I - O art.º 340.º do Código de Processo Penal consagra os poderes de investigação que o legislador entendeu cometer ao Tribunal na fase de julgamento, sustentados e balizados na razão de base de que o processo penal não é um processo de partes e que o propósito maior é a descoberta da verdade material e a boa decisão do processo, por forma a alcançar a realização da justiça. II - E este valor, não sendo absoluto, não comprime em nada outros direitos desde que respeitados prazos razoáveis para a produção da prova. Pertence ao juiz esse dever ordenando a produção de prova não constante da acusação ou da pronúncia e até interrompendo o julgamento para esse efeito se necessário [art. 328º-3-b)). Trata-se de um poder-dever muito intenso, que não assumido pode acarretar a nulidade da sentença, por omissão de pronúncia (art. 379-1-c)].
III - Todavia tal poder/dever está limitado pelo principio da vinculação temática a que alude o art. 339º-4 do CPP. O Juiz só pode socorrer-se do mecanismo do art. 340º quando supervenientemente e dentro da vinculação temática do processo (v. art. 339-4), constate uma insuficiência de prova, que coloque em causa qualquer juízo decisório seguro. E pode, para o efeito, interromper o julgamento, nos termos do art. 328-3-b).
IV - O requerimento de prova está, contudo, sujeito aos princípios de superveniência, necessidade, legalidade e obtenebilidade. A realidade de um julgamento não é estática, mas sim dinâmica e pode considerar-se no seu decurso a pertinência da inquirição ou junção de documentos exatamente em perseguição da descoberta, tanto quanto possível, da verdade dos factos, pois só assim se pode fazer efetiva justiça.
V - A justificação apresentada pelo M.P no seu requerimento é suficiente e pertinente e resulta do desenvolvimento das inquirições até então ocorridas no julgamento. Não corresponde a qualquer alteração substancial ou não substancial de factos, circunstâncias desagravantes, como a redução de factos acusados ou considerar-se provados factos que correspondam a circunstâncias modificativas, com potencialidade para desqualificar ou privilegiar o crime acusado. O mesmo se dirá das alterações de datas, horas e locais, exceto se as mesmas forem elementos essenciais do tipo de crime.
(Sumário da responsabilidade do Relator)
Tribunal de origem: Tribunal Judicial da Comarca de Porto – (Juízo Central Criminal de Vila Nova de Gaia – J3)
Acordam, em conferência, na 1.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto
I. Relatório
No âmbito do Processo Comum coletivo nem epígrafe id. a correr termos no Juízo Central Criminal de Vila Nova de Gaia-J3, foi decidido:
Recurso intercalar.
“DESPACHO
Afigura-se ao Tribunal que o requerimento de prova que agora foi apresentado pela Sr.ª Procuradora releva para a descoberta da verdade material e boa decisão da causa tendo em conta a factualidade que se discute nos presentes autos, designadamente, a indicada no ponto da acusação pública reportada à manhã do dia 18/09/2023, episódio que terá ocorrido nas instalações da CCPJ de ....
Por outro lado, a requerida inquirição da testemunha AA, sendo filho do aqui arguido e da ofendida e tendo privado com ambos os progenitores no período a que reportam os autos, poderá efetivamente aportar interesse para a descoberta da verdade por ter eventualmente conhecimento pessoal e direto dos factos que se discutem no processo.
Assim sendo, ao abrigo do disposto no art.º 340º do CPP, defere-se ao requerido pelo Ministério Público.”
Recurso principal.
«I - Em julgar procedente, por provada, a acusação pública e, em consequência:
a) Condenam o arguido BB pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de violência doméstica agravado (na pessoa da ofendida CC), p. e p. pelo artigo 152º, nº1, al. a) e nº2, al. a) do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão;
b) Condenam o arguido BB pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de violência doméstica agravado (na pessoa do ofendido DD), p. e p. pelo artigo 152º, nº1, als. d) e) e nº2, al. a) do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de prisão;
c) Condenam o arguido BB pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de violência doméstica agravado (na pessoa do ofendido EE), p. e p. pelo artigo 152º, nº1, als. d) e) e nº2, al. a) do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de prisão;
d) Em cúmulo jurídico das penas parcelares fixadas em a), b) e c), condenam o arguido BB na pena única de 4 (quatro) anos de prisão;
e) Suspendem a execução da pena única de 4 (quatro) anos de prisão aplicada ao arguido BB por igual período, subordinada à observância da regra de conduta consistente na obrigação de o arguido frequentar programas específicos de prevenção de violência doméstica mediante o apoio e fiscalização dos Serviços de Reinserção Social;
f) Condenam o arguido BB na pena acessória de proibição de contactos com a ofendida CC pelo período de 4 (quatro) anos, proibição essa que inclui o afastamento do arguido da residência e/ou do local de trabalho daquela ofendida, sem prejuízo dos contactos absolutamente necessários ao exercício das responsabilidades parentais do filho menor de ambos, EE.
Recurso intercalar
«CONCLUSÕES: A. O requerimento de prova não alega nem fundamenta que os meios de prova requeridos (audição de AA e da técnica da CPCJ que assinou o relatório de 18.09.23) sejam essenciais para a descoberta da verdade ou boa decisão da causa B. O relatório, que não está assinado, mesmo que viesse integralmente confirmado em julgamento em nada serve para fundamentar quaisquer dos factos de que concretamente o arguido vem acusado; C. Para ameaçar alguém terá que se usar um meio idóneo para o efeito, isto é, teria o agente que o fazer através de um meio que fosse apto a chegar ao conhecimento do visado e, com isso, causar-lhe temor, o que não se verifica no caso concreto;
D. O Ministério Público tem conhecimento ab initio do relatório da CPCJ, fazendo-lhe inclusivamente referência na acusação E. O depoimento do filho do arguido AA é inábil a provar ou negar quaisquer dos factos que concretamente constam da acusação, tal como se constata da leitura do seu auto de inquirição de 04.07.24 F. Com efeito, os factos de que o arguido vem concretamente acusados são aqueles que a mencionada testemunha declarou no referido interrogatório não ter assistido G. Tal como quanto à técnica CPCJ, este testemunho é conhecido do Ministério Público e é mencionado no despacho de acusação, de tal forma que não foi indicado por opção consciente do senhor procurador; H. O arguido está, desde Setembro de 2023 sujeito a uma medida de coacção restritiva de liberdade, valorando-se por essa razão mais intensamente o direito a um julgamento célere, como elemento essencial ao direito a um processo equitativo e justo, cfr. Art. 20.º, n.º 1 CRP I. A admissão de meios de prova cuja utilidade é pouco clara e infundamentada pelo requerente causa, necessariamente, um entorpecimento no normal andamento do processo, de tal forma que deve ser ponderada a sua essencialidade à boa descoberta da verdade com o impacto negativo que tal irá ter no direito do arguido à previsibilidade do processo e ao julgamento num prazo razoável. J. A compressão dos direitos do arguido, neste concreto ponto, é tão mais relevante porque foi fundamentada a aplicação da medida de coacção privativa da liberdade com recurso à imputação de uma declaração que o arguido não proferiu, tal como se confirma na gravação da audiência K. Mais ainda quando, pese embora terem decorrido mais de 4 meses desde a execução da medida de coacção ainda não tinha sido proferido despacho de acusação, sem que tenha à data sido revista a medida. L. Por tudo o exposto, sopesados os interesses em causa e não se vislumbrando nem tendo sido o requerimento de prova especificamente sustentado nesse sentido que a prova seja essencial à descoberta da verdade material, deverá o presente recurso ser integralmente procedente, e em conformidade, ser revogado o douto despacho que admitiu o meio de prova, assim se fazendo a acostumada, boa e sã Justiça! »
Recurso principal.
CONCLUSÕES:
A. Visto no seu todo, o douto acórdão proferido é completamente diverso da acusação, o objecto do processo.
B. Com efeito, não só estamos perante uma nulidade insanável a condenação por factos diversos dos constantes da acusação (factos 6, 7 e 23) mas estamos sobretudo perante uma realidade completamente diferente que não se confunde com meros factos que não se comprovam em julgamento.
C. No decurso do inquérito, todos os intervenientes processuais foram unívocos nos factos essenciais de circunstância de tempo, modo e lugar, apenas divergindo quanto à autoria e à prática de determinados factos.
D. A acusação procurou demonstrar uma realidade que sabia-se não ser descrita, sequer, pelos ofendidos, com isso criando uma versão alternativa dos factos, estranha à realidade e ao que os ofendidos comunicaram ao inquérito, que obrigou o arguido a defender-se de algo que, depois, em julgamento, foi simplesmente relegado e ignorado, inutilizando o seu esforço e defesa.
E. Com efeito, a acusação conta uma história falsa, que nenhum sujeito processual contribuiu para isso, de um arguido que viu a mulher e a família a terminar uma relação, a sair da casa de família e este, inconformado, a perseguir a família.
F. Nada mais falso! Foi ele quem terminou a relação, foi ele quem saiu de casa, ciúmes houve mas unicamente da ofendida e não há um relato de nada que permite sequer pensar em perseguição.
G. Por isso, mais do que simplesmente haver factos não provados, o que é perfeitamente normal, é a acusação no seu todo que se apresenta como uma versão totalmente diferente, visando prejudicar o arguido e desviar a sua defesa, de tal forma que deve ser vista como um todo, assim prejudicado toda a condenação, por ter ocorrido por factos diversos dos constantes da acusação.
H. Não foi produzida prova para sustentar os factos 6, 8, 9, 10, 11, 14, 15, 16, 17, 20, 21 e 22, os quais foram julgados provados e devem ser modificados para não provados, por aplicação da presunção de inocência e do princípio in dubio pro reo.
I. De facto, os depoimentos supra transcritos e que aqui se dão, por brevidade, integralmente reproduzidos, revelam três versões distintas entre si, incompatíveis e, por isso, insusceptíveis de ser bastantes para convencer o Mmo. Tribunal atendendo à distribuição do ónus da prova, J. São, em especial, relevantes as seguintes passagens:
K. aos 31m46s gravado na sessão do dia 07.11.24 — Arguido «Eu falei com a CPCJ para eles tomarem providências porque podia acontecer uma besteira» Juiz Presidente «E que besteira é essa?» Arguido «Os meus filhos se perderem, por andarem na rua (…)
L. Depoimento de CC, gravado na sessão do dia 07.11.24, cujo início ocorreu pelas 11 horas e 13 minutos e o seu termo pelas 11 horas e 59 minutos: Aos 19:35 a ofendida diz que, aquando deu entrada do pedido de divórcio, o arguido foi ao local de trabalho com a citação e disse-lhe «só entro em tribunal preso, mas o divórcio eu não te dou!» aos 41m49s Defensor «então ele bateu com a carta no seu ombro e ele disse, ou eu entro em tribunal preso, ou eu mato a sua mãe? CC «Ele não me disse a mim! ele bateu no meu ombro e disse, isso não vai ficar assim, eu vou dar cabo da sua vida! Foi a palavra para mi, dentro do A.... Para os filhos é que ele dizia isto» (bem diferente, assinala-se, do que é afirmado no ponto 16) Defensor — «Eu mato foi para os seus filhos? A senhora estava presente quando ele disse isso aos seus filhos?» CC — «Não, eles é que me disseram." 44m48s (defensor) «a senhora descreve uma situação em que ele lhe dá uma bofetada. Como é que foi?» CC «Ele me empurra e dá a bofetada. Empurra contra a parede e dá uma bofetada.[… aos 45:20] ele me segurou e me dá uma bofetada» (45m43s) Defensor: «disse, eu quero confirmar, em momento algum ele falou em arma a si, na sua presença?» CC: «a mim não. Disse aos meus filhos e à minha mãe no Brasil»
M. DD, cujo depoimento teve início ocorreu pelas 11 horas e 59 minutos e o seu termo pelas 12 horas e 30 minutos na mesma sessão de julgamento de 7.11.24: aos 23m53s: [no momento em que o DD desce de casa] «ele está a segurar o braço da minha mãe, ele para, está a discutir, vira a minha mãe e dá uma chapada (…) ele está agarrada assim, vara-a de frente e dá-lhe um estalo [Juiz Presidente: virou-a para ele?] sim» Defensor «Em algum momento o seu pai falou numa arma? DD «Sim» Defensor «Disse-lhe a si?» DD «(…) a mim não, aos meus irmãos eu não sei» 12:26 «sabes se alguma vez ele também transmitiu isso [por termo à vida da mãe] ao EE, também chegou a dizer ao EE?» «Não, ele dizia… quando.. ele é muito de mexer com o psicológico […] ele não nos disse isso [que ia comprar uma arma e matar a mãe] 13:25
N. AA com o depoimento registado no dia 02.12.24 com o seu início ocorreu pelas 10 horas e 18 minutos e o seu termo pelas 10 horas e 52 minutos: Aos 16:15 «Ele ameaçou (a mãe) muitas vezes… [defensor «o sr assistiu?»] não. (…) 16:25 eu assisti ele ameaçar a minha mãe à minha frente, foi quando ele veio falar comigo à porta da minha casa. (…) 17:30 [«quem estava lá nesse momento?»] eu, a minha mãe e os meus irmãos.
O. FF, técnica da CPCJ no dia 02.12.24, com início ocorreu pelas 10horas e 58 minutos e o seu termo pelas 11 horas e 10 minutos: 3m55s diz que «fui eu que assinei e fui eu que enviei, sim… pelo menos está no meu nome. Terei sido eu própria a…(é interrompida)» Aos 5m25s, a instância do Mmo. Tribunal, «olhe, daquilo que eu estive a ler [—teve que ler, não se lembra?] não me lembro de nada» Aos 9m10s, a instância do defensor: «a senhora recorda-se em concreto destes factos?» FF «Eu não me recordo de nenhum dos factos»
P. Em conformidade, deverá o presente recurso ser integralmente procedente, e em conformidade, ser revogado o douto acórdão proferido e absolvido o arguido nos crimes de que vem condenado, assim se fazendo a acostumada, boa e sã Justiça!»
