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VIOLAÇÃO AGRAVADA
PORNOGRAFIA DE MENORES
PRISÃO PREVENTIVA
FORTES INDÍCIOS
PRESSUPOSTOS DA PRISÃO PREVENTIVA
Sumário
I- Sendo a ocorrência de indícios da prática de um crime uma condição sine qua non da aplicação de todas as medidas de coação, no que concerne à prisão preventiva, a lei é mais exigente, pois usa a expressão «fortes indícios» - os indícios só serão fortes, quando o seu grau de certeza acerca do cometimento do crime e da identidade do seu autor é próximo do que é exigido, na fase do julgamento, apenas com a diferença de que, aquando da aplicação da medida de coação, os elementos probatórios têm uma maior fragilidade, resultante da ausência de contraditório, da imediação e da oralidade, que são característicos da fase da discussão e julgamento da causa. II- Pese embora se concorde que o crime de violação e os crimes de pornografia de menores sejam, de per se, suscetíveis de justificar a intranquilidade das populações, o que tem de relevar, no caso concreto, é a intranquilidade produzida na própria vítima, a qual resultando algo mitigada pelo facto de esta última residir numa cidade diferente daquela em que reside o arguido, não pode ainda assim considerar-se eliminada, na medida em que a mobilidade dos sujeitos, uma vez em liberdade, é fácil, e, por outro lado, não pode ser a liberdade ambulatória de própria vítima a ser sacrificada para o efeito. III- No que se refere ao perigo de perturbação do decurso do inquérito, nomeadamente «perigo para a aquisição, conservação ou veracidade da prova», foi o mesmo considerado verificado pelo Tribunal a quo, relevando-se a «fase embrionária» em que se encontra o processo e a necessidade de prosseguir a investigação, ponderando a personalidade exteriorizada pelo arguido e a fragilidade psicológica em que se encontra a vítima, sendo de recear que, mantendo-se o arguido em liberdade, venha a tentar influenciar a vítima e as potenciais testemunhas, procurando convencê-las a alterar os respetivos depoimentos ou inibi-las de intervir no processo. IV- Os requisitos exigidos pelo artigo 204º do Código de Processo Penal não são de verificação cumulativa, pelo que a não verificação de perigo de continuação da atividade criminosa (ou de perigo de fuga – que não foi considerado na decisão recorrida) não traduz a inexistência de exigências cautelares bastantes para justificar a necessidade de aplicação da medida de coação aqui em apreço, sendo certo que o perigo de perturbação do decurso do inquérito, nomeadamente, para a aquisição, conservação e veracidade da prova, se mostra expressivamente acentuado face ao circunstancialismo apurado nos autos (e inexoravelmente ligado à imperativa necessidade de proteção da vítima).
Texto Integral
Acordam, em conferência, na 5ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:
I. Relatório
No processo nº 699/24.2SELSB, a correr termos na 2ª secção do Departamento de Investigação e Ação Penal de Lisboa, foi o arguido AA, filho de BB e CC, nascido em ........1985, natural de ...), nacional de Portugal, solteiro, sem profissão, com domicílio em ..., submetido a primeiro interrogatório judicial, em ........2025, no Tribunal Central de Instrução Criminal (Juiz 2), na sequência do qual foi determinada a sua sujeição à medida de coação de prisão preventiva.
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O arguido veio interpor recurso daquela decisão, extraindo da respetiva motivação as seguintes conclusões:
“1-A prisão preventiva é a medida de coacção mais gravosa, prevista no Código de Processo Penal.
2-Tal medida é subsidiária a um dos requesitos imperative para que possa ser aplicada é a insuficiência ou inadequação das medidas previstas nos artºs198 ao 201 do C.P.P.
3- Durante este período até à sua detenção, não houve qualquer indício de tentative de fuga, por parte do arguido.
4- No mesmo período, não houve qualquer indício de que o Recorrente tenha realizado atos de perturbação da prova e de continuação da actividade criminosa.
5- Importa, no entendimento do Recorrente, obedecer a um critério de fundamentação da manutenção destes pressupostos.
6-Isto é, ao Tribunal cabe realizar os pressupostos e subsumir estes aos factos de que decorre tal preenchimento.
