IMPUGNAÇÃO DO JULGAMENTO DA MATÉRIA DE FACTO
OFENSA À INTEGRIDADE FÍSICA QUALIFICADA
ESPECIAL CENSURALIDADE E PERVERSIDADE
ARTIGO 132.º DO CÓD. PENAL
SILÊNCIO DO ARGUIDO EM JULGAMENTO
Sumário

I - O exercício de impugnação ampla do julgamento da matéria de facto nos termos do artigo 412º/3/4 do Cód. de Processo Penal, mostra–se à partida condicionado numa dupla perspectiva :
– por um lado, qualquer factualidade a ponderar por via recursória deverá, necessária e imprescindivelmente, ter sido apresentada ao julgador de primeira instância para que o mesmo sobre ela haja tido possibilidade de decidir (considerando-a ou não), pois só assim se respeitarão os limites da função de mera sindicância de decisão anterior que cabe a esta instância de recurso,
– por outro lado, essa mesma alteração da factualidade deve obedecer a um critério de absoluta relevância para decisão da causa, estando votada ao insucesso sequer qualquer discussão sobre aspectos que não o respeitem.
II - Resultando da matéria de facto provada que o disparo da arma empunhada por um dos ofendidos, e que atingiu a perna de um dos arguidos, foi acidental, e que aquele não representava perigo para os arguidos (tendo inclusive de imediato deixado cair a arma, que foi recolhida por um terceiro e levada do local), não existe qualquer situação de agressão actual e ilícita que legitimasse a necessidade de algum dos arguidos a repelir, agredindo conjuntamente os ofendidos, não configurando, assim, esta sua actuação uma situação de legítima defesa.
III - Sendo certo que, ainda que, por mera hipótese, tal situação de perigo actual resultasse demonstrado – e, realce–se, não resulta –, jamais poderia legitimar o espancamento a que cada um dos ofendidos foi submetido, mesmo já depois de estar em situação de quase inconsciência, pois tal sempre excederia manifesta e larguissimamente qualquer configuração de uma tal actuação enquanto mero expediente defensivo.
IV - Age animado pelo «prazer de … causar sofrimento» à pessoa de cada um dos ofendidos, nos termos e para os efeitos do disposto na alínea e) do artigo 132º/2 do Cód. Penal, quem continua a desferir murros e pontapés em várias partes do corpo daqueles, designadamente na zona da cabeça, mesmo após eles deixarem de esboçar qualquer reacção e aparentarem estar já inconscientes, apenas cessando o seu comportamento quando várias pessoas acorreram ao local para lhes prestar auxílio – não se vislumbrando que outra motivação poderia animar o arguido que não o de procurar causar nos mesmos ofendidos a maior quantidade, gravidade e intensidade de lesões possível.
V - O índice–padrão de especial censurabilidade e perversidade previsto na alínea h) do art. 132º/2 do Cód. Penal – a actuação ser levada a cabo pelo agente «juntamente com, pelo menos, mais duas pessoas» – não exige que essa actuação se traduza numa situação de superioridade numérica relativamente à(s) vítima(s).
VI - Em bom rigor, o número de ofendidos até pode ser superior ao dos agentes dos factos – tudo está em que, face às concretas circunstâncias do caso, essa actuação conjunta se revele especialmente apta, nomeadamente pelas diversas características pessoais de agressores e ofendidos, a limitar de forma drástica a capacidade de estes últimos se lhe oporem e, correspondentemente, exacerbar a possibilidade de ser causado o resultado típico danoso em causa.
VII - Nesta perspectiva, não deixa de revestir pertinência a circunstância de um dos arguidos ser praticante e professor de boxe, tendo combatido profissionalmente, e em consequência dessa actividade ser frequentemente chamado para exercer segurança em espaços de diversão nocturna, e de outro arguido se dedicar também à modalidade de boxe.
VIII - Se o exercício do direito ao silêncio por parte do arguido em audiência de julgamento em nada o pode prejudicar, quer em sede de apreciação da prova, quer na vertente da determinação punitiva, a verdade é que, na ponderação sobre as exigências de prevenção especial e sobre a viabilidade de efectuar um juízo de prognose favorável que permita sobrepôr–se ao risco de reiteração criminosa, tal inviabiliza a consideração das usuais atenuantes ligadas à confissão, arrependimento ou desenvolvimento de consciência critica em relação aos actos que empreendeu.

Texto Integral

Processo nº 452/22.8GBPRD.P1 Referência: 19486956

Tribunal de origem: Juízo Local Criminal de Paredes, Juiz 2

Acordam em conferência os Juízes da 1ª Secção do Tribunal da Relação do Porto:

I. RELATÓRIO

No âmbito do processo comum (tribunal singular) nº 452/22.8GBPRD que corre termos no Juízo Local Criminal de Paredes – Juiz 2, em 03/12/2024 foi proferida Sentença, cujo dispositivo é do seguinte teor:

«V – Decisão

Em face do exposto, e sem outras considerações, decido

a) Julgar extinto o procedimento criminal contra o arguido AA pelos factos susceptíveis de integrarem a prática de um crime de ofensas à integridade fisica negligente p.p. pelo artº 148 nº 1 do CP. por falta de legitimidade do Ministério Público para a acção penal, nos termos dos artigos 49º do C.P.P. e 148º, nº 4 do Código Penal

b) Condenar o arguido AA pela prática de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo artigo 86.º, n.º 1, al. c) da Lei n.º 5/2006, de 23 de fevereiro na pena de 1 (um) ano e 3 (três) meses de prisão suspensa na sua execução por um periodo de 1 (um) ano e 3 (três) meses nos termos do disposto no art. 50º, nº 1 do Cód. Penal e sem prejuízo do disposto no artº 3º nº 1 da Lei 38-A/2023, de 2 de Agosto caso a suspensão venha a ser revogada.

c) Condenar o arguido BB pela prática, em co-autoria de dois crime de ofensa à integridade física qualificada, p. e p. pelos artigos 143.º, nº1 e 145, n.º 1 al. a) com referencia ao artigo 132.º, n.º 2 alínea h), na pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão por cada crime.

Em cúmulo Jurídico, nos termos do disposto no artigo 77.º do Código Penal, condenar o arguido na pena única de 2 (dois) anos de prisão suspensa na sua execução por um periodo de 2 (dois) anos nos termos do disposto no art. 50º, nº 1 do Cód. Penal, sem prejuízo do disposto no artº 3º nº 1 da Lei 38-A/2023, de 2 de Agosto caso a suspensão venha a ser revogada.

d) Condenar o arguido CC pela prática, em co-autoria de dois crime de ofensa à integridade física qualificada, p. e p. pelos artigos 143.º, nº1 e 145, n.º 1 al. a) com referencia ao artigo 132.º, n.º 2 alínea h), na pena de 1 (um) ano de prisão por cada crime.

Em cúmulo Jurídico, nos termos do disposto no artigo 77.º do Código Penal, condenar o arguido na pena única de 1 (um) ano e 4 (quatro) meses de prisão suspensa na sua execução por um periodo de 1 (um) ano e 4 (quatro) meses nos termos do disposto no art. 50º, nº 1 do Cód. Penal, sem prejuízo do disposto no artº 3º nº 1 da Lei 38-A/2023, de 2 de Agosto caso a suspensão venha a ser revogada.

e) Condenar o arguido DD

- pela prática de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo artigo 86.º, n.º 1, al. c) e d) da Lei n.º 5/2006, de 23 de fevereiro na pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão e

- pela prática de dois crime de crimes de ofensa à integridade física qualificada, p. e p. pelo artigo 145.º, n.º 1, al. a) do Código Penal, por referência aos artigos 143.º, n.º 1 e 132.º, n.ºs 1 e 2, al. e) e h) do mesmo diploma legal na pena de pena de 1 (um) ano e 6 (seis ) meses de prisão para cada um dos crimes.

Em cúmulo Jurídico, nos termos do disposto no artigo 77.º do Código Penal, condenar o arguido DD na pena única de 2 (dois) anos e 8 (oito) meses de prisão.

Ao abrigo do artº 3º nº 1 da Lei 38-A/2023, de 2 de Agosto declaro perdoado um ano de prisão ao arguido, pelo que a pena a cumprir será de 1 (um ) ano e 8(oito) meses.


*

Mais condeno os arguidos no pagamento das custas processuais que fixo em 3 UC. »

Inconformado com a decisão, dela recorreu, em 16/01/2025, o arguido DD, extraindo da motivação as seguintes conclusões:

1. O presente recurso versa sobre a matéria de facto dada como provada no âmbito dos presentes autos, a qual cominou na condenação do aqui Recorrente pela prática em coautoria material de dois crimes de ofensa à integridade física qualificada p. e p. pelo artigo 145.º, n.º 1, al. a) do Código Penal, por referência aos artigos 143.º, n.º 1 e 132.º, n.ºs 1 e 2, al. e) e h) do mesmo diploma legal na pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses e prisão para cada um dos crimes.

2. Foi ainda o Recorrente condenado como autor material e na forma consumada de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo artigo 86, nº1, l. c) e d) da Lei n.º 5/2006, de 23 de fevereiro na pena de 1 (um) ano e 6 (seis meses) de prisão.

3. Efetuado o cúmulo jurídico das referidas penas ao abrigo do disposto no art. 77.º do CPC, foi o Recorrente condenado na pena única de 2 (dois) ano e 8 (oito) meses de pena de prisão efetiva.

4. Não se conformando com o douto acórdão por manifestamente injusto e infundado, vem o Recorrente recorrer do mesmo, colocando à ponderação do Tribunal da Relação as seguintes questões:

- Nulidade por falta de fundamentação nos termos dos art. 374.º, n.º 2 e 379.º, n.º 1, alínea a) do CPP

- Vício de contradição insanável entre a matéria de facto dada como provada e a motivação nos termos e para os efeitos do art. 410º, nº 2, b) do CPP;

- Do Vicio de contradição insanável entre a matéria de facto dada como provada e a motivação nos termos e para os efeitos do art. 410º, nº2, b) do CPP.

- Do vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada nos termos e para os efeitos do art. 410º, nº2, a) do CPP.

- Erro de julgamento da matéria de facto dada como não provada sob os pontos 2 a 5, 8 a 10, 12 a 15, 21, 22, 23 e 24 do acervo probatório dado como provado, por impugnação ampla da matéria de facto nos termos do art. 412º, nº3 do CPP.

5. Razão pela qual, o Recorrente roga a atenção de Vexa(s) Venerandos Juízes Desembargadores para os presentes autos em prol de fazer a tão aclamada justiça, absolvendo o Recorrente pelos crimes pelos quais foi acusado.

- Da nulidade por falta de fundamentação – 374.º, n.º 2 e 379.º, n.º 1, alínea a) do CPP

6. É necessário e imprescindível que constem da Sentença recorrida os motivos de facto (advindos da prova colhida) e os motivos de direito (advindos da lei, interpretada pelo Juiz) norteados do dispositivo (conclusão).

7. O tribunal “A quo” limitou-se a condenar o Recorrente referindo apenas não existir legitima defesa sem tão pouco analisar o instituto, e demonstrar porque forma entende que tal instituto não se aplica ao caso concreto, tão pouco contextualizou a legítima defesa, limitando-se a afastar este instituto à priori, descorando-se da sua obrigação de proceder ao exame crítico para sustentar a sua convicção.

8. Assim e por tal motivo, a sentença recorrida incorre em nulidade por falta de fundamentação, nos termos das disposições conjugadas nos art. 374.º, n.º2 e 379.º, n.º1, a), todos do Código de Processo Penal, a qual expressamente se argui para os devidos efeitos legais.

- Do Vicio de contradição insanável entre a matéria de facto dada como provada e a motivação – art. 410º, nº 2, b) do CPP.

9. Refere o tribunal recorrido em sede de motivação, a fls. 14, que apenas o Arguido BB estaria envolvido fisicamente com o Ofendido EE, e não com o Arguido AA, pois permaneceu bastante tempo caído no chão após ter sido alvejado pelo Arguido AA.

10. Pelo que, tal como explanado na motivação da Sentença Recorrida tanto o Arguido BB, como o Arguido CC estariam afastados do Recorrente e do Arguido AA, isto é, o Recorrente não agrediu conjuntamente com o Arguido BB e o Arguido CC o Arguido AA.

11. Contrariamente, nos factos dados como provados, o tribunal afirma que o Arguido AA estaria a ser alvo de um ataque realizado pelos três Arguidos supra mencionados de forma simultânea.

12. Não pode o tribunal “A quo” na sua motivação afirmar que o Arguido EE estaria a ser agredido pelo Arguido BB e pelo Arguido CC e nos factos dados como provados afirmar que o Recorrente também participou em tais confrontos físicos.

13. Motivo pelo qual se suscita o vicio de contradição insanável entre a matéria de facto dada como provada e a fundamentação, nos termos e para os efeitos do art. 410º, nº2, b) do CPP, e, concomitantemente, que se dê cumprimento ao art. 426º, nº.1 do CPP.

- Do Vicio de contradição insanável entre a matéria de facto dada como provada e a motivação –art. 410º, nº2, b) do CPP.

14. Refere o tribunal recorrido em sede de motivação, a fls. 14, que apenas o Arguido BB estaria a confrontar fisicamente o Ofendido EE. e que só em momento posterior o Arguido CC foi ao seu auxílio, referindo expressamente que os Arguidos CC e BB pararam as agressões quando este estava imobilizado.

15. Contrariamente, nos factos dados como provados, o tribunal afirma que o Ofendido foi barbaramente agredido pelo Recorrente, mesmo após este estar inconsciente.

16. Motivo pelo qual se suscita o vicio de contradição insanável entre a matéria de facto dada como provada e a fundamentação, nos termos e para os efeitos do art. 410º, nº2, b) do CPP, e, concomitantemente, que se dê cumprimento ao art. 426º, nº.1 do CPP.

- Do vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada - 410º, nº2, a) do CPP.

17. Pode ler-se na sentença recorrida nos pontos 26 a 27 dos factos dados como provados o relatório social do Arguido AA e de igual modo nos pontos 28 a 29 dos factos dados como provados, o relatório social do arguido CC.

18. E lamentavelmente, nenhuma alusão ou análise é feita ao relatório social do Recorrente, o que, com o devido respeito, demonstra a falta de cuidado que existiu em relação ao aqui Recorrente, pois que de tal elemento probatório apenas aspectos que o podem beneficiar.

19. Pelo que se suscita o vicio de insuficiência para a decisão da matéria de facto dada como provada e, nos termos e para os efeitos do art. 410º, nº2, b) do CPP, e, concomitantemente, que se dê cumprimento ao art. 426º, nº.1 do CPP.

- Da impugnação ampla da matéria de facto – erro de julgamento

20. Sem embargo, tendo por baluarte o ónus de impugnação que recai sobre o Recorrente – art. 412.º, n.º 3 do CPP -, indica-se os pontos da matéria de facto que se julga incorretamente julgados 2 a 5, 8 a 10, 12 a 15, 21, 22, 23 e 24 e, posteriormente, a indicação dos concretos elementos probatórios que impõe decisão diversa da recorrida.

- Do ponto 2 dos factos dados como provados

21. Dá o tribunal “A quo” como provado no seu ponto 2 que: “2. Por motivos não concretamente apurados, gerou-se uma altercação entre vários utentes do aludido estabelecimento, tendo os mesmos sido obrigados a deslocar-se para o exterior pelos seguranças.”

22. E porque o Recorrente discorda da factualidade dada como provada pretende impugnar a mesma, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 412.º, n.º 3 do Código de Processo Penal.

23. O ponto 2 da matéria dada como provada descarta o motivo pelo qual o Arguido AA e o Ofendido EE foram expulsos da discoteca sendo este um elemento essencial no âmbito dos presentes autos.

24. Pois que, e da prova produzida em audiência de discussão e julgamento é evidente que os dois indivíduos foram obrigados a abandonar o estabelecimento por se relevarem manifestamente conflituosos, e não por livre e espontânea vontade como fez crer o Tribunal “a quo”, pois que, já em momento anterior, mas na mesma noite, se tinham envolvido noutras contendas causadas pelos próprios, criando mau ambiente e insegurança.

25. Pelo que o tribunal “a quo”, lamentavelmente, fez tábua rasa a todo o circunstancialismo inerente ao fim daquela noite,

26. Assim, a prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento impõe decisão diversa da recorrida, designadamente:

- Depoimento da testemunha FF - Diligencia 452-22.8GBPRD 2024-09-12 12-36-02;

- Declarações testemunha GG (Diligencia_452-22.8GBPRD_2024-09-12_12-20-53)

- Declarações do arguido AA (Diligencia 452-22.8GBPRD 2024-09-12_10-57-54)

- Depoimento da Testemunha HH (Diligencia_452-22.8GBPRD_2024-10-08_11-45-06)

- Depoimento da Testemunha II (Diligência 452-22.8GBPRD 2024-10-08 15-37-27)

- Do depoimento do Ofendido EE (Diligencia 452-22.8GBPRD 2024-10-08 10-35-34).

27. Devendo, por tal motivo, ser o ponto 2 dado como provado com a seguinte redação: “O ofendido EE e o Arguido AA iniciaram contendas dentro do estabelecimento, tendo havido confrontos físicos e agressões, tendo os mesmos sido expulsos da discoteca e obrigados deslocar-se para o exterior pelos seguranças.”.

- Do ponto 3 dos factos dados como provados

28. Dá o tribunal “A quo” como provado no seu ponto 3 que: “3. Já no exterior do estabelecimento, o arguido AA muniu-se de uma pistola de calibre 6.35 mm Browning, de marca e modelo desconhecidos, e efetuou um disparo para o ar com vista a intimidar o segurança JJ que o havia expulso e o impedia de reentrar na discoteca.”

29. O Recorrente discorda da factualidade dada como provada e, por isso, pretende impugnar a mesma, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 412.º, n.º 3 do Código de Processo Penal.

30. Desde logo, resulta de forma clara do acervo probatório que o Arguido AA pretendia bem mais do que “intimidar” o segurança GG, tendo inclusive ameaçado este que lhe ia dar um tiro, deslocando-se até ao carro de uma sua amiga, a testemunha KK, por forma a munir-se da sua arma de fogo que tinha guardado na viatura ao início da noite.

31. Parece-nos que o Tribunal “a quo” se olvidou de atentar nas evidências, ignorando o real intuito do Arguido AA, tendo este agido de forma de forma premeditada, com o intuito e a vontade clara de atingir o segurança, motivado pelo facto de ter sido expulso.

32. Desta feita, tal facto encontra-se incorretamente julgado, impondo a prova produzida decisão diversa da recorrida, nomeadamente:

- Depoimento da testemunha LL (- Diligencia 452-22.8GBPRD 2024-10-08 12-22-36)

33. Devendo, por tal motivo, ser o ponto 3 dado como provado com a seguinte redação: “Já no exterior do estabelecimento, o arguido AA muniu–se de uma pistola de calibre 6.35 mm Browning, de marca e modelo desconhecidos, e efetuou um disparo com vista a atingir o segurança GG que o havia expulso e o impedia de reentrar na discoteca”.

- Do ponto 4 da matéria dada como provada

34. Deu o Tribunal ‘’A Quo’’ como provado no seu ponto 4 que: “4. O arguido DD abeirou-se então do arguido AA com o intuito de o demover e afastar do local da porta da entrada da Discoteca, e quando estava a afastar o arguido AA este inadvertidamente efetuou um disparo, atingindo na perna direita o arguido CC que se encontrava junto aqueles.

35. O Recorrente discorda da factualidade dada como provada, e, por isso, impugna a mesma, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 412.º, n.º 3 do Código de Processo Penal.

36. A Testemunha LL enquanto proprietário da discoteca “A...”, à data dos factos, solicitou ajuda ao aqui Recorrente, que prontamente acedeu ao seu pedido por entender que um bem maior se encontrava em risco, porquanto um individuo armado e alcoolizado, que teria sido expulso da aludida discoteca momentos antes por confrontos físicos, se encontrava a dirigir-se para o segurança da discoteca com o intuito de o atingir.

37. Motivo pelo qual não poderia simplesmente o Tribunal “a quo” considerar que o Recorrente simplesmente se abeirou do autor dos disparos, alterando manifestamente a interpretação dos factos dados como provados, tendo ainda em conta que nada fazia prever o Recorrente que o seu irmão iria acabar por ser alvejado pelo Arguido AA.

38. Desta feita, tal facto encontra-se incorretamente julgado, impondo a prova produzida decisão diversa da recorrida, nomeadamente:

- Declarações do Arguido CC (Diligência _452-22.8GBPRD_2024-09-12_10-34-39;

- Depoimento da Testemunha LL. (Diligência - Diligencia 452-22.8GBPRD 2024-10-08 12-22-36)

39. Devendo, por tal motivo, ser o ponto 4 dado como provado com a seguinte redação: “O arguido DD a pedido da testemunha LL e do GG abeirou-se do arguido AA com o intuito de o demover e afastar do local da porta da entrada da Discoteca, e quando estava a afastar o arguido AA este inadvertidamente efetuou um disparo, atingindo na perna direita o arguido CC que se encontrava junto daqueles.”

- Do ponto 5 dos factos dados como provados

40. Dá o tribunal “A quo” como provado no seu ponto 5 que: “De imediato, os arguidos DD, CC e BB, abeiraram-se do arguido AA e desferiram-lhe murros e pontapés em várias zonas do corpo, mormente na cabeça e na cara, fazendo-o cair ao chão.”

41. O Recorrente discorda da factualidade dada como provada, e por isso, impugna a mesma, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 412.º, n.º 3 do Código de Processo Penal.

42. Pois que, e da prova produzida em audiência de discussão e julgamento, é evidente que o Tribunal “a quo” ignorou o facto de que na altura em que o Recorrente reage, o Arguido CC permanece agarrado à sua perna, a tentar perceber a extensão das suas lesões, decorrendo das declarações do Arguido CC que as únicas pessoas que estariam em confronto físico com o Arguido AA era o Recorrente e o Arguido BB,

43. E posteriormente também o ofendido EE agrediu o Arguido BB, tendo-se envolvido, momento em que o arguido CC se junta a tais confrontos, para auxiliar o seu amigo BB, pois que se encontrava em desvantagem face à sua altura.

44. Significando isto, que o Recorrente não se encontrava nas agressões perpetradas entre os arguidos BB e o ofendido EE a que posteriormente se juntou o arguido CC.

45. Aliás, o Recorrente apenas imobilizou o Arguido AA com o objetivo de o impedir que disparasse contra mais alguém e retirar-lhe a arma de fogo, não dispondo de qualquer outra opção que não fosse ele próprio e o seu corpo tendo se envolvido apenas na contenda para salvaguardar o interesse de terceiros, e não um interesse próprio,

46. Não pretendendo mais se não cessar o perigo em que estavam todos no interior da discoteca, pois a pretensão do Arguido AA era entrar no estabelecimento, munido de uma arma de fogo, ameaçando a vida e integridade física de todos aqueles que estivessem na trajetória, após ter alvejado o seu irmão, o arguido CC, menor à data dos factos, e ter efetuado outro disparo contra o segurança da discoteca.

47. Não restam dúvidas que o Tribunal “a quo” passou tábua rasa na “desigualdade de armas”, pois que enquanto o Arguido AA se encontrava munido de uma arma de fogo, o Recorrente apenas podia contar consigo próprio, e não, como mal entendeu o Tribunal “a quo”, uma retaliação.

48. Desta feita, tal facto encontra-se incorretamente julgado, impondo a prova produzida decisão diversa da recorrida, nomeadamente:

- Depoimento da testemunha FF - Diligencia 452-22.8GBPRD 2024-09-12 12-36-02

- Declarações do CC (Diligência_452-22.8GBPRD_2024-09-12_10-34-39);

- Declarações do Recorrente DD - Diligencia_452-22.8GBPRD_2023-02-03_16-19-00

- Vídeos dos autos

49. Devendo, por tal motivo, ser o ponto 5 dado como provado com a seguinte redação: “De imediato os arguidos DD e BB abeiraram-se do arguido AA e desferiram-lhe murros e pontapés em várias zonas do corpo, fazendo-o imobilizar-se.”

- Do ponto 8 da matéria de facto dada como provada

50. Deu o Tribunal ‘’A Quo’’ como provado no seu ponto 8 que: ‘’ 8. De imediato, os arguidos DD, CC e BB abeiraram-se de EE e desferiram-lhe murros e pontapés em várias zonas do corpo, mormente na cabeça e na cara, fazendo-o cair ao chão. “

51. O Recorrente discorda da factualidade dada como provada e, por isso, impugna a mesma, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 412.º, n.º 3 do Código de Processo Penal.

52. Cumpre referir que este ponto 8 da matéria dada como provada padece de várias discrepâncias no que concerne à descrição da conduta do Recorrente, nomeadamente quanto ao seu envolvimento físico com a Testemunha EE, ou melhor, a falta dele, resultando da prova produzida que o Recorrente apenas imobilizou brevemente o ofendido EE.

53. Andou mal o Tribunal “a quo” quando afirmou que o Recorrente desferiu socos e pontapés sobre o ofendido EE, logrando responsabilizar e culpabilizar o Recorrente das lesões que o ofendido apresentava no momento em que foi medicamente assistido.

54. Inexistindo qualquer elemento probatório nos autos que sustente que o Recorrente desferiu murros e pontapés em várias zonas do corpo, mormente na cabeça e na cara, do ofendido EE, fazendo-o cair no chão, pois o único contacto do Recorrente para com o ofendido EE foi mediante a tentativa de imobilização do mesmo, através da realização de um “mata leão”,

55. Pois, apesar de o ofendido se queixar de ter sofrido socos e pontapés, o próprio EE assume que o envolvimento do Recorrente de forma direta e clara foi com a manobra do mata leão, admitindo ter perdido os sentidos pelo que não se recorda do que terá acontecido daquele momento em diante, não podendo asseverar o que sucedeu por diante.

56. Desta feita, tal facto encontra-se incorretamente julgado, impondo a prova produzida decisão diversa da recorrida, nomeadamente:

- Das declarações do Recorrente DD (Diligencia_452-22.8GBPRD_2023-02-03_16-19-00)

-Declarações prestadas pelo Recorrente DD em sede de primeiro interrogatório judicial.

- Do Depoimento do ofendido EE (Diligencia 452-22.8GBPRD 2024-10-08_10-35-34)

57. Devendo tal ponto ser dado como provado com a seguinte redação: “De imediato, o arguido DD se abeira do EE e faz-lhe um mata–leão tentando imobiliza-lo e afastasse do mesmo voltando para junto do arguido AA, de seguida o BB abeirasse do EE e desfere-lhe murros e pontapés em várias zonas do corpo, mormente na cabeça e na cara, sendo ajudado pelo CC que se aproxima de ambos.”

- Do ponto 9 da matéria de facto dada como provada

58. Deu o Tribunal ‘’A Quo’’ como provado no seu ponto 9 que: ‘’Pese embora o arguido AA e EE não reagissem e aparentassem estar inconscientes, os arguidos DD, CC e BB continuaram a desferir-lhes murros e pontapés por todo o corpo, nomeadamente na cabeça,”

59. Porque o Recorrente discorda da factualidade dada como provada impugna a mesma, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 412.º, n.º 3 do Código de Processo Penal.

60. Pois que, e da prova produzida em audiência de discussão e julgamento é evidente que o Recorrente apenas imobilizou os ofendidos por forma a remover o perigo atual que ambos representavam e foi nesse momento em que o perigo foi cessado, nomeadamente através da imobilização do Arguido AA e a retirada da arma de fogo que as “agressões” findaram.

61. Aliás, resulta claro da prova testemunhal prestada pela testemunha KK que a única agressão que presenciou foi levada a cabo por uma outra pessoa que não o Recorrente, resultando ainda que no momento em que se abeira do ofendido EE ninguém está à volta deste, tal como a mesma salienta.

62. Pelo exposto pelas declarações da Testemunha KK é evidente que as alegadas agressões ao ofendido EE por parte do Recorrente após o mesmo ter sido imobilizado não passam de meras especulações, sem qualquer fundamento probatório, alocando o aqui Recorrente a um sítio diferente daquele onde encontrava o ofendido EE,

63. Sendo estas declarações corroboradas com as declarações prestadas pela testemunha GG.

64. Não pode simplesmente o Tribunal “a quo”, descartando os princípios constitucionais, como o in dúbio pro reu, presumir que o Recorrente foi quem agrediu o ofendido enquanto este estaria desprovido dos seus sentidos.

65. Aliás, resulta também da prova produzida das declarações da testemunha II que este reconhece que os Arguidos e o Recorrente estiveram naquele local, naquela noite e que o Recorrente estaria no exterior em auxílio do Arguido AA.

66. Razão pela qual se encontra tal facto incorretamente julgado, impondo os seguintes elementos probatórios decisão diversa da recorrida:

- Das Declarações do Arguido CC (Diligencia_452-22.8GBPRD_2024-09-12_10-34-39)

- Das declarações do Recorrente DD (Diligencia_452-22.8GBPRD_2023-02-03_16-19-00)

- Do depoimento da Testemunha KK (Diligencia 452-22.8GBPRD 2024-10-08 11-22-29)

- Do depoimento da Testemunha II (Diligencia 452-22.8GBPRD 2024-10-08 15-37-27)

- Do depoimento da Testemunha GG (Diligencia 452-22.8GBPRD 2024-09-12 12-22-20)

67. Pelo exposto, deverá tal ponto ser dado como provado nos seguintes termos: “No momento em que o Arguido AA e EE deixaram de reagir e se encontravam imobilizados, as agressões cessaram.”

- Do ponto 10 da matéria de facto dada como provada

68. Deu o Tribunal ‘’A Quo’’ como provado no seu ponto 10 que: ‘’ 10. Apenas cessando o seu comportamento quando várias pessoas acorreram ao local para prestar auxílio.”

69. Porque o Recorrente discorda da factualidade dada como provada impugna a mesma, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 412.º, n.º 3 do Código de Processo Penal.

70. Por tal ponto se encontrar intimamente relacionado com o ponto 9 dos factos dados como provados, permitimo-nos dar por integralmente reproduzidas as considerações tecidos nos pontos 323 a 404 da presente matéria recursiva.