Recurso interlocutório.
« Por todo o exposto, deve o Recurso interposto ser julgado improcedente, mantendo-se o despacho recorrido, não tendo sido violado qualquer dispositivo legal, uma vez que o requerimento apresentado pelo Ministério Público e o despacho recorrido tiveram como fundamento legal o poder/dever de serem ordenados todos os meios de prova com vista á descoberta da verdade material consagrado no art. 340º do Código de Processo Penal.»
Recurso principal.
«Da exaustiva e cuidada fundamentação da matéria de facto, não vemos que o Tribunal recorrido, ao dar como provada a matéria de facto que o recorrente impugna, tenha seguido um raciocínio ilógico, arbitrário ou contraditório, por si só ou conjugado com as regras da experiência comum, de onde se possa concluir pela existência de um erro notório na apreciação da prova.
Em conclusão:
Por todo o exposto, deve o Recurso interposto ser julgado improcedente, mantendo-se o Acórdão recorrido, não tendo sido violado qualquer dispositivo legal e encontrando-se a matéria de facto provada de acordo com a prova produzida.»
“Pelo exposto, somos de parecer de que os Recursos interpostos pelo Recorrente arguido devem ser julgados improcedentes e, consequentemente, deve manter-se integralmente o acórdão recorrido, fazendo nossos os argumentos de facto e de direito apresentados nas respostas à motivação dos recursos apresentada pelo MºPº junto da primeira instância que pelo seu acerto e eloquência, merecem a nossa plena adesão e nos dispensam de considerações complementares.”
Questões a decidir no recurso
É pelas conclusões que o recorrente extrai da motivação que apresenta que se delimita o objeto do recurso, devendo a análise a realizar pelo Tribunal ad quem circunscrever-se às questões aí suscitadas, sem prejuízo do dever de se pronunciar sobre aquelas que são de conhecimento oficioso[1].
As questões que o recorrente coloca à apreciação deste Tribunal de recurso são as seguintes:
Recurso interlocutório.
Admissibilidade de meios de prova requerida pelo M.P. em sede de audiência de julgamento.
Recurso Principal.
Nulidade insanável por condenação por factos diversos dos constantes da acusação.
Impugnação da matéria de facto com a alteração da matéria de facto declarada provada, sustentada sobretudo na aplicação do princípio in dubio pro reo.
Os factos específicos que o arguido pretende que sejam declarados não provados são os pontos 6, 8, 9, 10, 11, 14, 15, 16, 17, 20, 21 e 22 do acórdão.
« (…)
II – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
II. 1. MATÉRIA DE FACTO PROVADA:
(Constante da acusação pública):
1 - A ofendida CC e o arguido contraíram matrimónio no Brasil no ano de 1999.
2 - Em comum têm três filhos: AA (nascido a ../../2000), DD (nascido a ../../2006) e EE (nascido a ../../2012).
3 - Em data não concretamente apurada, mas antes do nascimento dos dois filhos menores, o respetivo agregado familiar veio residir para Portugal.
4 – A partir de 2001 a ofendida conseguiu uma ocupação laboral remunerada.
5 - A partir de 2007 o arguido passou a apodar a ofendida de «filha da puta» e declarando «foda-se».
6 - No decurso das discussões encetadas, o BB desatava a partir mobília (cadeiras) da casa, à data sita na Rua ..., em Vila Nova de Gaia.
7 - No ano de 2020 o arguido abandonou a casa de morada da família e, no ano seguinte, a ofendida intentou uma Ação de Divórcio no Tribunal de Família e Menores de Vila Nova de Gaia.
8 - Ao tomar conhecimento desta intenção, o arguido passou a propalar para a ofendida CC, por um número indeterminado de ocasiões, anúncios de morte.
9 - E isto, por vezes, na presença dos dois filhos menores.
10 - E também, numa ocasião, propalou anúncios de morte para o filho DD.
11 - Em data não concretamente apurada, mas após 15 de Setembro de 2020, os dois menores ouviram o arguido declarar que ia «arranjar» uma arma e matar a mãe deles.
12 - Temendo pela sua vida e face ao pânico evidenciado pelos filhos menores, a CC desistiu da referida ação judicial, mas sem reatar a coabitação.
13 - O arguido não se absteve de menorizar a ofendida com as expressões: «filha da puta», «vai levar no cu» e «desgraçada».
14 - Já em 2022/2023, a mesma resolveu formalizar a separação, voltando a requer o divórcio, pelo que o arguido – depois de citado – voltou a intimidar aquela, dizendo-lhe «só entro no Tribunal como preso, porque antes dou cabo da sua vida».
15 - Cerca das 12:20 horas do dia 29 de Agosto de 2023 a ofendida deslocou-se, para o almoço, à sua residência – sita na Rua ..., ..., 2º andar/esquerdo/traseiras, em Vila Nova de Gaia – quando se deparou com a presença do arguido já na companhia do menor EE.
16 – Nessas circunstâncias, o arguido declarou-lhe – em tom sério, convincente e intimidatório – «não quero o meu filho com uma pessoa estranha ou com outra pessoa» e «antes de acabar com a minha vida, vou dar cabo da sua».
17 - Nesse mesmo momento, o arguido agarrou a ofendida por um braço e, com força, procurou virá-la de frente para si e desferiu-lhe uma bofetada na face.
18 - Tendo o menor DD se interposto entre ambos.
19 - A partir dessa data, o arguido deslocou-se algumas vezes para o prédio onde a ofendida residia com os seus filhos menores, conseguindo entrar na zona comum e na garagem comum do imóvel.
20 – O que atemorizou a ofendida, até porque o arguido já havia afirmado que ia comprar uma arma para a matar.
21 - Em data não concretamente apurada, mas após 29 de Agosto de 2023, o arguido instou o filho AA a tomar conta dos dois irmãos mais novos pois que ia dar cabo da vida da ofendida e da dele próprio.
22 - Na manhã de 18 de Setembro de 2023 o BB esteve nas instalações da CPCJ ..., onde acabou por afirmar – em tom sério – que se a ofendida não alterasse o seu comportamento a «matava».
23 - Dali, o arguido dirigiu-se para o local de trabalho da mesma, o estabelecimento de supermercado «A...», sito em ..., Vila Nova de Gaia, estacionou a viatura onde se fazia transportar e retirou do interior da mala um objeto não identificado.
24 - O BB agiu sempre de forma livre, voluntária e consciente, com o propósito de – ao molestar a ofendida física, psíquica e emocionalmente, agredindo-a, intimidando-a e humilhando-a – atentar contra o direito de confiança que lhe assistia no estabelecimento de uma relação de intimidade (com filhos comuns), sem atos daquela natureza.
25 - O arguido também atuou de forma livre voluntária e consciente, com o propósito de – ao expor os seus filhos menores (expressa e implicitamente) à violência que exercia sobre a mãe e de ao assustá-los com a hipótese de a matar – defraudar a confiança destes no dever que tinha de prover pela respetiva educação e desenvolvimento livre e saudável, sem atos daquela natureza.
26 - O arguido agiu, amiúde, no interior da residência dos ofendidos, a coberto da reserva de intimidade que tal locus lhe proporcionava (e, portanto, sem risco de ser surpreendido) e num espaço que deveria servir de conforto e de segurança para os mesmos.
27 - Do Relatório de Perícia Médico-Legal1 efectuada à ofendida CC consta que a mesma «evidencia um perfil de personalidade internalizador, resiliente e empático, podendo experimentar dificuldade em solicitar ajuda quando necessário e não se frustrando com facilidade, o que tende a concorrer para um esbatimento da motivação e/ou dificultar que empreenda a mudança mesmo em circunstâncias que perceba como negativas. O funcionamento da examinada, vindo de expor, é compatível com
1 Junto a fls. 283 e ss. dos autos.
o enquadramento e decurso de eventos abusivos (…). Sublinha-se identicamente que a ansiedade e o medo face à ameaça (…) se traduzem numa hipervigilância permanente, que por sua vez também se repercute nos filhos menores, com prejuízo na saúde mental dos três».
28 - Do Relatório de Perícia Médico-Legal2 efectuada ao menor DD consta que o mesmo «identifica indicadores com expressão clínica no âmbito das dimensões que respeitam a depressão e isolamento. Sinalizam-se ainda sintomas que se inscrevem em ansiedade e hostilidade – relativa a pensamentos, emoções e comportamentos caraterísticos do estado afetivo negativo de raiva -, em valores superiores ao esperado, considerando a população em geral. (…) é ainda patente ansiedade correlacionada com os eventos em apreço, sinalizando-se pensamentos intrusivos e sublinhada hipervigilância, que se traduz num estado permanente de alerta e na procura activa de monitorização do bem-estar da progenitora e do irmão EE, dada a sua leitura de imprevisibilidade dos comportamentos do alegado ofensor». (…) «os indicadores supra elencados são passíveis de enquadrar enquanto impacto de uma dinâmica de violência como a descrita. Relativamente ao progenitor o examinado demonstra um afecto negativo, promotor de ansiedade…».
2 Junto a fls. 278 e ss. dos autos.
3 Constante de fls. 273 e ss. dos autos.
29 – Do Relatório de Perícia Médico-Legal3 efectuada ao menor EE consta que «decorre a identificação de sentimentos de tristeza e ansiedade, com expressão de medo e pensamentos intrusivos que remetem para a temática da ameaça e agressividade entre os adultos».
30 - O arguido não desconhecia o caráter ilícito e criminalmente censurável de todas as suas condutas.
31 – O arguido discutia com a ofendida acerca do facto de o filho DD, na altura com 16 anos, estar a frequentar discotecas durante a madrugada (“B...”) e a consumir álcool.
32 – Nas circunstâncias supre descritas em 22. dos factos provados, o arguido referiu-se ao medo que tinha que algo de maior pudesse acontecer aos filhos que, na sua óptica, estavam a ser negligenciados pela mãe e a assumir comportamentos de risco, tais como consumo de drogas, frequência de locais de diversão nocturna e consumo de álcool.
33 - Até finais de 2023 o arguido trabalhava para a “C...”, o que o fazia deslocar-se a vários locais em Gaia e Porto.
34 - Actualmente trabalha como motorista de D....
35 - Do Certificado do Registo Criminal do arguido BB nada consta.
36 - BB nasceu no Rio de Janeiro, onde cresceu no seio da sua família de origem, composta pelos pais e três irmãos. A mãe já faleceu e um dos irmãos faleceu há cerca de quatro meses. O arguido refere manter contactos regulares com os familiares, descrevendo que sempre beneficiou de uma dinâmica familiar positiva e de uma situação económica estável.
BB apresenta um percurso escolar regular, possuindo habilitações ao nível do 12.º ano de escolaridade. Começou a praticar futebol aos 13 anos, em equipas de clubes desportivos amadores e profissionais, atividade que se veio a constituir como atividade profissional de maior relevo.
Contraiu matrimónio com CC a 06-02-1999, tendo ele 28 anos e a ofendida 22 anos. Na altura, ainda residiam no Brasil, mas emigraram para Portugal durante esse ano motivados pela oportunidade de o arguido jogar futebol em Portugal e de melhorar a sua condição económica.
Grávida do primeiro filho, CC regressou ao Brasil, onde nasceu o filho mais velho do casal, AA, atualmente com 24 anos. O casal tem mais dois filhos, nascidos em Portugal: DD, de 17 anos, e EE, de 12 anos.
Em Portugal, numa fase inicial, o arguido manteve ligação a diversos clubes de futebol, o que implicou uma considerável mobilidade habitacional, residindo em várias localidades, especialmente no concelho de Vila Nova de Gaia. Paralelamente, foi exercendo funções noutras áreas de atividade. Em 2003, celebrou contrato com a cadeia de lojas de decoração "E...", onde trabalhou inicialmente como empregado de armazém, em Vila Nova de Gaia, e posteriormente como gerente de loja em Portimão, função que desempenhou durante aproximadamente dois anos (2003/2004). Trabalhou também na rede de supermercados A... e como empregado de mesa e balcão em vários restaurantes e Cafés. Em 2006, sofreu uma rotura no joelho, o que o obrigou a afastar-se definitivamente da prática do futebol em 2010. Ainda assim, manteve ligação ao desporto, passando a atuar como treinador, mencionando ter treinado equipas juniores e seniores, tanto femininas como masculinas.
Em 2019, o arguido fez uma tentativa de emigração para Inglaterra, mas permaneceu naquele País por cerca de seis meses.
Em 2013, o casal regressou ao Brasil para que os filhos pudessem crescer junto da família. Na altura, o arguido trabalhou como motorista de transporte escolar e a ofendida como cabeleireira.
Em 2017, o arguido regressou a Portugal e a ofendida e os filhos regressaram em Agosto do mesmo ano. A família estabeleceu-se na Rua ..., ..., 2.º Esq. Tras., ..., Vila Nova de Gaia, num apartamento arrendado de tipologia T3, com satisfatórias condições de habitabilidade. É nesta morada que a ofendida e os filhos mantêm residência, sendo que o arguido ali deixou de residir em 2021. Neste período, segundo refere, BB trabalhava no desempenho de funções de empregado de mesa no restaurante “F...,” em ..., Vila Nova de Gaia, onde auferia um salário de 1.300,00€. Refere que perdeu o emprego com a aplicação da medida de coação de afastamento da ofendida.
Relativamente à dinâmica conjugal, os relatos do casal são divergentes. O arguido não reconhece problemas sérios entre o casal, considerando normais algumas discussões. A ofendida, por outro lado, descreve uma relação familiar marcada por frequentes discórdias e conflitos, alegando comportamentos agressivos e intimidatórios dirigidos a ela e aos filhos.
