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MODIFICAÇÃO DAS REGRAS DE CONDUTA IMPOSTAS AO CONDENADO NA SUSPENSÃO DA PENA
OCORRÊNCIA DE CIRCUNSTÂNCIAS RELEVANTES SUPERVENIENTES OU QUE O TRIBUNAL SÓ POSTERIORMENTE TENHA TIDO CONHECIMENTO
SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PRISÃO
CLÁUSULA REBUS SIC STANTIBUS
Sumário
I - As regras de conduta impostas ao condenado podem ser modificadas até ao termo do período de suspensão, sempre que ocorrerem circunstâncias relevantes supervenientes ou de que o tribunal só posteriormente tenha tido conhecimento. II - O conteúdo da pena de suspensão da execução da prisão está sujeito, dentro dos limites legais, mesmo independentemente de incumprimento do condenado, a uma cláusula rebus sic stantibus.
Texto Integral
Processo 96/22.4PBGDM-A.P1
Comarca do Porto
Juízo Central Criminal do Porto – Juiz 15
Acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores da 1ª secção do Tribunal da Relação do Porto:
I- RELATÓRIO I.1. O arguido AA veio interpor recurso do despacho proferido em 11.04.2025 que indeferiu o pedido de alteração do que foi decidido no acórdão proferido na 1ª instância, transitado em julgado.
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I.2. Recurso da decisão (conclusões que se transcrevem integralmente)
“I- O presente recurso tem por objecto o Despacho proferido pelos Exmos. Srs. Juizes de Direito, do Tribunal "a quo", com a referência citius 471003577, que indeferiu o pedido do aí Arguido para poder visitar o seu filho menor - que se encontra, actualmente, a residir sozinho - e, assim, poder acompanhar mais de perto o dia a dia daquele.
II- No processo 96/22.1PBGDM, que correu termos no Juízo central Criminal do Porto - Juiz 15, por Acórdão, datado de 20/06/2024, já transitado em julgado, foi o aí Arguido condenado, para além do mais, na
"- Proibição de contactar, por qualquer meio (escrito, falado ou tecnológico), directo ou por interposta pessoa, com a ofendida, ou dela se aproximar num raio de 500 metros, sendo esta proibição electronicamente fiscalizada;
- Proibição de frequentar, permanecer ou aceder à residência da ofendida, sendo esta proibição electronicamente fiscalizada."
III- Sucede que, a aí Ofendida BB encontra-se, desde o mês de Outubro do ano transacto, a residir na cidade de Londres e o filho menor CC ficou a residir sozinho, na residência da ofendida.
IV- Presentemente, temos um, ainda, menor de idade a viver a seu belo prazer, "sem rei nem roque", quando, salvo devido respeito por opinião diversa,não existe qualquer perigo para a Ofendida - que reside a mais de 1.300 km (linha aérea)/2.000 km (rota de condução) - que o aqui Recorrente se desloque junto da residência onde habita o seu filho menor, apenas, para poder acompanhar mais de perto a vida deste.
V- Para a eventualidade da Ofendida pretender regressar a Portugal, bastará, que através da sua Mandatária, o tribunal e a equipa de vigilância eletrónica fossem informados, e as medidas de afastamento/vigilância voltariam a efectivar-se.” Pugna pela revogação da decisão recorrida e a sua substituição por outra que autorize o recorrente a visitar o seu filho menor, actualmente a residir sozinho, com as inerentes e necessárias adaptações ao regime de vigilância electrónica, aplicado ao mesmo.
I.3. Resposta do Ministério Público
O Ministério Público, na resposta ao recurso, pronunciou-se pela improcedência do recurso e manutenção da decisão recorrida, concluindo nos seguintes termos:
“1 - Constata-se que o recorrente não invoca como fundamento do recurso a avaliação errónea da prova, não impugna matéria de facto, nem alude a notória insuficiência probatória.
2. Em suma, não foi invocado nenhum vício que cumpra apreciar.
3. Acresce, a nosso ver, que o Tribunal a quo não proferiu uma decisão discricionária, antes de socorreu da sua convicção, que fundamentou de forma objetiva, racional e coerente, explicando devidamente, a partir da prova existente nos autos, as razões pelas quais se convenceu de que o arguido deve continuar sujeito à medida de coação que lhe foi aplicada.
4. A ofendida explicou que nunca afirmou que se iria mudar para Londres, estando estupefacta com a conclusão retirada pelo arguido.
