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VÍCIOS DA DECISÃO
INSUFICIÊNCIA DA MATÉRIA DE FACTO
RELATÓRIO SOCIAL
SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA
Sumário
I - A ausência, ou insuficiência, de elementos sobre as condições pessoais e económicas do arguido e apreciativos da sua personalidade, a refletir na matéria de facto, pode constituir um engulho à boa decisão da causa e um desvirtuamento da função judicial de averiguação oficiosa da verdade, essencialmente no que respeita à tarefa de determinação da sanção a aplicar e da cogitação sobre a viabilidade da pretendida suspensão da execução da pena. II – A imprescindibilidade da realização de relatório social dependerá, casuisticamente, do tipo de crimes em apreciação, do percurso pregresso do arguido conhecido e a valorar e dos elementos adquiridos nos autos sobre o agente, designadamente através de prova documental e testemunhal. III – Não se verifica qualquer vício de insuficiência da matéria de facto para a decisão quando a ausência de elementos sobre as condições pessoais do arguido, que o Tribunal quis averiguar, resulta do comportamento contumaz e relapso do próprio recorrente.
Texto Integral
Processo: 1127/23.6GBVNG.P1
Acordam em conferência na 1.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto
I.
Nos autos de processo comum n.º 1127/23.6GBVNG, que correu termos no Juízo Local Criminal de Vila Nova de Gaia - Juiz 1, do Tribunal Judicial da Comarca do Porto, por sentença de 08.01.2025, decidiu-se, além do mais, condenar o arguido AA, pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo art.º 3.º, nº 2 do D.L. n.º 2/98 de 3 de janeiro, na pena de 1 (um) ano de prisão efetiva.
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I.1.
Inconformado, veio o arguido AA interpor o recurso ora em apreciação (Ref.ª 41459444) referindo, em conclusões, o que a seguir se transcreve: i. O recorrente foi condenado pela prática em autoria material e na forma consumada, de um crime de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo artigo 3º, nºs e 2 do DL 2/98 de 3 de janeiro, na pena de 1 (um) ano de prisão, bem como, condenado nas custas do processo, fixando-se a taxa de justiça em 2 U.C., - art. 8º, nº9 do RCP e Tabela Anexa III, 513.º e 514.º do CP; ii. O recorrente impugna a decisão proferida sobre a matéria de Direito pela não suspensão da execução, da pena aplica; iii. O arguido entende que o Tribunal “a quo” não valorou devidamente quer as circunstâncias da prática do crime em crise face ao registo criminal considerando o crime em causa, nem teve em consideração a situação económica, profissional e familiar atual do arguido, que desconhece. iv. E decidiu apenas ter em consideração o registo criminal daquele, fazendo tábua rasa de todos os outros elementos. v. Sempre se dirá que a suspensão da execução da pena de prisão não traduz um poder discricionário do Tribunal, na medida em que tem que fundamentar quer a sua concessão, quer a sua denegação, de acordo com o art.50º/4 C.P. Neste sentido, a fundamentação do Tribunal a quo também nesta matéria foi insuficiente e inadequada, pois da sentença recorrida resulta uma referência apenas ao registo criminal do arguido e não uma verdadeira fundamentação, baseada na avaliação de todos os elementos disponíveis e relevantes no processo; vi. Face ao exposto, entende o arguido, que a não suspensão da execução da pena de prisão aplicada, sem conhecimento da sua situação socio económica e na ausência da realização de um relatório social, não revela as reais exigências de prevenção especial, que no entender do mesmo se revelam atualmente reduzidas, e até, porque não se demonstram indícios de que possa vir a praticar novos crimes. vii. Neste sentido e pelo exposto, a pena de prisão aplicada sem que a mesma tenha sido suspensa na sua execução ao arguido mostra-se desadequada e manifestamente excessiva devendo a suspensão da pena de prisão na sua execução ser aplicada no caso concreto; viii. Suspensão essa, que no entender do arguido, se mostra mais adequada “in casu”, mostrando-se respeitadas as exigências de prevenção geral e especial; ix. Considera o requerente que, o Tribunal “a quo” violou o disposto nos artigos 71.º, 72.º e 73.º do C. Penal. Termos em que: Deve o presente recurso ser julgado procedente e, em consequência, ser a pena de prisão suspensa na sua execução, fazendo assim a costumada SÃ JUSTIÇA!
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I.2
Admitido o recurso, por tempestivo e legal, o Ministério Público apresentou articulado de resposta, pugnando pela preservação do decidido, formulando as seguintes conclusões (Ref.ª 42235397): 1- A sentença recorrida condenou o recorrente pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo artigo 3º, nºs e 2 do DL 2/98 de 3 de Janeiro, na pena de 1 (um) ano de prisão 2 - Sustenta o mesmo que a execução da pena de prisão deveria ficar suspensa na sua execução. 3 - Dispõe o art. 50.°, n.º 1, do C. Penal, que: "O tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a 5 anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição" 4 - Para este efeito, é necessário que o julgador, reportando-se ao momento da decisão e não ao da prática do crime, possa fazer um juízo de prognose favorável relativamente ao comportamento do arguido, no sentido de que a ameaça da pena seja adequada e suficiente para realizar as finalidades da punição 5 - A suspensão da execução da pena "deverá ter na sua base uma prognose social favorável ao réu, a esperança de que o réu sentirá a sua condenação como uma advertência e que não cometerá no futuro nenhum crime” 6 - Tendo em conta o desvalor da conduta da arguida e das elevadas necessidades de prevenção, especialmente das “assinaláveis” necessidades de prevenção especial, entende-se ser inadequado determinar a suspensão da execução de tal pena de prisão, por se entender que, no caso em apreço, a mera ameaça da sua aplicação é, manifestamente, insuficiente para afastar o arguido da prática de ilícitos criminais semelhantes ao dos autos. 7 - O Tribunal a quo ainda entendeu que as finalidades da punição não ficavam salvaguardadas se a pena não fosse cumprida em estabelecimento prisional (tendo afastado, então, todas as penas de substituição previstas) 8 - Acresce ainda que, mesmo que existisse a possibilidade, aquando, da prolação da sentença, do arguido cumprir a pena de prisão, em regime domiciliário, atento o facto do mesmo ter faltado à entrevista agendada pela DGRSP, assim inviabilizando a realização da informação prévia a que respeita ao artigo 7º, nº2 da Lei 33/2010 de 2 de Setembro, por si só, é um indicador da sua indiferença pelo ordenamento jurídico e situação processual, o que inviabiliza a conclusão de que as exigências de prevenção se satisfariam com a aplicação desta pena (também) de substituição. 9 - Parece assim ser necessário (artigo 18º, nº 2 do Constituição da República Portuguesa), face ao comportamento do arguido, para a sociedade, e para o próprio, que a pena seja cumprida em estabelecimento prisional. Termos em que deve ser negado provimento mas V. Exas farão sempre melhor justiça
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I.3
Neste Tribunal a Digna Procuradora-Geral Adjunta teve vista nos autos, tendo emitido parecer (Ref.ª 19339144), manifestando-se pelo não provimento do recurso.