As perceções sobre a separação também divergem. O arguido afirma que a relação terminou em 2021, quando tomou a decisão de sair definitivamente da residência familiar. A ofendida, por sua vez, considera que o término ocorreu no final de 2019, quando o arguido foi trabalhar para Inglaterra. Acrescenta, ainda, que em março de 2020 o arguido viajou para o Brasil por alguns dias, mas acabou por permanecer lá devido ao encerramento das fronteiras causado pela pandemia de Covid-19. Ao retornar a Portugal, voltou a residir na casa de família, mas passaram a ocupar quartos separados. Ambos concordam que a educação dos filhos sempre foi uma fonte de conflito entre o casal. O arguido considera que a ofendida é uma mãe ausente e permissiva, enquanto a ofendida afirma que o arguido tem baixo nível de tolerância à frustração e sempre educou os filhos com autoritarismo, o que deteriorou a relação quando os filhos começaram a contrariar as suas decisões. A ofendida também mencionou que houve um afastamento emocional no relacionamento, que atribui a alegadas traições por parte do arguido e ao seu estilo de vida, relatando que o arguido gastava dinheiro de forma descontrolada, enquanto ela tentava equilibrar as finanças domésticas. Já o arguido atribui o distanciamento emocional ao facto de a ofendida dedicar mais tempo ao trabalho e às amizades do que à família. Atualmente, os conflitos parentais persistem, com o arguido a acusar a ofendida de ser intransigente e não ceder nas questões das visitas ao filho mais novo.
O acordo de responsabilidades parentais estipula que o arguido possa jantar com o filho mais novo às terças-feiras e passar um fim-de-semana de 15 em 15 dias com ele. No entanto, o arguido sente-se prejudicado dado que o dia da visita semanal coincide com o treino de futebol do filho no G... e recusa-se a levá-lo aos treinos, considerando que é responsabilidade da mãe. Por seu lado, a ofendida também considera que não tem de ceder nesta questão uma vez que o arguido não contribui com qualquer valor a título de pensão de alimentos para os filhos menores, sendo ela quem assegura todos as despesas dos filhos mais novos, ainda estudantes.
A ofendida manifestou o receio de possíveis represálias por parte do arguido ou de terceiros associados a ele, referindo que vive em constante estado de vigilância, temendo que este deixe de estar sujeito à medida de afastamento com recurso a meios de controlo à distância.
Atualmente, o arguido reside na Rua ..., em ..., Vila Nova de Gaia, num apartamento T1 pertencente a um amigo, com quem partilha despesas, embora nunca tenha especificado o valor mensal. Trabalha como motorista de D..., afirmando que o rendimento mensal que obtém não atinge o salário mínimo nacional.
Refere também fazer parte da equipa técnica da equipa Sub-13 feminina do H..., referindo não obter qualquer compensação económica com esta atividade.
BB menciona que o seu quotidiano é ocupado principalmente com a atividade profissional e com o acompanhamento do filho mais novo. No tempo livre, afirma preferir estar em casa, onde costuma ver televisão para relaxar.
BB refere que este é o seu primeiro contacto com o sistema de administração da justiça penal e declara vivenciar o processo com sentimentos de injustiça e desalento, afirmando não se rever nos factos descritos na acusação, pelo que espera ver reposta a verdade em sede de audiência. Refere ainda um grande desgaste emocional causado pela separação dos filhos mais velhos. Mencionou também o impacto negativo na sua atividade profissional uma vez que a aplicação da medida de coação o levou a perder o emprego que mantinha à data da sua constituição como arguido. Não identifica repercussões negativas no âmbito social, afirmando que, ao nível familiar, conta com o apoio da sua família de origem, com a qual mantém contactos frequentes.
O processo de desenvolvimento e formação de BB decorreu no Brasil, junto do seu agregado familiar de origem. Casou com a ofendida em 1999, união da qual resultaram três filhos, que atualmente residem com a mãe, sendo que apenas o mais novo mantém contacto com o arguido.
O processo de emigração com o objetivo de melhorar a sua condição económica acabou por não se concretizar da forma esperada. A carreira do arguido ligada ao desporto, como jogador de futebol, terminou prematuramente devido a uma lesão, o que condicionou negativamente a sua trajetória profissional. Trabalhou em várias áreas de atividade e, atualmente, exerce funções como motorista de D..., mantendo também ligação ao desporto como membro da equipa técnica do H..., onde é treinador da equipa feminina de futebol Sub-13. A sua situação económica é atualmente precária.
Desde a separação da ofendida, BB tem enfrentado uma situação habitacional instável, com várias mudanças de residência. Atualmente, reside com um amigo, com quem divide as despesas de habitação.
Em caso de eventual condenação, se for aplicada uma medida de execução na comunidade ao arguido, esta poderá ser direcionada para a sensibilização quanto aos comportamentos adotados nas suas relações afetivas. Neste sentido, pondera-se a possibilidade de integrar o arguido no Programa para Agressores de Violência Doméstica (PAVD), desenvolvido pelos serviços de reinserção social, com uma duração mínima de 18 meses.
Considera-se ainda a manutenção da medida de afastamento da ofendida, com recurso a meios de controlo à distância, o que poderá amenizar, de alguma forma, o receio e o sentimento de insegurança da ofendida no caso de uma condenação do arguido.
Com interesse para a decisão da causa, não se provaram quaisquer outros factos, designadamente, que:
a) Até 2007 a ofendida dependia economicamente do arguido;
b) O arguido declarasse à ofendida «vai-te foder» e «vai para o caralho»;
c) Nas circunstâncias supra descritas em 6. dos factos provados, o BB partisse objetos de ornamentação da casa;
d) A ofendida tivesse abandonado, com os filhos menores, a casa de morada da família;
e) O arguido propalasse para o filho EE anúncios de morte;
f) Nas circunstâncias supra descritas em 19. dos factos provados, as deslocações efectuadas pelo arguido fossem diárias;
g) O arguido tivesse declarado directamente ao menor DD que tinha adquirido uma arma para matar a mãe;
h) Nas circunstâncias supra descritas em 23. dos factos provados, o arguido tivesse colocado o objeto não identificado no banco traseiro da viatura.
i) Nas circunstâncias supra descritas em 15. dos factos provados, tivesse sido o menor EE a queixar-se ao pai de que o companheiro da mãe o tinha ido buscar a casa para o acompanhar a ir buscar a mãe, o que o menor não gostou;
j) Nessas circunstâncias, o arguido tivesse procurado sensibilizar a ofendida para esse facto;
k) No dia 18.09.23 o arguido foi contactado por antigos vizinhos e pelo administrador de condomínio dando conta de que os filhos estavam a praticar actos de risco, enviando fotografias.
O Tribunal formou a sua convicção com base na análise crítica do conjunto da prova produzida, cotejada com as regras da experiência comum e da normalidade social, tendo sopesado as declarações prestadas pelo arguido, conjugadas com os depoimentos das testemunhas e com os diversos elementos periciais e documentais contantes dos autos, nos moldes que a seguir se expõem.
Assim é que o arguido BB prestou declarações em audiência de julgamento, tendo negado, no essencial, os factos que lhe são imputados. Precisou que o casal e filhos nunca habitaram no Bairro ..., mas sim na Rua ..., em Vila Nova de Gaia, sendo que está separado da ofendida desde o ano de 2021, altura em que saiu de casa, permanecendo a viver na mesma a sua mulher e filhos.4
4 A este respeito, esclareceu que no ano de 2019 foi trabalhar para Inglaterra, tendo regressado a Portugal em 2021, ano em que o casal se separou.
Acerca da vivência familiar, afirmou que existiram discussões (esporádicas) entre o casal, mas nunca insultou a sua então mulher, nem arremessou objectos pela casa.
Em 2022 a CC propôs acção de divórcio e ele não aceitou bem isso, tendo sido o filho mais novo do casal (EE) que a convenceu a desistir do divórcio.
A respeito do episódio descrito na acusação pública reportado ao dia 29/08/2023, confirmou que nesse dia foi a casa da ofendida buscar os filhos menores para irem almoçar. Quando a ofendida chegou a casa, tentou conversar com ela acerca da situação dela obrigar o filho EE a entrar no carro do seu actual companheiro, tendo-se a mesma recusado a falar com ele e já não o deixava levar o menor EE para almoçar com ele. Foi então que a ofendida pôs a mão no braço dele para o impedir de levar o EE e o filho DD colocou-se de permeio (entre os progenitores e o irmão), altura em que o arguido se ausentou do local e se dirigiu para a CPCJ.
Negou, contudo, ter agredido fisicamente a ora ofendida, bem como negou tê-la alguma vez ameaçado de morte, quer directamente, quer por intermédio dos filhos, nunca lhes tendo dito que iria arranjar uma arma para matar a mãe deles, sendo certo que nunca teve qualquer arma. A este propósito, referiu que teve certa vez uma conversa com o filho mais velho, AA, em que lhe disse para tomar conta dos irmãos mais novos porque a mãe não estava em condições de o fazer.5
5 Isto porque a ofendida só queria saber do trabalho e discutiam frequentemente por causa da educação dos filhos, pois o arguido achava que ela era muito permissiva e o DD tinha comportamentos de risco (tais como beber álcool, fumar ganza, frequentar estabelecimentos de diversão nocturna, estar na praia às 4 da madrugada, etc.), sendo que o filho AA exercia as funções de relações públicas na Discoteca “B...” e levava o irmão DD para esse local.
6 Admitindo que a CPCJ tenha interpretado mal as suas palavras.
Sobre as alegadas perseguições à ofendida, mencionou que se deslocava por vezes a casa da ofendida para ir buscar os filhos menores, mas nunca entrou na casa sem a autorização dela. Quanto ao episódio ocorrido no exterior do supermercado “A...”, confirmou que é aí o local de trabalho da ofendida e que nessa altura ele trabalhava para a empresa “C...”, pelo que teve de ir àquele supermercado fazer uma entrega, tendo retirado do interior da bagageira do carro o saco da encomenda.
Por fim, acerca do reportado pela CPCJ, referiu que recorreu àquela entidade para pedir ajuda acerca da educação e comportamentos dos filhos e, nesse âmbito, apena disse que “se eles não tomassem providência, ele podia fazer uma besteira”.6
No mais, negou, categoricamente, alguma vez ter agredido fisicamente, ameaçado ou perseguido a sua ex-mulher CC, bem como os filhos menores de ambos, DD e EE.
No entanto, a narrativa apresentada pelo arguido, quanto à essencialidade dos factos que não assumiu, não mereceu a este Tribunal credibilidade dado o seu teor marcadamente negacionista, tendo, para além do mais, tentado desacreditar a ofendida CC, imputando-lhe a responsabilidade pelos problemas existentes na relação familiar7. Para além disso, a sua versão dos factos resultou infirmada pelo conjunto da prova produzida, bastando, para tanto, atentar no teor objectivo, coerente e convincente das declarações prestadas pelos aqui ofendidos CC e DD e corroboradas, em grande medida, pelo outro filho do casal, AA.
7 Essencialmente, em relação à educação dos filhos.
8 O casal e os filhos nunca viveram no Bairro ..., sendo esta a morada do arguido depois da separação, como referiu.
9 Causadas pelos ciúmes da ofendida.
10 A este respeito, explicou que tinha ciúmes do arguido (porque ele a traía com outras mulheres) e por isso ia ver os conteúdos do telemóvel dele e, dessa vez, o arguido descobriu e, “com raiva”, pegou no telemóvel e partiu-o.
11 Já nem sequer dormiam juntos.
Assim é que a ofendida CC relatou em audiência de julgamento que começou a trabalhar em Portugal por volta do ano de 2001, sendo que já trabalha no supermercado “A...” há 17 anos e reside na Rua ... desde há 8 anos.8
Acerca da vivência conjugal, relatou que a relação com o aqui arguido se deteriorou após o nascimento do filho DD, em 2007. Nesse ano, houve uma discussão entre o casal e a sua mãe, para evitar que o arguido agredisse a ofendida, interveio, colocando-se no meio de ambos, altura em que o arguido apertou o pescoço da sogra. Não se lembra se, nessa altura, o arguido a insultou, mas no decurso doutras discussões9 chamava-lhe “filha-da-puta”, “desgraçada” e “vai levar no cu”.
O casal discutia com frequência e nessas alturas o arguido, para não bater na ofendida, desatava a bater nas mesas e a partir coisas dentro de casa, como cadeiras, sendo que certa vez partiu o telemóvel.10
Mais referiu que em 2019 o arguido foi para Inglaterra, onde permaneceu cerca de 6 meses, tendo depois regressado a Portugal, para a casa de morada de família, mas nessa altura já não faziam vida de casal.11
Contou, ainda, que o arguido saiu de casa no Natal de 2020, após o que a ofendida instaurou acção de divórcio. Quando recebeu a citação do Tribunal, o arguido deslocou-se ao supermercado “A...”, onde ela trabalhava, tocou com a carta de citação no ombro dela e disse-lhe “isto não vai ficar assim sua filha-da-puta, vou dar cabo da sua vida, só entro no tribunal preso, o divórcio não te dou.”. Nessa altura, a ofendida e os filhos menores ficaram com muito receio do que o arguido pudesse fazer e, por isso, a ofendida desistiu da acção de divórcio.
