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VÍCIOS DO ARTº 410º DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL
DIFAMAÇÃO
Sumário
I - Os vícios previstos no n.º 2 do art. 410.º do CPP, que são de conhecimento oficioso, têm de resultar do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum. Neles não se inclui a discordância do recorrente quanto à valoração da prova feita pelo Tribunal. II – Na apreciação do caráter ofensivo das palavras e expressões proferidas, para o efeito do preenchimento do tipo objetivo do crime de difamação, importa ter presente o contexto em que foram ditas, podendo existir situações de conflito em que são utilizadas palavras que revelam destempero ou falta de educação, mas não têm suficiente potencial para atingir o núcleo essencial de qualidades morais do indivíduo que carateriza a ofensa à honra.
Texto Integral
Acordam na 5.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa:
RELATÓRIO
No Juízo Local Criminal de Lisboa, Comarca de Lisboa, foi proferida sentença, com o seguinte dispositivo: «Pelo exposto, tudo visto e ponderado, julgo improcedente a acusação particular e o pedido de indemnização civil deduzido pelo assistente e, em consequência: A) Absolvo o arguido AA da prática, na forma consumada, de um crime de difamação, previsto e punido pelo artigo 180.º, do Código Penal. B) Absolvo o arguido AA da prática, na forma consumada, de um crime de injúria, previsto e punido pelo artigo 181.º, do Código Penal. C) Absolvo o arguido AA do pedido de indemnização civil deduzido pelo assistente BB (…)».
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Inconformado, recorreu o assistente BB formulando as seguintes conclusões:
«i. O assistente aqui recorrente interpõe Recurso da douta decisão porquanto a Sentença recorrida absolve o arguido pela prática de um crime de injúria, um crime de difamação e, consequentemente, do pedido de indemnização civil, e ainda ii. Condena o assistente no pagamento das custas processuais criminais no valor de três unidades de conta e no pagamento das custas civis. iii. O assistente recorre da matéria de facto e de direito.
iv. O arguido discorda da decisão vertida na sentença por diversos motivos designadamente, há erro de julgamento, melhor explicado no capítulo “II. Impugnação da matéria de Facto”, insuficiência para a decisão da matéria de facto provada (de acordo com a al. a) do nº 2 do argo 410º do CPP), existe contradição insanável da fundamentação e entre a fundamentação e a decisão (de acordo com a al. b) ) e ainda, existe erro notório na apreciação da prova e a exclusão de ilicitude é erradamente aplicada a este caso, o qual não cumpre os requisitos necessários para tal, o pedido de indemnização civil e as custas processuais foram incorretamente julgados e decididos, existe também nulidade da sentença, em consequência das normas concretamente violadas dos artigos 127º, 379º/ 1 c), 374º/2 todos do CPP e ainda o argo 483º do CC., todos constante do capitulo “III Impugnação da matéria de direito”. CONCRETIZANDO, v. Discorda o recorrente da matéria de facto e de direito. vi. A sentença recorrida padece de erro de julgamento, porquanto a prova produzida implica que a matéria de facto dada como provada e como não provada fosse distinta nomeadamente, deve o facto F) ser dado como não provado e os factos 1) e 2) dados como provados, consoante melhor se expõe no capítulo “II Impugnação da matéria de direito”, aí constando os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados e as concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida; vii. Designadamente, o recorrente discorda que o facto “F) O arguido proferiu a expressão indicada em C) por estar convencido, de boa fé, que tal expressão é verdadeira porquanto teve conhecimento que o assistente BB, em ... de 2021, retirou do lugar onde se encontravam a quantia de €140 em numerário e um relógio, ambos pertencentes a CC, e retirou ainda uma jangada que se encontrava atracada a uma plataforma pertencente ao imóvel da propriedade de CC sito em ... sem autorização e contra a vontade da mesma, apropriando-se ilegitimamente dos referidos objectos.” se dê como provado, devendo dar-se como não provado. viii. Isto porque, o arguido proferiu a expressão em C) “este senhor roubou-me e é um ladrão”, bem sabendo que o mesmo nunca o havia roubado/furtado ou sequer seapropriado de qualquer bem pertença do arguido, o que, de resto, o recorrido, o recorrente e várias testemunhas de ambas as partes referiram. ix. Ou seja, não pode o recorrido estar convencido de boa-fé que o recorrente o roubou, quando o próprio nega qualquer tipo de crime contra o património perpetuado pelo recorrente, relativamente ao recorrido. x. É largamente debado um episódio alegadamente ocorrido em ... de 2019 em que o arguido e a sua então companheira inventaram que o assistente/aqui recorrente era acusado de crime contra o património relativamente a valores monetários, um relógio e uma jangada/plataforma. xi. Ocorre que, nunca o assistente aqui recorrente foi sequer acusado – muito menos julgado – pela prática de crimes contra o património, muito menos na pessoa do arguido. xii. Pelo que, não podia o Tribunal a quo dar como provado facto que indica que o arguido estava convencido, de boa-fé, que a expressão que proferia era verdadeira, quando nunca existiu qualquer crime contra o património do mesmo. xiii. Consoante melhor se explana aquando da impugnação deste facto ao longo das alegações que antecedem. E AINDA xiv. Discorda que os factos “1) Tal expressão foi dita e dirigida expressamente ao assistente BB de forma directa e na presença do agente da autoridade, assim pondo em causa o carácter, o bom-nome ou a reputação do assistente BB, que ofendeu na sua honra ou bom nome, humilhando-o publicamente” e ainda “2) O arguido AA proferiu tais palavras bem sabendo que as mesmas não correspondiam à verdade, tendo representado, querido e conseguido ofender a honra e consideração pessoais do assistente, sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.”, hajam sido dados como não provados quando deveriam dar-se por provados. xv. Isto porque, os factos dados como provados sob Facto D) e facto E) implicam necessariamente que os factos 1 e 2 sejam igualmente dados como provados, o que resulta da sua simples leitura, a que acresce a habilitação literária do arguido – licenciado em direito, factos provados sob Facto H) e L) -, sabendo este, ou devendo saber, a gravidade das suas palavras e acusações. TAMBÉM, xvi. Há insuficiência para a decisão da matéria de facto no que concerne ao Facto F), consoante melhor explanado no tema C). xvii. O Tribunal a quo decide dar como provado o facto F), designadamente que o arguido estava convencido e de boa fé de que a expressão que proferiu era verdadeira quando, não foi feita prova suficiente nesse sendo, sendo a única prova as declarações do próprio arguido, o depoimento da sua então companheira e ora mulher, que é a proprietária dos bens alegadamente roubados ou furtados o que, implica necessariamente que esta não seja isenta, seja parcial, deponha com sendo de missão porquanto, tem interessa na causa e também, xviii. O depoimento da testemunha DD, prima da testemunha CC e do assistente, também parcial, com considerandos desfavoráveis e de evidente zanga relativamente ao assistente, admitindo que nunca conversou muito com aquele e que já não o faz há vários anos, porém tendo uma opinião formada sobre aquele, negava, demonstrando a sua falta de isenção e parcialidade, tudo consoante melhor consta no tema C). E AINDA, xix. Existe contradição insanável entre a fundamentação, dando o Tribunal a quo como provado o facto F) que no próprio texto contem contradição e ainda, existe contradição insanável quando se dão como não provados os factos 1 e 2 e, simultaneamente, se dão como provados os factos D) e E), no que concerne ao estado de espírito e dano que o arguido causou ao assistente ao proferir a expressão em C), consoante explanado no tema D). DE RESTO, xx. Existe também contradição insanável entre a fundamentação e a decisão uma vez que, o Tribunal recorrido dá como provados factos que necessariamente implicam a condenação do arguido pelos dois crimes de que vai acusado e no pedido de indemnização civil e ainda, xxi. Porquanto o Tribunal a quo fundamenta afirma que não foi considerada matéria conclusiva e sem qualquer relevância para a decisão da causa, quando efetivamente assim foi, por terem sido valorados diversos documentos externos aos autos e absolutamente irrelevantes, consoante melhor se explana no tema E). xxii. O Tribunal a quo considerou na sua decisão – absolvição do arguido por exclusão da ilicitude – diversos documentos estranhos aos autos, em que o arguido nem sequer é parte, incluindo cartas enviadas pela testemunha CC à Polícia, petições iniciais e sentenças de processos que não só nada relevam como nem sequer tratam crimes contra o património, fotografias que nada demonstram e que não se relacionam com os factos praticados pelo arguido na data de .../.../2020, entre outros. TAMBÉM, xxiii. Existe também erro notório na apreciação da prova uma vez que, é dado como provado o facto F) e dados como não provados os factos 1) e 2) que, à luz do homem médio e da experiência comum, no seguimento da leitura da sentença, necessariamente teria de resultar precisamente o inverso: considerar-se o facto F) como não provado e os factos 1 e 2 como factos provados referidos supra em alegações. xxiv. E, ainda, observando o texto da sentença, a decisão nela vertida contraria as regras da experiência e a compreensão do homem médio, devendo ser diferente, impondo-se a condenação do arguido pelos dois crimes de que ia acusado e, bem assim, no pedido de indemnização civil, o que melhor se explana no tema F). xxv. Ao decidir consoante se recorre, o Tribunal a quo transmite uma mensagem à sociedade de que, se um individuo acreditar em determinado facto, independentemente de existir processo criminal, acusação ou condenação, sempre poderá difamar outro em praça pública porquanto, basta que acredite na afirmação que faz – não obstante nem sequer ser proferida no momento dos alegados factos que a proporcionam – que sempre estará protegido pela figura jurídica da exclusão da ilicitude. E AINDA, xxvi. É a exclusão da ilicitude erradamente afastada uma vez que os requisitos para tal não estão devidamente reunidos, consoante melhor se explana no tema G), xxvii. Uma vez que, entende a sentença que há exclusão da ilicitude por o arguido estar convencido, de