Em resumo ali se refere que não obstante a jovem idade do arguido, entre 2015 e 2022 já respondeu criminalmente por dezassete vezes, sete das quais pelo crime de condução de veículo sem habilitação legal. A execução da pena de prisão é, assim, exigida pela premente necessidade de prevenir o cometido de futuros crimes, sendo absolutamente inadmissível a sua substituição por qualquer outra. Nenhuma outra pena de substituição realiza, in casu, de forma adequada e suficiente as finalidades da punição. Nestes termos se tem por manifesto que o recurso não merece provimento.
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I.4
Deu-se cumprimento ao disposto no art.º 417.º n.º 2 do C.P.P., não tendo o recorrente exercido o contraditório.
Foram os autos aos vistos e procedeu-se à conferência, importando, pois, apreciar e decidir.
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II.
Questões a decidir:
Conforme jurisprudência recorrente e pacífica, o âmbito de qualquer recurso é delimitado pelas conclusões que sobrevêm às alegações do recorrente, sem prejuízo do conhecimento, ainda que oficioso, dos vícios da decisão a que se alude no n.º 2 do art.º 410.º do C.P.P. (cfr. art.ºs 119.º, n.º 1, 123.º, n.º 2 e 410.º, n.º 2, als. a) a c) do C.P.P. e Acórdão de fixação de jurisprudência n.º 7/95, de 19.10).
No caso, vistas as conclusões apresentadas em sede recursória, constitui objeto do presente recurso apreciar da suscetibilidade/adequação da suspensão da execução da pena de prisão aplicada.
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III. III.1
Por facilidade de exposição, retenha-se o teor da sentença posta em crise, na parte relevante: (…) II. FUNDAMENTAÇÃO: De Facto Com relevo para a decisão da causa, resultaram provados os seguintes factos 1. O arguido, sem que possuísse carta de condução ou outro título que o habilitasse a conduzi-lo, conduziu o automóvel ligeiro de passageiros, com a matrícula ..-VJ-.., no dia 18 de Novembro de 2023, pelas 04:20h, na Avenida ..., ..., Vila Nova de Gaia. 2. O arguido agiu livre, voluntária e conscientemente, com a intenção concretizada de conduzir aquele veículo na via pública sem qualquer título que o habilitasse a fazê-lo, ciente de que dele necessitava de estar apetrechado para o exercício dessa actividade e que a sua conduta era proibida e punida por lei. 3. Já foi condenado nos processos nº: a. 823/10.2PCCSC, pela prática, em 17.07.2010 de 2 crimes de roubo, na pena de 8 meses de prisão, substituída por 240 dias de multa, por decisão transitada em julgado em 13.09.2010. b. 871/12.8PULSB, pela prática, em 6.5.2012 de um crime de detenção de arma proibida, na pena de 120 dias de multa, por decisão transitada em julgado em 28.05.2012. c. 515/15.6PLLRS, pela prática, em 13.06.2015 de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, na pena de 160 dias de multa, por sentença transitada em julgado em 3.11.2015. d. ..., pela prática, em 13.2.2017, de um crime de condução em estado de embriaguez, na pena de 80 dias de multa, por sentença transitada em julgado em 15.3.2017. e. ..., pela prática, em 24.08.2016, de um crime de condução em estado de embriaguez, na pena de 70 dias de multa, por sentença transitada em julgado em 24.3.2017. f. ..., pela prática, em 11.06.2017, de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, na pena de 5 meses de prisão, suspensa na sua execução por 1 ano, condicionada ao pagamento de €500,00 aos A..., por sentença transitada em julgado em 01.10.2018. g. ..., pela prática, em 28.5.2017, de um crime de condução em estado de embriaguez, na pena de 120 dias de multa, por sentença transitada em julgado em 8.2.2018. h. ..., pela prática, em 28.8.2018, de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, na pena de 209 dias de multa, por sentença transitada em julgado em 8.10.2018. i. ..., pela prática, em 18.01.2019, de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, na pena de 6 meses de prisão, suspensa na sua execução por 1 ano, condicionada ao cumprimento de 120 horas de trabalho a favor da comunidade, por sentença transitada em julgado em 1.3.2019. j. ..., pela prática, em 3.2.2019, de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, na pena de 4 meses de prisão, suspensa na sua execução por 1 ano, por sentença transitada em julgado em 21.03.2019. k. ..., pela prática, em 20.4.2019, de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, na pena de 1 ano de prisão, suspensa na sua execução por 3 anos, por sentença transitada em julgado em 6.6.2019. l. ..., pela prática, em 29.01.2022, de um crime de condução em estado de embriaguez, na pena de 4 meses de prisão, suspensa na sua execução por 1 ano, por sentença transitada em julgado em 29.02.2024. Factos não provados: Não resultaram quaisquer factos não provados. (…) Feita a qualificação dos factos há que determinar a pena. Estabeleceu o legislador que o crime de condução de automóvel sem habilitação legal é punido com pena até 2 anos de prisão ou multa até 240 dias, conforme o determina o artigo 3º, nº2 do Decreto-lei n.º 2/98, de 3 de Janeiro. Estabelecendo o legislador uma aplicação alternativa da pena de prisão ou da pena de multa há que, em primeiro lugar, escolher a sanção aplicável. Para o efeito, socorremo-nos do preceituado no artigo 70.° do Código Penal, segundo o qual “se ao crime foram aplicáveis, em alternativa, pena privativa e não privativa da liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”. Neste artigo o legislador exprime, de forma clara, a preferência pelas penas não detentivas, na linha do princípio da máxima restrição da pena de prisão, de inspiração constitucional, e que não é alheio ao reconhecimento generalizado, pela moderna criminologia, de que “aquele que cumpre uma pena de prisão é desinserido profissional e familiarmente, sofre o contágio prisional, fica estigmatizado com o labéu de ter estado na prisão e não é compensado, muitas vezes, com efectiva ressocialização.” Nestes termos, só haverá que optar por uma pena de prisão quando tal seja imposto pelos fins das penas, quais sejam “(...)a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade” – cfr. art. 40.