5. Não assiste qualquer razão ao arguido recorrente.”
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I.4. Parecer do Ministério Público
Nesta Relação o Ministério Público acompanhou a argumentação constante na motivação do recurso interposto pelo Ministério junto do tribunal recorrido, pugnando pela improcedência do recurso.
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I.5. Resposta ao parecer
Foi cumprido o estabelecido no artigo 417º, n.º 2 do CPP, tendo o recorrente apresentado resposta ao parecer do Ministério Público.
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I.6. Foram colhidos os vistos e realizada a conferência.
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II. FUNDAMENTAÇÃO II.1. Objecto do recurso
Conforme jurisprudência constante e assente, é pelas conclusões apresentadas pelo recorrente que se delimita o objecto do recurso e os poderes de cognição do Tribunal Superior (cfr. acórdão do STJ, de 15.04.2010, acessível em www.dgsi.pt), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso a que alude o artigo 410º do Código de Processo Penal (conhecimento oficioso que resulta da jurisprudência fixada no acórdão nº 7/95, do STJ, in DR, I Série-A, de 28/12/95).
Assim, da análise das conclusões do recorrente a questão que importa apreciar e decidir é a de saber se o acórdão transitado em julgado proferido em 1ª instância deveria ter sido alterado de modo a permitir que o recorrente visite o seu filho menor na residência da progenitora.
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II.2. Decisão recorrida (que se transcreve integralmente)
“Req. de 28-02-2025, req. de 20-03-2025 e promoção que antecede: No Acórdão condenatório proferido nos autos em 20-06-2024 o arguido foi condenado numa pena única de 4 anos e 3 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 4 anos, condicionada, designadamente a regime de prova e à proibição de contactos com a vitima BB, em qualquer lugar e por qualquer meio, o que inclui o afastamento da residência ou do local de trabalho daquela, cujo cumprimento deve ser fiscalizado por meios técnicos de controlo à distância, nos termos do artigo 36.º da Lei n.º 112/2009, de 16-09.
Através do req. de 28-02-2025 o arguido pretende que seja autorizada a visita do arguido ao filho CC, alegando que a ofendida BB se encontra a residir em Londres, tendo inclusivamente transmitido á sua mandatária que não tem intenção de regressar a Portugal.
A ofendida BB, notificada para o efeito, alegou que efectivamente viajou para Londres com a filha menor DD, sendo que o CC ficou na casa de morada de família, residência da ofendida. Mais referiu que não transmitiu à sua mandatária a sua intenção de não regressar a Portugal.
Em face do exposto, uma vez que o alegado pelo requerente/condenado é, pelo menos parcialmente, infirmado pela ofendida BB, entende este Tribunal que não se verificam os necessários pressupostos para alterar o que, nessa sede, foi decido por Acórdão deste Tribunal, já transitado em julgado.
Pelo que se indefere o requerido pelo condenado.
Notifique.”
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II.3. Factos e ocorrências processuais relevantes
Com relevo para a apreciação da questão aqui em causa importa ter em conta os seguintes factos e ocorrências processuais:
i) Em 20.06.2024 foi proferido acórdão nos autos que decidiu condenado o arguido AA, em autoria material, pela prática deum crime de violência doméstica agravado, p. e p. pelo artigo 152.°, n.°1, alínea b) e n.°2 alínea a) do C.P., na pessoa da ofendida BB,na pena de 3 (três ) anos e 6 (seis) meses deprisão e de um crime de violência doméstica agravado, p. e p. pelo artigo 152.°, n.°1, alínea d) e) n.°2 alínea a) do C.P., na pessoa do ofendido CC,na pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão, tendo sido fixada a pena unitária de 4 (quatro) anos e 3 (três) meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 4 (quatro) anos, condicionada a regime de prova assente num plano de reinserção social, a definir e a executar com vigilância e apoio pelos serviços de reinserção social, de forma a alcançar os seguintes objetivos:
- prevenir o cometimento no futuro de factos de idêntica natureza;
- permitir o confronto do arguido com as suas ações e tomada de consciência das suas condicionantes e consequências;
- frequentar programa para agressores de violência doméstica, pelo período mínimo de 12 meses.
