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ARTIGO 50.º
N.º 5
DO CÓDIGO PENAL
PRORROGAÇÃO DA SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA DE PRISÃO
Sumário
I - Nos termos do disposto no artigo 50.º, n.º 5, do Código Penal, a suspensão da execução da pena não pode exceder cinco anos a contar do trânsito em julgado da decisão condenatória. II - Está vedada qualquer prorrogação da suspensão da execução da pena de prisão que implique a ultrapassagem do limite de cinco anos, nos precisos termos da alínea d) do artigo 55.º do mesmo diploma.
Texto Integral
Processo nº 502/17.0PASJM-A.P1
(Comarca de Aveiro - Juízo Central Criminal de Santa Maria da Feira – Juiz 1)
Acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores da 1ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto:
I. Relatório OMinistério Público veio interpor recurso do despacho proferido em 28.02.2025 que, não obstante condenação sofrida no período respetivo, não revogou a suspensão da pena em que fora condenado nos autos o arguido AA e a declarou extinta, veio dele interpor recurso de cuja motivação extrai as seguintes conclusões (que se transcrevem integralmente):
«1. AA foi condenado, nestes nossos autos, mediante acórdão transitado em julgado aos 17.08.2018, pela comissão de dois crimes de Violência Doméstica, p. e p. nos art.s 152º/1-d), 2, 4 e 5 do CP na pena única de três anos e três meses de prisão suspensa na sua execução por igual período, subordinada a regras de conduta;
2. A estrutura complexa do interesse protegido pelo crime de Violência Doméstica - a saúde nas suas múltiplas refrações, nomeadamente, física e psicológica - contempla o desvalor traduzido pela violação de um conjunto heterogéneo de bens jurídicos, os quais, se atomisticamente considerados poderiam integrar, entre o mais, crimes de ofensa à integridade física, injúria, ameaça, coação, os quais convivem com no art. 152º do CP, numa relação de concurso aparente ao qual cedem numa lógica de consunção;
3. No dia 14.01.2021 – portanto em plena vigência do período suspensivo - empreendeu um crime de Ofensa à integridade física qualificada e um crime de Coação agravada na forma tentada [cfr. art.s 145º/1-a) e 2, 22º, 23º, 154º e 155º/1-a)-b) do CP] pelo quais seria convicto a coberto do Proc. 11/21.2PGSXL, entretanto definitivamente estabilizado na ordem jurídica, delitos que, tal como o previsto no art. 152º, tutelam bens jurídicos eminentemente pessoais, existindo estreita conexão entre todos eles;
4. Jamais poderá ser esquecido ou subalternizado que AA, volvidos dois anos quatro meses e vinte e oito dias após o inicio da suspensão - logo, a dez meses e três dias do termo da mesma - volta a atentar contra bens jurídicos eminentemente pessoais, evidenciando que a solene advertência ditada com a condenação expedida dos presentes autos não funcionou;
5. Essa circunstância não possibilita que se considere que o juízo de prognose inerente à suspensão da execução da pena de prisão saiu satisfeito, pois a própria realidade encarregou-se de demonstrar que, apesar de pender sobre si a “Espada de Dâmocles”, o condenado indiferente a isso, optou, de forma livre e voluntária, pelo caminho da ilicitude penal;
6. Identicamente, agora no plano da prevenção geral positiva, a comunidade não compreenderia que alguém que assumiu um comportamento delituoso, na vigência de um “período de prova”, chamemos-lhes assim, fosse premiado com um despacho de extinção da penalidade irrogada, como se esta houvesse sido cumprida, mas não tendo, transmitindo um pernicioso sinal no sentido que, no fim de contas, a norma do art. 152º do CP, não permanece merecedora de acato, esvaziando o poder desta em se reafirmar contrafacticamente
7. Embora se admita que as finalidades punitivas subjacentes à pena suspensa não ficaram irremediável e definitivamente comprometidas - ao ponto de justificar a revogação – certo será também que as condenações pelos crimes Ofensa à integridade física qualificada e um crime de Coação agravada na forma tentada [cfr. art.s 145º/1-a) e 2, 22º, 23º, 154º e 155º/1- a)-b) do CP] revelam um ataque pleno de significação jurídico-penal e comunitária, que obrigam a concluir que os objetivos visados com a referida pena substitutiva, ainda não se realizaram;
8. Urge relembrar que, entre a opção de revogar ou extinguir a pena suspensa, existe ainda uma terceira hipótese que deveria ser ponderada: a prorrogação do prazo da suspensão de execução da pena, positivamente prevista para situações em que as circunstâncias do caso ainda permitam conservar a confiança na eficácia da pena não detentiva;
9. Donde, à luz do princípio da humanidade e da preferência atribuída às penas não privativas da liberdade [cfr. art. 1º da CRP e 70º do CP], vislumbramos espaço – curtíssimo, decerto - para manter o regime suspensivo e o retorno ao “dever-ser jurídico penal” em liberdade, mas dependente da sua prorrogação na metade do prazo inicialmente fixado, devendo ficar subordinada a PRS;
10. Devendo, no prejuízo do despacho recorrido, enveredar-se por tal solução, intermédia, equilibrada e humanista - mais grave que a extinção, mas aquém da revogação - restaurando-se assim a legalidade - cfr. art. 55º-c)-d) do CP
PELO EXPOSTO, deverá conceder-se integral provimento ao presente recurso, nos termos aduzidos, como é de LEI!»