º, n.º 1, do C.P. A função da culpa não releva em sede de escolha da pena. São assim finalidades exclusivamente preventivas, de prevenção especial e geral, não finalidades de compensação da culpa, que justificam a preferência por uma ou outra pena. No dizer da Prof. Fernanda Palma: «A protecção de bens jurídicos implica a utilização da pena para dissuadir a prática de crimes pelos cidadãos (prevenção geral negativa), incentivar a convicção de que as normas penais são válidas e eficazes e aprofundar a consciência dos valores jurídicos por parte dos cidadãos (prevenção geral positiva). A protecção de bens jurídicos significa ainda prevenção especial como dissuasão do próprio delinquente potencial. Por outro lado, a reintegração do agente significa a prevenção especial na escolha da pena ou na execução da pena. E, finalmente, a retribuição não é exigida necessariamente pela protecção de bens jurídicos. A pena como censura da vontade ou da decisão contrária ao direito pode ser desnecessária, segundo critérios preventivos especiais, ou ineficaz para a realização da prevenção geral.” No caso, perante a circunstância de ter sido já condenado pela prática de 12 crimes em momento anterior à prática dos factos, dos quais 6 deles respeitam a crime de idêntica natureza, impõe-se concluir que a pena de multa não se mostra adequada a satisfazer as finalidades da punição. Na verdade, não só não se pode entender a pena como capaz de afastar o arguido da prática de novos crimes, pois que não teve essa virtualidade até este momento, como não se pode entender a mesma como capaz de assegurar à sociedade a convicção de que as normas penais devem ser cumpridas. Impõe-se, consequentemente, aplicar pena de prisão.
Importa agora passar à determinação da medida concreta da pena.
Sobre essa operação, diz-nos logo o art. 71º do CP que a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa e das exigências de prevenção, devendo o tribunal atender a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele, circunstâncias essas de que aí se faz uma enumeração exemplificativa e podem relevar pela via da culpa ou da prevenção. À questão de saber de que modo e em que termos actuam a culpa e a prevenção responde o já referido art. 40º, ao estabelecer, no nº 1, que “a aplicação de penas visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade” e, no nº 2, que “em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa”. Assim, a finalidade primária da pena é a de tutela de bens jurídicos e, na medida do possível, de reinserção do agente na comunidade. À culpa cabe um papel limitador, constituindo a sua medida um tecto que não pode ser ultrapassado. Estas regras vêm sendo explicitadas na obra de Figueiredo Dias, podendo afirmar-se na esteira dos seus ensinamentos: A pena tem como finalidade primordial a tutela necessária dos bens jurídico-penais no caso concreto, traduzida na necessidade de tutela da confiança e das expectativas comunitárias na manutenção da vigência da norma violada. Por outras palavras, a aplicação de uma pena visa acima de tudo o “restabelecimento da paz jurídica abalada pelo crime”. Uma tal finalidade identifica-se com a ideia da “prevenção geral positiva ou de integração” e dá “conteúdo ao princípio da necessidade da pena que o art. 18º, nº 2, da CRP consagra de forma paradigmática”. Há uma “medida óptima de tutela dos bens jurídicos e das expectativas comunitárias que a pena se deve propor alcançar”, mas que não fornece ao juiz um quantum exacto de pena, pois “abaixo desse ponto óptimo ideal outros existirão em que aquela tutela é ainda efectiva e consistente e onde portanto a pena concreta aplicada se pode ainda situar sem perda da sua função primordial”. Dentro desta moldura de prevenção geral, ou seja, “entre o ponto óptimo e o ponto ainda comunitariamente suportável de medida da tutela dos bens jurídicos (ou de defesa do ordenamento jurídico)” actuam considerações de prevenção especial, que, em última instância, determinam a medida da pena. A medida da “necessidade de socialização do agente é, em princípio, o critério decisivo das exigências de prevenção especial”, mas, se o agente não se “revelar carente de socialização”, tudo se resumirá, em termos de prevenção especial, em “conferir à pena uma função de suficiente advertência” (Direito Penal, Parte Geral, Tomo I, 2007, páginas, 79 a 82). Noutra obra, sintetizando estes ensinamentos, o mesmo autor escreveu: “(...) o modelo de determinação da medida da pena que melhor combina os critérios da culpa e da prevenção é “aquele que comete à culpa a função (única, mas nem por isso menos decisiva) de determinar o limite máximo e inultrapassável da pena; à prevenção geral (de integração) a função de fornecer uma «moldura de prevenção», cujo limite mínimo é fornecido pelas exigências irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico; e à prevenção especial a função de encontrar o quantum exacto de pena, dentro da referida «moldura de prevenção», que melhor sirva as exigências de socialização (ou, em casos particulares, de advertência ou de segurança) do delinquente” (Revista Portuguesa de Ciência Criminal, Ano 3, Abril – Dezembro 1993, páginas 186 e 187). No caso, tem de ter-se em consideração que o arguido actuou com dolo directo, o qual integra a modalidade mais intensa de dolo, tendo conhecimento de todos os elementos integrantes do tipo e actuado de forma voluntária e consciente. A culpa e a ilicitude são