7- Sob a epígrafe “Requesitos gerais”, o artº204 do C.P.P., determina que nenhuma medida de coacção, à excepção da prevista no artº196 do C.P.P.,pode ser aplicada se em concreto se não verificar, no momenta da aplicação da medida, fuga ou perigo de fuga, perigo de perturbação do decurso do inquérito ou da instrução do processo, e perigo de continuação da actividade criminosa.
8-Nenhum destes pressupostos se encontra à presente data preenchidos.
9- Face ao exposto conclui-se que não estão presentes os requisitos gerais previstos no referido artº204, e que entendendo o Tribunal que tais requesitos estão presentes, há medidas de coacção menos gravosas que são adequadas, suficientes, e propocionais ao caso concreto.
10- São elas a obrigação de permanência na habitação, com vigilância electrónica, cumulada com proibição de contactos com a ofendida, por qualquer meio.
11- As medidas de coacção podem ser alteradas ou revogadas a todo o tempo, sem necessidade de esperar pelo decurso do prazo de três meses no caso de prisão preventiva.
12- O Recorrente dispõe de apoio familiar, requer-se que seja promovida a avaliação pela Direcção-Geral de Reinserção dos Serviços Prisionais, por forma a permitir ao Recorrente aguardar os ulteriores termos do processo mediante obrigação de permanência na habitação com vigilância electrónica, assim como proibição de contactos por qualquer meio com a ofendida.
13- Havendo condições de instalação do sistema de vigilância electrónica, que há, e de manutenção do arguido/recorrente em casa, esta medida é igualmente adequada a mitigar o risco mencionado pelo tribunal e, por menos gravosa, justifica-se a opção pela mesma, atento ao princípio da necessidade.
14-Destarte, a conclusão que se impõe é a de requerer-se que se determine a alteração da medida de coacção de prisão preventiva pela obrigação de permanência na habitação com vigilância electrónica, e proibição de contactos por qualquer meio com a ofendida., logo que esteja feita a avaliação pela Direcção-Geral de Reinserção e serviços prisionais, seja exequível a execução dessa medida.
Nestes termos e nos demais de Direito, tudo com o mui douto suprimento de V.Exas. deverá ser:
1-Revogado o despacho recorrido que aplicou a medida de coacção, de prisão preventive ao Recorrente.
2-Substitui-lo por outro, que determine a alteração da medida de coacção de prisão preventive pela obrigação de permanência na habitação com vigilância electrónica e proibição de contactos com a ofendida.
3-Requer-se que seja oficiada de imediato a Direcção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais, para procederam à avaliação.
Assim se decidindo, far-se-á a Costumada Justiça!”
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O recurso foi admitido, com subida imediata, em separado e com efeito devolutivo.
O Ministério Público apresentou resposta ao recurso, pugnando pela respetiva improcedência, e extraindo da respetiva motivação as seguintes conclusões:
“1. Resulta do douto despacho ora recorrido que se mostra fortemente indiciada a prática, pelo arguido AA, em autoria material, na forma consumada, em concurso real efectivo, de:
“- um crime de coação, previsto pelo artigo 154º do Código Penal e punível com pena de prisão até 3 (três) anos ou com pena de multa; - um crime de coação sexual agravada, previsto pelos artigos 163º, n.º 1 e 177º, n.º 7 do Código Penal e punível com uma pena de prisão de 1 mês e 10 dias a 6 anos e 8 meses (por factos ocorridos no dia ... de ... de 2024); - um crime de violação agravada, previsto pelos artigos 164º, n.º 1, alíneas a) e b) e 177º, n.º 7 do Código Penal e punível com pena de prisão de 1 ano e 4 meses a 8 anos; - 114 (cento e catorze) crimes de pornografia de menores, previstos pelos artigos 176º, n.º 1, alíneas b) e c) e 177º, n.º 7 do Código Penal, cada um deles punível com pena de prisão de 1 (um) ano e 4 (quatro) meses a 6 anos e 8 meses; - um crime de importunação sexual, previsto pelo artigo 170º do Código Penal e punível com pena de prisão até 1 ano ou pena de multa até 120 dias (pelas conversações escritas).”
2. A fundamentação da medida de coacção aplicada ao arguido AA, pelo Tribunal a quo, alicerçou-se nos fortes indícios resultantes dos meios de prova existentes no inquérito à data da realização do 1.º interrogatório judicial de arguido detido, e que, actualmente, se encontram reforçado com a prossecução das diligências investigatórias.