boa-fé que a expressão proferia era verdadeira quando, na verdade e tal como deve considerar-se provado, o arguido nunca foi parte em qualquer denúncia, queixa-crime, acusação ou decisão condenatória contra o aqui assistente/recorrente, nem sequer tem o assistente qualquer condenação por crime de roubo ou de furto pelo que, xxviii. Ao contrário do que verte a sentença na sua pág. 14 não há qualquer causa que exclua a ilicitude uma vez que o arguido bem sabe que o assistente nunca o roubou ou furtou de qualquer bem e que não tem qualquer condenação contra si. TAMBÉM, xxix. Foi o arguido absolvido do pagamento do pedido de indemnização civil, uma vez que a decisão recorrida entende, genericamente e sem fundamentação, que não resultou provado nenhum dos requisitos necessários, o que, salvo melhor entendimento, não está correto, prova tendo sido feita no sendo do cumprimento de todos os requisitos necessários, consoante melhor se explica no tema H). xxx. Foi feita prova necessária e suficiente no sendo de que existiu um facto voluntário do agente (não negado por este, presenciado por uma das testemunhas e que é agente da autoridade), que ´foi ilícito (violando a honra e o bom nome do assistente e punido criminalmente), culposo (o arguido tem a obrigação de agir com moderação e diligência, sendo moral e juridicamente reprovável o seu comportamento, devendo ter agido de modo distinto), provocou dano com nexo causal entre o comportamento do arguido e o consequente dano (explicado pelo assistente e pelas suas duas testemunhas que presenciaram os danos não patrimoniais – psicológicos – que o assistente sofreu e sofre na sequencia das palavras proferidas pelo arguido). xxxi. Pelo que, não concorda o recorrente com a decisão de absolvição do arguido, devendo este ser condenado também no pagamento do pedido de indemnização civil. E AINDA, xxxii. No que concerne às custas processuais penais e civis, foi o assistente condenado, decisão de que recorre, consoante melhor reflete o tema I). xxxiii. Nesta conformidade, o recorrente considera que a sentença recorrida padece de diversos vícios supra alegados, pelo que, logicamente, ao ser alterada a presente sentença, entende que a condenação no pagamento das custas civis e penais deve ser substituída, devendo ser o arguido o condenado ao pagamento dessas custas e, bem assim, ao pagamento do pedido de indemnização civil. TAMBÉM, xxxiv. Considera o recorrente que a sentença é nula porquanto, diversas normas foram concretamente violadas designadamente, consoante melhor explanado no tema J), o artg. 127º do CPP que determina que a prova “é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente”, o que não ocorreu, existindo erro notório na apreciação da prova e erro de julgamento, consoante já referido, xxxv. Foi de igual modo violada a norma 374º/2 do CPP, uma vez que a sentença não vai devidamente fundamentada tendo em conta a decisão proferida e ainda, o disposto nos argos 483º e 563º do CC, considerando que estão reunidos todos os pressupostos para que o arguido seja condenado ao pagamento de pedido de indemnização civil. xxxvi. Concluindo, o recurso que ora se interpõe expõe diversos vícios da sentença, a modificação da matéria de facto nos termos referidos, ao abrigo do disposto na al. b) do art. 431º e, consequentemente, pede-se que seja o arguido condenado pelos crimes de que ia acusado designadamente, por 1 crime de injúria, por 1 crime de difamação, condenado ao pagamento do pedido de indemnização civil peticionado e ainda, condenado ao pagamento das custas processuais penais e civis».
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Notificado para tanto, respondeu o Ministério Público concluindo nos seguintes termos:
«1. O arguido foi absolvido da prática dos crimes que lhe vinham imputados. 2. O assistente invoca erro notório na apreciação da prova mas parece-nos que o recurso visa, no fundo, a alteração da matéria de facto por discordância da valoração da prova produzida em audiência. 3. As transcrições constantes da motivação não permitem, por si, considerar que ocorreu erro de julgamento ou contradição entre o que foi declarado e o que foi julgado como provado ou não provado. 4. Não merece provimento o recurso na parte que pretende a alteração da decisão quanto à matéria de facto dada como provada e não provada. 5. O assistente não concorda com a aplicação de causa de exclusão da ilicitude que permitiu a absolvição do arguido. 6. O contexto de conflito diário, permanente e que escala para o foro judicial onde estarão ou estiveram pendentes mais de 20 litígios enforma o caso do presente processo. 7. Tal conflito deve-se a oposição disposições de bens, heranças, doações, entre o assistente e a sua irmã, esposa do arguido, tendo sido o assistente que se desloca a imóvel da irmã acompanhado de agentes da polícia municipal (por não concordar com as obras ali realizadas e, dizemos nós, não concordar com a posse do imóvel fora da sua esfera patrimonial). 8. E por terem ocorrido episódios, ainda em litígio, de subtracção de bens por partir do assistente (assim imputados pelo arguido e sua esposa), o arguido tinha fundamento sério para considerar que o assistente era autor de um furto em data anterior, tendo a situação de ser entendida e englobada no contexto de total desgaste conflituoso em que ambas as partes se imputam práticas ilícitas. 9. O Tribunal fundamentou de forma expressiva as razões da sua apreciação e valoração da prova bem como da integração da previsão do artigo 180º, nº 2 al. b) do Código Penal. 10. Pelo exposto, deverá a sentença proferida ser mantida nos seus precisos termos».
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Respondeu também o arguido, concluindo da seguinte forma:
«A. Não há́ razões para alterar a douta decisão do Tribunal a quo que absolveu o arguido: i) da prática, na forma consumada, de um crime de injúria, previsto e punido pelo artigo 181.º, do Có digo Penal; ii) da prá tica, na forma consumada, de 1 (um) crime de difamação, previsto e punido pelo artigo 180.º, do Có digo Penal e iii) do pedido de indemnização civil deduzido pelo assistente. B. Contrariamente ao alegado pelo assistente na impugnação da matéria de facto, das declarações prestadas pelo arguido e pelas testemunhas EE e CC, bem como da análise da restante prova, resulta provado que: i) o arguido não se dirigiu ao Polícia Municipal de maneira agressiva – Cfr. Pontos 14 e 22, da presente resposta; ii) o arguido proferiu, no contexto da explicação à perseguição de que tem sido alvo, a expressão considerada provada no ponto C) da sentença em claro animus defendendi dirigindo-se ao agente da Polícia Municipal, na presença do assistente – Cfr. Pontos 14, 23 e 24, da presente resposta; iii) quando do proferimento daquela expressão, pelo 26 arguido, encontravam-se poucas ou nenhumas pessoas na rua e nenhuma com a possibilidade de ouvir – Cfr. Pontos 25 e 26 da presente resposta. C. Contrariamente ao alegado pelo assistente o facto F) e a verificação de inexistência de tipicidade e de uma causa de exclusão de ilicitude foram corretamente julgados pelo Tribunal a quo, inexistindo, igualmente, qualquer contradição insanável entre a fundamentação e a decisão ou qualquer erro notório na apreciação da prova, visto que: i) o arguido e a sua mulher, embora casados em regime de separação de bens, partilham uma vida conjunta – Cfr. Pontos 5 e 22 a 26, da presente resposta; ii) o pronome pessoal “me” não é passível de ofender a honra – Cfr. Ponto 37, da presente resposta; iii) no seu dia-a-dia, o homem médio, ainda que licenciado em Direito, não faz a distinção jurídica de roubo e furto – Cfr. Pontos 38 e 39, da presente resposta; iv) não é necessária uma acusação ou condenação para se considerar que existe fundamento sério para, em boa-fé́, o arguido reputar aquela expressão como verdadeira – Cfr. Pontos 40, 44 e 45, da presente resposta; v) existe fundamento sério para, em boa-fé, o arguido reputar aquela expressão como verdadeira, dado que o arguido visualizou o assistente a apropriar-se de € 140,00 (cento e quarenta euros) e de um relógio pertencentes à sua mulher e a levar uma plataforma atracada junto à propriedade da sua mulher – Cfr. Pontos 15 a 20 e 40 a 44, da presente resposta. D. Inexiste, ainda, qualquer nulidade de sentença, visto que o Tribunal a quo não considerou provado que o “roubo” ocorreu relativamente a bens de terceiro como se de uma condenação do assistente por outros factos se tratasse, mas antes considerou provado que o arguido teve conhecimento que o assistente retirou, do lugar onde se encontravam, a quantia de € 140,00 (cento e quarenta 27 euros) e um relógio pertencentes à mulher do arguido, bem como uma plataforma atacada junto ao imó vel de ... que é propriedade da mulher do arguido, fundamentando, assim, a boa-fé do arguido para reputar como verdadeira a expressão – Cfr. Pontos 31 e 32, da presente resposta. E. Ainda contrariamente ao alegado pelo assistente, inexiste contradição insanável entre os pontos, considerados nã o provados, 1) e 2) e os pontos, considerados provados, D) e E), visto que: i) o facto indicado no 1) respeita à prá tica de 1 (um) crime de injú ria e, conforme prova produzida em audiência de discussão e julgamento, este nã o se veri0icou – Cfr. Pontos 14, 23, 24 e 54 a 56, da presente resposta; ii) nos pontos, considerados provados, D) e F), contrariamente ao ponto, considerado nã o provado, 2), todos da sentença, o arguido nã o tem intenção de ofender a honra do assistente – Cfr. Pontos 57 e 58, da presente resposta; iii) as declarações prestadas pelo assistente e pelas testemunhas BB e FF não demonstram a intenção de ofender, mas tã o-só o que o assistente sentiu – Cfr. Ponto 59, da presente resposta. F. Mais, não se verifica qualquer erro, contradição ou sequer a insu0iciência para a decisão da matéria de facto provada, visto que o arguido se limitou a discordar da forma como o Tribunal a quo apreciou – de forma correcta e devidamente fundamentada - a prova produzida – Cfr. Pontos 64 a 67, da presente resposta, sendo que nã o existindo acto ilı́cito, culposo, voluntário e dirigido à honra por parte do assistente, nã o se veri0icam preenchidos os pressupostos de aplicaçãõ o e determinaçãõ o de indemnizaçãõ o civil – Cfr. Ponto 69, da presente resposta, pelo que deverá o Tribunal ad quem negar o provimento ao recurso interposto, mantendo a sentença recorrida. Termos em deve ser negado o provimento ao recurso interposto pelo assistente BB, mantendo-se in totum a douta sentença recorrida».
