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CASO JULGADO
AUTORIDADE DE CASO JULGADO
ATOS DO AGENTE DE EXECUÇÃO
EXTINÇÃO DA EXECUÇÃO
Sumário
I – Em sede de caso julgado, só a sua vertente de exceção conduz à absolvição da instância, pois só esta, como exceção dilatória, é que obsta a que o tribunal conheça do mérito da causa (arts. 576º nº2, 577º i) e 580º nº1 do CPC). II – Já a autoridade de caso julgado, enquanto meio de defesa, tem a natureza de exceção perentória: projeta-se no mérito com que há que decidir a ação posterior ao processo de onde emana aquela autoridade. III – Quer a exceção de caso julgado quer a autoridade de caso julgado pressupõem o caso julgado material (art. 619º nº1 do CPC), isto é, o caso julgado decorrente de decisão de mérito proferida sobre relação material controvertida, pois só esta fica a ter força obrigatória dentro do processo em que foi proferida tal decisão e fora dele. IV – As contas elaboradas pelo agente de execução no processo executivo integram atos de caráter executivo sem natureza jurisdicional. V – A extinção da execução, nomeadamente pelo pagamento (art. 849º nº1 do CPC), não é produtora de caso julgado material. VI – O efeito de direito substantivo do facto extintivo da obrigação exequenda (pagamento ou outro) invocado na ação executiva obsta ao êxito duma nova ação executiva, mas não impede a propositura, pelo executado, duma ação de restituição do indevido.
Texto Integral
Proc. n.º 4851/27.7T8PRT.P1
Relator: António Mendes Coelho
1º Adjunto: Maria de Fátima Almeida Andrade
2º Adjunto: José Eusébio Almeida
Acordam no Tribunal da Relação do Porto:
I – Relatório
A..., IPSS, intentou ação declarativa contra:
1. AA;
2. BB;
3. CC;
4. DD;
5. EE;
6. FF;
7. GG;
8. HH;
9. II;
10. JJ;
11. KK;
12. LL;
13. MM;
14. NN;
15. OO;
16. PP;
17. QQ;
18. RR;
20. SS;
21. TT
;
22. UU;
23. VV;
24. WW;
25. XX;
26. YY;
27. ZZ;
28. AAA;
29. BBB;
30. CCC;
31. DDD;
32. EEE;
33. FFF;
34. GGG;
35. HHH;
36. III;
37. JJJ;
38. KKK;
39. LLL;
40. MMM, falecida na pendência da ação, tendo sido habilitados como seus sucessores e para, nessa qualidade, prosseguirem na ação, as suas únicas filhas NNN e OOO (cfr. sentença de habilitação de herdeiros de 02.04.2024);
41. PPP;
42. QQQ;
e
43. RRR.
Deduziu, a final, os seguintes pedidos:
“1. Serem os 1ª a 42º Réus condenados a pagar à Autora, o valor que cada um indevidamente recebeu desta a título de sanção pecuniária compulsória, no âmbito da Execução nº ....1, do Juízo de Trabalho do Porto, Juiz 1, do Tribunal da Comarca do Porto, ou seja, os seguintes valores, aos quais deverão acrescer juros de mora, vencidos e vincendos, desde as datas em que os pagamentos lhes foram realizados (datas que a Autora desconhece e que o 43º Réu deverá informar os autos), até efectivo e integral pagamento: a) A 1ª Ré AA, o valor de € 6.971,31, acrescido de juros de mora, vencidos e vincendos; b) A 2ª Ré BB, o valor de € 3.294,81, acrescido de juros de mora, vencidos e vincendos; c) A 3ª Ré CC, o valor de € 4.787,44, acrescido de juros de mora, vencidos e vincendos; d) A 3ª Ré CC, o valor de € 4.787,44, acrescido de juros de mora, vencidos e vincendos; e) A 4ª Ré DD, o valor de € 6.977,69, acrescido de juros de mora, vencidos e vincendos; f) A 5ª Ré EE, o valor de € 3.315,51, acrescido de juros de mora, vencidos e vincendos; g) A 6ª Ré FF, o valor de € 6.206,68, acrescido de juros de mora, vencidos e vincendos; h) A 7ª Ré GG, o valor de € 10.312,62, acrescido de juros de mora, vencidos e vincendos; i) A 8ª Ré HH, o valor de € 4.382,59, acrescido de juros de mora, vencidos e vincendos; j) A 9ª Ré II, o valor de € 7.216,63, acrescido de juros de mora, vencidos e vincendos; k) A 10ª Ré JJ, o valor de € 11.307,66, acrescido de juros de mora, vencidos e vincendos; l) A 11ª Ré KK, o valor de € 12.313,62, acrescido de juros de mora, vencidos e vincendos; m) O 12º Réu LL, o valor de € 6.439,06, acrescido de juros de mora, vencidos e vincendos; n) A 13ª Ré MM, o valor de € 5.869,93, acrescido de juros de mora, vencidos e vincendos; o) A 14ª Ré NN, o valor de € 2.514,97, acrescido de juros de mora, vencidos e vincendos; p) A 15ª Ré OO, o valor de € 7.918,02, acrescido de juros de mora, vencidos e vincendos; q) A 16ª Ré PP, o valor de € 6.191,62, acrescido de juros de mora, vencidos e vincendos; r) O 17º Réu QQ, o valor de € 7.653,47, acrescido de juros de mora, vencidos e vincendos; s) A 18ª Ré RR, o valor de € 15.648,55, acrescido de juros de mora, vencidos e vincendos; t) A 19ª Ré SSS, o valor de € 671,31, acrescido de juros de mora, vencidos e vincendos; u) A 20ª Ré SS, o valor de € 8.787,85, acrescido de juros de mora, vencidos