3. A aplicação da medida de coacção de prisão preventiva é admissível, desde logo porquanto “Os crimes de coação sexual e de pornografia de menores agravados integram o conceito de criminalidade violenta previsto no artigo 1º, alínea j) do Código de Processo Penal e o crime de violação agravada o conceito de criminalidade especialmente violenta previsto no artigo 1º, alínea l) do Código de Processo Penal.”
4. Atentos os perigos evidenciados, de perigo concreto de perturbação grave da ordem e da tranquilidade pública, de continuação da atividade criminosa, perigo de fuga e perigo concreto de perturbação do decurso do inquérito, nomeadamente, o perigo para a aquisição, conservação ou veracidade da prova, elencados nas alíneas a), b) e c), do n.º 1, do artigo 204.º, do Código de Processo Penal, apenas se mostra adequada, proporcional e necessária a medida de coacção de prisão preventiva.
5. Não assiste razão ao arguido quando invoca que não existe perigo de fuga, com o argumento de que desde a altura em que os factos ocorreram e a data da detenção “não houve qualquer indício de tentativa de fuga, por parte do arguido (…) não houve qualquer indício de que o Recorrente tenha realizado atos de perturbação da prova e de continuação da actividade criminosa”.
6. Ora bem, mal seria se o mesmo tivesse encetado fuga sem que antes se tivesse apercebido da existência do inquérito contra ele e pelos factos cuja gravidade e forte indiciação se mostra plasmada na decisão recorrida!
7. Pois que o arguido, até ao momento em que foi detido fora de flagrante delito e subsequentemente presente em 1.º interrogatório judicial de arguido detido, desconhecia a existência da investigação em curso, a coberto do segredo de justiça, pelo que não existiam motivos para a sua fuga.
8. Actualmente, e conhecedor dos factos já fortemente indiciados, bem como dos elementos de prova que os consubstanciam, diverso se antecipa o cenário que perpassará na mente do arguido.
9. Assim, não há dúvidas de que a medida de coacção de prisão preventiva é aplicável aos ilícitos relativamente aos quais o recorrente se encontra fortemente indiciado, e plenamente sustentada pelo artigo 202.º do Código de Processo Penal, não merecendo a decisão recorrida qualquer das críticas que lhe foram apontadas.
10. Na escolha da medida de coação, o Juiz tem de atender aos critérios que decorrem dos princípios da legalidade (imposto pelo artigo 191.º do Código de Processo Penal), da necessidade, adequação e proporcionalidade (artigo 193.º, do aludido diploma legal).
11. Concluindo, a medida de coacção aplicada ao ora recorrente AA foi a necessária, proporcional e adequada, sendo a única que permite acautelar os perigos verificados, não merecendo qualquer crítica, e devendo a mesma ser mantida.
Termos em que, decidindo pela manutenção da douta decisão recorrida, nos seus exactos termos e fundamentos, farão V. Exas., como sempre, JUSTIÇA!”
Nesta Relação, a Exma Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer, acompanhando a resposta apresentada na 1ª instância.
Foi dado cumprimento ao disposto no artigo 417º, nº 2 do Código de Processo Penal, vindo o recorrente, em resposta, reiterar os fundamentos do seu recurso.
Proferido despacho liminar e colhidos os “vistos”, teve lugar a conferência.
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II. Objeto do recurso
Como é pacificamente entendido, o âmbito dos recursos é definido pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação, que delimitam as questões que o tribunal ad quem tem de apreciar, sem prejuízo das que forem de conhecimento oficioso1.
No caso, está em questão a prisão preventiva do arguido AA, designadamente, a verificação dos pressupostos legais necessários ao decretamento de tal medida de coação, não questionando o recorrente a indiciação acolhida no despacho recorrido.
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III. Da decisão recorrida O despacho que determinou a sujeição do arguido à medida de coação de prisão preventiva tem o seguinte teor:
“A detenção do arguido é válida, porquanto foi efetuada em flagrante delito, nos termos do disposto nos artigos 254º, n.º 1, alínea a), 255º, n.º 1, alínea a) e 256º do Código de Processo Penal, tendo sido respeitado o prazo de apresentação a que aludem os artigos 141º, n.º 1 e 254º, n.º 1, alínea a) do Código de Processo Penal.
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Indiciam fortemente os presentes autos os seguintes factos concretamente imputados ao arguido AA:
1. No dia ... de ... de 2024, o arguido AA, de 39 anos de idade à data dos factos, enviou um pedido de amizade, através da rede social ..., à menor DD (nascida a ... de ... de 2009, com 15 (quinze) anos de idade à data dos factos), tendo aquele o perfil com nome de utilizador ....