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Admitido o recurso, foi determinada a sua subida imediata, nos autos, e com efeito suspensivo.
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Neste Tribunal da Relação de Lisboa foram os autos ao Ministério Público tendo sido emitido parecer no sentido da improcedência do recurso.
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Cumprido o disposto no art.º 417.º/2 do Código de Processo Penal, não foi apresentada resposta ao parecer.
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Proferido despacho liminar e colhidos os vistos, teve lugar a conferência.
Cumpre decidir. OBJECTO DO RECURSO
Nos termos do art.º 412.º do Código de Processo Penal, e de acordo com a jurisprudência há muito assente, o âmbito do recurso define-se pelas conclusões que o recorrente extrai da motivação por si apresentada. Não obstante, «É oficioso, pelo tribunal de recurso, o conhecimento dos vícios indicados no artigo 410.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito» (Acórdão de Uniformização de Jurisprudência 7/95, Supremo Tribunal de Justiça, in D.R., I-A, de 28.12.1995).
São só as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas conclusões da respetiva motivação que o tribunal de recurso tem de apreciar. Se o recorrente não retoma nas conclusões as questões que desenvolveu no corpo da motivação (porque se esqueceu ou porque pretendeu restringir o objeto do recurso), o Tribunal Superior só conhecerá das que constam das conclusões1.
Desta forma, tendo presentes tais conclusões, são as seguintes as questões a decidir:
a) Nulidade da sentença
b) Vícios previstos no art. 410.º, n.º 2 do CPP
c) Erro de julgamento – impugnação ampla da matéria de facto
d) Inexistência de causa de exclusão da ilicitude
e) Erro na apreciação do pedido de indemnização civil e indevida condenação do assistente no pagamento das custas civis e penais. DA SENTENÇA RECORRIDA
Da sentença recorrida consta a seguinte matéria de facto provada: «Da prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento resultou assente a seguinte factualidade, com interesse para a decisão da causa: A)No dia ... de ... de 2022, pelas 11H00, o assistente BB dirigiu-se à ..., em frente ao n.º …, no ..., onde decorria uma acção de fiscalização levada a cabo pela Polícia Municipal de... na sequência de denúncia, por si realizada, de operação urbanística numa fracção deste prédio, a qual fora propriedade dos pais do assistente e que é objecto de processos judiciais no qual são parte pelo menos o assistente e a respectiva irmã CC, que é esposa do arguido. B) Após ter sido realizada a fiscalização, já no exterior do prédio, local onde se encontravam o assistente BB acompanhado por um agente da Polícia Municipal de..., aí compareceram o arguido AA e CC, tendo-se o arguido dirigido em passo apressado na direcção do assistente e do referido agente. C)Sem que o assistente BB lhe dirigisse sequer a palavra e em plena via pública, o arguido AA, perante os presentes, dirigindo-se ao agente da Polícia Municipal mas referindo-se ao assistente disse: “este senhor roubou-me e é um ladrão”. D)O arguido AA agiu de forma livre, voluntária e consciente sabendo que as expressões que utilizou eram aptas a ofender a honra e consideração pessoais do assistente. E) O assistente BB sentiu mau estar, incómodo, vergonha, preocupação e humilhação a que acresce o facto de a situação ter ocorrido na presença de um agente da autoridade, o que muito envergonhou e constrangeu o Assistente. F) O arguido proferiu a expressão indicada em C) por estar convencido, de boa fé, que tal expressão é verdadeira porquanto teve conhecimento que o assistente BB, em ... de 2021, retirou do lugar onde se encontravam a quantia de €140 em numerário e um relógio, ambos pertencentes a CC, e retirou ainda uma jangada que se encontrava atracada a uma plataforma pertencente ao imóvel da propriedade de CC sito em ... sem autorização e contra a vontade da mesma, apropriando-se ilegitimamente dos referidos objectos. G)No momento descrito em C), o arguido tentou logo explicar ao agente ali presente a sequência de factos/conflito familiar que os havia levado àquele momento. H)O arguido …, vivendo de poupanças realizadas com a venda de … e da venda de quotas de um … pelo montante de €5.000. I) O arguido é casado, sendo a esposa …, auferindo, mensalmente, a quantia de cerca de €2.000. J) O arguido tem quatro filhos com 38, 30, 29 e 26 anos de idades, os quais são financeiramente independentes. K)O arguido reside em habitação própria pertencente à esposa, sendo esta quem suporta o valor mensal da prestação bancária. L) O arguido é licenciado em …. e completou uma pós graduação em …. M) O arguido não tem averbada qualquer condenação ao respectivo certificado do registo criminal. * 2. Factos não provados 1) Tal expressão foi dita e dirigida expressamente ao assistente BB de forma directa e na presença do agente da autoridade, assim pondo em causa o carácter, o bom-nome ou a reputação do assistente BB, que ofendeu na sua honra ou bom nome, humilhando-o publicamente 2) O arguido AA proferiu tais palavras bem sabendo que as mesmas não correspondiam à verdade, tendo representado, querido e conseguido ofender a honra e consideração pessoais do assistente, sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei. 3) Que o agente da Polícia Municipal referido em B) fosse GG. Não resultaram provados outros factos com relevância para a causa, sendo certo que não foi considerada matéria conclusiva, de direito ou sem qualquer relevância para a decisão da causa».
Por relevar para a decisão, transcreve-se igualmente a fundamentação da decisão de facto constante da sentença:
«A convicção do tribunal estribou-se, no que respeita aos factos pelos quais o arguido vinha acusado, na prova documental constante dos autos e nas declarações produzidas pelo arguido, pelo assistente BB e pelas testemunhas EE (agente da Polícia Municipal entre 2000 e 2022), BB (filho do assistente), FF (filho do assistente), CC (esposa do arguido e irmã do assistente), DD (prima de CC e do assistente) e HH (trabalha numa casa próxima do imóvel da propriedade de CC no ...) em audiência de discussão e julgamento. A prova da factualidade descrita em A) a G) resultou do cotejo do teor da documentação da Polícia Municipal de fls. 17 a 21 e 76 a 80, da carta de fls. 144, da documentação referente ao processo de inquérito 3332/21.0T9LSB, da certidão do registo predial de fls. 158, das fotografias de fls. 161, 192 verso a 199, 203 a 207, da documentação do Plano Director Municipal de fls. 162 e 163, das peças referentes ao procedimento cautelar de fls. 164 e seguintes, do auto de notícia de fls. 185, da documentação de fls. 210 e seguintes, da carta de fls. 215 e da petição inicial de fls. 216 e seguintes com as declarações produzidas pelo arguido, pelo assistente e pelas testemunhas EE, BB, FF, CC, DD e HH em audiência de discussão e julgamento. Com efeito, o arguido admitiu pronta e espontaneamente que na data, hora e local mencionados em A) a C), “é possível que tenha proferido as palavras” (sic) descritas na acusação, afirmando tê-las dito ao agente da Polícia Municipal estando presente igualmente o assistente, que as escutou. Agastado, acrescentou que o evento de ... de ... de 2022 é mais um no quadro de um conflito familiar existente entre a esposa do arguido e irmã do assistente, e o assistente na sequência da doação de um imóvel que os pais de CC e do assistente realizaram, no ano de 2016, a CC. Com firmeza, o arguido referiu residir com a esposa a cerca de oitocentos metros do imóvel objecto da acção de fiscalização tendo sido contactado pelo empreiteiro que efectuava a obra reportando a presença da Polícia Municipal no local. Rumando prontamente ao imóvel, saiu do automóvel e dirigiu-se ao agente da Polícia Municipal, sendo que ao ver o assistente no local “perdeu a cabeça” (sic), justificando ter dirigido as palavras indicadas em C) ao agente com o propósito de lhe transmitir que o que o assistente BB comunicara à polícia não era credível, tendo o arguido explicado ao agente, após o mesmo ter mandado o assistente ausentar-se do local, a “perseguição” (sic) de que estava a ser alvo da parte do assistente. Agastado e emocionado, o arguido mencionou que viu BB furtar a carteira da respectiva irmã, que aquele furtara ainda uma jangada e um relógio (confirmando o teor de fls. 185 e seguintes como correspondendo a este episódio), tendo apresentado denúncias caluniosas contra si comunicando às autoridades que o arguido praticara falsificações, confirmando o arguido o teor de fls. 146 e seguintes como correspondente a esta situação, tendo tal processo sido arquivado. Com firmeza, referiu que à data dos factos sub judice já haviam sido apresentadas as queixas crime pelos factos a que aludiu, encontrando-se pendentes os correspondentes processos. BB relatou ao tribunal que na data, hora e local mencianados em A), encontrando-se acompanhado por um agente da Polícia Municipal (explicitando que se trata de pessoa distinta da que se encontra em tribunal para ser inquirida nos presentes autos), enquanto outro agente da Polícia Municipal estava a deslocar-se para o veículo por ter já terminado a fiscalização que motivara a respectiva deslocação, compareceram no local o arguido e CC que, após parquearem o automóvel em que seguiam a cerca de dois ou três metros de distância do local onde o depoente se encontrava, saíram do interior do mesmo. Nesta ocasião, o arguido, dirigindo-se-lhe, diz para BB a expressão constante de C), o que fez gritando e em plena rua. Surpreso, o agente da Polícia Municipal disse ao assistente para se ausentar do local, o que o mesmo fez (confirmando assim as declarações do arguido a este propósito). Questionado, o assistente mencionou não encontrar qualquer razão para a conduta do arguido, admitindo que estão pendentes vinte e seis processos de natureza