71. Cumprindo ainda acrescentar que o Tribunal “a quo” refere que as alegadas agressões perpetradas sobre o Arguido AA e o Ofendido EE cessaram em virtude de outras pessoas os terem auxiliado, o que contraria a verdade material porquanto resulta das declarações do Arguido BB e do Recorrente que ninguém os impediu de manter o envolvimento físico com os ofendidos, tendo os mesmos cessado por iniciativa própria.

72. Até porque, e como anteriormente analisado no ponto 9 e aqui dado por integralmente reproduzido, tanto o Arguido AA, como o Ofendido EE estavam sozinhos quando auxiliados por outras pessoas, nomeadamente, pela Testemunha KK e pela Testemunha GG.

73. Razão pela qual, se encontra tal facto incorretamente julgado, impondo os seguintes elementos probatórios decisão diversa da recorrida:

- Das Declarações do Arguido CC (Diligencia_452-22.8GBPRD_2024-09-12_10-34-39)

- Das declarações do Recorrente DD prestadas em sede de primeiro interrogatório judicial e posteriormente reproduzidas em audiência de discussão e julgamento (Diligencia_452-22.8GBPRD_2023-02-03_16-19-00)

- Do depoimento da Testemunha KK (Diligencia 452-22.8GBPRD 2024-10-08 11-22-29)

- Do depoimento da Testemunha II (Diligencia 452-22.8GBPRD 2024-10-08 15-37-27)

- Do depoimento da Testemunha GG (Diligencia 452-22.8GBPRD 2024-09-12 12-22-20)

- Declarações da testemunha BB prestadas em sede de primeiro interrogatório judicial e posteriormente reproduzidas em audiência de discussão e julgamento (Diligencia 452-22.8GBPRD 2023-02-03 16-41-00.

- Do ponto 12 da matéria de facto dada como provada

74. Deu o Tribunal ‘’A Quo’’ como provado no seu ponto 12 que: ‘’12. Como consequência direta e necessária da conduta dos arguidos DD, CC e BB, o arguido AA sofreu as seguintes lesões:

- traumatismo crânio encefálico;

- equimose na hemiface direita;

- edema da hemiface esquerda;

- espessamentos mucosos, de natureza inflamatória, nos seios maxilares;

- fina coleção hemática aguda subdural sobre a tenda do cérebro à esquerda, com cerca de 2mm de maior espessura;

- discretos focos hemáticos inter-hemisféricos, adjacentes à foice cerebral na região parietal direita e occipital;

- diminutos focos hiperdensos subcorticais/justacorticais na convexidade parietal à esquerda;

- pequena hematoma epicraniano parietal direito.

75. Porque o Recorrente discorda da factualidade dada como provada impugna a mesma, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 412.º, n.º 3 do Código de Processo Penal.

76. Pois que, e da prova produzida em audiência de discussão e julgamento é evidente que o Arguido AA esteve envolvido em vários confrontos físicos durante aquela noite suscetíveis de provocar os referidos danos e, assim sendo, não poderão os mesmos ser imputados ao ora Recorrente.

77. Por tal ponto se encontrar intimamente relacionado com o ponto 5 dos factos dados como provados, permitimo-nos dar por integralmente reproduzidas as considerações tecidas em supra, por razões de economia processual. – vide pontos 189 a 271 da presente matéria recursiva.

78. Cumprindo ainda acrescentar que tal como refere a Testemunha II, o seu grupo de amigos, no qual o Arguido AA está inserido, não esteve envolvido somente numa confusão, mas sim várias, em momentos e locais distintos, nomeadamente dentro da discoteca com vários indivíduos distintos,

79. O que certamente originou várias das suas alegadas lesões corporais, como aliás resulta das declarações do Arguido AA e outras testemunhas.

80. Não pode então ser demonstrado com certeza bastante que tais danos corporais advêm do confronto físico que terá travado com o Recorrente, conforme o Tribunal teima em “acreditar”.

81. Razão pela qual, se encontra tal facto incorretamente julgado, impondo os seguintes elementos probatórios que tal ponto seja dado como não provado:

- Depoimento Testemunha II - Diligencia 452-22.8GBPRD 2024-10-08 15-37-27

- Depoimento Testemunha GG (Diligencia 452-22.8GBPRD 2024-09-12 12-22-20)

- Declarações do Arguido AA (Diligencia 452-22.8GBPRD 2024-09-12 10-57-54)

- Do ponto 13 da matéria de facto dada como provada

82. Deu o Tribunal ‘’A Quo’’ como provado no seu ponto 13 que: “13. Como consequência direta e necessária da conduta dos arguidos DD, CC e BB, EE sofreu as seguintes lesões, na face:

- equimose conjuntival bilateral;

- escoriação no lábio superior;

- feridas na região do couro cabeludo, na região occipital esquerda, de 2cm e 3cm;

- escoriação na região frontal direita;

- ferida superficial na região malar junto ao canto do olho direito;

- ferida na região vestibular do lábio superior;

- fratura dos ossos próprios do nariz. “

83. Porque o Recorrente discorda da factualidade dada como provada impugna a mesma, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 412.º, n.º 3 do Código de Processo Penal.

84. Por tal ponto se encontrar intimamente relacionado com os pontos 2, 8, 9 e 10 dos factos dados como provados, permitimo-nos dar por integralmente reproduzidas as considerações tecidas em supra, por razões de economia processual. – vide ponto 72 a 128, 274 a 230, 323 a 404 e 407 a 437 da presente matéria recursiva.

85. Cumpre ainda referir que resulta do depoimento da testemunha II que quando se retira do interior da discoteca apercebe-se que o seu amigo, o ofendido EE, estava numa “confusão” que nada tem que ver com o Recorrente, porquanto seria um grupo de indivíduos que desconhece, pois não seriam clientes habituais, ao contrário do Recorrente.

86. Do depoimento da testemunha HH resulta que foram desferidos vários “socos” na cabeça ao Ofendido EE ainda no interior da discoteca, demonstrando que foram várias agressões que o ofendido sofreu até ao confronto com o Recorrente, como aliás é corroborado pelo depoimento do ofendido EE que afirma clara e diretamente que aquela noite, o estabelecimento de diversão noturna, foi marcado por diversas “confusões”,

87. Sendo aliás o próprio ofendido EE a introduzir-se nos vários conflitos gerados e que apenas depois de este ter tido a iniciativa de ofender fisicamente o Arguido BB é que o Recorrente surge no episódio executando apenas um mata leão.

88. Venerandos Juízes Desembargadores, atendendo ao facto do próprio ofendido ter assumido ter sido alvo de várias agressões alheias, mormente, no crânio, e levadas a cabo por pessoas diferentes do aqui Recorrente, de que forma pode o Tribunal, na sua livre convicção, imputar quais danos corporais do Ofendido EE foram provocados pelo aqui Recorrente?

89. Dado os elementos probatórios constantes dos autos, nunca poderia o Tribunal “a quo” ter dado como provado que as lesões corporais sofridas pelo Ofendido constituem consequência direta da condutado do Recorrente.

90. Razão pela qual se encontra tal facto incorretamente julgado, impondo os seguintes elementos probatórios decisão diversa da recorrida:

- Depoimento Testemunha II (Diligencia 452-22.8GBPRD 2024-10-08 15-37-27)

- Depoimento HH

- Depoimento do Ofendido EE

91. Pelo exposto, deverá tal ponto ser dado como provado com a seguinte redacção: “13. Como consequência direta e necessária da conduta dos arguidos CC e BB, EE sofreu as seguintes lesões, na face:

- equimose conjuntival bilateral;

- escoriação no lábio superior; - feridas na região do couro cabeludo, na região occipital esquerda,

de 2cm e 3cm;

- escoriação na região frontal direita;

- ferida superficial na região malar junto ao canto do olho direito;

- ferida na região vestibular do lábio superior; - fratura dos ossos próprios do nariz.”

- Do ponto 14 da matéria de facto dada como provada

92. Deu o Tribunal ‘’A Quo’’ como provado no seu ponto 14 que: ‘14. No dia 2 de fevereiro de 2023, pelas 09h40, o arguido DD detinha no interior do quarto da respetiva residência, situada na Rua ..., ..., ..., Porto:

- um revólver da marca Taurus, modelo ..., com o n.º de série ..., de calibre .22 Magnum (também denominado de 5,6mm Winchester Magnum Rimfire);

- um revólver da marca Amadeo Rossi, modelo ..., de calibre .23 S&W Long, com o n.º de série ...;

- vinte e oito munições de calibre .22 Magnum, também designado 5,6mm Winchester Magnum Rimfire, todas com bala “FMJ”;

- treze munições de calibre 0.32 S&W Long, todas com bala “FMJ”;

- vinte e duas munições de calibre .32 Auto, também designado 7,65x7mm ou 7,65 Browning, todas com bala “FMJ”;

- um boxer (vulgo, soqueira), de produção artesanal e de construção metálica, composto por dois anéis para inserção dos dedos e por uma base de apoio para a palma da mão, com as dimensões aproximadas de 6,5X5,4X1,0cm.”

93. Porque o Recorrente discorda da factualidade dada como provada impugna a mesma, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 412.º, n.º 3 do Código de Processo Penal.

94. Cumpre referir que este ponto 14 da matéria dada como provada assenta em meras presunções, não tendo sida feita prova manifestamente evidente por forma a ser imputado ao Recorrente o crime de detenção de arma proibida.

95. É evidente que as armas de fogo apreendidas na sua habitação, bem como o “boxer” poderiam pertencer a qualquer uns dos habitantes daquele imóvel, olvidando-se o Tribunal “a quo” que a divisão em que foram encontrados tais objetos é também o quarto de mais três irmãos.

96. Do relatório pericial resulta que não se revelam quaisquer vestígios lofoscópico com suficiente valor identificativo, inexistindo elementos concretos que permitam a imputação ao Recorrente da posse das armas referidas, existindo uma clara violação do princípio da presunção da inocência bem como o princípio do In dúbio pro reu.

97. Razão pela qual se encontra tal facto incorretamente julgado, impondo os seguintes elementos probatórios que tal ponto seja dado como não provado:

- Relatório Social do Arguido DD

- Relatório de Exame Pericial fls. 523 e 524.

- Do ponto 15 da matéria de facto dada como não provada

98. Deu o Tribunal ‘’A Quo’’ como provado no seu ponto 15 que: “15. No dia 2 de fevereiro de 2023, o arguido DD detinha no interior da residência situada na Rua ..., Bloco ..., Entrada ..., Casa ..., Porto:

- um invólucro deflagrado de calibre .32 S&W.”

99. Porque o Recorrente discorda da factualidade dada como provada vem impugnar a mesma, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 412.º, n.º 3 do Código de Processo Penal.

100. A residência a que o Relatório Social se reporta é a que ficou a constar do TIR (fls. do TIR) do Recorrente, sita na Rua ..., ..., ..., Porto, sendo que a morada na qual foram realizadas buscas e consequente apreensão é do tio do Recorrente situada na Rua ..., Bloco ..., Entrada ..., Casa ..., Porto.

101. Razão pela qual se estranha que a detenção de tal invólucro tenha sido imputada ao aqui Recorrente, considerando que foi apreendido numa residência que não a sua, resultando do próprio Relatório Social referido junto aos presentes autos determina que o Recorrente não possui especial ligação com o referido imóvel onde foi realizada a apreensão do invólucro de munição.

102. Por tal ponto se encontrar intimamente relacionado com os pontos 14 dos factos dados como provados, permitimo-nos dar por integralmente reproduzidas as considerações tecidas em supra, por razões de economia processual. – vide pontos 565 a 592 da presente matéria recursiva

103. Nestes termos, encontra-se tal facto incorretamente julgado, impondo os seguintes elementos probatórios que tal ponto seja dado como não provado:

- Relatório Social do Arguido DD

- Do ponto 21 da matéria de facto dada como provada

104. Dá o tribunal “A quo” como provado no seu ponto 21 que: “21. Os arguidos DD, CC e BB agiram de forma livre, deliberada e consciente, na execução de um plano previamente elaborado e aceite por todos, movidos por motivos vãos e de importância mínima, com o propósito concretizado de agredir fisicamente EE e AA e lhes causar as lesões acima descritas, bem sabendo que os ofendiam no seu corpo e na sua saúde.”

105. Porque o Recorrente discorda da factualidade dada como provada impugna a mesma, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 412.º, n.º 3 do Código de Processo Penal.

106. Cumpre dar por integralmente reproduzido tudo quanto foi aduzido em sede de impugnação do ponto 14 e 15 dos factos dados como provados – vide pontos 565 a 592 e 595 a 615 da matéria recursiva.

107. Razão pela qual se encontra tal facto incorretamente julgado, impondo os seguintes elementos probatórios que tal ponto seja dado como não provado.

- Relatório Social do Arguido DD

- Relatório de Exame Pericial fls. 523 e 524

- Do ponto 22 da matéria de facto dada como provada

95. Dá o tribunal “A quo” como provado no seu ponto 22 que: “22.O arguido DD atuou conhecendo as características das armas de fogo, das munições e do invólucro que detinha nos termos descritos supra, bem sabendo que não lhe era permitido deter tais objetos naquelas circunstâncias, por não ser titular de licença que o habilite a deter e a usar armas de fogo.”

96. E porque o Recorrente discorda da factualidade dada como provada impugna a mesma, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 412.º, n.º 3 do Código de Processo Penal.

97. Cumpre dar por integralmente reproduzido tudo quanto foi aduzido em sede de impugnação do ponto 14 e 15 dos factos dados como provados – vide pontos 565 a 592 e 595 a 615 da matéria recursiva.

98. Razão pela qual se encontra tal facto incorretamente julgado, impondo os seguintes elementos probatórios que tal ponto seja dado como não provado.

- Relatório Social do Arguido DD

- Relatório de Exame Pericial fls. 523 e 524

- Do ponto 23 da matéria de facto dada como provada

99. Dá o tribunal “A quo” como provado no seu ponto 23 que: “O arguido DD atuou conhecendo as características do boxer que detinha, bem sabendo que não lhe era permitido ter tal objeto na sua posse.”

100. E porque o Recorrente discorda da factualidade dada como provada impugna a mesma, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 412.º, n.º 3 do Código de Processo Penal.

101. Cumpre dar por integralmente reproduzido tudo quanto foi aduzido em sede de impugnação do ponto 14 e 15 dos factos dados como provados – vide pontos 565 a 592 e 595 a 615 da matéria recursiva.

102. Razão pela qual se encontra tal facto incorretamente julgado, impondo os seguintes elementos probatórios que tal ponto seja dado como não provado.

- Relatório Social do Arguido DD

- Relatório de Exame Pericial fls. 523 e 524

- Do ponto 24 da matéria dada como provada

103. Dá o tribunal “A quo” como provado no seu ponto 24 que: “24. Todos os arguidos sabiam que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.“

104. E porque o Recorrente discorda da factualidade dada como provada impugna a mesma, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 412.º, n.º 3 do Código de Processo Penal.

105. Cumpre dar por integralmente reproduzido tudo quanto foi aduzido em sede de impugnação do ponto 2 a 5, 8 a 10, 12 a 15 e 21 a 23 dos factos dados como provados – vide ponto 72 a 648 da matéria recursiva.

106. Razão pela qual se encontra tal facto incorretamente julgado, impondo os seguintes elementos probatórios que tal ponto seja dado como não provado.

- Relatório Social do Arguido DD

- Relatório de Exame Pericial fls. 523 e 524

II. Do Direito

- Do Relatório Social

107. No que concerne ao Relatório Social do Recorrente deveria o mesmo ter sido ponderado de forma assertiva, uma vez que abona a seu favor e para além disso é um dos elementos probatórios de excelência que deverá ser atendido e ponderado pois o mesmo mostra ao Tribunal uma realidade acerca do Recorrente que de outra forma desconheceria.

108. Assim, como decorre ao Relatório Social do Recorrente é possível verificar que à data da prática dos factos, residia com os seus três irmãos e com a sua mãe na habitação camarária.

109. Mais ainda, consta de tal relatório que a imagem do arguido, na sua área de residência está associada à prática desportiva, o que demonstra ser relevante para a determinação da personalidade do Recorrente.

110. Mas esse não é o único fator que abona a favor da pessoa do Recorrente, é importante referir ainda que o mesmo concluiu o 12º ano de escolaridade aquando do cumprimento de serviço militar obrigatório.

111. Mais ainda, o mesmo nos anos de 2017 e 2018 constituiu o seu próprio agregado familiar com MM, tendo dois filhos fruto de tal união, revelando-se ser um pai presente, esforçado, dedicado e protetor.

112. Até ao momento da reclusão, o aqui Recorrente estava inserido profissionalmente, contribuindo para as despesas do seu agregado.

113. Aliás, mesmo depois da sua reclusão o recorrente continua a trabalhar, pois encontra-se inserido na área desportiva, nomeadamente, no ginásio do estabelecimento prisional.

114. Por fim, cumpre informar que o Recorrente mantém um comportamento de acordo com as normas vigentes na sociedade, ainda que recluído.

- Da Alteração da Qualificação Jurídica

115. O Tribunal “a quo” condenou o Recorrente por um crime de detenção de arma proibida na pena de 1 ano e 6 meses de prisão, e ainda por dois crimes de ofensas à integridade física qualificada na pena de 1 ano e 6 para cada um dos crimes. Em cúmulo jurídico, foi o Recorrente condenado na pena única de 2 anos e 8 meses,

116. Sendo que, por força do artigo 3º, n.º1 da Lei 98-A/202, de 2 de Agosto foi ao mesmo perdoado 1 ano à pena concretamente aplicada, a final foi então o Recorrente condenado na pena de 1 (um) ano e 8 (oito) meses de prisão efetiva.

117. Contudo, é entendimento do aqui Recorrente que o Tribunal “a quo” fez uma errada aplicação do direito, isto é, é entendimento do Recorrente que ser condenado por um crime de ofensa física qualificada não parece justo nem tão pouco plausível.

118. Mas vejam Vexa.(s), o Tribunal “a quo” condenou o aqui Recorrente por o mesmo alegadamente ter perpetrado juntamento com os demais arguidos agressões físicas sob o arguido AA e o ofendido EE aproveitando-se de uma alegada vantagem numérica bem como entendeu que os mesmos estavam motivados por sentimentos de avidez logrando obter prazer através da dor e sofrimento causados aos Ofendidos.

119. Salvo melhor opinião, e atendendo àquela que foi a conduta do Recorrente, parece-nos desprovido de sentido que se coloque em causa um crime de ofensa à integridade física qualificada, consagrado no artigo 145º do Código Penal.

120. Aliás, a existir um comportamento ilícito por parte do mesmo, sempre deverá ser integrado num crime de ofensa à integridade física simples, consagrado no artigo 143º Código Penal.

121. Isto porque, para que se verifique o crime de ofensa à integridade física qualificada é necessário que se verifique alguma das circunstâncias previstas no nº 2 do artigo 132º do Código Penal.

122. O que não sucedeu in caso.

123. Mas vejamos, da leitura atenta do artigo 132º nº 2 do Código Penal é possível concluir que “é suscetível de revelar a especial censurabilidade ou perversidade a que se refere o número anterior, entre outras, a circunstância de o agente: e) Ser determinado por avidez, pelo prazer de matar ou de causar sofrimento, para excitação ou para satisfação do instinto sexual ou por qualquer motivo torpe ou fútil;”

124. Ora, a previsão normativa supra citada refere-se à conduta do agente e não aos elementos constitutivos do crime, motivo pelo qual cumpre enquadrar o circunstancialismo inerente à conduta do Recorrente aquando dos confrontos físicos com o Arguido AA e o Ofendido EE, uma vez que discordamos que a sua conduta fosse determinada por “avidez” nem tão pouco por um motivo fútil.

125. Uma vez que, como supra exposto, o Recorrente reagiu/adotou tal conduta perante a circunstância de ver o seu irmão alvejado pelo Arguido AA, veja-se nesse sentido o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça datado de 25-06-1997, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça no âmbito do processo 08P3703 datado de 10-12-2008, e ainda o Comentário do Código Penal – à luz da Constituição da Républica e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem”.

126. Na verdade, o único propósito do Recorrente era remover o seu irmão do perigo gerado pelo atirador.

127. Assim, importa salientar que se afasta qualquer sentimento de ganância ou desejo de obter vantagens materiais, pois não se verificam nenhuma destas circunstâncias acima descritas.

128. Acresce ainda que, o Recorrente apenas terá imobilizado o Ofendido EE na sequência de este agredir violentamente e de forma inesperada o Arguido BB, amigo do Recorrente, motivo pelo qual se pode concluir que não se verifica qualquer tipo de “avidez” do mesmo para com o Ofendido.

129. Por fim, e tendo em conta o supra exposto, apraz-nos referir que existiu alguma insensibilidade por parte do Tribunal “a quo” considerar que o facto de ver o seu irmão alvejado seja tido como um motivo “que não tem interesse ou valor”, pois o Recorrente agiu com intenção de o proteger, o que é o expectável.

130. Veja-se que o Recorrente imobilizou o agressor recorrendo-se da sua força física, motivo pelo qual não pode perfilhar o mesmo do entendimento do Tribunal “a quo” que considerou que tal atitude foi desproporcional.

131. Venerando Juízes Desembargadores, Vexa.(s) deixariam algum parente vosso à mercê de alguém pronto a disparar? Na iminência de lhe retirar a vida?

132. O mesmo raciocínio serve também para o amigo do Recorrente, BB.

133. Pelo exposto, não se verifica qualquer vestígio de especial censurabilidade no comportamento do Recorrente, sendo certo que o seu comportamento foi derivado de uma vontade de eliminar o perigo sem qualquer recurso à violência.

134. Veja-se que, se o arguido CC não tivesse sido alvejado, não teria o Recorrente que recorrer a manobras de imobilização, o que significa que o arguido AA e o Ofendido EE ofenderam primeiramente o arguido CC e o arguido BB.

135. Porquanto, a qualificativa aplicada ao Recorrente inerente à sua alegada culpa extravasa os factos demonstrados perante o Tribunal.

136. Acresce que, considerou ainda o Tribunal “a quo” que se verificou uma especial perversidade, enquadrando os factos na al. h) do artigo 132º, n.º2 do Código Penal.

137. No entanto, tem o Recorrente que discordar, pois o tribunal não considerou o facto das agressões terem ocorrido em momentos distintos nem tão pouco relevou o facto dos arguidos CC, BB e o aqui Recorrente não se encontrarem em vantagem numérica, conforme se demonstrou na matéria factual.

138. Acresce que, o Tribunal “a quo” referiu na sua motivação a fls. 14 que o arguido NN reconhece nas sua declarações que quando viu o buraco na perna “levantou-se foi ajudar o BB a lidar com o amigo do AA” (o EE), dando-lhe murros e que pararam quando ele estava inconsciente.

139. Isto é, enquanto o Recorrente e o Arguido BB travavam fisicamente o Arguido AA, o Arguido CC estava no chão, o que demonstra que estariam três pessoas envolvidas, o Arguido BB, o Recorrente e o Arguido AA.

140. Pois bem, de um lado da contenda estaria o Arguido AA munido da sua arma e do outro o aqui Recorrente e o arguido BB.

141. Conforme supra se mencionou, o arguido BB após ter sido agredido saiu do local, o que significa que ficou apenas o Recorrente e o arguido AA, ou seja duas pessoas, não existindo por isso qualquer vantagem numérica.

142. Pelo que não poderá verificar-se qualquer nuance de especial perversidade ou censurabilidade.

143. Ademais, no que concerne à subsunção dos factos à al. h) do artigo 132º, n. º2 do Código Penal, é entendimento do Recorrente que não será motivo suficiente e bastante três Arguidos estarem envolvido em altercações físicas (ainda que em momentos diferentes) para que tal circunstância per si não acarretem uma especial censurabilidade ou perversidade, tal como se retira do Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães datado de 11-03-2019.

144. Pelo que, não se verifica qualquer circunstância que permitia imputar ao Recorrente uma condenação por ofensa à integridade física qualificada, pelo que não resta outra opção que não a desqualificação do crime aqui imputado ao Recorrente.

145. Pelo exposto, não se verifica qualquer uma das circunstâncias que permitissem imputar ao Recorrente uma condenação por ofensa à integridade física qualificada, devendo o mesmo no limite ser condenado por uma ofensa simples.

146. Mais importa referir que, estamos perante um crime semipúblico que dependente de queixa e que admite desistência, conforme fixa o artigo 116º do Código Penal, motivo pelo qual sempre deverá Tribunal ter em consideração que o próprio Arguido AA em sede de audiência e julgamento manifestou vontade de desistir do procedimento criminal, pelo que deverá ser extinto.

147. Caso assim Vexa.(s) não entendam, e pretendam condenar o aqui Recorrente sempre será tal pena ser suspensa na sua execução.

- Da Suspensão da Pena de Prisão

148. Face ao supra exposto, e tendo em conta a analise do Relatório Social do Recorrente bem como todos os aspetos supra mencionados, que por uma questão de económica processual e para não tornar a matéria conclusiva prolixa se dão como reproduzidos, caso Vexa.(s) entendam condenar o aqui Recorrente numa pena de prisão igual ou inferior a 5 (cinco) anos, deverá ser a mesma suspensa na sua execução devido às condições pessoais do arguido.

149. Nos termos do disposto no art. 412.º, n.º2, a) do CPP, importa referir que o tribunal “a quo” violou os arts. 50.º, 70.º, 71.º, 77.º e 143.º, todos do Código Penal.

150. Nos termos do disposto no art. 412.º, n.º2, c) do CPP, a sentença recorrida padece de erro na determinação da norma aplicável, devendo ter aplicado o disposto no art. 143.º, n.º1 e 2 do Código Penal ao invés do art. 145.º, n.º1, a) do Código Penal por referência aos art. 143.º, n.º1 e 132.º, n.º1, e n.º2, e) e h) do mesmo diploma legal.

PRINCÍPIOS E NORMAS VIOLADAS OU INCORRETAMENTE APLICADAS:

• Violou os arts. 50º, 70º, 71º e 77º do CP;

• Incorre ainda o mesmo em vício de falta de fundamentação, art. 374º, nº2, 379º, nº1, a) do CPP;

• Nos termos do disposto no art. 412.º, n.º2, c) do CPP, a sentença recorrida padece de erro na determinação da norma aplicável, devendo ter aplicado o disposto no art. 143.º, n.º1 e 2 do Código Penal ao invés do art. 145.º, n.º1, a) do Código Penal por referência aos art. 143.º, n.º1 e 132.º, n.º1, e n.º2, e) e h) do mesmo diploma legal.

• Incorreu nos vícios:

- da nulidade por falta de fundamentação – 374.º, n.º2 e 379.º, n.º1, alínea a) do CPP quanto à legitima defesa alheia.

- da contradição insanável entre a motivação e a decisão: fls. 14; (art. 410.º, n.º1, b) do CPP);

- da contradição insanável entre a motivação e a decisão: ponto 8 da matéria de facto dada como provada e fls 14 da motivação; (art. 410.º, n.º1, b) do CPP);

- Do vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada: não consta nos factos provados o relatório social do recorrente; (art. 410.º, n.º1, a) do CPP);

• Impugnação Ampla da matéria de facto dada como provada nos pontos 2 a 5, 8 a 10, 12 a 15, 21, 22, 23 e 24 dos factos dados como provados, nos termos do art. 412º, nº3, a), b) e c) do CPP,

Termos em que, deve o presente recurso ser julgado totalmente procedente, e em consequência, ser declarada a nulidade da Sentença Recorrida por falta de fundamentação, nos termos do art. 374º e 379º, ambos do CPP, com as demais consequências legais;

De igual modo, devem os vícios invocados, nos termos do art. 410º, nº2, a) e b) do CPP, serem reconhecidos e consequentemente deve o processo ser reenviado para novo julgamento, em virtude de não ser possível corrigir os mesmos, nos termos do art. 426º do CPP;

Sem prescindir, deve a decisão revidenda ser revogada e substituída por outra que:

- Absolva o Recorrente da prática de:

- um crime de ofensas à integridade física qualificada nos termos, p. e p pelo artigo 145º, nº 1, al. a) e nº 2, por referência ao art. 132º, nº 2 al. e) e e h) no qual foi o mesmo condenado na pena de 1 (um) ano e 8 (oito) meses de prisão, alterando a sua qualificação jurídica para um crime de ofensas à integridade física qualificada nos termos, p. e p pelo artigo 143º, nº. 1 e 2 so CP, e julgando extinto o procedimento criminal por força da desistência de queixa apresentada pelo ofendido em sede de audiência de discussão e julgamento;

- de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo artigo 86.º, n.º 1, al. c) e d) da Lei n.º 5/2006, de 23 de fevereiro na pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão;

Caso assim não se entenda,

- deverá ser o comportamento do Recorrente enquadrado no Instituto da Legitima Defesa alheia, com as demais consequências legais.

Caso assim não se entenda,

- deverá ser condenado no crime de ofensas à integridade física qualificada, numa pena próxima do mínimo legal; suspensa na sua execução.

O recurso foi admitido.

A este recurso respondeu o Ministério Público, propugnando pela respectiva improcedência e sem formular conclusões «por entender que não são exigíveis».

Nesta Relação, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta, no parecer que emitiu, propugna igualmente pela improcedência do recurso, referenciando em síntese:

«Consideramos [assim], que não se verificam na sentença recorrida qualquer dos vícios previstos no art. 410º/2 do Cód.de Processo Penal.

O Recorrente não demonstra que a prova produzida no julgamento só poderia ter conduzido, em sede de elenco de matéria de facto provada e não provada, à solução por si (recorrente) defendida, e não àquela consignada pelo Tribunal.

Por outro lado, não podemos deixar de reafirmar as grandes necessidades de prevenção especial na situação em concreto, e no binómio factos e personalidade do arguido, que impedem um juízo de prognose positiva quanto ao seu comportamento futuro se em liberdade, constrangendo o tribunal a impor uma pena de prisão efectiva.

O Ministério Público na primeira instância respondeu ao recurso, fundamentando assertivamente a inexistência de vício que inquine a fixada matéria de facto, bem assim a inexistência de meio de prova que, a respeito, imponha decisão diversa da proferida. E mais se demonstra na resposta a correção da subsunção jurídica aos factos.