Contou, também, que o arguido lhe disse que “ia dar cabo da vida dela e depois dava cabo da vida dele” e que, noutra ocasião, telefonou aos filhos menores (DD e EE) dizendo-lhes que ia comprar uma arma e que ia matar a mãe deles.12
12 Foram os seus filhos DD e EE quem lhe contaram isto.
13 O arguido agrediu a ofendida enquanto a mesma segurava na mão do filho EE, como referiu.
14 Foi o seu filho AA quem lhe contou isto.
Descreveu, depois, o episódio reportado a 29 Agosto 2023 da seguinte forma: o arguido soube que o filho EE tinha andado de carro com o actual namorado da ofendida e, naquele dia, quando foi a casa dela para levar os filhos menores para almoçarem com ele, logo que avistou a ofendida na parte exterior do prédio iniciou com ela uma discussão dizendo que “filho dele não andava com os amantes dela”. Assistindo à discussão, o EE começou a chorar e quando a ofendida pegou na mão do menor para sair do local, o arguido empurrou-a e encostou-a à parede do prédio e desferiu-lhe uma bofetada, tendo o menor EE assistido a esta agressão13. O filho DD, que estava a sair do prédio, apercebendo-se do que estava a acontecer, colocou-se entre os progenitores para proteger a mãe, mas nessa altura ela já tinha sido agredida com a bofetada. Nessas circunstâncias, o arguido ainda lhe disse: “antes de acabar com a minha vida, vou dar cabo da sua”.
Referiu, também, que depois deste episódio o arguido foi por diversas vezes a casa dela, entrando no interior da casa, por ainda ter as chaves da mesma em seu poder, o que a obrigava a chamar a Polícia pois sentia-se insegura e receosa.
Mais referiu que o arguido chegou a dizer ao filho AA para “tomar conta dos irmãos porque ia dar cabo da vida da mãe e da dele.”14.
Contou, por fim, que certo dia recebeu um telefonema duma responsável da CPCJ avisando-a para ter cuidado porque o arguido tinha lá ido dizendo que a ia matar, aparentando estar muito transtornado. Nesse mesmo dia, o arguido compareceu de carro no local de trabalho da ofendida – supermercado “A...” - e aí parou a viatura, foi à mala do carro, pegou num objecto15, deslocou-se até à porta do “cais de descarga” do estabelecimento e depois foi embora.
15 Que ela não conseguiu identificar.
16 O seu pai estava “chateado” porque tinha tido conhecimento que o filho EE tinha andado no carro do namorado da mãe e não aceitava isso. A respeito desta agressão, afirmou ter a certeza que viu o pai a dar uma bofetada à mãe porque tal sucedeu mesmo à frente dele.
Concretamente a respeito da situação psicológica/emocional em que se encontram os filhos menores DD e EE, mencionou que o filho EE é o único que ainda mantém relacionamento com o pai, sendo que o mesmo sofre muito com a situação de conflito dos pais, revela medo e insegurança relativamente ao progenitor e preocupação com a mãe.
Foi depois ouvido o filho do casal, o ofendido DD, o qual afirmou que se encontra de relações cortadas com o pai desde o dia em que ele deu uma “chapada” à sua mãe, ora ofendida. Nesse dia de Agosto de 2023, tinham combinado - ele e o irmão EE - ir almoçar com o pai e quando se preparava para descer do apartamento para ir ter com o pai, ouviu “berros”, dirigiu-se ao exterior do prédio, onde se encontrava a mãe com o EE pela mão e o pai a agarrar o EE, tendo visto o seu pai a dar “uma chapada” na sua mãe16, sendo que o seu irmão EE chorava sem parar.
Depois disto, acompanhou a mãe à Polícia onde esta apresentou queixa.
Referiu, também, que já depois deste acontecimento, o arguido voltou a deslocar-se ao referido prédio, onde ficou “a rondar”, tendo chegado a vê-lo no interior do prédio.
Acerca de discussões entre os progenitores, contou que assistiu a algumas delas e que nessas ocasiões o seu pai chegou a atirar com cadeiras pelo ar e a bater na mesa, sendo que tal acontecia por vezes à hora das refeições com toda a família presente. Também ouviu o pai a chamar a mãe de “filha da puta” e a dizer-lhe “palavrões” como “foda-se”. Além disso, tanto ele como o irmão EE ouviram por diversas vezes o seu pai a dizer que comprava uma arma para matar a mãe.
Mais contou que, já mais recentemente, o seu pai abordou-o na rua e disse-lhe que “da mesma maneira que lhe tinha dado a vida, lha poderia tirar”.
A respeito do divórcio dos pais, contou que a sua mãe fez uma primeira tentativa de se divorciar, mas como ele e o irmão EE tinham muito medo do mal que o arguido pudesse fazer à mãe, convenceram-na, nessa altura, a desistir do divórcio17; sendo que a mãe voltou mais tarde a instaurar acção de divórcio.
17 O seu pai, por seu lado, instruía os filhos para convencerem a mãe a não avançar com o divórcio.
18 Na Rua ..., em Vila Nova de Gaia.
19 Conta, actualmente, com 24 anos de idade.
20 Essa concreta discussão foi motivada pelos ciúmes da mãe, a qual foi pesquisar o conteúdo do telemóvel do ora arguido por suspeitar que o mesmo “tivesse outra mulher”, segundo referiu.
Acerca das consequências psicológicas que para si e para o seu irmão EE advieram dos episódios que relatou, confirmou que ficou muito afectado psicologicamente ao ponto de ter de recorrer à ajuda de um psicólogo, o mesmo sucedendo com o seu irmão EE, o qual chora constantemente por causa desta situação e continua em consultas de psicologia.
Foi, por fim, confrontado com o teor das fotos juntas com a contestação, tendo confirmado ser o próprio nas discotecas “B...” e “I...”, sendo que o seu pai nunca lhe chamou a atenção por “sair à noite”.
Por seu lado, a testemunha GG (o qual foi vizinho do arguido e continua a ser dos ofendidos18), disse, apenas, que nunca se apercebeu de nenhum conflito entre o casal e que, certa ocasião, o DD fez muito barulho no prédio e ele deu conta disto ao arguido.
Por iniciativa do Tribunal foram ainda inquiridos como testemunhas AA (filho mais velho do casal) e FF (Técnica na CPCJ ...).
O AA mencionou que se encontra de relações cortadas com o pai desde há 4 anos, continuando a ter uma boa relação com a mãe.
Contou que se apercebeu do mau relacionamento entre os progenitores quando tinha 7 ou 8 anos de idade19, sendo frequentes as discussões entre o casal, a que os filhos assistiam. Precisou que, no decurso duma dessas discussões, viu o seu pai a partir o telemóvel, atirando-o contra uma parede.20 Para além disso, quando ficava mais “alterado” nas discussões com a mãe, o pai batia nas mesas e nas cadeiras e dizia várias vezes, à frente da mulher e dos filhos, que era capaz de “fazer uma loucura e matava toda a gente”; por isso, “toda a gente tinha medo dele lá em casa”.
Questionado, afirmou que nunca ouviu o pai a insultar a mãe.
Mais descreveu que, já depois da separação dos progenitores, viu o seu pai junto ao prédio onde viviam a “controlar o que faziam”, sendo que o mesmo ficou com a chave da porta de entrada do prédio e chegou a lá entrar e a falar com os vizinhos.
Disse, também, que mais recentemente21 o pai começou a ameaçar a mãe de morte, esclarecendo, a este propósito, que nunca ouviu o pai a dizer que ia comprar uma arma para esse fim, mas disse-lhe a ele que não aceitava que estivesse outro homem naquela casa nem que o filho EE entrasse no carro do namorado da mãe e que se ele (AA) fosse contra isso, ele que “tomasse conta dos irmãos que ele matava a mãe.”.
21 Desde há cerca de um ano ou de um ano e meio, quando soube que a ofendida tinha um namorado, o que ele não aceitava.
22 Isto porque naquela altura o DD gostava muito do pai e sofria com estas situações.
23 Em virtude da pressão psicológica que o arguido exerce sobre o menor, segundo afirmou.
24 A testemunha HH, também indicada pela defesa, nada revelou saber acerca da vivência do arguido.
Também passou a perseguir a ofendida, tendo-o visto a rondar a casa, e noutra altura foi ao emprego da mãe.
Sobre a repercussão destes acontecimentos no bem-estar psicológico dos irmãos mais novos, respondeu que o DD tinha frequentemente crises de ansiedade, entrava em pânico e fechava-se no quarto22 e o seu irmão EE ainda hoje tem medo do pai.23
Por seu lado, a testemunha FF confirmou o teor da Informação da CPCJ de fls. 106 a 107 dos autos, precisando que a mesma foi por si elaborada, tendo sido ela a atender o aqui arguido naquele dia 18/09/2023, o qual lhe verbalizou que se a CPCJ não resolvesse o problema dos filhos, matava a mãe deles. Em face disso, a testemunha participou estes factos ao Ministério Público, como se colhe do e-mail junto a fls. 105, cujo teor também confirmou.
As sobreditas testemunhas relataram todos estes factos de forma isenta, convincente, segura e fundamentada, alguns dos quais presenciaram, pelo que nos mereceram credibilidade.
Por fim, foram inquiridas as testemunhas de defesa24, a saber: II (amigo do arguido há 15 anos, tendo-o conhecido quando eram ambos treinadores de futebol), o qual asseverou que o arguido não é violento com ninguém e é um pai preocupado com os filhos25; JJ (é adjunto como treinador do aqui arguido desde há 3 anos), o qual garantiu que o arguido é pessoa humilde, pacífica26 e profissional dedicado; KK (conhece o arguido desde há 14 anos por ter sido treinador do seu filho LL), a qual afirmou que o ora arguido ajudou o seu filho27 a ser mais calmo e melhor pessoa, tendo tido nele uma influência muito positiva; LL28 (o arguido foi seu treinador em 2011 e continuam amigos até aos dias de hoje), o qual contou que, apesar de não ter naquela altura condições financeiras para poder jogar futebol no clube orientado pelo arguido, este recebeu-o na equipa. Para além disso, ajudou-o muito, quer a nível académico29, quer a nível pessoal30, tendo sido sempre correcto e educado com toda a gente.
25 Sabe disso porque foi treinador do filho mais velho do arguido, AA, como mencionou.
26 Não tem conflitos com ninguém, como referiu.
27 Que era muito rebelde e irrequieto, sendo que o arguido lhe dava “bons conselhos”, segundo afirmou.
28 É filho da testemunha KK.
29 Era exigente com a frequência escolar e com os resultados académicos dos atletas.
30 Fez dele uma pessoa mais madura.
Em conjugação com tais depoimentos, avultam, ainda, os elementos documentais e periciais constantes dos autos, a saber:
- Relatório de clínica forense constante de fls. 40 a 43 (entrevista social à ofendida CC);
- Relatório de perícia de psicologia forense constante de fls. 273 a 275 (relatório de perícia médico-legal respeitante ao ofendido EE);
- Relatório de perícia de psicologia forense constante de fls. 278 a 280 v. (relatório de perícia médico-legal respeitante ao ofendido DD);
- Relatório de perícia de psicologia forense constante de fls. 283 a 286 (relatório de perícia médico-legal respeitante à ofendida CC);
- Relatório de avaliação do dano corporal constante de fls. 231 a 232v. relatório de perícia médico-legal respeitante à ofendida CC);
- Relatório de avaliação do dano corporal constante de fls. 234 a 235v. (relatório de perícia médico-legal respeitante ao ofendido EE);
- Relatório de avaliação do dano corporal constante de fls. 237 a 238v. (relatório de perícia médico-legal respeitante ao ofendido DD);
- Documento constante de fls. 106 v. (Informação da CPCJ);
- Suporte informático junto a fls. 165 (166) e fotogramas constantes de fls. 180 a 187 (fotogramas da ofendida CC e do arguido junto ao cais de descarga do supermercado A..., captadas no dia 18/09/2023);
- Fotografias juntas aos autos com a contestação (fotografias que retratam o ofendido DD31 com outros jovens a consumirem bebidas alcoólicas nas Discotecas “B...” e “I...”).
31 Conforme confirmado pelo próprio.
32 Com abundância de pormenores que torna inverosímil a tese da “efabulação”.
33 Tendo negado a ocorrência dalguns dos factos descritos na acusação pública, o que só credibiliza os seus depoimentos.
Como acima se viu, o arguido negou alguma vez ter agredido física ou psicologicamente a sua ex-mulher CC ou os seus filhos menores, DD e EE, versão que, no entanto, resultou infirmada pelo relato assertivo, circunstanciado32 e coincidente feito pelos ofendidos CC e DD e corroborado, em grande medida, por outro dos filhos do casal, AA. Com efeito, as referidas testemunhas relataram todos os factos acima dados como demonstrados e de que tiveram conhecimento de forma que se nos afigurou objectiva, congruente, segura e fundamentada33, tendo demonstrado conhecimento pessoal e directo dos mesmos – posto que os vivenciaram -, pelo que nos mereceram credibilidade.
E a versão dos factos apresentada pela ex-mulher e pelos filhos do arguido mostra-se, ainda, concordante com o relato feito pela Sra. Técnica da CPCJ, categórica em afirmar que o arguido ali se apresentou muito “alterado” dizendo que se a CPCJ não resolvesse o problema dos filhos, matava a mãe deles, ameaça que foi de tal forma levada a sério, que a ofendida foi logo avisada e esses factos denunciados ao Ministério Público, como afirmado pela testemunha FF e consta de fls. 105 a 107 dos autos.
É certo que os depoimentos dos ofendidos CC e DD, na parte relativa à agressão física ocorrida no dia 29/08/2023, não foram rigorosamente coincidentes, tendo este último afirmado ter assistido à bofetada desferida por seu pai a sua mãe e tendo esta referido que quando o filho DD chegou ao local já a mesma tinha sido agredida. Todavia, tal aparente incongruência é, quanto a nós, justificável pelo facto de a ofendida CC se encontrar nesse momento no meio de “acalorada” discussão com o arguido, com o filho menor EE presente e a tentar segura-lo pela mão34, pelo que se afigura como provável que não se tenha apercebido da chegada ao local do filho DD.
34 Tal como a mesma descreveu.
35 Situando essas ameaças também no âmbito da pressão psicológica que o pai exercia sobre os filhos menores para convencerem a mãe a desistir do divórcio, como acabou por acontecer relativamente à primeira acção de divórcio intentada pela ofendida, conforme explicou.
