, mas altamente valiosos, que não podem conservar-se num relato escrito das mesmas provas [Germano Marques da Silva, Direito Processual Penal Português – Do Procedimento, Univ. Católica Ed., pág. 212]. Além disso, o julgamento da matéria de facto far-se-á segundo o princípio da livre apreciação da prova, consagrado no art.º 127.º do C.P.P., interpretado, não num sentido que desonere o julgador de justificar o seu raciocínio e percurso interior para chegar à afirmação do facto, ou à sua desconsideração, – caso em que falaríamos de arbítrio - mas, apenas, no sentido de que o valor a atribuir a determinado meio de prova não é tarifado ou vinculado (salvo as exceções consignadas na lei), orientando-se o julgador de acordo com os ditames da lógica e da experiência, podendo, por exemplo, atribuir relevância a um depoimento em detrimento de vários e mais numerosos de sinal contrário, desde que o justifique, já que, na esteira do afirmado por Bacon, os depoimentos não se contam, pesam-se.
A convicção do Tribunal é, reforça-se, formada livremente, de acordo com as regras da experiência, enquanto postulados decorrentes da observação social e dos conhecimentos da técnica e da ciência. A afirmação positiva dos factos deverá fazer-se, não por razões ou argumentos puramente subjetivos e insindicáveis, mas sim concluindo-se através de uma “(…)valoração racional e crítica, de acordo com as regras comuns da lógica, da razão, das máximas da experiência e dos conhecimentos científicos, permitindo “objetivar a apreciação” [Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, vol. II, Verbo 1993, pág. 111 a propósito da definição do conceito de livre apreciação da prova.].
Destarte, se a decisão do Tribunal recorrido se ancorar numa fundamentação compreensível, com as naturais opções próprias efetuadas com permissão da razão e das regras da experiência, a coberto da livre apreciação consignada no art.º 127.º do C.P.P., cumprir-se-á o necessário dever de fundamentação.
Neste percurso, note-se, não raras vezes louvar-se-á o julgador em elementos indiciários/probatórios obtidos por via indireta, consequentemente envolvendo presunções obtidas por via judicial sendo até, amiúde, o único meio de chegar ao esclarecimento de um facto criminoso e à descoberta dos seus autores.
Em síntese, neste capítulo, a prova indireta, que contém momentos de presunção ou inferência, pode igualmente justificar certeza bastante para fundar uma convicção positiva do Tribunal, desde que se assegure, na formação dessa convicção, uma valoração conjugada e coerente dos vários elementos indiciários a considerar, de forma motivada, objetivável e numa leitura que se afigure consentânea com as regras da experiência.
Naturalmente, qualquer dos sujeitos processuais destinatários da decisão poderá discordar do juízo valorativo assim firmado. Ou porque entende que outro meio de prova se sobreporia, ou porque outro, que foi valorado, seria, para si, de credibilidade questionável mas, lembre-se, o poder de valorar a prova e de se determinar de acordo com essa avaliação pertence ao ente imparcial e constitucionalmente designado para a função de julgar: - o Tribunal.
Aqui chegados, a decisão da matéria de facto – com a qual a recorrente expressa o seu dissídio – só pode ser sindicada, em sede de recurso, por duas vias distintas:
- Por verificação dos vícios previstos no art.º 410.º, n.º 2, do C.P.P., a denominada revista alargada que, a proceder, deflui na realização de um novo julgamento, total ou parcial, apenas excecionalmente o podendo fazer o próprio tribunal superior (art.ºs 426.º, n.º 1, 430.º, n.º 1, e 431.º, als. a) e c), do C.P.P.), decorrendo o vício da economia e texto da própria decisão o que, lida esta, não se alcança nem é invocado;
- Através da impugnação ampla, prevista no art.º 412.º, n.ºs 3, 4 e 6 do C.P.P., com eventual correção do decidido pelo tribunal superior (cfr. art.º 431.º, al. b), do C.P.P.).