2. De seguida, DD aceitou o pedido de amizade enviado pelo arguido, tendo aquele iniciado uma conversação, através de mensagens diretas na rede social ....
3. Nessa ocasião, o arguido disse à menor que tinha 16 (dezasseis) anos e que vivia em ....
4. Por seu turno, DD disse ao arguido que tinha 15 (quinze) anos de idade.
5. Entre o dia ... de ... de 2024 até ao dia ... de ... de 2024, o arguido enviou diversas mensagens escritas a DD, ao longo do dia e noite, questionando-a quanto à sua escola, amizades e o que fazia no seu dia a dia, o que aquela acedia em responder.
6. A determinado momento, o arguido pediu a DD que lhe enviasse o número de telemóvel, para poderem conversar no WhatsApp e através de vídeochamada, o que aquela acedeu.
7. Assim, em data não concretamente apurada, mas próxima de ... de ... de 2024, o arguido enviou diversas mensagens e estabeleceu chamadas de voz e vídeo através do … para a menor DD, o que ocorreu até ao dia ... de ... de 2024, através do número ... do arguido, para o número ..., pertencente a DD.
8. Nessas conversas, o arguido disse a DD que conhecia o seu irmão mais novo, referindo que sabia que este era guarda-redes num clube de futebol e que, quando frequentava o 6.º ano, se tinha magoado no ombro.
9. Mais disse o arguido a DD, numa das conversas: “se não fizeres o que te digo, vou fazer mal ao teu irmão”, o que fez com que aquela temesse a conduta do arguido e passasse a aceder aos pedidos daquele.
10. Durante o referido período mencionado no ponto 7), o arguido pediu a DD, por diversas vezes, que lhe enviasse a localização da mesma, através do WhatsApp, o que a mesma acedeu, passando o arguido a saber onde DD se localizava.
11. Durante o período referido no ponto 7), o arguido enviou, entre outras, as seguintes mensagens a DD, tendo aquela recebido e lido o seu teor:
- “tu nem tens idade para votar ainda”
- “Ainda és um feto”
- “Se tiveres sozinha a certa altura… Manda-me um vídeo de ti a dizer “daddy”
- “vou mesmo ter de largar o respeito e valores sociais quando entre 4 paredes contigo então”
- “Vou puxar de ti. Tens noção disso, certp? Sexualmente. E não só, mas maioritariamente sexualmente”.
12. Ao receber tais mensagens, DD sentiu receio pela conduta do arguido e temeu que o mesmo pudesse ir ao encontro do seu irmão, para lhe fazer mal, conforme aquele lhe havia anteriormente dito.
13. Em data próxima de ... de ... de 2024, o arguido disse a DD que queria combinar um encontro com esta.
14. Por temer a conduta do arguido, DD informou a sua morada ao arguido, sita na ..., em ..., tendo o arguido feito a deslocação de ... até esse local, no dia ... de ... de 2024.
15. Nesse circunstancialismo, no período da tarde, o arguido encontrou-se com DD junto à piscina daquele condomínio, tendo o arguido colocado a sua boca junto à da menor, beijando-a por diversas vezes, e colocou-lhe as mãos em diversas partes do corpo, esfregando-as no corpo de DD, nomeadamente, nas nádegas e seios, por cima da roupa e do biquini.
16. Entre os dias ... de ... de 2024 e ... de ... de 2024, o arguido enviou, entre outras, as seguintes mensagens a DD, tendo aquela recebido e lido o seu teor:
- “Dia 18 quero ver se tiramos centenas de fotos…”
- “Decidi ir ver alugueres de casas… uma casa aceita crianças. Tecnicamente posso entrar contigo indicando-te como criança e não tem mal fazer o que seja.”
- “Romper o íman doi sempre”
- “Se eu gostar de ti for crime, não és melhor do que eu”
- “Eu tenho lubrificante (se estiveres a falar da coisa detrás)”
- “Aproveitas, e tiras de corpo nu e com língua. Porque eu quero e porque eu gosto mais de ti quando obedeces”.
17. Em data não concretamente apurada, mas próxima de ... de ... de 2024, o arguido enviou uma mensagem escrita a DD, referindo que se não se voltassem a encontrar presencialmente que faria mal ao seu irmão mais novo e aos seus pais.