36 Cuja credibilidade decorre, entre o mais, pela circunstância de não terem sido indicadas como testemunhas nem pela acusação nem pela defesa, antes tendo sido convocados por iniciativa do Tribunal.
E o mesmo se diga em relação às ameaças de morte dirigidas pelo arguido à ofendida CC. Com efeito, apesar de o ofendido DD não ter confirmado inteiramente a versão da mãe que dava conta de que o arguido tinha telefonado aos filhos DD e EE a dizer que ia comprar uma arma e matar a mãe, o mesmo foi categórico em reafirmar que tanto ele como o irmão EE ouviram várias vezes o pai a dizer que iria comprar uma arma para matar a mãe35, apenas não tendo confirmado que tais ameaças tivessem sido feitas por telefonema efectuado pelo pai aos menores. E tal resultou corroborado pelo depoimento do seu irmão AA, o qual descreveu a situação em que o pai o abordou dizendo-lhe que tomasse conta dos irmãos porque ia matar a mãe, bem como pelo depoimento da testemunha FF36, a qual relatou a ameaça de morte à ofendida CC feita pelo ora arguido.
Ademais, o relato feito pelo menor DD saiu credibilizado posto que o mesmo não demonstrou qualquer “animosidade” em relação ao pai, antes tendo revelado nutrir sentimentos de afecto pelo mesmo, tendo-se emocionado ao relatar estes acontecimentos e tendo afirmado, de forma espontânea e sincera, que o arguido, como pai, era um “pai incrível”.
Acerca das sequelas psicológicas advindas para os ora ofendidos em virtude da conduta do arguido, para além do acima descrito a esse propósito pela ex-mulher e pelos filhos do arguido, valorou-se o teor dos relatórios de psicologia forense juntos aos autos, donde decorre a presença de danos psicológicos/emocionais em todos eles conforme supra transcrito nos pontos 27. a 29. dos factos provados.
Destarte, da análise concatenada e crítica de todos estes elementos probatórios, resultou para este Tribunal Colectivo a convicção segura acerca da ocorrência dos factos tal como acima dados por provados.
Quanto aos factos respeitantes aos elementos subjectivos da(s) infracção(ões), o Tribunal teve em conta todos os factos e meios de prova atrás referidos respeitantes aos elementos objectivos da(s) infracção(ões). Com efeito, os factos consubstanciadores do dolo (quer do dolo do tipo, quer mesmo do da culpa, onde se inclui a consciência da ilicitude), porque inerente à dimensão subjectiva, do foro psicológico, são quase sempre indemonstráveis de forma naturalística, extraindo-se normalmente das circunstâncias objectivas que rodearam a prática do facto e da ausência ou afastamento das causas que o possam excluir conferidas com as máximas da experiência e da lógica e as presunções judiciais admissíveis. Donde, tendo em atenção os demais factos que provados estão, também os factos respeitantes ao elemento subjectivo da(s) infracção(ões) praticada(s) não poderiam deixar de ser considerados como tal.
Quanto à ausência de antecedentes criminais do arguido, o Tribunal teve em conta o respectivo CRC, junto aos autos.
No que respeita às suas condições pessoais, valorou-se o teor do Relatório Social junto aos autos, bem como os depoimentos das testemunhas indicadas pelo arguido, nos termos acima melhor analisados.
No que concerne à factualidade considerada não provada, estribou-se o Tribunal na circunstância de sobre a mesma não ter sido produzida prova bastante capaz de convencer o Tribunal da sua veracidade, antes se tendo demonstrado realidade não totalmente consentânea com aquela. Efectivamente, o Tribunal atendeu especialmente à versão dos factos tal como relatada pelos ofendidos CC e DD – não rigorosamente concordantes com a factualidade descrita na acusação pública – por serem as pessoas que vivenciaram esses factos e, por isso, vítimas directas dos mesmos, razão pela qual o Tribunal a deu como provada, tendo, no seu reverso, dado como não provada a factualidade contrária (ou não totalmente coincidente com aquela). (…)»
Decidindo.
Vejamos.
Relativamente ao recurso interlocutório.
O arguido recorre do despacho que deferiu a audição de testemunhas adicionais a requerimento do Ministério Público: AA, filho do arguido, e FF, a técnica da CPCJ.
Invoca que o requerimento do Ministério Público não preencheu os requisitos do artigo 340.º, n.º 4, b) CPP.
Mais refere que o relatório da CPCJ já estava nos autos há mais de um ano e foi, inclusive, referido no despacho de acusação.
O jovem AA já havia sido inquirido nos autos (em 04.07.24, entre outras datas) e a acusação já continha referências ao que ele teria presenciado.
O Ministério Público já tinha conhecimento da existência e pertinência destes meios de prova há muito tempo.
A audição destas testemunhas adicionais prolongou injusta e injustificadamente a duração do julgamento, adiando o desfecho do processo em, pelo menos, 15 dias, situação particularmente gravosa, uma vez que o arguido está sujeito a uma medida de coação restritiva da liberdade que limita o seu direito ao trabalho e à subsistência (é motorista D... e corre o risco de perder o posto de trabalho).
Conclui que a prova requerida não tem pertinência e o requerimento não alega factos concretos que demonstrem a sua essencialidade para a descoberta da verdade ou boa decisão da causa.
Donde resulta que o arguido BB, insurge-se contra uma decisão judicial que deferiu a audição de duas testemunhas adicionais (AA e FF, técnica da CPCJ) no seu processo. Argumenta que esta prova adicional não é proporcional e prolonga injustificadamente o julgamento, dado que a medida de coação imposta ao arguido já é severa e baseada em factos incorretos.
É contestada a pertinência destas testemunhas para os factos de que o arguido é acusado, alegando que as informações que estas poderiam fornecer já eram do conhecimento do Ministério Público ou não se relacionam diretamente com os crimes de violência doméstica imputados. O recurso salienta que a inclusão destas testemunhas não contribui para a descoberta da verdade nem para uma boa decisão do caso, ao mesmo tempo que prejudica o arguido, que se encontra sob uma medida de coação que limita a sua capacidade de trabalho.
Ora, as testemunhas adicionais cuja audição foi deferida pelo Tribunal Coletivo foram AA, filho do arguido, e FF, a técnica da CPCJ que se julga ter elaborado um "auto" junto aos autos em 18.09.2312.
O deferimento da audição destas duas testemunhas ocorreu após o encerramento da prova da acusação e a audição de uma testemunha comum da acusação e defesa.
O tribunal a quo decidiu nestes termos: “Afigura-se ao Tribunal que o requerimento de prova que agora foi apresentado pela Sr.ª Procuradora releva para a descoberta da verdade material e boa decisão da causa tendo em conta a factualidade que se discute nos presentes autos, designadamente, a indicada no ponto da acusação pública reportada à manhã do dia 18/09/2023, episódio que terá ocorrido nas instalações da CCPJ de ....
Por outro lado, a requerida inquirição da testemunha AA, sendo filho do aqui arguido e da ofendida e tendo privado com ambos os progenitores no período a que reportam os autos, poderá efetivamente aportar interesse para a descoberta da verdade por ter eventualmente conhecimento pessoal e direto dos factos que se discutem no processo.
Assim sendo, ao abrigo do disposto no art.º 340º do CPP, defere-se ao requerido pelo Ministério Público.”
Este despacho está devidamente fundamentado e julga-se pertinente tendo em conta que o tribunal pretende com a imediação ter acesso direto aos depoimentos destas duas testemunhas que terão presenciado in locu certos factos alegados na acusação.
O arguido BB encontra-se acusado da prática de:
- 1 (um) crime de violência doméstica agravada, previsto e punido pelo art. 152º nº 1 al. b) e nº 2 al. a) do Código Penal, em relação à vítima CC; e - 2 (dois) crimes de violência doméstica agravada previstos e punidos pelo art. 152º nº 1 al. d) e e) e nº 2 al. a) do Código Penal, em relação aos dois filhos menores.
O art.º 340.º do Código de Processo Penal consagra os poderes de investigação que o legislador entendeu cometer ao Tribunal na fase de julgamento, sustentados e balizados na razão de base de que o processo penal não é um processo de partes e que o propósito maior é a descoberta da verdade material e a boa decisão do processo, por forma a alcançar a realização da justiça. E este valor, não sendo absoluto, não comprime em nada outros direitos desde que respeitados prazos razoáveis para a produção da prova.
Pertence ao juiz esse dever ordenando a produção de prova não constante da acusação ou da pronúncia e até interrompendo o julgamento para esse efeito se necessário [art. 328º-3-b)). Trata-se de um poder-dever muito intenso, que não assumido pode acarretar a nulidade da sentença, por omissão de pronúncia (art. 379-1-c)]. Todavia tal poder/dever está limitado pelo principio da vinculação temática a que alude o art. 339º-4 do CPP.
O CPP, é uma estrutura normativa, que alem do mais, também regula de forma cronológica a atuação de todos os participantes processuais no tempo. A fase de julgamento, não é uma fase de investigação, mas de discussão da prova apresentada, se excetuarmos este regime especial deste art. 340º que permite que o Juiz de julgamento, possa ordenar, por sua iniciativa ou a requerimento, a produção de provas suplementares. Mas tal decisão está subordinada, a que a necessidade de produção de provas suplementares, resulte supervenientemente da discussão do julgamento e que visem a boa decisão da causa. Por outras palavras o Juiz só pode socorrer-se do mecanismo do art. 340º quando supervenientemente e dentro da vinculação temática do processo (v. art. 339-4), constate uma insuficiência de prova, que coloque em causa qualquer juízo decisório seguro. E pode, para o efeito, interromper o julgamento, nos termos do art. 328-3-b).
O requerimentos de prova está, contudo, sujeito aos princípios de superveniência, necessidade, legalidade e obtenebilidade: Ao Juiz cumpre avaliar da legalidade (arts. 125º e 126º do CPP) e da necessidade dos requerimentos de prova, apresentados ao abrigo desta norma, para a descoberta da verdade material. Tais provas, como se disse devem ter na sua essência natureza superveniente; (i) ou porque não eram do conhecimento do requerente, (ii) ou porque lhe chegaram demasiado tarde (iii) ou porque se constituíram posteriormente, (iiii) ou porque face aos imprevistos desenvolvimentos na produção da prova em julgamento, se mostram agora necessárias á defesa da verdade. Este artigo não deve ser usado como forma de suprir falhas na apresentação de testemunhas ou documentos, nos momentos legalmente previstos, designadamente na acusação ou na contestação [v. arts 283º-3-d)-e)-f), 315º e 165º - apresentação de provas).
Analisado o requerimento do M.P. resulta, que atendendo à natureza do crime em questão, e a prova até então produzida em sede de audiência, ele não nos parece extemporâneo, pois resulta dos desenvolvimentos na produção dessa prova revelando-se agora as audições requeridas necessárias á defesa da verdade na sequência do depoimento da vitima CC no que diz respeito às ameaças proferidas. Também não se mostra irrelevante ou supérflua, pois a sua produção revelou-se útil para a decisão da causa atendendo a que são pessoas que poderão ter presenciado os factos. Não é inadequada justamente por servirem aos fins da verdade material e não são de obtenção difícil impossível ou muito duvidosa, porquanto suscetível de ser obtidos num curto espaço de tempo, não se mostrando igualmente dilatório, pelo contrário.
Ora, estando em causa, como refere o recorrente, apenas 15 dias para o desfecho do julgamento, mesmo estando o arguido sujeito a medida de coação que o impediria de exercer com total liberdade a sua profissão de motorista, não se pode concluir que o mesmo viu comprimido de forma inaceitável os seus direitos de ver concluído o seu julgamento, tanto mais que à data não estava seguro se ficaria na situação de recluso ou se a medida de coação seria atenuada e porque também não estava impedido de conduzir e de exercer a sua profissão noutras áreas geográficas afastadas da área da vitima nos termos estabelecidos por decisão judicial.
Conforme consta do requerimento apresentado pelo Ministério Público e decisão judicial que o deferiu, que o tribunal ouviu, a prova requerida revelava, pois, ser importante para a descoberta da verdade material e boa decisão da causa, tendo em conta a factualidade que se discute nos presentes autos, designadamente, a descrita na acusação reportada à manhã do dia 18/09/2023, episódio que terá ocorrido nas instalações da CPCJ ..., pelo que se mostrava importante ouvir a Técnica que atendeu pessoalmente o arguido na CPCJ.
Por outro lado, a requerida inquirição da testemunha AA, sendo filho da ofendida e do arguido, privou sempre com ambos os progenitores e irmãos no período a que reportam os autos, pelo que também se mostrava relevante para a descoberta da verdade, por ter conhecimento pessoal e direto dos factos que se discute no processo, ao abrigo do disposto no art.º 340º do CPP.
É certo que o M.P. tendo já conhecimento destes elementos de prova poderia tê-los incluído na acusação. Contudo, não pode escamotear-se a ideia que o M.P. rege-se também pelo princípio da oportunidade e podia considerar, a quando da elaboração da acusação, que aqueles elementos não seriam necessários em sede de julgamento em face do que já disponha.
Todavia, a realidade de um julgamento não é estática, mas sim dinâmica e pode considerar-se no seu decurso a pertinência da inquirição ou junção de documentos exatamente em perseguição da descoberta, tanto quanto possível, da verdade dos factos, pois só assim se pode fazer efetiva justiça.
Acresce, ainda no que diz respeito ao chamamento da testemunha que redigiu um relatório social, por vezes, mostra-se necessário chamar o seu relator para melhor explicação do ali redigido e circunstâncias em que o fez, para assim se compreender o alcance e sentido do seu teor tendo presente ainda o que declarou o arguido a seu propósito.