Assim,

3. Analisados os fundamentos do recurso, e os demais elementos processuais, acompanhamos a posição do Magistrado do Ministério Público junto da 1ª Instância, aderindo-se à argumentação oferecida, que se subscreve e aqui se dá por transcrita, na sua resposta à Motivação e Conclusões do Recurso apresentado pela Recorrente, uma vez que a sentença recorrida se mostra devidamente fundamentada de facto e de direito, tendo sido observado o disposto no art. 374.º do Código de Processo Penal.

Pelo exposto, somos de parecer de que o Recurso interposto pelo Recorrente arguido deve ser julgado improcedente e, consequentemente, deve manter-se integralmente a sentença recorrida.»

Foi cumprido o disposto no artigo 417º/2 do Cód. de Processo Penal, nada vindo a ser acrescentado no processo.


*

Efectuado o exame preliminar e colhidos os vistos, foram os autos submetidos a conferência.

Nada obsta ao conhecimento do mérito, cumprindo, assim, apreciar e decidir.


*

II. APRECIAÇÃO DO RECURSO

O objecto e o limite de um recurso penal são definidos pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação, devendo assim a análise a realizar pelo Tribunal ad quem circunscrever-se às questões aí suscitadas –, sem prejuízo das que importe conhecer, oficiosamente por obstativas da apreciação do seu mérito, como é designadamente o caso das nulidades insanáveis que devem ser oficiosamente declaradas em qualquer fase do procedimento (previstas expressamente no art. 119º do Cód. de Processo Penal e noutras disposições dispersas do mesmo código), ou dos vícios previstos no art. 379º ou no art. 410º/2, ambos do Cód. de Processo Penal, mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito (cfr. Acórdão do Plenário das Secções do S.T.J., de 19/10/1995, D.R. I–A Série, de 28/12/1995), podendo o recurso igualmente ter como fundamento a inobservância de requisito cominado sob pena de nulidade que não deva considerar-se sanada, cfr. art. 410º/3 do Cód. de Processo Penal.

São só as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas conclusões, da respectiva motivação, que o tribunal ad quem tem de apreciar – cfr. arts. 403º, 412º e 417º do Cód. de Processo Penal e, entre outros, Acórdãos do S.T.J. de 29/01/2015 (proc. 91/14.7YFLSB.S1)[[1]], e de 30/06/2016 (proc. 370/13.0PEVFX.L1.S1)[[2]]. A este respeito, e no mesmo sentido, ensina Germano Marques da Silva, ‘Curso de Processo Penal’, Vol. III, 2ª edição, 2000, fls. 335, «Daí que, se o recorrente não retoma nas conclusões as questões que desenvolveu no corpo da motivação (porque se esqueceu ou porque pretendeu restringir o objecto do recurso), o Tribunal Superior só conhecerá das que constam das conclusões».

A esta luz, as questões a conhecer no âmbito do presente acórdão são as de apreciar e decidir sobre:

1. saber se a Sentença recorrida padece de nulidade por falta de fundamentação em nos termos dos arts. 374º/2 e 379º/1/a) do Cód. de Processo Penal;

2. saber se se verifica na Sentença recorrida algum dos vícios previstos no art. 410º/2 do Cód. de Processo Penal;

3. saber se o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento da matéria de facto, nos termos do art. 412º/3 do Cód. de Processo Penal;

4. saber se pelo arguido se mostram preenchidos os pressupostos dos crimes de detenção de arma proibida e de ofensa à integração física qualificada pelos quais vem condenado;

5. saber se deve ser determinada a alteração das consequências penais aplicadas ao arguido e se a pena de prisão em que o arguido deva ser condenado deverá ser declarada suspensa na respectiva execução.


*

Comecemos por fazer aqui presente o teor da decisão recorrida, na parte da mesma que releva para a presente decisão.

a. É a seguinte a matéria de facto considerada pelo tribunal de 1ª Instância:

«II – Fundamentação

Da audiência de julgamento resultaram provados os seguintes factos:

1. No dia 13 de agosto de 2022, pelas 05h30, EE e os arguidos DD, CC, BB e AA encontravam-se no estabelecimento de diversão noturna A... (discoteca), situado na Avenida ..., ... ... (Paredes).

2. Por motivos não concretamente apurados, gerou-se uma altercação entre vários utentes do aludido estabelecimento, tendo os mesmos sido obrigados a deslocar-se para o exterior pelos seguranças.

3. Já no exterior do estabelecimento, o arguido AA muniu-se de uma pistola de calibre 6.35 mm Browning, de marca e modelo desconhecidos, e efetuou um disparo para o ar com vista a intimidar o segurança JJ que o havia expulso e o impedia de reentrar na discoteca.

4. O arguido DD abeirou-se então do arguido AA com o intuito de o demover e afastar do local da porta da entrada da Discoteca, e quando estava a afastar o arguido AA este inadvertidamente efectuou um disparo, atingindo na perna direita o arguido CC que se encontrava junto aqueles.

5. De imediato, os arguidos DD, CC e BB, abeiraram-se do arguido AA e desferiram-lhe murros e pontapés em várias zonas do corpo, mormente na cabeça e na cara, fazendo-o cair ao chão.

6. O arguido AA quando largou a arma que caiu no chão e esta foi recolhida pela testemunha II que a atirou para as imediações de um armazém.

7. Ao aperceber-se das agressões, EE que entretanto saía também da discoteca A..., acorreu ao local com o intuito de ajudar o arguido AA, tendo desferido um pontapé no arguido BB, quando este estava debruçado a atingir o AA, com murros.

8. De imediato, os arguidos DD, CC e BB abeiraram-se de EE e desferiram-lhe murros e pontapés em várias zonas do corpo, mormente na cabeça e na cara, fazendo-o cair ao chão.

9. Pese embora o arguido AA e EE não reagissem e aparentassem estar inconscientes, os arguidos DD, CC e BB continuaram a desferir-lhes murros e pontapés por todo o corpo, nomeadamente na cabeça,

10. Apenas cessando o seu comportamento quando várias pessoas acorreram ao local para prestar auxílio.

11. Como consequência direta e necessária da conduta do arguido AA, o arguido CC sofreu a seguinte sequela no membro inferior direito:

- cicatriz com coloração escurecida, normotrófica e ovalada, com 1,5cm por 2cm de maiores dimensões.

12. Como consequência direta e necessária da conduta dos arguidos DD, CC e BB, o arguido AA sofreu as seguintes lesões:

- traumatismo crânio encefálico;

- equimose na hemiface direita;

- edema da hemiface esquerda;

- espessamentos mucosos, de natureza inflamatória, nos seios maxilares;

- fina coleção hemática aguda subdural sobre a tenda do cérebro à esquerda, com cerca de 2mm de maior espessura;

- discretos focos hemáticos inter-hemisféricos, adjacentes à foice cerebral na região parietal direita e occipital;

- diminutos focos hiperdensos subcorticais/justacorticais na convexidade parietal à esquerda;

- pequena hematoma epicraniano parietal direito.

13. Como consequência direta e necessária da conduta dos arguidos DD, CC e BB, EE sofreu as seguintes lesões, na face:

- equimose conjuntival bilateral;

- escoriação no lábio superior;

- feridas na região do couro cabeludo, na região occipital esquerda, de 2cm e 3cm;

- escoriação na região frontal direita;

- ferida superficial na região malar junto ao canto do olho direito;

- ferida na região vestibular do lábio superior;

- fratura dos ossos próprios do nariz.

14. No dia 2 de fevereiro de 2023, pelas 09h40, o arguido DD detinha no interior do quarto da respetiva residência, situada na Rua ..., ..., ..., Porto:

- um revólver da marca Taurus, modelo ..., com o n.º de série ..., de calibre .22 Magnum (também denominado de 5,6mm Winchester Magnum Rimfire);

- um revólver da marca Amadeo Rossi, modelo ..., de calibre .23 S&W Long, com o n.º de série ...;

- vinte e oito munições de calibre .22 Magnum, também designado 5,6mm Winchester Magnum Rimfire, todas com bala “FMJ”;

- treze munições de calibre .32 S&W Long, todas com bala “FMJ”;

- vinte e duas munições de calibre .32 Auto, também designado 7,65x17 mm ou 7,65 Browning, todas com bala “FMJ”;

- um boxer (vulgo, soqueira), de produção artesanal e de construção metálica, composto por dois anéis para inserção dos dedos e por uma base de apoio para a palma da mão, com as dimensões aproximadas de 6,5X5,4X1,0cm.

15. No dia 2 de fevereiro de 2023, o arguido DD detinha no interior da residência situada na Rua ..., Bloco ..., Entrada ..., Casa ..., Porto:

- um invólucro deflagrado de calibre .32 S&W.

16. O arguido AA não é titular de licença de uso e porte de arma de fogo, nem de licença de detenção de armas de fogo no domicílio.

17. O arguido DD não é titular de licença de uso e porte de arma de fogo, nem de licença de detenção de armas de fogo no domicílio.

18. O arguido AA agiu de forma descuidada não se tendo assegurado que a arma que tinha na sua mão estava travada ou em condição de segurança de maneira a não fazer disparo, não se tendo assegurado de que esta não disparasse inadvertidamente e acidentalmente como veio a suceder e a atingir o arguido CC numa perna, não se tendo conformado com esse resultado.

19. O arguido violou o dever de cuidado que lhe era exigível ao não se ter assegurado previamente de que arma se encontrava travada e em condição de segurança, como podia e era capaz.

20. O arguido AA atuou conhecendo as características da arma de fogo que detinha nos termos descritos supra, bem sabendo que não lhe era permitido deter a mesma naquelas circunstâncias, por não ser titular de licença que o habilite a deter e a usar armas de fogo.

21. Os arguidos DD, CC e BB agiram de forma livre, deliberada e consciente, na execução de um plano previamente elaborado e aceite por todos, movidos por motivos vãos e de importância mínima, com o propósito concretizado de agredir fisicamente EE e AA e lhes causar as lesões acima descritas, bem sabendo que os ofendiam no seu corpo e na sua saúde.

22. O arguido DD atuou conhecendo as características das armas de fogo, das munições e do invólucro que detinha nos termos descritos supra, bem sabendo que não lhe era permitido deter tais objetos naquelas circunstâncias, por não ser titular de licença que o habilite a deter e a usar armas de fogo.

23. O arguido DD atuou conhecendo as características do boxer que detinha, bem sabendo que não lhe era permitido ter tal objeto na sua posse.

24. Todos os arguidos sabiam que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.

25. O arguido CC não apresentou queixa nos autos.

26. O Arguido AA reside em habitação social em conjunto habitacional na morada referida nos autos, sendo o agregado familiar constituído pelo arguido, pelos seus irmãos, OO e PP e pela sua progenitora.

27. A nível económico, o agregado familiar apresenta rendimento do exercício laboral da progenitora 223,43€, acrescendo 95,75€ de apoio social do RSI, 240€ de fundo de garantia de alimentos devidos a menores e 318€ prestações familiares.

28 O arguido CC não concluiu a escolaridade obrigatória e está destituído de um quotidiano estruturado e isento de ocupação, sendo-lhe conhecida apenas a frequência numa associação desportiva, onde se dedica à modalidade de box, mas sem compromisso de horário.

29. Integrado no agregado dos pais, mantém dependência económica dos mesmos, pelo que não possui qualquer condição para se autonomizar. Contudo, a estrutura e dinâmica do agregado sofreram alterações com a recente prisão preventiva da progenitora.

30. Do CRC do arguido BB nada consta.

31. Do CRC do arguido CC nada consta.

32. O arguido AA tem os seguintes antecedentes criminais:

a) Por sentença proferida no âmbito do processo n.º ... do J2 Criminal do Porto a 09.09.2020 e por factos ocorridos a 26.08.2020 foi o arguido condenado pela prática de um crime de condução sem habilitação legal na pena de 100 dias de multa.

b) Por sentença proferida no âmbito do processo n.º ... do J2 Criminal de Valongo a 25.10.2021 e por factos ocorridos a 24.10.2021, foi o arguido condenado pela prática de um crime de condução sem habilitação legal na pena de 180 dias de multa.

c) Por sentença proferida no âmbito do processo n.º ... do J1 Criminal de Valongo a 02.03.2022 e por factos ocorridos a 13.02.2022 foi o arguido condenado pela prática de um crime de condução sem habilitação legal na pena de 240 dias de multa.

33. O arguido DD tem os seguintes antecedentes criminais:

a) Por sentença proferida no âmbito do processo n.º ... do J5 Criminal do Porto a 13.03.2017 e por factos ocorridos a 29.01.2015 foi o arguido condenado pela prática de um crime de roubo na pena 6 meses de prisão substituida por multa

b) Por sentença proferida no âmbito do processo n.º ... do J2 Criminal do Porto a 28.10.2021 e por factos ocorridos a 23.02.2020 foi o arguido condenado pela prática de um crime de condução sem habilitação legal na pena de 80 dias de multa

b) Por sentença proferida no âmbito do processo n.º ... do J8 Criminal do Porto a 17.05.2022 e por factos ocorridos a 05.07.2019 foi o arguido condenado pela prática de um crime de detenção de arma proibida na pena de 120 dias de multa

c) Por sentença proferida no âmbito do processo n.º ... do J7 Criminal do Porto a 30.05.2023 e por factos ocorridos a 06.08.2021 foi o arguido condenado pela prática de um crime de violência doméstica contra cônjuge ou análogos na pena de 1 ano e 10 meses de prisão suspensa por 2 anos.

d) Por sentença proferida no âmbito do processo n.º ... do J3 Pequena Criminalidade do Porto a 25.05.2022 e por factos ocorridos a 11.05.2022 foi o arguido condenado pela prática de um crime de condução sem habilitação legal na pena de 6 meses de prisão suspensa por um ano.

e) Por sentença proferida no âmbito do processo n.º ... do J8 Criminal do Porto a 18.09.2023 e por factos ocorridos a 21.07.2020 foi o arguido condenado pela prática de um crime de condução sem habilitação legal na pena de 180 dias de multa.

f) Por sentença proferida no âmbito do processo n.º ... do J2 Criminal do Porto a 28.10.2021 e por factos ocorridos a 23.02.2020 foi o arguido condenado pela prática de um crime de condução sem habilitação legal na pena de 80 dias de multa.


*

Não se provaram os factos com relevância para a causa, designadamente que:

1. O arguido AA agiu com o propósito de agredir fisicamente os demais arguidos, o que conseguiu, visto que atingiu o arguido CC numa perna.»

b. É a seguinte a motivação da decisão de facto apresentada pelo Tribunal de 1.ª Instância:

« III – Motivação da decisão de facto

Os factos dados como provados e não provados assentam numa apreciação crítica e global de toda a prova produzida em audiência de julgamento.

Concretizando.

O Tribunal concatenada toda a prova produzida apurou com segurança a sequência cronológica dos factos e o sucedido que foi o supra descrita acrescido de outros factos não relevantes mas que explicam a envolvência e os ânimos quentes naquela noite na Discoteca entre os intervenientes ofendidos (EE e AA) e outros terceiros não ouvidos ou inquiridos porque não identificados.

Desde logo não ficamos com duvida que ocorrem três altercações em momentos distintos.

A primeira entre a testemunha EE que deu um murro num terceiro dentro da discoteca e que por tal foi expulso bem como foi o arguido AA que assumiu que agrediu também um terceiro nas suas declarações que assim se valoraram .

Na realidade todos os arguidos nas suas declarações são coincidentes uns com os outros cronologicamente e assumem os factos menos aquilo que o Tribunal apurou que foi a agressão ao AA e a agressão directa ao EE, tendo os arguidos alegado legitima defesa, mas o Tribunal não descortinou qualquer animus defendi ma sim animus ofendi.

Desde logo o arguido AA reconheceu que foi expulso bem como EE na primeira altercação dentro da discoteca.

A segunda altercação foi entre o EE e terceiros (sendo um o que antes dentro da Discoteca o EE agrediu com um murro e agora mais alguns amigos daquele ) à porta da Discoteca A..., onde houve nova troca de murros entre o EE e os amigos daqueles terceiros não identificados.

O terceiro momento é aquele que o Tribunal verteu para os factos provados supra por serem os que têm relevo penal e que surgem na sequência dos primeiros e que não ficamos com duvida que assim sucederam.

Como o arguido AA reconheceu foi expulso e queria voltar a entrar (facto referido pela testemunha LL dono da Discoteca e por HH, namorado da KK e amigo do arguido AA).

Como o segurança JJ não permitia a entrada ao arguido que reconheceu estava alcoolizado, aquele foi ao carro da KK buscar a arma e quando vinha deu um tiro para intimidar o segurança (daí a testemunha QQ ter dito que ouviu dois disparos em momentos diferentes).

Foi assim que tudo se despoletou .

O arguido DD que é amigo do dono da Discoteca e conhecia o AA, quando o viu com a arma e ouviu o Tiro, abeirou-se daquele com intuito de o acalmar e afastar dali bem como o arguido NN (pois como disse o arguido AA “vieram os dois irmãos acalmar-me” e como disse a testemunha LL viu o DD agarrá-lo por trás e depois não viu mais nada pois fechou a porta da discoteca ).

Foi então que como referiu o arguido AA, a sua arma disparou-se inadvertidamente quando o DD estava com ele a acalmá-lo e atingiu acidentalmente o arguido NN . Como referiu a testemunha DD o seu irmão disse “Ó mano ó mano fui atingido”.

Foi então que o arguido DD em retaliação deu-lhe um soco e conseguiu um mata leão ao AA, o que terá levado este a largar a arma.

Após o arguido AA ter largado a arma e estar desarmado e não oferecer perigo decidiram continuaram a atingi-lo com socos e pontapés mesmo quando este já estava no chão indefeso e de forma bárbara e cobarde dado o estado de imobilizado e desmaiado em que se encontrava (o que aliás é bem visível no vídeo visionado em sede de julgamento, ainda que apenas abranja já a parte final em que já estão inanimados os ofendido AA e EE e vê-se estes ainda serem agredidos barbaramente pelos arguidos e a testemunha RR a tentar impedir mais agressões).

Foi nesta ocasião que vindo da discoteca o EE da segunda altercação e vendo a cena que se deparava perante ele foi em socorro do seu amigo AA tendo desferido um pontapé no arguido BB, quando este estava debruçado a atingir o AA com murros, daí que não tenhamos ficado com duvidas que o arguido BB também atingiu o AA com murro em cooperação com o DD e NN.

Aliás o arguido NN reconhece nas sua declarações que quando viu o buraco na perna “levantou-se foi ajudar o BB a lidar com o amigo do AA” (o EE), dando-lhe murros e que pararam quando ele estava inconsciente.

Daí que a testemunha SS tenha dito que viu uma pessoa com cabelo platinado e com uma tatuagem no pescoço, a agredir o EE, o que coincide com a imagem do arguido BB que tem efetivamente o cabelo pintado platinado e uma tatuagem no pescoço como exibiu.

Também esta testemunha referiu que viu o DD com sangue e a testemunha HH refere mesmo que viu o DD a dar um pontapé no EE e o NN a ir embora.

A testemunha II referiu que foi ele que apanhou a arma e atirou para um armazém para afastar o perigo e que viu vária pessoas à volta do AA e apesar de não ter visto a ser agredido viu á volta o DD e o NN.

A testemunha KK também refere que viu o DD e um rapaz Louro (que seria o BB dada ter o cabelo Pintado com madeixas louras platinadas), pelo que não ficamos com duvida que foi o arguido BB que atingiu tal como o DD e NN o arguido AA e depois de o EE após este ter ido em seu socorro e foi também agredido.

As demais testemunhas TT, QQ tiveram depoimentos que se valoraram e que são coincidentes com as demais testemunhas que mais próximas do local presenciaram os factos, e que assim nos levaram a formar a convicção que todo se passou da forma supra descrita.

Ou seja, os arguidos DD e NN se inicialmente agiram com intenção de acalmar o AA após o disparo para intimidar o segurança, depois de ter sido atingido na perna o NN, os arguidos decidiram atingir o AA e depois de o AA estar sem arma, continuaram a atingi-lo até aquele cair e de forma bárbara e salvagem continuaram a atingi-lo quando aquele estava indefeso já caído. De igual forma atingiram o EE, amigo daquele que foi em seu socorro e que também foi agredido de forma grave mesmo quando estava já caído e inconsciente, o que alias as imagens documentam, dai que a testemunhas tenham referido que uns batiam num e depois noutro e iam de um para o outro, tendo os arguidos fazer-se valer do seu maior numero de agressores em relação aos agredidos.

O facto de terem atingido os ofendidos quando estes estavam inanimados leva-nos a concluir que bateram com intuito de casuar sofrimento.

As agressões só pararam pela intervenção das pessoas que entretanto saíram pelas traseiras da discoteca sendo visivel no vídeo visionado em sede de julgamento a testemunha RR a tentar impedir mais agressões e ainda se vê o arguido BB de um forma bárbara e cobarde e impiedosa a desferir pontapés na cabeça de AA e UU e terão entretanto chegado mais foi o caso das testemunhas TT, II, SS, KK e HH.

Assim, o Tribunal não ficou com duvidas sobre a conduta dos arguidos que aproveitando-se da vantagem numérica atingiram os ofendidos com murros e pontapés e lhe causaram as lesões descritas e que desferiram as agressões pelo prazer de bater.

Os arguidos NN e DD são pessoas de porte atlético e dedicam-se ao cultivo do corpo dedicando-se o arguido NN ao Boxe, e cremos que no caso o disparo acidental foi o pretexto para estes poderem usar as suas capacidades atléticas de boxe e daí terem deixado os ofendido num estado lastimável.

Assim não valoraram as suas declarações quando disseram que agiram em legitima defesa pois se assim fosse teriam parado quando a arma do AA caiu ao chão logo de imediato após o murro e o mata leão do arguido DD e não obstante desarmado decidiram atingi-lo de forma bárbara tal como fizeram com o ofendido EE razão pela qual não valoramos as suas declarações quando disseram que foi em legitima defesa.

Ora no caso concreto foi ainda fundamental para a prova dos factos a prova pericial designadamente os relatórios do INML, relatórios de perícia de avaliação do dano corporal juntos e relatórios de exames periciais de avaliação do dano corporal juntos a fls. 102 a 104, fls. 276 a 278 e fls. 893 e 894; relatórios de exames periciais juntos a fls. 523 a 532, fls. 564 a 574, fls. 714;

Mais se valorou o autos de reconhecimento de pessoas juntos a fls. 395 a 412.

Atendemos aos documentos autos de notícia juntos a fls. 4 a 8 e fls. 657; aditamento ao auto de noticia junto a fls. 16 a 30; auto de apreensão junto a fls. 73 e 74; elementos clínicos juntos a fls. 81 a 85, fls. 86, fls. 128 a 136 e fls. 671 a 677; relatório técnico de inspeção judiciária junto a fls. 90 a 93; autos de visionamento de registo de imagens juntos a fls. 141 a 167, fls. 178 a 184 e fls. 843 a 859, autos de diligência juntos a fls. 295 a 297, fls. 349, fls. 358, autos de busca e apreensão juntos a fls. 302 a 304, fls. 352 e 353, fls. 361 e 362, reportagens fotográficas juntas a fls. 309 a 331, fls. 334 a 342, fls. 366 a 369; auto de exame direto junto a fls. 332 e 333; autos de exame juntos a fls. 343 a 345 e fls. 811 a 813; fotografia junta a fls. 562; informação junta a fls. 700 e auto de análise junto a fls. 716 a 718.

Mais valoramos as declarações dos arguidos quanto à sua situação pessoal, relatórios sociais e os CRCs junto aos autos.»

c. É como segue a apreciação e qualificação jurídico–penal da matéria de facto que foi efectuada pelo Tribunal de 1.ª Instância:

«IV – Subsunção dos factos ao Direito

Apurados os factos, importa agora proceder ao seu enquadramento jurídico-penal.

Para que o agente possa ser jurídico-penalmente responsabilizado, tem que praticar um facto típico, ilícito e culposo, sendo que o facto será típico quando a conduta do agente preencher todos os elementos objectivos e subjectivos de um tipo legal de crime.

Vejamos, então, os crimes pelos quais os arguidos veem acusados.

A) Do crime de ofensa à integridade física qualificada imputada ao arguido AA

Vejamos, então.

O arguido AA vem acusado da prática de um crime de ofensas à integridade física qualificada, p. e p. pelo artigo 145.º, n.º 1, al. a) do Código Penal, por referência aos artigos 143.º, n.º 1 e 132.º, n.ºs 1 e 2, al. e) e h) do mesmo diploma legal.

Dispõe o artigo 143º do Código Penal, no seu nº 1, que “quem ofender o corpo ou a saúde de outra pessoa é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa”.

O bem jurídico protegido é, assim, a integridade física da pessoa humana.

No caso sem duvida que o lesado CC sofreu a seguinte sequela no membro inferior direito furo do disparo efectuada pelo arguido AA

- cicatriz com coloração escurecida, normotrófica e ovalada, com 1,5cm por 2cm de maiores dimensões.

Mas quanto ao elemento subjectivo ao invés do que consta da acusação o Tribunal apurou que o arguido não agiu com dolo mas sim com negligência.

Pelo que em sede de audiência procedeu-se á alteração não substancial dos factos pois resultou provado que o arguido AA muniu-se de uma pistola de calibre 6.35 mm Browning, de marca e modelo desconhecidos, e efetuou um disparo para o ar com vista a intimidar o segurança JJ que o havia expulsado e o impedia de reentrar na discoteca.

O arguido DD abeirou-se então do arguido AA com o intuito de o demover e afastar do local da porta da entrada da Discoteca, e quando estava a afastar o arguido AA este inadvertidamente efectuou um disparo, atingindo na perna direita o arguido CC que se encontrava junto aqueles.

O arguido AA agiu de forma descuidada não se tendo assegurado que a arma que tinha na sua mão estava travada ou em condição de segurança de maneira a não fazer disparo, não se tendo assegurado de que esta não disparasse inadvertidamente e acidentalmente como veio a suceder e a atingir o arguido CC numa perna.

Assim, passou a estar a imputado ao arguido prática de um crime de ofensas à integridade fisica negligente p.p. pelo artº 148 nº 1 do CP.

Para a concreta integração e integral preenchimento do tipo, a negligência postula a verificação de um conjunto de pressupostos específicos.

Neste contexto, surge prima facie a exigência de uma previsibilidade objectiva do perigo de realização típica, não como uma previsibilidade absoluta, mas determinada de acordo com as regras gerais da experiência dos homens, ou de certo tipo profissional de homem.5

A este dever se refere o nosso Código Penal ao estabelecer no seu art.º 15.º, que: "Age com negligência quem, por não proceder com o cuidado a que, segundo as circunstâncias, está obrigado e de que é capaz, representar como possível a realização de um facto que preenche um tipo de crime mas actuar sem se conformar com essa realização; ou não chegar sequer a representar a possibilidade de realização do facto”

Conforme o prescrito no conteúdo do art.º 10.º do Código Penal, esse dever de cuidado pode-se manifestar quer por via da acção, quer por via de omissão. O critério delimitador desta previsibilidade encontra-se no homem médio e consubstancia-se na exigência de que a atenção do homem consciente e cuidadoso tivesse podido advertir do perigo de violação do bem jurídico pela conduta adoptada.

É, portanto, imperiosa a omissão do dever, a inobservância do cuidado objectivamente adequado à produção do resultado típico.

Cremos que foi o que sucedeu in casu pois o arguido ao ser abeirado pelo arguido DD não travou a arma ou a guardou e não se tendo assegurado de que esta não disparasse inadvertidamente e acidentalmente como veio a suceder agiu de forma negligente não tendo sequer representado tal facto que veio a suceder, o disparo.

O lesado CC não apresentou queixa.

Estatui o artº 49 do CPP (Legitimidade em procedimento dependente de queixa), que “Quando o procedimento criminal depender de queixa, do ofendido ou de outras pessoas, é necessário que essas pessoas deem conhecimento do facto ao Ministério Público, para que este promova o processo.”

Assim, e dado que o ofendido CC não apresentou queixa considerando o disposto nos artigos 49º do C.P.P. e 153º, nº 2 do Código Penal, e por o Ministério Público carecer de legitimidade para a acção penal in casu, não poderá o Tribunal condenar o arguido nesta parte pelo crime de ofensas à integridade física por negligência.

B) Dos crimes de ofensa à integridade física qualificada, p. e p. pelo artigo 145.º, n.º 1, al. a) do Código Penal, por referência aos artigos 143.º, n.º 1 e 132.º, n.ºs 1 e 2, al. e) e h) do mesmo diploma legal imputados aos arguidos DD, CC e BB, em coautoria material, em concurso real e na forma consumada:

Como já referimos o crime de ofensas à integridade fisica é um crime de resultado.

“Trata-se de um crime material e de dano. O tipo legal em análise abrange, com efeito, um determinado resultado que é a lesão do corpo ou saúde de outrem, fazendo-se a imputação objectiva deste resultado à conduta ou à omissão do agente de acordo com as regras gerais. Estamos também perante um tipo legal de realização instantânea, bastando para o seu preenchimento a verificação do resultado descrito” (Paula Ribeiro de Faria, “Comentário Conimbricense do Código Penal”, tomo I, pág. 204).

O tipo objectivo do artigo 143º fica, pois, preenchido mediante a verificação de qualquer ofensa no corpo ou na saúde, sendo que “por ofensa no corpo poder-se-á entender «todo o mau trato através do qual o agente é prejudicado no seu bem estar físico de uma forma não insignificante» (cfr. Paula Ribeiro de Faria, obra citada, pág. 206). A ofensa não implica necessariamente a verificação de uma lesão, de dor ou de incapacidade para o trabalho; efectivamente, a lei pune a mera ofensa no corpo, e esta verifica-se quando a agressão é praticada sobre uma pessoa, “ainda que esta não sofra, por via disso, lesão, dor ou incapacidade para o trabalho” (cfr. o Acórdão do S.T.J. de 18.12.91, in D.R., I Série-A, de 08.02.92).

O artigo 145º do Código Penal, por seu turno, estabelece, no nº 1, alínea a), que “se as ofensas à integridade física forem produzidas em circunstâncias que revelem especial censurabilidade ou perversidade do agente, este é punido com pena de prisão até 4 anos no caso artigo 143º”, sendo susceptíveis de revelar a especial censurabilidade ou perversidade do agente, entre outras, as circunstâncias previstas no nº 2 do artigo 132º (cfr. o nº 2 do artigo 145º).