18. De seguida, o arguido enviou a DD uma fotografia do seu irmão, a sair da escola que o mesmo frequentava.
19. Ao ver tal fotografia, DD receou pela conduta do arguido, e que o mesmo pudesse estar próximo do seu irmão e que o viesse a magoar fisicamente.
20. Assim, DD respondeu ao arguido a dizer que aceitava encontrar-se com o mesmo.
21. No cumprimento do plano que arquitetou, para pernoitar com a menor DD, no dia ... de ... de 2024, o arguido reservou uma noite no ..., sito na ....
22. De seguida, o arguido disse a DD que a mesma tinha de levar uma autorização por escrito dos seus progenitores e dizer-lhes que iria dormir a casa de uma amiga, o que aquela acedeu, por temer pela conduta do arguido.
23. DD, após ter dito aos seus progenitores que ia dormir a casa de uma amiga, na sequência da indicação dada pelo arguido, a progenitora da menor pretendeu assegurar-se de que DD iria dormir a casa da amiga, pelo que pediu a DD o contato da progenitora da sua amiga, para encetar uma conversa.
24. Nessa ocasião, e sem que a progenitora se apercebesse, DD relatou o sucedido ao arguido, tendo este respondido que não havia qualquer problema, pois a própria progenitora do arguido iria falar ao telemóvel com a mãe de DD, fazendo-se passar por mãe da sua amiga.
25. Assim, em hora não concretamente apurada do dia ... de ... de 2024, por indicação do arguido, a progenitora deste contactou telefonicamente a mãe de DD, afirmando ser a mãe da amiga de DD e que estava tudo combinado para a pernoita, nada suspeitando a mãe de DD, a qual acreditou que tinha conversado com a mãe da amiga, concordando com o programa combinado.
26. No dia ... de ... de 2024, por volta das 14:00 horas, DD deslocou-se ao ..., onde o arguido a esperava.
27. De seguida, o arguido encaminhou a menor para o interior do apartamento, levando-a para o quarto.
28. Nessa ocasião, o arguido colocou a sua boca junto à boca de DD, beijando-a, enquanto fazia movimentos com a língua no interior da sua boca, o que a deixou desconfortável.
29. Após, o arguido despiu-se e tirou as roupas da menor.
30. De imediato, DD disse ao arguido que não queria mais avançar, nem ter contacto sexual com o arguido, e que parasse de lhe tirar a roupa e de lhe tocar, não tendo o arguido acedido a tal pedido.
31. De seguida, o arguido deitou a menor na cama, de barriga para cima, colocando-se, de imediato, em cima desta, e puxou-lhe o cabelo com força.
32. Após, o arguido colocou a cabeça de DD junto ao pénis ereto deste, introduzindo-o na boca desta, e fazendo movimentos de vaivém durante vários segundos.
33. Em seguida, o arguido introduziu um número não concretizado de dedos na vagina da menor, o que lhe provocou dor.
34. Após, o arguido voltou a deitar-se, na cama, em cima do corpo de DD, colocando o pénis ereto junto à vagina desta, introduzindo-o, sem preservativo, e fazendo movimentos de vaivém durante vários minutos.
35. Alguns momentos depois, o arguido disse a DD para se virar de barriga para baixo, colocando-se atrás desta, sobre os joelhos, e levantou-lhe o quadril.
36. De seguida, introduziu-lhe o pénis ereto no ânus, sem preservativo, efetuando movimentos de vaivém, tendo o arguido ejaculado para cima dos lençóis.
37. A dado momento, o telemóvel de DD tocou, o que fez com que o arguido interrompesse a sua conduta.
38. Nessa ocasião, a menor dirigiu-se à casa de banho, tendo tomado banho.
39. Em consequência direta da conduta do arguido, DD sentiu dor e sangrou da vagina.
40. DD nunca tinha tido anteriormente qualquer tipo de relações sexuais, nomeadamente, as acima descritas.
41. Em momento prévio à conduta acima descrita, o arguido colocou o seu telemóvel na mesa de cabeceira, direcionado para a cama onde se encontrava DD despida, iniciando a gravação na aplicação da câmara do telemóvel, o que ocorreu durante toda a prática dos atos sexuais acima descritos.