medianas para este tipo de crime, não havendo a prova de factos que especialmente as agravem ou diminuam. Há que notar, todavia, que não se provou que o arguido tenha criado com a sua conduta qualquer situação de perigo concreto. As exigências de prevenção especial são muito elevadas, sendo que o arguido vem cometendo crimes desde 2010, de forma sistemática, evidenciando uma total ausência de crítica e indiferença pela ordem jurídica e bem jurídico especificamente protegido pelo tipo de crime pelo qual agora é condenado, considerando que é a 7ª vez que por ele se mostra a ser julgado e condenado, não se podendo lançar mão de qualquer argumento para concluir que o mesmo pretende alterar comportamentos. O elevado número de condenações que se proferem diariamente nos Tribunais Portugueses pela prática deste crime alargam a moldura da prevenção geral. Na verdade, olhandose ao Relatório Anual de Segurança Interna do ano de 2023, é possível verificar-se que este é o 9º tipo de crime mais participado no país. Para isto também não deixa de ser relevante a personalidade desviante que arguido evidencia, pois que a sociedade sente especial alarme perante indivíduos que ignoram de forma repetida o ordenamento jurídico, devendo a pena ser capaz de restaurar a segurança da sociedade no cumprimento do mesmo. Em face do exposto, entende o tribunal adequada a fixação de uma pena de: - 1 ano de prisão. Concluindo-se pela aplicação de uma pena de prisão, há que decidir se a mesma deve ser substituída. Como refere Jorge de Figueiredo Dias em Direito Penal Português – As consequências jurídicas do crime, a pg. 327 “Todo o tema da escolha da pena se reconduz, tanto em perspectiva histórica como político-criminal, ao movimento de luta contra a pena de prisão: é este o movimento que constitui o denominador comum de qualquer das mostrações em que o tema da escolha da pena se desdobra.”. acrescenta mais à frente que é divisável um critério geral de escolha e substituição da pena: “Um tal critério é, em toda a sua simplicidade, o seguinte: o tribunal deve preferir à pena privativa da liberdade uma pena alternativa ou de substituição sempre que, verificados os respectivos pressupostos de aplicação, a pena alternativa ou a de substituição se revelem adequadas e suficientes à realização das finalidades da punição. O que vale logo por dizer que são finalidades exclusivamente preventivas, de prevenção geral e de prevenção especial, não finalidades de compensação da culpa, que justificam (e impõem) a preferência por uma pena alternativa ou por uma pena de substituição e a sua efectiva aplicação.” Ora, considerando-se que nunca a aplicação de uma pena alternativa ou de substituição desconsidera as exigências de prevenção especial, forçosamente, perante os elementos que se apresentam no caso concreto, tem de concluir-se não ser possível fazer-se um qualquer juízo de prognose favorável no sentido de concluir que uma qualquer pena de substituição satisfará as exigências de prevenção especial ou geral que o caso reclama. Na verdade, os antecedentes criminais do arguido demonstram a perigosidade e previsibilidade de o arguido cometer novos crimes, deles resultando, à saciedade, de que o mesmo se não tem qualquer auto censura ou sentido crítico que o sejam capazes de demover da prática de factos ilícitos. O arguido iniciou o cometimento de crimes em 2010, sendo que, desde então, vem cometendo e sendo condenado por crimes de forma recorrente. Não obstante as várias oportunidades que lhe foram sendo dadas, o arguido não as aproveitou, renovando a prática de condutas criminalmente desvaliosas mesmo depois de aplicadas penas de substituição de penas de prisão, ignorando as advertências que encerram cada uma das respectivas sentenças condenatórias. O arguido não mostra qualquer tipo de estabilidade que se possa apresentar como uma sustentação para um qualquer juízo de prognose favorável. A prevenção especial é, pois, elevadíssima. Por outro lado, a conduta actual do arguido aumenta também as exigências de prevenção geral. Com efeito, a sociedade sente insegurança perante condutas tão temerárias, não se vendo que uma qualquer pena de substituição seja capaz de criar na comunidade o necessário sentimento de segurança e confiança no cumprimento da norma. E, reforçando-se o que já se disse, não se vê também que ao nível da prevenção especial exista uma qualquer pena de substituição capaz de chamar o arguido de novo ao cumprimento das normas jurídicas. É certo que o artigo 43º do Código Penal determina que a pena de prisão efectiva não superior a dois anos é executada em regime de permanência na habitação, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância: “Sempre que o tribunal concluir que por este meio se realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da execução da pena de prisão e o condenado nisso consentir”. Não obstante, o tribunal que as exigências de prevenção especial, conforme já analisado, afastam a aplicação desta forma de cumprimento da pena de prisão, sendo ainda que não foi, sequer possível, concluir-se pela verificação dos pressupostos formais para aplicação desta pena de substituição, pois que o arguido faltou à entrevista agendada pela DGRSP, assim inviabilizando a realização da informação prévia a que respeita ao artigo 7º, nº2 da Lei 33/2010 de 2 de Setembro, o que, por si só, é um indicador da indiferença pelo ordenamento jurídico e desinteresse pela sua situação processual, o que inviabiliza a conclusão de que as exigências de prevenção se satisfariam com a aplicação desta pena de substituição. Assim, entende o tribunal que a pena de prisão aplicada ao arguido não deve ser substituída. (…)
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III.2
Da adequação da suspensão da execução da pena de prisão.