Assim, a aplicação do artigo 145º “(…) e o funcionamento da qualificação que aqui se prevê supõem a verificação de uma lesão da integridade física simples (art.143º), grave (art. 144º), ou a ocorrência de um dos resultados que nos termos do art. 145º são susceptíveis de conduzir a uma agravação da responsabilidade do agente. Além da verificação de qualquer um destes resultados, necessário se torna que a conduta do agente revele uma censurabilidade acrescida, uma «especial censurabilidade ou perversidade (…) e que se mostra susceptível de decorrer de uma das circunstâncias previstas no nº 2 do artigo 132º. Enveredou-se, deste modo, aqui como no homicídio, para cuja disciplina se remete, pela técnica dos exemplos-padrão ou dos exemplos-regra” (Paula Ribeiro de Faria, obra citada, págs. 249 e 250).

Existirá especial censurabilidade – certo que é censurável o agente ter podido determinar-se de acordo com a norma e não o ter feito - quando as circunstâncias em que a ofensa à integridade física foi causada sejam de tal modo graves que reflectem uma atitude profundamente distanciada do agente em relação a uma determinação normal de acordo com os valores. Com a referência à especial perversidade, por outro lado, “(…) tem-se em vista uma atitude profundamente rejeitável, no sentido de ter sido determinada e constituir indício de motivos e sentimentos que são absolutamente rejeitados pela sociedade” – cfr. Teresa Serra, “Homicídio Qualificado, tipo de culpa e medida da pena”, Almedina, Coimbra, 1997, págs. 63 e 64.

Sobre a “especial censurabilidade ou perversidade”, escreveu-se no Acórdão da Relação do Porto de 31/10/2001 (proferido no processo nº 0110623, disponível na Internet via www.dgsi.pt ) que “para se afirmar a existência de especial censurabilidade ou perversidade no comportamento assumido pelo arguido, impõe-se a análise das circunstâncias concretas que rodearam a prática do facto ilícito e a conclusão de que elas são tais que exprimem inequívoca e concretamente uma especial perversidade do agente ou que são merecedoras de um severo juízo de censura”. E no Acórdão da Relação do Porto de 18/12/2002 (proferido no processo nº 0211608, disponível na Internet no mesmo endereço): “Como tem sido unanimemente recortado jurisprudencialmente, o que verdadeiramente releva em cada caso é que as suas circunstâncias analisadas em concreto demonstrem que o agente actuou com uma censurabilidade ou perversidade que justificam uma censura penal que não deve ser encontrada na moldura sancionatória de um tipo legal de crime simples, mas sim noutra moldura, que represente um castigo aumentado”.

Uma das circunstâncias susceptíveis de revelar a “especial censurabilidade ou perversidade” é, precisamente, “praticar o facto juntamente com, pelo menos, mais duas pessoas ou utilizar meio particularmente perigoso ou que se traduza na prática de crime de perigo comum.” (cfr. a alínea h) do nº 2 do artigo 132º).

Posto isto, atentemos no caso dos autos.

De facto resultou provado que os arguidos DD, CC e BB após o disparo inadvertido daquele que atingiu o arguido CC, abeiraram-se do arguido AA e dando-lhe murros e pontapés e quando este já não tinha arma, os arguidos continuaram a desferir-lhe murros e pontapés em várias zonas do corpo, mormente na cabeça e na cara, fazendo-o cair ao chão.

O arguido AA largou a arma que caiu no chão e esta foi depois recolhida pela testemunha II que a atirou para as imediações de um armazém.

Ao aperceber-se das agressões, EE que entretanto saía também da discoteca A..., acorreu ao local com o intuito de ajudar o arguido AA, tendo desferido um pontapé no arguido BB, quando este estava debruçado a atingir o AA com murros.

De imediato, os arguidos DD, CC e BB abeiraram-se de EE e desferiram-lhe murros e pontapés em várias zonas do corpo, mormente na cabeça e na cara, fazendo-o cair ao chão.

Pese embora o arguido AA e EE não reagissem e aparentassem estar inconscientes, os arguidos DD, CC e BB continuaram a desferir-lhes murros e pontapés por todo o corpo, nomeadamente na cabeça,

Apenas cessando o seu comportamento quando várias pessoas acorreram ao local para prestar auxílio.

Resulta assim que os arguidos depois do disparo acidental agiram numa resolução de o agredir fisicamente e os arguidos desferiram-lhe murros e pontapés em várias zonas do corpo, mormente na cabeça e na cara, fazendo-o cair ao chão.

Também depois os arguidos DD, CC e BB abeiraram-se de EE que havia chegado e desferiram-lhe murros e pontapés em várias zonas do corpo, mormente na cabeça e na cara, fazendo-o cair ao chão e ainda no chão continuaram com as agressões.

Provou-se ainda que os arguidos atuaram de forma livre, deliberada e conscientemente, com o propósito conseguido de, através do comportamento supra descrito molestar o corpo e saúde dos lesados provocando-lhe dores e as lesões descritas bem sabendo que aquela conduta era adequada a esse fim, o que não os coibiu de atuarem da forma descrita e que os arguidos bem sabiam que todas as suas condutas eram proibidas e punidas por lei penal.

Logo, os arguidos ofenderam o corpo dos lesados pois que a prejudicaram no seu bem-estar físico de uma forma não insignificante.

Mas, pergunta-se, tê-lo-á feito em circunstâncias que revelam especial censurabilidade ou perversidade?

Cremos que sim. Efectivamente, tudo aconteceu numa clara desvantagem numérica de uma superioridade numérica de 3 elementos para um sequencialmente, primeiro com o arguido AA e depois com o ofendido EE.

Consequentemente, os arguidos socorrerem-se dessa vantagem numérica (alinea h) e ainda pelo prazer de causar sofrimento (ali. e)) pois já depois dos ofendidos estarem no chão continuaram a dar-lhes pontapés só pelo prazer de causar sofrimento.

As lesões foram graves como resultam dos factos 12 e 13 dados por provados pois resultou um traumatismo craniano num e ossos do nariz partidos a outro para além de outras lesões.

Isto é, a conduta dos arguidos revelam a “especial censurabilidade ou perversidade” a que aludem os artigos 145º e 132º al. e) e h).

Tal não basta, contudo, para que se mostre preenchido o tipo de crime em causa, já que, como se disse, para tanto é necessário, igualmente, o preenchimento do respectivo tipo subjectivo.

A ofensa à integridade física qualificada é um crime apenas punível a título de dolo, referindo-se este dolo às ofensas no corpo ou na saúde do ofendido. Sendo que, no caso da ofensa à integridade física qualificada existe, na opinião de Figueiredo Dias (apud Faria, Paula Ribeiro de, obra citada, pág. 252), como que uma “culpa qualificada” resultante de uma “imagem global do facto agravada”.

In casu, apurou-se que os arguidos agiram de forma livre, deliberada e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei e que, apesar de o saber, quiseram atingir AA e EE e molestá-los na sua integridade física, sabendo que a sua conduta era adequada e poderia provocar lesões corporais naquele numa clara vantagem numérica e tal como era aliás sua intenção quando aqueles estavam no chão. Estão, portanto, reunidos os elementos do dolo, presentes no artigo 14º do Código Penal: o elemento intelectual (o conhecimento das circunstâncias de facto) e o elemento volitivo (a decisão de praticar ou abster-se de praticar esse facto).

Conclui-se, assim, face ao exposto - e atendendo a que não se verificam quaisquer causas de exclusão de ilicitude ou da culpa –, que se encontram preenchidos todos os elementos constitutivos do crime de ofensa à integridade física qualificada, previsto e punido nas disposições conjugadas dos artigos 143º, nº 1, 145º, nº 1, alínea a) e nº 2 e 132º, nº 2, alínea e ) e h), do Código Penal, pelo qual os arguidos veem acusados

C) Do crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo artigo 86.º, n.º 1, al. c) e d) da Lei n.º 5/2006, de 23 de fevereiro, por referência aos artigos seguintes imputados ao arguido DD, pelo 2.º, n.º 1 e 3.º, n.º 2, al. e), quanto ao boxer, nº 3.º, n.º 5, al. e), quanto ao revólver da marca Taurus, nº 3.º, n.º 4, al. b), quanto ao revólver da marca Amadeo Rossi e nº 2.º, n.º 3, al. m) quanto às munições.

Ao arguido é imputado um crime de um crime de detenção de arma proibida, previsto e punido pelos artigos 86.º nº 1, alínea d) e artigos 3º, nº 2, al. e); artigo 2º, nº 1, al. ap) e 4º, nº 1, todos da Lei nº 5/2006, de 23 de Fevereiro (Regime Jurídico das Armas e Munições), alterada e republicada pela Lei n.º 17/2009, de 6 de Maio, e ainda artigos 14.º e 26.º do Código Penal

Vejamos.

Dispõe o n.º 1, alínea d) do art.º 86.º da Lei n.º 5/2006:

d) Arma da classe E, arma branca dissimulada sob a forma de outro objecto, faca de abertura automática, estilete, faca de borboleta, faca de arremesso, estrela de lançar, boxers, outras armas brancas ou engenhos ou instrumentos sem aplicação definida que possam ser usados como arma de agressão e o seu portador não justifique a sua posse, aerossóis de defesa não constantes da alínea a) do n.º 7 do artigo 3.º, armas lançadoras de gases, bastão, bastão extensível, bastão eléctrico, armas eléctricas não constantes da alínea b) do n.º 7 do artigo 3.º, quaisquer engenhos ou instrumentos construídos exclusivamente com o fim de serem utilizados como arma de agressão, silenciador, partes essenciais da arma de fogo, bem como munições de armas de fogo independentemente do tipo de projéctil utilizado, é punido com pena de prisão até 4 anos ou com pena de multa até 480 dias.”

Deste modo, para que se mostrem preenchidos os elementos típicos do crime de detenção de arma proibida, torna-se necessário que o arguido tenha na sua posse uma das armas elencadas numa daquelas alíneas, sem que para tal tenha autorização.

O bem jurídico protegido pela incriminação legal é a segurança da comunidade face aos riscos da circulação e detenção de armas de defesa sem o seu controlo adequado pelo Estado.

Estamos, pois, perante um crime de perigo comum abstracto, e de realização permanente, cujo preenchimento se mantém enquanto durar a forma de actuação.

In casu, as armas e munições, pelas características apresentadas, preenchem os elementos do tipo de incriminação em causa.

Já a detenção corresponde à posse precária, de acordo com o conceito previsto no artigo 1253º do Código Civil, abrangendo a simples disponibilidade da arma.

O tipo subjectivo deste ilícito criminal pressupõe por parte do agente uma conduta culposa, sendo punível o facto praticado com dolo, em quaisquer das modalidades previstas no artigo 14º do Código Penal.

Resulta inequivocamente dos factos dados como provados que no dia 2 de fevereiro de 2023, pelas 09h40, o arguido DD detinha no interior do quarto da respetiva residência, situada na Rua ..., ..., ..., Porto:

- um revólver da marca Taurus, modelo ..., com o n.º de série ..., de calibre .22 Magnum (também denominado de 5,6mm Winchester Magnum Rimfire);

- um revólver da marca Amadeo Rossi, modelo ..., de calibre .23 S&W Long, com o n.º de série ...;

- vinte e oito munições de calibre .22 Magnum, também designado 5,6mm Winchester Magnum Rimfire, todas com bala “FMJ”;

- treze munições de calibre .32 S&W Long, todas com bala “FMJ”;

- vinte e duas munições de calibre .32 Auto, também designado 7,65x17 mm ou 7,65 Browning, todas com bala “FMJ”;

- um boxer (vulgo, soqueira), de produção artesanal e de construção metálica, composto por dois anéis para inserção dos dedos e por uma base de apoio para a palma da mão, com as dimensões aproximadas de 6,5X5,4X1,0cm.

Assim, atenta a factualidade dada como provada em audiência, e agindo a arguido livre, voluntária e conscientemente, é lícito aferir-se que, objectivamente, representou como consequência da sua conduta a realização de possuir / deter armas proibidas, agindo com intenção de assim o fazer. Actuou, pois, com dolo directo - artigo 14º, nº 1 do Código Penal.

Sabia ainda que a sua conduta não era permitida por lei, estando, assim, demonstrada a ilicitude daquela.

Não se verificam quaisquer causas de exclusão de ilicitude e / ou da culpa, nem falta qualquer condição de punibilidade, pelo que deve o arguido ser condenado pelo crime previsto na alínea d) do artigo 86.º da Lei n.º 5/2006, pelo qual vem acusado.

D) Do de crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo artigo 86.º, n.º 1, al. c) da Lei n.º 5/2006, de 23 de fevereiro imputado ao arguido AA.

Tal como referimos supra para que se mostrem preenchidos os elementos típicos do crime de detenção de arma proibida p.p. pelo artº 86 da Lei 5/2006, torna-se necessário que o arguido tenha na sua posse uma das armas elencadas numa daquelas alíneas, sem que para tal tenha autorização.

Preceitua o artº 86 nº 1 al. c) da citada lei que 1 ‐ Quem, sem se encontrar autorizado, fora das condições legais ou em contrário das prescrições da autoridade competente, detiver, transportar, importar, transferir, guardar, comprar, adquirir a qualquer título ou por qualquer meio ou obtiver por fabrico, transformação, importação, transferência ou exportação, usar ou trouxer consigo: c) Arma das classes B, B1, C e D, espingarda ou carabina facilmente desmontável em componentes de reduzida dimensão com vista à sua dissimulação, espingarda não modificada de cano de alma lisa inferior a 46 cm, arma de fogo dissimulada sob a forma de outro objecto, ou arma de fogo transformada ou modificada, é punido com pena de prisão de 1 a 5 anos ou com pena de multa até 600 dias;

O bem jurídico protegido pela incriminação legal é a segurança da comunidade face aos riscos da circulação e detenção de armas de defesa sem o seu controlo adequado pelo Estado.

Estamos, pois, perante um crime de perigo comum abstracto, e de realização permanente, cujo preenchimento se mantém enquanto durar a forma de actuação.

In casu, as armas e munições, pelas características apresentadas, preenchem os elementos do tipo de incriminação em causa.

Já a detenção corresponde à posse precária, de acordo com o conceito previsto no artigo 1253º do Código Civil, abrangendo a simples disponibilidade da arma.

O tipo subjectivo deste ilícito criminal pressupõe por parte do agente uma conduta culposa, sendo punível o facto praticado com dolo, em quaisquer das modalidades previstas no artigo 14º do Código Penal

Dos factos resulta que o arguido AA nas circunstâncias apuradas muniu-se de uma pistola de calibre 6.35 mm Browning, de marca e modelo desconhecidos.

O arguido representou como consequência da sua conduta a realização de possuir / deter arma proibida, agindo com intenção de assim o fazer. Actuou, pois, com dolo directo - artigo 14º, nº 1 do Código Penal.

Sabia ainda que a sua conduta não era permitida por lei, estando, assim, demonstrada a ilicitude daquela.

Não se verificam quaisquer causas de exclusão de ilicitude e / ou da culpa, nem falta qualquer condição de punibilidade, pelo que deve o arguido ser condenado pelo crime previsto na alínea c) do artigo 86.º da Lei n.º 5/2006, pelo qual vem acusado.»

d. É como segue a apreciação efectuada pelo Tribunal de 1.ª Instância quanto à determinação das consequências penais no caso:

«V – Determinação da medida concreta da pena

Importa, a este passo, determinar a medida da pena que, em concreto, e relativamente aos crimes praticados, se adequa ao comportamento dos arguidos.

Nos termos do artigo 71º, nº 1 do Código Penal, “a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção”. Os dois termos do binómio, com auxílio do qual há-de ser construído o modelo de determinação concreta da pena, são, assim, a culpa e prevenção.

No entanto, a medida da pena não pode, em caso algum, ultrapassar a medida da culpa.

O nº 2 do artigo 71º manda, todavia, atender ainda, no caso concreto, a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor ou contra o arguido, nomeadamente: “o grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente; a intensidade do dolo ou da negligência; os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram; as condições pessoais do agente e a sua situação económica; a conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime; a falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena”.

Vejamos assim, no caso em preço:

A) Determinação da pena concreta quanto ao arguido AA:

O arguido cometeu um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo artigo 86.º, n.º 1, al. c) da Lei n.º 5/2006 que é punivel com pena de prisão de 1 a 5 anos ou com pena de multa até 600 dias;

- o grau de ilicitude e da culpa é bastante elevado pois com esta arma causou um perigo concreto

- o dolo é directo na sua condutas;

- as exigências de prevenção geral tem significado, considerando o alarme social que este crime induz.

- as exigências de prevenção especial são muito elevadas tanto mais que o arguido já tem três condenações por conduzir sem habilitação legal.

Assim, na escolha da medida da pena há que salientar que, ainda que o crime em causa seja punidos com penas alternativas de prisão ou multa, entendemos que no caso em apreço se deverá optar por uma pena de prisão, posto que o registo criminal do arguido evidencia com clareza que o arguido não se conforma com o dever ser jurídico e com as regras impostas pela sociedade.

Assim, na escolha da medida concreta da pena e tudo ponderado como acima referido, afiguram-se-nos necessárias, adequadas e proporcional relativamente ao crime de a pena de 1 (um) ano e 3 (três) meses de prisão.

Não obstante, e considerando que o arguido se encontra socialmente integrado na sociedade entendemos que o cumprimento da pena de prisão aplicada não se justifica desde já pelo que o Tribunal conclui que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizarão de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, pelo que decide suspender a execução da pena de prisão aplicada pelo período de 1 ano e três meses(cf. art. 50.º, n.º 1 e 5 do CP).

B) Determinação da pena quanto aos arguidos CC e BB.

Os arguidos cometeram dois crimes de ofensa à integridade física qualificada, p. e p. pelo artigo 145.º, n.º 1, al. a) do Código Penal, por referência aos artigos 143.º, n.º 1 e 132.º, n.ºs 1 e 2, al. e) e h) do mesmo diploma legal em co-autoria, o qual é punível com pena de prisão até 4 anos.

Encontra o arguido CC abrangido pelo regime penal especial para jovens com idade compreendida entre os 16 e os 21 anos, previsto pelo Decreto-Lei nº 401/82, de 23 de Setembro.

Conforme dispõe o art.º 4.º do aludido diploma legal, se ao arguido “for aplicável pena de prisão, deve o juiz atenuar especialmente a pena nos termos dos artigos 73.º e 74.º do Código Penal, quando tiver sérias razões para crer que da atenuação resultem vantagens para a reinserção social do jovem condenado”.

Por seu turno, o art.º 6.º, n.º 1, do mesmo normativo preceitua que “Quando das circunstâncias do caso e considerada a personalidade do jovem maior de 18 anos e menor de 21 anos resulte que a pena de prisão até 2 anos não é necessária nem conveniente à sua reinserção social, poderá o juiz impor-lhe medidas de correcção”.

A aplicação deste regime não se mostra, pois, automática, apenas sendo de aplicar quando o Tribunal entender que a atenuação especial da pena permita uma mais vantajosa reinserção social do jovem, pelo que a idade do jovem delinquente só será relevante se for possível um juízo de prognose favorável à sua reinserção social.

No caso, atenta a moldura penal aplicável ao crime de furto qualificado, o qual apenas prevê pena de prisão, será de ponderar a aplicação do regime penal especial para jovens.

Deste modo, o Tribunal tem em consideração que o arguido NN não têm antecedentes criminais, todavia o arguido não se encontra social inserido.

Assim, entende o Tribunal que no caso em apreço deverá não obstante o arguido CC beneficiar da aplicação do regime penal especial para jovens.

Assim sendo, atender-se-à que: contra os arguidos joga o grau acentuado da ilicitude do facto revelada pela gravidade das lesões causadas aos ofendidos; a intensidade do dolo, pois que na sua modalidade mais grave - dolo directo; o modo de actuação, ou seja, sem qualquer tipo de hesitação em atingir o ofendido mesmo quando estes estavam indefesos e caídos no chão e é ainda de censurar o facto de não se absterem da agressão perpetrada ; enquanto que, a seu favor, temos de ponderar na sua ausência de antecedentes criminais e inserção profissional e familiar e social.

Ponderadas todas as circunstâncias acabadas de enunciar, temos que se mostra adequada e proporcional à conduta dos arguidos, dentro da moldura penal abstracta prevista no art. 143º n.º 1, do C.Penal, e tendo em conta a opção por uma pena não detentiva, por se mostrar como respeitadora das finalidades punitivas (cfr. art. 70º, do C.Penal ), atenta sobretudo a ausência de antecedentes criminais dos arguidos a condição sócio-cultural e o circunstancialismo em que os factos ocorreram, aplicar ao arguido BB a pena de 1 ano e 6 meses de prisão por cada um dos crimes e ao arguido CC apena de pena de 1 ano por cada um dos crimes.

Nos termos do n.º 2 do artigo 77.º do Código Penal, sendo a pena aplicável de prisão, na determinação da pena unica esta terá como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas, não podendo ultrapassar 25 anos, e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes.

Assim, tendo em consideração os factos praticados, as consequências daí resultantes, os bens jurídicos protegidos pelas respectivas incriminações, afigura-se adequado condenar o arguido BB numa pena única de 2 (dois) anos de prisão e o arguido CC na pena única de 1 ano e 4 (quatro) meses

Não obstante, e considerando que os arguidos se encontram socialmente integrados na sociedade entendemos que o cumprimento da pena de prisão aplicada não se justifica desde já pelo que o Tribunal conclui que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizarão de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, pelo que decide suspender a execução da pena de prisão aplicada ao arguido BB pelo período de 2 (dois) anos e ao arguido CC por 1 ano e 4 meses (cf. art. 50.º, n.º 1 e 5 do CP).

C) Determinação da pena quanto ao arguido DD

Resulta dos autos que o arguido cometeu um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo artigo 86.º, n.º 1, al. c) e d) da Lei n.º 5/2006, de 23 de fevereiro em concurso com um crime de crimes de ofensa à integridade física qualificada, p. e p. pelo artigo 145.º, n.º 1, al. a) do Código Penal, por referência aos artigos 143.º, n.º 1 e 132.º, n.ºs 1 e 2, al. e) e h) do mesmo diploma legal.

O primeiro dos crimes é punível com pena de prisão até 4 anos ou com pena de multa até 480 dias e o segundo com pena de prisão até quatro anos.

O arguido DD possui diversas condenações anteriores por crimes de idêntica natureza, e apresenta um historial de varias condenações.

Denota-se alias claramente do historial criminal do arguido um total desrespeito pelo dever ser juridico – com as condenações por crimes de roubo, arma proibida, violência doméstica e várias condenações por condução sem habilitação legal.

O arguido está a cumprir pena de prisão pela revogação da pena de suspensa, o que revela o seu comportamento de não conformação com o dever ser jurídico.

Ora, na escolha da medida da pena há que salientar que, ainda que o crime em causa seja punidos com penas alternativas de prisão ou multa, entendemos que no caso em apreço se deverá optar por uma pena de prisão no que concerne ao crime de detenção de arma probida posto que o registo criminal do arguido evidencia com clareza que o arguido não se conforma com o dever ser jurídico e com as regras impostas pela sociedade.

Ora, na escolha da medida da pena há que salientar que, ainda que o crime de ofensas qualificadas é apenas punido com pena de prisão.

Na escolha da medida concreta da pena e tudo ponderado como acima referido, afiguram-se-nos necessárias, adequadas e proporcionais:

- relativamente a cada um dos dois crime de ofensa á integridade física qualificada a pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão;

- relativamente ao crime de detenção de arma proibida a pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão;

Tendo o arguido praticado três crimes, haverá, no entanto, que determinar a pena única, como estabelece o artigo 77º do Código Penal. De facto, decorre da citada norma que “quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa única pena”, sendo considerados em conjunto, na medida da pena, os factos e a personalidade do agente; do nº 2 do artigo 77º, por seu lado, decorre que “a pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar 25 anos tratando-se de pena de prisão e 900 dias tratando-se de pena de multa”, e como limite mínimo “a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes”.

Assim sendo, dentro dos limites fixados pela lei, e tendo em atenção, em obediência ao nº 1 do artigo 77º, quer os factos descritos, quer a personalidade do arguido consideramos equitativa a pena única de 2 anos e 8 meses de prisão.

Todavia, nos termos do artigo 50º, n.º 1 do Código Penal “o tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da pena da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”.

Pressuposto formal de aplicação da suspensão da execução da pena de prisão é que esta não seja superior a cinco anos.

Pressuposto material de aplicação do instituto é que o tribunal, atendendo à personalidade do agente e às circunstâncias do facto, conclua por um prognóstico favorável relativamente ao comportamento do delinquente, ou seja, que a simples censura do facto e a ameaça da pena, acompanhadas ou não da imposição de deveres e/ou regras de conduta e/ou regime de prova, são suficientes para realizar as finalidades da punição. Para a realização de tal juízo o tribunal atenderá à personalidade do agente, às condições da sua vida e à sua conduta anterior e posterior aos factos.

À data da prática dos factos o arguido já tinha sofridos condenações por crime de roubo, detenção arma proibida e condução sem habilitação legal sendo que, apesar disso, praticou os crimes aqui em causa que revela gravidade. Assim sendo, o Tribunal entende que, em relação a este arguido, não produz quaisquer efeitos a pena de prisão suspensa, motivo pelo qual não pode suspender a pena de prisão agora aplicada.

Por conseguinte, entendemos que a suspensão da execução da pena, nem o cumprimento da pena em regime de permanência na habitação realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, não tendo sido suficientes nem surtido qualquer efeito as anteriores penas aplicadas ao arguido, sendo manifesta a sua indiferença perante as penas não detentivas, motivo pelo qual a situação ora em análise reclama a aplicação de uma pena de prisão efectiva.

A Lei n.º 38-A/2023, de 2 de Agosto, nos seus artigos 3.º e 4.º, o perdão de penas e a amnistia de determinadas infrações penais, abrangendo as sanções penais relativas aos ilícitos praticados até às 00:00 horas de 19 de Junho de 2023, por pessoas que tenham entre 16 e 30 anos de idade à data da prática do facto, nos termos definidos nos artigos 3.º e 4.º (cfr. n.º 1 do artigo 2.º da Lei n.º 38-A/2023), sem prejuízo das excepções elencadas no seu artigo 7.º.

No caso dos autos constata-se que o arguido nasceu em ../../1996 pelo que à data dos factos tinha 26 anos de idade.

Da análise do disposto no artigo 7.º da Lei n.º 38-A/2023, de 2 de Agosto, constata-se que os crimes pelo qual o arguido foi condenado não se encontra elencado nas excepções (artº 4º), pelo que é suceptível de beneficiar do perdão.

Nestes termos ao abrigo do artº 3º nº 1 da Lei 38-A/2023, de 2 de Agosto declaro perdoado um ano de prisão ao arguido.»

Apreciemos então as questões suscitadas, pela ordem de prevalência processual sucessiva que revestem – isto é, por forma a que, por via da sucessiva apreciação de cada uma, se vá alcançando, na medida do necessário, um progressivo saneamento processual que permita a clarificação do objecto das seguintes.

1. De saber se a Sentença recorrida padece de nulidade por falta de fundamentação em nos termos dos arts. 374º/2 e 379º/1/a) do Cód. de Processo Penal.

Começa o arguido/recorrente DD por invocar padecer a Sentença recorrida de nulidade por falta de fundamentação, nos termos das disposições conjugadas nos arts. 374º/2 e 379º/1/a) do Cód. de Processo Penal, sustentando–se na alegação de que na mesma o tribunal a quo condenou o recorrente referindo apenas não existir no caso legitima defesa da sua parte, sem analisar o instituto e demonstrar porque forma entende que tal instituto não se aplica, nem tendo contextualizado a legítima defesa, limitando-se a afastar este instituto a priori, descurando a sua obrigação de proceder ao exame crítico para sustentar essa sua convicção.

Vejamos.

Sucintamente se dirá que logo o artigo 205º/1 da Constituição da República Portuguesa consagra que “As decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei”, sublinhando-se que a necessidade de fundamentar as decisões judiciais é uma das exigências do processo equitativo, na medida em que se traduz num elemento de transparência da justiça inerente a qualquer acto processual.

O dever constitucional de fundamentação vem plasmado desde logo no art. 97º/4 do Cód. de Processo Penal, onde se estipula que «Os actos decisórios são sempre fundamentados, devendo ser especificados os motivos de facto e de direito da decisão», e encontra concretização reforçada no que tange às sentenças penais nos termos do disposto no art. 379º do Cód. de Processo Penal – de que decorrem em especial os motivos pelos quais a sentença penal pode ser afectada de nulidade por indevida fundamentação.

Assim, e por um lado, desde logo a alínea a) do nº1 do citado art. 379º do Cód. de Processo Penal, comina de nula a sentença que não contiver as menções referidas no art. 374º/2/3/b), do mesmo código ; e o art. 374º do Cód. de Processo Penal, versando sobre os requisitos da sentença, estipula no seu referido nº2 o chamado dever de fundamentação da sentença, determinando que em tal sede «ao relatório segue-se a fundamentação que consta da enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição, tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos de facto e de direito que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal».

Como escreve o Conselheiro Oliveira Mendes (em “Código de Processo Penal Comentado”, 5ª edição, pág. 1168), essa fundamentação reforçada «visa, por um lado, a total transparência da decisão, para que os seus destinatários (aqui se incluindo a própria comunidade) possam apreender e compreender claramente os juízos de valoração e de apreciação da prova, bem como a actividade interpretativa da lei e sua aplicação e, por outro lado, possibilitar ao tribunal superior a fiscalização e o controlo da actividade decisória, fiscalização e controlo que se concretizam através do recurso, o que consubstancia, desde a Revisão de 1997, um direito do arguido constitucionalmente consagrado, expressamente incluído nas garantias de defesa - artigo 32º, nº1, da Constituição da República».

É na fundamentação da sentença, sua explicitação e exame crítico que se poderá avaliar a consistência, objectividade, rigor e legitimidade do processo lógico e subjectivo da formação da convicção do julgador, do mesmo passo se viabilizando a possibilidade de controlo da decisão, de forma a impedir a avaliação probatória caprichosa ou arbitrária e deve ser conjugada com o sistema de livre apreciação da prova.

