Ups... Isto não correu muito bem. Por favor experimente outra vez.
SENTENÇA
DEVER DE FUNDAMENTAÇÃO
EXAME CRÍTICO DAS PROVAS
NULIDADE
Sumário
1. A fundamentação de uma sentença contribui para a sua eficácia, já que esta depende da persuasão dos respectivos destinatários e da comunidade jurídica em geral, constituindo um verdadeiro factor de legitimação do poder jurisdicional. 2. Conexo com tal, é sem dúvida a possibilitação ao tribunal de recurso de proceder ao reexame lógico ou racional que esteve subjacente à decisão, e concomitantemente à reponderação daquela. 3. Tal não é verdadeiramente viável se este Tribunal se depara com a necessidade de valorar um conjunto alargado de prova de mais de uma dezena de testemunhas que aparentemente nunca o foram, ou pelo menos, não se mostra explicitado o sentido em que o tribunal da 1ª instância a apreciou, em conjunto com a restante prova. 4. Esta omissão sobre a valoração daquele conjunto alargado de testemunhas assume uma dimensão tal que contende com a plenitude do exame critico da prova produzida e configura, assim, falta de fundamentação, a determinar a nulidade da decisão, por referência aos artigos 374º nº 2 e 379º nº 1 al.a), ambos do Cód.Processo Penal.
Texto Integral
Acordaram, em conferência, na 5ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa:
I-RELATÓRIO
I.1 No âmbito do processo comum colectivo n.º 9941/17.5T9LSB, que corre termos pelo Juízo Central Criminal de Lisboa - Juiz 15, em que são arguidos AA e outro, melhor identificado nos autos, foi proferido acórdão, no qual se decidiu [transcrição]: “(…) Nestes termos e com os fundamentos expostos, acordam as juízas que compõem o Tribunal Colectivo em julgar a acusação parcialmente procedente por provada e, consequentemente: 1. Condenam o arguido AA pela prática, como autor material e na forma consumada, de dois crimes de prevaricação p. e p. pelo artigo 11.º, por referência ao artigo 1.º. 3.º, alínea i) e 5.º da Lei n.º 34/87, de 16.07, na pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses pelo primeiro dos crimes e na pena de 3 (três) anos pelo segundo dos crimes. 2. Em cúmulo jurídico, condenam o arguido na pena única de 3 (três) anos e 6 (seis) meses, suspensa na sua execução por igual período de tempo, nos termos do artigo 50.º do CP. 3. Condenam ainda o arguido na consequente perda de mandato, ao abrigo do disposto no artigo 29.º al. f) da Lei n.º 34/87, de 16.07. 4. Condenam a arguida BB pela prática de dois crimes de falsificação ou contrafacção de documento, p. e p. pelo artigo 256.º n.º 1 alíneas a) e e) e artigo 255.º alíunea a) do CP, na pena de 4 (quatro) meses de prisão por cada um dos crimes. 5. Em cúmulo jurídico, condenam a arguida na pena única de 5 (cinco) meses de prisão, substituída por 150 (cento e cinquenta horas de trabalho a favor da comunidade), nos termos do artigo 58.º do CP. 6. Absolvem a arguida da prática do crime de burla de que a mesma vinha acusada, p. e p. pelo artigo 217.º n.º 1 e 218.º n.º 2 al. a) do CP. 7. Não declaram perdido a favor do Estado as quantias de 52.318,44€ e 9.840,00€, contrariamente ao requerido pelo M.P., nos termos do artigo 110.º n.º 1 al. b) e n.ºs 4 e 6 do CP. Custas a cargo dos arguidos, fixando-se a taxa de justiça devida por cada um em 3 (três) UC. Deposite. (…)”
»
I.2 Recurso da decisão final
Inconformado com tal decisão, dela interpôs recurso o arguido AA para este Tribunal da Relação, com os fundamentos expressos na respectiva motivação, da qual extraiu as seguintes conclusões [transcrição]: (…) “CONCLUSÕES: I. O presente recurso visa, circunscrito às questões enumeradas, pôr em crise o Acórdão de 1ª instância prolatada em 07-01-2025 no que diz respeito à condenação do Recorrente pela prática, como autor material e na forma consumada, de dois crimes de prevaricação p. e p. pelo artigo 11.º, por referência ao artigo 1.º. 3.º, alínea i) e 5.º da Lei n.º 34/87, de 16 de Julho, na pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses pelo primeiro dos crimes e na pena de 3 (três) anos pelo segundo dos crimes, e, concomitantemente, na perda de mandato, ao abrigo do disposto no artigo 29.º al. f) da Lei n.º 34/87, de 16.07 e ainda, subsidiariamente, à medida da pena em que foi condenado por cada um dos crimes de crimes de prevaricação de na pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses pelo primeiro dos crimes e na pena de 3 (três) anos pelo segundo dos crimes; e, consequentemente, ao cúmulo jurídico das penas. II. O Recorrente não se conforma, nem se podia conformar, com a decisão, porque esta enferma de deficiências e vícios que ferem de forma insanável a conclusão central em que assenta a condenação do Recorrente pelo crime de prevaricação de titular de cargo político – que o arguido AA afastou os trabalhadores CC e DD para criar necessidades de recursos humanos que a … não tinha, de forma a viabilizar os procedimentos de contratação dos seus conhecidos EE e BB porque estes dois teriam substituído nas suas funções os referidos CC e DD –, mas também o processo lógico-racional pelo qual o Tribunal atingiu essa conclusão. Impugnação de facto III. Sem querer cair em sínteses redutoras, para julgar verificada a prática do crime de prevaricação, o Tribunal teve, essencialmente, que julgar provado o que consta nos itens 1, 2, 5, 6, 7, 10, 12, 19, 21, 23, 25, 26, 44, 45, 46 e 51 dos factos provados. IV. No entanto, para o fazer, decidiu incorrectamente sobre a matéria de facto e caiu em contradição insanável entre a fundamentação e a decisão, bem como em erros notórios na apreciação da prova. V. O Tribunal afirma ter firmado a sua convicção valorando “toda a prova produzida, de forma conjugada, crítica e livremente apreciada, segundo juízos lógicos e de experiência comum”, o que claramente não corresponde à verdade, desrespeitando por isso o disposto no artigo 127º do Código Penal - dos depoimentos prestados pelas testemunhas em audiência e das declarações do arguido, resulta exactamente o contrário da decisão que o Tribunal a quo alcançou. Do afastamento de CC para criar a necessidade de contratação de EE VI. No que respeita ao facto dado como provado no ponto 1, nenhuma prova foi feita que permitisse ao Tribunal a quo retirar esta conclusão, sendo esta a premissa que sustenta toda a acusação e que, sem que exista uma única prova, nomeadamente documental ou testemunhal, que pudesse sequer ter indiciariamente resultado do depoimento de, pelo menos, uma das 25 testemunhas que arrolou, foi erradamente provada. VII. Quanto ao facto 2, o Tribunal a quo considerou que o mesmo foi provado na decorrência do “depoimento escorreito, objectivo e espontâneo da testemunha CC, cujo relato relembrado assume contornos de total verosimilhança e credibilidade, tanto mais que a justificação apresentada pelo arguido não colhe qualquer credibilidade.” VIII. No entanto, não obstante tais características atribuídas ao referido depoimento poderem estar correctas, isso não torna o depoimento verdadeiro ou, ainda menos, isento de interesse ou desapaixonado, porquanto a referida testemunha afirmou que se tinha sentido melindrado e que não simpatizava com o arguido pelo que, ainda que tenha afirmado que não tinha nada nem nenhum sentimento de inimizade que o impedisse de falar com verdade na audiência, tal não se mostra credível, quando conjugado com a totalidade do depoimento, conforme se depreende claramente do depoimento daquele (Sessão de 22/10/2024, Minuto 00:00:01 a 00:39:04) em confronto com o depoimento da testemunha FF (Sessão de 12/11/2024, Minuto 00:00:01 a 00:09:58). IX. É que a testemunha FF relata que encontrou o CC no serviço social da ... a conversar com o arguido AA, que este a inquiriu sobre a sua opinião acerca das qualidades pessoais e profissionais daquele e que a conversa assumiu um tom de brincadeira que até a descontraiu a ela, o que contradiz o deposto pelo CC de que estava sozinho com o arguido, ninguém tendo intervindo nessa reunião, e que a conversa não teve o tom descontraído relatado pela FF, não podia, pois ter sido dado como provado o ponto 2 da acusação. X. Também do deposto pela testemunha GG (Sessão de 22/10/2024, Minuto 00:00:01 a 00:26:32) resulta que nem esta testemunha entregou qualquer minuta de pedido de mobilidade à testemunha CC, contrariamente ao que o mesmo afirmou, como entende que a intenção do arguido era reorganizar o quadro de pessoal para que tal lhe permitisse implementar o projecto que, legitimamente, tinha para a ..., sendo que essa era uma decisão política, para a qual o arguido tinha total competência e autonomia, igualmente depondo a testemunha que as mobilidades foram propostas e não impostas, de tal forma que, inclusive, houve quem não tivesse saído e houve quem regressasse à .... pouco tempo depois ou tenha sido convidada a tal. XI. Quanto aos factos 10 e 12, dados como provados com a justificação de que “decorreram da interpretação conjugada e crítica dos vários depoimentos prestados.”, note-se que o 10, “com intuito de alcançar o desiderato formulado no ponto 2,” é meramente conclusivo e totalmente desprovido de suporte probatório e que o 12 “deveria requerer transferência, em regime de mobilidade, para a ...”, não pode sequer corresponder à verdade, já que CC era funcionário da ... e estava em mobilidade na ..., pelo que não podia pedir mobilidade para a ..., dado ser o CC a depor que trabalha na ... desde 2005, tendo iniciado a sua carreira como ... e tendo pedido depois mobilidade para passar para a carreira de ... em 2014, ficando colocado na ..., até 2018. XII. Do depoimento da testemunha HH (Sessão de 05/11/2024, Minuto 00:00:01 a 01:37:25) resulta claramente que, após o regresso do CC à ... ninguém, inclusive o EE, o substituiu nas funções que exercia na ... e que o trabalho que o CC fazia na ..., passar cabos, montar computadores, parametrizar impressoras e dar apoio ao utilizador, segundo as suas próprias palavras corroboradas pelo depoimento do HH, não foi o trabalho feito em momento algum pelo EE. XIII. A única conclusão que se pode retirar daqui é que o Tribunal incorreu em clamoroso erro de julgamento ao julgar provado que o EE foi substituir o CC nas funções que este exercia na .... XIV. Acresce que, a testemunha II (Sessão de 05/11/2024, Minuto 00:00:01 a 00:51:11) que nem sequer havia uma clara necessidade das funções prestadas pelo CC, o que diretamente contradita a ideia que ao afastar-se o CC se criou a necessidade de o substituir, fosse pelo EE, fosse por qualquer outra pessoa. XV. Também testemunha JJ (Sessão de 05/11/2024, Minuto 00:00:01 a 00:19:56) confirma que quem dava apoio informático à ... era a empresa externa ... e que ninguém substituiu o CC nas funções por ele desempenhadas, que o trabalho exercido pelo CC não requeria qualquer … e que após o regresso deste ... o apoio ao utilizador passou a ser “desenrascado” pelo KK que não tinha qualquer formação na área. XVI. Por seu lado, o depoimento LL (Sessão de 05/11/2024, Minuto 00:00:01 a 01:00:51 e Sessão de 12/11/2024, Minuto 00:00:01 a 00:43:04), que esteve presente nas reuniões do AA na ... com o CC, revela que, ao contrário do afirmado por este, o recorrente AA não impôs àquele que regressasse à ..., mais esclarecendo que o próprio CC havia afirmado que gostava de estar na ... onde tinha amigos e inclusive familiares tendo ido para a ... para se reclassificar numa categoria profissional superior. XVII. Mais declarou esta testemunha que após o regresso do CC à ... ninguém foi contratado para o seu lugar, sendo que o apoio informático continuou a ser dado pela empresa ... que já o fazia quando o CC lá exercia funções. XVIII. E, decisivamente, relatou a necessidade que levou a contratação do EE: fazer uma base de dados com as reclamações dos moradores dos … XIX. Sabendo que o Tribunal não refere esta testemunha e muito menos analisou criticamente em sede de fundamentação da decisão de facto o que foi por ela deposto mal se compreende que tenha julgado provado o facto 1, especificamente na parte em que conclui que o EE foi contratado para substituir o CC. XX. Também a ... MM (Sessão de 12/11/2024, Minuto 00:00:01 a 00:39:56) confirma assertivamente a necessidade que levou à contratação do EE: a execução de uma base de dados para reporte à ..., o que nada tinha a ver com as funções desempenhadas pelo CC, desmentindo que este tenha sido substituído pelo EE, igualmente refere um problema nas redes informáticas, corroborando o que foi declarado pelo arguido. XXI. Também o sindicalista NN (Sessão de 12/11/2024, Minuto 00:00:01 a 00:07:41) particularmente atenta a questões relacionadas com trabalhadores do ..., por ser o seu representante sindical, salienta que não teve conhecimento que tivesse havido mobilidades impostas e que houvesse trabalhadores descontentes com as mobilidades efectuadas, salientando a boa opinião eu tinha do arguido. XXII. Todas estas testemunhas convergem no mesmo sentido: (i) A testemunha CC não foi afastada pelo arguido; (ii) EE não foi substituir ninguém, mas sim … o arguido para o levantamento de queixas e elaboração de uma base de dados; (iii) Nessa sequência, foi detectada má gestão/organização/execução do que era o sistema informático da ..., o que impossibilitou a realização da tarefa para a qual o EE tinha sido contratado; (iv) Não foi detectada pelo Sindicato qualquer questão relativa a mobilidades ou outros temas de recursos humanos. XXIII. Entendeu também o Tribunal que o ponto 2 da acusação ficou provado porque o arguido teria contactado OO, com vista a indagar da possibilidade de mobilidade de trabalhadores para a ..., o que o Tribunal a quo estranhou. XXIV. Porém, o OO (Sessão de 22/10/2024, Minuto 00:00:01 a 01:13:59) … confirma que o CC na ... tinha a categoria de assistente técnico e que foi para a ... para se reclassificar como … e ter sido inquirido pela PJ teve o cuidado de questionar a … que fazia o acolhimento pessoal dos trabalhadores regressados para apurar se algum dos funcionários que vindos das … teria manifestado desagrado por tal facto, tendo esta confirmado que não tinha conhecimento que algum funcionário tivesse regressado a contragosto e que, as mobilidades além de frequentes e em número elevado e provenientes de todas as … do …, têm sempre como objectivo a requalificação profissional dos funcionários, que, por via de regra os funcionários preferem exercer funções na ... porque sendo um organismo de muito maior dimensão existem mais oportunidades de progressão. XXV. Por seu lado depõe o PP (Sessão de 22/10/2024, Minuto 00:00:01 a 00:43:07) que o entendimento do recorrente era que a estrutura administrativa da ... era pesada e estava mal organizada, sendo seu desígnio reduzi-la e reorganiza-la, o que recai no âmbito de actuação política do …, e também que, não teve conhecimento que houvesse trabalhadores que tivessem saído em mobilidade contra vontade, e sendo assessor jurídico da ... era natural que lhe tivesse chegado ao conhecimento se de facto tivessem ocorrido as mobilidades impostas. XXVI. Com enorme relevância, até porque estava diretamente implicado foi o depoimento do EE (Sessão de 05/11/2024) Minuto 00:00:01 a 00:56:40), do qual decorre que, quer a função para que foi contratado (elaboração de base de dados do parque habitacional), quer a que maioritariamente desempenhou (radiografia e correcção dos problemas do sistema informático da ...) nada tinham a ver com as funções que o CC exerceu na .... XXVII. Ora, o EE não podia ter sido contratado para substituir CC para resolver os problemas informáticos, pois esses problemas apenas foram detectados na sequência da mobilidade do referido CC e da necessidade que EE tinha de usar o sistema informático para realizar o trabalho para o qual tinha sido contratado! XXVIII. Depõe também que, foi pelo facto de o sistema informático da ... estar eivado de configurações incorrectas e até prejudiciais ao bom funcionamento informático, que não foi possível elaborar a base de dados, o que foi corroborado pelo depoimento da LL e pelas declarações do próprio arguido infra, aquelas ignoradas e estas desvalorizadas pelo Tribunal sem qualquer justificação. XXIX. E, por fim, que não tinha com o arguido AA a relação pessoal subentendida pela acusação e consagrada na sentença justificativa de este querer beneficiá-lo contratando-o para a ..., posto que o tinha conhecido no âmbito de um projecto em que ambos tinham participado, encontrando-o esporadicamente ao longo dos anos, sem manter uma relação pessoal. XXX. Depoimento este que confirma e é confirmado as declarações do arguido AA (Sessão de 19/11/2024, Minuto 00:03:26 a 02:54:14). XXXI. De todos estes depoimentos e declarações conjugados resulta que todo o trabalho informático era realizado pela empresa ... e as funções da testemunha CC eram redundantes, que o estado em que o sistema informático da ... estava, impossibilitou não só a concretização efectiva da tarefa para a qual EE tinha sido contratado, como ainda sujeitava a ... à ocorrência de problemas informáticos graves e que a contratação do referido EE teve como finalidade a criação de uma base de dados, não tendo nunca servido qualquer propósito mascarado de substituir o CC por uma pessoa amiga do arguido. XXXII. Do que viemos de dizer, quer por total ausência de prova corroborativa, quer, sobretudo, pela prova do contrário que resultou da audiência de julgamento, errou o Tribunal ao julgar provados os factos 1 (no que se refere ao CC), 2, 10 (na parte que refere ”com intuito de alcançar o desiderato formulado no ponto 2”) , 12, 44 (no que se refere ao CC), 45, 46 e 51, que, em consequência deverão ser julgados não provados. 