e vincendos; v) A 21ª Ré TT, o valor de € 10.270,15, acrescido de juros de mora, vencidos e vincendos; w) A 22ª Ré UU, o valor de € 9.209,32, acrescido de juros de mora, vencidos e vincendos; x) A 23ª Ré VV, o valor de € 7.317,06, acrescido de juros de mora, vencidos e vincendos; y) A 24ª Ré WW, o valor de € 10.662,67, acrescido de juros de mora, vencidos e vincendos; z) A 25ª Ré XX, o valor de € 2.260,28, acrescido de juros de mora, vencidos e vincendos; aa) A 26ª Ré YY, o valor de € 3.310,01, acrescido de juros de mora, vencidos e vincendos; bb) A 27ª Ré ZZ, o valor de € 12.325,71, acrescido de juros de mora, vencidos e vincendos; cc) A 28ª Ré AAA, o valor de € 3.429,07, acrescido de juros de mora, vencidos e vincendos; dd) A 29ª Ré BBB, o valor de € 9.388,88, acrescido de juros de mora, vencidos e vincendos; ee) A 30ª Ré CCC, o valor de € 10.457,85, acrescido de juros de mora, vencidos e vincendos; ff) A 31ª Ré DDD, o valor de € 3.291,77, acrescido de juros de mora, vencidos e vincendos; gg) A 32ª Ré EEE, o valor de € 6.836,61, acrescido de juros de mora, vencidos e vincendos; hh) A 33ª Ré FFF, o valor de € 3.907,01, acrescido de juros de mora, vencidos e vincendos; ii) A 34ª Ré GGG, o valor de € 6.597,40, acrescido de juros de mora, vencidos e vincendos; jj) A 35ª Ré HHH, o valor de € 7.627,77, acrescido de juros de mora, vencidos e vincendos; kk) A 36ª Ré III, o valor de € 6.988,66, acrescido de juros de mora, vencidos e vincendos; ll) A 37ª Ré JJJ, o valor de € 9.539,99, acrescido de juros de mora, vencidos e vincendos; mm) A 38ª Ré KKK, o valor de € 12.893,41, acrescido de juros de mora, vencidos e vincendos; nn) A 39ª Ré LLL, o valor de € 2.511,37, acrescido de juros de mora, vencidos e vincendos; oo) A 40ª Ré MMM, o valor de € 4.020,56, acrescido de juros de mora, vencidos e vincendos; pp) A 41ª Ré PPP, o valor de € 6.233,20, acrescido de juros de mora, vencidos e vincendos; qq) O 42º Réu QQQ, o valor de € 2.168,96, acrescido de juros de mora, vencidos e vincendos. 2. Ser o 43º Réu (i) solidariamente condenado a pagar à Autora os valores referidos no ponto anterior e no valor global de €276.224,62, acrescido de juros de mora vencidos e vincendos, bem como (ii) condenado a restituir à Autora o valor que indevidamente recebeu em excesso, a título de honorários cobrados no âmbito da mesma execução, e respectivos juros de mora até efectivo e integral pagamento, a liquidar em momento ulterior, nos termos referidos nesta peça, ao abrigo do art. 556º do CPC, igualmente acrescido de juros de mora, vencidos e vincendos.”
Para tanto, em resumo, alegou a autora os seguintes factos:
- a Autora é uma IPSS (Instituição Particular de Solidariedade Social), constituída sob a forma de Irmandade da Misericórdia, sendo uma instituição de caridade e assistência social, de fins filantrópicos e de utilidade pública, e sem fins lucrativos, assentando a sua ação nas áreas de Intervenção Social, Saúde, Ensino Especial, Educação, Cultura, Culto, Ambiente e Projetos Especiais;
- o Hospital ... – local onde os 1ª a 42º Réus exercem ou exerceram as suas funções como enfermeiros – é um dos muitos estabelecimentos da Autora, vocacionado para a prestação, em princípio remunerada, de serviços de saúde à comunidade, tendo iniciado a sua atividade em 1988, sendo dos primeiros hospitais privados em Portugal, integrado na Rede do Serviço Nacional de Saúde;
- em 2006, os ora 1ª a 42º Réus (e mais alguns trabalhadores que não figuram nesta ação), instauraram ação laboral contra a Autora, a qual correu termos no 2º Juízo, 1ª Secção, do Tribunal do Trabalho do Porto, sob a forma de Processo Comum e com o nº ...;
- na referida ação, por sentença proferida em 23 de Fevereiro de 2007, foi a ora Autora A... condenada a: “(…) 1. Reconhecer que, por cláusula dos contratos individuais de trabalho dos AA.: - as respectivas remunerações não podem ser inferiores às remunerações dosenfermeiros vinculados à função pública, em cada momento em vigor e em idênticas condições, acrescidas de 20%; - para aqueles efeitos, a progressão na carreira da função pública se entende como feita segundo módulos de 3 anos, na progressão de índices fixados para a carreira de enfermagem, independentemente das categorias fixadas naquela carreira; – a pagar aos AA: a) GG, a quantia de € 23.618,85 b) AA, € 3.451,35 c) BB, € 25.809,76 (…) f) CC, € 11.742,87 g) EE, € 12.677,19 h) DD, € 4.758,49 i) FF, € 11.041,27 l) HH, € 12.799,52 (…) n) II, € 8.229,02 o) JJ, € 4.140,68 p) KK, € 4.228,18 q) LL, € 3.268,04 r) MM, € 7.756,83 (…) t) NN, € 6.731,03 u) OO, € 3.953,99 v) PP, € 11.883,55 (…) z) QQ, € 4.249,27 aa) RR, € 23.618,85 ab) SSS, € 33.416,43 ac) SS, € 4.182,39 (…) af) TT, € 6.540,85 (…) ah) UU, € 3.794,38 ai) VV, € 7.657,90 aj) WW, € 23.618,85 al) XX, € 17.542,41 am) YY, € 16.874,78 an) ZZ, € 17.859,25 ao) AAA, € 14.359,91 ap) BBB, € 5.503,19 (…) at) CCC, € 13.760,66 au) DDD, € 13.020,40 av) EEE, € 14.092,52 ax) FFF, € 5.998,59 az) GGG, € 16.949,59 ba) HHH, € 9.451,36 (…) bf) III, € 13.094,02 bg) JJJ, € 8.827,10 bh) KKK, € 1.481,16 bi) LLL, € 15.163,98 (…) bl) MMM, € 12.441,42 (…) bo) PPP, € 14.981,77 (…) bq) QQQ, € 14.799,54, a título de diferenças salariais liquidadas com referência a 31 de Dezembro de 2005”;