O que tal imperativo legal determina, portanto, é que a decisão do julgador permita aos destinatários da mesma compreender qual a razão do tribunal ter decidido num determinado sentido e não noutro, isto é, que torne possível acompanhar o processo lógico-valorativo da formação da convicção do Tribunal.

Pois bem, revertendo à alegação do recorrente neste segmento e ao concreto âmbito da Sentença ora recorrida, julga–se que esta última é desde logo clara no elenco da matéria de facto considerada para a decisão a jusante, como também patenteia o exame crítico da prova produzida em audiência de julgamento, permitindo a leitura da motivação da mesma decisão reconduzir racionalmente as razões probatórias que determinaram que o tribunal a quo formasse a sua convicção e percepcionar as conclusões jurídicas a que chegou.

Dali resultam inequívocos os elementos probatórios em que a convicção do tribunal a quo assentou muito em especial a sua convicção positiva quanto aos pressupostos da responsabilidade criminal do arguido, ora recorrente, e da respectiva concretização punitiva.

A alegação do recorrente centra–se na suposta carência de apreciação do instituto de legítima defesa por parte do tribunal recorrido.

Crê–se, contudo, que sem razão.

O dever de fundamentação de facto e de Direito da Sentença deverá ter–se por satisfeito mediante uma exposição que, ainda que sintética, expresse suficientemente, por um lado o exercício de exame crítico sobre as distintas fontes de prova, e por outro permita percepcionar os motivos da opção de jure do tribunal em resultado de tal exercício – donde, e em bom rigor, só na falta de tais menções se pode concluir pela nulidade da decisão nos termos do já transcrito art. 374º/2 do Cód. de Processo Penal.

Ora, e desde logo, assinala–se que no presente caso, e em sede de motivação da decisão sobre a matéria de facto, o tribunal a quo reporta directamente à suscitada, nomeadamente pelo arguido ora recorrente, verificação da causa de exclusão de ilicitude.

Assim, e depois de referir que «Na realidade todos os arguidos nas suas declarações são coincidentes uns com os outros cronologicamente e assumem os factos menos aquilo que o Tribunal apurou que foi a agressão ao AA e a agressão directa ao EE, tendo os arguidos alegado legitima defesa, mas o Tribunal não descortinou qualquer animus defendi ma sim animus ofendi.», passa o tribunal a efectuar um percurso pelo teor das declarações dos arguidos e a realçar aspectos concretos derivados desse e de outros meios de prova, destacando assim os motivos pelos quais entende verificados no caso vários momentos temporais distintos e sucessivos em que se pode cindir a factualidade global descrita na matéria de facto provada, e bem assim descortina um modo de actuação (designadamente do arguido/recorrente) que entende compaginável com uma «retaliação» e não com um mero intuito defensivo. E é a partir de tal perspectiva – que, assim, vemos sustentada pelo tribunal a quo nos elementos de prova que enuncia e a cuja análise procede – que ali se conclui pela não verificação do instituto excludente de responsabilidade criminal alegado pela defesa – concluindo o tribunal a quo, após o aludido percurso, que « Assim não valoraram as suas declarações quando disseram que agiram em legitima defesa pois se assim fosse teriam parado quando a arma do AA caiu ao chão logo de imediato após o murro e o mata leão do arguido DD e não obstante desarmado decidiram atingi-lo de forma bárbara tal como fizeram com o ofendido EE razão pela qual não valoramos as suas declarações quando disseram que foi em legitima defesa.».

Ou seja, é possível constatar que, em sede de exercício de motivação da decisão sobre a matéria de facto, o tribunal de primeira instância percorreu todos os elementos de prova que teve por relevantes para a formação da sua convicção negativa quanto à verificação do instituto de legítima defesa alegado, ponderando–os de per si e, mais relevantemente, integrados numa análise global da prova, que se revela perfeitamente lógica e perceptível para todos quantos analisem a mesma decisão, por isso também (e principalmente) aos sujeitos processuais directamente interessados.

Perante tal apreciação, não se vislumbra que ademais se mostre necessário repristinar a mesma em sede do enquadramento jurídico–criminal dos factos que vem a ser efectuado a jusante, julgando–se suficiente a salvaguarda ali expressa de que «Conclui-se, assim, face ao exposto - e atendendo a que não se verificam quaisquer causas de exclusão de ilicitude ou da culpa –, que se encontram preenchidos todos os elementos constitutivos do crime de ofensa à integridade física qualificada».

Em suma, lida a fundamentação em causa, não se crê que se suscitem dúvidas de que o tribunal elenca e justifica os motivos em que sustenta, na sua convicção, quer no que tange à demonstração de toda a matéria de facto provada, quer à não demonstração do sustento factual da legítima defesa invocada pelos arguidos em julgamento – e, nesta medida, fica muito aquém da fronteira que delimita a existência da falta de motivação probatória e de exame crítico da prova.

Se esse exercício se mostra adequadamente efectuado, e se as conclusões a que chega o tribunal recorrido são passíveis de censura, essa é uma questão diversa, e que se situa a jusante da deficiente explicitação dos motivos pelos quais se chegou àquelas.

Concluindo, cita–se quanto se referiu no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 05/06/2014 (proc. 853/98.0JAPRT.P1.S1)[[3]]: «A decisão recorrida deu por provada uma sequência fáctica, em si verosímil, e a motivação explica porque é que a convicção dos julgadores se formou num certo sentido, não padecendo de nulidade por falta de fundamentação. O grau de profundidade ou pormenor exigível, ao nível do exame crítico das provas, tem só que ser o suficiente, para que a decisão possa ser aceite, afastando-se a partir daí a ocorrência de falta de fundamentação, e consequente nulidade do art. 379.º, n.º 1, al. a), com referência ao art. 374.º, n.º 2, ambos do CPP.».

Sob tal perspectiva, que é aquela aqui prevalente, considera–se que através da análise que efectuou, o tribunal a quo faz, de forma adequada e suficiente, a descrição exigida pelo art. 374º/2 do Cód. de Processo Penal do percurso lógico seguido na decisão que tomou e das razões da sua convicção, não merecendo tal decisão a consideração do vício de nulidade por falta de fundamentação invocado pelo arguido e recorrente.

Em face de tudo o exposto, é de julgar improcedente esta parte do recurso.

2. De saber se se verifica na Sentença recorrida algum dos vícios previstos no art. 410º/2 do Cód. de Processo Penal.

Vem seguidamente o arguido/recorrente alegar verificarem–se na Sentença recorrida situações configuráveis como vícios, por um lado, de contradição insanável entre a matéria de facto dada como provada e a motivação, e, por outro, de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada – previstos, respectivamente, nas alíneas b) e a) do art. 410º/2 do Cód. de Processo Penal.

Sustenta sinteticamente tal alegação em três situações, que identifica, e que adiante serão objecto de caracterização e sucessiva apreciação no presente segmento decisório.

Por ora, e sucintamente, se realça que, como é consabido, a decisão da matéria de facto adoptada em primeira instância pode ser sindicada em sede de recurso por duas vias alternativas:

– no âmbito, mais restrito, dos vícios previstos no artigo 410º/2 do Cód. de Processo Penal,

– ou através da designada impugnação ampla da matéria de facto, a que se refere o artigo 412º/3/4/6, do mesmo diploma.

No primeiro caso, estamos perante a arguição dos vícios decisórios previstos nas diversas alíneas do nº 2 do referido art. 410.º, cuja indagação, como resulta imposto do preceito, tem que resultar da decisão recorrida, por si mesma ou conjugada com as regras da experiência comum, não sendo por isso admissível o recurso a elementos àquela estranhos, para a fundamentar, como, por exemplo, quaisquer dados existentes nos autos, mesmo que provenientes do próprio julgamento ; no segundo caso, a apreciação não se restringe ao texto da decisão, alargando-se à análise do que se contém e pode extrair da prova (documentada) produzida em audiência, mas sempre dentro dos limites fornecidos pelo recorrente no estrito cumprimento do ónus de especificação imposto pelos nºs 3 e 4 do art. 412º do Cód. de Processo Penal.

Do que nesta parte agora se cuida é da aludida primeira vertente, em que estamos perante a arguição de um dos vícios decisórios previstos nas diversas alíneas do nº 2 do referido art. 410º.

Estabelece, assim, este art. 410º/2 do Cód. de Processo Penal que, mesmo nos casos em que a lei restringe a cognição do tribunal, o recurso pode ter como fundamentos, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum:

a) a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada;

b) a contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão;

c) o erro notório na apreciação da prova.

Saliente-se que, como acima já se enunciou, em qualquer das apontadas hipóteses, o vício tem que resultar da decisão recorrida, por si mesma ou conjugada com as regras da experiência comum, não sendo por isso admissível apelar a elementos estranhos àquela para o fundamentar – como, por exemplo, quaisquer dados existentes nos autos, mesmo que provenientes do próprio julgamento (cfr. Maia Gonçalves, em ‘Código de Processo Penal Anotado’, 10ª ed., pág. 729 ; Germano Marques da Silva, em ‘Curso de Processo Penal’, Vol. III, 2ª ed., pág. 339 ; ou ainda Simas Santos e Leal Henriques, em ‘Recursos em Processo Penal’, 6.ª ed., pág. 77 e ss.), tratando-se, assim, de vícios intrínsecos da sentença que, por isso, quanto a eles, terá que ser auto-suficiente.

Serão, pois, falhas que hão-de resultar da própria leitura da decisão e que são detectáveis pelo cidadão médio, devendo ser patentes, evidentes, imediatamente perceptíveis à leitura da decisão, revelando juízos ilógicos ou contraditórios.

Cumpre realçar que não sustenta a configuração de tais vícios, o esgrimir de argumentos opinativos quanto ao julgamento de facto a que o tribunal chegou e que verteu no texto da decisão, nem a mera crítica ao processo formativo cognitivo–racional que sustentou uma tal apreciação factual ou valoração probatória – a menos que ofendam em tal grau o senso comum que, por isso, não viabilizem sequer a validação do acto de julgamento efectuado.

Na parte que reporta à alegação do recorrente, temos que o vício de A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada ocorrerá quando a matéria de facto provada seja insuficiente para fundamentar a decisão de direito e quando o tribunal não investigou toda a matéria de facto com interesse para a decisão – diga-se, contudo, que este vício se reporta à insuficiência da matéria de facto provada para a decisão de direito e não à insuficiência da prova para a matéria de facto provada, questão do âmbito do princípio da livre apreciação da prova: «com efeito, aqui, e num momento logicamente anterior, é a prova produzida que é insuficiente para suportar a decisão de facto ; ali, no vício, é a decisão de facto que é insuficiente para suportar a decisão de direito», cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 10/12/2014 (proc. 155/13.4PBLMG.C1)[[4]]. Ou, como se consigna no Acórdão do S.T.J. de 6/10/2011 (proc. 88/09.9PESNT.L1.S1)[[5]], «A insuficiência da matéria de facto para a decisão (art. 410.º, n.º 2, al. a), do CPP), implica a falta de factos provados que autorizam a ilação jurídica tirada; é uma lacuna de factos que se revela internamente, só a expensas da própria sentença, sempre no cotejo com a decisão, mas não se confunde com a eventual falta de provas para que se pudessem dar por provados os factos que se consideraram provados».

Assim, Para que se verifique o vício da alínea a) do nº 2, do art. 410º do Cód. de Processo Penal, «é necessário que a matéria de facto dada como provada não permita uma decisão de direito, necessitando de ser completada» (cfr. Prof. Germano Marques da Silva in “Curso de Processo Penal”, vol. III, p. 339/340), vício que tem de resultar do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência.

Já a contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão (art. 410º/2/b) do Cód. de Processo Penal), consiste na incompatibilidade, insusceptível de ser ultrapassada através da própria decisão recorrida, entre os factos provados, entre estes e os não provados, entre os meios de prova invocados na fundamentação de facto, ou entre a fundamentação e a decisão. Tal ocorre maxime quando um mesmo facto com interesse para a decisão da causa seja julgado como provado e não provado, ou quando se considerem como provados factos incompatíveis entre si, de modo a que apenas um deles pode persistir, ou quando for de concluir que a fundamentação conduz a uma decisão contrária àquela que foi tomada.

Como indicado por Simas Santos e Leal–Henriques em ‘Recursos em Processo Penal’, 6ª ed., pág. 71, “contradição insanável da fundamentação ou entre os fundamentos e a decisão - incompatibilidade, não ultrapassável através da própria decisão recorrida, entre os factos provados, entre estes e os não provados ou entre a fundamentação probatória e a decisão. Ou seja: há contradição insanável da fundamentação quando, fazendo um raciocínio lógico, for de concluir que a fundamentação leva precisamente a uma decisão contrária àquela que foi tomada ou quando, de harmonia com o mesmo raciocínio, se concluir que a decisão não é esclarecedora, face à colisão entre os fundamentos invocados ; há contradição entre os fundamentos e a decisão quando haja oposição entre o que ficou provado e o que é referido como fundamento da decisão tomada ; e há contradição entre os factos quando os provados se contradigam entre si ou por forma a excluírem–se mutuamente”.

Ou, como se exarou no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 13/05/2020 (proc. 9/19.0GBMDA.C1)[[6]] “A referida alínea b) abrange, na verdade, dois vícios distintos: a contradição insanável da fundamentação ; e a contradição insanável entre a fundamentação e a decisão. No primeiro caso incluem-se as situações em que a fundamentação desenvolvida pelo julgador evidencia premissas antagónicas ou manifestamente inconciliáveis. Ocorre, por exemplo, quando se dão como provados dois ou mais factos que manifestamente não podem estar simultaneamente provados ou quando o mesmo facto é considerado como provado e como não provado. Trata-se de “um vício ao nível das premissas, determinando a formação deficiente da conclusão”, de tal modo que “se as premissas se contradizem, a conclusão logicamente correcta é impossível” (cfr. Ac. do STJ de 18-02-1998, nº convencional JSTJ00034535). Por seu turno, a contradição entre a fundamentação e a decisão abrange as situações em que os factos provados ou não provados colidem com a fundamentação da decisão. É o vício que se verifica, por exemplo, quando a decisão assenta em premissas distintas das que se tiveram como provadas”.

Apreciemos, pois, e em concreto, da tríplice alegação recursória do arguido/recorrente nesta parte – seguindo a ordem pela qual a mesma vem formulada.

Assim, começa o recorrente por alegar que no ponto 5. Da matéria de facto provada se dá por assente que “5. De imediato, os arguidos DD, CC e BB, abeiraram-se do arguido AA e desferiram-lhe murros e pontapés em várias zonas do corpo, mormente na cabeça e na cara, fazendo-o cair ao chão”.

Contudo, da motivação da decisão de facto resulta realidade diversa da que o tribunal deu como provado, pois ali pode ler-se que «Aliás o arguido NN reconhece nas suas declarações que quando viu o buraco na perna “levantou-se foi ajudar o BB a lidar com o amigo do AA” (o EE), dando-lhe murros e que pararam quando ele estava inconsciente.».

Donde, o tribunal recorrido afirma em sede de motivação que apenas o arguido BB estaria envolvido fisicamente com o ofendido EE, e não com o arguido AA, e que o arguido CC só acorreu ao auxílio do arguido BB em momento ulterior (pois permaneceu bastante tempo caído no chão após ter sido alvejado pelo arguido AA), pelo que os arguidos BB e CC estariam afastados do recorrente DD e do AA e, assim, o recorrente não agrediu conjuntamente com os arguidos BB e CC o arguido/ofendido AA.

Porém, alega que contrariamente, no ponto 5. dos factos dados como provados afirma–se que o arguido AA estaria a ser alvo de um ataque realizado pelos três arguidos BB, CC e DD de forma simultânea.

Donde, conclui, não pode na motivação afirmar–se que o arguido EE estaria a ser agredido pelos arguidos BB e CC, e nos factos dados como provados afirmar que o recorrente também participou em tais confrontos físicos, motivo pelo qual se suscita o vicio de contradição insanável entre a matéria de facto dada como provada e a fundamentação, nos termos e para os efeitos do art. 410º/2/b) do Cód. de Processo Penal.

Apreciando, não pode deixar de começar por dizer–se que a alegação do recorrente é tudo menos clara.

Na verdade, não é sem alguma dificuldade que se logra descortinar qual a exacta contradição a que o recorrente se refere, e por reporte às agressões a quem – se ao arguido/ofendido AA (em causa no ponto 5. da matéria de facto provada), se ao ofendido EE (a que se reporta o trecho das declarações do arguido CC transcrito em sede de motivação e a que o recorrente alude nesta parte e, por isso).

Seja como for – isto é, em qualquer caso –, certo é que não se vislumbra que estejamos perante qualquer contradição.

Desde se realça que, como acaba de se referir, o trecho da motivação aludido pelo recorrente se reporta a uma transcrição que o tribunal a quo faz de uma declaração que terá sido prestada pelo arguido CC, decorrendo claramente da parte da mesma motivação em que o mesmo é inserida que aquilo que com tal excerto se visa alicerçar é a convicção positiva quanto à participação do arguido BB nas agressões também ao ofendido EE – e não que do mesmo passo se pretenda aceitar uma versão segundo a qual o arguido CC não agredira também o AA, ou que o recorrente DD não veio a agredir também o EE, sendo que ademais se constata que qualquer desses aspectos se mostra alicerçado probatoriamente pelo tribunal a quo em vários outros elementos elencados em sede de motivação.

E a verdade é que de tal trecho não decorre qualquer inviabilidade quer de o arguido/recorrente DD entretanto ter também tomado parte nas agressões ao ofendido EE, quer também de que tenham os três arguidos (DD, CC e BB), em momento anterior, desferido agressões conjuntamente sobre o arguido/ofendido AA – que é quanto se descreve no ponto 5. da matéria de facto provada.

Não se julga, pois, verificada por esta via uma contradição entre a matéria de facto provada e a motivação exaradas em sede de Sentença.

Quanto vem de se analisar já sustenta, na sua substancial parte, os motivos da falta de razão na segunda vertente da alegação do arguido/recorrente DD neste segmento do seu recurso.

Assim, refere agora o recorrente que no ponto 8. da matéria de facto provada se dá por assente que «8. De imediato, os arguidos DD, CC e BB abeiraram-se de EE e desferiram-lhe murros e pontapés em várias zonas do corpo, mormente na cabeça e na cara, fazendo-o cair ao chão.»

Contudo, remete de novo para o mesmo trecho da motivação acima também enunciado, e onde se consigna que «Aliás o arguido NN reconhece nas sua declarações que quando viu o buraco na perna “levantou-se foi ajudar o BB a lidar com o amigo do AA” (o EE), dando-lhe murros e que pararam quando ele estava inconsciente.»

Assim, refere a Sentença em sede de motivação que apenas o arguido BB estaria a confrontar fisicamente o ofendido EE e que só em momento posterior o arguido CC foi ao seu auxílio, mais referindo que os arguidos CC e BB pararam as agressões no momento em que este estava imobilizado (momento em que, alega, o recorrente já não estaria em qualquer contacto físico com o ofendido EE, não sendo assim responsável pela perda de sentidos deste último), mas, contudo – e contrariamente, de acordo com o alegado –, nos factos dados como provados afirma–se que o ofendido EE foi agredido também pelo recorrente, juntamente com os arguidos BB e CC.

Motivo pelo qual, conclui, se suscita também por esta via o mesmo vicio de contradição insanável entre a matéria de facto dada como provada e a fundamentação, nos termos e para os efeitos do art. 410º/2/b) do Cód. de Processo Penal.

Apreciando não pode deixar de se remeter aqui para quanto já se disse supra.

E em especial no que tange ao enquadramento lógico – que deflui (claramente, repete–se) da leitura da motivação probatória exposta na Sentença – do trecho transcrito pelo recorrente e em que o tribunal a quo por sua vez transcreve um excerto das declarações do arguido CC.

Como decorre daquilo que acima se disse, tal transcrição efectuada na motivação da Sentença não significa que se haja dado crédito a qualquer versão excludente da participação nomeadamente do arguido DD nas actuações em causa nos autos, participação essa que, como também já se disse, se constata estar alicerçada probatoriamente na Sentença em vários outros elementos elencados em sede de motivação.

Ou seja, e dito de outro modo porventura mais claro, com aquela transcrição o tribunal a quo não pretende afirmar que só os arguidos CC e BB agrediram o ofendido EE, mas sim alicerçar o motivo da sua convicção positiva de que também eles os dois o fizeram – sem que com isso, todavia, exclua a participação igualmente do DD, esta alicerçada pelo tribunal a quo em vários outros elementos probatórios.

Não existe, pois, qualquer contradição em referir–se que o CC a determinado passo admitiu ter abordado o EE quando este estava envolvido com o BB, e do mesmo passo dar–se por assente que o arguido DD se juntou aos arguidos BB e CC na agressão ao mesmo ofendido EE.

Nesta perspectiva, tampouco se vislumbra que do teor daquele excerto transcrito pelo tribunal a quo em sede de motivação decorra o recorrente DD já não estaria em qualquer contacto físico com o ofendido EE quando ele perdeu os sentidos (por via das agressões sofridas), não sendo assim responsável por tal ocorrência – sendo que, sempre se dirá, convém não olvidar que do teor da Sentença decorrida resulta uma actuação global dos três arguidos em co–autoria no que tange às agressões e ofensas físicas perpetradas sobre qualquer dos ofendidos AA e EE, como claramente decorre do ponto 21. da matéria de facto provada.

Donde, também não se tem, por via da alegação aqui em causa, como verificada a propugnada contradição entre a matéria de facto provada e a motivação exaradas em sede de Sentença.

Passemos, enfim, a apreciar quanto ao último aspecto relativamente ao qual vem suscitada recursóriamente a verificação de uma situação configurável enquanto um dos vícios da decisão da matéria de facto prevenidos no art. 410º/2 do Cód. de Processo Penal.

Assim, refere por último (nesta parte) o recorrente que na Sentença recorrida, e em sede de matéria de facto provada, nenhuma alusão ou análise é feita ao conteúdo do relatório social do recorrente, do qual – considera o recorrente – resultam aspectos e facto que o podem beneficiar.

Pelo que suscita o recorrente vicio de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada nos termos e para os efeitos do art. 410º/2/b) do Cód. de Processo Penal.

Cumpre apreciar.

E isso fazendo, tendo presentes as acima referidas considerações quanto à caracterização do vício aqui invocado, cumpre assinalar que, percorrida a fundamentação de facto da decisão recorrida, se constata na verdade que, como bem nota o recorrente, em sede de matéria de facto provada nada se mostra elencado quanto às circunstâncias da vida familiar, profissional, social e económica do arguido DD.

Ora, essa matéria – sobre as condições pessoais do agente – é desde logo relevante para as próprias opções decisórias, mormente em sede de determinação das consequências penais dos factos (cfr. alínea d) do nº2 do art. 71º do Cód. Penal).

Significa isto que a decisão se mostra amputada, em sede de descrição da matéria de facto assente, de aspectos relevantes para a ponderação sobre tais questões que fazem parte integrante e necessária do objecto da decisão a proferir em sede jurídico-penal e indemnizatória.

A falta de tal descrição fáctica constitui, pois, e à partida, o aludido vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, nos termos do art. 410º/2/a) do Cód. de Processo Penal.

Vício que, todavia, in casu se julga poder ser nesta instância suprido atenta a existência nos autos de elementos bastantes para o efeito.

Ou seja, que no presente caso considera–se que tal insuficiência é susceptível de tranquila sanação por esta instância de recurso ao abrigo da possibilidade que, nesse sentido, lhe é desde logo conferida pelos arts. 431º/1/a) do Cód. de Processo Penal – donde, e nos termos e para os efeitos do art. 426º/1 a contrario do Cód. de Processo Penal, se considera que a verificação do vício em causa não inviabiliza a decisão sobre o objecto da causa, não se mostrando, assim, necessário o respectivo reenvio para novo julgamento, sequer parcial.

Na verdade, quase se dirá afigurar–se que, nesta parte, estamos em bom rigor perante mero lapso por parte do tribunal a quo, que, em sede de matéria de facto provada não terá plasmado aquelas circunstâncias por mero olvido.

Na verdade, tão evidente como a insuficiência material aqui em causa, é a circunstância de claramente se constatar que o tribunal procedeu à oportuna indagação necessária à determinação da personalidade e situação pessoal, económica e social do arguido – determinando a elaboração de adequado relatório social pelos serviços da DGRSP.

Mais: constata–se inclusive que, em sede de motivação, o tribunal a quo consigna inclusive que «Mais valoramos as declarações dos arguidos quanto à sua situação pessoal, relatórios sociais e os CRCs junto aos autos».

Ou seja, e retomando a caracterização inicial do vício aqui em causa, estamos perante uma situação de mera ausência de elencação de factos, e não sequer perante qualquer omissão pelo Tribunal de primeira instância da devida indagação probatória da factualidade relevante para a determinação da personalidade e situação pessoal, económica e social do arguido.

Assim, e como se anunciou, no presente caso concreto mostra–se viável a apreciação e decisão por parte desta instância, por forma a sanar o apontado vício.

Na verdade, decorre do aludido art. 431º/a) do Cód. de Processo Penal que, sem prejuízo do disposto no artigo 410.º, a decisão do tribunal de 1.ª instância sobre matéria de facto pode ser modificada designadamente «se do processo constarem todos os elementos de prova que lhe serviram de base».

Nesta conformidade, e tomando em consideração o teor do relatório social elaborado pela DGRSP e junto aos autos em 07/10/2024 (a fls. 1107 e segs.), procede–se à modificação da matéria de facto que se mostra dada como assente, aditando–se à mesma o seguinte ponto, com a seguinte redacção:

29–A. O arguido DD, à data dos factos mantinha-se integrado no agregado de origem, composto pelo arguido, a progenitora e três irmãos. Residem em habitação camarária dotada de condições de habitabilidade. O arguido era praticante e professor de boxe, tendo combatido profissionalmente. Consequência da sua actividade desportiva era frequentemente chamado para exercer segurança em espaços de diversão nocturna. Indica como rendimentos médios o valor de 400€ mensais.

Concluiu o 12º ano de escolaridade durante o cumprimento do serviço militar obrigatório.

Em 2017/18 constituiu agregado próprio com MM, fruto desta união tem dois descendentes, revelando-se um pai diligente e protector. O relacionamento foi caracterizado por múltiplos desentendimentos, términos e reconciliações, culminando com a intervenção da justiça e a condenação numa pena de prisão suspensa na sua execução.

DD deu entrada no Estabelecimento Prisional ... em 13-07-2024, à ordem do processo nº ... do Juízo Central Criminal do Porto – Juiz 10, condenado na pena de prisão de três anos pela prática do crime de homicídio na forma tentada.

Em meio prisional trabalha na desportiva, dando sequência à sua função em meio livre.

Beneficia de apoio e visitas da namorada, dos filhos e dos irmãos. A progenitora encontra-se presa no Estabelecimento Prisional 1..., à ordem de outro processo, tendo já ocorrido uma visita por videoconferência.

Em face de quanto assim vai decidido e determinado, e mostrando–se adequadamente suprido o vício decisório apontado, cumpre, pois, prosseguir na apreciação das demais questões suscitadas no recurso interposto pelo arguido.

3. De saber se o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento da matéria de facto, nos termos do art. 412º/3 do Cód. de Processo Penal.

A parte seguinte do recurso apresentado pelo arguido reporta–se à concreta alegação de haver o tribunal a quo incorrido em erro no julgamento da matéria de facto elencada em sede de fundamentação da decisão recorrida – nomeadamente no que tange a terem–se por demonstrados os pressupostos de tipicidade e culpa necessários ao preenchimento dos crimes pelos quais vem condenado, como adiante melhor se verá.

Como já se disse, decorre do disposto no art. 428º do Cód. de Processo Penal, as Relações, em sede de recurso, conhecem de facto e de Direito.

A questão nesta parte suscitada pelo recorrente gravita no âmbito do segundo dos caminhos acima indicados e que podem consubstanciar tal sindicância, isto é, da chamada impugnação ampla da matéria de facto ou, mais apropriadamente, do erro de julgamento, como consagrado no artigo 412º/3/4/6 do Cód. de Processo Penal, situação que ocorre maxime quando o tribunal considere provado um determinado facto, sem que dele tivesse sido feita prova, pelo que deveria ter sido considerado não provado ; ou quando não se dá como provado um facto que, face à prova que foi produzida, deveria ter sido assim considerado.

Notar–se–á, não obstante, que nos casos de tal impugnação ampla, o recurso da matéria de facto não visa a realização de um segundo julgamento sobre aquela matéria, mas antes constituindo um mero remédio para obviar a eventuais erros ou incorrecções da decisão recorrida na forma como apreciou a prova, e sempre na perspectiva dos concretos pontos de facto identificados pelo recorrente.

E é exactamente por o recurso em que se impugne (amplamente) a decisão sobre a matéria de facto não constituir um novo julgamento do objecto do processo, mas antes um remédio jurídico que se destina a despistar e corrigir, cirurgicamente, os aludidos erros que o recorrente deverá expressamente indicar, que se impõe a este o ónus de proceder a uma especificação sob três vertentes, conforme estabelecido no art. 412º/3 do Cód. de Processo Penal, onde se impõe que, quando impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, o recorrente deve especificar:

a) os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados,

b) as concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida,

c) as provas que devem ser renovadas (quando seja o caso).

A assim exigida especificação traduz-se, portanto, na indicação dos factos individualizados que constam da sentença recorrida e que se consideram incorrectamente julgados, só se satisfazendo ademais tal exercício recursório com a indicação do conteúdo específico do meio de prova ou de obtenção de prova que impõem decisão diversa da recorrida, com a explicitação da razão pela qual assim se entende.

Sendo que, com relação a esta última vertente, recai ainda sobre o recorrente uma outra exigência: estando em causa o apelo a prova objecto de gravação, essas especificações devem ser feitas com referência ao consignado na acta, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens (das gravações) em que se funda a impugnação, pois são essas que devem ser ouvidas ou visualizadas pelo tribunal – é o que resulta do nº4 do art. 412º do Cód. de Processo Penal, que exactamente exige que “Quando as provas tenham sido gravadas, as especificações previstas nas alíneas b) e c) do número anterior fazem-se por referência ao consignado na acta, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 364.º, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que se funda a impugnação”.