42. O arguido tirou, ainda, várias fotografias a DD e filmou-a, guardando tais ficheiros no seu telemóvel.
43. No dia ... de ... de 2024, o arguido e a menor abandonaram aquele local, tendo-se dirigido a uma pastelaria nas proximidades, onde tomaram o pequeno-almoço, e após, DD dirigiu-se à sua residência.
44. Mais tarde, ao fim do dia, o arguido enviou mensagem escrita a DD, para se encontrarem junto a uma praia de ..., o que aquela acedeu.
45. Nessa ocasião, o arguido colocou a sua boca junto à boca de DD, beijando-a, enquanto fazia movimentos com a língua no interior da sua boca.
46. Entre os dias ... de ... de 2024 e ... de ... de 2024, o arguido enviou vários ficheiros de fotografias, via WhatsApp, a DD, nos quais se visualiza a menor despida, a praticar os atos sexuais com o arguido acima descritos, e que foram captados no circunstancialismo descrito nos pontos 26) a 36).
47. De seguida, o arguido enviou a DD as seguintes mensagens, referindo-se aos ficheiros que lhe havia remetido, tendo aquela recebido e lido o seu teor:
- “Tirando as que mandei agora, claro. Essas foram umas que já tinha metido na cloud quando estava com ideias de ir ser preso”
- “Vídeos novos… ficou filmado tu a tornares-te mulher, sabes. Tornares-te completamente minha fisicamente… Mas eu quero mais, claro”.
48. No dia ... de ... de 2024, por temer a conduta do arguido, DD bloqueou o contacto do arguido no seu telemóvel, após ter contado aos seus progenitores a conduta do arguido.
49. Ao se aperceber que não conseguia contactar DD, o arguido tentou contactá-la por intermédio das suas amigas, tendo enviado mensagens escritas, nas redes sociais, para EE, para que esta informasse DD que o arguido queria falar com esta.
50. No dia ... de ... de 2025, no âmbito de busca domiciliária realizada à residência do arguido, sita na ..., foi apreendido o telemóvel pertencente ao arguido, de marca “...”, modelo “...”.
51. No interior do referido telemóvel, na galeria, encontravam-se guardados 114 (cento e catorze) ficheiros de vídeo e fotografias de DD, numa pasta com o nome ... e 5 (cinco) sub-pastas com os nomes “... (chamadas)”, “... (backed up)”, “... (backed up)”, “...” e “...”.
52. No interior de tais pastas, são visualizados 114 (cento e catorze) ficheiros com os seguintes conteúdos, todos respeitantes a DD, criados e gravados naquele telemóvel entre ... de ... de 2024 e ... de ... de 2024:
a. vídeos captados com o telemóvel do arguido enquanto praticava atos sexuais com a menor, nas ocasiões supra descritas nos pontos 26) a 36);
b. fotografias captadas com o telemóvel do arguido enquanto praticava atos sexuais com a menor, nas ocasiões supra descritas nos pontos 26) a 36);
c. vídeos de DD, onde a mesma surge despida, na cama e no banho, com a mão na vulva e vagina, friccionando-a, e que foram enviados ao arguido pela menor, a pedido deste, em datas ainda não concretamente apuradas;
d. gravações de ecrã efetuadas pelo arguido, através do seu telemóvel, referentes a vídeochamadas efetuadas com DD, e nas quais o mesmo dava indicações à menor para que a mesma exibisse partes do seu corpo, em datas ainda não concretamente apuradas.
53. Em concreto, num vídeo gravado pelo arguido no dia ... de ... de 2024, é possível visualizar DD deitada na cama, de barriga para cima, enquanto o arguido se encontra debruçado sobre a mesma, despido, com o pénis introduzido na vagina daquela, fazendo movimentos de vaivém.
54. Contudo, nesse vídeo, a certo momento DD começa a chorar, enquanto o arguido continua a efetuar movimentos de vaivém de forma insistente e vigorosa, sem parar.
55. A dado momento, DD tenta disfarçar esse choro e fazê-lo confundir com gemidos de prazer, dizendo a certa altura “não aguento mais”, mas acabando por dizer que quer “mais, mais, mais”.
56. O arguido, ao se aperceber do choro de DD, perguntou-lhe porque estava a chorar, tendo, contudo, continuado a efetuar movimentos de forma contínua e prolongada com o pénis ereto introduzido na vagina de DD.
57. Além deste vídeo, com a duração de 5:53 minutos, o arguido tinha, no telemóvel, outros dois ficheiros de vídeo que captam o momento da cópula com a duração de, respetivamente, 8:24 minutos e 2:04 minutos.