Alega o recorrente que: (…) In casu, a não suspensão da pena concreta aplicada pelo tribunal “a quo” não pode ser mantida, dado que não foram considerados os fatores que se deviam ter em conta para a quantificar, nomeadamente, a inexistência de relatório social do arguido por forma a determinar as suas atuais condições de vida sócio económicas. (…) No que diz respeito às exigências de prevenção geral, entende o tribunal “a quo” serem significativas. E quanto às exigências de prevenção especial considera serem elevadas, apesar de nosso entender não as fundamentar devidamente, levando em linha de conta, exclusivamente, os antecedentes criminais do arguido, não considerando os restantes elementos indicadores do grau de prevenção. Por último, no que toca à suspensão da pena de prisão, dúvidas não podem existir quanto ao preenchimento do pressuposto formal, ainda que, considerando o certificado de registo criminal do arguido, pelo que, resulta que o Recorrente não teve qualquer intervenção após no mesmo tipo de crime desde o ano de 2019. (…) In casu, entende que o Tribunal “a quo” que no caso, perante a circunstância de ter sido já condenado pela prática de 12 crimes em momento anterior à prática dos factos, dos quais 6 deles respeitam a crime de idêntica natureza, impõe-se concluir que a pena de prisão sem a sua suspensão na sua execução, não se mostra adequada ou justa de forma a satisfazer as finalidades da punição. Na verdade, não só não se pode entender a não suspensão da pena como incapaz de afastar o arguido da prática de novos crimes, pois que não teve essa virtualidade até este momento, como não se pode entender que apenas o cumprimento da pena de um ano de prisão resulta como capaz de assegurar à sociedade a convicção de que as normas penais devem ser cumpridas. Impõe-se, consequentemente, aplicar a suspensão da execução da pena de um ano de prisão. Na verdade, a sentença em crise resulta exclusivamente do registo criminal junto aos autos, sendo certo que o Tribunal “a quo” sobrevalorizou sem mais o certificado de registo criminal, que embora extenso, apenas tinha a última condenação sobre o mesmo tipo de crime em data há muito decorrido (2019) face ao presente julgamento, o que sempre deveria ter sido considerado na medida da pena e considerado em termos de suspensão da sua execução. Acontece que, perante tal situação, o Tribunal “a quo” decidiu apenas ter em consideração o registo criminal daquele, fazendo tábua rasa de todos os outros elementos. Sempre se dirá que a suspensão ou não da execução da pena de prisão não traduz um poder discricionário do Tribunal, na medida em que tem que fundamentar quer a sua concessão, quer a sua denegação, de acordo com o art.50º/4 C.P. Neste sentido, a fundamentação do Tribunal a quo também nesta matéria foi insuficiente e inadequada, pois da sentença recorrida resulta sobretudo uma referência ao registo criminal do arguido e não uma verdadeira fundamentação, baseada na avaliação de todos os elementos disponíveis e relevantes no processo. (…)
Apreciando a pretensão recursória.
O art.º 50.º do C.P. determina que o Tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a 5 anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior ou posterior ao facto e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
Para além da medida concreta da pena de prisão aplicada (que não pode ser superior a 5 anos), é pressuposto material da suspensão da execução da pena de prisão a formulação de um juízo de prognose favorável, relativamente ao comportamento futuro do arguido, no sentido de, quanto a ele, a simples censura do facto e a ameaça da prisão se mostrará adequada a dissuadi-lo da prática de crimes.
Assim, os pressupostos subjetivos de que depende a suspensão da execução são determinados pelas finalidades político-criminais das penas e pela possibilidade de se poder aquilatar, com conclusão afirmativa, da capacidade de o arguido se afastar, no futuro, da prática de novos crimes e, por esta via, alcançar a (re)socialização em liberdade, sem ingressar em meio carcerário.
São assim sobretudo razões de prevenção especial (e não considerações de culpa) as que estão na base do instituto da suspensão, assentando o referido juízo de prognose favorável na análise das circunstâncias do caso, em correlação com a personalidade do agente.
Como se refere no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 09/01/2002, [processo n.º 3026/01, Rel. Franco de Sá, inwww.dgsi.pt], a suspensão da pena é uma medida penal de conteúdo pedagógico e reeducativo que pressupõe uma relação de confiança entre o tribunal e o arguido condenado. Na base de uma decisão de suspender a execução de uma pena está sempre uma prognose social favorável ao agente, baseada num risco prudencial.
A suspensão da pena tem, pois, um sentido pedagógico e reeducativo, norteado, por sua vez, pelo desiderato de afastar o delinquente - tendo em conta as concretas condições do caso – da ulterior prática de crimes, assentando o juízo de prognose, não numa absoluta certeza, mas numa esperança fundada de que a socialização em liberdade seja alcançada, importando sempre um risco para o julgador calculado a partir dos elementos de facto a que tem acesso [vd. Figueiredo Dias, in Direito Penal Português, Parte geral II, As Consequências Jurídicas do Crime, Editorial Notícias, 1993 pág. 344].
Porém, só haverá lugar à suspensão da execução da pena de prisão desde que, obviamente, a tal não se oponham as exigências de prevenção geral sendo que, atento o crime concretamente praticado, as mesmas, em Portugal, são fortíssimas e prementes, como se deixou claro na decisão recorrida e as estatísticas demonstram.
Do acabado de referir não deflui que, na ponderação da possibilidade de suspensão, estejam em causa considerações de culpa. Apenas se expressa que aquele juízo poderá sofrer limitações porquanto, a par de considerações de prevenção especial coexistem considerações de prevenção geral que tornarão a suspensão da execução da pena de prisão admissível apenas quando (também) não coloque em causa a necessária tutela dos bens jurídicos e o sentimento de reprovação social do crime.
Em todas as hipóteses, porém, acrescenta-se que a questão jurídica subjacente à suscetibilidade e adequação da pena de substituição em causa não pode consistir num mero juízo conclusivo, mas, antes, deverá ser a decorrência de uma sólida fundação factual de suporte, escorada nos factos provados que, no final da exegese, permita definir se a efetividade da prisão é, ou não, reclamada pela necessidade de assegurar as finalidades da punição ou se, ao invés, estas podem ser suficientemente acomodadas com a suspensão da execução da pena, eventualmente com o reforço readaptativo proporcionado pelo estabelecimento de determinadas condições ou a sujeição a regime de prova.
Tecidas estas considerações genéricas e regressando ao caso sub judice.
Vista a decisão recorrida e sendo pacífico que se encontra verificado o requisito formal de a pena aplicada ser inferior a 5 anos, vejamos se existem razões objetivas, assentes em factos provados, que permitam sustentar o juízo de prognose favorável que é pressuposto da suspensão pretendida pelo recorrente.
Em nosso entender é evidente que não.