Consideramos, pois, que a justificação apresentada pelo M.P no seu requerimento é suficiente e pertinente e resulta do desenvolvimento das inquirições até então ocorridas no julgamento, sendo certo que o despacho judicial que o deferiu e é este que é colocado em causa pelo recorrente, se mostra devidamente fundamentado e que não ocorre qualquer compressão dos direito do arguido e sua capacidade de trabalhar, que a existir resulta doutra decisão judicial que lhe restringiu os direitos de movimentação e não foram afetados os seus direitos de defesa, pelo contrário, o arguido já tinha conhecimento do relatório da CPCJ e audição das testemunhas ora requeridas foi efetuada em momento anterior às da defesa, com exceção de uma que era comum a ambos.
Improcede, o recurso interlocutório.
Da nulidade.
O arguido, BB, invoca uma nulidade insanável no seu recurso.
Esta nulidade está diretamente relacionada com a condenação por factos diversos dos constantes da acusação.
Refere que foi condenado por factos não constantes da acusação:
Para tal refere que estava a defender-se da acusação que afirmava que ele "desatava a partir mobília (cadeiras) e objetos de ornamentação da casa, à data sita na Rua ..., ..., ..., Vila Nova de Gaia". E, no entanto, foi condenado por factos semelhantes, mas ocorridos num local diferente, o que se refere ao facto provado.
A acusação insinuava que a ofendida terminou a relação e saiu de casa, sendo depois perseguida pelo arguido. O arguido alegou que esta informação era falsa e que, na verdade, foi ele quem terminou a relação e saiu de casa, e que as moradas indicadas na acusação estavam erradas. No entanto, foi condenado por factos dos quais não foi acusado, referindo-se ao facto provado 7.
O arguido argumenta que estas condenações por factos distintos dos que constavam da acusação da qual se defendeu configuram uma violação dos seus direitos de defesa.
Ora, relativamente a estes factos, resulta evidente que os mesmos decorreram das próprias declarações do arguido e da vitima, que assim corrigiram a acusação(parece ser um manifesto lapso) sendo tal evidente porque logo ambos quando inquiridos revelaram tratar-se de algo que não correspondia à verdade dos factos. Ambos referiram que foi o arguido que saiu de casa como ambos referiram que a casa de morada de família onde os factos poderiam ter-se desenrolado era uma outra situada na Rua ..., também em Vila nova de Gaia.
Nem um nem outro constituem factos essenciais que possam ser considerados de natureza substancial ou sequer não substancial atendendo à natureza do crime em questão e ao facto de o arguido não ver aligeirado ou colocado em causa os seus direitos de defesa, pois é o próprio que ajuda a corrigir a situação, o que afasta a ideia de surpresa e ausência de contraditório, sendo que tais factos(identificação a correta residência morada de família do ex-casal e quem saiu daquela casa) em nada contribuem para agravar ou penalizar de qualquer modo a conduta em apreciação do arguido, pelo que não tinham qualquer relevo para a decisão da causa, não se justificando sequer a aplicação do art. 358º do CPP.
É que não corresponde a qualquer alteração substancial ou não substancial de factos, circunstâncias desagravantes, como a redução de factos acusados ou considerar-se provados factos que correspondam a circunstâncias modificativas, com potencialidade para desqualificar ou privilegiar o crime acusado. O mesmo se dirá das alterações de datas, horas e locais, exceto se as mesmas forem elementos essenciais do tipo de crime. Também não integra a definição, os factos novos, que revistam natureza secundária e se refiram a pormenores, ou até em certas circunstâncias, ao modo de execução do crime, (v.g., o facto de o agressor ter dado um murro na cara do ofendido e não um pontapé na cabeça, como vinha acusado) porque esses são irrelevantes para a decisão da causa e a alteração não coloca em perigo qualquer estratégia de defesa a que o arguido tem direito. Muito menos meros lapsos materiais, que são corrigíveis a todo o tempo (art. 380º). Por fim, os factos alegados pela defesa, quer na contestação escrita, quer no seu requerimento para abertura da instrução, quer relatados verbalmente pelo arguido na audiência, deixam de constituir "factos novos" no sentido consequencial do termo, para constituírem factos a julgar (v. art. 339º-4), se nesse quadro forem considerados juridicamente relevantes, sem necessidade de qualquer comunicação ao arguido (v. n.º 2) (v. neste sentido, Ac. TRP de 12.07.2006, in, proc. 0546558 e ac. TRL de 29.06.1999, in CJ-1999-III-149).
Apenas quando os «novos factos» apurados em julgamento, constituírem factos ilícitos de natureza diferente dos descritos no libelo acusatório, suscetíveis de se reconduzirem a um "crime diverso" ou "agravarem os limites máximos das sanções aplicadas" [v. art. 1º-m)] podem constituir «alteração substancial dos factos», seguindo-se os trâmites do art. 359º do CPP.
"Assim, é uma exigência do princípio da plenitude das garantias de defesa do arguido que os poderes de cognição do tribunal se limitem aos factos constantes da acusação; porém, se, durante a audiência, surgirem factos relevantes para a decisão e que não alterem o crime tipificado na acusação nem levem à agravação dos limites máximos das sanções aplicáveis, respeitados que sejam os direitos de defesa do arguido, pode o tribunal investigar esses factos indiciados ex novo e se se vierem a provar integrá-los no processo, sem violação do preceituado no artigo 32º, n º 1 e 5 da Constituição”-Ac. TC de 30.03.07, in Dr de 24.05.07. Ver ainda Fernando Gama Lobo i n Código Do processo Penal em anot- ao art. 358º do CPP
O arguido recorrente aponta ainda que a condenação utilizou prova que não fazia parte da acusação, nomeadamente o documento de fls. 105.
Alega que o documento de fls. 105 se refere a um relatório da CPCJ que, segundo o arguido, não está assinado por ninguém e cuja putativa autora (FF, técnica da CPCJ) declarou em julgamento não se lembrar da situação, das declarações ou do arguido.
O arguido argumenta que este documento não podia ser tomado em consideração por não ter sido junto ao processo para julgamento.
Da acusação consta o seguinte trecho “Na manhã de 18 de Setembro de 2023, o BB esteve nas instalações da CPCJ ..., onde acabou por afirmar – em tom sério – que se a ofendida não alterasse o seu comportamento a «matava».”
E na menção da prova consta” Prova, toda a dos autos, nomeadamente:
Relatório de clínica forense constante de fls. 40 a 43;
Relatório de perícia de psicologia forense constante de fls. 273 a 275;
Relatório de perícia de psicologia forense constante de fls. 278 a 280 v.;
Relatório de perícia de psicologia forense constante de fls. 283 a 286;
Relatório de avaliação do dano corporal constante de fls. 231 a 232v.;
Relatório de avaliação do dano corporal constante de fls. 234 a 235v.;
Relatório de avaliação do dano corporal constante de fls. 237 a 238v.;
Documento constante de fls. 106 v.;
Suporte informático junto a fls. 165 (166) e fotogramas constantes de fls. 180 a 187;
Testemunhas(…)
Repare-se que logo no início se menciona com prova “toda a dos autos” e a seguir se nomeia alguma dela, mas tal não exclui toda a demais que possa constar dos autos.
Ora, essa prova, designadamente a documental constitui aquilo que se chama de prova pré constituída, à qual o arguido teve acesso desde muito cedo, pelo que não constitui qualquer surpresa para si o conteúdo da mesma, sendo que tendo sido, ainda para mais, confrontado em audiência com a mesma(esta instância constatou-o a quando da inquirição da testemunha FF), em momento algum se pode afirmar que os seus direitos de defesa e exercício do contraditório lhe foram atalhados, pelo contrário, tendo ficado salvaguarda ainda a busca pela verdade.
Não só tal documento tem diretamente a ver com os factos acusados como se mostrou pertinente para se perceber o que aconteceu naquele dia na CPCJ.
Existem provas que têm que ser produzidas em audiência. Mas existem outras, chamadas pré-constituídas, de natureza material, documental, pericial, prova produzida por carta rogatória ou precatória que, uma vez obtidas, são incorporadas nos autos, em regra antes da acusação onde são arroladas como meio de prova da matéria da acusação. Estas não são produzidas em audiência pela evidência de que foram produzidas e incorporadas nos autos antes do início da audiência de discussão, apenas ali sendo examinadas e discutidas, de acordo com a sua natureza.
A este respeito observa com propriedade Maia Gonçalves (CPP Anotado, Ed. Almedina, 16ª, em anotação ao art. 355º): “há que esclarecer, pois tem reinado alguma confusão sobre este ponto, que os documentos constantes do processo se consideram produzidos em audiência independentemente de nesta ser feita a respectiva leitura, visualização ou audição”.
Nesta linha constitui jurisprudência sedimentada que as provas pré-constituídas não têm que ser lidas ou reproduzidas, enquanto tal, na audiência, naturalmente desde que submetidos á discussão e exercício do contraditório – neste sentido, cfr., entre muitos outros: Ac. STJ de 10.11.1993, CJ/STJ, tomo 3, 233; Ac. STJ de 25.02.1993, BMJ 424, p. 535; Ac. STJ de 23.05.1994, p. 46218/3ª; Ac. STJ de 10.07.1996, CJ/STJ, tomo 2, 229; Ac. STJ de 27.01.1999, SASTJ, nº 27, p 83. Este entendimento foi sujeito ao escrutínio do TC que reconheceu a sua conformidade à Lei Fundamental – cfr. designadamente AC.T.C. nº 87/99 de 10.02, DR IIS de 01.07.1999.
Da conjugação dos artºs 355 nº2 e 356º nº1 al. b) do C.P.P. resulta que as provas obtidas por tais meios valem em sede de julgamento não obstante não terem sido ali produzidas.
Mas até não foi o caso dos autos, porquanto tal documento foi trazido à audiência de julgamento, tendo a testemunha sido confrontada com o mesmo para os esclarecimentos pretendidos e podia o ser atendendo a que tal documento não obstante não ter sido nomeado especificamente na acusação está abrangido pela menção “Prova, toda a dos autos,…)
Inexiste, pois qualquer tipo de nulidade insanável.
Da impugnação.
A este respeito impõe-se, desde logo, dizer que a avaliação da prova em primeira instância é norteada por dois princípios fundamentais: o princípio da imediação e o princípio da livre apreciação da prova. Estes princípios afetam diretamente a forma como a convicção do Tribunal é formada.
O Princípio da Imediação possibilita o contacto direto e pessoal entre o julgador e a prova, que é tangível e próprio do juiz a quo. As provas são apreciadas por quem assistiu à sua produção, sob a impressão viva colhida nesse momento e formada através de elementos ou coeficientes imponderáveis. É importante notar que estes elementos imponderáveis não podem ser conservados num relato escrito das provas.
Por sua vez o Princípio da Livre Apreciação da Prova, consagrado no art.º 127.º do C.P.P., não significa arbítrio. pelo contrário, exige que o julgador justifique o seu raciocínio e percurso interior para chegar à afirmação ou desconsideração de um facto. Significa que o valor a atribuir a determinado meio de prova não é tarifado ou vinculado, salvo exceções legais. O julgador deve orientar-se de acordo com os ditames da lógica e da experiência. Por exemplo, um julgador pode atribuir relevância a um depoimento em detrimento de vários e mais numerosos de sinal contrário, desde que o justifique. A convicção do Tribunal é formada livremente, de acordo com as regras da experiência, entendidas como postulados decorrentes da observação social e dos conhecimentos da técnica e da ciência. A afirmação positiva dos factos deve resultar de uma valoração racional e crítica, segundo as regras comuns da lógica, da razão, das máximas da experiência e dos conhecimentos científicos, permitindo "objetivar a apreciação". Mesmo a prova indireta, que envolve presunções ou inferências, pode justificar certeza suficiente para fundar uma convicção positiva do Tribunal. Para isso, é necessário que a formação dessa convicção assegure uma valoração conjugada e coerente dos vários elementos indiciários, de forma motivada, objetivável e numa leitura consentânea com as regras da experiência.
Em síntese, a convicção do Tribunal, ancorada nestes princípios, deve basear-se numa fundamentação compreensível, com opções próprias feitas com permissão da razão e das regras da experiência, ao abrigo da livre apreciação. Embora qualquer sujeito processual possa discordar do juízo valorativo, o poder de valorar a prova pertence ao Tribunal, enquanto ente imparcial e constitucionalmente designado para a função de julgar.
A impugnação da matéria de facto em recurso, especificamente através da impugnação ampla prevista no art.º 412.º, n.ºs 3, 4 e 6 do C.P.P., distingue-se fundamentalmente de um novo julgamento em vários aspetos essenciais:
1.Não é um novo julgamento sobreposto: A impugnação ampla não se traduz num novo julgamento sobreposto ao realizado em primeira instância. Embora possa envolver o processo e o resultado da formação da convicção do julgador sobre a prova produzida, ela não usufrui do aporte irrepetível oferecido pela oralidade e pela imediação que caracterizam o julgamento de primeira instância. A sindicância da matéria de facto em recurso não é uma oportunidade para a segunda instância revisitar toda a prova produzida e sobrepor a sua subjetividade.
2. A impugnação, mesmo que alargada, constitui tão só o remédio jurídico apropriado para a deteção de eventuais erros in judicando ou in procedendo. Visa rever o juízo decisório e a sua verosimilhança e consistência, no cotejo com a prova produzida. Pode sindicar a suficiência ou insuficiência da prova para a materialidade considerada, bem como a capacidade e segurança do convencimento que emerge dos meios de prova, seja à luz dos critérios legais de avaliação (art.º 127.º do C.P.P.), seja sob o espectro das disposições sobre prova vinculada.
3.O exame crítico da prova efetuado na primeira instância está vinculado a critérios objetivos, jurídicos e racionais e sustentado nas regras da lógica, da ciência e da experiência comum. Para que a impugnação proceda, é mister que se demonstre a impossibilidade lógica e probatória da valoração seguida pela primeira instância e a imperatividade de uma diferente convicção.