404. Quanto aos factos 19 e 21 dados como provados Tribunal fundamenta a sua convicção “na sequência do depoimento do próprio EE que confirmou que não chegou a praticar qualquer tarefa no âmbito dos serviços para os quais foi contratado, embora tentando justificar e desculpar esse facto por força de “dificuldades e problemas informáticos” detectados e com os quais se foi deparando.” 405. O que se estranha, pois nem o próprio CC sabe se e por quem foi substituído após regressar à ..., pelo que, a afirmação de que o foi pelo EE e que essa era a intenção do arguido desde antes da … para a ... não tem qualquer respaldo probatório, sequer do deposto pelo CC, tendo o Tribunal inferido essa conclusão sem qualquer prova que o sustente e tendo abundante prova em sentido contrário. XXXIII. Se o EE tivesse sido avençado para substituir CC, não fazia qualquer sentido que apenas prestasse serviços durante escassos meses, pois que, para que a tese da acusação e do Tribunal a quo vingasse, teria de se verificar uma duração no tempo que justificasse a tal contratação de pessoas próximas, para que existisse um verdadeiro benefício indevido. XXXIV. Estranha-se que o Tribunal a quo, que não será especialista na área ou tenha conhecimentos que o permita afirmar, sem o auxílio de qualquer relatório, perícia ou análise detalhada às questões informáticas que existiam na ..., possa concluir que “nem se vislumbra que “os problemas” encontrados pela testemunha no “sistema informático” da ... impedissem o desempenho das funções que figuravam no contrato e que foram previstas para a sua contratação.” XXXV. Assim, não deveria o Tribunal julgar provados os factos 19 e 21 (na parte que refere “exclusivamente, apenas”) com base nesta fundamentação, pelo que deverão também estes factos serem julgados não provados por esta instância. Concluindo quanto ao crime relativo à contratação de EE XXXVI. o Tribunal a quo incorreu em clamoroso erro de julgamento ao julgar provados, nos segmentos assinalados, os factos 1 (no que se refere ao CC), 2, 10 (na parte que refere ”com intuito de alcançar o desiderato formulado no ponto 2”) , 12, 19 e 21 (na parte que refere “exclusivamente, apenas”), 44 (no que se refere ao CC), 45, 46 e 51, que, em consequência deverão ser julgados não provados pelo Tribunal ad quem, devendo em consequência ser absolvido o arguido. Da responsabilidade do arguido nas contratações em causa XXXVII. Quanto ao facto provado 5, recorde-se que quem conduz os procedimentos de contratação são os serviços da contratação pública e que quem adjudica é o … da ..., que é o órgão competente para a decisão de contratar e que não obstante o arguido ser o ... desse ..., nenhuma prova foi feita que o mesmo impusesse a sua vontade nas votações, pelo que não podia este ponto ter sido dado como provado. XXXVIII. Nesse sentido, são unânimes os ... II (Sessão de 05/11/2024, Minuto 00:00:01 a 00:51:11), JJ (Sessão de 05/11/2024, Minuto 00:00:01 a 00:19:56), QQ (Sessão de 12/11/2024, Minuto 00:00:01 a 00:33:19). XXXIX. No que se refere ao facto provado 6 se alguma coisa resultou destes depoimentos foi o inverso: os procedimentos de contratação nem sempre são desencadeados pelo …, mas sim pelos elementos do ... que sinalizam a necessidade de contratar, sendo esses os responsáveis por identificar o prestador de serviços e, eventualmente, proceder ao seu convite. XL. Na verdade, quanto aos factos 6 e 7, retira-se do deposto pelos ... e, também pela jurista RR (Sessão de 22/10/2024, Minuto 00:00:01 a 01:07:51), que não havia qualquer imposição ou indicação do arguido quanto ao sentido de voto e que eram inteiramente livres para votarem como entendessem, confirmando não só a colegialidade das decisões de aquisição de bens e serviços, como também, que não havia influência do arguido na forma como votavam as propostas de contratação, algumas das quais eram da iniciativa de outros …. XLI. Especificamente quanto à justificação formal da contratação da BB para serviços de apoio à ..., resulta do depoimento da MM (Sessão de 12/11/2024, Minuto 00:00:01 a 00:39:56) que não só não era o recorrente AA que determinava a formalidade da contratação, incluindo o objecto que se fazia constar dos contratos, como também que eram seguidas as indicações dos serviços jurídicos, em quem se depositava inteira confiança e que, inclusive tinham autonomia para sugerirem a justificação formal do contrato, pelo a ter havido alguma ilegalidade a este respeito, o que não se concede, não seria imputável ao arguido mas aos serviços jurídicos encarregues de zelar pelo cumprimento da legalidade formal na contratação e que determinaram que a contratação fosse feita com esse objecto. XLII. O Tribunal a quo incorreu, também a esta parte, em clamoroso erro de julgamento ao julgar provados, nos segmentos assinalados, os factos 5, 6 e 7 que, em consequência deverão ser julgados não provados. Do alegado afastamento de DD para criar a necessidade de contratação de BB 406. A este respeito face ao deposto pela DD (Sessão de 22/10/2024, Minuto 00:00:01 a 00:26:38), conjugado com o que disseram a LL (Sessão de 05/11/2024, Minuto 00:00:01 a 01:00:51 e Sessão de 12/11/2024, Minuto 00:00:01 a 00:43:04) e SS (Sessão de 12/11/2024, Minuto 00:00:01 a 00:26:10) e à luz daquilo que são as regras da experiência comum é óbvio o ressentimento sentido pela DD por ter sido recolocada na ..., o que deveria, no mínimo, ter suscitado dúvidas ao julgador relativamente a credibilidade do relato o que, infelizmente, não foi o caso, com reflexo naquilo que é a consideração do princípio in dúbio pro reo como fio condutor da atividade decisória do Tribunal. XLIII. Quando à substituição da DD pela BB, do deposto pela testemunha RR (Sessão de 22/10/2024, Minuto 00:00:01 a 01:07:51) e GG (Sessão de 22/10/2024, Minuto 00:00:01 a 00:26:32), mas sobretudo da testemunha HH (Sessão de 05/11/2024, Minuto 00:00:01 a 01:37:25) ressalta o erro inapelável em que incorreu o Tribunal a este respeito. XLIV. A testemunha HH, não obstante, ter sido minuciosamente escrutinada pelo Tribunal e pelo Ministério Público afirmou, do início ao fim da sua inquirição, de forma clara e coerente, quais as suas funções, as da DD, as funções que BB tinha sido contratada para desempenhar inicialmente e quando e por que motivos passou a referida BB a desempenhar funções de apoio à .... XLV. De forma particularmente acutilante, do depoimento da testemunha HH resulta inequivocamente que: (i) Até final de 2017 a testemunha exercia funções nos recursos humanos da … sendo que a …, incluindo … estava confiava à DD; (ii) Após a passagem HH para a …, este passou a exercer sozinho as funções que cabiam a DD, …, a acrescer às suas próprias funções enquanto …, apesar de ter trabalhado com a DD num curto período de 1 mês no final de 2017 em que aquela fez …; (iii) Foi ele, HH, que substituiu a DD nas tarefas … executadas por aquela após a sua ida para a ...; (iv) A BB foi exercer funções de … analisando os …, produzidos pela …, mas não os elaborava, sendo as suas funções de … que em nada se confundem com o … feito pela DD; (v) Só 2 anos depois da sua contratação é que a BB, por sugestão do próprio HH, foi exercer funções diretamente na …, por força do trabalho acumulado e do trabalho que, entretanto, acresceu ao serviço de …; (vi) Sendo de forma absolutamente peremptória afirmado pela testemunha que a BB não entrou para a ... para prestar funções na … após a saída da DD, funções essas que passaram a ser asseguradas por si, sendo que a BB foi desempenhar as funções de … para a …. XLVI. Quanto aos fundamentos da contratação de BB, atente-se nos depoimentos dos ... TT (Sessão de 22/10/2024, Minuto 00:00:01 a 00:18:33) e II (Sessão de 05/11/2024, Minuto 00:00:01 a 00:51:11) e nas declarações do arguido (Sessão de 19/11/2024, Minuto 00:03:26 a 02:54:14) coincidentes em afirmar que todo o ... da ... tinha conhecimento e tinha aprovado este contrato, tendo sido uma decisão colegial e não pessoal. XLVII. Sendo todos os depoimentos coincidentes no sentido que a DD foi substituída pelo HH e a BB foi contratada para funções de …, evidentemente que recolocação da DD na ... não teve como efeito criar uma necessidade na … que cumprisse suprir. Em conclusão quanto ao crime relacionado com a contratação da BB, XLVIII. Assim, na sequência de tudo o que vem de se expor, não podiam ter sido também dados como provados os factos 1 (na parte referente a BB), 23 (na parte “De modo a criar a necessidade de contratar a sua conhecida BB“), 25, 26 (na parte “para prestar funções no serviço de apoio à …”), 44 (na parte referente a BB), 45 (na parte referente a BB), 46 (na parte referente a BB), por serem, em tudo, contrariados pela prova produzida em audiência de julgamento. XLIX. Decidindo o Tribunal ad quem no sentido propugnado, como entendemos impor-se, face ao que resultou da prova produzir em audiência, julgando não provados os factos e segmentos acima elencados, irá consequentemente absolver o recorrente AA também do crime de prevaricação imputado pela contratação da BB. Da contradição entre factos provados e a fundamentação – artigo 410, n.º 2, alínea b), CPP L. O Acórdão julgou provado que o afastamento da DD das funções que exercia na … foi para permitir a contratação da BB para essas funções, (factos provados 1, 24, 25 e 44), simultaneamente julgado não provado que a mesma foi convidada para exercer funções de … (facto provado 3), e contraditoriamente reconhecendo, em sede de fundamentação (págs. 20, 6.º parágrafo, 22, 4.º e 5.º parágrafos, 23, 2.º parágrafo e 25, 1.º parágrafo do Acórdão), que a BB foi contratada para exercer funções de …, só cerca de dois anos mais tarde tendo ido desempenhar funções no apoio à …, incorrendo em contradição entre factos provados e a fundamentação. LI. Por um lado, o Acórdão julgou provado que o recorrente AA afastou a DD das funções que exercia na ... da ... com a intenção de criar uma necessidade que permitisse a contratação da sua conhecida BB para substituir aquela nas funções que exercia na ... e, por outro, na fundamentação da decisão de facto, o mesmo Acórdão reconhece que as funções que a BB foi exercer na ... foi, durante cerca de dois anos, as de ... política do ... – o arguido AA – para a área financeira e que quem fazia a ... da ... após a saída da DD foi o HH. LII. Destarte, ao julgar provado que a intenção concretizada do arguido AA foi substituir a DD na ... pela BB, simultaneamente reconhecendo que esta foi exercer funções … durante dois anos, só indo apoiar o ... HH dois anos depois, o Acórdão entrou em clara contradição, pois que se a BB tivesse ido substituir a DD teria exercido as suas funções na ... desde que começou a trabalhar na ..., e não como ... do .... LIII. Pelo que, julgando provados os factos acima elencados e reconhecendo na fundamentação o contrário do teor daqueles, o Acórdão recorrido incorreu em contradição insanável entre os factos provados 1, 24, 25 e 44 e a fundamentação, ou entre a fundamentação e é decisão de facto quanto àqueles factos – artigo 410, n.º 2, alínea b), CPP –, vício que fere inapelavelmente a condenação do arguido AA quanto ao crime de prevaricação que se refere a contratação da BB, pelo que, também por isto deve ser o arguido absolvido desse crime. Impugnação de direito Do não preenchimento do tipo objectivo e subjectivo do crime de prevaricação pelo recorrente .... Os requisitos objectivos e subjectivos do crime de prevaricação ,são concretizados na tese acusatória como tendo o recorrente, no seu âmbito funcional de ... da ..., com a consciência de que estava decidir contra princípios jurídicos enformadores da actividade administrativa, afastou os funcionários CC e DD das funções que exerciam com o propósito de criar uma necessidade de outra forma inexistente que viabilizasse a contratação do EE e da BB para substituir aqueles nas funções que exerciam. LV. Porém, quanto ao tipo objectivo: (a) Há prova positiva que o EE não foi exercer as mesmas funções do CC na ... e que ninguém veio exercer as funções por este desempenhadas, mesmo após a saída do EE da ..., bem como, o … à ... era prestado pela empresa ... e não pelo CC ou EE; (b) A prova dos autos desmente, pois, que o regresso do CC em mobilidade para a ..., tenha criado uma necessidade na ... e que esta tenha sido colmatada com a contratação do EE; (c) Igualmente há prova inequívoca que, após a ida da DD para a ..., a ... da ... passou a ser assegurada pelo HH que até esse momento desempenhava funções nos … da ..., (d) E também que a BB foi contratada para desempenhar as funções de ... financeira da ..., funções que efectivamente desempenhou, só um ano após ter iniciado tais funções na ... ter ido apoiar o responsável pela ... HH, a pedido deste; (e) Consequentemente, a prova produzida afasta decisivamente a hipótese que a recolocação da DD tenha criado uma necessidade na ... suprida pela contratação da BB, posto que foi o HH que nessa altura passou a assegurar a ... da ... em substituição da DD sem a colaboração da BB que só um ano depois foi dar-lhe apoio; (f) Igualmente a prova evidencia que a forma de contratação do EE e BB não foi definida pelo arguido, mas sim pelos juristas responsáveis pela contratação pública da ...; (g) Por último, toda a prova é concordante e convergente no sentido de que a decisão de contratar o EE e BB foi uma decisão colegial do... sendo votada pelos ... e não uma decisão singular do recorrente AA ou imposta por este ao .... LVI. Assim, a conduta do recorrente não preenche o requisito objectivo do tipo porque a prova nos autos demonstra que não afastou o CC e a DD para abrir caminho para a contratação do EE e BB a quem supostamente queria beneficiar, porquanto estes não substituíram o CC e a DD, pelo que não violou os princípios de direito administrativo citados no Acórdão, portanto, não decidindo contra direito. LVII. Quanto ao requisito subjectivo, sabendo que a conduta é imputada a titulo de dolo directo e que o recorrente não decidiu singularmente as contratações do EE e BB, que foram objecto de decisão colegial, nem a forma de contratação, da responsabilidade dos juristas da ..., não pode ter consciência que aquelas contratações violassem qualquer norma ou princípio aplicável porque a consciência da ilicitude exige que o agente tenha o domínio do acto o que necessariamente implica autonomia decisória. LVIII. Ou seja, se a prática do acto supostamente ilícito requer o concurso de vontades convergentes, o agente, o aqui recorrente, não pode ter consciência da ilicitude se a prática do acto depender também da vontade de terceiros cuja determinação não depende de si, pelo que a conduta do recorrente também não preenche o requisito subjectivo do tipo. LIX. Por outro lado, se o recorrente, estava convicto da legalidade da forma da contratação porque a mesma foi determinada pelos juristas responsáveis pela contratação publica, a quem o recorrente informou das funções que determinaram a contratação e que iriam desempenhar na ..., não sendo responsável por esta, não se pode inferir a consciência da ilicitude pela eventual discrepância entre as funções constantes do procedimento e as exercidas. LX. Por último, quanto ao requisito subjectivo, sendo a prevaricação um crime doloso, o que significa que o agente deve atuar com consciência e vontade de praticar o acto ilegal, para que haja punição, é necessário provar que o titular do cargo político sabia que a decisão era ilegal (ou seja, a violação do direito era manifesta e inequívoca); e agiu intencionalmente para favorecer ou prejudicar alguém. LXI. Contudo, sabendo que (i) a conduta do Recorrente não lhe trouxe qualquer benefício, legítimo ou ilegítimo, nem sequer às pessoas contratadas, como reconheceu a sentença, (ii) os valores auferidos por BB e EE foram devidos como retribuição das funções por eles efectivamente desempenhadas (iii) as suas contratações foram efectuadas dentro das competências atribuídas à ... e no cumprimento de todas as normas legais directamente aplicáveis (iv) a necessidade de contratação dos serviços daqueles existia e foi devidamente fundamentada, é patente que o recorrente não agiu com culpa, não tendo intenção de violar o direito, nem antecipou ou previu que a sua conduta prejudicasse ou beneficiasse terceiros, pelo que não podia ter consciência da ilicitude. Da legitimidade