A suspensão da execução da pena única ficou ainda subordinada à proibição de contactos com a vítima BB, em qualquer lugar e por qualquer meio, o que inclui o afastamento da residência ou do local de trabalho daquela, cujo cumprimento deve ser fiscalizado por meios técnicos de controlo à distância – art. 36º, n.º 7, da Lei n.º 112/2009, de 16.09;
ii) Nesse mesmo acórdão determinou-se ainda ao abrigo do disposto no artigo 212º do CPP a manutenção das medidas de coacção aplicadas nos autos: - Proibição de contactar, por qualquer meio (escrito, falado ou tecnológico), directo ou por interposta pessoa, com a ofendida, ou dela se aproximar num raio de 500 metros, sendo esta proibição electronicamente fiscalizada; - Proibição de frequentar, permanecer ou aceder à residência da ofendida, sendo esta proibição electronicamente fiscalizada;
iii) Em 22.07.2024 transitou em julgado o referido acórdão.
iv) Em 28.02.2025 o recorrente/arguido apresentou requerimento com o seguinte teor (transcrição nas partes relevantes): “1. Por Acórdão, datado de 20/06/2024, já transitado em julgado, foi o arguido condenado, para além do mais, na “- Proibição de contactar, por qualquer meio (escrito, falado ou tecnológico), directo ou por interposta pessoa, com a ofendida, ou dela se aproximar num raio de 500 metros, sendo esta proibição electronicamente fiscalizada; - Proibição de frequentar, permanecer ou aceder à residência da ofendida, sendo esta proibição electronicamente fiscalizada.” 2. Tem o arguido cumprido escrupulosamente com esta condenação, no entanto, as alterações de vida que se vão transmitir fundamentam o presente pedido. 3. A ofendida BB encontra-se, desde o mês de Outubro do ano transacto, a residir na cidade de Londres. 4. Levou consigo a filha mais nova, DD, mas o menor CC ficou a residir sozinho na residência da ofendida. 5. Mais, transmitiu à sua mandatária que não tem intenção de regressar a Portugal. Por esta razão, 6. O Digníssimo Sr. Procurador do processo 2502/23.1T8GDM-B, que corre termos no Juízo de Família e Menores de Gondomar - Juiz 1, solicitou ao pai, aqui arguido, para visitar o filho com regularidade e poder estar atento mais de perto à vida do menor que corre, agora, por sua conta e risco. Sucede que, 7. Com as proibições supra identificadas está, o aqui arguido, impossibilitado de o fazer.” Termina concluindo que “e porque as razões de ser das supra identificadas proibições inexistem, atendendo a que a ofendida BB se encontra a residir em Londres, Requer, mui respeitosamente, a V. Exas. se dignem autorizar o aqui arguido a visitar o seu filho menor para, assim, poder acompanhar o seu dia a dia de uma forma mais efectiva.”
v) Em 05.03.2025 o Ministério Público promoveu o seguinte: “I - Promovo se notifique a ofendida (e a sua Mandatária) para, em prazo a fixar, esclarecer qual a sua atual residência e, sendo a mesma fora do país, quando ou se pretende regressar a Portugal. II - Promovo se solicite ao Processo número 2502/23.1T8GDM-B, do Juízo de Família e Menores de Gondomar - J1, o envio de cópia da decisão que permitiu ao aqui arguido visitar o filho na residência que pertence à sua ex-companheira (tal como decorre do requerimento que antecede).”
vi) Em 06.03.2025 foi proferido o seguinte despacho: “Nos termos promovidos, notifique-se a ofendida (e a sua Mandatária) para, em 10 dias, se pronunciar sobre o requerimento do arguido de 28-02-2025.
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Solicite-se ainda ao processo número 2502/23.1T8GDM-B, do Juízo de Família e Menores de Gondomar - J1, o envio de cópia da decisão que permitiu ao aqui arguido visitar o filho na residência que pertence à sua ex-companheira (tal como decorre do requerimento de 28-02-2025).”