Neste último o caso, agora em apreciação – impugnação ampla – a sindicância pode envolver o próprio processo e resultado da formação da convicção do julgador sobre a prova produzida, designadamente a suficiência ou insuficiência desta para a materialidade considerada, a capacidade e a segurança do convencimento que emerge dos meios de prova a valorar, seja à luz dos critérios legais da avaliação (art.º 127.º do C.P.P.), seja sob o espectro das disposições sobre prova vinculada. Em síntese, no caso da impugnação ampla, esta pode visar o próprio juízo decisório revidendo, a sua verosimilhança e consistência, no cotejo com a prova produzida. Porém, ainda assim, não se trata, aqui, de um novo julgamento, sobreposto ao realizado em primeira instância e que usufruiu do aporte irrepetível oferecido pela oralidade e pela imediação. A impugnação, ainda que alargada, constitui, tão só, o remédio jurídico apropriado para a deteção de eventuais erros in judicando ou in procedendo, considerando o exame crítico da prova efetuado na primeira instância que está, naturalmente, vinculado a critérios objetivos, jurídicos e racionais e sustentado nas regras da lógica, da ciência e da experiência comum, sendo por isso mister que se demonstre a impossibilidade lógica e probatória da valoração seguida e a imperatividade de uma diferente convicção.
Mais.
No caso da impugnação ampla, - em que a atividade do Tribunal de recurso não se restringe ao texto da decisão, expandindo-se à análise da prova concretamente produzida em audiência de julgamento e devidamente registada – o juízo de apreciação e conformidade far-se-á de acordo com os limites fornecidos pelo recorrente e decorrentes do cumprimento do ónus de especificação imposto pelos n.ºs 3 e 4 do art.º 412.º do C.P.P.. Ou seja, sempre que o recorrente vise impugnar a decisão proferida sobre a matéria de facto deve especificar (i) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; (ii) As concretas provas [ou falta delas] que impõem decisão diversa da recorrida; (iii) As provas que devem ser renovadas, ao que acresce que Quando as provas tenham sido gravadas, as especificações previstas (…) fazem-se por referência ao consignado na ata (…) devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que se funda a impugnação. Em epítome e em tese geral, não bastará ao recorrente configurar hipóteses decisórias alternativas, da sua conveniência ou modo de ver, mais ou menos compagináveis com a prova produzida, sendo ainda necessário que a eventual insuficiência da prova para a decisão da matéria de facto que foi tomada, ou, na proposta de apreciação alternativa, a prova que foi produzida, imponham, (e não apenas acomodem, sugiram ou permitam outro entendimento) como conclusão lógica, uma decisão distinta e, em concreto, aquela que na argumentação de recurso se defende.
Neste último aspeto referido importa reforçar que não basta a afirmação do dissídio, a apreciação crítica do decidido ou a afirmação de considerandos ou propostas de decisão alternativa. Se assim fosse, a sindicância, a este nível, traduzir-se-ia na realização de novo julgamento, já que ver-se-ia a segunda instância na contingência de revisitar toda a prova produzida para, ante aquelas manifestações gerais de subjetividade, sobrepor ou não a sua.
Por tudo isto, impõe-se ao recorrente um dever de fundamentação que torne evidente que as provas indicadas, aquelas que convoca, impõem decisão diferente, com o mesmo grau de argumentação e convencimento que é exigível ao julgador para fundamentar os factos provados e não provados, só assim se percebendo qual o raciocínio seguido para se poder afirmar que o mesmo impõe decisão diversa da recorrida [cfr., neste sentido, Paulo Pinto de Albuquerque in Comentário do Código de Processo Penal, Universidade Católica, 2ª Edição, fls. 1131, notas 7 a 9, em anotação ao artigo 412º, do Código de Processo Penal].
Dito isto, avançando e revertendo ao caso concreto.
Vista a argumentação recursória, de tudo o que resultou demonstrado na audiência de julgamento, a recorrente considera, apenas, como incorretamente julgado (pelo menos em parte), o constante do ponto 8 dos factos provados, desde logo avançando concordar que “se encontram preenchidos os elementos objectivos do tipo legal de Crime, pelo qual foi a Arguida condenada (…)”.