do recorrente LXII. Sendo certo que o arguido não foi o (único) responsável pela decisão de contratar o EE e a BB que foi tomada por todos os ... do ... da ..., e que, segundo a acusação, essa decisão, preenche o requisito do tipo “decidir contra direito”, não pode ser responsabilizado como o autor material do facto que corporiza o ilícito que resulta da decisão coletiva. LXIII. Sabendo que o arguido não determinou por si só a contratação do EE e a BB que requereu a manifestação de vontade de todos os ... do ... da ..., e, sendo certo que segundo a acusação, essa decisão, preenche o requisito do tipo “decidir contra direito”, o recorrente não pode ser responsabilizado em separado porque uma parte da premissa acusatória – comum a ambos os crimes – depender de uma vontade colegial, verificando-se, por isso, ilegitimidade passiva do arguido. Dos limites da livre apreciação da prova LXIV. O Acórdão agora posto em crise, de forma deliberada, optou por dar prevalência a um meio de prova sobre outro sem nenhuma razão atendível, não entendendo sequer pertinente fundamentar de forma mais detalhada e objectiva quer a credibilidade que lhe mereceram os depoimentos do CC e DD, quer a falta de credibilidade que, a seu ver, ferem os depoimentos do EE e as declarações do aqui Recorrente quando divergiram do deposto por aquela testemunha, quer ainda, a total desconsideração dos depoimentos das testemunhas HH, LL, PP, UU, TT, KK, JJ, NN, SS, que nem sequer são mencionados no Acórdão, mas que depuseram em sentido contrário ao que foi julgado provado. LXV. Mesmo relativamente às testemunhas mencionadas no Acórdão como contribuindo para a formação da convicção, os ... da ..., II, JJ e MM, RR, e a …, GG, o Tribunal optou por retirar dos depoimentos destes as partes uteis à tese que sufragaram, desconsiderando tudo o demais dito por estas testemunhas que não convinha à tese acusatória LXVI. Mais: o Tribunal entendeu caber nos seus poderes de livre apreciação da prova, inferir factos (vg. que o arguido decidiu que, caso viesse a ser eleito ... da ..., determinaria a contratação de pessoas da sua confiança para exercerem funções que já se encontravam a ser desempenhadas por outros funcionários da referida ..., substituindo-os e que tenha afastado o CC e a DD com a intenção de criar a necessidade de contratação do EE e BB), quando nenhum meio de prova suporta essa conclusão. LXVII. A opção por uma versão em confronto com outra sem ser invocado um fundamento válido para a preterição, mais que ser essa a impressão que o julgador retirou, é perigosamente aproximar a liberdade de apreciação da prova ao julgamento arbitrário, pelo que tal falta de coerência na análise probatória do Tribunal a quo irá dar origem a uma violação lata de vários princípios do ordenamento processual penal português, nomeadamente o da igualdade de tratamento e o dever de fundamentação do Acórdão - ambos, concretamente, com respaldo constitucional. LXVIII. Com efeito, se o artigo 127° do CPP consagra aquilo que é um consabido princípio de livre apreciação da prova, tal não significa que qualquer apreciação probatória do julgador possa, sem mais, ser automaticamente aceite – devendo, por isso, em certos e determinados casos, em que existem várias versões (e lastros probatórios) em conflito, ser especialmente analisada e profundamente fundamentada não podendo desconsiderar – por justificação ou apelo ao princípio da livre apreciação da prova – qualquer dos contributos trazidos por todos os intervenientes, não podendo sobretudo considerar (sem qualquer outra justificação que não sejam aqueles critérios de experiência comum) valorar um em detrimento (injustificado) de outro, ou até inferir um facto não suportado em prova cabal e que não permita qualquer dúvida razoável face às circunstâncias do caso. LXIX. No fundo, o Tribunal a quo não podia desconsiderar – por apelo ao princípio da livre apreciação da prova – qualquer um dos contributos probatórios trazidos por todos os intervenientes, não podendo, sobretudo (sem qualquer outra justificação que não sejam aqueles critérios de experiência comum), valorar um em detrimento (injustificado) de outro, ou até inferir um facto não suportado em prova cabal e que não permita qualquer dúvida razoável face às circunstâncias do caso (vg. inferindo o afastamento do CC para o substituir pelo EE e o afastamento da DD para a substituir pela BB – mesmo reconhecendo que esta foi substituída nas suas funções pelo HH – julgando provada essa intenção do arguido). LXX. Antecipa-se, aqui, a possibilidade, com a qual não se concorda, de ser futuramente mobilizado o já estafado argumento que a convicção do juiz que, mercê da imediação com as provas, colheu a impressão directa e mais genuína destas e que, ainda que não seja a mais plausível ou razoável, desde que o acervo probatório admita a convicção em que se apoia a decisão, aquela fica excluída da possibilidade de censura pelo juízo recursivo, mesmo que as provas possibilitassem outra convicção e que esta seja mais plausível face às mesmas provas e às regras da experiência comum, LXXI. Para esta linha argumentativa a convicção, desde que não seja arbitrária enquanto crença íntima infundada objectivamente e sendo perceptível o percurso lógico percorrido pelo julgador para chegar à decisão, seria inapreciável em recurso, por não caber ao Tribunal ad quem questionar aquela. LXXII. No entanto, a convicção retirada do contacto directo com as testemunhas não tem que necessariamente ser a mais correcta: ainda que tenha suporte nas provas, encontrando naquelas fundamento fáctico, e que não seja destituída de lógica ou razoabilidade, a convicção do julgador em que se alicerça a decisão pode, no entanto, não ser a mais correcta caso se demonstre que uma outra conclusão de facto era mais plausível e razoável face às mesmas provas e às regras da experiência comum. LXXIII. O princípio da livre apreciação da prova apenas garante que o julgador não está vinculado a qualquer critério preexistente (excepto quando os mesmos resultam da lei, por exemplo na prova pericial) condicionante da sua convicção no exame das provas que lhe são submetidas. e não que esta convicção livremente formada está excluída da sindicância do Tribunal de recurso. LXXIV. Não havendo, assim, decisão judicial isenta de indagação pelo Tribunal de recurso não obstante ser fundamentada, justificada e razoável, cabendo sempre a este efectuar o reexame das provas, verificando se outra solução não é mais correcta ou justa. LXXV. Interpretação inversa do artigo 127.º CPP sempre redundaria numa violação da garantia constitucional do duplo grau de jurisdição (artigo 31.º, n.º 1, da CRP), no sentido em que não haveria assim lugar à (re)apreciação da matéria de facto por um Tribunal de recurso, que se limitaria a verificar se a decisão estaria formalmente justificada e encontra apoio nas provas, impondo-se ao Tribunal de recurso a obrigação de verificar se a convicção livremente formada em primeira instância é a mais razoável ou plausível face às provas assegurando um efectivo duplo grau de jurisdição em matéria de facto e de direito. LXXVI. Contudo, caso venha a ser entendido por este Venerando Tribunal que não pode sindicar a decisão condenatória porque esta encontra fundamento na prova e não é irrazoável, estando a convicção subjacente subtraída à censura do Tribunal de recurso por força da livre apreciação da prova, desde já se invoca a inconstitucionalidade desta interpretação normativa do artigo 127.º, do CPP, por violar o artigo 31.º, n.º 1 da CRP, que consagra o direito ao recurso enquanto garantia de defesa em processo penal, fundamento constante da alínea b), do n.º 1, do artigo 70.º da Lei 28/82, de 15/Novembro (Lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, abreviadamente LTC). Do princípio da igualdade de tratamento e igualdade de consideração de prova LXXVII. Com o propósito de efetivar e garantir um processo equitativo, a igualdade de armas (ou equidade em sentido estrito) requer que cada uma das partes no processo possa sustentar a sua posição em condições tais que a não coloquem em desvantagem em relação à parte adversa. LXXVIII. Sendo um dos grandes princípios estruturantes do moderno processo penal, a igualdade processual, ou a "igualdade de armas", deve assumir-se como instrumento de realização dos direitos estabelecidos a favor da acusação e da defesa, ganhando conteúdo a ideia de que a igualdade de armas significa a atribuição à acusação e à defesa de meios jurídicos igualmente eficazes para tomar efetivos aqueles direitos. LXXIX. A igualdade de armas num plano processual de administração das provas, significa que qualquer um dos sujeitos processuais interessados, nomeadamente o arguido, deve ter a possibilidade de convocar e interrogar as testemunhas nas mesmas condições que os sujeitos processuais adversos. LXXX. Já numa dimensão substantiva, a igualdade de armas como garantia do processo equitativo, impõe a consideração das provas pelo julgador num plano de paridade em que nenhum sujeito processual tenha vantagem sobre o oposto, com o sentido do processo de consideração probatória se deve apenas ater ao mérito intrínseco da prova e à concordância e convergência com outros meios, abstraindo-se o julgador da maior proximidade que sinta por uma das teses em confronto. LXXXI. Assim, ao optar por, deliberadamente dar prevalência a um meio de prova sobre outro sem nenhuma razão atendível (depoimento das testemunha CC e DD versus EE e declarações do arguido), por desconsiderar prova positiva do contrário do facto julgado provado (depoimento das testemunhas HH e LL) e por julgar provados factos que não têm arrimo em prova alguma disponível nos autos (intenção de substituir a DD pela BB), incorreu o Tribunal a quo, também, em violação do princípio da igualdade de armas e, nesse sentido, numa violação do artigo 20.º, número 4 da CRP o que desde já, para todos os efeitos legais, se invoca. LXXXII. Caso venha a ser entendido por este Venerando Tribunal que o Tribunal a quo poderia propugnar automaticamente uma simples valoração não justificada e abalizada de um meio de um prova em detrimento de outro, por força da livre apreciação da prova, desde já se invoca a inconstitucionalidade desta interpretação normativa do artigo 127.º, do CPP, por violar o artigo 20.º, número 4 da CRP, que estipula o princípio da igualdade de armas e a necessidade de um processo equitativo, mesmo ou especialmente, no processo de consideração probatória. Da falta de fundamentação do Acórdão LXXXIII. Em sede de fundamentação, o Acórdão posto em crise: (i) Explicita de forma tabelar e manifestamente insuficiente, porque valorizou decisivamente os depoimentos do CC e DD; (ii) Justifica com argumento de senso comum a desvalorização do depoimento do EE, em questões de ciência (informática) que não domina e que, aliás, foram corroborados indirectamente por outros meios de prova; (iii) Não clarifica de todo (nem mesmo para os descartar) porque desconsiderou (ignorou) os depoimentos do HH, da LL, e das demais testemunhas que nem sequer menciona, sendo que depuseram sobre factos relevantes para o preenchimento do requisito objectivo em sentido contrário à decisão; (iv) Não fundamenta porque se socorre da parte do depoimento de testemunhas – vg. MM e II – na parte que entende sustentar a convicção desconsiderando o que não interessa à tese que acolheu; e (v) Não fundamenta como concluiu os factos que preenchem o requisito subjectivo, literalmente inferindo a consciência da ilicitude. LXXXIV. Porém, para cumprir as exigências legais de fundamentação, o Tribunal a quo tinha que considerar, numa primeira fase, todos os contributos recolhidos por todos os intervenientes processuais, sendo que, aí sim, sempre teria criticamente pronunciar-se sobre eles, o que não fez, deixando o Recorrente num patamar de quase non liquet, demasiado condicionado pelo pesado legado da acusação prolatada pelo MP, e por aquilo que foi o parco e desconexo contributo do CC e DD e que constitui apenas um dos pontos de análise possível de uma realidade complexa e poliédrica, desvalorizando as declarações do arguido e da testemunha EE e ignorando o relatado pelas testemunhas HH e LL, entre outros, pelo que a necessidade de motivação do Acórdão tem-se por essencial, não só para todos os intervenientes processuais, mas também, pela globalidade da comunidade extrasistema. LXXXV. Não se pode aceitar que o Tribunal a quo tenha feito, como fez, uma mera indicação dos factos dados como provados e depois uma enumeração genérica das provas em que baseou a sua convicção, rematando com algumas considerações sobre a impressão que colheu da prova, esperando que tal esforço fosse suficiente para considerar que tal pudesse, por si só, fundamentar especialmente a decisão prolatada. LXXXVI. É que, para cumprir o dever de fundamentação a que está legalmente obrigado, o Tribunal tem que considerar, numa primeira fase, todos os contributos probatórios trazidos por todos os sujeitos, o que implica considerar todos os depoimentos sobre os factos sujeitos à sua apreciação, e, em fase de análise critica da prova, debruçar-se criticamente sobre eles, sobrelevando uns e descartando outros, mas sempre explicitando clara e objectivamente as razões que o levam a esse entendimento. LXXXVII. Com tal excurso, e em estrito cumprimento do consignado pelo artigo 412.º, número 2 do CPP, sempre se dirá que violou o Tribunal a quo as consignações relativas à exigência de fundamentação do Acórdão, previstas enunciativamente nas seguintes disposições: 97.º, número 5 e 374.º, número 2 do CPP e artigo 205.º, n.º 1 da CRP, que sempre deveriam ter sido interpretadas e aplicadas com o suficientemente exposto supra. LXXXVIII. Para os efeitos previstos no artigo 70.º, 1, b), da Lei 28/82, de 15 de Novembro, desde já se suscita a inconstitucionalidade dos artigos 97.º, n.º 5 e 374.º, n.º 2 do CPP quando interpretados no sentido que a obrigação de fundamentação decorrente daqueles normativos não obriga à explicação da prevalência de determinados meios de prova em detrimentos de outros, da opção do julgador por considerar credível parte da declaração de um sujeito processual e não credível o restante, por violação artigo 205.º, n.º 1 da CRP. Da violação do in dúbio pro reo e das garantias constitucionais do artigo 32.º da CRP LXXXIX. Os pontos indicados supra relacionados com a matéria de facto, deveriam ter sido suficientes, aquando da apreciação dos meios probatórios ali referidos, para suscitar no Tribunal recorrido dúvidas que sempre teriam que ser tratadas e enquadradas num modelo de aceitação dos mais elementares princípios de direito penal e aí, a consideração do princípio da presunção da inocência, através, principalmente de uma das suas manifestações, o princípio in dúbio pro reo, era fundamental. XC. Fundamental precisamente porque o papel do Tribunal a quo era partir da consideração de inocência do arguido, aqui recorrente, para o exame da panóplia de meios probatórios ao dispor, e não, como fez, partir da sua pré-culpabilidade para, eventualmente, recolher indícios que a contrariassem. XCI. Porém, o Acórdão recorrido está eivado de deficiências que patenteiam o desrespeito pelo princípio da presunção de inocência: (i) Propugna uma análise parcelar, quasi automática, da factualidade existente, com a desconsideração ou parcial dos depoimentos de testemunhas na parte divergente com os itens acusatórios; (ii) Sendo que o Tribunal a quo partiu já de um quadro de condenação assegurada, onde parece que se limitou a perpetuar um “esforço” de box-ticking dos factos presentes na acusação: primeiro daqueles que sempre seriam secundários, forçando os primários; (iii) Sem respeito pelo dever, quer, numa primeira fase pelo MP, e depois pelo próprio Tribunal a quo, de aprofundamento das técnicas de investigação e apuramento da verdade, com completa violação e subversão dos princípios mencionados! XCII. Certo é que, quando a conclusão retirada pelo Tribunal em matéria de prova se materialize numa decisão contra o arguido que não seja suportada de forma suficiente, de modo a não deixar dúvidas irremovíveis quanto ao seu sentido, também estaremos perante a violação do princípio in dúbio pro reo. XCIII. Assim, entende o aqui recorrente, que a douta decisão do Tribunal a quo viola o artigo 32.º, n.º 2, 1.º parte da CRP que consagra os princípios da presunção de inocência, in dúbio pro reo e in dúbio pro libertate como garantias de defesa em processo penal, o que não será certamente admitido por esta instância Jurisdicional Superior. XCIV. Mais se invoca a inconstitucionalidade da interpretação normativa do artigo, 127.º do CPP e do artigo 11.º, por referência ao artigo 1.º, 3.º, alínea i) e 5.º da Lei n.