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O arguido apresentou resposta ao recurso pugnando pelo não provimento do recurso.
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O Ministério Público junto deste Tribunal, no parecer que emitiu, aderindo aos argumentos expendidos no recurso, pronunciou-se pelo respetivo provimento.
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Foi cumprido o disposto no artigo 417º, nº do C.P.P., nada vindo a ser acrescentado no processo.
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Efetuado o exame preliminar e colhidos os vistos, foram os autos submetidos a conferência.
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Nada obsta ao conhecimento do mérito, cumprindo, assim, apreciar e decidir.
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II. Fundamentação II.1. Questões a decidir
Considerando que o objeto do recurso, sem prejuízo de eventuais questões de conhecimento oficioso, é delimitado pelas suas conclusões (cf. artigo 412º, nº 1 do C.P.P.), a única questão que importa apreciar e decidir é saber se nas circunstâncias descritas existiam fundamentos para o tribunal a quo ter extinto a pena de prisão suspensa na sua execução, ou se a mesma suspensão da execução da prisão deveria ter sido prorrogada.
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II.2.A decisão recorrida
Este é o texto do despacho recorrido:
«Nestes autos foi o arguido foi condenado, por sentença transitada em julgado em 18/08/2018, pela prática de dois crimes de Violência Doméstica, p. e p. nos art.s 152º/1- d), 2, 4 e 5, para o que aqui interessa, na pena de três anos e três meses de prisão, suspensa por igual período.
Resulta que o arguido, durante o período da suspensão, foi condenado, no âmbito do processo n.º 11/21.2PGSXL, pela prática, em 19/06/2014, de um crime de Ofensa à integridade física grave qualificada e um crime de Coação agravada na forma tentada [cfr. art.s 145º/1-a) e 2, 22º, 23º, 154º e 155º/1-a)-b) do CP], na pena de dois anos de prisão suspensa na sua execução, subordinada a regime de prova.
O Digno Magistrado do Ministério Público promoveu a extinção da pena, com os fundamentos aí melhor explanados.
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Cumpre apreciar e decidir.
Nos termos do artigo 57º, n.º 1, do Código Penal, a pena de prisão é declarada extinta se, decorrido o período da sua suspensão, não houver motivos para conduzir à sua revogação.
A suspensão da execução da pena de prisão é revogada sempre que no seu decurso o arguido cometer crime pelo qual venha a ser condenado e revelar que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas (art. 56.º, n.º1 al. b) do CP). A revogação determina o cumprimento da pena de prisão fixada na sentença (art. 56º, n.º 2 do CP).
Constata-se, contudo, que durante o período da suspensão da pena de prisão, o arguido, em 14/01/2021, praticou factos que levaram à sua condenação por um crime de Ofensa à integridade física grave qualificada e um crime de Coação agravada na forma tentada.
No entanto, a comissão de crime no decurso do período da suspensão da execução da pena não determina automática e imediatamente a revogação da suspensão da execução da pena de prisão.
Efetivamente, se “A finalidade político-criminal que a lei visa com o instituto da suspensão é (…) o afastamento do delinquente, no futuro, da prática de novos crimes”, é necessário que, para além do cometimento de crime no decurso do período da suspensão, se conclua que as finalidades que estavam na base dessa suspensão, analisadas e ponderadas as particularidades do caso concreto, não lograram êxito.