Cumpre assinalar – aspecto de primordial relevância no presente caso, diga–se – que não deixará a instância de recurso de tomar em consideração, para além desses específicos trechos, também outros produzidos em audiência, nos termos previstos no nº 6 do mesmo art. 412º do Cód. de Processo Penal – onde precisamente se prevê que “No caso previsto no n.º 4, o tribunal procede à audição ou visualização das passagens indicadas e de outras que considere relevantes para a descoberta da verdade e a boa decisão da causa.”.

Em suma, e retomando quanto se vinha dizendo, quando se pretenda efectivamente sindicar a decisão recorrida no âmbito desta apreciação mais alargada resultante da impugnação da matéria de facto, resulta do texto do nº3 do art. 412º do Cód. de Processo Penal que não é uma qualquer divergência que pode levar o Tribunal ad quem a decidir pela alteração do julgado em sede de matéria de facto. Quando, no artigo 412º/3/b) do Cód. de Processo Penal se alude às «concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida», deve distinguir-se essa situação daquelas em que as provas em causa, sem imporem decisão diversa, admitiriam decisão diversa da recorrida na base de um outro juízo sobre a sua fidedignidade.

Assim, para que a impugnação possa proceder, as provas que o recorrente invoque, e a apreciação que sobre as mesmas se faça recair, em confronto com as valoradas pelo tribunal a quo ou com a valoração que esse tribunal efectuou, devem não apenas revelar que os factos foram incorrectamente julgados, como antes devem determinar a convicção de que se impunha decisão diversa da recorrida em sede do elenco dos factos provados e não provados.

Notar–se–á que a remissão para o verbo impor, especificamente estipulada no art. 412º/3/b) do Cód. de Processo Penal, consubstancia a exigência de verificação de uma obrigação impreterível, de um imperativo, de um dever mandatório inquebrável e sem alternativas. Assim, não basta estar demonstrada a possibilidade de existir uma solução em termos de matéria de facto alternativa à fixada pelo tribunal a quo. Na verdade, é raro o julgamento onde não estão em confronto duas, ou mais, versões dos factos (arguido/assistente ou arguido/Ministério Público ou mesmo arguido/arguido), qualquer delas sustentada, em abstracto, em prova produzida, seja com base em declarações do arguido, seja com fundamento em prova testemunhal, seja alicerçada em outros elementos probatórios.

Por isso, haver prova produzida em sentido contrário, ou diverso, ao acolhido e considerado relevante pelo Tribunal a quo, não só é vulgar, como é insuficiente para, só por si, alterar a decisão em sede de matéria de facto.

O que aqui se mostra necessário é que o recorrente demonstre que a prova produzida no julgamento só poderia ter conduzido, em sede de elenco de matéria de facto provada e não provada, à solução por si (recorrente) defendida, e não àquela consignada pelo Tribunal.

Estas ideias encontram eco indisputado na jurisprudência, podendo citar–se, por todos, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 15/12/2005 e de 09/03/2006 (procs. nº 2951/05 e 461/06)[[7]], onde se escreve que «o recurso de facto para a Relação não é um novo julgamento em que a 2.ª instância aprecia toda a prova produzida e documentada em 1ª instância, como se o julgamento ali realizado não existisse: antes se deve afirmar que os recursos, mesmo em matéria de facto são remédios jurídicos destinados a colmatar erros de julgamento, que devem ser indicados precisamente com menção das provas que demonstram esses erros» ; ou ainda o acórdão do mesmo Supremo Tribunal de Justiça de 23/11/2011 (proc. 158/09.3GBAVV.G2.S1)[[8]], onde se consigna o seguinte: « IV – Como o STJ vem decidindo, o reexame da matéria de facto pelo tribunal de recurso não constitui, salvo os casos de renovação da prova (art. 430.º do CPP), uma nova ou suplementar audiência, de e para produção e apreciação de prova, sendo antes uma actividade de fiscalização e de controlo da decisão proferida sobre a matéria de facto, rigorosamente delimitada pela lei aos pontos de facto que o recorrente entende erradamente julgados e ao reexame das provas que sustentam esse entendimento – art. 412.º, n.º 2, als. a) e b), do CPP. V - O duplo grau de jurisdição em matéria de facto não visa a repetição do julgamento pela 2.ª instância, dirigindo-se somente ao reexame dos erros de procedimento ou de julgamento que tenham sido referidos em recurso e às provas que impõem decisão diversa, indicadas pelo recorrente, e não a todas as provas produzidas na audiência. VI - Por isso, o recurso da matéria de facto não visa a prolação de uma segunda decisão de facto, antes e tão só a sindicação da já proferida, sendo certo que ao exercício dessa tarefa o tribunal de recurso apenas está obrigado a verificar se o tribunal recorrido valorou e apreciou correctamente as provas, pelo que, se entender que a valoração e apreciação feitas se mostram correctas, se pode limitar a aderir ao exame crítico das provas efectuadas pelo tribunal recorrido. ».

É que, como se refere por exemplo no acórdão da Relação do Porto de 26/11/2008 (relatado por Maria do Carmo Silva Dias e publicado na Revista de Legislação e Jurisprudência, ano 139º, nº 3960, pág. 176 e segs.), e citado pelo Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 11/05/2022 (proc. 299/20.6GAVGS.P1)[[9]], «não podemos esquecer a percepção e convicção criada pelo julgador na 1.ª instância, decorrente da oralidade da audiência e da imediação das provas. O juízo feito pelo Tribunal da Relação é sempre um juízo distanciado, que não é “colhido directamente e ao vivo”, como sucede com o juízo formado pelo julgador da 1ª. Instância».

E com particular acuidade numa situação como aquela aqui presente, adianta–se, cumpre em especial realçar que a credibilidade das provas e a convicção criada pelo julgador da primeira instância «têm de assentar por vezes num enorme conjunto de situações circunstanciais, de tal maneira que essa convicção criada assenta não tanto na quantidade dos depoimentos prestados, mas muito mais em outros factores» (acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 21/01/2003, proc. nº 024324)[[10]], fornecidos pela imediação e oralidade do julgamento. Neste, «para além dos testemunhos pessoais, há reacções, pausas, dúvidas, enfim, um sem número de atitudes que podem valorizar ou desvalorizar a prova que eles transportam» (acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 09/07/2003, proc. nº 3100/02)[[11]].

Como se escreve no supramencionado Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 11/05/2022, «o recurso da decisão em matéria de facto da primeira instância não serve para suprir ou substituir o juízo que o tribunal da primeira instância formula, apoiado na imediação, sobre a maior ou menor credibilidade ou fiabilidade das testemunhas. O que a imediação dá, nunca poderá ser suprimido pelo tribunal da segunda instância. Este não é chamado a fazer um novo julgamento, mas a remediar erros que não têm a ver com o juízo de maior ou menor credibilidade ou fiabilidade das testemunhas. Esses erros ocorrerão quando, por exemplo, o tribunal pura e simplesmente ignora determinado meio de prova (não apenas quando não o valoriza por falta de credibilidade), ou considera provados factos com base em depoimentos de testemunhas que nem sequer aludem aos mesmos, ou afirmam o contrário» – sublinhado agora aposto.

Efectuadas estas considerações – como forma de enquadramento dos limites em que se move a invocação desta forma de impugnação ampliada do exercício de fundamentação de facto por parte do tribunal a quo –, vejamos quanto sucede no caso concreto dos autos.

No caso, o recorrente vem invocar o incorrecto julgamento da matéria de facto por parte do tribunal de primeira instância, reportando a sua impugnação – em cumprimento da alínea a) do art. 412º/3 do Cód. de Processo Penal – à consideração como incorrectamente decidida a factualidade vertida nos pontos 2., 3., 4., 5., 8., 9., 10., 12., 13., 14., 15., 21., 22., 23. e 24. da matéria de facto provada.

Alude o recorrente, para sustentar a sua alegação – e em cumprimento de quanto lhe impõe o supra citado art. 412º/3/b)/4 do Cód. de Processo Penal –, aos depoimentos de várias das testemunhas ouvidas em sede de audiência final, às declarações prestadas em, sede de primeiro interrogatório judicial de arguidos – recortando o recorrente, e transcrevendo-os, trechos que tem por pertinentes dos mesmos –, e bem assim ao teor de prova de natureza documental – nomeadamente do seu relatório social e de exames periciais também constante do processo.

Antes de adentrarmos na apreciação das sucessivas etapas da impugnação recursória nesta parte, cumpre deixar claros os seguintes aspectos.

Para além dos momentos em que liminarmente o recorrente pretende a directa inversão da consideração como assentes de determinados factos, constata–se que em grande parte da sua impugnação ampla da decisão sobre a matéria de facto, o mesmo recorrente não procura exactamente inverter o sentido pelo qual alguns aspectos da mesma se mostram descritos – isto é, não visa alterar a polaridade positiva da descrição de determinada factualidade vertida em sede de fundamentação –, mas antes propugna dever ela ser complementada (e, na correspondente medida, alterada) com a contemplação de outros aspectos de facto que entende relevantes para uma correcta contextualização fáctica da ocorrência primordial que é objecto dos autos e, assim, para um mais adequado enquadramento dos pressupostos criminalmente relevantes dos ilícitos de ofensa à integridade física pelos quais vem condenado.

Ora, há que deixar claro que um tal exercício impugnatório, maxime quando (como é o caso), sob apreciação do tribunal a quo não foi colocada à partida qualquer versão alternativa dos factos ocorridos na ocasião aqui em causa – mormente por via quer da apresentação de contestação, quer do teor de declarações prestadas pelo sujeito processual interessado (o arguido, in casu) em sede de audiência de julgamento –, um tal exercício impugnatório, dizíamos, se mostra à partida especialmente condicionado numa dupla perspectiva:

– por um lado, porque qualquer factualidade a ponderar agora em sede de alteração da matéria de facto assente nos autos deverá, necessária e imprescindivelmente, haver sido apresentada ao julgador de primeira instância para que o mesmo sobre ela haja tido possibilidade de decidir (considerando-a ou não), pois só assim se respeitarão os limites da função de mera sindicância de decisão anterior que cabe a esta instância de recurso,

– por outro lado, essa mesma factualidade cuja consideração vem recursóriamente proposta deve obedecer a um muito estrito critério de absoluta e essencial relevância para decisão da causa, estando votada ao insucesso sequer qualquer discussão sobre aspectos que não o respeitem.

Na verdade, e em face do disposto no art. 368º/2 do Cód. de Processo Penal, a enumeração dos factos provados e dos factos não provados traduz-se na tomada de posição por parte do tribunal sobre todos os factos sujeitos à sua apreciação e sobre os quais a decisão terá de incidir, isto é, sobre os factos constantes da acusação ou da pronúncia, da contestação e do pedido de indemnização, e ainda sobre os factos com relevância para a decisão que, embora não constem de nenhuma daquelas peças processuais, tenham resultado da discussão da causa – resultando do nº 4 do art. 339º do Cód. de Processo Penal que a discussão da causa tem exactamente por objecto os factos alegados pela acusação e pela defesa e os que resultarem da prova produzida em audiência.

Quanto ao critério de acordo com o qual deve aferir–se se determinado facto é ou não relevante para a decisão da causa, temos desde logo o vislumbre do mesmo no art. 124º/1 do Cód. de Processo Penal, onde se prevê que «Constituem objecto da prova todos os factos juridicamente relevantes para a existência ou inexistência do crime, a punibilidade ou não punibilidade do arguido e a determinação da pena ou da medida de segurança aplicáveis» – complementando o nº2 que «Se tiver lugar pedido civil, constituem igualmente objecto da prova os factos relevantes para a determinação da responsabilidade civil».

É este critério da relevância de determinado facto que se encontra também presente, por exemplo, no art. 283º/1/3/b)c) ou no art. 308º/1 do Cód. de Processo Penal, quando se definem os pressupostos de que depende, respectivamente, a dedução de acusação pelo Ministério Público ou a prolação de decisão instrutória de pronúncia ; ou ainda no já aludido art. 368º/2 do Cód. de Processo Penal quando se define o âmbito necessário do exercício de deliberação probatória por parte do tribunal de julgamento.

Tendo presentes as anteriores e estas considerações, revertamos à concreta alegação do recorrente/arguido, percorrendo cada um dos aludidos momentos impugnatórios nesta parte, procurando seguir a ordem pela qual os mesmos vêm suscitados.

(…)

§ Vejamos quanto ao ponto 14. da matéria de facto provada, cujo teor é o seguinte:

«14. No dia 2 de fevereiro de 2023, pelas 09h40, o arguido DD detinha no interior do quarto da respetiva residência, situada na Rua ..., ..., ..., Porto:

- um revólver da marca Taurus, modelo ..., com o n.º de série ..., de calibre .22 Magnum (também denominado de 5,6mm Winchester Magnum Rimfire);

- um revólver da marca Amadeo Rossi, modelo ..., de calibre .23 S&W Long, com o n.º de série ...;

- vinte e oito munições de calibre .22 Magnum, também designado 5,6mm Winchester Magnum Rimfire, todas com bala “FMJ”;

- treze munições de calibre 0.32 S&W Long, todas com bala “FMJ”;

- vinte e duas munições de calibre .32 Auto, também designado 7,65x7mm ou 7,65 Browning, todas com bala “FMJ”;

- um boxer (vulgo, soqueira), de produção artesanal e de construção metálica, composto por dois anéis para inserção dos dedos e por uma base de apoio para a palma da mão, com as dimensões aproximadas de 6,5X5,4X1,0cm.»

Nesta parte, respeitante já à consideração como assentes dos pressupostos típicos do crime de detenção de arma proibida imputado ao arguido/recorrente, vem este impugnar tal julgamento em sede de matéria de facto, considerando não ter sida feita prova evidente por forma a ser–lhe imputado tal crime.

Assim, e em síntese, alega que pese embora as armas de fogo, o boxer e as munições aqui em causa hajam sido apreendidas na habitação do recorrente, a verdade é que poderiam pertencer a qualquer uns dos habitantes daquele imóvel, olvidando-se o tribunal a quo que a divisão em que foram encontrados tais objectos é também o quarto de mais três irmãos do arguido, como aliás resulta do relatório social elaborado e junto aos autos.

Por outro lado, do relatório pericial efectuado aos objectos assim apreendidos, resulta que não se apuraram quaisquer vestígios lofoscópicos com valor identificativo que permitam a imputação ao recorrente da posse dos mesmos.

Nestes termos, conclui, estamos perante uma clara violação do princípio do in dúbio pro reu, devendo ser a matéria de facto aqui em causa ser dada como não provada no que tange à detenção pelo arguido dos objectos elencados.

Apreciando se dirá que nesta parte assiste efectivamente razão ao recorrente.

E assim se considera precisamente em conformidade com a argumentação recursória nesta parte expendida, e que acaba de se resumir.

Comece por se fazer presente que, no que tange a este ponto da matéria de facto provada, em sede de motivação da respectiva decisão na Sentença tão apenas se identifica a menção ao auto da respectiva apreensão, de fls. 302 e segs., ao auto de exame aos mesmos, de fl. 343/345, referenciando–se também o auto de exame de fls. 811/813, certamente por manifesta desatenção, pois o exame pericial levado a cabo pelo Serviço de Perícia Criminalística da Polícia Judiciária aos objectos aqui em causa é sim aquele de fls. 523/532.

Pois bem.

É verdade que do auto de apreensão em causa consta que os objectos aqui em equação foram encontrados «no quarto utilizado pelo visado».

Porém, também se constata que ali se menciona ser aquela casa composta «por um hall de entrada e corredor de acesso ás divisões, uma cozinha com marquise, uma sala, três quartos e duas casas de banho» – realce agora aposto.

E percorrido o teor do auto em causa, verifica–se que além daquele quarto «utilizado pelo visado», a busca incidiu também «no quarto utilizado pela mãe de DD e CC» e no «quarto contíguo a este último, utilizado pela tia dos visados, identificada como VV» – sublinhados agora apostos –, completando–se assim o trio de quartos da casa em questão.

Ora, e se assim ali se consigna, é inevitável chamar à colação, como faz o recorrente, o teor do relatório social do arguido/recorrente DD, onde expressamente se consigna que o recorrente não vive sozinho no imóvel onde foi efectuada a diligências de busca e apreensão em causa, ali se mencionando que «No período a que se reportam os autos, DD, 28 anos de idade, mantinha-se integrado no agregado de origem, composto pelo arguido, a progenitora e três irmãos» – sublinhado agora aposto.

Cumpre recordar que, como logo de início aqui se realçou, tal elemento probatório foi considerado em sede de motivação probatória na sentença recorrida, tendo assim os factos decorrentes do mesmo – entre os quais este agora mencionado – sido aditados à matéria de facto provada nos termos que vão decididos no ponto 2. da presente decisão.

Pois bem, constatando–se referenciada a ocupação dos três quartos da habitação nos termos referenciados no aludido auto de busca e apreensão, julga–se claro que ali se omite a menção ao local que será ocupado pelos irmãos do recorrente que ali também coabitam – muito em especial o também arguido CC.

O que claramente impõe no mínimo a fundada dúvida, inviável de esclarecer pelos elementos de prova que fundamentam a decisão recorrida, sobre se as armas de fogo, o boxer, e as munições apreendidas naquela habitação, não poderiam afinal pertencer a qualquer uns dos habitantes daquele imóvel.

Consideração que se acentua quando, como também reporta o recorrente, mais se constata que dos relatórios de exame aos objectos em causa não se extrai, efectivamente, qualquer indício que permita aferir da sua posse ou detenção.

Nomeadamente daquele levado a cabo pelo Serviço de Perícia Criminalística da Polícia Judiciária, de fls. 523 e segs., consta expressamente o seguinte: «Previamente ao exame lofoscópico das duas armas de fogo e da soqueira em metal, procedeu-se à realização de esfregaços em cada um desses itens, utilizando-se para esse efeito zaragatoas de algodão ligeiramente humedecidas com água destilada para eventual recolha de amostras de material biológico que possibilite a obtenção de perfil de ADN.

As duas armas de fogo, as munições e a soqueira em metal, foram posteriormente submetidos a exame lofoscópico de vaporização de cianoacrilato de fumegação com ambiente controlado, não tendo desse exame sido revelado qualquer vestígio lofoscópico com suficiente valor identificativo.»

Em suma, crê–se que efectivamente nesta parte os elementos de prova invocados recorrente impõem uma conclusão oposta àquela a que chega o tribunal a quo em sede de sentença, e no que tange à imputação ao arguido DD da posse daquelas armas, boxer e munições objectivamente aprendidas nos autos.

Tais elementos de prova – e sendo certo que outros inexistem, pois que, quer em sede de primeiro interrogatório judicial ao arguido DD, quer em sede de audiência de julgamento, não se dedicou um segundo que fosse a esta parte do objecto dos autos – afectam o grau de segurança e certeza probatória que qualquer condenação penal exige como seu fundamento.

Assim, deve ter–se nesta parte por inquinado o processo de formação da convicção do Tribunal, não será de assacar ao arguido a actuação imputada, sendo certo que é princípio basilar do Direito Penal o de que qualquer dúvida razoável na convicção do julgador deve ser valorada em benefício do arguido (in dubio pro reu).

Donde, e em conclusão, a impugnação recursória é, neste segmento, adequada para fazer aqui funcionar a possibilidade concedida a esta instância de alteração da matéria de facto nos termos do art. 431º/b) do Cód. de Processo Penal (onde se dispõe que a decisão do tribunal de 1.ª instância sobre matéria de facto pode ser modificada, e nomeadamente, «se a prova tiver sido impugnada nos termos do n.º 3 do artigo 412.º»).

E, nessa medida, será de alterar a matéria de facto provada e não provada no sentido de deixar de integrar a primeira, e passar a integrar a segunda, a circunstância de o arguido DD deter na sua posse aquelas armas, boxer e munições apreendidas no interior do quarto da respectiva residência, situada na Rua ..., ..., ..., Porto.

O que se determinará adiante.

§ Vejamos quanto ao ponto 15. da matéria de facto provada, cujo teor é o seguinte:

«15. No dia 2 de fevereiro de 2023, o arguido DD detinha no interior da residência situada na Rua ..., Bloco ..., Entrada ..., Casa ..., Porto:

- um invólucro deflagrado de calibre .32 S&W.»

Nesta parte, impugna o recorrente a consideração como provado de que o arguido detinha tal objecto, uma vez que, alega, a morada aqui em causa é do tio do recorrente, razão pela qual se estranha que a detenção de tal invólucro tenha sido imputada ao aqui recorrente.

Apreciando se dirá que, com relação ao facto aqui em causa, se considera liminarmente verificada uma circunstância da qual resulta inclusive prejudicada, por inutilidade, a apreciação da impugnação aqui deduzida.

Assim, e recordando quando de início se disse no que se refere ao critério de necessária relevância material da factualidade a ponderar em sede de julgamento e ao consequentemente dever de ser a mesma considerada (positiva ou negativamente) na fundamentação de facto da Sentença, é inevitável constatar que o facto aqui em causa é em absoluto irrelevante desde logo para a ponderação sobre os pressupostos típicos sequer objectivos de qualquer dos crimes imputados nos autos ao arguido – maxime aquele de detenção de arma proibida.

Na verdade, do que este ponto da matéria de facto dá conta é da apreensão de um invólucro deflagrado, isto é, e nos termos da definição do art. 2º/3/o) da Lei 5/2006, de 23 de Fevereiro, «o recipiente metálico, de plástico ou de outro material, que se destina a conter o fulminante, a carga propulsora e o projétil para utilização em armas com cano de alma estriada».

Ou seja, não estamos sequer em presença de uma munição, tal como definida em especial nas alíneas m) e p) do mesmo art. 2º/3 da citada Lei, onde se consigna que «para efeitos do disposto na presente lei e sua regulamentação, entende-se por … Munições das armas de fogo e seus componentes:

m) «Munição» o cartucho completo que integra o invólucro, o fulminante, a carga propulsora, o projétil ou projéteis utilizados numa arma de fogo, bem como os seus componentes, individualmente considerados, quando sujeitos a autorização de aquisição, nomeadamente o fulminante, o cartucho ou invólucro com fulminantes e a carga propulsora;

p) «Munição de arma de fogo» o cartucho ou invólucro ou outro dispositivo contendo o conjunto de componentes que permitem o disparo do projétil ou de múltiplos projéteis, quando introduzidos numa arma de fogo».

Ora, o art. 86º/1/d) da lei 5/2006 (disposição típica imputada ao arguido) pune, entre o mais, a detenção de «…munições de armas de fogo constantes nas alíneas q) e r) do n.º 2 do artigo 3.º», sendo que destas resulta que «São armas, munições e acessórios da classe A:

q) As munições com bala perfurante, explosiva, incendiária ou tracejante, que não estejam integradas em coleções ou sejam destinadas a esse fim;

r) As munições expansivas, exceto se destinadas a práticas venatórias ou coleção quando autorizadas e as constantes da alínea d) do n.º 3 [isto é, as “As munições expansivas, de tipo JHP.”]».

Tudo para dizer, portanto, que o invólucro deflagrado aqui elencado como havendo sido apreendido, não reveste, sequer, qualquer relevância típica jurídico–criminal, nem se vislumbra que o revista por qualquer outra via no contexto daquele que é o objecto dos presentes autos.

Aliás, tanto assim é, que, se bem se atentar, o próprio tribunal a quo, em sede de decisão de Direito e aquando da análise do enquadramento jurídico–criminal dos factos («Subsunção dos factos ao Direito»), nem sequer menciona ou considera a existência do invólucro em causa para o preenchimento dos elementos típicos do crime de detenção de arma proibida imputado ao arguido/recorrente – aludindo nesse segmento, e bem, tão apenas aos objectos apreendidos em conformidade com o ponto 14. da matéria de facto provada.

Donde, deve este ponto 15. da matéria de facto provada ter–se simplesmente por não escrito, o que se decide – ficando assim, como se disse, prejudicada por inutilidade a apreciação da impugnação recursória da decisão sobre a matéria de facto neste segmento.

(…)


*

Aqui chegados, e completado, pois, o percurso pela impugnação da decisão sobre a matéria de facto suscitado por via do presente recurso, em face da procedência parcial desta parte do recurso cumpre fazer aqui funcionar a possibilidade concedida a esta instância de alteração da matéria de facto nos termos do art. 431º/b) do Cód. de Processo Penal – onde se dispõe que a decisão do tribunal de 1.ª instância sobre matéria de facto pode ser modificada, e nomeadamente, «se a prova tiver sido impugnada nos termos do n.º 3 do artigo 412.º».

Assim, em conformidade com quanto vem de se decidir, e na medida correspondente, será de alterar a matéria de facto provada e não provada consignada em sede de sentença recorrida, nos termos a seguir consignados.

Tais alterações são aquelas que decorrem directamente dos pontos especificamente impugnados, e as que, no restante elenco da matéria de facto, cumprirá também alterar como decorrência necessária e inevitável daquelas primeiras.

Assim, e em conformidade com o supra analisado, determina–se, nos termos do disposto no art. 431º/b) do Cód. de Processo Penal, a alteração da matéria de facto provada em sede de Sentença, no sentido quer de os seguintes pontos da mesma passarem a ter a redacção que agora vai indicada, quer de se determinar a sua parcial eliminação:

14. No dia 2 de fevereiro de 2023, pelas 09h40, foram apreendidos no interior de um quarto da residência dos arguidos DD e CC, situada na Rua ..., ..., ..., Porto, os seguintes objectos:

- um revólver da marca Taurus, modelo ..., com o n.º de série ..., de calibre .22 Magnum (também denominado de 5,6mm Winchester Magnum Rimfire);

- um revólver da marca Amadeo Rossi, modelo ..., de calibre .23 S&W Long, com o n.º de série ...;

- vinte e oito munições de calibre .22 Magnum, também designado 5,6mm Winchester Magnum Rimfire, todas com bala “FMJ”;

- treze munições de calibre .32 S&W Long, todas com bala “FMJ”;

- vinte e duas munições de calibre .32 Auto, também designado 7,65x17 mm ou 7,65 Browning, todas com bala “FMJ”;

- um boxer (vulgo, soqueira), de produção artesanal e de construção metálica, composto por dois anéis para inserção dos dedos e por uma base de apoio para a palma da mão, com as dimensões aproximadas de 6,5X5,4X1,0cm.

15. [eliminado]

Por sua vez, adita–se à matéria de facto não provada os seguintes pontos, e com a seguinte redacção:

2º. que era o arguido DD quem, no dia 2 de Fevereiro de 2023, detinha os objectos apreendidos no interior do quarto da respectiva residência, situada na Rua ..., ..., ..., Porto, e elencados no ponto 14. da matéria de facto provada;

3º. que o arguido DD actuou conhecendo as características das armas de fogo e das munições que detinha nos termos descritos supra, bem sabendo que não lhe era permitido deter tais objectos naquelas circunstâncias, por não ser titular de licença que o habilite a deter e a usar armas de fogo.

4º. que o arguido DD actuou conhecendo as características do boxer que detinha, bem sabendo que não lhe era permitido ter tal objecto na sua posse.

Não se considera por seu turno verificado qualquer erro de julgamento quanto aos demais pontos e aspectos da matéria de facto da Sentença em causa nesta parte do recurso.

Como já se assinalou, não poderá falar–se em erro de julgamento nos termos e para os efeitos prevenidos no art. 412º do Cód. de Processo Penal, quando o caminho de convicção trilhado pelo tribunal de primeira instância não ofenda as regras da experiência comum, e quando, no âmbito da imediação e da oralidade, enquanto ferramentas essenciais nesse seu exercício de julgar, o mesmo tribunal fundamente racionalmente os factos dados como provados com base nos vários elementos probatórios, derivados de provas directas ou indirectas, devidamente conjugados entre si.

Foi exactamente aquilo que o tribunal a quo aqui fez nessa restante matéria, e no âmbito de um exercício de indagação incidente sobre vários elementos probatórios e de exame crítico dos mesmos.

Na parte relativa a todos esses demais pontos da matéria de facto, a argumentação expendida, quer nas motivações, quer nas conclusões do recurso, não é eficiente para produzir qualquer alteração da mesma.

Poderá não concordar o recorrente com a convicção a que chegou o tribunal em resultado da avaliação feita pelo mesmo da prova produzida em audiência de discussão e julgamento, e pretender substituir a convicção do tribunal a quo pela sua, assente esta última numa valoração diversa dos aludidos elementos probatórios. Não é isso, contudo, que pode só por si sustentar uma sindicância que inquine o julgamento de facto recorrido. O recorrente poderá não concordar com a apreciação que nesta parte é feita pelo julgador – mas em momento algum a sua própria apreciação permite contrapor a decisão que foi adoptada pelo tribunal e os alicerces da mesma.

As explicações do tribunal, em todos esses demais segmentos, assentam em critérios de senso comum, estão respaldadas nos princípios da imediação, da oralidade e do contraditório que são característicos da audiência e terá assim de prevalecer a convicção formada sobre aquela divergente convicção do arguido acerca do sentido global da prova.

Não se determina, pois, qualquer outra modificação nos demais pontos da matéria de facto provada e não provada.

4. De saber se pelo arguido se mostram preenchidos os pressupostos dos crimes de detenção de arma proibida e de ofensa à integração física qualificada pelos quais vem condenado.

Já em recurso da decisão em sede de matéria de Direito, começa o arguido por colocar em causa a sua condenação por considerar incorrecto apreciado o enquadramento jurídico–criminal da factualidade que deve ser tida por assente e que efectuado pelo tribunal a quo em sede de sentença.

Assenta a sua invectiva recursória em várias vertentes, que poderão escalonar–se, de acordo com uma ordem que respeite a prevalência da respectiva relevância jurídico–processual, nos seguintes termos:

– começa por propugnar não se deverem ter por preenchidos os pressupostos típicos dos crimes pelos quais vem condenado, devendo assim deles ser absolvido,

– depois, e caso assim se não entende em especial no que tange aos crimes de ofensa à integridade física, considera deverem ter–se por verificados os requisitos de uma actuação da parte do arguido em situação de legítima defesa, o que exclui qualquer juízo de ilicitude e deve também determinar a sua absolvição,

– seguidamente, e sempre se também assim não se entender, deverá considerar–se não se mostrarem preenchidos os pressupostos de especial perversidade ou censurabilidade que sustentam a configuração dos crimes de ofensa à integridade física na sua forma qualificada, devendo antes, e quanto muito, considerar–se preenchidos tais crimes na sua forma simples – e, em conformidade, ser extinto o respectivo procedimento criminal na medida em que inexistam os necessários pressupostos de legitimidade processual para o sustentar.