º 34/87, de 16 de Julho, segundo a qual a prova de facto essencial para o preenchimento do tipo objectivo e subjetivo do crime de prevaricação, ali supra previsto, se poderá fazer por remissão exclusiva às declarações prestadas por duas testemunhas, à qual se atribui particular credibilidade, desconsiderando por não credível ou ignorando todos os demais depoimentos e prova contraditórios com a verificação desse facto, em clara violação dos princípios de distribuição do ónus da prova, princípio in dubio pro reo, in dúbio pro libertate, prerrogativas constitucionais de natureza garantística consignadas no artigo 32.º, número 2, 1.ª parte da Constituição da República Portuguesa. Subsidiariamente: impugnação da medida da pena XCV. Abstraindo de tudo o antes dito, mal andou o Tribunal recorrido ao condenar o recorrente nas penas parcelares de 2 anos e 6 meses pelo primeiro dos crimes e na pena de 3 anos pelo segundo dos crimes e, em cúmulo, na pena única de 3 anos e 6 meses, e na perda de mandato, pelo que, subsidiariamente, se impugnam as penas parcelares aplicadas por cada um dos crimes e, consequentemente, o cúmulo. XCVI. A culpa é pressuposto e limite da pena, mas não é o fundamento da mesma, ainda assim, a culpa do Requerente sempre seria diminuta, pois, como antes se viu, nunca agiu com qualquer intenção de violar o direito, nem anteviu ou previu que a sua actuação beneficiasse ou prejudicasse terceiros, agindo no entendimento do que para ele foi a salvaguarda do interesse público. XCVII. Pela ausência de benefício, legítimo ou ilegítimo, para si ou para a BB e EE, sendo os valores auferidos por estes devidos como retribuição das funções por eles efectivamente desempenhadas sendo as contratações efectuadas dentro das competências atribuídas à ... e no cumprimento das normas legais aplicáveis e emergindo de uma decisão colegial, é manifesto que a conduta do recorrente não foi dolosa. XCVIII. Tudo ponderado é certo que a ter existido, o que não se concede, o dolo imputável ao recorrente seria extremamente diminuto, pelo que o Tribunal recorrido, na determinação da pena concreta deveria ter optado pelo limite mínimo - 2 anos - para cada crime. XCIX. Acresce que, o Acórdão posto em crise não explica as diferentes medidas das penas que aplicou a um e outro crime, enfermando de insuficiente fundamentação, também na determinação da medida da pena o que implica a sua nulidade, nos termos do artigo 379.º, n.º 1, alínea a), com referência ao artigo 374.º, n.º 2, ambos do CPP. C. De igual modo, em momento algum o Acórdão fundamenta de que forma alcançou o quantum da pena única, não tendo demonstrado qualquer exercício de raciocínio que permita ao Recorrente saber quais os critérios enformadores de tal decisão, incorrendo uma vez mais na nulidade de sentença prevista no artigo 379º n.º 2 alínea b) do CPP. CI. Considerando que: (i) a culpa do recorrente é diminuta, porquanto não tinha consciência que estava a actuar contra direito, nem determinou a formalidade da contratação; (ii) a conduta não causou qualquer prejuízo para a ... conquanto ficou demonstrado que o EE e a BB exerceram as suas funções, sendo remunerados pelas mesmas; (iii) não resultou prejuízo para o CC e a DD, dado ser prerrogativa dos serviços a recolocação de funcionários de acordo com as necessidades de serviço, não sendo, dentro dos limites legais, atendível a conveniência pessoal (iv) mostrando-se, extremamente reduzidas as exigências de prevenção quer geral, quer especial, na realização da operação de cúmulo jurídico o arguido deveria ter sido condenado numa pena única de prisão que não deverá ultrapassar os 3 (três) anos. NORMAS VIOLADAS: artigo 11.º, da Lei n.º 34/87, de 16 de Julho; artigos 125.º e 127.º, 97.º, n.º 5 e 374.º, n.º 2 do Código de Processo Penal; e artigos 20.º, n.º 4, 31.º, n.º 1, 32.º, n.º 1 e 2, e 205.º, n.º 1, da CRP. NESTES TERMOS NOS MAIS DE DIREITO E COM O SEMPRE DOUTO SUPRIMENTO DE V. EXAS. DEVERÁ SER JULGADO PROCEDENTE O PRESENTE RECURSO, REVOGANDO-SE A DECISÃO RECORRIDA, E, EM CONSEQUÊNCIA ABSOLVER-SE O RECORRENTE DA PRÁTICA DOS DOIS CRIMES DE PREVARICAÇÃO DA LEI N.º 34/87, DE 16 DE JULHO. SUBSIDIARIAMENTE, caso se mantenha a condenação por ambos os crimes, o que a título de mera hipótese se admite sem conceder, então deverá o arguido ser condenado em penas parcelares pelo limite mínimo da moldura e em cúmulo em pena não superior a 3 anos. SÓ ASSIM SE DECIDINDO SERÁ CUMPRIDO O DIREITO E FEITA INTEIRA JUSTIÇA! (…)
*
O recurso foi admitido, nos termos do despacho proferido em 13/02/2025, com os efeitos de subir nos próprios autos, imediatamente e com efeito suspensivo.
*
I.3 Resposta ao recurso
Efectuada a legal notificação, o Ministério Público junto da 1ª Instância respondeu ao recurso interposto pelo arguido VV, pugnando pela sua improcedência, mas não apresentando conclusões.
*
I.4 Parecer do Ministério Público
Remetidos os autos a este Tribunal da Relação, nesta instância o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer, nos termos do qual, aderindo à posição da Digna Magistrada do Ministério Público na primeira instância, pronunciou-se no sentido da improcedência do recurso.
*
I.5. Resposta
Foi dado cumprimento ao disposto no artigo 417º, n.º 2, do Código de Processo Penal, não tendo sido apresentada resposta ao dito parecer.
* I.6 Concluído o exame preliminar, prosseguiram os autos, após os vistos, para julgamento do recurso em conferência, nos termos do artigo 419.º do Código de Processo Penal.
Cumpre, agora, apreciar e decidir.
*
II- FUNDAMENTAÇÃO
II.1- Poderes de cognição do tribunal ad quem e delimitação do objeto do recurso:
Conforme decorre do disposto no n.º 1 do art.º 412.º do Código de Processo Penal, bem como da jurisprudência pacífica e constante [designadamente, do STJ1], e da doutrina2, são as conclusões apresentadas pelo recorrente que definem e delimitam o âmbito do recurso e, consequentemente, os poderes de cognição do Tribunal ad quem, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso a que alude o artigo 410º, nº 2, do Código de Processo Penal3.
*
II.2- Apreciação do recurso
Assim, face às conclusões extraídas pelo recorrente da motivação do recurso interposto nestes autos, as questões decidendas a apreciar são as seguintes:
a) Se existe vício da falta de fundamentação para a decisão da matéria de facto provada (arts. 374º, nº 2 e 379º, nº 1, al. a) do Cód.Processo Penal);
b) De saber se se verifica na sentença recorrida algum dos vícios previstos no art. 410º nº2 do Cód. de Processo Penal.
c) Do erro de julgamento
d) Da violação do principio in dubio pro reo
e) Do preenchimento dos elementos objectivos e subjectivos do crime de prevaricação
f) Da medida da pena
Apreciemos então as questões suscitadas, pela ordem de prevalência processual sucessiva que revestem – isto é, de forma a que, por via da sucessiva apreciação de cada uma, se vá alcançando, na medida do necessário, um progressivo saneamento processual que permita a clarificação do objecto das seguintes.
Vejamos.
II.3 - Da decisão recorrida [transcrição dos segmentos relevantes para apreciar as questões objecto de recurso]:
a. É a seguinte a matéria de facto considerada como provada pelo tribunal colectivo em 1ª Instância: (…) A. COM RELEVÂNCIA PARA A DECISÃO DA CAUSA, FICARAM PROVADOS OS SEGUINTES FACTOS COM RELEVÂNCIA PARA A DECISÃO DA CAUSA CONSTANTES DA ACUSAÇÃO, TENDO SIDO EXPURGADA A ALEGAÇÃO JURÍDICA NELA CONSTANTE: 1. Em data não concretamente apurada, mas que se situa em ... de 2017, o arguido AA (doravante AA) decidiu que, caso viesse a ser eleito ... da ... (...), determinaria a contratação de pessoas da sua confiança para exercerem funções que já se encontravam a ser desempenhadas por outros funcionários da referida ..., substituindo-os. 2. Com tal desiderato, no dia ........2017, o arguido AA abordou o especialista de … da ..., CC, dizendo-lhe que se ganhasse as eleições não contaria com os seus serviços. 3. Na sequência das … que ocorreram em ........2017, o arguido AA foi eleito ... da ... cumprindo … entre ........2017 e ........2021 e, desde ........2021, até à presente data. 4. O arguido AA, para além do cargo de ... da ..., foi e é também responsável …. 5. No exercício destas funções, entre outras, compete-lhe conduzir os procedimentos de contratação pública para aquisição de serviços, desde a sinalização da necessidade até à assinatura do contrato em funções públicas. 6. Tais procedimentos são desencadeados com a proposta dos serviços jurídicos da ..., elaborada em moldes previamente indicados pelo arguido AA, designadamente no que concerne à sinalização da necessidade de contratar, identificação do prestador de serviços a convidar, determinação das funções a desempenhar e fixação do valor a pagar. 7. As propostas assim elaboradas são posteriormente submetidas a reunião do ..., que as aprova nos exatos termos apresentados, por as mesmas nunca suscitarem dúvidas ou, quando tal sucede, serem prontamente dissipadas pelo arguido AA. 8. De seguida, é endereçado convite à entidade previamente escolhida para apresentar proposta. 9. Recebida a aceitação da proposta e deliberada a sua aprovação em reunião do ..., nos mesmos moldes referidos em 7, é celebrado o correspondente contrato de prestação de serviços em funções públicas. 10. Em data não concretamente apurada, mas posterior a ........2017, com intuito de alcançar o desiderato formulado no ponto 2, o arguido AA contactou OO, … da ... (doravante ...), informando-o que a ... tinha trabalhadores que pretendiam requerer a sua transferência para a ..., em regime de mobilidade. 11. Solicitou-lhe ainda que esclarecesse se tal pretensão tinha viabilidade, tendo sido informado que isso dependeria da existência de vaga no mapa de pessoal e da necessidade de contratar pela .... 12. De molde a criar-se a necessidade de ser contratado o seu conhecido EE para a área da informática, o funcionário da ..., CC, que desempenhava funções de …, foi informado que a referida ... não necessitava de um especialista na sua área, pelo que deveria requerer transferência, em regime de mobilidade, para a ..., tendo-lhe sido entregue para esse efeito uma minuta do requerimento a preencher. 13. Nessa mesma data e conforme determinado, o funcionário CC preencheu o referido requerimento, nele tendo consignado que a razão de tal pedido se prendia com o facto de na gestão do atual órgão ... não se encontrar planeada a necessidade de um …. 14. Por despacho proferido em ........2018, pelo vereador WW sob proposta de OO, … da ..., foi autorizada a mobilidade do referido trabalhador para a ..., a partir do dia ........2018. 15. Em ........2018, o arguido AA propôs ao ... da ... a abertura de procedimento por ajuste direto …, com convite apenas a EE, para prestar apoio ao … no desenvolvimento do plano de atividades aprovado para 2018, designadamente para “acompanhar os programas … de melhoria das condições habitacionais em ..., planear e propor medidas nesse sentido, articular com a ... a resolução das deficiências das habitações da …e a recuperação das mesmas, desenvolver um programa de requalificação do … de ..., em articulação com a ... e outras instituições, promover o uso de painéis solares em edifícios públicos e privados”, pelo montante de 8.800,00€ (oito mil e oitocentos euros) - deliberação aprovada por unanimidade e exarada sobre a proposta n.º …. 16. Em ........2018, pela ... foi enviado a EE, licenciado em ...e a exercer funções como prestador de serviços na ... na área …, convite para apresentação da proposta ao procedimento por ajuste direto n.º …, o qual foi aceite nos termos propostos. 17. Em ........2018, pelo ... da ..., foi aprovada, por unanimidade, a adjudicação do Procedimento n.º … - Serviços de Apoio ao … - deliberação aprovada por unanimidade e exarada sobre a proposta n.º …. 18. Em ........2018, entre EE e a ... foi celebrado contrato de prestação de serviço em funções públicas. 19. EE foi exercer funções na área da … uma vez que o especialista em informática… da referida ... tinha saído em mobilidade para a ..., tendo havido necessidade de colmatar essa saída. 20. O contrato de prestação de serviços com EE terminou em ........2018, a pedido deste, na sequência da sua integração nos quadros da .... 21. De ........2018 a ........2018, EE exerceu atividades, exclusivamente, apenas na área da …, tendo auferido o montante total de 9.840,00€ (nove mil, oitocentos e quarenta euros). * 22. Os arguidos BB e AA são conhecidos há mais de 20 anos. 23. De modo a criar a necessidade de contratar a sua conhecida BB, em ........2017, o arguido AA reuniu com a funcionária da ..., DD, com a categoria de … na carreira de … e a exercer funções na área da ... desde AA, tendo-lhe transmitido que iria exercer funções na ..., tendo em conta que era … e que gostava muito de crianças. 24. Em data não concretamente apurada, mas que se situa entre ........2017 e ........2017, o arguido AA convidou a arguida BB para exercer funções na .... 25. O arguido AA propôs ao ... da ... a abertura de procedimento por ajuste direto, apenas com convite à arguida BB, para prestação de serviços de apoio à ... da referida ..., tendo em consideração o que se conhecia ser a sua formação académica e experiência profissional, designadamente o cargo de chefia desempenhado no ..., bem como pelo facto de o serviço de ... dispor apenas de um funcionário, que necessitava de ajuda em face do aumento do volume de trabalho que adviria na sequência da implementação …. 26. Assim, em ........2017, a arguida BB foi contratada pela ... através do procedimento de ajuste direto simplificado para prestar funções no serviço de apoio à ... da referida ..., pelo período de um mês, pelo montante de 1.200,00€ (isento de IVA) – deliberação aprovada por unanimidade e exarada sobre a proposta n.º …. 27. De modo a que a arguida BB se mantivesse no desempenho das referidas funções, em ........2017, o arguido AA apresentou ao ... da ... a proposta n.º … através da qual propôs a abertura do procedimento por ajuste direto n. … – aquisição de serviços de apoio à ... da ... -, com o convite dirigido apenas à arguida BB, pelo montante de 11.707,20 € (sem IVA), para o período compreendido entre ... a ... de 2018, o que veio a ser autorizado – deliberação aprovada pela ..., por unanimidade, e exarada sobre a proposta n. …. 28. Em ........2017, pela ... foi enviado à arguida BB convite para apresentação de proposta ao procedimento por ajuste direto n. º..., do qual constava a obrigatoriedade de apresentação do certificado de habilitações, sob pena de exclusão de tal procedimento. 29. Em resposta, no dia ........2018, a arguida BB endereçou à ... a declaração de aceitação de tal convite e do caderno de encargos mediante a proposta de pagamento do montante de 9960,00€, valor isento do pagamento de IVA, durante doze meses (830,00€/mês). 30. Nessa ocasião juntou também o comprovativo do requerimento apresentado no mesmo dia ........2018 no … do ..., solicitando a emissão do seu certificado de habilitações. 31. Em ........2018, foi aprovada pela ..., por unanimidade, a adjudicação do procedimento por ajuste direto n. …. 32. Nesta mesma data (........2018), foi emitida certidão de habilitações, da qual resulta que a arguida BB frequentou o … no ... e a menção de não ter ainda concluído o curso. 33. Na posse do original da certidão de habilitações emitida pelo ...e por modo não concretamente apurado, a arguida BB alterou-a, nela tendo feito consignar classificações que não obteve e a menção que concluiu o curso com média de 16 valores. 34. Após e de modo a criar à aparência de que era titular de habilitações académicas e experiência profissional que não detinha, a arguida instruiu o referido procedimento concursal com os seguintes elementos: - cópia da certidão de habilitações emitida em ........2018, pelo …, da qual consta o a sua identificação e a conclusão do …. - cópia de certificado de licenciatura do curso de ...) emitido pelo ... (..., do qual consta a sua identificação e a conclusão do mesmo em ........2002, com a média final de 18 valores. - curriculum vitae, elaborado por si, em ........2018, com menção de que exerceu funções como ...no ... e que é detentora de doutoramento em ..., ... e licenciatura em ... pelo .... 35. Em ........2018, entre a arguida BB e a ... foi celebrado contrato de prestação de serviço em funções públicas. 36. Em ........2018, a ... fez publicar em D.R, o Aviso n. º … através do qual se publicitava a abertura do procedimento concursal comum para a constituição de vínculo de emprego público, para o exercício de funções na categoria e carreira de assistente operacional – ..., ao qual a arguida BB apresentou candidatura. 37. No decurso de tal procedimento, em ........2018, a arguida preencheu o “formulário de candidatura ao procedimento concursal” e juntou novo currículo no qual fez constar ter como habilitações académicas o 12.º ano e cópia de certidão de habilitações emitida pelo ..., em ........2018, da qual consta o a sua identificação e a conclusão do ensino secundário com média de 16 valores. 38. Em ........2018, foi deliberado pela ... prorrogar o contrato assinado em ........2018, por 12 meses, pelo mesmo valor da avença fixa mensal - proposta n.