cível e criminal contra si sendo um deles por “roubo de um barco e de uma plataforma” (sic) e correspondente a fls. 185, acrescentando que até ao momento não foi contra si deduzida qualquer acusação. Nervoso, referiu que o “arguido acha que pode fazer tudo perante um património de uma família, incluindo o património privado” (sic) da “menina” (sic). Perguntado sobre a quem se referia (o que fez com desdém) com a referida expressão de “menina”, BB mencionou que se reportava à sua irmã CC, tendo justificado ter-se referido à sua irmã com a referida expressão por a mesma ser desse modo tratada no contexto familiar, o que foi negado por CC que explicitou ser tratada por “…” ou “CC”, ficando pois evidente o conflito que opõe os dois irmãos e que o assistente admitiu existir, mencionando que desde o seu casamento (contando o assistente na altura 21 anos) que não se dá com CC, a qual entretanto casou com o arguido não tendo convidado o depoente para a cerimónia. Referiu ainda que os pais o tentaram deserdar. Sobre o impacto que os factos tiveram em si, BB mencionou ter-se sentido angustiado, frustrado por não poder reagir atenta a indicação que o agente lhe deu e a que obedeceu, com tristeza e amargura, explicitando que conhece muita gente que reside no imóvel e que frequenta o estabelecimento de café. Perguntado, admitiu porém que apenas o próprio, o arguido, o agente da Polícia Municipal e CC estavam presentes aquando dos factos. Os filhos do assistente BB e FF, que não presenciaram os factos, confirmaram o conflito familiar existente com a tia (tendo resultado evidente a ausência de contacto pelo desconhecimento de que o arguido e CC são casados, tendo CC referido que não mantém relação com o assistente) e que é pautado por inúmeros processos judiciais pendentes (como foi confirmado por BB), tendo relatado o impacto do evento na pessoa do assistente. EE, prestando um depoimento espontâneo e firme, confirmou ao tribunal que na sequência de uma comunicação realizada por BB, se deslocou com o colega II ao imóvel onde decorria uma obra, confirmando o teor de fls. 20. Corroborando o depoimento de BB, EE mencionou que terminada a fiscalização, o seu colega II ficou a conversar com o assistente à entrada do edifício e o depoente dirigiu-se para o veículo que estava parqueado do lado oposto da artéria. A dado momento, vê um casal, que reconheceu como sendo o arguido e a esposa, a saírem do interior de um automóvel e a dirigirem-se, em passo acelerado, para o local onde se encontravam o colega da testemunha e o assistente, tendo sido trocadas palavras cujo teor EE não compreendeu quais eram, o que mencionou evidenciando isenção. Com firmeza referiu que prontamente rumou para junto do colega que pedia para terem mais calma, tendo o mesmo pedido a BB que se ausentasse do local para não haverem mais quezílias, o que o assistente fez, afastando-se. Confirmando as declarações do arguido, EE mencionou que o seu colega ficou a conversar com o casal, que falou sobre os conflitos familiares existentes, após o que todos se afastaram do local. CC, prestando um depoimento espontâneo e firme, relatou ao tribunal que antes de conhecer o arguido já a relação com o irmão era inexistente devido a comportamentos deste para com os pais de ambos. Com firmeza, referiu que realizou obras num imóvel que lhe foi doado pelos pais sendo que, na data mencionada na acusação, encontrando-se com o arguido na residência de ambos, sita a cerca de dois minutos de distância do imóvel doado, recebeu uma chamada telefónica do empreiteiro comunicando a presença da polícia no local. Prontamente o casal rumou ao imóvel, o que fez de automóvel, que parqueou do lado oposto da artéria onde se encontravam o assistente e o agente da Polícia Municipal, que estavam no passeio onde se situa o imóvel doado. Questionada, referiu, no que denotou verosimilhança, que assim que chegaram ao local viu logo o irmão acompanhado pelo agente. Logo que parquearam o automóvel, o arguido saiu imediatamente do seu interior e dirigiu-se para o local onde estavam o assistente e o agente da Polícia Municipal, tendo a depoente ficado a sair do interior do veículo pelo lado denominado do “pendura” e a fechar o automóvel, explicitando, no que denotou verosimilhança, que o arguido saiu do automóvel disparado e atravessou a artéria, trocando palavras com o assistente cujo teor a depoente não compreendeu porquanto o marido atravessara a artéria e a depoente ficara para trás conforme mencionado. Chegando próximo do arguido, do assistente e do agente, o agente da Polícia Municipal disse a BB para se ausentar, o que o mesmo fez. A depoente e o arguido ficaram, então, a conversar com o agente do porquê da reacção do arguido e do motivo para a deslocação ao local, mencionando que aquele era o modus operandi de BB que contactava sistematicamente as autoridades sem motivo para tanto (como sucedera na propriedade da depoente em ... à qual se deslocavam, amiúde, militares da Guarda Nacional Republicana, a pedido de BB, para identificar pessoas que se encontravam no interior da habitação) provocando saturação. Mais relataram os roubos, as calúnias e as difamações de que são alvo, sendo perseguidos pelo assistente que tem uma obsessão com os mesmos. Agastada, CC confirmou o conflito “quase diário” (sic) existente com o seu irmão desde 2018, existindo inúmeros processos judiciais pendentes de um irmão contra o outro e vice -versa. Agastada, CC relatou ainda o “roubo” (sic) de um relógio, de dinheiro e de uma plataforma todos da sua propriedade, tendo confirmado o teor de fls. 185 e seguintes como correspondendo ao que mencionou, processo que se encontra pendente. DD confirmou ao tribunal o conflito existente entre os seus dois primos, não mantendo o assistente, segundo é do seu conhecimento, qualquer relação com outros membros da família da qual se afastou. Sobre o “roubo” (sic) do relógio e do dinheiro que BB retirou do interior da carteira de CC, a testemunha referiu ter visto aquele a tirar fotografias à habitação, sendo que posteriormente ocorreu a subtracção de objectos que foi registada em imagens de videovigilância. Usando de firmeza, DD afirmou que estava presente quando o arguido e CC visualizaram as imagens de videovigilância correspondentes aos mencionados factos perpetrados pelo assistente (cfr. fls. 185 e seguintes), explicitando que o casal ficou exaltado por constatar que foram “roubados” (sic), visualizando o cansaço que ambos evidenciaram com toda a situação. Sobre o episódio a que alude o auto de fls. 185 e seguintes, HH, prestando um depoimento espontâneo e isento, mencionou ao tribunal que conhece o assistente de vista. Usando de firmeza, relatou que trabalha numa habitação contígua à do imóvel pertencente a CC em ..., existindo nesse imóvel uma plataforma cuja titularidade da propriedade a depoente desconhece. Certo dia, encontrando-se a trabalhar na residência da sua cliente, CC telefonou a dizer que “estavam a roubar a jangada dela” (sic), o que visualizara nas câmaras de videovigilância. Prontamente, a depoente desceu até ao rio e viu dois senhores a carregarem a referida jangada, sendo um deles o ora assistente (que a depoente conhece) e um outro indivíduo do sexo masculino. HH registou fotografias e retornou para casa da cliente, tendo nesse mesmo dia telefonado para CC dizendo que tinha as fotografias e que lhas ia enviar, acrescentando que uma das pessoas era o irmão da interlocutora. Com isenção, HH referiu não recordar como é que CC reagiu ao que lhe transmitiu, não recordando de ter falado com o arguido sobre o “furto da jangada” (sic). Do cotejo da prova produzida, e face inclusivamente ao teor da expressão mencionada em C) (e que foi a mencionada também pelo assistente), ficou o tribunal convencido que aquela foi dirigida pelo arguido ao agente da Polícia Municipal referindo-se à pessoa do assistente, que estava presente. Não foi dirigida pelo arguido ao assistente, pelo que o facto descrito em 1) não resultou provado. Acresce que independentemente de os factos a que se alude a fls. 185 e seguintes serem ou não da autoria do assistente (o que carece do apuramento da responsabilidade criminal do mesmo na sede própria), sempre releva, para os presentes autos, se o arguido estava convencido de que os mesmos, que efectivamente correspondem, da descrição realizada, a um delito contra o património e de subtracção de objectos, foram perpetrados por BB. De acordo com as declarações produzidas pelo assistente, por CC, por DD (que presenciou o casal a visualizar as imagens de videovigilância que registaram os factos) e por HH (que relatou o que presenciou nessa ocasião), ficou o tribunal convencido de que o arguido estava convencido de que foi o assistente o autor de um furto dos objectos mencionados ocorrido em data anterior à dos factos sub judice, tendo-se dirigido ao agente da Polícia Municipal a proferir a expressão mencionada em C), o que se mostra verosímil e compatível com o relatado pelo próprio e por CC (e que foi confirmado pelo assistente e por DD) quanto ao conflito existente entre os irmãos, tendo o arguido procurado explicitar ao agente da Polícia Municipal que a conduta do assistente quanto às obras era mais um episódio num conflito familiar existente. Resultou pois demonstrada a factualidade descrita em A) a G) e não a vertida em 1) a 3) por ausência de prova a tanto conducente. No que concerne às condições sócio-económicas do arguido, o tribunal atendeu às declarações produzidas pelo mesmo, as quais se revelaram verosímeis atendendo à forma espontânea e clara com que foram prestadas. No que respeita aos antecedentes criminais, o tribunal valorou o certificado do registo criminal constante dos autos». FUNDAMENTAÇÃO
a) Nulidade da sentença
Tendo presentes as conclusões do recurso do assistente e a ordem de precedência lógica das questões, cumpre apreciar em primeiro lugar as nulidades da sentença invocadas pelo recorrente.