Retendo que aquele facto contestado considerou que “A Arguida actuou de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei penal”, contrapõe a recorrente afirmando que “agiu de forma voluntária e dotada da consciência possível, a uma Cidadã que se encontra profundamente deprimida e fragilizada, acuada e violentada, em todas as frentes da sua Vida, desconhecendo, todavia, que a sua conduta perfaria um ilícito jurídico-penal, cumprindo referir que a sua actuação não se desenvolveu em Liberdade, mas antes sumamente condicionada por um inequívoco animus salvandi, inspirada pelo pânico, pelo desespero e desnorte a que a conduziram os inúmeros comportamentos do Assistente”.
Ou seja.
A arguida pretende, tão só, com defluência necessária no preenchimento dos elementos subjetivos do tipo, que se considere que “agiu com ausência de consciência da ilicitude” e “em estado de necessidade desculpante” pois desconhecia que “a sua conduta perfaria um ilícito jurídico-penal” e a sua atuação “não se desenvolveu em Liberdade, mas antes sumamente condicionada por um inequívoco animus salvandi, inspirada pelo pânico, pelo desespero e desnorte a que a conduziram os inúmeros comportamentos do Assistente”.
Para tanto, alinha o seguinte conjunto de argumentos:
- A montante, o assistente, de má fé e conluiado com a filha, terá criado todas as circunstâncias para que a arguida atingisse o nível de desespero e desequilíbrio mental que a fizesse impor a sua presença, encontrando-se preparado para, quando a recorrente assim atuasse, documentar os seus procedimentos para instruir os presentes autos.
- A recorrente só terá saído do apartamento onde os factos ocorreram, que adquirira antes do casamento, para fugir aos episódios de violência doméstica de que era vítima, perpetrados pelo ora assistente e que recusava abandonar o domicílio.
- Após ter requerido o divórcio sem consentimento do assistente, que continuava a recusar sair de casa, a recorrente – para que o divórcio fosse decretado e a guarda dos seus filhos fosse regulada – acedeu a que a casa fosse atribuída ao assistente “até à venda ou partilha” o que, a seu ver, importaria um prazo curto e transitório até à respetiva efetivação.
- Porém, o assistente permaneceu indefinidamente na casa, não pagando o condomínio ou a hipoteca, não se mostrando recetivo a mostrá-la a eventuais interessados na compra ou a conversar com a recorrente no sentido de concretizarem as partilhas – que inclusivamente chegou a ir bater à porta do assistente para o efeito - continuando a ali residir comodamente, acabando o imóvel por ser vendido apenas em leilão judicial, a impulso da entidade mutuante, e com evidente prejuízo financeiro para a recorrente.
- “No dia da prática dos factos acorreu à sua casa, habitada há 5 anos pelo seu ex Marido, ora Assistente, angustiadíssima e temendo a entrega coerciva do imóvel que ocupava, enquanto arrendatária, absolutamente exausta de pleitos judiciais e temendo a perda de Patronos que a ajudassem e foi novamente bater a uma porta que há anos não se lhe abria; Entendia que o prazo que a Juíza dera ao Assistente, aquando da atribuição da casa da Morada de Família, há 4 anos, há muito se extinguira, pelo que, leiga em lides jurídicas, considerava-se com tanto Direito a lá residir com ele; Tanto mais que, para reconhecer este seu Direito, já apresentara Incidente de Alteração desta atribuição, (…); Nesse pretérito dia, 22/7/22, no auge do desespero, mudou o canhão, entrou na casa, arrumou-a e telefonou aos Filhos e ao Assistente, dizendo, (Cfr pág 44 anexa à Participação: “Como sabes tenho mação de despejo e tove de voltar para nossa casa com o nosso filho DD”, “Vim em paz”, “..quero que estejamos juntos para falarmos em paz..” ..”reunião”); Depois disso, no dia 23 quando o Assistente chegou com a Filha e a Polícia, a Arguida esteve a conversar com os Agentes, que não lhe disseram que ali não podia permanecer, porque ela era efectivamente comproprietária; Sendo que nem os Agentes da PSP tinham a certeza de que o acesso e permanência da Arguida naquela casa fosse ilegal, cfr. Pág 9, da Participação, nos autos:”.