vii) Em 20.03.2025 a ofendida BB respondeu nos seguintes termos: “1. O requerimento deve ser indeferido. 2. Em final de Outubro de 2024 a ofendida viajou a Londres com a filha menor DD. 3. O filho mais velho CC, de 17 anos, ficou na casa de morada de família, residência da ofendida. 4. A ofendida BB não transmitiu à sua mandatária, aqui signatária, a sua intenção de não regressar a Portugal. 5. Corre termos no Juiz 1 do Juízo de Família e Menores de Gondomar, Tribunal Judicial desta Comarca do Porto, o processo tutelar comum 2502/23.1T8GDM-B e em 23 de Janeiro de 2025, pelas 10.30 horas, teve lugar a diligência de Acta de Conferência de Pais, gravada em áudio no sistema Habilus Media Studio, onde a aqui signatária esteve presente. 6. Presente esteve também a Digna Magistrada do Ministério Público, Exma Senhora Procuradora Dra EE. 7. Em momento algum da Diligência, como se disse gravada em áudio no sistema Habilus Media Studio, o “ 6. O Digníssimo Sr. Procurador do processo 2502/23.1T8GDM-B, que corre termos no Juízo de Família e Menores de Gondomar - Juiz 1, solicitou ao pai, aqui arguido, para visitar o filho com regularidade e poder estar atento mais de perto à vida do menor que corre, agora, por sua conta e risco.”. 8. Por Acórdão, datado de 20/06/2024, já transitado em julgado, foi AA condenado, para além do mais, na “- Proibição de contactar, por qualquer meio (escrito, falado ou tecnológico), directo ou por interposta pessoa, com a ofendida, ou dela se aproximar num raio de 500 metros, sendo esta proibição electronicamente fiscalizada; - Proibição de frequentar, permanecer ou aceder à residência da ofendida, sendo esta proibição electronicamente fiscalizada.” 9. O dia a dia do CC, Ofendido neste processo, Cf parte do teor do Acordão doutamente proferido, “ C) Condenar o arguido AA, pela prática em autoria material de um crime de violência doméstica agravado, p. e p. pelo artigo 152.º, n.º1, alínea d) e e) n.º2 alínea a) do C.P., na pessoa do ofendido CC, na pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão.” ocorre normalmente podendo-se até afirmar, corre muito bem, física, psicológica, social, lúdica e escolarmente falando. 10. CC que ainda aguarda receber, como consta no Douto Acórdão: “Deste modo, atendendo às consequências da conduta do arguido, ao contexto em causa e às condições socioeconómicas daqueles e do arguido, considera-se ajustada para compensar dos danos não patrimoniais que sofreram em consequência da conduta do demandado a quantia de € 3.000 (mil euros) relativamente à ofendida BB e €1.000,00 (mil euros) relativamente ao ofendido CC.”. Disto isto, 11. A ofendida não entende a razão de ser de tal requerimento o que só por eventual mas manifesto lapso pode ter sido apresentado e, como tal, deve ser indeferido.”
viii) Em 07.04.2025 o Juízo de Família e Menores de Gondomar - J1 enviou cópia da acta de conferência de progenitores realizada no dia 28.07.2023 no processo n.º 2502/23.1T8GDM-B, onde foi homologado o acordo de regulação e de alteração das responsabilidades parentais celebrado entre os progenitores, AA e BB em relação aos filhos menores CC, nascido em ../../2007 e DD, nascida em ../../2020, nos seguintes termos (transcrição parcial): “1.1 As responsabilidades parentais referentes às questões de particular importância para a vida dos menoresCC e DD,serão exercidas em comum por ambos os progenitores, sem prejuízo do regime estipulado na parte final do artigo 1906°, n.° 1 do C.C., sendo que, enquanto decorrer o processo crime, e enquanto estiver determinado a proibição de contactos, tais questões serão tratadas por intermédio do tio paterno, FF ou avô paterno, GG. 1.2 Os menoresCC e DD ficarão entregues à progenitora mãeBB, determinando-se a sua residência junto dela (sita na Rua ..., ... ... Gondomar), competindo-lhe a si o exercício das responsabilidades parentais relativas aos actos da vida corrente dos filhos, sem prejuízo da intervenção do progenitor não-residente (pai) durante o período de tempo em que os filhos consigo convivam temporariamente, intervenção esta que, contudo, não deve contrariar as orientações educativas mais relevantes da mãe. (…) 2.1. Relativamente ao menorCC, o mesmo estará com o progenitor paiAA,sempre que quiser e puder, em dias e horas a acordar entre ambos, deslocando-se o CC pelos seus meios próprios, atendendo a sua autonomia, vinculada aqui pela Técnica, Dr.- HH.”
ix) Em 07.04.2025 o Juízo de Família e Menores de Gondomar - J1 enviou cópia da acta de conferência de pais realizada no dia 23.01.2025, onde foi homologado o acordo celebrado entre os progenitores AA e BB, quanto ao incumprimento da regulação das responsabilidades parentais nos seguintes termos: “1° - A Requerida obriga-se a pagar o montante em dívida, no total de € 292,46 (duzentos e noventa e dois euros e quarenta e seis euros), em seis prestações, até integral e efectivo pagamento, 2° - As primeiras cinco prestações terão o valor de € 50,00 (cinquenta euros) e a última terá o valor de € 42,46 (quarenta e dois euros e quarenta e seis cêntimos). 3a - A primeira prestação vence-se no dia 28 de fevereiro e as restantes em igual dia dos meses subsequentes. 4° - O pagamento será efectuado por transferência bancária para o IBAN ....”