4.Ónus do Recorrente: Na impugnação ampla, a atividade do Tribunal de recurso não se restringe ao texto da decisão, expandindo-se à análise da prova concretamente produzida em audiência de julgamento e devidamente registada. No entanto, o juízo de apreciação e conformidade far-se-á de acordo com os limites fornecidos pelo recorrente, decorrentes do cumprimento do ónus de especificação imposto pelos n.ºs 3 e 4 do art.º 412.º do C.P.P. O recorrente deve especificar:
◦Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados.
◦As concretas provas (ou falta delas) que impõem decisão diversa da recorrida.
◦As provas que devem ser renovadas.
◦Quando as provas forem gravadas, as especificações devem ser feitas por referência ao consignado na ata, indicando concretamente as passagens em que se funda a impugnação.
5.Exigência de Imposição, Não Mera Sugestão: Não basta ao recorrente configurar hipóteses decisórias alternativas, da sua conveniência ou modo de ver, mais ou menos compagináveis com a prova produzida. É necessário que a eventual insuficiência da prova para a decisão da matéria de facto tomada, ou, na proposta de apreciação alternativa, que a prova produzida, imponham (e não apenas acomodem, sugiram ou permitam outro entendimento) como conclusão lógica, uma decisão distinta e, em concreto, aquela que na argumentação de recurso se defende.
6.Dever de Fundamentação Reforçado: O recorrente tem o dever de fundamentar a sua impugnação de forma a tornar evidente que as provas indicadas, aquelas que convoca, impõem uma decisão diferente, com o mesmo grau de argumentação e convencimento que é exigível ao julgador para fundamentar os factos provados e não provados. Só assim se percebe qual o raciocínio seguido para se poder afirmar que o mesmo impõe decisão diversa da recorrida.
7.Manutenção da Valoração da Primeira Instância: O poder de valorar a prova e de se determinar de acordo com essa avaliação pertence ao Tribunal de primeira instância, enquanto ente imparcial e constitucionalmente designado para a função de julgar. A discordância do juízo valorativo pelo sujeito processual, mesmo que outro meio de prova se sobreponha ou outro seja questionável, não anula a prerrogativa do Tribunal a quo.
Em resumo, a impugnação da matéria de facto em recurso não significa um "segundo julgamento" da prova, mas sim uma revisão controlada e limitada do processo de formação da convicção do julgador de primeira instância, exigindo do recorrente uma fundamentação robusta e a demonstração de que a prova produzida impõe uma conclusão lógica diferente daquela a que o tribunal a quo chegou.
É crucial que a fundamentação do recorrente vá além de meras hipóteses decisórias alternativas ou da simples afirmação de discordância. Não basta ao recorrente configurar cenários diferentes que sejam apenas "mais ou menos compagináveis" com a prova produzida. Pelo contrário, é necessário que a prova produzida imponha (e não apenas acomode, sugira ou permita outro entendimento) como conclusão lógica, uma decisão distinta e, em concreto, aquela que se defende na argumentação do recurso.
Posto isto, BB visa a reapreciação da matéria de facto, dada como provada nos pontos 6, 8, 9, 10, 11, 14, 15, 16, 17, 20, 21 e 22 alegando que a prova produzida impõe uma resposta diferente e que as versões dos depoimentos são "incompatíveis entre si".
O defensor argumenta que há "demasiadas versões contraditórias" e que o princípio in dubio pro reo deveria ser aplicado, resultando na declaração de "não provados" para vários factos.
As principais contradições nos depoimentos das testemunhas e entre as testemunhas e a versão do arguido, bem como em relação aos factos da acusação que invoca, são as seguintes:
•Ameaças de Morte e Menção a Armas:
Acusação: Afirma que BB propalou anúncios de morte a CC, por vezes na presença dos filhos, e também ao filho DD. Consta que os menores ouviram o arguido declarar que ia "arranjar" uma arma e matar a mãe.
CC (Ofendida):
Declara que nunca ouviu o arguido dizer que a iria matar ou equivalente, nem ouviu referência a arma nenhuma.
▪Menciona apenas um momento no seu local de trabalho (A...) que ela "entendeu ter sido nesse sentido", quando ele disse "eu vou dar cabo da sua vida!".
▪Sobre ameaças de morte e menção a armas, CC afirma que o arguido não lhe disse a ela nem na sua presença, mas sim "para os filhos é que ele dizia isto" e que os filhos é que lho teriam comunicado.
◦DD (Filho):
▪Inicialmente, no depoimento, afirmou que as ameaças de morte e a menção a uma arma foram diretamente à mãe e na presença dela.
▪Contraditoriamente, posteriormente, questionado sobre a arma, disse "a mim não, aos meus irmãos eu não sei" e "ele não nos disse isso [que ia comprar uma arma e matar a mãe]".
◦AA (Filho):
▪Inicialmente, sobre as ameaças à mãe, disse "o sr assistiu? não.".
▪Logo a seguir, contradizendo-se, afirma "eu assisti ele ameaçar a minha mãe à minha frente, foi quando ele veio falar comigo à porta da minha casa", acrescentando que a mãe e os irmãos também estavam presentes. Esta versão de AA contradiz diretamente a de CC, que afirma não ter estado presente quando o arguido ameaçou os filhos.
◦BB (Arguido):
▪Nega ter proferido ameaças de morte.
▪Admite ter dito à técnica da CPCJ que CC "deve estar querendo me levar à loucura, a ponto de fazer uma besteira. Foi só isso".
▪Mais tarde, clarifica que disse à CPCJ "para eles tomarem providências porque podia acontecer uma besteira", referindo-se aos filhos se perderem por andarem na rua, sublinhando a diferença substancial entre "vou fazer" e "vai acontecer". Esta versão contraria a interpretação do auto da CPCJ e a decisão do tribunal.
•Ofensa à Integridade Física (Bofetada):
◦Acusação: BB agarrou CC por um braço, virou-a para si e desferiu-lhe uma bofetada na face.
◦CC (Ofendida):
▪Descreve que o arguido a "empurra e dá a bofetada. Empurra contra a parede e dá uma bofetada".
▪Afirma que o filho DD não estava presente no momento da bofetada, tendo chegado "no imediato momento seguinte e colocou-se entre os pais, protegendo a mãe". Na sua versão, o arguido a empurrou contra a parede, a manteve presa e lhe desferiu uma bofetada.
◦DD (Filho):
▪Apresenta uma versão diferente: "ele está a segurar o braço da minha mãe, ele para, está a discutir, vira a minha mãe e dá uma chapada".
▪Contrariando a mãe, afirma que estava presente nesse momento, viu o arguido a agarrar o braço da ofendida (o que esta negou), puxá-la para a virar de frente para ele (longe da parede) e esbofeteá-la.
◦BB (Arguido):
▪Nega que a bofetada tenha acontecido.
▪Afirma que CC lhe puxou o braço enquanto ele levava o filho de ambos para o carro e que ele rodou para se libertar, admitindo um "contacto não intencional" devido ao movimento brusco para se libertar.
•Relatório e Depoimento da Técnica da CPCJ (FF):
◦Acusação/Decisão: O tribunal considerou provado que BB afirmou na CPCJ que mataria CC se ela não mudasse de comportamento, o que fundamentou uma medida de coação restritiva da liberdade.
◦FF:
▪Durante o julgamento, declarou não se lembrar de nada nem da pessoa do arguido, repetindo-o "até à exaustão".
▪Admitiu que o relatório está em seu nome e que "terei sido eu própria a..."7.
▪O defensor assinala que o relatório não está assinado por ninguém, apenas o nome de quem envia o e-mail, e que o documento com a alegada assinatura não foi junto ao processo para julgamento.
▪O defensor ficou convencido de que o relatório "teria sido provocado por essa superiora por «cautela» para mostrar diligência".
◦BB (Arguido): Contesta veementemente ter proferido tal afirmação na CPCJ, alegando que o Juiz de Instrução Criminal (JIC) afirmou algo que ele nunca disse.
•Destruição de Mobília:
◦Acusação: Afirma que BB "desatava a partir mobília (cadeiras) e objetos de ornamentação da casa".
◦CC (Ofendida): Nega que os factos de destruição de mobília fossem no local constante da acusação. Além disso, clarifica que "partir mobiliário" ou "bater com a mobília" eram, na verdade, "palmadas ou murros na mesa e não peças de mobiliário a «voar» pela casa".
•Fim da Relação e Morada:
◦Acusação: Sugere que a ofendida terminou a relação e saiu de casa, sendo depois perseguida pelo arguido.
◦Defesa: Alega que "foi o contrário! Foi o arguido quem terminou a relação e quem saiu de casa!" e que as moradas indicadas na acusação "estão todas erradas". Esta contradição é um dos motivos para a alegação de condenação por factos diversos dos constantes da acusação.
O recorrente conclui que "a versão dos factos relativamente às ameaças, à alusão à existência de uma arma, à ofensa à integridade física e ao comportamento do arguido em casa são incompatíveis entre si, de tal forma incompatíveis que descrevem realidades diferentes". Argumenta que, embora o tribunal possa ter atribuído maior credibilidade a uma testemunha, não é possível extrair uma "versão fidedigna dos factos" da conjugação dos depoimentos, pois "todos relatam um acontecimento diverso e incompatível". A falta de elementos de prova corroborantes, face às contradições, leva a defesa a invocar o princípio in dubio pro reo, que implica que, na dúvida, a decisão deve favorecer o arguido, impondo que os factos sejam declarados não provados por não haver "prova com força bastante para afastar a presunção de inocência do arguido"
Ou seja, para o Facto 6: "No decurso das discussões encetadas, o BB desatava a partir mobília (cadeiras) da casa, à data sita na Rua ..., em Vila Nova de Gaia".
Neste circunspecto o recorrente tem razão pois a ofendida CC e filho DD negaram que os factos relativos à mobília passassem por "partir mobiliário" sendo que o "bater com a mobília" seriam "palmadas ou murros na mesa" e peças de mobiliário arremessadas pela casa.
Consequentemente o facto 6 deve ser alterado substituindo o termo “partir a mobília”, por “desatava a dar palmadas e murros na messa e arremessava cadeiras” é o que resulta da discussão em julgamento e não configura situação de alteração sequer não substancial dos factos mas do decurso normal da dinâmica apurada e em grau de intensidade inferior ao dado como provado
Facto 8: "Ao tomar conhecimento desta intenção, o arguido passou a propalar para a ofendida CC, por um número indeterminado de ocasiões, anúncios de morte."
Facto 9: "E isto, por vezes, na presença dos dois filhos menores."
Relativamente a esta matéria a prova testemunhal da acusação não é contraditória.
Não só a ofendida foi clara ao afirmar que por diversas vezes o arguido lhe disse que acabava com a vida dela e dele, como os filhos foram claros ao afirmar que este tipo de ameaças à vida era frequente também na sua presença, a quando das discussões, levando-os inclusive a pedir à mãe para não se divorciar do pai, por receio, estando todos, ou em conversas tidas com o arguido, como o caso do filho mais velho AA, que ficaria incumbido de tomar conta dos irmãos mais novos.
Devem manter-se nos factos provados.
Facto 10: "E também, numa ocasião, propalou anúncios de morte para o filho DD."
Este facto resulta do depoimento do próprio filho quando encontro o pai na rua. Este suporte probatório não foi abalado nem pela negação do arguido, pelo que deve manter-se, uma vez que o tribunal a quo o considerou credível, assim como nós nesta instância.
Mantém-se nos factos provados.
Facto 11: "Em data não concretamente apurada, mas após 15 de Setembro de 2020, os dois menores ouviram o arguido declarar que ia «arranjar» uma arma e matar a mãe deles."
Facto 20: "O que atemorizou a ofendida, até porque o arguido já havia afirmado que ia comprar uma arma para a matar."
Relativamente a este dos factos no depoimento da ofendida CC, esta afirmou que nunca ouviu o arguido fazer referência a uma arma na sua presença.
Ela ressalvou apenas um momento no seu local de trabalho que ela entendeu nesse sentido, mas que as ameaças teriam sido ditas aos filhos.
O filho DD, embora inicialmente tenha afirmado que a menção à arma teria sido diretamente à mãe e na presença dela, posteriormente clarificou que o pai não lhe disse diretamente sobre a arma, afirmando que o pai não lhes disse que iria comprar uma arma para matar a mãe.
Efetivamente no que diz respeito à referência à arma, os depoimentos não coincidem nem uns nem outros afirmaram tê-lo ouvido dizer diretamente do arguido. Este nega-o.
Em face disto, não deve ser considerada como provada a referência direta à arma.
Mantém-se o conteúdo atinente às ameaças à vida da ofendida, pois embora o arguido negue ter proferido tais ameaças. Admite apenas ter expressado receio de que "pudesse acontecer uma besteira" (referindo-se aos filhos se perderem por andarem na rua, com vida noturna, álcool e drogas), a sua versão não impõe outra distinta da encontrada pelo tribunal alicerçada no depoimento dos filhos e ofendida ex mulher.
Em face do exposto deve dar-se como não provado o ponto 11 dos factos provados.
Quanto ao ponto 20 deve eliminar-se a parte “ até porque o arguido já havia afirmado que ia comprar uma arma para a matar”.
Facto 14: "Já em 2022/2023, a mesma resolveu formalizar a separação, voltando a requer o divórcio, pelo que o arguido – depois de citado – voltou a intimidar aquela, dizendo-lhe «só entro no Tribunal como preso, porque antes dou cabo da sua vida»."
Facto 16: "Nessas circunstâncias, o arguido declarou-lhe – em tom sério, convincente e intimidatório – «não quero o meu filho com uma pessoa estranha ou com outra pessoa» e «antes de acabar com a minha vida, vou dar cabo da sua»."