º … aprovada por unanimidade. 39. Em ........2019, na sequência do procedimento concursal aberto através do aviso n…., a ... celebrou com a arguida BB contrato de trabalho em funções públicas por tempo indeterminado, para o exercício de funções na categoria e carreira de … – .... 40. Em ........2020, em face das necessidades verificadas no serviço de apoio à ..., foi aprovada pela ..., por unanimidade, a proposta n. º..., através da qual se deliberou que a arguida BB passasse a desempenhar funções na categoria de … – integrada na ..., tendo em consideração que reunia as habilitações académicas exigidas, bem como era titular de licenciatura e demais competências exigidas para o exercício de tal cargo. 41. A arguida BB não possui como habilitação académica, nem o 12.º ano de escolaridade, nem a licenciatura. 42. Por deliberação da ... de ........2020 exarada sobre a proposta n.º …, e aprovada por unanimidade, foi autorizada a consolidação de mobilidade intercarreiras na categoria de … da arguida BB, com efeitos a partir do dia ........2020. 43. Desde ... de 2017 até ........2022, data em que rescindiu contrato com a ..., a arguida BB desempenhou funções para as quais não possuía habilitações, tendo auferido o montante total de 52.318,44€ (cinquenta e dois mil, trezentos e dezoito euros e quarenta e quatro cêntimos). 44. O arguido AA enquanto ... da ... e no exercício dessas funções, ao afastar os funcionários CC e DD dos serviços por estes prestados na ..., atuou com intenção de libertar postos de trabalho e dessa forma criar, como pretendido, necessidades que não existiam, para poder iniciar os procedimentos de contratação dos seus conhecidos EE e BB. 45. Mais sabia o arguido AA que a proposta para contratação de serviços que apresentava ao ... da ... tinha conteúdo distinto das funções que viriam a ser realmente desempenhadas por EE, o que fez com o fito de ocultar o propósito de ter dispensado CC e de criar as necessidades de contratação que expôs nas propostas que apresentou ao ... da ..., o que quis e conseguiu. 46. O arguido agiu em todas as situações com conhecimento das normas aplicáveis quer ao regime de mobilidade previsto na Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, quer às normas aplicáveis em sede de contratação pública. 47. A arguida BB sabia que a formação e experiência profissional eram imprescindíveis para ser contratada pela ..., tal como sucedeu. 48. De molde a fazer crer que era titular de habilitações académicas e experiência profissional e com o intuito de obter e manter novas contratações com a ..., a arguida BB entregou nos procedimentos contratuais supra referidos, duas cópias de certidões de habilitações e uma cópia do certificado de licenciatura forjados, o que quis e conseguiu. 49. Por este motivo, a arguida BB foi contratada pela ... para exercer funções para as quais não possuía as qualificações exigidas e que foram determinantes para a constituição de tal vínculo laboral. 50. Ao fabricar e utilizar as cópias das certidões de habilitações referidas, nos procedimentos concursais acima mencionados, a arguida BB sabia que abalava a credibilidade e fiabilidade que os mesmos merecem, bem como a sua força probatória, sendo que estes comportamentos visaram a obtenção para si de benefícios indevidos, pois de outra forma não seria contratada pela ... nos termos em que foi. 51. Os arguidos agiram em todas as situações descritas de forma deliberada, livre e conscientemente, bem sabendo que as mesmas eram proibidas por lei. 52. Nenhum dos arguidos tem antecedentes criminais. Provou-se ainda o seguinte: (…) Quanto ao arguido AA 63. O arguido cresceu no agregado dos progenitores e da irmã, na freguesia da ..., onde se verificou uma forte integração e identificação de valores comunitários e de cariz religioso. 64. Os progenitores eram …, sendo caracterizada uma infância feliz, ainda que austera/rígida e com dificuldades económicas, sendo os progenitores provenientes de origens humildes. 65. A irmã do arguido faleceu prematuramente há oito anos, vítima de doença oncológica, acontecimento familiarmente impactante. 66. AA contraiu matrimónio com dezoito anos, relação da qual resultou um filho, de dezasseis anos de idade, subsistindo vínculos securizantes e próximos. 67. Reside em habitação própria (propriedade do cônjuge), já liquidada, no centro de …, em contexto de bairro social. 68. Frequentou o Curso de … da ..., aos dezoito anos, por influência paterna, do qual desistiu volvidos dois/três anos, em virtude de ter como preferência a área da …. Mais tarde retomou o curso, na ..., que veio a concluir em .... 69. O arguido iniciou a sua trajetória laboral como … numa escola, à semelhança dos progenitores. Posteriormente integrou a ... como …, obtendo vínculo por intermédio da função de .... Três anos depois beneficiou de um processo de reclassificação para a carreira de …. 70. O arguido foi, também, ... da .... 71. Vive com a mulher e o filho menor de idade, sendo o rendimento do agregado de 2.920€. 72. O percurso pessoal e social de AA não aparenta a emergência de acontecimentos negativos marcantes, excetuando-se o falecimento precoce da irmã, sendo retratado um enquadramento familiar positivo e um investimento no percurso profissional, centrado em valores religiosos, conservadores e de suporte a terceiros. 73. O arguido apresenta uma trajetória pessoal e laboral investida e estável. 74. O arguido é uma pessoa admirada e reputada no seu meio social e profissional..” (…)
*
b. São os seguintes os factos dados como não provados pelo tribunal de 1ª Instância: (…) 1. Quando se apresentou para iniciar funções, EE foi informado pelo arguido AA que iria antes exercer funções na …, competindo-lhe também dar formação nessa área ao funcionário KK. 2. Com a sua conduta, a arguida BB provocou à ... um prejuízo de 52.318,44€ (cinquenta e dois mil, trezentos e dezoito euros e quarenta e quatro cêntimos). 3. O convite feito pelo arguido à arguida BB foi para prestação de …da ..., atividade que consistia em relatar ao ... da ... a situação financeira da referida .... 4. A contratação referida no ponto 25 foi com o desiderato de a mesma se adequar à área de formação que a arguida BB afirmava possuir. 5. A arguida BB afirmava possuir as habilitações e experiência profissional consignada nos documentos que forjou. 6. Sabia o arguido AA que a proposta para contratação de serviços apresentada ao ... da ... tinha conteúdo distinto das funções que viriam a ser realmente desempenhadas por BB, o que fez com o fito de ocultar o propósito de ter dispensado DD e de criar as necessidades de contratação que expôs nas propostas que apresentou ao ... da ..., o que quis e conseguiu. (…)
c. É a seguinte a motivação da decisão de facto apresentada pelo tribunal de 1.ª Instância: (…) “Para a decisão de facto que antecede, o Tribunal valorou toda a prova produzida, de forma conjugada, crítica e livremente apreciada, segundo juízos lógicos e de experiência comum. Vejamos. No que respeita ao …, referido no ponto 3, o mesmo decorre das actas da … de fls. 502 a 510. Quanto ao ponto 4, o mesmo decorre da consulta ao “site” da ..., fonte aberta (….), da qual decorre a distribuição de... Os pontos 5, 6, 7, 8 e 9 decorrem da conjugação e análise da prova documental ... ao processo, atinente aos procedimentos de contratação com ajuste directo, com o teor dos depoimentos dos ... da ... inquiridos em audiência, designadamente, de II, JJ e MM, bem como da jurista inquirida RR, dos quais decorre o procedimento para contratação de serviços, da iniciativa do ..., que culmina sempre com a aprovação por parte ..., em face da confiança depositada nos serviços e no ..., que detém o pelouro dos …. Os pontos 2, 10 a 13 e 21 decorreram da interpretação conjugada e crítica dos vários depoimentos prestados. A matéria indicada no ponto 2 foi esclarecida através do depoimento escorreito, objectivo e espontâneo da testemunha CC, cujo relato relembrado assume contornos de total verosimilhança e credibilidade, tanto mais que a justificação apresentada pelo arguido não colhe qualquer credibilidade. Ora, esta testemunha confirmou que, antes das eleições foi contactado pelo arguido, à data meramente candidato, tendo constatado que o arguido sabia tudo sobre si, encontro em que o arguido lhe disse que “que tinha uma pessoa para o seu lugar” e que “não contava com os seus serviços caso fosse eleito”, sendo certo que este encontro foi confirmado pelo próprio arguido, sem justificação credível para o efeito, pelo que colhe credibilidade a versão da testemunha. Acresce que ficou igualmente esclarecido que o arguido contactou OO, com vista a indagar da possibilidade de mobilidade de trabalhadores para a .... Com efeito, esta testemunha, … da ... desde 2017, confirmou ter sido contactado pelo arguido (embora sem conseguir precisar a data, mas referindo tratar-se de conversas regulares), situando uma das ocasiões em momento próximo às …, que é o mais comum suceder. Confirmou que o arguido lhe disse que tinha “trabalhadores que estavam na ... e que queriam ir para a ...” e que “…em 2017 houve alguns pedidos de transferências de funcionários”. Esta testemunha explicou ainda o âmbito da conversa tida com o arguido e a explicação referente às possibilidades de existência de mobilidade, dependente de vagas e necessidades da .... Importa, desse já, salientar que se entende ser de estranhar o “interesse” do recém eleito ... da ... em apurar as possibilidades de mobilidade de funcionários, uma vez que o interesse inerente a tal mobilidade é expectável que parta dos próprios interessados (dos funcionários), não se justificando a iniciativa daquele na conversa com o … da ..., senão por ter um interesse próprio em promover essa mobilidade. Não se poderá esquecer que o requerimento de mobilidade deverá ser apresentado pelos interessados, pelo que não encontramos justificação plausível para a existência de outro interesse do arguido nesta conversa. Ora, esta análise crítica permite conferir (ainda maior) credibilidade ao relato da testemunha CC, não subsistindo dúvidas de que a abordagem se passou da forma descrita por esta testemunha. Esta testemunha, CC, confirmou que a …, GG, foi chamada e comunicou-lhe que o ... não contava consigo e que tinha de assinar uma minuta para sair da ..., minuta esta que decidiu alterar, por não concordar com os fundamentos dela constantes, uma vez que a mobilidade não era da sua iniciativa, mas sim por o ... não contar com os seus serviço, acrescentando que não tinha interesse em sair porque “tinha tudo organizado, estava perto de casa, tinha estacionamento…”. O próprio requerimento assinado por esta testemunha, para efeitos de mobilidade, do qual consta visível a alteração efectuada pelo seu subscritor (fls. 3 do apenso 7 – vol. 3), confere consistência e credibilidade à versão da testemunha, o mesmo sucedendo através do depoimento de GG, a qual referiu que quando o arguido iniciou funções apresentou um dossier e que uma das observações deste foi que o quadro de pessoal era muito denso e não poderia fazer a obra que queria para a .... Refere a testemunha que achou estranho, mas que não quis intervir. Foi também importante para a formação da convicção do Tribunal a análise crítica das declarações do arguido prestadas sobre esta matéria que, conjugadas com as da testemunha, nos levam a não ter dúvidas sobre a falta de credibilidade da versão do arguido. Vejamos. O arguido refere que soube através do irmão do CC que este estava desgostoso porque queria a sua reclassificação e por isso combinou um encontro com este, para lhe dizer que se vencesse ele não teria qualquer problema, tendo-lhe transmitido que não se preocupe porque caso vença as eleições as coisas irão continuar naturalmente.. Esclarece ainda que ele manifestou uma preocupação de estar num sítio sozinho quando tinha ido para ali para se reclassificar e tinha medo com a mudança do .... O arguido refere ainda que ele era um ponto de ligação com a empresa informática e que as suas funções eram “redundantes” razão pela qual se encontrava desgostoso. Mais adiante refere que conversou com ele, conversa na qual ele lhe relata a preocupação com a validação do período experimental mas que, no final de Novembro, o período experimental é validado com nota elevada e que, nessa altura, lhe disse “está livre de fazer a sua opção; “faça o que bem entender”. Ora, não tem lógica que alguém ainda não eleito como ... da ... tenha reunido com um funcionário dessa ... que não conhecia e com quem não tinha relacionamento, para lhe dizer que não tivesse preocupações caso fosse eleito pois, ainda que o ... mudasse, a sua situação continuaria naturalmente. Ou seja, entende-se não ter justificação plausível esta justificação do arguido, sendo incomparavelmente mais credível a versão da testemunha, pois, para se reunir com um desconhecido na qualidade de candidato, o arguido teria de ter um assunto do seu interesse muito mais pessoal e premente na reunião do que o de (simplesmente) “descansar” CC e/ou livrá-lo de uma preocupação. Além disso, toda a sequência de actos e condutas, que se apuraram, coaduna-se à interpretação feita pelo Tribunal, ou seja, a de que era interesse seu que CC transitasse para a ..., de molde a que a ... ficasse sem …, falta esta que daria azo à contratação de EE, seu conhecido de há mais de 20 anos que, durante o período em que vigorou o seu contrato de prestação de serviços nada mais fez do que prestar serviços no âmbito da área informática, tal como o próprio assumiu em audiência, perentoriamente e sem qualquer margem para interpretação diversa, tanto mais que frisou várias vezes que lhe foi transmitido que a ... não tinha …. Daqui decorre, pois, mediante conjugação das aludidas versões, que o arguido quis, pois, determinar/ influenciar a saída do … CC. Os pontos 14, 15, 16, 17, 18 e 20 decorrem da prova documental ... aos autos: Apenso 7, Vol. 3, fls. 11 e 14; fls. 197, 190 a 192, 196, 198 a 203, 204 e 204, 206 e 193 a 195 e 211 dos autos. Os pontos 19 e 21 ficaram, pois, provados na sequência do depoimento do próprio EE que confirmou que não chegou a praticar qualquer tarefa no âmbito dos serviços para os quais foi contratado, embora tentando justificar e desculpar esse facto por força de “dificuldades e problemas informáticos” detectados e com os quais se foi deparando. Refere a testemunha que “prestou serviços na ... para o desenvolvimento de uma base de dados… e que (o arguido) disse-lhe que o anterior … tinha saído”. Adianta a testemunha que “não tinha, em termos técnicos, tudo o que precisava e ele pediu para fazer” (…) “o outro tinha ido/ pedido mobilidade”, confirmando expressamente que houve alteração às funções previstas, ou seja, às funções subjacente ao ajuste directo e contrato celebrado. A testemunha assevera ter-lhe sido dito que a ... estava sem … e que sabe que do seu contrato não constavam serviços técnicos de …, embora só tenha prestado serviços nessa área até ao momento em que foi, de modo definitivo, para a .... Resulta, assim, evidente, mediante uma interpretação racional e lógica, que o arguido pretendia contratar EE, seu conhecido de longa data (conforme referido por esta testemunha, que confirma conhecer o arguido desde altura próxima ao ano 2000) para funções informáticas, em substituição de CC, cuja mobilidade para a ... foi “promovida” pelo arguido do modo descrito. Saliente-se que a explicação dada pela testemunha EE das razões de apenas ter prestado serviço informático é muito pouco plausível e convincente, justificada de modo vago. Se a intenção fosse a de esta testemunha prestar os serviços efectivamente contratados e previstos no procedimento de contratação, nada justificaria que estivesse a prestar serviços informáticos durante meses, nem se vislumbra que “os problemas” encontrados pela testemunha no “sistema informático” da ... impedissem o desempenho das funções que figuravam no contrato e que foram previstas para a sua contratação, tanto mais que a testemunha não conseguiu concretizar em que medida ou modo exacto os “problemas” informáticos encontrados o impediam de iniciar e prosseguir com a tarefa para a qual a sua contratação foi concretizada. Sempre se dirá, de resto, que caso a tarefa constante do contrato fosse efectivamente necessária e prioritária para o novo ... que tomou posse, não faz qualquer sentido que a testemunha tivesse estado mais de seis meses a tratar de questões diversas, o que só por si denota que não se tratava de um objecto contratual sério, nem se vislumbra que um ... ...mente com uma empresa contratada para a prestação de serviços informáticos (sendo inegável que a ... tinha uma empresa de outsourcing para esse efeito e que EE era apenas o intermediário como, de resto, CC o havia sido), tivessem demorado mais de seis meses a colmatar falhas no sistema informático da ..., sendo certo que não ficou esclarecido em que medida tais problemas informáticos constituíam um óbice à prossecução do contrato celebrado com EE. Entendemos, pois, ser sobejamente evidente que os serviços para os quais se contratou EE foram mascarados por um contrato com serviços diversos, tanto mais que CC deixou frisado na alteração feita ao requerimento que apenas saía porque a ... não contaria consigo como técnico informático. Sabendo isso, percebe-se a cautela do arguido em não propor ajuste directo exatamente para as funções exercidas pelo funcionário afastado através do regime da mobilidade. Não restam, pois, dúvidas ao Tribunal que esta testemunha foi contratada em substituição do técnico CC, que o arguido pretendeu arredar da ..., sendo que as duas situações se sucedem cronologicamente. O montante auferido pela testemunha resulta da folha de conta corrente ... aos autos (fls. 212 e seguintes). Quanto ao facto 22, decorre da prova testemunhal que o arguido, antigo ... da ..., conhecia a arguida BB, facto este que é assumido pelo próprio arguido, com quem partilhou um retiro espiritual. Além disso, por todos foi referido que a arguida BB era a ... do arguido, tendo um cargo de assessoria política, de confiança, pelo que tal relação estreita e de confiança implica que as pessoas, sejam, necessariamente conhecidas há mais de 20 anos como referido pelo arguido. O facto n.