Em tese geral e considerado o crime praticado, é o próprio legislador que, prevendo a aplicabilidade, em alternativa, de pena privativa e não privativa da liberdade e considerando o estatuído no art.º 70.º do C.P., considera, em princípio, adequada, como reação punitiva, a pena de multa.
Não obstante, laboramos, aqui e agora, no plano concreto.
Em jeito introdutório dir-se-á que a sindicância do decidido não se efetivará como se inexistisse decisão recorrida ou como se este Tribunal da Relação se predispusesse a aplicar a pena pela primeira vez ou nesta medida equacionar a aplicabilidade da pena de substituição pretendida. Ademais, note-se que o tribunal de recurso deve intervir na alteração da pena concreta [aqui se incluindo da adequação de penas de substituição], apenas quando se justifique uma alteração minimamente substancial, isto é, quando se torne evidente que foi aplicada sem fundamento, com desvios aos citérios legalmente apontados [cfr. acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 18.03.2015, proc. 109/14.3GATBU.C1, Rel. Inácio Monteiro, consultado em www.dgsi.pt].
Efetivamente e tendo existido, a montante, um julgamento – com contraditório pleno, oralidade e imediação – e uma atividade jurisdicional de fixação concreta da pena no culminar daquela audiência, na dependência do Tribunal ad quem não estará a realização de nova e originária determinação da pena e eventuais medidas substitutivas mas, tão só, a sindicância do quantum da pena e a sua natureza, seguindo e tendo por referencial os critérios utilizados pelo Tribunal a quo, respetiva motivação, escrutinando a eventual existência de falhas ou omissões, exercendo a sua função corretiva se o resultado da operação se revelar ilegal ou manifestamente desadequado.
Prosseguindo na análise.
Como referem Vítor Sá Pereira e Alexandre Lafayette [Código Penal anotado e comentado, pág. 178] não há um dever de suspender, como parece depreender-se das alegações do recorrente, mas sim um poder vinculado de decretar (ou não) a suspensão, conquanto, claro está, estejam reunidos os necessários pressupostos formais e materiais já analisados supra. Se assim for, deverá o Tribunal suspender a execução da pena de prisão, conhecida a aposta do legislador na prisão como medida de ultima ratio e a preferência pela ressocialização em liberdade, sendo que a finalidade político-criminal que a lei visa alcançar é a prevenção da reincidência (que a simples ameaça do cumprimento da pena de prisão seja suficiente para o afastamento da práticas ulterior de crimes), sem ingresso em meio carcerário, desde que a tal não se oponham as exigências mínimas e irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico.
Considerado, então, o requisito material para a suspensão, existirão elementos que permitam a formulação de um juízo prudente de que, por aquela via, se prognostique o cumprimento das finalidades da punição?
Para formulação de um tal juízo não bastará a consideração, ou só da personalidade, ou só das circunstâncias do facto, devendo atender-se, também, às condições de vida do agente e à sua conduta anterior e posterior ao facto e assim, apoiadamente, prognosticar o comportamento futuro.
No caso em apreço, na operação, verbera o recorrente a circunstância de apenas se ter atendido ao percurso desenhado pelos seus antecedentes criminais, postergando qualquer consideração quanto às condições pessoais do agente.
Se assim fosse, se as premissas do raciocínio fossem exatas, poderia assistir-lhe razão.
Efetivamente, ao proferir decisão condenatória com omissão de factos relevantes para a determinação da sanção – como são os relativos à pessoa do condenado - ficaria a sentença em crise ferida do vício de insuficiência da matéria de facto provada, previsto no art.º 410.º, n.º 2, al. a) do C.P.P., com as consequências previstas no art.º 426.º, n.º 1 do C.P.P.
Na verdade, a ausência, ou insuficiência, de elementos sobre as condições pessoais e económicas do arguido e apreciativos da sua personalidade, a refletir na matéria de facto, constitui um engulho à boa decisão da causa e um desvirtuamento da função judicial de averiguação oficiosa da verdade, essencialmente no que respeita à tarefa de determinação da sanção a aplicar e da cogitação sobre a viabilidade da pretendida suspensão. A verificar-se, configuraria, não uma nulidade mas, antes, o vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, previsto no art.º 410.º, n.º 2, al. a) do C.P.P.
Em qualquer dos casos sempre se adiantará que tal vício apenas ocorre se e quando o tribunal se demite do seu dever de averiguação de tais elementos fácticos.
Se assim não for e se o Tribunal, a montante, tentar obter tais informações e estas não se desvelem por razões externas e desligadas do dito dever de averiguação, aquele vício não ocorrerá.
A prevenção especial ou de ressocialização, a considerar na tarefa vinculada de individualização da pena e suscetibilidade de substituição, tem (também) em consideração a finalidade de reintegração do agente na sociedade, evitando a sua dessocialização, retendo, para tanto, variáveis atinentes à conduta do agente, à sua idade, vida familiar e profissional, entre outras, elementos para a dilucidação dos quais o relatório social, notado em falta, se mostraria relevante. In casu, não constam da matéria de facto provada na sentença aqueles elementos atinentes ao recorrente, surgindo, apenas, a discriminação dos seus antecedentes criminais.
Vigorando na vertente adjetiva um sistema mitigado de césure, dispõe o art.º 368.º do C.P.P. que, decidida a questão da culpabilidade, o Tribunal deve prosseguir com a questão da determinação da sanção, em consonância com o estatuído nos art.ºs 369.º a 371.º daquele diploma, tarefa onde se inclui, sempre que necessário, a realização de inquérito e elaboração de relatório social e/ou a reabertura da audiência para produção de prova suplementar pertinente para a questão da determinação da sanção, ainda que, na prática judiciária, essa tarefa se inclua, ainda, no decurso da audiência.