Assente que se mostra, em definitivo, a matéria de facto a considerar para efeitos de decisão sobre a responsabilidade criminal e pena do arguido/recorrente DD, cumpre então apreciar das questões assim suscitadas pelo mesmo, começando por se recordar que, conforme já se relatou, a Sentença recorrida decide pela condenação do arguido pela prática dos seguintes (três) ilícitos em concurso real:

- pela prática de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo art. 86º/1/c)/d) da Lei 5/2006, de 23 de Fevereiro, e

- pela prática de dois crimes de crimes de ofensa à integridade física qualificada, ps. e ps. pelo art. 145º/1/a) por referência aos arts 143º/1 e 132º/1/2/e)/h), ambos do Cód. Penal.

Começando, nesta parte, pela vertente impugnatória respeitante à propugnada insubsistência do preenchimento dos pressupostos típicos dos crimes pelos quais o arguido vem condenado, é essencial distinguir quanto a respeita a cada uma das tipologias criminais em que vemos assentar essa condenação.

Assim, e no que respeita ao imputado crime de detenção de arma proibida, deflui de quanto acima se decidiu que assiste efectivamente razão ao recorrente.

Na verdade, em sede de decisão sobre a impugnação da matéria de facto que fundamentou a Sentença recorrida, conclui a presente instância de recurso pela alteração da mesma no sentido da não demonstração do seguinte conjunto de factos:

– que era o arguido DD quem, no dia 2 de Fevereiro de 2023, detinha os objectos apreendidos no interior do quarto da respectiva residência, situada na Rua ..., ..., ..., Porto, e elencados no ponto 14. da matéria de facto provada;

– nem que o arguido DD actuou conhecendo as características das armas de fogo e das munições que detinha nos termos descritos supra, bem sabendo que não lhe era permitido deter tais objectos naquelas circunstâncias, por não ser titular de licença que o habilite a deter e a usar armas de fogo.

– nem que o arguido DD actuou conhecendo as características do boxer que detinha, bem sabendo que não lhe era permitido ter tal objecto na sua posse.

Ou seja, das alterações por esta instância introduzidas em sede de matéria de facto, resulta agora não demonstrada a prática, por parte do arguido, aqui recorrente, sequer dos actos típicos objectivos que determinaram a integração da sua actuação na prática do aludido crime de detenção de arma proibida.

Donde, cumpre extrair a devidas consequências dessas alterações da matéria de facto.

O que, em conclusão e sem necessidade de outras considerações, se traduz em que deve a Sentença recorrida ser revogada neste segmento, e substituída pela presente decisão que determina a absolvição do arguido do crime de detenção de arma proibida que lhe vinha imputado.

Procede, assim, parcialmente, esta parte do recurso.

Já no que respeita aos crimes de ofensa à integração física qualificada, não pode ter sucesso esta liminar pretensão do recorrente.

Na verdade, esta subsequente pretensão recursória assentava em pressupostos que não se verificam (como resulta da análise já acima efectuada), e que passavam pela radical procedência das alterações pelas quais se pugnava em sede de fundamentação de facto.

Não existindo qualquer inversão do sentido pelo qual os pontos da matéria de facto impugnados se mostram considerados na Sentença recorrida, continua a sustentar–se o preenchimento pelo arguido dos pressupostos de tipicidade, ilicitude e culpa dos crimes de ofensa à integração física pelos quais vem condenado.

O que nos conduz directamente à segunda vertente impugnatória neste segmento, qual seja a da alegação de que, no que tange aos crimes de ofensa à integridade física, deverem ter–se por verificados os requisitos de uma actuação da parte do arguido em situação de legítima defesa, o que exclui qualquer juízo de ilicitude e deve também determinar a sua absolvição.

Também esta vertente recursória assentava em pressupostos que não se verificam, e que passavam pelo sucesso das alterações em sede de fundamentação de facto pelas quais pugnava o recorrente.

O que não sucede.

Ora, prevê o art. 31º/2/a) do Cód. Penal, entre as causa que determinam a exclusão do juízo de ilicitude de uma conduta relevante em termos de tipicidade criminal objectiva e subjectiva, a circunstância de o agente da mesma actuar em situação de legítima defesa, sendo a definição desta fornecida pelo art. 32º do Cód. Penal, onde se dispõe que «Constitui legítima defesa o facto praticado como meio necessário para repelir a agressão actual e ilícita de interesses juridicamente protegidos do agente ou de terceiro.».

Pois bem, não resulta da matéria de facto provada – e agora definitivamente assente – que em qualquer das suas actuações tipicamente relevantes enquanto crime de ofensa à integração física, o arguido DD haja actuado num contexto situacional com uma tal configuração.

Assim, e por directo reporte à alegação do recorrente, não está em especial demonstrado, nem o recorrente logrou impôr tal demonstração:

– que o recorrente apenas terá imobilizado o ofendido EE na sequência de este agredir violentamente e de forma inesperada o arguido BB, amigo do recorrente, agindo o recorrente em sua defesa,

– que o recorrente foi invadido por um instinto de protecção face àquele que é sangue do seu sangue, desconhecendo em tal momento as circunstâncias em que o arguido CC foi alvejado,

– que o recorrente actuou por forma a proteger o seu irmão,

– que o acto de imobilizar o agressor recorrendo-se da sua força física seria a única opção do recorrente dada a manifesta desigualdade de armas,

– que o alegado propósito do recorrente era retrair e eliminar o perigo sem qualquer recurso à violência,

– nem que o ofendido EE agrediu o arguido BB enquanto este tentava deter o arguido AA de efectuar novo disparo.

Como bem se referencia em sede de Sentença recorrida, «os arguidos DD e NN se inicialmente agiram com intenção de acalmar o AA após o disparo para intimidar o segurança, depois de ter sido atingido na perna o NN, os arguidos decidiram atingir o AA e depois de o AA estar sem arma, continuaram a atingi-lo até aquele cair e de forma bárbara e salvagem continuaram a atingi-lo quando aquele estava indefeso já caído. De igual forma atingiram o EE, amigo daquele que foi em seu socorro e que também foi agredido de forma grave mesmo quando estava já caído e inconsciente, o que alias as imagens documentam, dai que as testemunhas tenham referido que uns batiam num e depois noutro e iam de um para o outro (…). Assim não valoraram as suas declarações quando disseram que agiram em legitima defesa pois se assim fosse teriam parado quando a arma do AA caiu ao chão logo de imediato após o murro e o mata leão do arguido DD e não obstante desarmado decidiram atingi-lo de forma bárbara tal como fizeram com o ofendido EE razão pela qual não valoramos as suas declarações quando disseram que foi em legitima defesa.»

Assim, o que resulta da matéria de facto provada é que o disparo do arguido/ofendido AA que atingiu o arguido CC foi acidental, e o mesmo não representava efectivamente qualquer perigo para nenhum dos arguidos, tendo inclusive de imediato deixado cair a arma, que foi recolhida por um terceiro e levada do local, prosseguindo os três arguidos nas agressões ao AA ; e no que respeita ao ofendido EE, não foi por via de qualquer «epifania» que o haja assolado que ele decidiu «agredir violentamente e de forma inesperada o Arguido BB», mas sim porque o arguido BB estava precisamente a massacrar o AA conjuntamente com os arguidos DD e CC, resultando da matéria de facto provada que, o ofendido EE sim, nesse momento actuou em situação e iminente defesa do AA, sendo subsequentemente objecto também de espancamento a três pares de mãos e de pés.

Absolutamente nada na descrição fáctica dos eventos aqui em causa traduz uma situação de agressão actual e ilícita por parte dos ofendidos contra qualquer dos arguidos DD, CC e BB, e que legitimasse a necessidade de algum deles a repelir.

Sendo ademais certo que, ainda que, por mera hipótese, tal resultasse demonstrado – e, realce–se, não resulta –, jamais se poderia legitimar o material espancamento a que cada um dos ofendidos foi submetido, mesmo já depois de estar em situação de quase inconsciência. Tal sempre excederia manifesta e larguissimamente qualquer configuração de uma tal actuação enquanto mero expediente defensivo.

Em suma, não se considera no presente caso que o arguido DD haja actuado em situação configurável como de legítima defesa, nem sua, nem de terceiros.

Pelo que não tem por verificada tal causa de exclusão da ilicitude da sua actuação, considerando–se assim preenchido também esse pressuposto da respectiva relevância criminal e penal.

Finalmente, advoga o arguido/recorrente que, não tendo acolhimento a desconsideração da relevância típica e ilícita dos actos respectivos, deverá então considerar–se não se mostrarem preenchidos os pressupostos de especial perversidade ou censurabilidade que sustentam a configuração dos crimes de ofensa à integridade física na sua forma qualificada, devendo antes, e quanto muito, considerar–se preenchidos tais crimes na sua forma simples.

Apreciando se dirá, porém, que não pode ser acolhida também esta sua pretensão recursória.

Como vem de se recordar, mostra–se o arguido condenado pela prática de dois crimes de crimes de ofensa à integridade física qualificada, ps. e ps. pelo art. 145º/1/a) por referência aos arts 143º/1 e 132º/1/2/e)/h), ambos do Cód. Penal.

Nos termos do art. 143º/1 do Cód. Penal, comete o crime de ofensas à integridade física "quem ofender o corpo ou a saúde de outra pessoa".

O crime será, porém, qualificado, nos termos do nº1 do art. 145º do Cód. Penal, «se as ofensas à integridade física forem produzidas em circunstâncias que revelem especial censurabilidade ou perversidade», preceituando o nº2 desta norma legal que «são susceptíveis de revelar especial censurabilidade ou perversidade, entre outras, as circunstâncias previstas no nº2 do art. 132º do Código Penal».

Ou seja, na determinação da amplitude da gravidade a considerar na ocorrência do crime de ofensa à integridade física recorre–se, como vemos suceder no caso do crime de homicídio – para cuja disciplina assim se remete –, pela técnica dos exemplos-padrão susceptíveis de revelar uma particular exasperação da ilicitude da actuação ou da culpa do agente na decisão e execução desta.

Como é consabido – e como o recorrente, ademais, irrepreensivelmente analisa em termos abstractos –, a censurabilidade ou perversidade não constituem, como é sabido, elementos constitutivos do tipo legal, os quais se encontram emoldurados no tipo–base previsto (no caso) no art. 143º do Cód. Penal.

Assim os índices exemplificados no art. 132º/2 do Cód. Penal, podem ou não confirmar uma mais intensa culpa ou de uma maior ilicitude, donde, uma vez verificados no iter criminis, não são de funcionamento automático.

Isto é, não é por se terem verificado que se pode desde logo concluir que o comportamento do agente esteja revestido de uma especial censurabilidade ou perversidade, sendo necessário que, no caso concreto, tal exaspere a ilicitude ou o juízo de censura. A inversa, porém, e por tal causa, não deixa também de ser verdadeira, isto é, o facto de não constar dos índices elencados exemplificativamente uma qualquer circunstância verificada no caso concreto, não afasta a qualificação posto que possa tal circunstância demonstrar esse exacerbamento.

Como se escreve no escreveu-se no Acórdão da Relação do Porto de 31/10/2001 (proc. nº 0110623)[[12]] – aliás, citado na decisão recorrida –, «para se afirmar a existência de especial censurabilidade ou perversidade no comportamento assumido pelo arguido, impõe-se a análise das circunstâncias concretas que rodearam a prática do facto ilícito e a conclusão de que elas são tais que exprimem inequívoca e concretamente uma especial perversidade do agente ou que são merecedoras de um severo juízo de censura» ; e no Acórdão da Relação do Porto de 18/12/2002 (proc. nº 0211608)[[13]], «Como tem sido unanimemente recortado jurisprudencialmente, o que verdadeiramente releva em cada caso é que as suas circunstâncias analisadas em concreto demonstrem que o agente actuou com uma censurabilidade ou perversidade que justificam uma censura penal que não deve ser encontrada na moldura sancionatória de um tipo legal de crime simples, mas sim noutra moldura, que represente um castigo aumentado».

Em apertada síntese, pode dizer-se que a especial censurabilidade se refere às componentes da culpa relativas ao facto, ou seja, funda-se naquelas circunstâncias que podem revelar um maior grau de culpa como consequência de um maior grau de ilicitude. Já na referência do legislador à especial perversidade tem-se em vista uma atitude profundamente rejeitável, no sentido de ter sido determinada e constituir indício de motivos e sentimentos que são absolutamente rejeitados pela sociedade. Significa isto, pois, um recurso a uma concepção emocional de culpa e que pode reconduzir-se “à atitude má, eticamente falando, de crasso e primitivo egoísmo do autor”, de que fala Binder, citado por Teresa Serra, in “Homicídio Qualificado, Tipo de Culpa e Medida da Pena”, 1990, pág. 64.

No caso, vem o arguido condenado por via da consideração na Sentença recorrida de se mostrarem preenchidos os pressupostos dos índices exemplificados nas alíneas e) e h) do nº2 do art. 132º do Cód. Penal.

Reportemos, pois, à alegação do recorrente com a qual visa afastar a consideração de circunstâncias no caso concreto que consubstanciem tais índices

Comecemos pelo primeiro dos índices considerados, isto é, aquele da alínea e) do art. 132º/2 do Cód. Penal, onde se prevê a circunstância de o agente, na sua actuação, «Ser determinado por avidez, pelo prazer de matar ou de causar sofrimento, para excitação ou para satisfação do instinto sexual ou por qualquer motivo torpe ou fútil ».

Neste segmento, constata–se que o recorrente ocupa substancial parte da sua alegação argumentando no sentido de não se poder ter no caso por verificado que o arguido haja actuado movido por avidez, ou animado por motivação torpe ou fútil.

E tem razão – efectivamente não se considera que assim suceda.

Porém, esse é um labor argumentativo, e uma constatação dele resultante, que resultam inócuos no presente caso.

É que a Sentença recorrida também não considera verificada no caso uma situação de actuação por avidez ou por motivo fútil ou torpe.

Aquilo que de relevante a decisão recorrida aqui considerou para efeitos da agravação penal, foi a circunstância de ter por demonstrado resultar dos factos provados que o arguido actuou animado pelo «prazer de … causar sofrimento» à pessoa de cada um dos ofendidos, respaldando essa sua conclusão em especial na conclusão de haver, com os co–arguidos, continuado a desferir murros e pontapés nos ofendidos AA e EE, mesmo após estes deixarem de esboçar qualquer reacção e aparentassem estar já inconscientes, apenas cessando o seu comportamento quando várias pessoas acorreram ao local para prestar auxílio.

Ora, não se vislumbra efectivamente que outra motivação poderia animar o arguido em tais circunstâncias – isto é, ao literalmente espancar, em conjunto com os outros dois co–arguidos, cada um dos ofendidos pela forma particularmente perigosa como o fizeram (atenta a zona do corpo especialmente visada e a forma especialmente contundente como a atingiam) –, que não o de procurar causar nos mesmos ofendidos a maior quantidade, gravidade e intensidade de lesões possível.

Toda e qualquer outra motivação que possa alegar–se – de defesa, de raiva, de revolta, de retaliação – animar o arguido inicialmente, inevitavelmente terá de se ter por absolutamente desvanecida com o decorrer das agressões e as consequências que visivelmente as mesmas estavam determinando nos ofendidos – mas que, ainda assim, não demoveram o prosseguimento da actuação.

Julga–se, pois, que no caso a actuação do arguido revela ter advindo para o mesmo um gosto pessoal na consumação daquelas agressões e lesões, o que revela uma personalidade mal formada, que urge corrigir com uma censura mais firme.

É este circunstancialismo, directamente imanente da matéria de facto provada, que nesta parte o tribunal a quo evidencia e considera.

E julga–se que com inegável acerto.

Quanto ao índice considerado e imanente da alínea h) do art. 132º/2 do Cód. Penal, em que se prevê a circunstância de o agente «Praticar o facto juntamente com, pelo menos, mais duas pessoas ou utilizar meio particularmente perigoso ou que se traduza na prática de crime de perigo comum ».

Na Sentença recorrida conclui–se nesta parte que tudo aconteceu numa clara desvantagem numérica, de uma superioridade numérica de 3 elementos para um, e sequencialmente: primeiro com o arguido/ofendido AA e depois com o ofendido EE.

O recorrente invectiva esta consideração, propugnando serem diversas desde logo as premissas do cálculo aritmético efectuado pelo tribunal a quo, alegando que não se verificou uma tal superioridade numérica, pois que contra cada um dos ofendidos jamais se verificou a actuação ao mesmo tempo dos três arguidos DD, CC e BB, e que quanto muito apenas se poderia considerar haver ocorrido a determinado momento uma situação de três contra dois (ofendidos).

Não tem, porém, qualquer razão.

Desde logo porque o recorrente apela, nesta parte, a pressupostos que, mais uma vez, não se verificam.

Na verdade, e como vimos, ao contrário do pretendido (sem sucesso) em sede de impugnação ampla da decisão sobre a matéria de facto provada, esta última não foi objecto de qualquer alteração nesta parte.

Donde, está definitivamente assente, e como resulta adequadamente recopilado pelo tribunal a quo, em sede de apreciação jurídico–criminal dos factos, que «os arguidos DD, CC e BB após o disparo inadvertido daquele que atingiu o arguido CC, abeiraram-se do arguido AA e dando-lhe murros e pontapés e quando este já não tinha arma, os arguidos continuaram a desferir-lhe murros e pontapés em várias zonas do corpo, mormente na cabeça e na cara, fazendo-o cair ao chão.

O arguido AA largou a arma que caiu no chão e esta foi depois recolhida pela testemunha II que a atirou para as imediações de um armazém.

Ao aperceber-se das agressões, EE que entretanto saía também da discoteca A..., acorreu ao local com o intuito de ajudar o arguido AA, tendo desferido um pontapé no arguido BB, quando este estava debruçado a atingir o AA com murros.

De imediato, os arguidos DD, CC e BB abeiraram-se de EE e desferiram-lhe murros e pontapés em várias zonas do corpo, mormente na cabeça e na cara, fazendo-o cair ao chão.

(…)

Resulta assim que os arguidos depois do disparo acidental agiram numa resolução de o agredir fisicamente e os arguidos desferiram-lhe murros e pontapés em várias zonas do corpo, mormente na cabeça e na cara, fazendo-o cair ao chão.

Também depois os arguidos DD, CC e BB abeiraram-se de EE que havia chegado e desferiram-lhe murros e pontapés em várias zonas do corpo, mormente na cabeça e na cara, fazendo-o cair ao chão e ainda no chão continuaram com as agressões.».

Ou seja, o que esteve sempre em causa foi uma actuação conjunta dos três arguidos sobre cada um dos ofendidos isolada e alternadamente, e nunca de dois sobre um, nem dos três sobre os dois ofendidos em conjunto e num mesmo momento.

A aritmética errada é, pois, a do recorrente.

Ademais, atentar–se–á que aquilo a que esta alínea h) do art. 132º/2 do Cód. Penal alude é a uma actuação «juntamente com, pelo menos, mais duas pessoas», e não a uma actuação em superioridade numérica.

Na verdade, não resulta deste índice-padrão a exigência sequer de que tal actuação conjunta se traduza numa situação de superioridade numérica relativamente à(s) vítima(s).

Em bom rigor, o número de ofendidos até pode ser superior ao dos agentes dos factos – tudo está em que, como acima se disse, das concretas circunstâncias do caso concreto, essa actuação conjunta se revele especialmente apta, nomeadamente pelas diversas características pessoais de agressores e ofendidos, a limitar de forma drástica a capacidade de estes últimos se lhe oporem e, correspondentemente, exacerbar a possibilidade de ser causado o resultado típico danoso em causa.

Aliás, e nesta exacta perspectiva, não deixa de revestir pertinência chamar à colação a factualidade ora aditada – conforme aliás muito bem propugnado recursóriamente – à matéria de facto provada, e constante do relatório social do recorrente, e da qual decorre que o arguido DD «era [à data dos factos] praticante e professor de boxe, tendo combatido profissionalmente. Consequência da sua actividade desportiva era frequentemente chamado para exercer segurança em espaços de diversão nocturna» ; também relativamente ao arguido CC se consigna em sede de matéria de facto provada que «está destituído de um quotidiano estruturado e isento de ocupação, sendo-lhe conhecida apenas a frequência numa associação, onde se dedica à modalidade de box[e]».

Seja como for, crê–se que bem andou o tribunal de primeira instância ao considerar que desta actuação conjunta do arguido DD e dos dois co–arguidos CC e BB, a superioridade numérica que a mesma traduziu, aliada ao modo de actuação especialmente violento que fica descrito, determinou que cada um dos ofendidos quedasse sem qualquer capacidade de se defender e obstar às agressões de que estava sendo alvo, ainda que fosse procurando evitar as mesmas fugindo do local.

Perante este conjunto de circunstâncias, resultantes da matéria de facto provada, não se crê que possam restar dúvidas sobre o dever entender-se o modo de actuação do arguido como revestido de acentuada insensibilidade e indiferença ; qualquer dos apontados circunstancialismos é de molde a dever considerar a actuação do arguido como reveladora de uma intensidade de censurabilidade e perversidade que excede em muito o nível de tais características já de si inerente ao já de si grave acto de agredir corporalmente outra pessoa.

Demonstrou, assim o arguido uma atitude distanciada e um desrespeito pelos valores de uma sociedade assente na dignidade da pessoa humana e em que um dos primeiros direitos fundamentais é a integridade pessoal. A sua atitude, sendo reveladora de uma maior culpa, é, por isso, passível, como se disse, de um mais intenso juízo de censurabilidade ético-jurídica.

A actuação do arguido, assim considerada, integra decisivamente as qualificativas previstas nas alíneas e) e h) do nº2 do art. 132º do Cód. Penal.

Donde, e em suma, bem se decidiu na Sentença recorrida preencher a factualidade assente nesta parte os dois crimes de ofensa à integridade física qualificada pelos quais vinha o arguido acusado e pelos quais vem condenado.

Improcede, pois, esta derradeira vertente da pretensão recursória nesta parte.

5. De saber se deve ser determinada a alteração das consequências penais aplicadas ao arguido e se a pena de prisão em que o arguido deva ser condenado deverá ser declarada suspensa na respectiva execução.

Vem finalmente o arguido/recorrente DD, e para o caso de ser entendido por esta instância – como, afinal, constatamos suceder – haver o mesmo preenchido os pressupostos dos crimes de ofensa à integração física qualificada pelos quais vem condenado, dirigir a sua impugnação ao exercício de determinação das consequências penais aplicadas no caso.

E embora o faça por reporte, muito essencialmente, à não aplicação à pena (única) de prisão cominada do regime da suspensão penal, não deixa de aludir, ainda que sem grande rigor, à circunstância de dever também ser reduzida a medida da pena propugnando dever ele ser condenado «numa pena próxima do mínimo legal», afigurando–se assim que se reportará quer à medida concreta de cada uma das penas parcelares, quer da pena única a fixar.

Neste conspecto, cumpre apreciar sucessivamente quanto a cada uma das questões recursórias nesta parte suscitadas – assinalando–se que, pelo menos no que tange ao exercício de determinação da pena única aplicável, sempre haveria de nesta sede proceder–se à sua reconfiguração, por se verificar alterada a quantificação dos crimes pelos quais o arguido deverá ser, afinal, condenado, em face da ora decidida desconsideração, por absolvição, do crime de detenção de arma proibida, e de assim dever ser subtraída do mesmo exercício a pena parcelar que a este vinha aplicada.

Propugna o arguido/recorrente desde logo dever ser alterada a medida concreta das penas de prisão em que vem condenado, requerendo a sua redução para próximo do mínimo legal.

Vejamos.

Tendo em consideração a parte remanescente da responsabilidade criminal do recorrente DD nos presentes autos, começa por se recordar que vem o arguido condenado pela prática de dois crimes de ofensa à integridade física qualificada, ps. e ps. pelo art. 145º/1/a) por referência aos arts. 143º/1 e 132º/1/2/e)/h), todos do Cód. Penal, na pena – e dentro de uma moldura penal de prisão até 4 anos – de 1 (um) ano e 6 (seis ) meses de prisão para cada um dos crimes

Muito sucintamente se recorda que, de acordo com o art. 40º do Cód. Penal, as finalidades das penas são a protecção de bens jurídicos e a socialização do agente do crime, determinando-se que a culpa constitui o seu limite.

Como factores de escolha e graduação da pena concreta há a considerar os parâmetros dos arts. 70º e 71º do Cód. Penal.

A primeira destas disposições determina que «se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição», donde, a mesma irreleva nesta sede, pois que não é de ponderar tal alternativa.

Já o art. 71º do Cód. Penal estabelece que tal determinação deve fazer-se em função da culpa do agente e das exigências de prevenção da prática de condutas criminalmente puníveis, devendo atender-se a todas as circunstâncias que - não fazendo parte do tipo de crime - depuserem a favor ou contra o arguido.

Assim, determinada a natureza da sanção a aplicar, o respectivo limite máximo da punição do caso concreto deve fixar-se na medida considerada como adequada para a protecção dos bens jurídicos e para a tutela das expectativas da comunidade na manutenção da validade e vigência das normas infringidas, ainda consentida pela culpa do agente, enquanto o limite inferior há-de corresponder a um mínimo, ainda admissível pela comunidade para satisfação dessas exigências tutelares. Por fim, entre tais balizas assim determinadas, o tribunal deve fixar a pena num quantum que traduza a concordância prática dos valores decorrentes das necessidades de prevenção geral com as exigências de prevenção especial que se revelam no caso concreto, quer na vertente da socialização, quer na de advertência individual de segurança ou dissuasão futura do delinquente

Na escolha e determinação da medida da pena não poderá ultrapassar-se a medida da culpa, mas não poderá também ficar–se aquém do exigido pelos ditames da prevenção geral (centrados na tutela de bens jurídicos), abaixo dos quais não pode optar–se por ou fixar-se determinada sanção, sob pena de perda de confiança da comunidade no restabelecimento da vigência da norma violada.

Esta primeira discordância do recorrente dirige–se ao exercício de concretização da pena de prisão aplicada.

Ora, desde logo cumpre salientar que, como é consabido e resulta de pacífico critério jurisprudencial, o recurso dirigido à medida da pena visa tão-só o controlo da desproporcionalidade da sua fixação ou a correcção dos critérios de determinação, atentos os parâmetros da culpa e as circunstâncias do caso. Donde, e em tal sede, a intervenção correctiva do tribunal superior só se justifica quando o processo da sua determinação revelar que foram violadas as regras da experiência ou a quantificação se mostrar desproporcionada.

Neste sentido, por todos, veja–se o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27/05/2009 (proc. 09P0484)[[14]], com profusa referenciação jurisprudencial – sufragando–se ter plena aplicação aos tribunais de segunda instância a jurisprudência, relativa à intervenção do STJ na determinação concreta das penas, que ali vem exarada.

Tendo tal perspectiva presente, cumpre realçar que na Sentença ora recorrida foi objecto de ponderada apreciação o elenco dos elementos com relevo na determinação da medida concreta da pena aplicada – em termos que acima ficaram já transcritos e que aqui se dão por inteiramente reproduzidos.

E à luz da ponderação dos factores assim atendíveis, e ali enunciados, tendo em atenção a moldura penal para o ilícito criminal em causa, não pode deixar de se considerar que a fixação da pena aplicada não se mostra desadequada por excesso.

Na verdade, dificilmente se pode sequer conceber como seria viável a aplicação de penas concretas em medida inferior às que vêm fixadas, as quais se situam em medida inferior ao limite mediano da moldura punitiva aplicável.

Em particular se dirá que não se sufraga, de todo, a alegação do arguido segundo a qual as exigências de prevenção se mostrarem realizadas, pois que se constata registar o mesmo no seu percurso de vida várias outras condenações criminais (nomeadamente por ilícitos de alguma gravidade, como roubo, detenção de arma proibida e violência doméstica – embora neste último caso a condenação em referência seja posterior aos factos dos presentes autos).

Em suma, de modo algum as penas concretamente fixadas se podem ter por desproporcionadas à culpa do arguido por excessividade.

Não tem, pois, acolhimento a censura que o recurso efectua dos fundamentos em que se estriba a determinação concreta das penas parcelares de prisão aplicadas aos crimes de ofensa à integração física qualificada, devendo o mesmo improceder nesta parte.

Mostrando–se assim decidida em definitivo a adequada configuração jurídico–criminal das condutas do arguido DD, e assim estabilizadas quer a contabilidade dos crimes que praticou e pelos quais deve ser objecto de condenação, quer também as concretas penas parcelares a aplicar–lhe pelos mesmos crimes, cumpre agora apreciar da questão também suscitada recursóriamente de saber se a pena única de prisão que vem aplicada ao arguido se mostra também ela desadequada por excessiva, propugnando o recorrente também aqui a sua redução para próximo do mínimo legalmente aplicável.

Vejamos.

Dispensa aturadas considerações nesta sede que o concurso de crimes (e penas) relevante para efeitos de cúmulo jurídico vem regulado no art. 77º do Cód. Penal, que no seu nº1 dispõe «quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa única pena. Na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente».

O sistema do concurso de penas por cúmulo jurídico numa pena conjunta foi adoptado para evitar a eventual ultrapassagem do limite da culpa do agente criminoso, e que poderia decorrer de um sistema de acumulação material onde ocorresse a mera soma das penas em que o arguido tivesse sido condenado. Por isso que o sistema da pena conjunta implica uma avaliação conjunta dos factos e da personalidade do agente, nomeadamente, através da combinação das penas parcelares que não perdem a natureza de fundamentos da pena do concurso.

Em conformidade, e por forma a respeitar integralmente uma tal avaliação conjunta, são pressupostos basilares do cúmulo jurídico:

- a uniformidade subjectiva, isto é, que todos os crimes tenham sido cometidos pelo mesmo arguido,

- a coerência temporal, isto é, que o arguido os tenha praticado antes do trânsito em julgado da condenação por qualquer um,

- e a coesão sancionatória, ou seja, e que as penas parcelares em que o arguido foi condenado sejam da mesma natureza, nos termos do art. 77º/3 do Cód. Penal.