º 23 decorre de forma inequívoca do depoimento de DD e da ... da ..., complementado ainda pelo da testemunha GG. Com efeito, a testemunha DD prestou um depoimento claro e muito objectivo, esclarecedor, referindo que “não se conheciam e mal (o arguido) chegou (à ...) tirou logo o trabalho que estava a fazer… disse que iria para a ...”. A testemunha refere ainda que o arguido, em conversa, lhe disse que “tinha uma pessoa amiga, que até tinha estado no ... e que precisava de emprego e que provavelmente iria para o lugar”. Mais esclarece que esteve cerca de um mês sem qualquer trabalho razão pela qual enviou um e-mail, que se encontra aos autos a fls. 89, datado de ... de ... de 2017. Adianta ainda que foi para a ... em ... e que se sentou ao lado do ... a ver televisão, tendo estado uns meses nessa situação, salientando a testemunha que “o que mais a humilhou foi não saber o porquê de ter sido afastada e daquela humilhação”. Quanto a GG, a mesma referiu que “a DD estava no eu gabinete…no mesmo dia em que eu saí… nesse dia entraram no gabinete e levaram as mesas e cadeiras….”; “A DD era importantíssima em tudo o que fosse ... e recursos humanos… dominava todos os assuntos”. Decorre dos depoimentos que DD exerceu durante vários anos (desde AA) funções na ... da ..., sendo vista como uma funcionária muito eficiente, pelo que não seria lógico que o novo ... chegasse à ... e a tivesse afastado do serviço através da sua alocação à ..., sem demarcado conteúdo funcional. Porém, foi isso o que sucedeu. A estranheza dessa conduta tem de ter subjacente uma interesse e intenção pessoal, perceptível com a contratação de BB. Ademais, a última testemunha, ... da ..., referiu em audiência que “não foi assinalada falha nenhuma ao nível administrativo. Foi o Senhor AA que a colocou lá. Não havia nada preparado, a necessidade era de técnico superior, não administrativo. Antes de ela lá estar as funções que que ela fazia (encaminhar as famílias) eram desempenhadas pelo ...”. Da conjugação destes depoimentos, resulta, pois, evidente que a mudança de funções da testemunha DD teve um desiderato específico, não colhendo credibilidade as razões que terão desculpado essa transferência, mascaradas com o facto de a testemunha ter experiência com crianças, tanto mais que a mesma não foi exercer qualquer função específica junto de crianças, não havia sido assinalada a necessidade de uma técnica administrativa, ninguém estava à sua espera, não havia espaço físico preparado para si na ... e o seu conteúdo funcional foi esvaziado. Ora, as declarações do arguido foram também muito reveladoras, começando por dizer que deu uma ordem de serviço a DD por se tratar de superior hierárquico, estranhando-se a falta de preocupação que o arguido pretende transmitir ter com os funcionários, não tendo sequer indagado previamente qual a vontade da aludida funcionária. Por outro lado, não há dúvida de que DD ficou sem trabalho, ficando a ... exclusivamente a cargo de HH, o que foi por tidos confirmado. A testemunha envia, então, o e-mail junto aos autos (fls. 89), o que atribui ainda maior credibilidade ao seu relato. Saliente-se que não poderá ser o mero convite do arguido, ao de ter perguntado à testemunha, posteriormente, se esta queria regressar à ..., que retira credibilidade ao seu depoimento, tanto mais que esta explicou a humilhação que sofreu e que nunca regressaria voluntariamente para um lugar de onde foi afastada e aonde não a queriam, pelo que tal pergunta do arguido, em face das circunstâncias, diz-nos a experiência, ter-se tratado de uma vã cortesia. Ora, o evidente afastamento de DD justifica-se com o facto de o arguido ter convidado a arguida BB para exercer funções na ..., tanto mais que o contrato celebrado com esta foi, precisamente, para funções atinentes à .... Desconhecem-se as reais razões pelas quais a mesma terá iniciado funções como “... política na área financeira” (todas as testemunhas se referem a estas funções), bem como se o convite foi ou não nesse sentido, sabendo-se apenas o que resulta da prova documental e o âmbito da contratação concretizada as razões aduzidas para o efeito. Sabe-se também, conforme decorre de toda a prova testemunhal, que a arguida reportava ao arguido AA, sendo sua ..., embora posteriormente tenha, de facto, passado a prestar funções no apoio à ... junto do ... HH. Tendo em conta as circunstâncias da saída de DD, acima analisadas, segundo um juízo lógico, racional e de experiência comum, a real razão para que DD tivesse sido transferida para a ... foi a de deixar vago um lugar na ... de modo a poder facilitar a contratação, por ajuste directo, de uma pessoa conhecida do arguido, para funções de apoio à .... Muito certamente, se DD se tivesse mantido na ..., tal tornaria o processo de contratação de BB dúbio e questionável, já que existia um ..., HH, que poderia e deveria assumir o lugar. Ou seja, a saída de DD e a assunção de funções por HH na ... permitiu que, mediante invocação de necessidade (por haver um único funcionário) fosse aprovado ajuste directo de BB para funções de apoio à ... (cfr. ponto 25). Ainda maior estranheza existe, diga-se, quando o ajuste directo visava tais funções de apoio contabilístico e, na realidade, durante cerca de dois anos, a sua tarefa foi a de ser ... do arguido. Daqui decorre, pois, que a sua entrada na ... foi legitimada com um contrato cujo objecto não foi executado e que, só depois de a arguida possuir vínculo à função pública, na sequência de um procedimento concursal para assistente operacional de ..., e decidida a sua mobilidade intercarreiras para a assistente técnica na ..., onde passou a trabalhar com HH. Primeiro fez-se ajuste directo com alguém com um exímio currículo académico e relevante experiência profissional na área financeira, que justificou a celebração de um contrato de prestação de serviços para apoio à ...; depois essa mesma pessoa celebra contrato de trabalho no âmbito da função pública como assistente peracional de ..., cujo currículo apresentado denota uma exigência académica bastante inferior, passando então para a ... da ..., por decisão do ... sob proposta do arguido, tendo subjacente as necessidades sentidas no serviço de apoio à .... Todo o percurso de BB na ... é, pois, de estranhar. No que respeita aos pontos da matéria de facto provada sob os números 24 a 42, os mesmos decorrem da prova documental ... aos autos, designadamente: fs. 89 dos autos, fls. 4 do Apenso 6, fs. 4 e 5 do Apenso 12, fls. 4 a 14 do Apenso 6, fls. 16-26 do Apenso 6, fls. 16 do apenso 6 e fls. 219 a 225 dos autos, fls. 45 do Apenso 6, fls. 38-43 do Apenso 6, fls. 38 a 43 do Apenso 6, fls. 28 do Apenso 6 e fls. 240 a 243, 272, 259, 262, 264 a 267, 268 a 270 dos autos, fls. 44 do Apenso 4, fls. 72 do Apenso 6, fls. 70 a 71 o Apenso 6, fls. 46-48 do Apenso 6 e fls. 273 dos autos e fls. 23 a 25 do Apenso 3. Quanto ao ponto 43, a rescisão do contrato encontra-se documentada a fls. 358, resultado os valores auferidos dos contratos celebrados. Da análise que antecede resulta, pois, evidente, que o arguido pretendeu substituir os funcionários CC e DD pelos seus conhecidos. Os antecedentes criminais dos arguidos resultam dos respectivos certificados de registo criminal e a sua situação socio económica e familiar dos relatórios sociais juntos aos autos, sendo a boa imagem do arguido salientada pelas testemunhas por este apresentadas. Vejamos agora, no que concerne à factualidade não provada. Desconhece-se, por ausência de prova, se EE foi informado pelo arguido que iria exercer outras funções ou se tal foi previamente concertado entre ambos. Apenas se sabe que EE apenas exerceu funções na área da informática, segundo este, porque havia muito problemas a resolver no sistema informático da ..., problemas estes que diz ter detectado quando iniciou funções. Do mesmo modo, não há prova de que tenha dado formação a OO, já que ambos negam tal facto, nada mais decorrendo a nível de prova em sentido contrário. No que respeita ao alegado prejuízo causado pela arguida BB, importa referir, em primeiro lugar, que o termo “prejuízo” assume natureza meramente conclusiva e não factual, pelo que a prova careceria de concretização factual que pudesse sustentar tal conclusão. Porém, ainda que se interprete tal “prejuízo” como uma perda patrimonial para a ... que pudesse dar origem a uma alteração não substancial de factos, a comunicar nos temos legais, a verdade é que não decorre da prova que a arguida tenha provocado qualquer “dano patrimonial” à ..., já que a mesma se terá limitado a exercer as tarefas atribuídas pelo arguido no âmbito de um convite que aceitou, tendo recebido uma quantia monetária na sequência de uma contrapartida acordada num contrato celebrado, ou seja, o valor em causa constitui a sua retribuição, pelo que, na ausência de qualquer outro facto que tivesse ficado aprado, não pode concluir-se que tenha sido a sua conduta da arguida a causar um “prejuízo” à .... Além disso, se é certo que a arguida auferiu um montante que não auferiria se não tivesse celebrado os aludidos contratos, a verdade é que a mesma recebeu remuneração por força de contratos celebrados, desconhecendo-se (por não ter sido objecto de prova) se a prestação concretamente executada era ou não necessária para a ..., se foi bem ou mal executada. Não se apurou, pois, qualquer “prejuízo” patrimonial no aludido montante. Desconhece-se ainda, por ausência de prova, qual o verdadeiro convite formulado pelo arguido à arguida BB, pois apenas se conhece o objecto dos contratos celebrados e que, na realidade, a mesma iniciou funções como ... política e financeira (sendo referido por todas as testemunhas) e só mais tarde ingressou na área da ... para auxiliar HH. Importa referir que não foi produzida qualquer prova sobre ter sido a própria arguida a ter afirmado possuir, antes do primeiro ajuste directo ou mesmo depois deste, a formação académica e a experiência profissional que lhe eram imputadas, não podendo inferir-se tal facto, pois apenas temos como assente que a mesma forjou certificados de habilitações para instruir os procedimentos de ajuste directo e o procedimento concursal, desconhecendo-se se ocorreu alguma informação falsa dada por si antes do convite de ajuste directo que lhe foi dirigido.”. (…)
d. É como segue o enquadramento jurídico–penal dos factos que vem efectuado pelo tribunal colectivo em 1.ª Instância: (…) A. DA PREVARICAÇÃO. O arguido AA vem acusado da prática de dois crimes de prevaricação, p. e p. pelo artigo 11.º por referência ao disposto no artigo 1.º, 3.º, alínea i) e 5.º, todos da Lei n.º 34/87, de 16.07, “ex vi” do disposto no artigo 386º, n.º 4, do Código Penal, em concurso aparente com dois crimes de abuso de poderes, p. e p. pelo artigo 26.º por referência ao disposto no artigo1.º, 3.º, alínea i) e 5.º, todos da Lei n.º34/87, de 16.07, “ex vi” do disposto no artigo 386.º n.º4 do Código Penal. A lei 34/87 regula os crimes de responsabilidade de titular de cargo político em geral, prevendo-se no seu artigo 1.º que “A presente lei determina os crimes de responsabilidade que titulares de cargos políticos cometam no exercício das suas funções, bem como as sanções que lhes são aplicáveis e os respetivos efeitos”. O artigo 11.º do sobredito diploma prevê, sob a epígrafe “prevaricação”, que “o titular de cargo político que conscientemente conduzir ou decidir contra direito um processo em que intervenha no exercício das suas funções, com a intenção de por essa forma prejudicar ou beneficiar alguém, será punido com prisão de dois a oito anos”. O artigo 3.º desse diploma define os cargos políticos, estabelecendo que “ 1 - São cargos políticos, para os efeitos da presente lei, entre outros, i) O de membro de órgão representativo de ... local”. O crime de prevaricação visa a punição daquele que se torna infiel ao próprio cargo, em assumida violação dos deveres ao mesmo inerentes, como se extrai da construção do tipo legal contido no citado artigo 11.º. O bem jurídico protegido é a fidelidade à lei e ao direito, no exercício de funções públicas. Neste contexto, o bem jurídico protegido com a incriminação da prevaricação em causa consiste na realização da função administrativa autárquica segundo o direito e no interesse do bem comum. «O tipo legal em análise pode classificar-se como um delito de intenção ou de tendência interna transcendente, no sentido de que o agente persegue um resultado, que determina internamente a sua conduta, sem que, contudo, o preenchimento do tipo dependa da efetiva produção desse resultado» (in “O crime de prevaricação, no âmbito da responsabilidade criminal dos titulares de cargos políticos”, XX, RPCC, nº 1, 2015). Deste modo, o crime de prevaricação pressupõe que, em procedimento administrativo inerente às suas funções, o agente cometa actos ou omissões, contrários ao direito, entendido este como conjunto de princípios e normas jurídicas vinculativas ao processo e à decisão respetiva. No que concerne ao tipo subjetivo, torna-se clara a exigência de dolo direto ou necessário, em face da exigência típica resultante da expressão “conscientemente". Na síntese do acórdão do TRL de 24/6/2020 (www.dgsi.pt), o crime de prevaricação tem como elementos objetivos do tipo: - condução ou decisão de um processo por titular de cargo político em que intervenha no exercício das suas funções; - conscientemente contra direito. E, como elemento subjetivo: - o dolo (excluindo a forma eventual em face da utilização da expressão “consciente” pela norma legal); e, - especial intenção de por essa forma prejudicar ou beneficiar alguém (o denominado “dolo específico”). Para o cometimento do crime de prevaricação não é necessária a existência de prejuízo para a entidade administrativa, mas que o agente, conscientemente, conduza – ou decida contra direito um processo em que intervenha no exercício das suas funções, com a intenção de, por essa forma, prejudicar ou beneficiar alguém. O benefício – entendido como toda a vantagem que o sujeito ativo pretende retirar da sua atuação -, embora ilegítimo, não tem que ser patrimonial, podendo derivar do mero compadrio, ou mesmo assumir fins caritativos ou altruísticos, como assinala Paula Ribeiro de Faria (in “Comentário Conimbricense do Código Penal”, parte especial, tomo III, em anotação ao artigo 382.º do Código Penal). Feitas tais considerações jurídicas, importa ter em conta que o arguido actuou, no âmbito dos procedimentos de contratação elencados na factualidade assente como membro representativo de um órgão de ... local, e que, no âmbito da sua actuação actuou contra direito. Quanto a este aspecto, actua contra direito sendo este o conjunto de princípios e normas jurídicas vinculativas ao processo e à decisão respetiva. Conforme previsto o artigo 1.º-A do Código dos Contratos Públicos, “1 - Na formação e na execução dos contratos públicos devem ser respeitados os princípios gerais decorrentes da Constituição, dos Tratados da União Europeia e do Código do Procedimento Administrativo, em especial os princípios da legalidade, da prossecução do interesse público, da imparcialidade, da proporcionalidade, da boa-fé, da tutela da confiança, da sustentabilidade e da responsabilidade, bem como os princípios da concorrência, da publicidade e da transparência, da igualdade de tratamento e da não-discriminação. O princípio da prossecução do interesse público decorre, desde logo, do Código de Procedimento Administrativo (CPA), cujo artigo 4.º prescreve que “compete aos órgãos da Administração Pública prosseguir o interesse público, no respeito pelos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos”. Também encontramos uma referência ao interesse público no artigo 269.