Como refere Oliveira Mendes a propósito do estatuído no art.º 370.º do C.P.P. [cfr. Código de Processo Penal Comentado, 3ª Edição Revista, 2021, Almedina, comentário 2 ao artigo 370º, pág. 1126, citado no acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 22.01.2025, proc. n.º 494/22.3GBCNT.C1, Rel. Isabel Gaio Ferreira de Castro, disponível em www.dgsi.pt, aresto que aqui seguimos de perto]C:\Users\fj52121\Downloads\IGC-insufic.facto-reenvio-competencia-generated.docx - _ftn10«A redação do n.º 1 inculca a ideia de que a requisição do relatório social ou da informação dos serviços de reinserção social não é obrigatória (…). Só assim será, porém, quando não sejam essenciais. Caso contrário, ou seja, caso se mostrem necessários à correta determinação da sanção que possa vir a ser aplicada, é evidente que a sua requisição, ao contrário do que a letra da lei inculca, torna-se obrigatória. É que sendo necessários à correta determinação da sanção, ou seja, à boa decisão da causa, conforme impõe o n.º 1 do artigo 340º, sobre o Tribunal recai o poder/dever de, oficiosamente, ordenar a sua elaboração.».
Do exposto resulta que a imprescindibilidade da predita requisição dependerá, casuisticamente, do tipo de crimes em apreciação, do percurso pregresso do arguido conhecido e a valorar e dos elementos adquiridos nos autos sobre o agente, designadamente através de prova documental e testemunhal.
No caso que nos ocupa, como já se disse, verbera o arguido a ausência de elementos sobre as suas condições pessoais, imputando ao Tribunal uma atitude passiva, omissiva, a defluir, no que se extrai do alegado, numa putativa insuficiência dos factos para a decisão.
Não tem, no entanto, qualquer razão e omite, nas alegações, factos que bem conhece ou deveria conhecer.
É que, não obstante o facto de - ele próprio – injustificadamente, não ter comparecido em audiência, privando o Tribunal dessa fonte originária de conhecimento, pelo menos quanto às suas condições pessoais, a verdade é que o Tribunal, conforme ofício de 09.12.2024 (Ref.ª 466592931), tentou obter, junto da D.G.R.S.P. (designadamente para efeitos do disposto no art.º 7.º, n.º 2, da Lei 33/2010, de 2 de setembro), informações sobre a situação pessoal, familiar, laboral e social do arguido.
Por ofício de 18.12.2024 (Ref.ª 41058633) a D.G.R.S.P. comunicou que “(…) vimos pelo presente comunicar que ainda não foi possível dar resposta ao solicitado, pelo facto de esta EqVE se encontrar a efetuar as diligências inerentes à recolha de elementos para a realização daquele documento de assessoria técnica. Contudo, até ao momento, não foi possível estabelecer contacto telefónico com o arguido, motivo pelo qual o mesmo foi convocado, por via postal para a morada dos autos, para comparecer nestes serviços no dia 18-12-2024, pelas 10:00h, tendo o mesmo faltado sem justificação ou aviso prévio. Face ao exposto, e com vista à elaboração do documento solicitado, sugere-se que o tribunal notifique o arguido através dos mandatários ou competentes OPC, para que o mesmo contacte a DGRSP através do ... ou do email ..........@..... (…)”.
O arguido não compareceu (também) na data agendada para a continuação da audiência de julgamento nem havia sido requerida a sua audição, nos termos do art.º 333.º, n.º 3, do C.P.P..
Serve o exposto para dizer, como se adiantou introdutoriamente, que não se verifica vício algum quando a insuficiência da matéria de facto, resultando a ausência dos elementos apontados em falta do comportamento contumaz e relapso do próprio recorrente.
Tem sido entendimento consistente e largamente maioritário na jurisprudência que a ausência, ou insuficiência, de elementos sobre as condições pessoais e económicas do agente e da sua personalidade na matéria de facto apurada na decisão final, indispensáveis à boa decisão da causa no tocante à determinação da sanção, configura o vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, previsto no art.º 410.º, n.º 2, al. a), do C.P.P., mas apenas e tão só quando o Tribunal se demita do supra identificado dever de averiguação.
Ora, no caso, como se viu, o Tribunal diligenciou pela obtenção de tais elementos, cuja consecução se tornou inviável pela conduta omissiva do arguido.
Destarte, para caracterizar a personalidade do arguido e da possibilidade de formulação do necessário juízo de prognose favorável referente à adequação da pretendida suspensão, interessa aferir o seu passado conhecido, das circunstâncias que caracterizaram a prática do crime e do seu comportamento posterior conhecido.
Ora, no âmbito do Proc. 823/10.2PCCSC, pela prática, em 17.07.2010 de 2 crimes de roubo, foi o recorrente condenado na pena de 8 meses de prisão, substituída por 240 dias de multa, por decisão transitada em julgado em 13.09.2010.
A prevalecerem os efeitos da pena e a pressuposta sensibilidade do recorrente à mesma, revertendo o seu comportamento, este não cometeria mais crimes, adotando a sua conduta à observância das normas de convivência social.
Não foi o que sucedeu.
No âmbito do Proc. 871/12.8PULSB, alcança-se que, em 6.5.2012, o recorrente praticou um crime de detenção de arma proibida, tendo por isso sido condenado na pena de 120 dias de multa, por decisão transitada em julgado em 28.05.2012.
Mais uma vez se esperava uma normalização de comportamentos, em consonância com a advertência sofrida e as finalidades das penas.
No entanto, conforme se extrai do sucedido no Proc. 515/15.6PLLRS, em 13.06.2015, o recorrente praticou um crime de condução de veículo sem habilitação legal, tendo sido condenado na pena de 160 dias de multa, por sentença transitada em julgado em 3.11.2015.
Mas não foi suficiente.
No âmbito do Proc. ..., verifica-se que, em 13.2.2017, o recorrente praticou novo crime de condução em estado de embriaguez, tendo sido condenado em nova pena de multa, no caso 80 dias, por sentença transitada em julgado em 15.3.2017.
No âmbito do Proc. ..., constata-se, também, que já em 24.08.2016 praticara um crime de condução em estado de embriaguez, pelo qual foi condenado na pena de 70 dias de multa, por sentença transitada em julgado em 24.3.2017.
Mas não atalhou caminho.