- os referidos Réus, considerando que a ora Autora dera cumprimento apenas parcial ao decidido pelo Tribunal do Trabalho, instauraram a Ação Executiva para execução da sentença, no valor de € 807.306,12, ação que correu termos pelo mesmo Tribunal e Juízo, com o nº ....1;
- alegando os ali exequentes (e aqui Réus) que, não obstante a Autora ter pago, na sequência da sentença condenatória, os valores elencados no Ponto 2 do respetivo trecho decisório, esta não cumpriu os restantes pontos da sentença, a saber:
“Não reconhecendo aos exequentes a sua progressão na carreira como feita segundo módulos de 3 anos, na progressão de índices fixados para a carreira de enfermagem, independentemente das categorias fixadas naquela carreira, e, Consequentemente não pagando as diferenças salariais relativas às remunerações a que cada um dos exequentes tem direito até efectiva correcção da remuneração, E não pagando os juros que se tiverem vencido e até efectivo e integral pagamento.”;
- em 23 de março de 2017, o Sr. Agente de Execução nomeado (RRR, com escritório em ...), ora 43º Réu, procedeu à penhora de saldos bancários da aqui Autora, no valor total de €853.000,00;
- o limite da penhora foi fixado em € 847.671,43, correspondendo €807.306,12 à dívida exequenda e €40.365,31 a despesas prováveis;
- citada para o termos da execução, a Autora deduziu oposição à execução mediante embargos, em 27 de abril de 2017;
- em 10 de fevereiro de 2020, a Autora e os aqui Réus acordaram no pagamento parcial da quantia exequenda, no valor de €82.591,12, acrescida dos juros vencidos no valor de €35.643,59, assim como levantar a penhora sobre as contas;
- em substituição do levantamento das referidas penhoras, a Autora deu em penhora a conta poupança no Banco 1... com o n.º ...40-3, no valor de €1.500.0000,00 (um milhão e quinhentos mil euros), ficando os autos a aguardar a prolação de sentença quanto às questões suscitadas nos embargos de executado deduzidos pela Autora;
- na sequência deste acordo, o Sr. Agente de Execução elaborou, regularmente, a conta parcial, tendo a Autora pago, no total, a quantia de € 169.733,26, sendo:
a) € 82.591,12, a título de capital líquido;
b) € 35.643,59, de juros vencidos;
c) € 22.531,54, a título de sanção pecuniária compulsória devida aos exequentes;
d) € 22.531,54, a título de sanção pecuniária compulsória devida ao Estado;
e
e) € 6.435,47, de honorários e despesas do Agente de Execução;
- em 17 de fevereiro de 2020, foi proferida sentença, que julgou os embargos deduzidos pela ora Autora improcedentes, tendo, em consequência, a execução prosseguido para cobrança dos restantes valores peticionados no requerimento executivo;
- os ali exequentes requereram então a transferência do montante penhorado na conta poupança da Autora, no valor de €1.500.000,00, o que aconteceu em 23 de julho de 2020;
- após o pagamento da quantia de € 1.500.000,00, Sr. Agente de Execução informou a Autora que ainda se mantinha em dívida a quantia de € 1.003.419,95;
- face a essa informação, a Autora tentou, por diversas vezes, chegar a acordo com os exequentes para pagamento do montante em falta, contudo sem sucesso;
- consequentemente, inviabilizada pelos exequentes a possibilidade de pagamento dos montantes em falta através da celebração de um acordo;
- o Sr. Agente de Execução voltou a proceder a nova penhora de saldos bancários sobre as contas bancárias da ora Autora, o que ocorreu em 2 de setembro de 2020,
- paralisando praticamente a atividade desta;
- assim, em 2 de setembro de 2020, o Sr. Agente de Execução procedeu à penhora de quase todas as contas bancárias detidas pela Autora;
- no dia 3 de setembro de 2020, o Sr. Agente de Execução enviou à Autora a Conta do Processo, a qual reflete o pagamento de € 1.500.000,00 e o montante de € 1.003.419,95 alegadamente ainda em dívida, a liquidar pelos saldos bancários nesse momento penhorados;
- a ora Autora não deduziu oposição a estas penhoras, nem reagiu à Conta do Processo enviada, uma vez que se encontrava em risco iminente de paralisação da sua atividade, por bloqueamento total das suas contas bancárias;