º da CRP, na medida em que dele extraímos que os trabalhadores da Administração Pública e demais agentes do Estado estão exclusivamente ao serviço do interesse público Assim, a prática de um acto que não tenha como motivo principalmente determinante o interesse público definido pela lei a seu cargo padece do vício de desvio de poder, sendo considerado ilegal e inválido. A Administração só pode prosseguir o interesse público, estando, por conseguinte, proibida de prosseguir, ainda que de forma acessória, interesses privados. Sendo verdade que uma determinada decisão da administração pode de facto desencadear vantagens para particulares, estas vantagens de modo algum podem ser a o principal condutor da actividade administrativa. Uma atuação administrativa que prossiga interesses privados ou interesses públicos alheios à finalidade normativa do poder exercido é ilegal e está viciada de desvio de poder. O princípio da transparência, sendo transversal à atuação de toda a administração pública, tem um papel reforçado no Código dos Contratos Públicos (CCP) aprovado pelo Decreto-Lei n.º 18/2008, de 29 de Junho (cfr. artigo 1.º). O princípio da transparência é fundamental, para, preventivamente, serem acautelados outros dois princípios conexos: o princípio da imparcialidade e o princípio da igualdade de tratamento. A sua importância é tal que a ele se faz referência expressa nas directivas comunitárias sobre a matéria da contratação pública (vide p.e. o artigo 2.º da Diretiva 2004/18/CE). O princípio da boa fé encontra-se aflorado no artigo 10.º do CPA, impondo que qualquer pessoa deve ter um com portamento correto, leal e sem reservas, tendo uma vertente negativa, que visa impedir a ocorrência de comportamentos desleais e incorretos, e uma vertente positiva, que visa promover a cooperação entre os sujeitos: “1 - No exercício da atividade administrativa e em todas as suas formas e fases, a Administração Pública e os particulares devem agir e relacionar-se segundo as regras da boa-fé. 2 - No cumprimento do disposto no número anterior, devem ponderar-se os valores fundamentais do Direito relevantes em face das situações consideradas, e, em especial, a confiança suscitada na contraparte pela atuação em causa e o objetivo a alcançar com a atuação empreendida”. Quando ao princípio da imparcialidade, consagrado no artigo 9.º do CPA, o mesmo implica que a Administração deve ponderar todos os interesses juridicamente protegidos relevantes no caso concreto, mantendo-se equidistante em relação aos interesses particulares. Na sua vertente negativa, impõe que a Administração se abstenha de considerar interesses estranhos à sua função, isto é, ao interesse público. Ora, sem necessidade de nos alongarmos na densificação dos aludidos princípios, tratando-se, segundo cremos, de conceitos gerais de direito de simples apreensão, entendemos que a actuação do arguido AA, ao actuar do modo descrito na factualidade assente no que respeita ao afastamento de CC e DD, bem como à contratação de EE e BB, fê-lo contra direito, ou seja, contra princípios que se impõem à actividade da Administração, tendo sido violados os princípios do interesse público, da boa fé, da imparcialidade e da transparência, pois a sua decisões não tiveram subjacente o interesse público mas apenas os interesses privados daqueles que foram contratados, tendo tido comportamento contrários à boa-fé quanto aos funcionários que pretendeu afastar da ..., culminando os procedimentos de contratação dos novos funcionários numa total falta de transparência, reflectida no facto de as reais tarefas executadas pelos mesmos e pelas quais auferiram quantias económicas pagas pela ... não coincidirem com a contratação aprovada pelo ... e com o escopo dos contratos assinados. Está, pois, preenchido o elemento objectivo do ilícito criminal previsto no artigo 11.º da lei 34/87. Este crime é ainda um crime doloso, exigindo-se que o agente do crime conduza ou decida conscientemente contra direito, com a intenção de por essa forma prejudicar ou beneficiar alguém. A par do dolo, o tipo legal demanda ainda a verificação do “dolo específico”, mediante a inclusão da “intenção de por essa forma prejudicar ou beneficiar alguém”. Este caso, entendemos que se encontra igualmente preenchido o tipo subjectivo de ilícito, verificando-se que o arguido actuou com dolo direto (cfr. artigo 14.º do CP), e com dolo específico, o que decorre dos pontos 44 a 46 e 51, decorrendo o dolo específico do ponto 44, no qual se encontra consagrada a razão da actuação do aguido, pois o arguido agiu com o fito de criar necessidades de recursos humanos que a ... não tinha não fora afastamento dos dois aludidos funcionários, de molde a viabilizar os procedimentos de contratação, por ajuste directo, de EE e BB, pessoas suas conhecidas. Daqui decorre, inelutavelmente, que tal decisão não teve subjacente qualquer interesse público, mas sim o interesse privado dos próprios contratados. Deste modo incorreu o arguido na prática dos dois crimes de prevaricação de que vem acusado, os quais consomem, numa relação de concurso aparente, o crime de abuso de poder p. e p. pelo artigo 26.º do mesmo diploma legal (“1 - O titular de cargo político que abusar dos poderes ou violar os deveres inerentes às suas funções, com a intenção de obter, para si ou para terceiro, um benefício ilegítimo ou de causar um prejuízo a outrem, será punido com prisão de seis meses a três anos ou multa de 50 a 100 dias, se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal”). A conduta do arguido preenche igualmente a norma incriminadora vertida no artigo 26.º do diploma citado e não só o ilícito típico de prevaricação. O concurso aparente de infracções pressupõe que sobre a mesma situação possa convergir mais do que uma norma, verificando-se entre elas uma relação de especialidade, de subsidiariedade ou de consumpção: uma delas prevalecerá então sobre a outra (ou sobre as outras) e exclui-la-á (ou exclui-las-á). O mecanismo da consumpção não branqueia nem elimina a tonalidade delituosa própria do tipo penal consumido, mas considera-se suficiente a formulação de um juízo de censura único, pelo que o arguido deverá ser punido pelo crime mais grave que é, neste caso, o de prevaricação.
E. É a seguinte a fundamentação relativa à determinação das consequências penais no caso: (…) V. DAS PENAS: Neste caso, e conforme já analisado, os crimes de prevaricação cometidos pelo arguido são puníveis com pena de 2 a 8 anos de prisão (cfr. artigo 11.º da Lei n.º 34/87) e os crimes de falsificação praticados pela arguida são puníveis com pena de prisão até três anos ou com pena de multa”. Ao abrigo do disposto no artigo 40.° do CP "a aplicação de penas e de medidas de ... visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade" e, "em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa". Só finalidades relativas de prevenção, geral e especial, não finalidades absolutas de retribuição e expiação, podem justificar a intervenção do sistema penal e conferir fundamento e sentido às suas reacções específicas. Prevenção geral, porém, não como prevenção geral negativa, de intimidação do delinquente e de outros potenciais criminosos, mas como prevenção positiva ou de reintegração, isto é, de reforço da consciência jurídica comunitária e do seu sentimento de ... face à violação da norma -cfr. Figueiredo Dias, in "As consequências Jurídicas do Crime". Por outro lado, o artigo 71.° do CP estipula que "a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção" (n.º1). Nessa determinação, o limite máximo fixar-se-á em função da medida da culpa, medida esta que delimitará a pena, por maiores que sejam as exigências de carácter preventivo que se façam sentir. Por seu turno, o limite mínimo é dado pelo quantum da pena que, em concreto, realiza eficazmente a protecção dos bens jurídicos. Dentro destes dois limites encontrar-se-á o espaço possível de resposta às necessidades da reintegração social do agente. Para o efeito, o tribunal deverá atender "a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele" (artigo 71.° n.O 2 do CP). Assim, atento o teor dos artigos 40.° n. ° 1 e 71 .° do CP, são de considerar na determinação da medida da pena os seguintes factores: Quanto ao arguido AA, o grau de ilicitude do facto é médio, em face da inexistência de consequência gravosas para a .... Porém, a culpa é elevada, atendendo ao acrescido dever de lealdade, legalidade e idoneidade comportamental que a comunidade espera da actuação do ... de uma ..., tanto mais que o mesmo já tinha experiência política, por ter sido ... de outra ... de freguesia. A favor do arguido, valora-se o facto de se encontrar social, familiar e profissionalmente integrado e de não ter antecedentes criminais. Deste modo, face à factualidade descrita e tendo em conta as considerações jurídicas expendidas sobre a determinação da medida da pena, julga-se justa e adequada a aplicação ao arguido da pena de 2 anos e 6 meses de prisão pelo crime de prevaricação decorrente da contratação de EE e 3 anos de prisão pelo crime de prevaricação decorrente da contratação de BB. Porém, nos termos do artigo 77.° n.º 1 do CP "quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles, é condenado numa única pena. Na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente". A pena aplicável ao concurso tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes e como o limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes (n.º 2). Neste caso a moldura abstracta é de prisão de 3 anos a 5 anos e 6 meses. Importa graduar a pena aplicável ao concurso de crimes tendo em conta os factos descritos e a personalidade do agente. Ora, atendendo à inexistência de graves consequências para a ... e o facto de o arguido apresentar uma trajetória pessoal e laboral investida e estável, sendo uma pessoa admirada e reputada no seu meio social, tal permite concluir que o arguido não terá uma personalidade não desviante e sem propensão para o incumprimento, pelo que se entende proporcional, justo e adequado aplicar ao arguido, como punição pelo concurso de crimes, a pena única de 3 anos e 6 meses de prisão. Cumpre, agora, aferir da viabilidade de aplicação do instituto da suspensão da execução da pena única aplicada. A suspensão da execução da pena encontra a sua regulamentação legal no artigo 50.º e seguintes do Código Penal. Nos termos do artigo 50.º n.º 1 do C. P., deverá o tribunal suspender a pena de prisão em medida não superior a cinco anos, desde que conclua que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste. A suspensão da execução da pena de prisão é uma medida penal de conteúdo reeducativo e pedagógico. Como referem os Conselheiros Leal-Henriques e Simas Santos “Na base da decisão de suspensão da execução da pena deverá estar uma prognose social favorável ao arguido, ou seja, a esperança de que o réu sentirá a sua condenação como uma advertência e que não cometerá no futuro nenhum crime. O tribunal deverá correr um risco prudente, uma vez que a esperança não é seguramente certeza, mas se tem sérias dúvidas sobre a capacidade do réu para compreender a oportunidade de ressocialização que lhe é oferecida, a prognose deve ser negativa. Nessa prognose deve atender-se à personalidade do arguido, às suas condições de vida, à conduta anterior e posterior ao facto punível e às circunstâncias deste, ou seja, devem ser valoradas todas as circunstâncias que tornam possível uma conclusão sobre a conduta futura do arguido, atendendo somente às razões da prevenção especial [...] Sendo favorável esse juízo de prognose deverá, então, o tribunal decidir se a simples censura do facto bastarão para satisfazer as necessidades de reprovação e prevenção (geral) do crime.” (in Código Penal Anotado, anotação ao artigo 50º, Volume I, 3ª Edição, Editora Rei dos Livros, pág. 639). Neste caso, a integração do arguido no seu meio social e familiar e o seu percurso profissional estável e ascendente, não lhe sendo conhecidas outras condutas desviantes, impõem que se ajuíze positivamente quanto ao seu comportamento futuro, fazendo-se um juízo de prognose a seu favor, sendo crível que a iminência de uma pena de prisão de 3 anos e 6 meses será suficiente e adequada às finalidades da punição, suspensão esta que deverá vigorar pelo mesmo período de 3 anos e 6 meses. A esta pena deverá acrescer, uma vez transitada em julgado, como efeito da mesma, a perda de mandato, ao abrigo do artigo 29.º al. f) da lei 34/87, nos moldes acima já explicitados.” (…)
»
II.4- Apreciemos, então, as questões a decidir.
a) Se existe vício da falta de fundamentação para a decisão da matéria de facto provada (arts. 374º, nº 2 e 379º, nº 1, al. a) do Cód.Processo Penal)
Sustenta o recorrente que o acórdão recorrido teria violado o disposto nos arts.97º, 374º nº2 do Cód.Processo Penal e 205º nº1 da CRP, porquanto não considerou todos os elementos probatórios produzidos nos autos, não analisando criticamente os mesmos.
Mais suscita a “inconstitucionalidade dos artigos 97.º, n.º 5 e 374.º, n.º 2 do CPP quando interpretados no sentido que a obrigação de fundamentação decorrente daqueles normativos não obriga à explicação da prevalência de determinados meios de prova em detrimentos de outros, da opção do julgador por considerar credível parte da declaração de um sujeito processual e não credível o restante, por violação artigo 205.º, n.º 1 da CRP.”
Em súmula aponta os seguintes vícios à decisão da matéria de facto, invocando que a mesma: 1 - Explicita de forma tabelar e manifestamente insuficiente, porque valorizou decisivamente os depoimentos do CC e DD; 2 – Justifica com argumento de senso comum a desvalorização do depoimento do EE, em questões de ciência (informática) que não domina e que, aliás, foram corroborados indirectamente por outros meios de prova; 3 - Não clarifica de todo (nem mesmo para os descartar) porque desconsiderou (ignorou) os depoimentos do HH, da LL, e das demais testemunhas que nem sequer menciona, sendo que depuseram sobre factos relevantes para o preenchimento do requisito objectivo em sentido contrário à decisão; 4 - Não fundamenta porque se socorre da parte do depoimento de testemunhas – vg. MM e II – na parte que entende sustentar a convicção desconsiderando o que não interessa à tese que acolheu; e 5 - Não fundamenta como concluiu os factos que preenchem o requisito subjectivo, literalmente inferindo a consciência da ilicitude.
Vejamos:
O artigo 205º nº1 da Constituição da República Portuguesa consagra que “As decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei”. Sublinhe-se que a necessidade de fundamentar as decisões judiciais é uma das exigências do processo equitativo, um dos Direitos consagrados no artigo 6º/1 da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, na medida em que se traduz num elemento de transparência da justiça inerente a qualquer acto processual.
Aquele princípio constitucional encontra consagração nos termos do disposto no art. 379º do Cód. de Processo Penal, que prevê em especial os motivos pelos quais a sentença penal pode ser afectada de nulidade.
Ora, o nº1, alínea a) do citado art, 379º do Cód. de Processo Penal, comina de nula a sentença que não contiver as menções referidas no art. 374º/2/3/b), do mesmo código.
Na parte que aqui importa considerar, o art. 374º do Cód. de Processo Penal, versando sobre os requisitos da sentença, estipula no seu referido nº2 o chamado dever de fundamentação da sentença, determinando que em tal sede «ao relatório segue-se a fundamentação que consta da enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição, tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos de facto e de direito que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal».
Sumariamente se dirá que o dever de fundamentação vem plasmado desde logo no art. 97º/4 do Cód. de Processo Penal, onde se estipula que «Os actos decisórios são sempre fundamentados, devendo ser especificados os motivos de facto e de direito da decisão», encontrando, como acaba de se enunciar, concretização reforçada no que tange às sentenças penais nos termos do disposto nos aludidos arts. 374º nº2 e 379º nº1 al. a) do Cód. de Processo Penal.
Como escreve o Conselheiro Oliveira Mendes (em “Código de Processo Penal Comentado”, 5ª edição, pág. 1168), essa fundamentação reforçada «visa, por um lado, a total transparência da decisão, para que os seus destinatários (aqui se incluindo a própria comunidade) possam apreender e compreender claramente os juízos de valoração e de apreciação da prova, bem como a actividade interpretativa da lei e sua aplicação e, por outro lado, possibilitar ao tribunal superior a fiscalização e o controlo da actividade decisória, fiscalização e controlo que se concretizam através do recurso, o que consubstancia, desde a Revisão de 1997, um direito do arguido constitucionalmente consagrado, expressamente incluído nas garantias de defesa - artigo 32º, nº1, da Constituição da República».