Invoca o recorrente a nulidade prevista no art. 379.º, n.º 1, al. c) do CPP, alegando que a sentença conheceu de factos externos aos autos, tendo o arguido sido absolvido com base num juízo de exclusão de ilicitude que se fundamenta em factos externos.
Mais alega que foram analisados documentos juntos aos autos que em nada se relacionam com os factos deste processo ou sequer têm as mesmas partes, do que resulta a violação do disposto no art. 374º, n.º 2 do CPP.
Finalmente, foi violado o art. 127.º do CPP e os arts. 483.º e 563.º do Código Civil.
Cumpre apreciar.
De acordo com o disposto no art. 379.º, n.º 1 do CPP, é nula a sentença:
a) Que não contiver as menções referidas no n.º 2 e na alínea b) do n.º 3 do artigo 374.º ou, em processo sumário ou abreviado, não contiver a decisão condenatória ou absolutória ou as menções referidas nas alíneas a) a d) do n.º 1 do artigo 389.º-A e 391.º-F;
b) Que condenar por factos diversos dos descritos na acusação ou na pronúncia, se a houver, fora dos casos e das condições previstos nos artigos 358.º e 359.º;
c) Quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.
Por sua vez, o art. 374.º dispõe o seguinte:
«1 - A sentença começa por um relatório, que contém: a) As indicações tendentes à identificação do arguido; b) As indicações tendentes à identificação do assistente e das partes civis; c) A indicação do crime ou dos crimes imputados ao arguido, segundo a acusação, ou pronúncia, se a tiver havido; d) A indicação sumária das conclusões contidas na contestação, se tiver sido apresentada. 2 - Ao relatório segue-se a fundamentação, que consta da enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal. 3 - A sentença termina pelo dispositivo que contém: a) As disposições legais aplicáveis; b) A decisão condenatória ou absolutória; c) A indicação do destino a dar a animais, coisas ou objetos relacionados com o crime, com expressa menção das disposições legais aplicadas; d) A ordem de remessa de boletins ao registo criminal; e) A data e as assinaturas dos membros do tribunal. 4 - A sentença observa o disposto neste Código e no Regulamento das Custas Processuais em matéria de custas».
A nulidade da sentença a que respeita o art. 379.º, n.º 1, al. a) do CPP só se verifica perante a omissão integral de qualquer um destes elementos estruturais da sentença. «Não comporta a ocorrência e verificação da mesma a fundamentação insuficiente ou em desacordo com a argumentação expendida pelo sujeito processual que dela discorda» (cfr. José Mouraz Lopes, Comentário Judiciário do CPP, Tomo IV, 2ª Ed., p. 810)
No caso dos autos, o recorrente considera que «a sentença não vai devidamente fundamentada tendo em conta a decisão proferida e ainda, o disposto nos artigos 483º e 563º do CC, considerando que estão reunidos todos os pressupostos para que o arguido seja condenado ao pagamento de pedido de indemnização civil».
Ora, da simples leitura da sentença resulta que a mesma se encontra fundamentada de facto e de direito, dela constando todos os elementos essenciais previstos no art. 374.º, n.º 2 do CPP. A discordância do recorrente respeita ao mérito da fundamentação e ao sentido da decisão, pelo que não preenche qualquer nulidade.
Quanto à nulidade prevista no art. 379.º, n.º 1, alínea c) do CPP (excesso de pronúncia), o vício em apreço verifica-se quando o tribunal conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.
Questões são problemas concretos que o tribunal deve resolver e sobre o qual há que decidir. «Deve ter-se presente que não se trata de apreciar e decidir sobre argumentos diferentes em relação à(s) mesma(s) questão(ões) apresentada(s) pelos vários sujeitos processuais. O conhecimento e pronúncia obrigatória não é sobreponível nem se confunde com a tomada de posição pelo tribunal na sentença de todos os argumentos suscitados a propósito de uma questão. O que está em causa é o conhecimento e decisão sobre questões e não sobre argumentos invocados» (cfr. José Mouraz Lopes, Comentário Judiciário do CPP, Tomo IV, 2ª Ed. p. 913).
No caso dos autos, o Tribunal apenas tomou posição sobre o objeto da causa, concluindo por uma decisão de absolvição do arguido quanto à acusação particular e ao pedido de indemnização civil. A sentença não conheceu de qualquer outra questão jurídica, não condenou, nem absolveu quanto a qualquer outra matéria.
O recorrente confunde o conhecimento de questões com o objeto e apreciação da prova, matéria que não cabe no âmbito das nulidades da sentença, assim como também não cabe a suposta violação do art. 127.º do CPP, matéria que respeita ao erro de julgamento da matéria de facto, questão autonomamente suscitada no recurso e a apreciar nesse âmbito. O mesmo sucede com os vícios previstos no art. 410.º do CPP, nomeadamente o erro notório na apreciação da prova, que também é objeto de apreciação autónoma no presente recurso.
Face ao exposto, conclui-se pela improcedência do recurso quanto às nulidades da sentença invocadas.
b) Vícios previstos no art. 410.º, n.º 2 do CPP
O assistente invocou os vícios previstos no art. 410.º, n.º 1, al. a), b) e c) do CPP: insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão e erro notório na apreciação da prova.
Como resulta expressamente da disposição legal em apreço, os vícios previstos no n.º 2 do art. 410.º do CPP, que são de conhecimento oficioso, têm de resultar do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum.
«A insuficiência da matéria de facto consiste em não se bastarem os factos provados para justificarem a decisão proferida, por se verificar uma lacuna no apuramento da base fáctica necessária para uma decisão de direito» (Ac. STJ de 20/01/1998, P. 690/97 em https://www.pgdlisboa.pt/jurel/stj_mostra_doc.php?nid=5458).
Como se refere no Ac. STJ de 28/06/2023 (P. 20/21.1SFPRT.S1 em www.dgsi.pt) o vício da insuficiência da matéria de facto provada para a decisão ocorre quando a matéria de facto provada é insuficiente para fundamentar a decisão de direito e existe sempre que o tribunal deixa de investigar o que devia e podia, tornando a matéria de facto insuscetível de adequada subsunção jurídica, concluindo-se pela existência de factos não apurados que seriam relevantes para a decisão da causa.
A propósito do vício previsto no art. 410.º, n.º 2, al. a) do CPP, cumpre citar ainda o Ac. STJ de 26/10/2023 (P. 10/21.4PJAMD.L1.S1 em www.dgsi.pt), segundo o qual este existe «quando da factualidade vertida na decisão se colhe faltarem dados e elementos para a decisão de direito, considerando as várias soluções plausíveis, como sejam a condenação (e a medida desta) ou a absolvição (existência de causas de exclusão da ilicitude ou da culpa), admitindo-se, num juízo de prognose, que os factos que ficaram por apurar, se viessem a ser averiguados pelo tribunal a quo através dos meios de prova disponíveis, poderiam ser dados como provados, determinando uma alteração de direito. O vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada não se confunde com a insuficiência de prova para a decisão de facto proferida, a qual resulta da convicção do julgador e das regras da experiência (art.127.º do CPP). Para afirmação deste vício importa, pois, perspetivar o objeto do processo, fixado pela acusação e/ou pela pronúncia, complementada pela pertinente defesa. Em conclusão, só existirá insuficiência para a decisão da matéria de facto provada se houver omissão de pronúncia pelo tribunal sobre factos relevantes que integram o objeto do processo e os factos provados não permitem a aplicação do direito ao caso submetido a julgamento, com a segurança necessária a proferir-se uma decisão justa (neste sentido, entre outros, os acórdãos do STJ de 7/04/2010 (proc. n.º 83/03.1TALLE.E1.S1, 3ª Secção, in www.dgsi.pt) de 6-4-2000 (BMJ n.º 496, pág. 169) e de 13-1-1999 (BMJ n.º 483, pág. 49) e Leal- Henriques e Simas Santos , in “Código de Processo Penal anotado”, vol. 2.º, 2ª ed., páginas 737 a 739)».
No caso em apreciação, o assistente alega que há insuficiência para a decisão do facto F), porque no seu entender não foi feita prova de que o arguido estivesse convencido da veracidade da sua afirmação, tendo o Tribunal dado credibilidade às declarações do arguido e a depoimentos parciais e conluiados.