- a ora Autora encontrava-se numa situação de grande aflição e na iminência de cair numa situação de incumprimento generalizado das suas obrigações, nomeadamente com trabalhadores, prestadores de serviços e fornecedores de bens e serviços, obrigações essas de enorme e indubitável relevância social;
- o pagamento da quantia de € 1.003.419,95 no processo executivo foi concretizado pela entrega dos seguintes saldos penhorados:
- € 185.000,00, em 9.9.2020 (conta do Banco 2... com o IBAN ...06); e,
- € 815.000,00, em 22.9.2020 (conta do Banco 3... Geral com o IBAN ...97);
- e, ainda, através do pagamento voluntário complementar no valor de € 3.419,95, em 4.9.2020 (conta do Banco 3... com o IBAN ...94), após desbloqueio da penhora incidente nessa conta pelo Sr. Agente de Execução;
- Em 9 de dezembro de 2020, o Sr. Agente de Execução elaborou uma 3ª “Conta do Processo”;
- desse documento, importa realçar os seguintes valores, para melhor se perceber os erros manifestos desta “conta”:
“RESPONSABILIDADE DO EXECUTADO: Devido ao Exequente: Capital líquido: 1.485.926,50 € Juros e Imposto de Selo Juros Vencidos: 248.428,18 € (…) (…) Juros compensatórios (50%) 5% 1.485.926,50 € 16-03-2009 a 30-09-2020 427.768,66 € Taxa de justiça auto-liquidada pelo Exequente 51,00 € Honorários e Despesas do Agente de Execução 81.986,21 € Custas de parte 1.224,00 € (…) TOTAL DEVIDO AO EXEQUENTE 2.245.384,55 € Devido aos Cofres Juros compensatórios (50%) 427.768,66 € TOTAL DEVIDO AOS COFRES 427.768,66 € TOTAL APURADO DA RESPONSABILIDADE DO EXECUTADO: 2.673.153,21 €”;
- a elaboração das referidas “Contas do Processo” assentou num erro (crasso), tão básico que a explicação se torna muito simples, da qual resultou um prejuízo de mais de meio milhão de euros para a Autora, erro esse que incide no cálculo da sanção pecuniária compulsória;
- com efeito, na sentença em 1ª instância, proferida em 23 de fevereiro de 2007 e transitada em julgado em 16 de março de 2009, para além dos valores acima elencados a Autora foi condenada a
“Reconhecer que - as respectivas remunerações não podem ser inferiores às remunerações dos Enfermeiros vinculados à função pública, em cada momento em vigor e em idênticas condições, acrescidas de 20%; - para aqueles efeitos, a progressão na carreira da função pública se entende como feita segundo módulos de 3 anos, na progressão de índices fixados para a carreira de enfermagem, independentemente das categorias fixadas naquela carreira.”;
- ora, chegados a 2017, os exequentes, aqui 1ª a 42º Réus, instauraram execução de sentença na qual chegaram a um valor final em dívida pela ora Autora, resultante dos pontos da sentença do Tribunal de Trabalho, de 2007, a que a Autora não dera cumprimento, justamente resultante de não ter reconhecido e aplicado aos ora Réus,
(i) não apenas o posicionamento em determinado escalão remuneratório (função pública + 20%),
(ii) mas também a progressão, em módulos de 3 anos, nos índices fixados para a carreira de enfermagem na função pública;
- sendo assim, os valores que viriam a ser cobrados 11 anos e meio mais tarde, no âmbito da execução, ainda não estavam vencidos no dia em que a sentença declarativa do Tribunal foi proferida;
- e no dia em que esta sentença transitou em julgado (16/3/2009) – data de referência, anos mais tarde, para o cômputo da quantia exequenda, do mesmo modo, não havia um só euro em dívida;
- isto porque, os valores que foram ficando em dívida pela ora Autora aos ora Réus, foram-se vencendo ao longo dos meses e dos anos, na justa medida da exata diferença, em cada mês de vencimento, entre aquilo que deveria ter sido pago aos ora 1ª a 42º Réus, em resultado da sentença declarativa (e do posicionamento e progressão ali ordenados) e aquilo que lhes foi efetivamente pago;
- em cada mês que foi decorrendo desde então, foi essa diferença que ficou em dívida - e não o valor total;
- e à medida que os anos foram passando, em cada 3 anos, essa diferença foi sendo maior, justamente porque em cada 3 anos a ora Autora deveria ter reconhecido, a cada um dos enfermeiros ora 1ª a 42º Réus, a progressão em mais um índice na carreira, tendo por referência os índices fixados para a carreira de enfermagem na função pública;
- equivalendo isto por dizer que a cada 3 anos que foram passando entre a sentença declarativa transitada em julgado em março de 2009 e a liquidação total da dívida, em sede executiva, em setembro de 2020, o montante das diferenças entre
(i) os valores que foram pagos pela ora Autora aos ora 1ª a 42º Réus, a título remuneratório, e