Como meios de prova impositivos da decisão que considera correta, a recorrente mencionou/transcreveu vários trechos das suas declarações, das prestadas pelo assistente e, ainda, do depoimento da filha de ambos.
Vejamos, pois.
No que concerne ao único ponto do dissídio, a sentença recorrida considerou, desde logo – o que a recorrente confirma e não discute – que: “A arguida prestou declarações em sede de audiência de julgamento, tendo confirmado, no essencial, a factualidade objectiva que lhe era imputada, nomeadamente que tinha penetrado na residência em causa, onde vivia o assistente que, naquele momento, estava ausente em férias, tendo retirado o canhão da porta com um berbequim e colocado outra fechadura; que lá tinha dormido uma noite; e que tinha levado diversos móveis e objectos pessoais, movendo outros que lá se encontravam e levando alguns para a garagem.”.
Em sentido oposto ao pretendido, considerou-se em sede de fundamentação que: “Quanto à factualidade atinente ao foro interno, a arguida afirmou que entendia que a casa era dela e que tinha o direito de lá ficar. Todavia, também neste particular, as suas declarações foram inconsistentes, tendo em conta que a própria reconheceu que tinha tentado inverter a decisão judicial de atribuição da casa de morada de família e que, à data dos factos, não tinha obtido qualquer decisão judicial favorável (tendo referido que a Juíza lhe tinha dito que, já agora, esperava mais um pouco, mas sendo certo, no entanto, que resulta dos autos que, apesar de o incidente já correr na data em que a arguida praticou os factos em análise no presente processo – cfr. fls. 63 e ss. – apenas foi proferida sentença em tal incidente em 20.01.2023 – cfr. a sentença junta pela própria arguida em 05.12.2024). Ademais, observa-se que, no print da mensagem junto a fls. 19 (mensagem da esquerda), consta uma alusão à “nossa casa”. E na acta da diligência ocorrida em 26.02.2018, a fls. 11, diligência essa em que a arguida estava presente, com Mandatário, e em que se alcançou um acordo, consta expressamente, no elenco dos “Bens Comuns”, a casa de morada de família em questão. (…) No que se reporta dos factos respeitantes ao foro interno, entendeu-se que os aludidos elementos de prova documental juntos aos autos, conjugados com as regras da experiência comum e com as próprias declarações da arguida (que, como dito, foram inconsistentes quando procurou negá-los) também permitiam que tais factos fossem dados como provados.”.
Da justaposição de argumentos e dos trechos que a recorrente seleciona, entende esta que, ante as suas explicações e o contexto em que agiu, não existem elementos que permitam demonstrar que agiu com conhecimento da ilicitude da sua atuação ou, no limite, dever-se-ia considerar que agiu no exercício de um direito.
Ora, temos para nós que as declarações da recorrente, certamente oferecendo um contexto e uma explicação para a sua atuação, não são, no entanto, impositivas de decisão diversa, como é exigência legal para a reversão do decidido, conforme decorre do estatuído no art.º 412.º, n.º 3, al. b) do C.P.P..
É que, mesmo que a recorrente tenha exasperado na espera por uma solução de venda/partilha ou se sentisse condicionada pelas dificuldades económicas e pela ameaça de despejo no locado onde residia, estes elementos não são (sem prejuízo do tratamento que se dispensará infra em matéria de direito) impositivos de decisão diversa ou autoexplicativos de uma incorreta decisão por parte do Tribunal a quo.
Explicitando.
Está documentalmente demonstrado nos autos (e a recorrente não contesta) que “Em 26.02.2018, no âmbito do processo de divórcio que correu termos sob o n.º ......, no Juízo de Família e Menores de Matosinhos, ..., a anterior casa de morada de família do ex-casal, sita na Rua ..., ..., ..., em ...,..., ficou atribuída exclusivamente ao assistente, que aí ficou a residir, até à venda ou partilha” (facto 2).