O arguido sustenta-se nas declarações da ofendida ao afirmar “Embora tenha dito que o arguido foi ao seu local de trabalho com a citação de divórcio e disse "só entro em tribunal preso, mas o divórcio eu não te dou!", posteriormente clarificou que a frase "eu vou dar cabo da sua vida!" foi dirigida a ela no A..., mas a frase "Eu mato" foi dirigida aos filhos, e que ela não estava presente quando ele disse isso aos filhos.... Isso contradiz diretamente o facto 16, que sugere que a ofendida ouviu "antes de acabar com a minha vida, vou dar cabo da sua".
Ora, a prova produzida em audiência foi profícua tanto da parte dos filhos com da ofendida e ainda do documento e fls. 105 e declarações prestadas pela Srª técnica da CPCJ que o arguido de facto por diversas vezes ameaçou direta e veladamente que tiraria a vida à ofendida. Tais ameaças existiram em diversos momentos, umas ditas diretamente à ofendida e outras aos filhos. A prova indicada pelo arguido não impõe versão contrária à encontrada pelo tribunal a quo.
Facto 17: "Nesse mesmo momento, o arguido agarrou a ofendida por um braço e, com força, procurou virá-la de frente para si e desferiu-lhe uma bofetada na face."
Alega que existem três versões incompatíveis da ocorrência:
▪Versão da ofendida CC: O arguido a empurrou contra a parede, segurou-a e deu-lhe uma bofetada. Ela afirmou que o filho DD não estava presente no momento exato da bofetada, chegando imediatamente a seguir.
▪Versão do arguido: Negou veementemente ter dado uma bofetada, afirmando que a ofendida puxou o braço dele, e que, ao tentar libertar-se, pode ter havido um contacto não intencional devido ao movimento brusco.
▪Versão do filho DD: Afirmando que viu tudo, a mãe estava de costas para o arguido, este agarra-lhe um braço, puxa-a e, quando ela fica de frente para ele, desfere-lhe uma bofetada ("chapada").
Ora, estas versões só são completamente incompatíveis com a do arguido.
Bofetada ou chapada coincidem nas versões de mãe e filho.
A dinâmica que levou à mesma não é em si incompatível, uma vez que a ofendida na altercação em que se encontrava com o arguido pode não se ter apercebido que o filho DD descendo as escadas do prédio onde foi guardar o canídeo já poderia ter estado em condições de ter visto o que disse ter visto. Só se terá apercebido do filho quando este chegou junto a eles.
Segurar não é incompatível com o ato de empurrar e até de puxar. Pode-se empurrar segurando e depois até puxar para virar um corpo a fim de se lhe desferir uma bofetada, ou seja, é perfeitamente compatível com o descrito pelas duas vitimas o facto provado em 17.
Pelo que nada tem que se alterar neste ponto. A credibilidade dada pelo tribunal não fica abalada e deve prevalecer.
Facto 21: "Em data não concretamente apurada, mas após 29 de Agosto de 2023, o arguido instou o filho AA a tomar conta dos dois irmãos mais novos pois que ia dar cabo da vida da ofendida e da dele próprio."
Este facto resulta diretamente das declarações desta testemunha, que o tribunal aceitou como verdadeiras, não havendo razões para não o fazer atendendo ao depoimento que nós ouvimos.
E de facto nada tinha que ver com o que refere o arguido de que as suas preocupações eram com o bem-estar dos filhos e não ameaças diretas de morte.
Facto 22: "Na manhã de 18 de Setembro de 2023 o BB esteve nas instalações da CPCJ ..., onde acabou por afirmar – em tom sério – que se a ofendida não alterasse o seu comportamento a «matava»."
Afirma o recorrente que a técnica da CPCJ, FF declarou em tribunal não se lembrar de nada nem da pessoa do arguido. As suas declarações foram meras interpretações do que "deveria ter acontecido" com base no que foi escrito no relatório.
Não é verdade, Srª técnica esclareceu que o que fez constar no relatório reproduz a ocorrência naquele dia reforçada ainda pelo facto de ter tido necessidade de telefonar à ofendida para a precaver, de tão preocupada que ficou perante o comportamento perturbador e ameaçador do arguido.
Ou seja, se nada tivesse acontecido nada teria sido reportado de anormal e embora dizendo não se lembrar não deixou de frisar que se fez constar tal conteúdo, que constatou ter sido realizado por si, é porque ocorreu e depois fez um esforço de memória relativamente ao que demais depôs. Nada a apontar de anormal.
Relativamente à validade do documento e sua consideração como meio de prova remetemos para o que acima de decidiu.
Relativamente à interpretação que o recorrente faz das suas palavras, não passam de desculpas que o tribunal sustentado na avaliação do conjunto da prova não avalisou e bem.
Posto isto, ao recorrente não basta dizer discordar da matéria de facto dada como provada, sendo necessário que identifique devidamente quais são os pontos de facto que no seu entender foram indevidamente dados como provados e não deviam ter sido, na sua perspetiva, e qual a razão por que entende que assim deva ser([2]), indicando as provas que demonstrem de forma inquebrável e sem alternativas, o erro de decisão (ex: quando o recorrente se socorra da prova documental tem que concretizar qual o concreto documento que demonstra o erro da decisão; quando se socorra de prova gravada tem que indicar o(s) depoimento(s) em questão identificando a(s) pessoa(s) em causa, indicar a passagem ou passagens da gravação desse(s) depoimento(s) que demonstra(m) o erro em que incorreu a decisão([3])) e enunciar qual a decisão que, em seu entender, deve ter lugar relativamente às questões de facto impugnadas – cfr. art. 412º nºs 3 e 4 do CPP.
A exigência da lei ao estabelecer os requisitos da impugnação da matéria de facto fixada pelo tribunal recorrido deve-se à circunstância de o recurso sobre matéria de facto, apesar de incidir sobre a prova produzida e o seu reflexo na matéria assente, não configurar um novo julgamento. Se estivéssemos perante um novo julgamento as especificações/requisitos seriam, obviamente, destituídas de fundamento. Mas, sendo o recurso um remédio, então o que se pretende é corrigir concretos erros de julgamento respeitantes à matéria de facto. Por isso a lei impõe que os erros que o recorrente entende existirem estejam especificados e que as provas que demonstrem tais erros estejam também elas concretizadas e localizadas, tanto mais que, segundo estabelece ainda o nº 6 de tal artigo 412º, “No caso previsto no nº 4, o tribunal procede à audição ou visualização das passagens indicadas e de outras que considere relevantes para a descoberta da verdade e a boa decisão da causa”([4])([5]).
A jusante impor-se-á um último limite que tem a ver com o facto de a reapreciação só poder determinar alteração à matéria de facto assente se o Tribunal da Relação concluir que os elementos de prova impõem uma decisão diversa e não apenas permitam uma outra decisão([6]).
Sobre o significado do verbo «impor» estipulado no art. 412º nº 3 b) do CPP, escreveu-se no Ac. da R.P. de 23/11/2022([7]), que “consubstancia a exigência de verificação de uma obrigação impreterível, de um imperativo, de um dever mandatório inquebrável e sem alternativas”.
Normalmente os erros de julgamento capazes de conduzir à modificação da matéria de facto pelo tribunal de recurso (cfr. arts. 428º e 431º do CPP) consistem no seguinte: dar-se como provado um facto com base no depoimento de uma testemunha que nada disse sobre o assunto; dar-se como provado um facto sem que tenha sido produzida qualquer prova sobre o mesmo; dar-se como provado um facto com base no depoimento de testemunha, sem razão de ciência da mesma que permita a referida prova; dar-se como provado um facto com base em prova que se valorou com violação das regras sobre a sua força legal([8]); dar-se como provado um facto com base em depoimento ou declaração, em que a testemunha, o arguido ou o declarante não afirmaram aquilo que na fundamentação se diz que afirmaram([9]); dar-se como provado um facto com base num documento do qual não consta o que se deu como provado; dar-se como provado ou não provado um facto com base em presunção judicial erradamente aplicada([10]). A propósito, vide Ac. R. Porto de 11/06/2025, proc. nº º49/23.5PDMAI.P1
No caso apenas se justifica por imposição a alteração dos pontos 6, 11 e 20.
No mais, não pode haver qualquer alteração ainda que alavancada no princípio in dúbio pro reo.
No âmbito penal a imputação de uma alegada violação do princípio in dubio pro reo, cinge-se a um problema de impugnação da decisão sobre a matéria de facto, constituindo um limite normativo do princípio da livre apreciação da prova, na medida em que impõe a orientação vinculativa de que, após a produção da prova, o tribunal terá de decidir a favor do arguido, perante a persistência de uma dúvida razoável, ou seja, quando o tribunal não tiver certeza sobre os factos decisivos para a solução da causa. Deste modo, a alegação da violação desse princípio suscita a necessidade de, no recurso, ser demonstrada a carência de prova de que os factos imputados ao arguido foram por este protagonizados ou de que se verificou qualquer circunstância que a lei faz depender a punibilidade do mesmo.
Ora, como supraexplanado o tribunal a quo não teve qualquer dúvida sobre os factos decisivos que determinaram a condenação do arguido.
Em suma, pode-se dizer que o que está verdadeira e unicamente em causa no recurso é que o recorrente não se conforma com a circunstância de a sua posição sobre a matéria de facto não ter sido acolhida no julgamento proferido pela 1ª instância, aí fazendo radicar os aludidos vícios que aponta à decisão recorrida.
Concluindo, à exceção de alguns pontos nada há a apontar à decisão que foi tomada com base na prova testemunhal produzida, prova à qual o tribunal conferiu credibilidade, porquanto desta resulta diretamente, e com certeza, que o arguido praticou a essencialidade dos factos de que vinha acusado, não existindo violação do princípio in dubio pro reo a não ser nos pontos acima expressos e nem da livre apreciação da prova.
Daqui resulta que, provados os factos com apoio de um juízo de probabilidade que roça a certeza, não há que falar em violação do princípio in dubio pro reo pois que este apenas opera se houver dúvida face a um inultrapassável impasse probatório, com a exceção do acima referido quanto a alguns dos pontos.
A perspetiva que o tribunal apresentou da prova produzida em audiência de discussão e julgamento é sustentada em razões objetivas de motivação, que explicam e baseiam o percurso efetuado para essa valoração, não merecendo qualquer reparo, tendo sido estritamente observado o princípio da livre apreciação da prova (cfr. art. 127º do C. Processo Penal), não se vislumbrando que tenha sido violada uma qualquer regra da experiência comum.
O texto da decisão recorrida, examinado na sua globalidade, assenta em premissas que se harmonizam num raciocínio lógico e coerente, explicitados os motivos por que foram valoradas positivamente determinadas provas e desconsideradas outras, sendo perfeitamente inteligível o itinerário cognoscitivo que conduziu à convicção do julgador e os meios de prova em que foi alicerçada essa convicção, também de acordo com as regras da experiência comum, através do privilégio da imediação e da oralidade, não havendo qualquer indício de que tenha sido erradamente valorada ou interpretada tal prova a não ser nos pontos 6, 11 e 20.
Pelo exposto, o Tribunal da Relação do Porto decide:
-Julgar totalmente improcedente o recurso interlocutório.
-Conceder parcial provimento ao recurso final interposto pelo recorrente BB e, em consequência:
-Alterar a matéria fáctica nos termos supra expostos, pontos 6, 11 e 20, embora sem relevância ao nível do enquadramento jurídico dos factos e medidas das penas, mantendo tudo o demais;
-Confirmar no mais o acórdão recorrido.
Custas a cargo do recorrente com taxa de justiça em 4Ucs, uma vez que a alteração supra não teve qualquer repercussão na condenação que se manteve in totum.
Notifique – cfr. art. 425º nº 6 do CPP.
Sumário da responsabilidade do relator.
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Porto, 25 de junho de 2025
(Texto elaborado e integralmente revisto pelo relator, sendo as assinaturas autógrafas substituídas pelas eletrónicas apostas no topo esquerdo da primeira página)
Paulo Costa
Maria Ângela Reguengo da Luz
Amélia Carolina Teixeira
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[1] É o que resulta do disposto nos arts. 412.º e 417.º do CPPenal. Neste sentido, entre muitos outros, acórdãos do STJ de 29-01-2015, Proc. n.º 91/14.7YFLSB.S1 - 5.ª Secção, e de 30-06-2016, Proc. n.º 370/13.0PEVFX.L1.S1 - 5.ª Secção.
[2] Cfr. Ac. da R.P. de 24/01/2024, no proc. nº 900/19.4PAESP.P1, relatado por Paulo Costa, acedido in www.dgsi.pt
[3] Cfr. Ac. da R.P. de 24/01/2024, no proc. nº 957/23.3PRPRT.P1, relatado por Paulo Costa, não publicado.
[4] Cfr. Ac. do STJ de 01/07/2010, publicado na C.J., Ano XVIII, Tomo II, pág. 219.
[5] Cfr. entre outros, o Ac. da R.P. de 09/10/2024, no proc. nº 646/21.3PBVLG.P1, relatado por Luís Coimbra, não publicado.
[6] Cfr. Ac. do STJ de 15/07/2009, no proc. nº 103/09 -3ª Secção, relatado por Raúl Borges e subscrito por Fernando Fróis.
[7] Cfr. proc. nº 794/19.0GBAMT.P1, relatado por Pedro Afonso Lucas, não publicado.
[8] Cfr. Acs. da R.P. de 04/02/2016, relatado por Antero Luís, no proc. nº 23/14.2PCOR.L1-9 e da R.L. de 02/07/2020 no proc. nº 14563/19.3T8SNT.L1-9, relatado por João Abrunhosa, ambos acedidos in www.dgsi.pt
[9] Cfr. Ac. da R.C. de 25/10/2017, relatado por Inácio Monteiro, no proc. nº 444/14.0JACBR.C1, acedido in www.dgsi.pt
[10] Cfr. Ac. da R.L. de 14/07/2022, relatado por João Abrunhosa, no proc. nº 103/22.0PWLSB.L1, não publicado na www.dgsi.pt