x) Em 09.04.2025 o Ministério Público promoveu o seguinte: “Referência 41753923, de 28.2.2025: Atendendo ao teor do contido nas referências 41958362, de 20.3.2025, e 42135558, de 7.4.2025, que infirmam o alegado pelo arguido AA no seu requerimento de 28 de fevereiro de 2025, promovo se indefira o pretendido pelo mesmo. Mais promovo se informe o arguido que deverá cumprir o que foi determinado em sede das sentenças proferidas pelo Tribunal de Família e Menores de Gondomar.”
xi) Em 11.04.2025 foi proferido o despacho recorrido acima transcrito.
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II.4. Apreciação do recurso §1. O recorrente sustenta que a ofendida BB encontra-se desde o mês de Outubro do ano transacto a residir na cidade de Londres e que o filho menor CC ficou a residir sozinho, na residência da ofendida, não existindo qualquer perigo para a ofendida - que reside a mais de 1.300 km (linha aérea)/2.000 km (rota de condução) - que o aqui recorrente se desloque junto da residência onde habita o seu filho menor, apenas, para poder acompanhar mais de perto a vida deste.
Pretende que o Tribunal autorize o aqui recorrente a visitar o seu filho menor, actualmente a residir sozinho, com as inerentes e necessárias adaptações ao regime de vigilância electrónica, aplicado ao recorrente, revogando-se/suspendendo-se temporariamente as medidas de afastamento/vigilância impostas no acórdão transitado em julgado.
Adiantamos, desde já, que não lhe assiste razão.
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§2. O recorrente foi condenado por decisão transitada em julgado numa pena única de 4 (quatro) anos e 3 (três) meses de prisão pela prática de um crime de violência doméstica agravado, p. e p. pelo artigo 152.°, n.°1, alínea b) e n.°2 alínea a) do C.P.(na pessoa da ofendida BB) e de um crime de violência doméstica agravado, p. e p. pelo artigo 152.°, n.°1, alínea d) e e) n.°2 alínea a) do C.P. (na pessoa do ofendido CC), suspensa na sua execução pelo período de 4 (quatro) anos, condicionada a regime de prova assente num plano de reinserção social e, ainda, subordinada à proibição de contactos com a vítima BB, em qualquer lugar e por qualquer meio, o que inclui o afastamento da residência ou do local de trabalho daquela, cujo cumprimento deve ser fiscalizado por meios técnicos de controlo à distância.
O artigo 34º-B da Lei 112/2009, de 16.09, com a epígrafe “Suspensão da execução da pena de prisão” dispõe no seu n.º 1 que “a suspensão da execução da pena de prisão de condenado pela prática de crime de violência doméstica previsto no artigo 152.º do Código Penal é sempre subordinada ao cumprimento de deveres ou à observância de regras de conduta, impostos separada ou cumulativamente, ou ao acompanhamento de regime de prova, em qualquer caso se incluindo regras de conduta que protejam a vítima, designadamente o afastamento do condenado da vítima, da sua residência ou local de trabalho e a proibição de contactos, por qualquer meio.
Por sua vez, o artigo 492º do CPP, com a epígrafe “Modificação dos deveres, regras de conduta e obrigações impostos” estabelece no seu n.º 1 que “A modificação dos deveres, regras de conduta e outras obrigações impostos ao condenado na sentença que tiver decretado a suspensão da execução da prisão é decidida por despacho, depois de recolhida provas das circunstâncias relevantes supervenientes ou de que o tribunal só posteriormente tiver tido conhecimento”.
Daqui decorre que as regras de conduta impostas ao condenado (como o caso dos autos) podem ser modificadas até ao termo do período de suspensão, sempre que ocorrerem circunstâncias relevantes supervenientes ou de que o tribunal só posteriormente tenha tido conhecimento, o que significa que o conteúdo da pena de suspensão da execução da prisão está sujeito, dentro dos limites legais, mesmo independentemente de incumprimento do condenado, a uma cláusula rebus sic stantibus (veja-se o acórdão do TRC de04.06.2008, relatado por Jorge Gonçalves, acessível em www.dgsi.pt e, ainda, Paulo Pinto Albuquerque in Comentário do Código Penal, 4ª edição actualizada, pág. 338).