(ii) os valores que deveriam ter sido pagos em estrito cumprimento daquela decisão judicial,
foi aumentando gradualmente;
- e com essa diferença foi também aumentando, proporcionalmente, o montante da sanção pecuniária compulsória;
- aliás, as referidas diferenças salariais foram identificadas e descritas na nota explicativa junta com o requerimento executivo, sendo claro que, à data de trânsito em julgado da sentença, os valores que os Réus reclamaram em sede executiva não estavam vencidos;
- daqui se conclui que os valores devidos aos ora Réus foram-se vencendo gradualmente à medida que os meses e os anos foram passando e foram sendo de montante gradualmente mais elevados também à medida que os anos foram passando, ou, para se ser mais rigoroso, à medida que os módulos de 3 anos foram passando;
- aqui chegados, vencendo-se os valores em dívida gradualmente à medida que os meses e os anos passaram, é forçosa a conclusão de que a sanção pecuniária compulsória (ou, como é costume também ver designado, os “juros compulsórios”, embora não se trate, na realidade, de juros) devem ser contabilizados, separadamente: a partir de cada mês de atraso no cumprimento do julgado pela Autora; e especificamente sobre o valor em dívida, em cada mês;
- embora o Sr. Agente de Execução, nas “Contas do Processo”, tenha identificando os “juros” compulsórios como “Juros Compensatórios”, expressão incorreta e indutora em erro, já que nem se trata, em rigor, de “juros”, nem o fim dessa sanção é o de “compensar” o credor pelos danos sofridos com a mora no cumprimento da obrigação (essa finalidade é prosseguida pelos juros moratórios, quando a eles haja lugar), mas o de forçar o devedor a cumprir, vencendo a resistência da sua oposição ou do seu desleixo, indiferença ou negligência, “sancionando-o” quando não o faz;
- o Senhor Agente de Execução RRR, ora também réu, calculou (quase) corretamente, os juros moratórios vencidos, à taxa anual de 4%, tendo em conta o vencimento gradual das diferenças salariais devidas aos Réus;
- mas calculou, incorretamente, o valor dos “juros” compulsórios (a que chamou juros “compensatórios”) devidos aos ali Exequentes (e ao Estado), os quais foram por si contados desde o trânsito em julgado da sentença declarativa de 2009 e sobre a totalidade do capital em dívida em 2020;
- ou seja, calculou a sanção pecuniária compulsória como se o valor da quantia exequenda estivesse, na totalidade, em dívida desde 16 de março de 2009 e como se os ali exequentes pudessem exigir judicialmente esse montante global desde essa data;
- ou seja, o Sr. Agente de Execução aplicou a taxa de juro de 5% da sanção pecuniária compulsória sobre a totalidade do capital que se mostrou ser devido no processo executivo, e relativo aos acertos salariais resultantes da progressão na carreira das ali Exequentes, o que, em conjunto, totalizou o valor total de €1.403.335,38;
- o que fez desde a data de trânsito em julgado da sentença condenatória (16.3.2009) – altura em que os créditos laborais sobre os quais incidiram os “juros” não estavam, como se disse, ainda vencidos – até à data de pagamento (30.9.2020);
- daí o pagamento, em excesso, por parte da ora Autora, de avultadas quantias a título de sanção pecuniária compulsória (ou “juros” compulsórios), quer aos ora Réus, quer ao Estado (crédito que será reclamado em sede própria), valores que não eram devidos;
- assim que detetou o problema, a Autora apressou-se a contactar o Sr. Agente de Execução, o que fez através do seu diretor financeiro, Dr. TTT, em contacto telefónico, tendo confrontado o referido Réu com o erro por este cometido, solicitando-lhe que corrigisse a situação que ele próprio criou e diligenciasse para que os valores pagos indevidamente fossem devolvidos à Autora;
- a resposta do Sr. Agente de Execução foi, a todos os títulos, surpreendente, tendo informado a Autora que nada estava obrigado a fazer nesse sentido e que o erro que se verificara era um “erro do sistema”;
- em face deste comportamento por parte do Sr. Agente de Execução, a Autora não teve outra solução se não a de interpelar todos e cada um dos senhores enfermeiros, aqui 1ª a 42º Réus, no sentido de lhes explicar o sucedido (caso já não soubessem) e lhes solicitar o reembolso do que haviam recebido a mais;
- assim, em 1 de outubro de 2021, a Autora remeteu uma carta registada a cada um dos referidos Réus, contendo os cálculos específicos relativos a cada um deles, e solicitando-lhe o dito reembolso;
- os destinatários das cartas recusaram efetuar o reembolso solicitado pela Autora.
A seguir a tal factualidade, a Autora detalhou os montantes que considera serem devidos por cada um dos 1º a 42º réus.