Como é bom de ver, o alegado pelo recorrente nada tem a ver com o vício previsto no art. 410.º, n.º 2, al. a) do CPP, não sendo indicada na alegação qualquer matéria de facto cuja investigação se impusesse ao tribunal para proferir a decisão de direito ou, por outras palavras, que a decisão de direito proferida não encontre apoio na matéria de facto julgada provada e não provada.
O que se verifica de forma patente é que o recorrente discorda da valoração da prova feita pelo Tribunal, argumentando que este não deveria ter dado credibilidade aos elementos de prova valorados na decisão, pelo que o facto constante da alínea F) não deveria ter sido dado como provado.
Importa, pois, concluir que não se verifica a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, prevista no art. 410.º, n.º 2, al. a) do CPP.
*
O assistente invoca também a contradição insanável na fundamentação ou entre esta e a decisão, prevista na alínea b) do n.º 2 do artigo 410.º do CPP, vício que se verifica quando se dá como provado e como não provado o mesmo facto, quando se afirma e se nega a mesma coisa ao mesmo tempo, ou quando, simultaneamente, se dão como provados factos contraditórios (Ac. STJ de 20/01/1998, supra identificado).
«A contradição insanável da fundamentação e da fundamentação e decisão é o vício que ocorre quando a fundamentação da decisão recorrida aponta no sentido de decisão oposta à tomada, ou no sentido da colisão entre os fundamentos invocados, sendo uma incompatibilidade inultrapassável através da própria decisão, entre os factos provados, entre estes e os não provados ou entre a matéria de facto e a decisão, existindo como que uma colisão» (Ac. STJ de 28/06/2023, P. 20/21.1SFPRT.S1 em www.dgsi.pt).
Este vício não se verifica quando o recorrente fundamenta o seu recurso na valoração da prova de modo diverso daquela que o tribunal entendeu, nem quando o resultado a que o juiz chegou na decisão advém, não de qualquer oposição entre os fundamentos e a decisão, mas da subsunção legal que entendeu melhor corresponder aos factos provados (cfr., neste sentido, o Ac. STJ 26/10/202, P. 10/21.4PJAMD.L1.S1 em www.dgsi.pt).
No caso dos autos, o assistente justifica a verificação deste vício com a suposta incompatibilidade dos pontos C) e F) dos factos provados.
Vejamos, consta da alínea C) que «Sem que o assistente BB lhe dirigisse sequer a palavra e em plena via pública, o arguido AA, perante os presentes, dirigindo-se ao agente da Polícia Municipal mas referindo-se ao assistente disse: “este senhor roubou-me e é um ladrão”».
Da alínea F) consta o seguinte: «o arguido proferiu a expressão indicada em C) por estar convencido, de boa fé, que tal expressão é verdadeira porquanto teve conhecimento que o assistente BB, em ... de 2021, retirou do lugar onde se encontravam a quantia de €140 em numerário e um relógio, ambos pertencentes a CC, e retirou ainda uma jangada que se encontrava atracada a uma plataforma pertencente ao imóvel da propriedade de CC sito em ... sem autorização e contra a vontade da mesma, apropriando-se ilegitimamente dos referidos objectos».
Entende o recorrente que existe contradição quando o arguido profere a expressão “este senhor roubou-me…” e simultaneamente se dá como provado que este estava convencido da veracidade da afirmação, por ter conhecimento que o assistente se apropriou de bens da sua mulher.
Ora, como se refere na sentença recorrida, «independentemente de os factos (…) serem ou não da autoria do assistente (o que carece do apuramento da responsabilidade criminal do mesmo na sede própria), sempre releva, para os presentes autos, se o arguido estava convencido de que os mesmos, que efectivamente correspondem, da descrição realizada, a um delito contra o património e de subtracção de objectos, foram perpetrados por BB. De acordo com as declarações produzidas pelo assistente, por CC, por DD (que presenciou o casal a visualizar as imagens de videovigilância que registaram os factos) e por HH (que relatou o que presenciou nessa ocasião), ficou o tribunal convencido de que o arguido estava convencido de que foi o assistente o autor de um furto dos objectos mencionados ocorrido em data anterior à dos factos sub judice, tendo-se dirigido ao agente da Polícia Municipal a proferir a expressão mencionada em C), o que se mostra verosímil e compatível com o relatado pelo próprio e por CC (e que foi confirmado pelo assistente e por DD) quanto ao conflito existente entre os irmãos, tendo o arguido procurado explicitar ao agente da Polícia Municipal que a conduta do assistente quanto às obras era mais um episódio num conflito familiar existente».
O facto essencial constante da alínea F) dos factos provados é a convicção do arguido quanto à prática pelo assistente de atos de subtração contra o património da sua mulher, no âmbito de um conflito familiar, sendo perfeitamente natural na linguagem corrente, para mais num contexto de conflito e exaltação como aquele que é descrito na fundamentação da decisão de facto, que as expressões tenham sido usadas sem o devido rigor jurídico.
Neste contexto, não se tem por contraditório o uso da expressão “roubou-me”, ainda que reportando-se a supostos atos praticados contra a esposa do arguido, na medida em que corresponde a um uso corrente, próprio de quem faz vida em comum como casal, em que em geral não se distingue o que é de um e de outro, e em que o que afeta um sempre se reflete no interesse do outro. O arguido não é um estranho em relação à sua cônjuge, sendo obviamente afetado e envolvido pelo conflito familiar que a opõe ao assistente.
Diz também o assistente que há contradição entre o facto F) e o facto não provado sob o n.º 2 («o arguido AA proferiu tais palavras bem sabendo que as mesmas não correspondiam à verdade, tendo representado, querido e conseguido ofender a honra e consideração pessoais do assistente, sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei»).
Discorda-se: não existe qualquer contradição, muito menos insanável entre o facto provado na alínea F) e o facto não provado sob o n.º 2, atenta a correta interpretação das palavras do arguido no contexto em que foram proferidas, tal como se referiu.
Também não existe qualquer contradição entre os factos provados sob as alíneas D) e E) e a parte final do facto não provado sob o ponto 1). É que a parte final do ponto 1 não pode ser lida de forma destacada da parte inicial, onde se refere que «tal expressão foi dita e dirigida expressamente ao assistente BB de forma directa…». Contradição insanável existiria, sim, se o Tribunal desse como provada a parte final deste n.º 1 («…assim pondo em causa o carácter, o bom-nome ou a reputação do assistente BB, que ofendeu na sua honra ou bom nome, humilhando-o publicamente»), sem ter ficado provado que o arguido dirigiu diretamente ao assistente a referida expressão.
O mesmo se diga quanto ao ponto 2) dos factos não provados, o qual não é contraditório com qualquer facto provado.
O assistente alega ainda que há contradição insanável entre a fundamentação e a decisão proferida, porque não foi afirmado pelo arguido ou por qualquer testemunha que o assistente tivesse praticado qualquer furto ou roubo contra o próprio arguido, mas apenas contra a esposa deste. É matéria a que já se respondeu, dando-se aqui por reproduzidas as considerações que antecedem quanto à mesma.
Por outro lado, também não existe qualquer contradição insanável entre a fundamentação e a decisão proferida por os supostos factos atribuídos ao assistente não terem sido objeto de acusação ou condenação, pois tal não foi afirmado em lugar algum, não cumprindo tão pouco à sentença recorrida apreciar tal questão. Como resulta de forma perfeitamente clara da sentença, o Tribunal limitou-se a valorar a convicção do arguido quanto a tal matéria, como base nos elementos de prova que considerou oferecerem consistência a essa hipótese.
Não cabe no vício previsto no art. 410.º, n.º 2, al. b) do CPP a discussão sobre meios de prova (os documentos, desde que juntos aos autos, estão submetidos à apreciação do julgador), nem sobre a valoração feita pelo Tribunal em sentido diverso do pretendido pelo recorrente.
Improcede, face ao exposto, o invocado a propósito deste vício.
*
Finalmente, o assistente invoca o erro notório na apreciação da prova, a que alude a alínea c) do art. 410.º, n.º 2 do CPP.
A doutrina e a jurisprudência caracterizam este vício como uma «falha grosseira e ostensiva na análise da prova, percetível pelo cidadão comum, denunciadora de que se deram provados factos inconciliáveis entre si (…). Ou, dito de outro modo, há um tal erro quando um homem médio, perante o que consta do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com o senso comum, facilmente se dá conta de que o tribunal violou as regras de experiência ou se baseou em juízos ilógicos, arbitrários ou mesmo contraditórios ou se desrespeitaram regras sobre o valor da prova vinculada ou das leges artis» (cfr. Simas Santos, Recursos em Processo Penal, 4ª Ed., 2001, p. 76).
No dizer do Conselheiro Sérgio Poças, «o erro notório é o erro que se vê logo, que ressalta evidente da análise do texto da decisão por si só ou conjugada com as regras da experiência» (cfr. «Processo penal quando o recurso incide sobre a decisão da matéria de facto», Revista Julgar n.º 10, de 2010, pg. 29).
No caso dos autos, o assistente invoca novamente a suposta contradição entre o facto provado na alínea F) e os factos não provados 1) e 2), bem como o uso do pronome pessoal “-me” após “roubou”, para concluir que nunca poderia o arguido acusar o assistente de o roubar, considerando que os supostos atos atribuídos ao assistente se referiam a bens da esposa do primeiro.