É na fundamentação da sentença, sua explicitação e exame crítico que se poderá avaliar a consistência, objectividade, rigor e legitimidade do processo lógico e subjectivo da formação da convicção do julgador, do mesmo passo se viabilizando a possibilidade de controlo da decisão, de forma a impedir a avaliação probatória caprichosa ou arbitrária e deve ser conjugada com o sistema de livre apreciação da prova.
Assim, a fundamentação da decisão deve obedecer a uma lógica de convencimento que permita a sua compreensão pelos destinatários, mas também pelo tribunal de recurso.
Essa lógica de convencimento e de possibilidade de controlo por via de recurso, porém, apenas se impõe na medida do necessário para a compreensão da decisão, da sua lógica intrínseca, de modo a que não possa apresentar-se como arbitrária ou injustificada – não porque o fosse, mas porque indemonstrada a sua justificação.
Para cumprir o dever de fundamentação da decisão de facto deverá o tribunal, após ter enunciado os factos provados e não provados, alinhar as razões que estiveram na base da convicção formada de que a versão dos acontecimentos por si acolhida é correcta, indicando também os motivos porque não atendeu a eventuais provas em sentido contrário. Como se salienta no Ac. do Tribunal Constitucional nº 573/98 (publicado no D.R. 2ª Série de 13 de Novembro de 1998), a decisão, sobre a matéria de facto tem de «estar substancialmente fundamentada ou motivada – não através de uma mera indicação ou arrolamento dos meios probatórios, mas de uma verdadeira reconstituição e análise crítica do iter que conduziu a considerar cada facto como provado ou não provado».
Contudo, não se exige, numa fastidiosa explanação, transformando o processo oral em escrito, que se descreva todo o caminho tomado pelo juiz para decidir, todo o raciocínio lógico seguido. A lei impõe, isso sim, uma enunciação suficiente, ainda que sucinta, para persuadir os destinatários e garantir a transparência da decisão.
Como se refere no Ac.RL de 08/01/2020, proc. 133/17.4PGSXL.L1-3, “O rigor e a suficiência do exame crítico têm de ser aferidos por critérios de razoabilidade, sendo fundamental, mas bastante, que permita exteriorizar as razões da decisão e o processo lógico, racional e intelectual que lhe serviu de suporte e desde que torne percetível e sindicável, em instância de recurso, as razões da convicção do Tribunal do julgamento, quanto aos factos, não se verificará a nulidade emergente da falta de exame crítico das provas (acórdãos do Supremo Tribunal de 17 de Março de 2004, proc. 4026/03 e Ac. do STJ de 3.10.2007, processo 07P1779, Ac. da Relação de Lisboa de 10.07.2018, processo nº 106/15.1PFLRS.L1-5 in http://www.dgsi.pt; Ac. da Relação de Évora de 07.03.2017, Processo 246/10 Jus Net 1781/2017 Marques Ferreira (in "Jornadas de Direito Processual Penal - O Novo Código de Processo Penal", Livraria Almedina, 1988, pág. 228) Sérgio Poças, Da sentença penal – Fundamentação de facto, Revista “Julgar”, n.º 3, p. 21 e segs.).
Ou seja, se a fundamentação da decisão deve obedecer a uma lógica de convencimento que permita a sua compreensão pelos destinatários, mas também pelo tribunal de recurso, essa lógica de convencimento e de possibilidade de controlo por via de recurso apenas se impõe na medida do necessário para a compreensão da decisão, da sua lógica intrínseca, de modo a que não possa apresentar-se como arbitrária ou injustificada.
Como escreve Eduardo Correia: "só assim racionalizada, motivada, a decisão judicial realiza aquela altíssima função de procurar, ao menos, 'convencer' as partes e a sociedade da sua justiça, função que em matéria penal a própria designação do condenado por 'convencido' sugere" (Parecer da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra sobre o artigo 653º do Projecto, em 1ª Revisão Ministerial, de alteração do Código de Processo Civil, Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, vol. XXXVII (1961), pág. 184).”
Como refere o Ac.STJ de 27/05/2009, proc.1511/05.7 PBFAR.S1, “A fundamentação decisória não tem que preencher uma extensão épica, sem embargo de dever permitir ao seu destinatário directo e à comunidade mais vasta de cidadãos, que sobre o julgado exerce um controle indirecto, apreender o raciocínio que conduziu o juiz a proferir tal decisão. Para além da enumeração das razões de facto e de direito, a sentença, nos termos do art. 374.º, n.º 2, do CPP, reclama do juiz o exame crítico das provas, que é a sua descrição e o juízo de valor que elas oferecem em termos de suporte decisório, ou seja, a crítica porque umas merecem credibilidade e outras não, impondo que o juiz indique todas as provas, a favor ou contra, que constituem a decisão e diga as razões pelas quais não atendeu às provas contrárias à decisão tomada.”
O que significa que o dever de fundamentação deverá ter–se por satisfeito mediante uma exposição que, ainda que sintética, expresse suficientemente o exercício de exame critico sobre as distintas fontes de prova, e permita percepcionar os motivos da opção do tribunal pelo resultado de tal exercício que vem a consagrar na decisão da matéria de facto, opção essa deverá ser tanto mais fundamentada quanto maior for a dualidade que resulte da prova produzida.
Como referencia o Ac.RP de 09/12/2015, proc. 9/14.7T3ILH.P1, «O exame crítico da prova consiste na enumeração das razões de ciência reveladas ou extraídas das provas administradas, a razão de determinada opção relevante por um ou outro dos meios de prova, os motivos da credibilidade dos depoimentos, o valor de documentos e exames, que o tribunal privilegiou na formação da convicção, em ordem a que os destinatários fiquem cientes da lógica do raciocínio seguido pelo tribunal e das razões da sua convicção. (…) A razão de ser da exigência da exposição, dos meios de prova, é não só permitir o exame do processo lógico ou racional que subjaz à formação da convicção do julgador, mas também assegurar a inexistência de violação do princípio da inadmissibilidade das proibições de prova.»
Efectuadas estas genéricas considerações, revertamos às questões em concreto suscitadas pelo arguido/recorrente nesta parte do seu recurso.
Do que vimos acabando de referir logo resulta que não existe qualquer nulidade por falta de fundamentação invocada pelo recorrente, quando apela à divergência com a sua apreciação do que foram os depoimentos de CC e DD ou de EE e como o tribunal recorrido os valorou.
Se esse exercício se mostra adequadamente efectuado, e se as conclusões probatórias a que chega o tribunal recorrido são passíveis de censura, essa é uma questão diversa, e que se situa a jusante da omissão de explicitação dos motivos pelos quais se chegou àquelas.
Igualmente não se verifica a existência da nulidade invocada quanto à falta de fundamentação do elemento subjectivo.
Esta matéria é normalmente insusceptível de directa apreensão, salvo quando há confissão do arguido, pelo que, em regra, a sua sustentação probatória se obtém por via de prova indirecta, ou seja, extrai-se de factos do foro externo ou objectivo, em termos de os mesmos só serem racionalmente explicáveis como consequência normal e típica do correspondente propósito, constituindo, pois, uma sua manifestação exterior concludente, da qual é possível inferir a indicada demonstração indirecta.
Ponto é que a relação que se estabelece entre o que é conhecido e o que se apurou de uma forma indirecta seja dotada de consistência apta a validar a conclusão efectuada, o que supõe que os factos objectivos relativos à actuação do arguido que, na decisão, foram dados como provados, conjugados com as regras da experiência comum, constituam base factual directa bastante para concluir no sentido da demonstração, por via indirecta, da presente matéria relativa ao foro interno do agente.
Mais sustenta o recorrente que existe uma total ausência de “pronúncia” sobre o conteúdo do depoimento das testemunhas HH, LL, PP, TT, YY, QQ, ZZ, JJ, NN, SS, AAA, BBB, CCC, DDD; UU e EEE, todos inquiridos em audiência de julgamento, como das actas se retira.
Efectivamente, lida a motivação da matéria de facto nenhuma referência se faz em relação às referidas testemunhas, com excepção, parece, da testemunha FFF, que é identificada no acórdão como a “... da ...”, o que desde logo não se afigura uma técnica identificava correcta
Ainda assim, a revelar-se correcta tal inferência sobre a identidade, o explanado na motivação sobre a matéria de facto dada como provada permite ainda assim, aquilatar da apreciação que o tribunal fez do depoimento da referida testemunha.
Em relação a todas as outras, essas não constam na motivação elencada, nem pelo nome nem por qualquer outra técnica identificativa.
Não duvidamos que algumas delas poderão ter respondido apenas a questões relativas às condições económicas e sociais do arguido, sendo certo que a contestação do mesmo (ref.ª37620026 de 17/11/2023) não faz qualquer menção às testemunhas que deveria depor nos termos do art-128º nº2 do Cód.Processo Penal, ex vi dos art.283º nº3 al.e) e art.311º-B nº4.
No entanto, no acórdão recorrido igualmente se não faz essa referência, tão só “sendo a boa imagem do arguido salientada pelas testemunhas por este apresentadas”.
O rol da contestação do arguido tem 19 testemunhas, ficando-se sem saber quem efectivamente depôs sobre tais aspectos e foi valorada.
Mas será que todas as testemunhas que não foram elencadas apenas depuseram sobre a condição económica e social do arguido?
Não se afigura tal verosímil, e basta atentar na duração dos depoimentos em causa, para constatar que se em relação a algumas testemunhas é compatível o seu tempo de inquirição com o campo reduzido do seu conhecimento, já não se afigura possível que isso possa acontecer em relação às testemunhas HH, inquirido durante 1h37m, LL, inquirida durante 1h02m, PP, inquirido durante 43 minutos, para além de vários outros, com duração diversa (sendo estes os mais significativos).
Essas e todas as outras não foram valorados porque nada sabiam sobre a matéria em discussão ou porque o seu depoimento foi incongruente e não foram valoradas em tal medida?
Ou pelo contrário, foram relevantes para a formação da convicção? Mas em que medida e em relação a que materialidade fáctica?
Como acima fomos dando conta, a fundamentação de uma sentença contribui para a sua eficácia, já que esta depende da persuasão dos respectivos destinatários e da comunidade jurídica em geral, constituindo um “verdadeiro factor de legitimação do poder jurisdicional4”
Mas se assim é, não pode a mesma deixar de referir-se a mais de uma dezena de testemunhas, não tecendo qualquer valoração sobre o seu depoimento, permitindo a dúvida sobre se o tribunal efectivamente apreciou criticamente toda a prova, ou só o fez parcelarmente.
A dúvida que pode suscitar no destinatário último da decisão é a de este desconhecer se o Tribunal apreciou toda a prova, inclusive a que por ele foi trazida ao processo.
E é exactamente nesse ponto que a obrigação de fundamentar as decisões judiciais enquanto verdadeiro factor de legitimação do poder jurisdicional ganha mais relevo, porquanto o comum é o tribunal deparar-se com uma ou mais teses ou versões dos factos, ganhando tanto mais capacidade de persuasão dos seus destinatários quanto maior for capaz de explicitar a motivação (enquanto percurso racional valorativo) que o levou a optar por uma e a afastar o seu oposto.
Conforme refere o Ac.RL de 27/06/2023, proc. 1427/16.1PCSNT.L1-5,
“Torna-se assim necessário que o Tribunal indique os fundamentos suficientes para que seja possível controlar o processo de formação da convicção do julgador e sua razoabilidade. É que, muito embora o juiz seja livre de atribuir, ou não, força probatória aos elementos de prova submetidos à sua apreciação, impõe-se que explique e fundamente a sua decisão de facto, por forma a permitir sindicar a apreciação que fez da prova produzida, verificando-se se formou a sua convicção com respeito pelas regras da lógica, da razão e da experiência comum. Deste modo, podendo valorar determinada prova em detrimento de outra, não pode, porém, o julgador deixar de examinar todos os meios de prova produzidos, nem omitir as razões que o levaram a atribuir credibilidade ou força probatória a determinadas provas e não relativamente a outras.”
E conexo com tal, é sem dúvida a possibilitação ao tribunal de recurso de proceder ao reexame lógico ou racional que esteve subjacente à decisão, e concomitantemente à reponderação daquela.
Tal não é verdadeiramente viável se este Tribunal se depara com a necessidade de valorar um conjunto alargado de prova que aparentemente nunca o foi, ou pelo menos, não se mostra explicitado o sentido em que o tribunal da 1ª instância a apreciou, em conjunto com a restante, como é o caso presente (e se depreende da impugnação da matéria de facto efectuada pelo recorrente).
Não podemos assim deixar de considerar que tal “omissão de pronúncia” sobre a valoração daquele conjunto alargado de testemunhas assume uma dimensão tal que contende com a plenitude do exame critico da prova produzida e configura, assim, falta de fundamentação, a determinar a nulidade da decisão, por referência aos artigos 374º nº 2 e 379º nº 1 al.a), ambos do Cód.Processo Penal.
*
Resulta do disposto no artigo 379º nº 2 do Cód.Processo Penal, que “As nulidades da sentença devem ser arguidas ou conhecidas em recurso, devendo o tribunal supri-las, aplicando-se, com as necessárias adaptações, o disposto no nº 4 do artigo 414º”.
Todavia, no caso em apreço, não é possível suprir neste Tribunal de recurso a nulidade que afeta a decisão, na medida em que se trata da exposição do percurso conviccional seguido pelo Tribunal a quo, mormente ao nível do exame crítico da prova testemunhal produzida em audiência de julgamento, sua relevância ou não e os motivos da sua desconsideração, caso os haja, a qual não ficou consignada, não sendo lícito que este Tribunal de recurso sobreponha a sua convicção à do julgador da 1ª instância, pois só este beneficiou da imediação e oralidade essenciais ao julgamento da causa.
Face ao exposto, impõe-se, por isso, anular a decisão, devendo ser proferida nova sentença, suprindo os apontados vícios.
Como refere Oliveira Mendes, “Por efeito da alteração introduzida ao texto do nº 2 pela Lei nº 20/2013, de 21 de Fevereiro, passou a constituir um dever do tribunal de recurso o suprimento das nulidades da sentença recorrida (é o que decorre da actual letra da lei «as nulidades da sentença devem ser arguidas ou conhecidas em recurso, devendo o tribunal supri-las…»), razão pela qual sobre o tribunal de recurso impende a obrigação de suprir as nulidades de que padeça a sentença recorrida, a menos, obviamente, que a nulidade só seja susceptível de suprimento pelo tribunal recorrido, situação que será a comum, visto que na maioria dos casos o suprimento pelo tribunal de recurso redundaria na eliminação de um grau de jurisdição.” (Ob. cit., pág. 1158.)
*
Em face do decidido, fica prejudicado o conhecimento das demais questões suscitadas no recurso interposto pelo arguido recorrente.
»
III- DISPOSITIVO
Nestes termos, em face do exposto, acordam os Juízes que compõem a 5ª Secção deste Tribunal da Relação de Lisboa em declarar a nulidade do acórdão sob recurso, por falta de fundamentação, determinando a devolução dos autos ao Tribunal recorrido, a fim de suprir a apontada nulidade.
Sem custas, nos termos do que decorre do preceituado no artigo 513º, nº 1 a contrario do Cód.Processo Penal.
Notifique nos termos legais.
»
Lisboa, 1 de Julho de 2025 (O presente acórdão foi processado em computador pelo relator, seu primeiro signatário, e integralmente revisto por si e pelos Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos – art. 94.º, n.º 2 do Código de Processo Penal - encontrando-se escrito de acordo com a antiga ortografia)
Os Juízes Desembargadores,
João Grilo Amaral
Paulo Barreto
Ana Lúcia Gordinho
_______________________________________________________
1. Indicam-se, a título de exemplo, os Acórdãos do STJ, de 15/04/2010 e 19/05/2010, in http://www.dgsi.pt.
2. Germano Marques da Silva, Direito Processual Penal Português, vol. 3, Universidade Católica Editora, 2015, pág.335; Simas Santos e Leal-Henriques, Recursos Penais, 8.ª ed., Rei dos Livros, 2011, pág.113.
3. Conhecimento oficioso que resulta da jurisprudência fixada pelo Acórdão de fixação de jurisprudência n.º 7/95 de 19/10/1995, publicado no DR/I 28/12/1995.
4. Ac. nº 367/03 do Tribunal Constitucional, de 14/07/2003