Além disso, em síntese dos fundamentos da sua demanda do réu RRR que enunciou sob os artigos 288º a 310ª, alegou ainda relativamente ao mesmo o seguinte:
- em 2 de Setembro de 2020 penhorou excessivamente as contas bancárias da Autora, quase paralisando toda a sua atividade, o que impôs uma pressão desmesurada para a aceitação imediata do levantamento das quantias que o AE calculou nas Contas do Processo que elaborou;
- calculou erradamente a sanção pecuniária compulsória nos termos alegados nos artigos 33º a 287º e alertado para o erro pela Autora, assumiu o erro, mas nada fez, violando diversos deveres legais, estatutários e deontológicos, bem como o direito de propriedade da Autora sobre os saldos bancários penhorados em excesso;
- agiu com dolo, ou pelo menos com negligência grosseira, pois não agiu com o zelo e a diligência profissional a que estava obrigado legal e estatutariamente, conforme alegado nos artigos 288º a 310º, pois podia e devia ter agido de outra forma, quer aquando da elaboração do cálculo da sanção pecuniária devida, quer quando foi alertado para o seu erro pela Autora;
- em consequência, provocou danos à Autora, no valor total de € 552.449,24, referente ao valor pago, em excesso (por não devida), aos trabalhadores e ao Estado, de sanção pecuniária compulsória, do qual metade é peticionado nesta ação;
- e ainda no valor, por agora ainda não quantificado, dos honorários que recebeu em excesso da Autora, e que não receberia se não fosse o valor que incorretamente estabeleceu de “juros” compulsórios a cobrar à Autora.
Os réus contestaram e, entre o mais, deduziram a exceção de caso julgado.
Teve lugar audiência prévia e, sem sede de despacho saneador, depois de se analisar o caso julgado quanto aos seus efeitos “(…) um negativo (excepção de caso julgado), outro positivo, através da autoridade de caso julgado, que impõe a força vinculativa da decisão proferida ao próprio tribunal decisor ou a outro tribunal a quem se apresente a dita decisão anterior como questão prejudicial ou prévia”, veio a ser proferida a seguinte decisão (que se transcreve na parte especialmente atinente aos autos):
“(…) Ora, é precisamente com fundamento na autoridade de caso julgado, que entendemos que as questões suscitadas neste nosso processo pela autora, não podem ser de novo ser apreciadas, estando cobertas incidentalmente pela referida autoridade do caso julgado. Não pretendemos colocar em causa quer a invocada “aflição” da autora durante o processo executivo, nem o (laborioso) cálculo que agora vem trazer à lide. Certo é, porém, que a autora foi sendo notificada das contas elaboradas naquele processo executivo, delas não reclamou no prazo legal para o efeito, extinguindo-se a execução pelo pagamento. No caso dos autos, a autoridade do caso julgado cobre as questões incidentais tratadas na execução e que levaram à decisão de extinção pelo pagamento, não podendo ser de novo apreciadas. Com efeito, o caso julgado material, como autoridade de caso julgado, pressupõe sempre uma relação de prejudicialidade, no sentido de que o fundamento da decisão transitada condiciona a apreciação do objecto da acção posterior, sendo pressuposto necessário da decisão de mérito que nesta venha a ser proferida. A autoridade do caso julgado dispensa a verificação da tríplice identidade requerida para a procedência da excepção dilatória, não dispensando a identidade subjectiva (sendo as mesmas as partes em ambas as acções, desde logo por exigência do princípio do contraditório - art. 3 do Código de Processo Civil), o que significa que tal dispensa se reporta apenas à identidade objectiva, a qual é substituída pela exigência de que exista uma relação de prejudicialidade entre o objecto da segunda acção e o objecto da primeira, ainda que parcial. “A título de exemplo, pronunciou-se o STJ, no acórdão de 02-12-2017, nos seguintes termos “atualmente, a posição jurisprudencial predominante reconhece, na esteira da doutrina defendida por VAZ SERRA (cfr. R.L.J. ano 110º, p. 232) - embora sem tornar extensiva a eficácia do caso julgado a todos os motivos objetivos da sentença / a toda a matéria apreciada, incluindo os fundamentos da decisão ("tese ampla") -, que, apesar da eficácia do caso julgado material incidir nuclearmente sobre a parte dispositiva da sentença, a mesma alcança também a decisão daquelas questões preliminares que constituam antecedente lógico indispensável da parte dispositiva do julgado (isto é, os fundamentos e as questões incidentais ou de defesa que entronquem na decisão do pleito enquanto limites objetivos dessa decisão), em homenagem à economia processual e à estabilidade e certeza das relações jurídicas ("tese eclética")” – sublinhado nosso – (Ac. do STJ, de 02-12-2017, proc. n.º 1565/15.8T8VFR-A.P1.S1, e no acórdão de 26-03-2015, nos seguintes termos “As exceções perentórias, como fundamentos de defesa, traduzem-se em questões fundamentais, preliminares em relação ao thema decidendum, delimitando, negativa e internamente, a pretensão deduzida pelo autor.” – (Ac. do STJ, de 26-03-2015, proc. n.º 1847/08.5TVLSB.L1.S1). A referida tese eclética foi, efetivamente, defendida por Vaz Serra[5] que, em anotação ao acórdão do STJ de 29-06-1976, defendeu a extensão do caso julgado às questões preliminares que constituam o antecedente lógico da parte dispositiva da sentença. Também Lebre de Freitas (Um Polvo…, pag. 697) admite que a matéria atinente a exceções perentórias deve considerar-se abrangida pelo caso julgado, defendendo que “entende-se por questão prejudicial toda aquela cuja solução constitua pressuposto necessário da decisão de mérito, quer se trate de questão fundamental, relativa à causa de pedir ou a uma exceção perentória, quer respeite ao objeto de incidentes que estejam em correlação lógica com o objeto do processo.” Parece também ser esse o entendimento de Mariana França Gouveia, quando afirma que, em casos de improcedência, “as decisões sobre factos principais que enquadram excepções peremptórias alegadas pelo réu têm também autoridade de caso julgado” (“A Causa de Pedir na Ação Declarativa”, 2019, pág. 505).” (Cfr. Ac do STJ de 21.06.2022, disponível em www.dgsi.pt.