É entendimento pacífico na nossa jurisprudência que as causas da revogação da suspensão da execução da pena não deverão ser entendidas formalmente, antes deverão perfilar indiciariamente o fracasso da prognose inicial que determinou a sua aplicação, isto é, exige-se a formação de um juízo de valor no sentido que o cometimento do crime (durante o período da suspensão) revele que as finalidades que estiveram na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas - cfr., entre outros, os Acs. da RP de 25/1/1999 e 17/11/1999 disponíveis in www.dgsi.pt. Ora, no caso dos autos, tendo tal asserção por pressuposto, verifica-se que a condenação que o arguido sofreu no âmbito do processo n.º 11/21.2PGSXL, respeita a crime de natureza diversa daquela pelo qual foi condenado nos presentes autos, sendo certo ainda que, no âmbito do referido processo, e pese embora a condenação dos presentes autos, entendeu-se suspender a pena de prisão naquele aplicada, tendo assim sido formulado um juízo de prognose favorável relativamente ao comportamento do arguido.
Por seu lado, desde a data em que praticou os factos que originaram a condenação respetiva, não praticou quaisquer outros ilícitos penais.
A tudo isto acresce estar o arguido está afastado das vítimas com as quais já não convive e está inserido profissionalmente, demonstrando vontade em reestruturar o seu anterior modo de vida, nomeadamente através da ocupação laboral.
FACE AO EXPOSTO, mostrando-se já decorrido o período de suspensão da execução da pena aplicada nestes autos, e ponderando todas as referidas circunstâncias, julgo extinta a pena aplicada nestes autos.
Notifique.»
Após trânsito, boletim ao registo.»
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II.3.Apreciação do Recurso
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II.3.1. Elementos Processuais Relevantes
- AA foi condenado no âmbito do processo comum com intervenção do tribunal coletivo nº 502/17.0PAJM, do qual foi extraída a certidão que constitui o presente processo, por acórdão transitado em julgado em 17.08.2018, em cúmulo jurídico, na pena única de 3 anos e 3 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo mesmo período, subordinada à regra de conduta de se manter afastado do/s local/ais de residência e do/s local/ais de estudo/trabalho de cada uma das vítimas, BB e CC, a não ser com o prévio e expresso consentimento de cada uma delas, ou de ambas se o local em causa for atinente às duas, e somente enquanto tal consentimento se mantiver, pela prática de dois crimes de violência doméstica, previstos e punidos nos artigos 152º, nºs 1, al. d), 2, 4 e 5 do Código Penal
- Por sentença proferida em 08.01.2024, transitado em julgado em 08.02.2024, no processo comum, com intervenção do tribunal singular nº 11/21.9PGSXL, do J 1 dos Juízos Locais Criminais do Seixal, foi o arguido condenado na pena única de dois anos de prisão, suspensa na sua execução por 2 (dois) anos, com sujeição a regime de prova, assente em plano individual de readaptação vocacionado para que o mesmo interiorize o desvalor dos seus actos e se abstenha de os voltar a adotar, pela prática, em 14.01.2021 de um crime de ofensa à integridade física qualificada, p. e p. pelos artigos 143.º, n.º 1 e 145.º, n.º 1, alínea a), e n.º 2, em conjugação com o artigo 132.º, n.º 2, alínea a), do Código Penal e um crime de coação agravada na forma tentada, p. e p. pelos artigos 22.º, 23.º, 154.º e 155.º, n.º 1, alíneas a) e b), do mesmo diploma legal.
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II.3.2. Análise das questões de direito
Como decorre dos elementos enunciados supra, o despacho recorrido procedeu à avaliação do comportamento do arguido no decurso do período da suspensão da execução da pena, concluindo que as finalidades subjacentes à aplicação dessa pena de substituição se mostraram alcançadas.
Contra tal entendimento se insurge o recorrente, pugnando, em alternativa, pela prorrogação do período de suspensão da execução da pena de prisão, por período correspondente a metade do inicialmente fixado, com a imposição de cumprimento do plano individual de reinserção social, nos termos do disposto na alínea d) do artigo 55.º do Código Penal.
É pacífico na jurisprudência e na doutrina que a suspensão da execução da pena obedece à regra da preferência pelas sanções criminais não detentivas em relação às detentivas, no pressuposto de que estas últimas realizem de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, princípio este ínsito no artigo 70º do Código Penal.
Como refere o Professor Figueiredo Dias (Direito Penal Português, página 331), sendo a suspensão da execução da pena «a mais importante das penas de substituição» – não apenas pela frequência com que é aplicada, mas também pelo âmbito lato de aplicação que comporta – a lei, nos termos do artigo 50º do Código Penal, exige não só a verificação de um requisito objetivo (condenação em pena de prisão não superior a 5 anos) como também requisitos subjetivos, determinados por finalidades de política criminal, que permitam concluir pelo afastamento futuro do delinquente da prática de novos crimes, através da sua capacidade de se reintegrar socialmente.