É igualmente pacífico que, à data da sua atuação (22.07.2022), por vicissitudes várias e em que não há coincidência entre a argumentação esgrimida pela recorrente e o afirmado pelo assistente – endereçando reciprocamente responsabilidades – aquela partilha ainda não havia sido conseguida, encontrando-se vigente, por isso, a determinação judicial de atribuição exclusiva ao assistente da fração em disputa.
Elucidativo de que a recorrente sabia o que fora determinado judicialmente e as suas implicações - designadamente que o bem, ainda que comum, estava afeto ao assistente, que aí residia - está o facto de aquela, antes de ter agido e sem que tivesse, ainda, obtido decisão judicial favorável, ter intentado um incidente com vista à alteração da atribuição da casa de morada de família, no processo nº ... (facto 19), ou seja, sabia a arguida que, para inverter o decidido e para que, legitimamente, pudesse residir naquela fração, teria de obter decisão que o autorizasse.
Por outro lado, a oportunidade aproveitada e o modo de atuação seguidos são, também eles, indicativos de que a recorrente sabia que o que fez não era legítimo e que não lhe era permitido pelo direito: - agiu no período de férias do assistente, sabendo que não estava ninguém na fração, estroncando a fechadura com um berbequim.
Destarte, o iter seguido pelo Tribunal e a sua revelação em sede de motivação está em consonância com as regras da experiência, com os elementos objetivos apurados (que a recorrente não contesta), concluindo pela afirmação do conhecimento da ilicitude da conduta por parte da impetrante, afirmação que os trechos convocados em sede de recurso não infirmam inapelavelmente.
Como é bom de ver, a comprovação da vontade interna do agente dificilmente será tangível ao Tribunal por prova direta, salvo nos casos de confissão. Assim, quando tal confissão não suceda – como no caso vertente na parte atinente aos elementos subjetivos – aqueles elementos são extraíveis por via indireta, lidos a partir do comportamento exterior do agente, plasmado nos factos objetivos provados, por forma a perceber-se, em face dos mesmos, o modo como o agente se determinou.
Ora, nesta parte e como acabamos de ver, aquela operação está estribada de forma lógica e razoável naqueles elementos, não deflui de qualquer conclusão esdrúxula ou desprovida de sentido e não pode ser revertida com base noutra solução que, no ver da assistente, é possível, seria a mais justa, mas sem que torne insustentada a assumida pelo Tribunal.
Em estimação geral, no essencial, a recorrente glosa criticamente o decidido, numa dessintonia que é expressão da sua própria subjetividade, do seu “modo de ver as coisas”, mas sem que daí derive qualquer erro de julgamento.
Efetivamente, aqui estamos, tão só, no campo da convicção do Tribunal a quo, formada com o aporte exclusivo e irrepetível da imediação, e que, a final, desconsidera uma pretensa ausência de vontade esclarecida e a adoção de procedimentos conscientes visando algo que sabia ser proibido, ou, ainda, que não houvesse qualquer comportamento lícito alternativo, desconsideração essa que se entendeu necessária, porquanto seria aquela relativização/desconhecimento contrária à demais prova produzida e às regras da experiência.
O meio de prova referido (as suas próprias declarações) concatenadas com o mais referido não impõe, inexoravelmente, outra decisão.
Já no que tange à relevância penal dos factos - agora e nesta parte definitivamente fixados, face à improcedência da impugnação - será tratada infra.
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III.3 Do preenchimento dos elementos subjetivos do crime – causas de exclusão da culpa e da ilicitude
Afirma a recorrente que atuou com ausência de consciência da ilicitude, a qual afastará a culpa invocando, em subsídio, o disposto no art.º 17.º, n.º 1 do C.P. e referindo que, para a arguida, “a atribuição da casa era imbuída de um espírito de transitoriedade, há muito expirado, que lhe permitia agir, à data da prática dos factos, como legítima proprietária, acedendo à Casa e não indo para a Rua, sem meios para arrendar outra”.
Ora, os factos definitivamente assentes, infirmam a possibilidade de sucesso da predita argumentação. Desde logo, porque se demonstrou o seu contrário, sendo, até, inverosímil considerar que a recorrente achava que a atribuição exclusiva do gozo da fração ao assistente se mostrava expirada e, por isso, poderia ali entrar livremente quando, pouco antes, interpusera um incidente para alterar o decidido (o que não se compreenderia se, pura e simplesmente, achasse que aquele direito expirara e que lhe era legítimo, sem mais, aceder à fração).