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Pelo exposto e tudo ponderado ao abrigo das disposições legais e consideração supra aduzidas, julgo procedente a excepção dilatória de verificação de autoridade de caso julgado e, consequentemente, absolvo os réus da instância.”
De tal decisão veio a autora interpor recurso, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões:
(…)
Os réus apresentaram contra-alegações, pugnando pela manutenção da decisão recorrida.
Foram dispensados os vistos ao abrigo do art. 657º nº4 do CPC.
Considerando que o objeto do recurso, sem prejuízo de eventuais questões de conhecimento oficioso, é delimitado pelas suas conclusões (arts. 635º nº4 e 639º nº1 do CPC), há apenas uma questão a tratar: apurar se ocorre caso julgado conducente à absolvição da instância dos réus.
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II – Fundamentação
Vamos ao tratamento da questão enunciada.
Começamos desde logo por evidenciar um contrassenso que a decisão recorrida encerra: concluindo-se nela que ocorre a figura do caso julgado na sua vertente positiva de autoridade de caso julgado, então não se poderia ter concluído, como se fez, pela absolvição da instância.
Efetivamente, só a exceção de caso julgado (própria do caso julgado material - art. 619º nº1 do CPC) conduz à absolvição da instância, pois só esta, como exceção dilatória, é que obsta a que o tribunal conheça do mérito da causa (arts. 576º nº2, 577º i) e 580º nº1 do CPC).
A autoridade de caso julgado, enquanto meio de defesa, tem, como é sabido, a natureza de exceção perentória [neste sentido, entre outros, vide os Acórdãos do STJ de 10/5/2023 (proc. nº7473/21.6T8PRT.P1.S2) e de 30/4/2024 (proc. nº5765/03.5TVLB-A.L2.S1) e Acórdão da Relação de Coimbra de 25/3/2025 (proc. nº672/23.8TBMBR.C1)], já que, como mesmo disse o Sr. Juiz na sua decisão, citando o Prof. Lebre de Freitas, tem o efeito positivo de impor a primeira decisão como pressuposto indiscutível de segunda decisão de mérito, efeito positivo que assenta numa relação de prejudicialidade, pois que o objeto da primeira decisão constitui questão prejudicial na segunda ação, como pressuposto necessário da decisão de mérito que nesta há de ser proferida (in “Código de Processo Civil Anotado”, vol. 2º, 4ª edição, Almedina, 2019, pág. 599; os sublinhados são nossos).
Isto é, projeta-se no mérito com que há que decidir a ação posterior ao processo de onde emana aquela autoridade.
Deste modo, a considerar-se que ocorria autoridade de caso julgado, então o Sr. Juiz teria que ter proferido uma decisão de mérito e não de absolvição da instância.
Mas continuemos na análise da questão enunciada.
Quer a exceção de caso julgado quer a autoridade de caso julgado, pressupõem o caso julgado material (art. 619º nº1 do CPC), isto é, o caso julgado decorrente de decisão de mérito proferida sobre relação material controvertida, pois só esta fica a ter força obrigatória dentro do processo em que foi proferida tal decisão e fora dele [remete-se também aqui para o “Código de Processo Civil Anotado” de José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, vol. 2º, 4ª edição, Almedina, 2019, pág. 749].
No caso, desde já se adianta, do que tenha sido decidido no processo de execução em referência nos autos não decorre qualquer caso julgado material.
As questões que a autora quer ver decididas com a presente ação, alegando para o efeito toda a factualidade acima referida, são essencialmente estas: a de, por via das contas elaboradas na execução pelo respetivo agente de execução e ora também réu RRR, ter ocorrido pagamento aos exequentes, ora também réus, de quantias superiores às por si devidas; a responsabilização do agente de execução em sede indemnizatória para consigo, responsabilização essa decorrente dos termos em que exerceu as suas funções no âmbito da execução.
A primeira questão, que pela sua própria natureza (por estar referenciada a momento posterior aos pagamentos efetuados na execução) nem sequer podia aí ter sido deduzida em sede de embargos à execução em causa, não foi objeto de qualquer decisão judicial – e note-se que só a decisão de mérito proferida em embargos à execução, como expressamente previsto no art. 732º nº6 do CPC, é que pode ficar revestida de força de caso julgado material, sendo-o este em relação à causa de pedir e aos fundamentos que ali foram invocados (neste exato sentido, vide o Acórdão do STJ de 3/5/2023, proferido no proc. nº1704/21.0T8GRD.C1.S1, disponível em www.dgsi.pt).
A segunda questão, porque só surge com a ação ora interposta pela autora, estava necessariamente afastada de ser efetuada no processo de execução, onde nem sequer era parte o ora réu RRR – do que sempre decorreria que o caso julgado, sob qualquer das suas vertentes (negativa, como exceção dilatória, ou positiva, como autoridade de caso julgado que influencia, como pressuposto, a decisão de mérito a ser proferida na ação posterior), nunca poderia ter lugar em relação a tal réu [pois a vertente negativa, de exceção dilatória, exige a tríplice identidade de sujeitos, de pedido e de causa de pedir, e a vertente positiva, como autoridade de caso julgado, ainda que possa dispensar a identidade de pedido e de causa de pedir, não prescinde da identidade de sujeitos – neste último sentido, entre outros, vide os Acórdãos do STJ de 30/11/2021 (proc. 697/10.3TBELV.E1.S1), de 12/12/2023 (proc. nº141/21.0YHLSB-A.L1.S1) e de 19/9/2024 (proc. nº3042/21.9T8PRT.S2) e o Acórdão da Relação de Coimbra de 11/6/2019 (proc. 355/16.5T8PMS.C1)].