Trata-se de matéria que já se analisou, a qual não se enquadra no erro notório na apreciação da prova, constando da fundamentação de facto o contexto a que o Tribunal atendeu para dar como provado o referido facto constante da alínea F), o qual não revela qualquer erro clamoroso ou evidente na apreciação da prova.
Assim, improcede na íntegra o recurso quanto a esta matéria.
c) Erro de julgamento – impugnação ampla da matéria de facto
Como é sabido, a impugnação da matéria de facto pode ocorrer por duas vias: a invocação dos vícios previstos no art. 410.º, n.º 2 do CPP (revista ampliada) e a impugnação ampla a que alude o art. 412.º, n.º 3 e 4 do CCP.
No primeiro caso, estão em causa vícios patentes no texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras de experiência comum.
Já quando o recurso tenha por objeto a impugnação ampla da matéria de facto, a apreciação do Tribunal de recurso versará a prova produzida em audiência, dentro dos limites fornecidos pelo recorrente, pois o recurso não corresponde a um segundo julgamento para produzir uma nova resposta sobre a matéria de facto, com audição de todas as gravações do julgamento da primeira instância e reavaliação da prova pré-constituída, mas sim um mero remédio corretivo para ultrapassar eventuais erros ou incorreções da decisão recorrida.
É necessário que o recorrente identifique os pontos de facto que considera mal julgados e relativamente a cada um deve ofereça uma proposta de correção para que o tribunal “ad quem” a possa avaliar, procedendo à correção da decisão se as provas indicadas pelo recorrente, relativamente a cada um desses factos impugnados, impuserem decisão diversa da proferida.
Deste modo, a impugnação do julgamento sobre a matéria de facto tem de obedecer aos requisitos prescritos nos n.ºs 3 e 4 do artigo 412.º do CPP, que impõe «o ónus de proceder a uma tripla especificação, a saber: a especificação dos concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; a especificação das concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida; a especificação das provas que devem ser renovadas [esta, nos termos do art. 430º, nº 1 do C. Processo Penal, apenas quando se verificarem os vícios da sentença e existam razões para crer que a renovação permitirá evitar o reenvio], acrescendo, relativamente às concretas provas, que quando tenham sido gravadas, as duas últimas especificações devem ser feitas por referência ao consignado na ata, com a concreta indicação das passagens em que se funda a impugnação, devendo todas estas especificações constar ou poder ser deduzidas das conclusões formuladas» (Ac. RC de 06/07/2016, Proc. n.º 340/08.0PAPBL.C1, www.dgsi.pt).
Acresce ainda a exigência de que as provas especificadas pelo recorrente imponham decisão diversa da recorrida, pois a procedência da impugnação, com a consequente modificação da decisão sobre a matéria de facto, não se satisfaz com a circunstância de as provas produzidas possibilitarem uma decisão diversa da proferida pelo tribunal a quo. Este decide, salvo existência de prova vinculada, de acordo com as regras da experiência e a livre convicção, e por isso, não é suficiente para a pretendida modificação da decisão de facto que as provas especificadas pelo recorrente permitam uma decisão diferente da proferida pelo tribunal.
Tendo presentes estas noções, importa apreciar o caso dos autos.
O recorrente sustenta que o facto F) ser dado como não provado e os factos 1) e 2) dados como provados.
Relativamente à alínea F), o assistente retoma a mesma tese já vertida a propósito dos vícios enunciados no art. 410.º, n.º 2 do CPP: o arguido não poderia estar convencido de boa-fé que o recorrente o roubou ou furtou, quando o próprio nega qualquer tipo de crime contra o património perpetuado pelo recorrente, relativamente ao recorrido (os supostos factos respeitariam à cônjuge do arguido).
Acresce que o assistente nunca foi acusado ou condenado pela prática de crimes contra o património, muito menos na pessoa do arguido.
Começa o assistente por alegar que o convencimento do arguido de que o assistente tinha retirado uma quantia em dinheiro de uma carteira e um relógio a CC, bem como uma jangada que se encontrava atracada a uma plataforma pertencente ao imóvel da propriedade desta em ... não poderia ser dado como provado, por resultar das declarações do arguido e da cônjuge deste, sendo estes interessados.
Mais refere que repudiou tais afirmações e que não foi julgado ou condenado por quaisquer factos.
Todavia, não é afirmado em nenhum ponto da matéria de facto que o assistente foi acusado ou condenado por qualquer crime contra o património, não impondo o confronto das declarações do arguido e os depoimentos da testemunha CC com o assistente decisão diversa quanto a este ponto da matéria de facto.
Como resulta da fundamentação da matéria de facto, o Tribunal conjugou estas declarações e depoimentos, a documentação proveniente de um processo crime pendente contra o assistente (fls. 185 e seguintes), e ainda os depoimentos de DD (que afirmou ter estado presente quando o casal do arguido e CC visualizaram as imagens de videovigilância correspondentes aos alegados factos atribuídos ao assistente, constatando a sua indignação) e HH (trabalhadora numa habitação contígua à do imóvel de CC em ..., que viu o arguido a carregar uma jangada, juntamente com outro indivíduo).
Com base em tais elementos, o Tribunal formou a sua convicção no sentido de que o arguido estava ciente da veracidade da sua imputação. Não se trata de um juízo de certeza, correspondente à condenação em processo crime, nem tinha o Tribunal recorrido que se debruçar sobre tal matéria ou indagar a quem pertencia a jangada ou plataforma.
Simplesmente, não se retira dos excertos transcritos pelo recorrente a imposição de uma decisão diversa quanto a esta questão, pois os elementos ponderados pelo Tribunal são plausíveis com a decisão da matéria de facto quanto à referida alínea F), a qual não estabelece qualquer juízo quanto à veracidade dos factos declarados pelo arguido, mas apenas reflete a sua convicção pessoal quanto aos mesmos.
Do mesmo modo, o assistente alega que o arguido nada tem que ver com os assuntos da sua mulher, como se a vida em comum do casal não fosse afetada pelo litígio familiar existente, o que torna compreensível o uso da expressão “roubou-me” com o sentido corrente de quem se sente atingido pelos factos supostamente respeitantes à cônjuge. E ainda que seja licenciado em direito, o arguido não estava a alegar em tribunal, mas num contexto informal, de conflito e nervosismo, pelo que não é de relevar em sede de impugnação da matéria de facto o preciosismo do uso do pronome “-me” para concluir pela alteração da sobredita alínea F), a qual não é justificada pelos elementos de prova indicados pelo recorrente.
Quanto ao ponto 1) dos factos não provados, o recorrente entende que existe contradição com as alíneas D) e E) dos factos provados.
Esta matéria já foi tratada a propósito dos vícios previstos no art. 410.º, n.º 2 do CPP.
Consta já da matéria de facto provada que o arguido, dirigindo-se ao agente da Polícia Municipal mas referindo-se ao assistente disse: “este senhor roubou-me e é um ladrão” (alínea C dos factos provados), que agiu de forma livre, voluntária e consciente sabendo que as expressões que utilizou eram aptas a ofender a honra e consideração pessoais do assistente (alínea D) e que o assistente sentiu mau estar, incómodo, vergonha, preocupação e humilhação a que acresce o facto de a situação ter ocorrido na presença de um agente da autoridade, o que muito envergonhou e constrangeu o Assistente (alínea E).
O que consta da segunda parte do ponto 1) dos factos não provados reporta-se à seguinte factualidade: «tal expressão foi dita e dirigida expressamente ao assistente BB de forma directa», a qual resultou claramente não provada, nem sequer indicando o recorrente quaisquer meios de prova tendentes a refutar o decidido. Pelo que não pode ser dado como provado que tais expressões – que não lhe foram dirigidas diretamente – tiveram consequências, sob pena de contradição na própria resposta.
Acresce que as consequências para o assistente das expressões dirigidas ao agente da Polícia Municipal sobre este último já se encontram refletidas nas sobreditas alíneas D) e E), não se impondo qualquer alteração quanto a esta matéria de facto.
O assistente requer ainda que o ponto 2) dos factos não provados seja considerado provado, alegando que o arguido sabia que o assistente nunca furtou/roubou/se apropriou de qualquer bem que fosse pertença do próprio arguido e que não há qualquer condenação do assistente por crimes do património. Trata-se de questão já debatida e rebatida, pelo que nada mais existe a acrescentar.
Por outro lado, à semelhança do ponto 1) este ponto 2) também não pode ser cindido em três partes, sob pena de contradição, desde logo com a alínea F) dos factos provados.
Em suma, o recurso improcede no que respeita à impugnação ampla da matéria de facto.
d) Inexistência de causa de exclusão da ilicitude quanto ao crime de difamação
O assistente alega que foi indevidamente excluída a ilicitude da conduta do arguido quanto ao crime de difamação, pois não é verdadeira a imputação feita pelo arguido e este sabe que a imputação de facto não é verdadeira, uma vez que o assistente nunca foi acusado de qualquer roubo ou furto relativamente a bens do arguido ou de qualquer outra pessoa e não há qualquer facto que sequer indicie que esta imputação é verdadeira.
Acresce que o arguido é licenciado em Direito pelo que tem uma obrigação de diligência e de escolha das palavras superiores ao do homem médio.
Cumpre apreciar.
Como resulta da fundamentação jurídica da sentença recorrida, a mesma considerou que não estavam verificados os pressupostos do crime de injúria, previsto no art. 181.º do Código Penal, porquanto o arguido não se dirigiu ao assistente, mas apenas a um agente da polícia Municipal, ainda que este último estivesse presente.