Ainda assim, o erro sobre a ilicitude do facto é um erro de valoração. Pressupõe que o agente tenha conhecimento de todas as circunstâncias relevantes do tipo necessárias para tomar conhecimento do desvalor do facto, mas não pense, sem mais, que o facto seja ilícito.
Caso se verifique que o arguido, não obstante não ter uma conscientia vera – que decide em conformidade com a totalidade das exigências reais-objectivas – afirma uma conscientia recta – revela persistência numa geral atitude de fidelidade ao Direito – então a sua falta de consciência da ilicitude não será censurável [acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 19.10.1983, CJ, ano VIII, tomo IV, pág. 83 e ss.].
É o que acontece quando a questão da (i)licitude concreta se revela discutível e controvertida; a solução dada pelo agente corresponde a um ponto de vista juridicamente reconhecido; actua com um propósito correspondente a uma perspetiva juridicamente atendida, o produto de um esforço continuado de corresponder às exigências do Direito.[Jorge de Figueiredo Dias, utMaia Gonçalves, in Código Penal Anotado, 11º edição, Almedina, Coimbra, 1997, pág. 121].
Nestes casos, é excluída a culpa do agente.
Diferentemente se, em face de todos estes elementos, existe uma deficiência da própria consciência ético-jurídica do agente que não lhe permite apreender corretamente os valores jurídicos, se é revelada a ausência de uma atitude de persistência na procura de assumir uma atitude conforme ao direito, então a falta da consciência sobre a ilicitude é-lhe censurável.
Justifica-se, então, a censura a título de dolo, ainda que com eventuais reflexos na pena.
Diversamente, o erro sobre a proibição tem por referente situações em que o arguido desconhece a proibição (seja na sua existência, seja na sua exata extensão e limites) por falta de informação ou de esclarecimento, sendo que o desvalor do comportamento não é de presumir por todos os cidadãos [acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 27.01.1998, CJ, ano XXIII, tomo I, pág. 146 e ss.].
Afirma-se quando a relevância axiológica das condutas não existe ou é pouco significativa, caso em que o ilícito é constituído, não apenas pela matéria proibida, mas também pela proibição legal, pois que o conhecimento daquela afirma-se insuficiente para orientar a consciência ética para o desvalor do ilícito.
Trata-se de um caso em que, para o Professor Figueiredo Dias, repensando uma anterior posição [Jorge de Figueiredo Dias, Sobre o estado actual da doutrina do crime, 2ª parte, in Revista Portuguesa de Ciência Criminal, ano 2, fasc. 1, Jan-Mar 1992, pág. 21], ficará excluído o dolo (enquanto dolo do tipo), e, com ele, a punição a esse título [Jorge de Figueiredo Dias, Textos de Direito Penal, Edição Policopiada, Coimbra, 2001, págs. 110 a 114]. In casu, não nos parece que a licitude da violação de domicílio seja controversa ou questionável, no plano abstrato, ou que a sua atuação, estroncando a fechadura e penetrando na habitação na ausência do agregado, possa corresponder a uma via juridicamente legítima e reconhecida.
No caso dos autos, tendo em conta a argumentação recursória, parece-nos que a impetrante nunca pôs em causa conhecer da ilicitude associada à penetração em espaço reservado, onde está constituído um núcleo de reserva e intimidade, associado ao domicílio, que lhe é alheio (mesmo que possa ser comproprietária da fração).
Do que expôs entendemos que, mais do que o invocado erro sobre a ilicitude, se apresentaria como equacionável que tivesse atuado em defeito de conhecimento acerca da real situação da fração e daquela atribuição exclusiva (que diz julgar expirada). A recorrente saberia que constituía ilícito a violação de domicílio. Contudo, ao nível da sua consciência psicológica, poderia faltar-lhe o conhecimento de que a atribuição exclusiva do gozo ao assistente ainda vigorava e, como comproprietária da fração, poderia legitimamente entrar. Teria agido, assim, com consciência ético jurídica reta, uma atitude geral de fidelidade ao Direito, só que defraudada por aquela errónea presunção.