O regime jurídico da pena de suspensão da execução da pena de prisão encontra-se previsto nos artigos 50.º a 57.º do Código Penal, bem como nos artigos 492.º a 495.º do Código de Processo Penal.
Dispõe, desde logo, o artigo 50º do Código Penal que: «1. o tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime, e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição. 2. O tribunal, se o julgar conveniente e adequado à realização das finalidades da punição, subordina a suspensão da execução da pena de prisão, nos termos dos artigos seguintes, ao cumprimento de deveres ou à observância de regras de conduta, ou determina que a suspensão seja acompanhada de regime de prova. 3. Os deveres e as regras de conduta podem ser impostos cumulativamente. 4. A decisão condenatória especifica sempre os fundamentos da suspensão e das suas condições. 5. O período de suspensão é fixado entre um e cinco anos.»
No que respeita ao incumprimento das condições da suspensão da execução da pena de prisão, cumpre distinguir duas situações distintas, atendendo às respectivas consequências jurídicas.
Quando, no decurso do período de suspensão, o condenado, com culpa, deixa de cumprir qualquer dos deveres ou regras de conduta impostos ou não corresponde ao plano de reinserção social estabelecido, pode o tribunal optar por uma das medidas previstas no artigo 55.º do Código Penal.
Dispõe esse preceito que, em tais circunstâncias, o tribunal pode:
a) Fazer uma solene advertência;
b) Exigir garantias de cumprimento das obrigações que condicionam a suspensão;
c) Impor novos deveres ou regras de conduta, ou introduzir exigências acrescidas no plano de reinserção;
d) Prorrogar o período de suspensão até metade do prazo inicialmente fixado, mas não por menos de um ano nem por forma a exceder o prazo máximo de suspensão previsto no nº 5 do artigo 50º.
A propósito da alínea d) do artigo 55º do Código Penal, importa desde logo sublinhar - como bem observa Paulo Pinto de Albuquerque (Comentário do Código Penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, UCP ) que: «A prorrogação do período de suspensão não pode ser inferior a 1 ano, nem superior a metade do prazo inicial, com o limite máximo de cinco anos (concordam, do TRC de 15.10.2014, in CJ XXXIX, 4, «48, bem como ANTÓNIO LATAS, 2008:135 e JORGE GONÇALVES, 2008:27). Portanto, se o período inicial for superior a 4 anos, o período de suspensão não pode ser prorrogado».
Em idêntico sentido pronunciam-se Simas Santos e Leal-Henriques, ao comentarem a referida alínea d), nos seguintes termos (Código Penal Anotado, Vol. I, 4.ª ed., p. 820): «Quanto à al. d), expressáramos, perante a correspondente al. c) do art. 50º do texto de 1982, a opinião de que o entendimento literal da al. c) conduziria a que a prorrogação do período de suspensão pudesse ir ate sete anos e meio. Mas oferecêramos uma outra interpretação: “com efeito, como resultava da sua epígrafe, o art. 48º (hoje art. 50º) dispunha sobre os pressupostos e duração da suspensão da execução da pena, definindo no art. 49º (hoje art. 51º) os deveres que a podiam condicionar e as modificações que estes podiam sofrer. Ora, era dentro do quadro do instituto, assim definido, que se deviam manter as sanções motivadas pela falta de cumprimento dos deveres impostos, sob pena de se comprometerem as finalidades do próprio instituto. Agora, essa dificuldade foi afastada, dispondo expressamente na al. d) que a prorrogação não pode conduzir a um prazo superior ao prazo máximo previsto no nº 5 do art. 50º (5 anos a contar do trânsito em julgado da decisão).»
Ou seja, a lei é clara ao estabelecer um limite absoluto e inderrogável de cinco anos de duração total da suspensão da execução da pena, contados desde o trânsito em julgado da sentença condenatória, sendo legalmente inadmissível qualquer prorrogação que ultrapasse esse limite temporal.
Por sua vez, as causas determinativas da revogação desta pena de substituição vêm estabelecidas no artigo 56º, nº 1, do Código Penal, preceito que dispõe que: «1. A suspensão da execução da pena de prisão é revogada sempre que, no seu decurso, o condenado: a) Infringir grosseira ou repetidamente os deveres ou regras de conduta impostos ou o plano de reinserção social; ou b) Cometer crime pelo qual venha a ser condenado, e revelar que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas. 2. A revogação determina o cumprimento da pena de prisão fixada na sentença, sem que o condenado possa exige a restituição de prestações que haja efectuado.»
Já o artigo 57º do Código Penal versa sobre a declaração de extinção da pena de prisão cuja execução tenha sido suspensa, e a necessidade de sobrestar na decisão de a extinguir em certas condições.