No Proc. ..., sofreu nova condenação pois, em 11.06.2017, cerca de 2 meses após o trânsito das duas últimas condenações referidas, o arguido praticou novo crime de condução de veículo sem habilitação legal. Nessa altura, face à manifesta insensibilidade do recorrente à pena de multa, foi-lhe aplicada uma pena de 5 meses de prisão, suspensa na sua execução por 1 ano, por sentença transitada em julgado em 01.10.2018.
Entretanto, constata-se (Proc. ...) que o arguido, anteriormente, em 28.5.2017, já havia praticado um crime de condução em estado de embriaguez, pelo que foi condenado na pena de 120 dias de multa, por sentença transitada em julgado em 8.2.2018.
E a suspensão da execução da pena, agora pretendida, de que beneficiou por decisão transitada em julgado em 01.10.2018, produziu os efeitos almejados?
No Proc. ..., pela prática, em 28.8.2018, de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, foi condenado na pena de 209 dias de multa.
No Proc. ..., pela prática, em 18.01.2019, de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, isto é, em pleno período de suspensão, foi condenado na pena de 6 meses de prisão, suspensa na sua execução por 1 ano, por sentença transitada em julgado em 1.3.2019.
Já em 3.2.2019, no decurso da primeira suspensão de que beneficiou, no Proc. ..., praticou novo crime de condução de veículo sem habilitação legal, tendo sido condenado na pena de 4 meses de prisão, suspensa na sua execução por 1 ano, por sentença transitada em julgado em 21.03.2019.
Novamente, em 20.04.2019, menos de um mês após beneficiar de nova suspensão, no Proc. ..., foi o recorrente condenado pela prática de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, na pena de 1 ano de prisão, suspensa na sua execução por 3 anos, por sentença transitada em julgado em 6.6.2019.
No decurso desta “nova” suspensão, agora no dia 29.01.2022, no Proc. ..., o recorrente praticou outro crime de condução em estado de embriaguez pelo qual foi condenado na pena de 4 meses de prisão, suspensa na sua execução por 1 ano, por sentença transitada em julgado em 29.02.2024.
No âmbito dos presentes autos, concretamente no dia 18 de novembro de 2023, o arguido praticou os factos em discussão.
Que retirar deste percurso?
O recorrente, pura e simplesmente, nunca alterou os seus comportamentos, nunca se preocupou em alterar as reiteradas condutas violadoras de tipos legais criminais nem se absteve de continuar a praticar crimes, incluindo da mesma natureza, pelo facto de ter sido condenado em penas de prisão suspensas na sua execução.
Aliás, salvo o devido respeito, nem se compreende a alegação de que, desde a última condenação, nenhuma outra ocorreu. Se após a condenação transitada em 29.02.2024 não praticou novos crimes não observou mais do que a sua obrigação, enquanto cidadão, sendo o hiato entretanto decorrido, note-se, residual e insignificante.
O Tribunal, o Estado e a comunidade, através do primeiro, ensaiaram todas as reações punitivas: - pena de multa e pena de prisão, suspensa na sua execução. O condenado, devidamente advertido, continuou, consecutivamente, a praticar crimes.
Nesta medida, a conclusão, perante o comportamento pregresso, é assumir, logicamente, que as penas anteriores não produziram efeito, que o juízo prognostico de sucesso é inviável e que a única resposta reativa é a prisão, perante as fortíssimas exigências de prevenção especial e a necessidade de defesa da comunidade.
Deste relato, e sem chamar à colação circunstâncias atinentes à culpa, temos por demonstrado que o recorrente vem denotando uma ostensiva e completa indiferença para com os efeitos das condenações anteriores, sendo notória a sua incapacidade para responder positivamente ao que era expetável no âmbito das suspensões das execuções das penas de que beneficiou.
Estas circunstâncias, ligadas ao comportamento do arguido e à sua personalidade nele manifestada, é para nós – como foi para o Tribunal a quo – preditora do insucesso de nova medida de suspensão da execução da pena que o recorrente proclama.
A capacidade de merecer a vulgarmente denominada oportunidade e o acerto da pretendida suspensão da execução, louvam-se na atuação do arguido, no seu comportamento, em sentido favorável e que terá de revelar-se através de atos concretos.
Em sinopse, perante a reiterada conduta criminal do recorrente, a suspensão da execução da pena pretendida seria, tão só, um ato de fé avalizado pelo Tribunal, sem qualquer pecúlio de confiança aportado por aquele que o sustente, contrário a toda a conduta anterior demonstrativa da insensibilidade à suspensão e seria encarada, pelo recorrente, como um prémio sem investimento ou razão e, aos olhos da comunidade, um pouco mais do que uma absolvição.
Assim, e porque a suspensão da execução da pena, embora não seja isenta de riscos de insucesso, implica, necessariamente, que esse risco seja prudencial, por forma a que o Tribunal possa considerar que atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior ou posterior ao facto e às circunstâncias deste, a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição no caso, esses fatores de ponderação, por tudo o que dissemos, comprometem tal prognóstico favorável e implicam a não suspensão da execução da pena de prisão aplicada, como foi decidido e não merece censura.
Sendo a pena fixada em 1 ano de prisão e tendo em conta o estatuído no art.º 43.º do C.P., haveria que equacionar a possibilidade de aplicação do regime de permanência na habitação, desde que obtida a aquiescência do arguido e estivessem reunidos os demais pressupostos técnicos e a medida fosse julgada adequada e suficiente à realização das finalidades da punição. A aplicação do regime em causa foi equacionada.
Contudo, o arguido, nem possibilitou a realização do necessário relatório, nem a autorizou, razão pela qual se entendeu – e bem – que esta medida não era adequada.
*
IV.
Decisão:
Por todo o exposto, acordam os Juízes Desembargadores que compõem a 1ª Secção deste Tribunal da Relação do Porto em negar provimento ao recurso interposto pelo arguido AA, confirmando totalmente a decisão recorrida.
*
Custas pelo recorrente, fixando a taxa de justiça em 3 UC (art.º 513.º, n.º 1, do C.P.P. e art.º 8.º, n.º 9, do R.C.P., com referência à Tabela III).
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Porto, 11 de junho de 2025
José Quaresma
Paulo Costa
Luís Coimbra