A ser como a arguida assegura, a sua ação seria lícita, mas acabaria por preencher pressupostos objetivos de um tipo de crime.
O erro sobre as circunstâncias de facto (art.º 16.º do C.P.) pode ser censurável se derivar de negligência do agente, pois seria seu dever assegurar-se previamente da situação da efetividade (ou cessação) da atribuição do gozo exclusivo. Se a ignorância da Lei nunca pode ter eficácia excludente da culpa, a ignorância sobre a concreta ilicitude do ato cometido, porque agira em erro sobre um estado de coisas que, se existente, excluiria o dolo, permitiria, tão só, a formulação de um juízo de censura por negligência, não se prevendo expressamente, no caso, a punição a esse título.
Porém, por tudo o que já se disse, não se demonstra o pressuposto desconhecimento daquelas circunstâncias. A arguida (mesmo comproprietária do espaço) sabia que o seu uso estava atribuído, em exclusivo, ao assistente (e, por isso, carecida de autorização deste para entrar na habitação), que aquela atribuição era firme e vigente (até porque requerera, por via incidental, a alteração do decidido), nem nos parece que o arrombamento, na ausência dos ocupantes, munida de um berbequim, seja uma forma de atuar lisa e compatível com a do exercício legítimo de um direito.
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Cumulativamente, refere ainda a recorrente que, nos termos do art.º 31.º do C.P., o facto não é punível quando a sua ilicitude for excluída pela ordem jurídica considerada na sua totalidade, designadamente quanto o facto é praticado no exercício de um direito, - no caso, o direito constitucionalmente consagrado à habitação - e, ainda, em “estado de necessidade desculpante” face à iminência do despejo do locado que habitava.
Em ambos os casos, adianta-se, não estão factualmente e legalmente constituídos os respetivos pressupostos.
No que tange ao primeiro segmento da argumentação – com respaldo no exercício de um direito – nem a recorrente podia, face ao decidido, reverter a decisão judicial de entrega com recurso à ação direta, nem o direito constitucional à habitação, previsto no art.º 65.º da C.R.P. habilita uma aplicação direta desse mesmo direito, dependendo a sua efetivação da regulação do seu exercício, através das leis ordinárias, sob pena de a ausência de habitação permitir a ocupação de qualquer domicílio.
Toda a contextualização referida pela recorrente, em parte com tradução nos factos, é apenas suscetível de ser considerada e atendida em sede de determinação da pena.
No mais.
O invocado estado de necessidade pode revestir a natureza de um direito de necessidade (art.º 34.º do C.P.), caso em que deflui numa causa de exclusão da ilicitude, ou, como é invocado, num estado de necessidade desculpante (art.º 35.º do C.P.), caso em que, excluindo a censurabilidade ética da conduta, constitui uma causa de exclusão ou de diminuição da culpa.
No primeiro caso, o estado de necessidade surge quando o agente é colocado perante a alternativa de ter de escolher entre cometer o ilícito ou deixar que, como consequência necessária de o não cometer, ocorra outro mal maior, ao que acresce a imperatividade da inexistência de outro meio menos prejudicial do que o ato praticado e a probabilidade de eficácia do meio utilizado o que, atendendo aos factos provados, não se verifica. Mesmo segundo a sua própria alegação, a recorrente ainda não havia sido despejada e recorrera ao meio lícito – alteração da atribuição da casa de morada de família – para dar expressão legal aos seus intentos de ali passar a viver.
No segundo, o invocado estado de necessidade desculpante, este fundamenta-se na materialização do princípio da inexigibilidade, quando, ante dois direitos conflituantes, a integridade do bem em perigo só pode ser assegurada mediante o sacrifício de bem jurídico alheio, não se censurando, pois, a opção tomada, ao nível da culpa.