O preceito dispõe nos seguintes termos: «1. A pena é declarada extinta se, decorrido o período da sua suspensão, não houver motivos que possam conduzir à sua revogação. 2. Se, findo o período da suspensão, se encontrar pendente processo por crime que possa determinar a sua revogação ou incidente por falta de cumprimento dos deveres, das regras de conduta ou do plano de reinserção, a pena só é declarada extinta quando o processo ou o incidente findarem e não houver lugar à revogação ou à prorrogação do período da suspensão.»
Feitas estas considerações gerais, vejamos o caso concreto.
O tribunal a quo entendeu que, não obstante o comportamento delituoso assumido pelo arguido no decurso da suspensão, ainda assim se mostrariam alcançadas as finalidades subjacentes à aplicação da suspensão, não tendo tal comportamento, no seu entender, posto em crise o juízo de prognose que sustentou a opção pela pena substitutiva.
Por sua vez, Ministério Público, ora recorrente, pugna pela revogação do despacho recorrido e pela sua substituição por outro que determine a prorrogação do período de suspensão da pena, considerando que, atenta a prática de novo crime durante o referido período, se justifica a aplicação de uma consequência que permita assegurar a plena realização das finalidades da punição.
Sucede, porém, que se impõe, antes de mais, equacionar uma questão prévia, cuja solução obsta ao conhecimento do mérito da pretensão recursiva: saber se, à data em que foi proferido o despacho recorrido, ainda se encontrava legalmente admissível a prorrogação do período de suspensão da execução da pena, nos termos previstos no artigo 55.º, alínea d), do Código Penal.
Os dados relevantes para a apreciação desta questão são os seguintes:
– A pena de prisão aplicada ao arguido foi suspensa na sua execução por um período de 3 (três) anos e 3 (três) meses, nos termos do acórdão condenatório, o qual transitou em julgado em 17 de agosto de 2018, pelo que o termo do respetivo período de suspensão ocorreu em 18 de novembro de 2021.
– O tribunal a quo aguardou pelo trânsito em julgado da decisão proferida no âmbito do processo comum singular n.º 11/21.9PGSXL, que ocorreu em 8 de fevereiro de 2024, vindo a proferir o despacho recorrido em 28 de fevereiro de 2025.
Ora, nos termos do disposto no artigo 50.º, n.º 5, do Código Penal, a suspensão da execução da pena não pode exceder cinco anos a contar do trânsito em julgado da decisão condenatória, o que, no caso vertente, significa que o período máximo de suspensão terminou em 17 de agosto de 2023.
Assim, no presente caso, mostra-se em absoluto inviável a decisão de prorrogar a suspensão da execução da pena. Tal não é já legalmente possível, porquanto se encontra ultrapassado o prazo máximo permitido para a suspensão, ou seja, o de cinco anos a que alude o n.º 5 do artigo 50.º do Código Penal, estando vedada qualquer prorrogação que implique exceder esse limite, nos precisos termos do disposto na alínea d) do artigo 55.º do mesmo diploma, onde se estipula expressamente que: «Se, durante o período da suspensão, o condenado, culposamente, deixar de cumprir qualquer dos deveres ou regras de conduta impostos, ou não corresponder ao plano de reinserção, pode o tribunal (…) prorrogar o período de suspensão até metade do prazo inicialmente fixado, mas não por menos de um ano nem por forma a exceder o prazo máximo de suspensão previsto no n.º 5 do artigo 50.º».
Deste modo, em 28 de fevereiro de 2025, data em que foi proferido o despacho recorrido, já se encontrava ultrapassado o prazo legal máximo de duração da suspensão da execução da pena, razão pela qual a aplicação da medida prevista na alínea d) do artigo 55.º do Código Penal se mostra, à evidência, legalmente inviável.
Nesta perspetiva, surgem em absoluto inócuas, em termos jurídico-processuais, as referências recursórias no sentido de que se deveria ter decidido pela prorrogação do prazo de suspensão da execução da pena de prisão.
Impõe-se, assim, o não provimento do recurso.
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III. Decisão
Pelo exposto, acordam os juízes da 1.ª Secção (Criminal) do Tribunal da Relação do Porto em, negando provimento ao presente recurso interposto pelo Ministério Público, confirmar a decisão recorrida.
Sem custas, por delas estar isento o recorrente (artigo 522º do Código de Processo Penal).
Porto, 25 de junho de 2025
(acórdão assinado digitalmente)
Amélia Carolina Teixeira
Pedro Vaz Pato
Maria Ângela Reguengo da Luz