No que tange ao exercício material conducente à determinação da punição única pelos crimes em concurso, o mesmo opera em primeiro lugar pela determinação das penas parcelares em que o arguido foi condenado.

Em segundo lugar, e de acordo com o determinado no nº2 do art. 77º do Cód. Penal, deverá, por um lado, ter–se como limite mínimo da pena única a aplicar, aquele correspondente à pena parcelar mais elevada de entre aquelas em concurso ; e deverá. por outro lado, proceder–se à soma de todas as aludidas penas parcelares, obtendo-se assim o limite máximo da moldura abstracta aplicável – sendo, todavia, que, nos termos da regra do mesmo art. 77º/2 do Cód. Penal, a pena única aplicável, tendo «como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes», não pode contudo «ultrapassar 25 anos tratando-se de pena de prisão e 900 dias tratando-se de multa».

Finalmente, assim determinados os limites máximo e mínimo da moldura punitiva aplicável, cumprirá então fixar a medida concreta da pena única dentro dessa moldura penal.

Nesta fixação da medida concreta da pena conjunta, deverá atender-se, por um lado, aos critérios gerais de determinação da pena, e, por outro, ao critério especial dos casos de concurso de penas, previstos pelo art. 77°/1 do Cód. Penal – critérios que entre si se conjugam.

Assim, e em primeiro lugar, a determinação da medida da pena desde logo através dos critérios gerais de escolha e graduação da pena concreta, havendo assim a considerar em especial os parâmetros do art. 71º do Cód. Penal: essa determinação deve fazer-se em função da culpa do agente e das exigências de prevenção da prática de condutas criminalmente puníveis, devendo atender-se a todas as circunstâncias que -não fazendo parte do tipo de crime- depuserem a favor ou contra o arguido.

Depois, a determinação da medida da pena nos casos de concurso obedecerá aos critérios especiais de determinação do art. 77º/1 do Cód. Penal, onde se dispõe que são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente.

A apreciação do conjunto dos factos fornecerá uma visão integrada de condutas praticadas pelo agente (imagem global do ilícito), permitindo verificar se entre os factos criminosos existe uma ligação ou conexão relevante. A ligação ou conexão relevante entre factos visa apurar se o agente pretendeu com determinado conjunto de factos executar um plano, ou se há uma gravidade na conduta, não detectável em cada crime individualmente, mas claramente perceptível na sua globalidade.

A avaliação da personalidade do agente visa revelar se, da apreciação do conjunto dos factos praticados pelo agente, se extrai um figurino geral de personalidade do agente do crime, em termos de determinar a tendência ou a propensão para a prática de um determinado tipo de crime ou para a ofensa de determinados bens jurídicos. Ou seja, importa verificar se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência (ou eventualmente mesmo a uma carreira) criminosa, ou tão-só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade: só no primeiro caso será de atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta. Mas tudo tendo na devida consideração as exigências de prevenção geral, e os efeitos previsíveis da pena única sobre o comportamento futuro do agente, assim se respeitando sempre a tutela também devida às exigências de prevenção especial de socialização – ou seja, no âmbito da avaliação da personalidade, será ainda relevante, procurar compreender em que medida poderá a pena influenciar o arguido, em termos de dissuasão de uma delinquência futura.

Assim, com a fixação da pena conjunta se procura sancionar o agente nos limites da respectiva culpa, sendo esse o sentido e significado de encontrar uma punição assente na reavaliação dos factos (não dos factos individualmente considerados, mas especialmente do respectivo conjunto ; isto é, não como mero somatório de factos criminosos, mas enquanto revelador da dimensão e gravidade global do comportamento delituoso do agente) em conjunto com a personalidade do arguido.

As penas conjuntas visam, pois, corresponder ao sancionamento de um determinado trecho de vida do arguido condenado por pluralidade de infracções, sendo que, como refere WW (em “A Pena ‘Unitária’ do Concurso de Crimes”, RPCC, ano 16, n.º 1, págs. 151 a 166) – citada no Acórdão do S.T.J. de 10/01/2013 Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça (proc. 218/06.2PEPDL.L3.S1)[[15]] –, «o código rejeita uma visão atomística da pluralidade de crimes e obriga a olhar para o conjunto, para a possível conexão dos factos entre si e para a necessária relação de todo esse bocado de vida criminosa com a personalidade do seu agente, estando em causa a avaliação de uma “unidade relacional de ilícito”, portadora de um significado global próprio, a censurar de uma vez só a um mesmo agente. A pena conjunta tenderá a ser uma pena voltada para ajustar a sanção - dentro da moldura formada a partir de concretas penas singulares, à unidade relacional de ilícito e de culpa, fundada na conexão auctoris causa própria do concurso de crimes».

É profusa a jurisprudência produzida a propósito deste exercício de determinação da pena única aplicável em caso de concurso de crimes.

Assim, a título de mero exemplo, pode ler-se no Acórdão do S.T.J. 31/03/2011 (proc. 201/08.3JELSB.E1.S1)[[16]], «I - Na medida da pena são considerados em conjunto, os factos e a personalidade do agente, o que significa que o cúmulo jurídico de penas não é uma operação aritmética de adição, nem se destina, tão só, a quantificar a pena conjunta a partir das penas parcelares cominadas. Com efeito, a lei elegeu como elementos determinadores da pena conjunta os factos e a personalidade do agente, elementos que devem ser considerados em conjunto. II - Como esclareceu o autor do Projecto do CP, no seio da respectiva Comissão Revisora, a razão pela qual se manda atender na determinação concreta da pena unitária, em conjunto, aos factos e à personalidade do delinquente, é de todos conhecida e reside em que o elemento aglutinador da pena aplicável aos vários crimes é, justamente, a personalidade do delinquente, a qual tem, por força das coisas, carácter unitário, de onde resulta, como ensina Jescheck, que a pena única ou conjunta deve ser encontrada a partir do conjunto dos factos e da personalidade do agente, tendo-se em atenção, em primeira linha, se os factos delituosos em concurso são expressão de uma inclinação criminosa ou apenas constituem delitos ocasionais sem relação entre si, sem esquecer a dimensão da ilicitude do conjunto dos factos e a conexão entre eles existente, bem como o efeito da pena sobre o comportamento futuro do delinquente. III - Posição também defendida por Figueiredo Dias, ao referir que a pena conjunta deve ser encontrada, como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique, relevando, na avaliação da personalidade do agente sobretudo a questão de saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência criminosa, ou tão só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade, sem esquecer o efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro daquele, sendo que só no caso de tendência criminosa se deverá atribuir à pluriocasionalidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura da pena conjunta».

Também no Acórdão do S.T.J. de 12/10/2011 (proc. 484/02.2TATMR.C2.S1)[[17]] se escreveu que «A pena única ou conjunta deve ser encontrada a partir do conjunto dos factos e da personalidade do agente, tendo-se, em atenção, em primeira linha, se os factos delituosos em concurso são expressão de uma inclinação criminosa ou apenas constituem delitos ocasionais sem relação entre si, sem esquecer a dimensão da ilicitude do conjunto dos factos e a conexão entre eles existente, bem como o efeito da pena sobre o comportamento futuro do delinquente».

Finalmente, referência para o Acórdão do mesmo S.T.J. de 18/01/2012 (proc. 34/05.9PAVNG.S1)[[18]], onde se exarou que «Perante concurso de crimes e de penas, há que atender ao conjunto de todos os factos cometidos pelo arguido, de modo a surpreenderem-se, ou não, conexões entre os diversos comportamentos ajuizados, através duma visão ou imagem global do facto, encarado na sua dimensão e expressão global, tendo em conta o que ressalta do contexto factual narrado e atender ao fio condutor presente na repetição criminosa, procurando estabelecer uma relação desses factos com a personalidade do agente, tendo-se em conta a caracterização desta, com sua projecção nos crimes praticados ; enfim, há que proceder a uma ponderação da personalidade do agente e correlação desta com os concretos factos ajuizados, a uma análise da função e da interdependência entre os dois elementos do binómio, não sendo despicienda a consideração da natureza dos crimes em causa, da verificação ou não de identidade dos bens jurídicos violados, até porque o modelo acolhido é o de prevenção, de protecção de bens jurídicos. (…) Todo este trabalho de análise global se justifica tendo em vista descortinar e aferir se o conjunto de factos praticados pelo(a) condenado(a) é a expressão de uma tendência criminosa, isto é, se significará já a expressão de algum pendor para uma ‘carreira’, ou se, diversamente, a feridente repetição comportamental dos valores estabelecidos emergirá antes e apenas de factores meramente ocasionais».

Em suma, a aplicação de uma pena conjunta não pode estar dissociada da questão da adequação da pena à culpa concreta global e da consideração das exigências preventivas, passando o efectivo respeito pelo princípio da proporcionalidade e da proibição do excesso da punição concreta, pela necessidade de ponderação entre a gravidade do facto global e a gravidade da pena conjunta.

Resumindo quando já acima se deixou enunciado, escreveu–se no Acórdão do S.T.J. de 21/11/2018 (proc. 574/16.4PBAGH.S1)[[19]] que “Na determinação da pena conjunta, impõe-se atender aos “princípios da proporcionalidade, da adequação e proibição do excesso”, imbuídos da sua dimensão constitucional, pois que “a decisão que efectua o cúmulo jurídico de penas, tem de demonstrar a relação de proporcionalidade que existe entre a pena conjunta a aplicar e a avaliação – conjunta - dos factos e da personalidade, importando, para tanto, saber (…) se os crimes praticados são resultado de uma tendência criminosa ou têm qualquer outro motivo na sua génese, por exemplo se foram fruto de impulso momentâneo ou actuação irreflectida, ou se de um plano previamente elaborado pelo arguido”.

Efectuando, enfim, o exercício de fixação da pena única dentro da unitária moldura penal aplicável no caso – mas sem desconsiderar quanto se disse no que tange à ponderação da janela delimitada pelos ditames da culpa e das exigências de prevenção –, haverá, pois, que, no caso, levar a cabo um exercício de compressão das penas parcelares em concurso – com excepção, naturalmente, daquela mais elevada, que transmite, na sua intocabilidade, o ponto de partida daquela moldura.

Tendo presentes estas considerações, e revertendo ao presente caso concreto, começa por se realçar que deixa de relevar para o procedimento de formação da pena unitária a aplicar ao arguido a pena parcelar de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão na qual vinha condenado pela prática do crime de detenção de arma proibida, e pelo qual deve, todavia, ser absolvido.

Assim, o arguido deverá ser condenado, pela prática de dois crimes de ofensa à integração física qualificada, em duas penas parcelares de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão.

Temos, pois, que, de acordo com as regras enunciadas de determinação da moldura penal aplicável no caso, e a ter em conta na fixação da pena única, esta pena unitária terá por limite mínimo o de 1 ano e 6 meses de prisão, e como limite máximo in abstracto o de 3 ANOS de prisão (soma das duas penas de prisão em concurso).

Determinados estes limites mínimo e máximo da moldura punitiva aplicável, recorda–se, em súmula de quanto já acima se enunciou, que a aplicação de uma pena conjunta não pode estar dissociada da questão da adequação da pena à culpa concreta global e da consideração das exigências preventivas, passando o efectivo respeito pelo princípio da proporcionalidade e da proibição do excesso da punição concreta, pela necessidade de ponderação entre a gravidade do facto global e a gravidade da pena conjunta.

No caso do arguido DD, e numa apreciação dos factores que militam em desfavor do mesmo no contexto da análise global que aqui se impõe, começar–se–á por referir que os crimes por si praticados e integrantes do cúmulo, reflectem acentuada gravidade objectiva e são merecedores de relevante juízo de censura penal, estando em causa tipos de ilícito que colocaram em crise relevantes valores jurídico–penais de natureza pessoal.

A forma de actuação do arguido – sempre com dolo directo –, revela acentuada determinação e energia criminosa, não se coibindo de levar a cabo agressões físicas de forma especialmente violenta e susceptível de causar lesões gravíssimas.

Tais circunstâncias desde logo marcam as exigências de prevenção do caso, quer de ordem geral, quer de ordem especial.

Em particular ainda no que respeita a estas últimas, não deixa de se assinalar o percurso de vida criminal do arguido, que regista já várias condenações pela prática de crimes de variada tipologia. algumas delas anteriores aos factos e por crimes em que está também em causa a ofensa a valores jurídicos de ordem pessoal.

Como contraponto a todos estes factores, e correspondendo a quanto poderá militar em favor do arguido/recorrente, assinala–se a circunstância de se mostrar integrado familiarmente, tendo dois filhos menores para os quais se revela um pai diligente e protector. Preso à ordem de outro processo desde Julho de 2024, tem mantido comportamento conforme às regras institucionais.

É indiscutível que, analisando a globalidade dos factos em concurso no presente processo, se verifica que os mesmos se encontram conexionados entre si, apresentando uma evidente relação de proximidade não apenas temporal, e ainda mais de modos de execução.

Não pode deixar de se considerar que a imagem global da conduta do arguido revela, pese embora aquela homogeneidade, uma clara propensão ao cometimento delituoso de alguma gravidade, o que, aliado a quanto evidencia o seu passado criminal, expressa uma personalidade marcada por características desvaliosas, e susceptível de acrescida cautela no que respeita à ponderação das exigências de prevenção no caso.

Nesta perspectiva, são sem dúvida pertinentes as considerações exaradas em sede de Sentença recorrida no sentido de realçar que as exigências de prevenção são elevadas no caso concreto e devem ser determinantes na fixação da pena única.

Aqui chegados, cumpre concluir à luz dos assinalados critérios e parâmetros conjugados dos arts. 40º, 71º e 77º do Cód. Penal, efectuando o exercício de fixação da pena única dentro da moldura legal penal supra assinalada, no qual – sem desconsiderar quanto se disse no que tange à ponderação da janela delimitada pelos ditames da culpa e das exigências de prevenção – haverá que levar a cabo um exercício de compressão das penas parcelares em concurso (com excepção, naturalmente, daquela mais elevada, que transmite, na sua intocabilidade, o ponto de partida daquela moldura).

Sopesando, enfim, os dados em presença, sem prescindir do rigor da lei, mas tendo em atenção a globalidade dos factos, avaliando a interconexão entre os crimes do concurso e a personalidade do arguido, decide–se fixar ao arguido DD, em cúmulo jurídico das (duas) penas de prisão aplicadas, a pena única de 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de prisão.

E temos, enfim, a questão da ponderação sobre a viabilidade de ser determinada a suspensão da execução da pena de prisão aplicada ao arguido/recorrente.

Em suma, entende o recorrente que, de acordo com o disposto no art. 50º do Cód. Penal, a simples censura e ameaça de prisão é, in casu, ainda suficiente para acautelar as finalidades da punição, atendendo ao desenvolvimento pessoal, profissional, familiar e social do arguido, à sua idade personalidade, e às razões atinentes à prática do crime, conforme alegado nos demais passos recursórios.

Conclui, pois, que a prevenção geral e especial se encontram realizadas, em face também da interiorização do desvalor da conduta pelo recorrente, bem como do arrependimento demonstrado pelo mesmo.

Vejamos.

Já vimos que de acordo com o art. 40º do Cód. Penal, as finalidades das penas são a protecção de bens jurídicos e a socialização do agente do crime, determinando-se que a culpa constitui o seu limite.

Fixada ao agente dos factos, de acordo com os parâmetros previstos em especial nos arts. 70º e 71º do Cód. Penal, uma pena de prisão em medida concreta não superior a 5 anos, poderá a mesma ser suspensa na respectiva execução nos termos do disposto no art. 50º/1 do Cód. Penal, onde exactamente se prevê que “o tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”.

Não são, pois, considerações de culpa que devem presidir na decisão sobre a suspensão da execução da pena de prisão – mas antes razões ligadas às exigências de prevenção geral e especial, sendo que na ponderação das segundas não pode nunca perder-se de vista a salvaguarda das primeiras.

Como refere o Prof. Figueiredo Dias (in “Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime”, 1993, § 518), «pressuposto material de aplicação do instituto é que o tribunal, atendendo à personalidade do agente e às circunstâncias do facto, conclua por um prognóstico favorável relativamente ao comportamento do delinquente ; que a simples censura do facto e a ameaça da pena – acompanhadas ou não da imposição de deveres e (ou) regras de conduta – bastarão para afastar o delinquente da criminalidade», acrescentando «para a formulação de um tal juízo – ao qual não pode bastar nunca a consideração ou só da personalidade, ou só das circunstâncias do facto –, o tribunal atenderá especialmente às condições de vida do agente e à sua conduta anterior e posterior ao facto. Por outro lado, há que ter em conta que a lei torna claro que, na formulação do prognóstico, o tribunal se reporta ao momento da decisão, não ao da prática do facto». Adverte ainda o mesmo Professor (ob. citada, § 520) que, apesar da conclusão do tribunal por um prognóstico favorável – à luz, consequentemente, de considerações exclusivas de prevenção especial de socialização –, a suspensão da execução da prisão não deverá ser decretada se a ela se opuserem «as necessidades de reprovação e prevenção do crime. (…) Estão aqui em questão não quaisquer considerações de culpa, mas exclusivamente considerações de prevenção geral sob forma de exigências mínimas e irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico. Só por estas exigências se limita – mas por elas se limita sempre – o valor da socialização em liberdade que ilumina o instituto em causa».

Conforme se pode ler no Acórdão do S.T.J. de 25-06-2003 (proc. 2131/03)[[20]], o instituto em causa “constitui uma medida de conteúdo reeducativo e pedagógico, de forte exigência no plano individual, particularmente adequada para, em certas circunstâncias e satisfazendo as exigências de prevenção geral, responder eficazmente a imposições de prevenção especial de socialização, ao permitir responder simultaneamente à satisfação das expectativas da comunidade na validade jurídica das normas violadas, e à socialização e integração do agente no respeito pelos valores do direito, através da advertência da condenação e da injunção que esta impõe para que o agente conduza a vida de acordo com os valores inscritos nas normas. (…) Não são, por outro lado, considerações de culpa que devem ser tomadas em conta, mas juízos prognósticos sobre o desempenho da personalidade do agente perante as condições da sua vida, o seu comportamento e as circunstâncias do facto, que permitam supor que as expectativas de confiança na prevenção da reincidência são fundadas».

Para avaliar da necessidade da execução da pena de prisão importa, fundamentalmente, atender à personalidade do agente, conduta anterior e circunstâncias dos crimes, para aquilatar da probabilidade de a socialização poder ter êxito sem o cumprimento efectivo daquela pena – o que significa ser necessário que o julgador se convença que o facto cometido não está de acordo com a personalidade do arguido e que foi caso acidental, esporádico, ocasional na sua vida e que a ameaça da pena, como medida de reflexos sobre o seu comportamento futuro, evitará a repetição de condutas delituosas e ainda que a pena de substituição não coloque em causa de forma irremediável a necessária tutela dos bens jurídicos.

Em suma, pressuposto material de aplicação da suspensão da pena é, pois, que o Tribunal, em face dos factos provados, conclua, atendendo à personalidade do agente e às circunstâncias do seu facto e do seu percurso de vida, por um prognóstico favorável com relação ao seu comportamento - mas deve ter-se em consideração sempre em última análise que a suspensão da execução da pena não deverá ser decretada se a ela se opuserem as necessidades de reprovação e prevenção criminal, enquanto exigências mínimas e irrenunciáveis de defesa e garantia de eficácia do ordenamento jurídico-penal.

Ou seja, o pensamento ressocializador não esquece a necessidade de as soluções penais serem suficientemente dissuasoras da criminalidade, impondo-se, consequentemente, que a comunidade não encare a suspensão da execução da pena como um caso de impunidade, retirando toda a sua confiança ao sistema repressivo penal – para a aplicação da suspensão da execução da pena de prisão é necessário que a mesma não coloque irremediavelmente em causa a necessária tutela dos bens jurídicos e a estabilização das expectativas comunitárias, ou seja, o sentimento de reprovação social do crime ou sentimento jurídico da comunidade.

Donde, só quando que as exigências de prevenção fiquem asseguradas, a pena de prisão poderá ser suspensa na sua execução.

Revertendo ao caso dos autos, vem o recorrente pleitear pela aplicação do regime de suspensão penal, nos termos e com os fundamentos que acima ficam sumariados.

Adianta–se desde já que não assiste, porém, razão ao recorrente, à luz daquilo que se julga ser, no caso concreto, a falência dos pressupostos de que deveria depender a aplicação da suspensão de pena peticionada.

Assinala–se que o tribunal a quo ponderou sobre a possibilidade (formalmente permitida por lei no caso) de determinar o regime de suspensão da pena de prisão aplicada ao arguido, vindo a afastá–lo.

Recordemos a análise do tribunal a quo no contexto da decisão que é, afinal, o cerne da presente impugnação:

«À data da prática dos factos o arguido já tinha sofridos condenações por crime de roubo, detenção arma proibida e condução sem habilitação legal sendo que, apesar disso, praticou os crimes aqui em causa que revela gravidade. Assim sendo, o Tribunal entende que, em relação a este arguido, não produz quaisquer efeitos a pena de prisão suspensa, motivo pelo qual não pode suspender a pena de prisão agora aplicada.

Por conseguinte, entendemos que a suspensão da execução da pena, nem o cumprimento da pena em regime de permanência na habitação realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, não tendo sido suficientes nem surtido qualquer efeito as anteriores penas aplicadas ao arguido, sendo manifesta a sua indiferença perante as penas não detentivas, motivo pelo qual a situação ora em análise reclama a aplicação de uma pena de prisão efectiva.»

Ou seja, destaca o tribunal a quo as exigências preventivas que no caso se suscitam.

E, na verdade, constata–se que o arguido tem averbadas, no seu registo criminal, várias outras condenações, nomeadamente por ilícitos de alguma gravidade, como roubo, detenção de arma proibida e violência doméstica – embora neste último caso a condenação em referência seja posterior aos factos dos presentes autos –, sendo inclusive os factos dos autos praticados em pleno período de suspensão de uma pena de prisão em que fora condenado em Maio de 2022 pela prática de crime de condução sem habilitação legal.

Tal situação denuncia uma fraca postura crítica face ao tipo de comportamentos em questão e pouca interiorização do juízo de adequação comportamental alheio ao cometimento de crimes que a sociedade lhe dirige, circunstância que coloca em crise uma prognose favorável que se possa neste momento formular quanto a uma eventual suspensão da execução da pena de prisão.

E nesta perspectiva não sobrelevam os factos alegados pelo recorrente – os quais, aliás, se mostram claramente ausentes do presente caso, na medida em que já se viu que as razões inerentes à prática dos factos não são, de todo, meritórias, contrariamente ao qualquer vimos ser alegado recursóriamente.

Estas considerações adquirem aqui determinante relevância também em sede de exigências preventivas especiais, quando inevitável é a conclusão de, no caso, estarmos perante um arguido que revela evidente atitude de desconsideração pelos concretos valores jurídicos, e respectivo prejuízo, que aqui se mostram em acentuado relevo.

De facto, reitera–se que não se sufraga a alegação do arguido segundo a qual as exigências de prevenção se mostrarem realizadas, não se percepcionando, de todo, de onde extrai o recorrente a conclusão de que no caso se verifica a «interiorização do desvalor da conduta pelo recorrente, bem como, do arrependimento demonstrado pelo mesmo».

Na verdade, além de se constatar o aludido percurso criminal na vida do recorrente, temos ademais que o arguido surge nesta fase como como alguém que, tendo adoptado a conduta censurável que adoptou, não revela uma atitude de que pudesse extrair–se a interiorização em algum grau da reprovabilidade dessa mesma conduta, denotando assim uma personalidade absente de espirito critico negativo em relação àquela – assinalando–se que se o seu silêncio em sede de julgamento em nada o pode prejudicar, quer em sede de apreciação da prova, quer nesta vertente da determinação punitiva, a verdade é que, neste âmbito da ponderação sobre a viabilidade de efectuar um juízo de prognose favorável que permita sobrepôr–se ao risco de reiteração criminosa, tal inviabiliza a consideração das usuais atenuantes ligadas à confissão, arrependimento ou desenvolvimento de consciência critica em relação aos actos que empreendeu.

Assim, tendo em consideração as aludidas necessidades preventivas, não obstante os benefícios da reacção penal de substituição traduzida no regime de suspensão da pena, a aplicação ao arguido desta como alternativa ao cumprimento de uma pena de prisão efectiva não se mostra susceptíveis <de fazer face àquelas necessidades. Tal levaria ao descrédito da comunidade na eficácia do sistema jurídico-criminal e na sua capacidade de tutelar bens jurídicos tão relevantes como os que estão em causa nos presentes autos.

Em suma, mesmo sopesando as circunstâncias invocadas pelo recorrente, a verdade é que as finalidades da execução da pena, ao nível da prevenção geral e especial, resultariam absolutamente goradas com a aplicação ao arguido do regime de suspensão da pena de prisão.

A assinalada imunidade do arguido a toda uma série de medidas punitivas não privativas da liberdade anteriores, não permite já vislumbrar em termos suficientes um juízo de prognose que resista ao risco de reiteração criminal do arguido.

Tudo ponderado, não se têm por verificados os pressupostos materiais de que o art. 50º do Cód. Penal faz depender a aplicação do regime de suspensão da pena de prisão.

Improcede, assim esta derradeira parte do recurso, mantendo–se a decisão recorrida que determinou a efectividade do cumprimento da pena de prisão em que o arguido/recorrente ora vai condenado.

Sobre a mesma incidirá, não obstante, o perdão de 1 (um) ano de prisão ao abrigo do disposto no art. 3º/1 da Lei 38-A/2023, de 2 de Agosto, nos termos decididos em primeira instância – pelo que a pena de prisão a cumprir será de 1 (um) ano e 4 (quatro) meses.


*

*


III. DECISÃO

Nestes termos, e em face de tudo o exposto, acordam os Juízes que compõem a 1ª Secção deste Tribunal da Relação do Porto em julgar parcialmente procedente o recurso interposto pelo arguido, e, em consequência decidem:

1º, julgar verificado na Sentença recorrida o vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, previsto no art. 410º/2/a) do Cód. de Processo Penal, mas suprir o mesmo, nos termos do art. 431º/1/a) do Cód. de Processo Penal, aditando à matéria de facto provada o ponto 29–A., tudo nos termos e em conformidade com o decidido no ponto 2. da presente decisão ;

2º, alterar a matéria de facto considerada em sede de Sentença recorrida nos seguintes termos:

i. alterar a redacção do ponto 14. da matéria de facto provada,

ii. considerar não escrito o ponto 15. da matéria de facto provada,

iii. aditar à matéria de facto não provada os pontos 2º, 3º e 4º,

tudo em conformidade e no sentido de quanto fica consignado no ponto 3. da presente decisão,

3º, revogar a decisão recorrida na parte em que condena o arguido DD pela prática de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo artigo 86º/1/c)/d) da Lei 5/2006, de 23 de Fevereiro, substituindo–a pela presente decisão que absolve o arguido do mesmo crime ;

4º, confirmar a condenação do arguido pela prática de dois crimes de ofensa à integridade física qualificada, p. e p. pelos artigos 145º/1/a) por referência aos artigos 143º/1 e 132º/1/2/e)/h), todos do Cód. Penal, nas penas de 1 (um) ano e 6 (seis ) meses de prisão para cada um dos crimes, mas revogar a decisão recorrida quanto à concretização pena única a aplicar ao arguido, substituindo–a pela presente decisão que, nos termos do disposto no artigo 77º do Cód. Penal, condena o arguido DD na pena única de 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de prisão.

Ao abrigo do artigo 3º/1 da Lei 38-A/2023, de 2 de Agosto declara–se perdoado 1 (um) ano da pena única de prisão do arguido – pelo que a pena a cumprir será de 1 (um) ano e 4 (quatro) meses de prisão.

Sem custas (cfr. art. 513º/1 a contrario do Cód. de Processo Penal).


*
Porto, 25 de Junho de 2025
Pedro Afonso Lucas
Pedro Vaz Pato
Maria Joana Grácio

(Texto elaborado pelo primeiro signatário como relator, e revisto integralmente pelos subscritores – sendo as respectivas assinaturas autógrafas substituídas pelas electrónicas apostas no topo da primeira página)
________________
[[1]] Relatado por Nuno Gomes da Silva, acedido em www.dgsi.pt/jstj.nsf
[[2]] Relatado por Arménio Sottomayor, acedido em https://www.stj.pt
[[3]] Relatado por Souto de Moura, acedido em www.dgsi.pt/jstj.nsf
[[4]] Relatado por Vasques Osório, acedido em www.dgsi.pt/jtrc.nsf
[[5]] Relatado por Souto de Moura, acedido em www.dgsi.pt/jstj.nsf
[[6]] Relatado por Jorge Jacob, acedido em www.dgsi.pt/jtrc.nsf [[7]] Relatados ambos por Simas Santos, e acedidos em www.dgsi.pt/jstj.nsf
[[8]] Relatado por Oliveira Mendes, acedido em www.dgsi.pt/jtstj.nsf
[[9]] Relatado por Pedro Vaz Pato, acedido em www.dgsi.pt/jtrp.nsf
[[10]] Relatado por Afonso Correia, acedido em www.dgsi.pt/jstj.nsf
[[11]] Relatado por Leal Henriques, acedido em www.dgsi.pt/jstj.nsf
[[12]] Relatado por Francisco Marcolino, acedido em www.dgsi.pt/jtrp.nsf
[[13]] Relatado por Costa Mortágua, acedido em www.dgsi.pt/jtrp.nsf
[[14]] Relatado por Raúl Borges, acedido em www.dgsi.pt/jstj.nsf
[[15]] Relatado por Rodrigues da Costa, acedido em www.dgsi.pt/jstj.nsf
[[16]] Relatado por Oliveira Mendes, acedido em www.dgsi.pt/jstj.nsf
[[17]] Relatado por Oliveira Mendes, acedido em www.dgsi.pt/jstj.nsf
[[18]] Relatado por Raul Borges, acedido em www.dgsi.pt/jstj.nsf
[[19]] Relatado por Manuel Augusto de Matos, acedido em www.dgsi.pt/jstj.nsf
[[20]] Relatado por Henriques Gaspar, disponível em Col. Jurisprudência – STJ, 2003, t.II, pág. 221