Tendo em conta a matéria de facto provada de A) a G) e os factos não provados sob os pontos 1) e 2), os quais não foram alterados na sequência da impugnação da matéria de facto, deve manter-se a decisão recorrida quanto a este crime.
No que se refere ao crime de difamação, previsto no art. 180.º do Código Penal, o Tribunal considerou que, não obstante o arguido se ter dirigido a um agente da Polícia Municipal, referindo-se ao assistente, dizendo-lhe “este senhor roubou-me e é um ladrão”, a ilicitude encontrava-se excluída, nos termos do art. 180.º, n.º 2 do Código Penal.
A sentença recorrida considerou que se verificava a causa de exclusão da ilicitude prevista no art. 180.º, n.º 2 do Código Penal.
Dispõe o citado preceito que a conduta não é punível quando:
a) A imputação for feita para realizar interesses legítimos; e
b) O agente provar a verdade da mesma imputação ou tiver tido fundamento sério para, em boa fé, a reputar verdadeira.
Antes de mais, importa ter presente que os crimes contra a honra são tipos particularmente submetidos à erosão dos tempos, sofrendo o desgaste da interação social, acrescendo que a linguagem, como forma de manifestação da liberdade de expressão, consente alguma margem de aspereza.
Daí que o comportamento ofensivo, que não se confunde com a infração de regras de educação ou cortesia deva ser apreciado no seu contexto situacional. Como o legislador não instituiu qualquer limite ou regra para definir a linha entre o que se considera e não considera ofensa à honra, cabe à jurisprudência fazer essa apreciação, fazendo uso de sensibilidade e bom senso para ativar o Direito e procurar nos princípios da fragmentariedade, da intervenção mínima e da proporcionalidade do direito penal, a insignificância e a adequação social das palavras pronunciadas (cfr. o Acórdão da Relação de Lisboa de 04/12/2019, P. 4477/14.9TDLSB.L1-3, em www.dgsi.pt).
É próprio da vida em sociedade existir alguma conflitualidade entre as pessoas, que se traduz em animosidade e tem expressão ao nível da linguagem, o que pode revelar-se na utilização de palavras azedas, acintosas ou agressivas. «E o direito não pode intervir sempre que a linguagem utilizada incomoda ou fere susceptibilidades do visado. Só o pode fazer quando é atingido o núcleo essencial de qualidades morais que devem existir para que a pessoa tenha apreço por si própria e não se sinta desprezada pelos outros. Se assim não fosse, a vida em sociedade seria impossível. E o direito seria fonte de conflitos, em vez de garantir a paz social, que é a sua função» (cfr. o Acórdão da Relação do Porto de 12/06/2002, citado no Acórdão da Relação do Porto de 19/12/2007, P. 0715118; e Relação de Lisboa de 13/10/2020, P. 686/17.7PGLRS.L1-5 em www.dgsi.pt).
Daí que, como se destaca no Acórdão deste Tribunal da Relação de Lisboa de 11/04/2024 (P. n.º 7971/20.9T9LSB.L1-9 em www.dgsi.pt), «correndo assumidamente o risco de alguma simplificação, diremos que num caso de alegada difamação, de duas uma: ou as palavras que visam terceiro são de todo gratuitas ou desgarradas de qualquer substrato fáctico ou de um debate de ideias e então sim são elas, as palavras, que estão em causa e nada ou pouco mais; ou as palavras têm um contexto, que até pode ser controverso, e neste caso a decisão judicial, para ser ponderada, judiciosa e pelo menos em tese persuasiva, não pode deixar de o convocar e a ele atender. As palavras têm que [ser] lidas e analisadas em si mesmas, decerto, mas esse é apenas o ponto de partida; não podem ser olhadas de forma atomística, isolada e estática, tendo antes que o ser também - diremos mesmo inevitavelmente -, no seu contexto e na sua dinâmica, para que se lhe possa fixar o seu sentido exato, a sua envolvência, a lógica com que surgiram, o seu papel no mundo exterior, a própria intenção com que foram usadas e percebidas no ambiente cultural em que se enquadram».
No caso dos autos, resulta da matéria de facto provada a existência de uma situação de conflito familiar entre a cônjuge do arguido e o assistente, irmão daquela, conflito que envolve vários processos judiciais e disputas quanto a bens que pertenceram aos pais de ambos.
Foi neste contexto, e após uma situação de denúncia do assistente sobre uma operação urbanística numa fração que pertenceu aos pais do assistente e da sua irmã, que motivou uma ação de fiscalização levada a cabo pela Polícia Municipal de ..., que foram proferidas as sobreditas palavras pelo arguido, que revelam algum destempero ou falta de polimento, sendo contudo duvidosa a potencialidade das expressões em causa para integrarem o tipo objetivo do crime aqui em causa quanto ao assistente, na medida em que a falta de educação não integra só por si um ilícito penal.
Na verdade, no contexto de conflitualidade familiar e disputa sobre bens que opõe os intervenientes, o uso isolado das expressões “roubou-me” e “ladrão”, que não é empregue em termos técnico-jurídicos, embora deselegante ou rude, dificilmente pode considerar-se ofensivo daquele núcleo essencial de qualidades morais que devem existir para que a pessoa tenha apreço por si própria e não se sinta desprezada pelos outros.
Tais expressões contêm uma imputação de facto (“roubou-me”) e um juízo relacionado com aquela imputação em termos de substrato fáctico (“é ladrão”, porque roubou). São expressões ligadas entre si e referenciadas aos factos, não à personalidade do assistente, sendo certo que, como se considerou no Acórdão da Relação do Porto de 19/04/2017 (P. nº 16391/15.6T9PRT.P1, Relator: Desembargador Pedro Vaz Pato, acessível em https://jurisprudencia.csm.org.pt/ecli/ECLI:PT:TRP:2017:16391.15.6T9PRT.P1.CA/), «os crimes de difamação e injúria supõem a imputação de factos ou a formulação de juízos sobre uma pessoa, não a formulação de juízos sobre factos, atuações, obras, prestações ou realizações. Estes juízos, que são cobertos pela liberdade de expressão e crítica, não configuram elemento constitutivo de algum desses dois tipos de crime».
Tendo em conta a matéria de facto provada nas alíneas F) e G), mostram-se cumulativamente preenchidas as alíneas previstas neste preceito, porquanto o arguido tinha em vista realizar um interesse legítimo (explicar ao agente da Polícia Municipal ali presente a sequência de factos/conflito familiar que os havia levado àquele momento) e estava convencido, que tal imputação era verdadeira.
O arguido refere que o arguido sabe que aquela imputação de facto não é verdadeira, uma vez que o assistente nunca foi acusado de qualquer roubo ou furto relativamente a bens do arguido ou de qualquer outra pessoa.
No entanto, como já se assinalou, o uso das expressões não é aqui feito em termos técnico-jurídicos e o que está em causa é a convicção do arguido, fundada no conhecimento pessoal da suposta prática da apropriação de uma quantia em dinheiro, de um relógio e de uma jangada e não a condenação do assistente por qualquer crime, a qual não foi invocada pelo arguido, sendo indiferente para este efeito a sua formação jurídica.
Importa, pois, concluir que, as expressões empregues pelo arguido têm uma potencialidade ofensiva meramente residual, ao que acresce que se verificam as circunstâncias cumulativas previstas no art. 180.º, n.º 2 do Código Penal, o que exclui a punibilidade.
Em face do exposto, o recurso improcede também quanto a esta questão.
e) Erro de julgamento do pedido de indemnização civil e indevida condenação do assistente no pagamento das custas civis e penais.
Tendo em conta a improcedência do recurso quanto à matéria de facto e à exclusão da ilicitude, é de manter a improcedência do pedido de indemnização civil.
Com efeito, o pedido de indemnização baseia-se na prática de factos ilícitos, nos termos do art. 483.º, n.º 1 do Código Civil.
Excluída que está a ilicitude da conduta, por via do citado art. 180.º, n.º 2 do Código Penal, fica prejudicado um dos pressupostos da responsabilidade civil, o facto ilícito, o que só por si é suficiente para excluir a responsabilidade civil
Por conseguinte, improcede o recurso quanto ao pedido de indemnização civil, devendo o assistente suportar as respetivas custas, tal como as custas criminais.
Em conclusão, o recurso improcede na íntegra.
DECISÃO
Nestes termos, decide o Tribunal da Relação de Lisboa julgar o recurso totalmente improcedente.
Custas pelo Recorrente, fixando-se em 4 UC a respetiva taxa de justiça.
Lisboa, 01/07/2025
Rui Poças
Pedro José Esteves de Brito
Sandra Oliveira Pinto
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1. Cfr., entre muitos outros, o acórdão do STJ de 05/12/2007, P. nº 3178/07, disponível in Sumários do STJ, www.stj.pt: «O objeto do recurso é definido e balizado pelas conclusões extraídas da respetiva motivação, ou seja, pelas questões que o recorrente entende sujeitar ao conhecimento do tribunal de recurso aquando da apresentação da impugnação - art. 412º, nº 1, do CPP -, sendo que o tribunal superior, tal qual a 1ª instância, só pode conhecer das questões que lhe são submetidas a apreciação pelos sujeitos processuais, ressalvada a possibilidade de apreciação das questões de conhecimento oficioso, razão pela qual nas alegações só devem ser abordadas e, por isso, só assumem relevância, no sentido de que só podem ser atendidas e objeto de apreciação e de decisão, as questões suscitadas nas conclusões da motivação de recurso, (...), a significar que todas as questões incluídas nas alegações que extravasem o objeto do recurso terão de ser consideradas irrelevantes».