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§3. Revertendo ao caso concreto importa, antes de mais, esclarecer o equívoco que assenta a pretensão recursória.
É certo que no acórdão proferido em 20.06.2024 na 1ª instância foi decidido manter as medidas de coação aplicadas nos autos: - Proibição de contactar, por qualquer meio (escrito, falado ou tecnológico), directo ou por interposta pessoa, com a ofendida, ou dela se aproximar num raio de 500 metros, sendo esta proibição electronicamente fiscalizada; - Proibição de frequentar, permanecer ou aceder à residência da ofendida, sendo esta proibição electronicamente fiscalizada.
Sucede que, em 22.07.2024, o dito acórdão transitou em julgado, o que implica a extinção das ditas medidas de coacção nos termos do artigo 214º, n.º 1, al. e) do CPP, com a excepção do T.I.R., que só se extinguirá com a extinção da pena.
Ora, pese embora o recorrente faça alusão no seu requerimento apresentado em 28.02.2025 às ditas medidas de coacção, estando estas já extintas, a pretensão do recorrente só poderá ter como objectivo alterar (ainda que temporariamente) a regra de conduta que lhe foi imposta no acórdão condenatório transitado em julgado como condição da suspensão da execução da pena única de prisão em que foi condenado, mais precisamenteo afastamento da residência da ofendida BB e respectiva vigilância.
Decorre da resenha processual acima transcrita que, ao contrário do que o recorrente alega no seu requerimento apresentado em 28.02.2025, não ficou demonstrado, por um lado, que “o Sr. Procurador do processo 2502/23.1T8GDM-B, que corre termos no Juízo de Família e Menores de Gondomar - Juiz 1, tenha solicitado ao pai, aqui arguido, para visitar o filho com regularidade e poder estar atento mais de perto à vida do menor que corre, agora, por sua conta e risco” e, por outro lado, que a ofendida tenha mudado a sua residência para o estrangeiro e que não pretenda regressar a Portugal.
Aliás, tendo em conta o regime de visitas acordado entre os progenitores noJuízo de Família e Menores de Gondomar - J1 no âmbito do processo n.º 2502/23.1T8GDM-B o menor CC (actualmente com 17 anos de idade)estará com o progenitor pai, aqui recorrente, sempre que quiser e puder, em dias e horas a acordar entre ambos, deslocando-se o CC pelos seus meios próprios, atendendo a sua autonomia, vinculada pela Técnica, regime esse que até ao presente momento não foi alvo de qualquer alteração.
Acresce que, o recorrente também não concretiza quaisquer factos que permitam concluir que o seu filho CC está efectivamente a necessitar de um apoio que implique deslocações à sua residência, pelo que, o recorrente, querendo, pode acompanhar o quotidiano do filho sem ter necessariamente que se deslocar à residência da ofendida, designadamente, como assinala o Ministério Público na sua resposta, “acompanhando o filho à escola, permanecendo com ele nos tempos livres, fornecendo-lhe refeições, telefonando com mais frequência...”.
E se o recorrente ainda assim entender que esse acompanhamento não será suficiente poderá, querendo, requerer em sede própria a alteração das responsabilidades parentais.
Neste contexto, não sobrevindo quaisquer circunstânciasrelevantes que determinem a alteração da regra de conduta imposta ao condenado –proibição de contactos com a vítima BB, em qualquer lugar e por qualquer meio, o que inclui o afastamento da residência ou do local de trabalho daquela, cujo cumprimento deve ser fiscalizado por meios técnicos de controlo à distância –, mantém-se integralmente o decidido no acórdão proferido na 1ª instância, transitado em julgado. Improcede o presente recurso.
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III- DECISÃO
Pelo exposto, acordam os Juízes que compõem a 1ª Secção deste Tribunal da Relação do Porto em negar provimento ao recurso interposto pelo arguido AA, mantendo-se a decisão recorrida.
Custas pelo recorrente, fixando a taxa de justiça em 3 UCS (artigo 513º, nº 1, do Código de Processo Penal e artigo 8º, nº 9, do RCP, com referência à Tabela III anexa).
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Porto, 25.06.2025
Maria do Rosário Martins
Nuno Pires Salpico
José Quaresma