Neste conspecto, falece de todo em todo a argumentação da sentença recorrida quando nela se diz, no sentido do ali decidido, que “(…) a autora foi sendo notificada das contas elaboradas naquele processo executivo, delas não reclamou no prazo legal para o efeito, extinguindo-se a execução pelo pagamento” e, logo no parágrafo seguinte, que “[n]o caso dos autos, a autoridade do caso julgado cobre as questões incidentais tratadas na execução e que levaram à decisão de extinção pelo pagamento, não podendo ser de novo apreciadas”.
Por um lado, as contas elaboradas pelo agente de execução no processo executivo – de que a autora (ali executada) não reclamou – integram “actos de caráter executivo sem natureza jurisdicional” [citamos João de Castro Mendes e Miguel Teixeira de Sousa, in “Manual de Processo Civil”, Vol. II, AAFDL Editora, 2022, pág. 462].
Integrando tais atos tal natureza, é óbvio que não integram uma decisão judicial, sendo que a existência desta é pressuposto manifesto para a ponderação da figura do caso julgado em qualquer das suas vertentes acima referidas.
Por outro lado, a extinção da execução, nomeadamente pelo pagamento (art. 849º nº1 do CPC), não é produtora de caso julgado material.
Efetivamente, como já em 1997 referia o Prof. José Lebre de Freitas [“A acção executiva À Luz do Código Revisto”, 2ª edição, Coimbra Editora,1997, pág. 294], a sentença de extinção da execução, que ao tempo tinha processualmente lugar, integrava uma “providência da esfera executiva, cuja característica de definitividade se coloca tão-só no plano da relação processual, por ela extinta com a mera eficácia de caso julgado formal, não estendendo a sua eficácia para além do processo executivo em que foi proferida”.
Tal análise é de novo reiterada por aquele mesmo professor já em face do Código de Processo Civil de 2013 [“A ação executiva À Luz do Código de Processo Civil de 2013”, 7ª edição, GestLegal, 2017, págs. 417 e 418], onde refere que “(…) atentas a estrutura e a função da ação executiva e a circunstância do atributo de caso julgado às decisões sobre a relação material controvertida (art. 619-1), as quais, por sua vez, pressupõem uma atividade processual desenvolvida em contraditoriedade, defendi, nas edições desta obra anteriores à reforma da ação executiva, que a sentença de extinção da execução não era dotada da eficácia de caso julgado material. Por ela era tão-só verificado o termo da ação executiva e, mesmo quando tal ocorresse por extinção da obrigação exequenda, a sua estrutura continuava a ser duma providência da esfera executiva, cuja característica de definitividade se colocava tão-só no plano da relação processual, por ela extinta com a mera eficácia de caso julgado formal (art. 620). A sentença de extinção da execução não surtia, pois, eficácia fora do processo executivo./ Com a reforma da ação executiva, deixou de ter lugar essa sentença, produzindo-se automaticamente o efeito extintivo da instância (art.849-1). A questão da formação de caso julgado no processo executivo deixou, pois, de se poder pôr. Mas, hoje como ontem, o efeito de direito substantivo do facto extintivo da obrigação exequenda (pagamento ou outro) invocado na ação executiva não deixa de se produzir, obstando ao êxito duma nova ação executiva, mas não impedindo a propositura, pelo executado, duma ação de restituição do indevido” (as palavras em itálico estão assim no texto; os sublinhados e negrito são nossos).
Além disso, adianta-se, não há lugar sequer a qualquer preclusão do direito da autora em ver discutido nesta ação declarativa a primeira questão acima referenciada, por não ter levantado a mesma no processo de execução e na sequência de aí ter sido notificada das várias contas elaboradas pelo agente de execução.
Na verdade, e como também refere o Prof. Lebre de Freitas no mesmo sentido [obra citada por último, págs. 217 e 218], aquele efeito preclusivo “não acontece no processo executivo, em que não há caso julgado (…), pelo que nada impede a invocação duma exceção não deduzida (que não respeite à configuração da relação processual executiva) em outro processo. A decisão neste subsequentemente proferida não tem eficácia no processo executivo, mas pode conduzir à restituição ao executado da quantia conseguida na execução, pelo mecanismo da restituição do indevido” (o sublinhado é nosso; as palavras em itálico estão assim no texto).
Por tudo quanto se expôs, é de concluir que não se verifica a figura do caso julgado no confronto entre a ação ora proposta pela autora e o processo de execução em que a mesma foi executada.
Como tal, há que, julgando procedente o recurso, revogar a decisão recorrida e ordenar que o processo prossiga os seus termos contra todos os réus nele demandados.
As custas do recurso ficam a cargo dos recorridos, que nele decaíram (art. 527º nºs 1 e 2 do CPC).
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Sumário (da exclusiva responsabilidade do relator – art. 663 º nº7 do CPC):
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III – Decisão
Pelo exposto, acordando-se em julgar procedente o recurso, revoga-se a decisão recorrida e ordena-se que a ação prossiga os seus termos contra todos os réus nela demandados.
Custas pelos recorridos.
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Porto, 26/6/2025.
Mendes Coelho
Fátima Andrade
José Eusébio Almeida