Porém e aqui, perante os factos provados e o que já referimos, nem o meio utilizado era indispensável para remover um perigo, nem o bem jurídico a proteger estava ameaçado por um perigo efetivo e atual (e não meramente potencial, cogitado através da construção de um cenário futuro e hipotético), nem tutelava a vida ou da integridade física.
Improcede, pois, a argumentação recursória..
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III.4 Da adequação da pena
Pretende a recorrente, como pedido subsidiário, que o Tribunal ad quem lhe reduza a pena, “atento todo o alegado”.
Já tivemos oportunidade de referir que o âmbito de qualquer recurso é delimitado pelas conclusões que sobrevêm às alegações.
Ora, no caso, diretamente, a recorrente não colocou em causa, nas suas alegações e com reflexo nas conclusões, a operação da escolha e determinação da pena (pois defendia a sua absolvição) pelo que tal operação, quanto a nós, não faz parte do objeto do recurso (ainda que ocorra a sobredita formulação em jeito de pedido subsidiário).
Ainda que assim não fosse e se entendesse que as várias referências à atuação do próprio assistente e ao estado anímico e de carência material da recorrente fossem, indiretamente, um questionamento da adequação da pena, é importante relembrar que a sindicância do decidido não se efetivaria como se inexistisse decisão recorrida ou como se este Tribunal da Relação se predispusesse a aplicar a pena pela primeira vez, intervindo-se apenasquando se justifique uma alteração minimamente substancial.
Efetivamente e tendo existido, a montante, um julgamento – com contraditório pleno, oralidade e imediação – e uma atividade jurisdicional de fixação concreta da pena no culminar daquela audiência, na dependência do Tribunal ad quem não estaria a realização de nova e originária determinação da pena mas, tão só, a sindicância do quantum da pena e a sua natureza, seguindo e tendo por referencial os critérios de determinação utilizados pelo Tribunal a quo, respetiva motivação, escrutinando a eventual existência de falhas ou omissões, exercendo a sua função corretiva se o resultado da operação se revelar ilegal, ou manifestamente desproporcionado.
Do exposto resulta que a intervenção em segunda instância deverá ser sempre pautada pelo princípio da mínima intervenção, intercedendo se e quando o processo determinativo se revele insuficiente ou desajustado à luz dos critérios legais de determinação da pena, tendo por matriz os factos assentes.
Na verdade, a individualização judiciária da pena não é imune a um grau controlado de discricionariedade, inexistindo uma pena concreta inquestionável ou uma sentença certa e ideal, mas, antes, uma gama de decisões que, numa faixa de razoabilidade e proporcionalidade, poderão ser adequadas, conquanto os tribunais, aplicando os mesmos critérios de determinação das penas concluam, em casos semelhantes, por penas aproximadas (tendo por presente que não existirão, propriamente, dois casos exatamente iguais).
No caso, a fixação de uma pena de 95 dias (entre um mínimo de 10 e um máximo de 360 dias – art.ºs 190.º, n.º 3 e 47.º, n.º 1 do C.P.), isto é, abaixo de 1/3 da pena, tendo levado em causa as circunstâncias que a arguida veio aqui reforçar, designadamente “cumpre ainda atender ao contexto em que a arguida actuou (tendo a atribuição da casa de morada de família ao assistente sido determinada em Fevereiro de 2018 sem que a venda ou partilha tivessem sido efectuadas, tendo a arguida já procurado, judicialmente, alterar esta decisão e estando a correr uma acção de despejo relativamente ao imóvel em que a mesma estava a residir)”, não se nos afigura desadequado, desproporcional e carente de correção.
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IV.
Decisão:
Por todo o exposto, acordam os Juízes Desembargadores que compõem a 1ª Secção deste Tribunal da Relação do Porto em julgar não provido o recurso interposto pela arguida AA, mantendo a decisão recorrida.
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Custas pela recorrente, fixando a taxa de justiça em 3 UC (art.º 513.º, n.º 1 do C.P.P. e art.º 8.º, n.º 9, do R.C.P., com referência à Tabela III).
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Porto, 11 de junho de 2025
José Quaresma (Relator)
Paulo Costa (1.º Adjunto)
Lígia Trovão (2.ª Adjunta)