58. Outro vídeo, de dia ... de ... de 2024, refere-se a gravação de ecrã que o arguido efetuou da sua tela de telemóvel no decorrer de videochamada com DD, no qual é possível visualizar a menor a seguir as instruções do arguido, enquanto se encontra deitada na sua cama, exibindo os seios, e, de seguida, baixa as cuecas, filmando as suas nádegas, e, em simultâneo, o arguido, que também se encontra deitado numa cama, efetua movimentos de vaivém no pénis ereto com a sua mão, enquanto visualiza a menor.
59. Numa fotografia captada pelo telemóvel do arguido, do dia ... de ... de 2024, é possível visualizar DD sentada no chão, encostada a uma parede, despida da cintura para baixo, com as pernas abertas, a exibir a vagina, e os seios, por ter o top que trajava levantado até à zona do pescoço.
60. Na aludida fotografia é ainda possível visualizar a ponta do pénis do arguido, enquanto este o segura com uma a mão e capta a fotografia com a outra.
61. Ao agir da forma acima descrita, quis o arguido obrigar DD a encontrar-se consigo nas ocasiões supra descritas, o que logrou, perante um anúncio de mal futuro contra a vida e integridade físicas do irmão daquela e dos seus progenitores.
62. Mais quis o arguido ter contacto físico com várias partes do corpo de DD, beijando-a por diversas vezes, bem como apertando-lhe as nádegas e seios, no dia ... de ... de 2024.
63. Quis ainda o arguido praticar os descritos atos sexuais, de cópula vaginal, coito anal e coito oral, contra a vontade desta, e mediante o uso de força física, o que logrou, no dia ... de ... de 2024.
64. O arguido sabia que, ao manter os referidos atos sexuais com DD, afetava a integridade psicológica e emocional da mesma e a impedia de se autodeterminar na sua liberdade sexual, querendo obter satisfação sexual através daquela, o que conseguiu.
65. Mais sabia o arguido que se tratava de menor, com 15 (quinze) anos de idade.
66. Ao fotografar, filmar e captar imagens de DD, enquanto a mesma se encontrava despida, em atos sexuais de cópula e coito oral e anal, bem como exibindo a vagina, seios e nádegas, quis o arguido fabricar e guardar ficheiros com conteúdo sexual, bem sabendo que tal conduta não lhe era permitida, por se tratar de menor de 15 (quinze) anos.
67. O arguido sabia que os ficheiros acima descritos, que guardava no seu telemóvel, eram relativos a pessoa do sexo feminino, de 15 (quinze) anos de idade, a exibir a vagina, seios e nádegas, bem como em situações de introdução de pénis na respetiva boca, ânus e vagina, bem sabendo que a sua exportação e detenção eram proibidas.
68. Mais queria o arguido enviar mensagens escritas a DD, com o propósito concretizado de lhe formular propostas de teor sexual, e visando satisfazer os seus instintos libidinosos, assim desrespeitando a liberdade e autodeterminação sexual daquela, e de que ao agir do modo descrito atentava contra a liberdade e autodeterminação sexual da mesma e que punha em perigo o normal desenvolvimento da sua personalidade sexual.
69. O arguido agiu de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida criminalmente.
70. O arguido é solteiro.
71. O arguido vive com a mãe.
72. O arguido encontra-se atualmente desempregado.
73. Como habilitações literárias, o arguido possui o 12º ano de escolaridade e cursos profissionais na área de multimédia, programação de android e marketing.
74. Do certificado de registo criminal do arguido não consta averbada qualquer condenação.
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A forte indiciação dos factos supra assinalados resulta dos meios de prova indicados a fls. 251 e 252, maxime, a comunicação da notícia do crime de fls. 2; o auto de diligências iniciais de fls. 6; a impressão do perfil do arguido na rede social de fls. 17; a impressão da identificação civil do arguido de fls. 18; o auto de notícia de fls. 21; o auto de inquirição de fls. 25; a fotografia de fls. 36; o email de fls. 55 (informação quanto à reserva do hostel); o auto de diligência de fls. 61 e seguintes com transcrição de mensagens e fotos; a documentação clínica de fls. 117; o auto de inquirição de fls. 124; o exame pericial de fls. 51 e seguintes; o auto de declarações para memória futura de fls. 175; o auto de busca e apreensão de fls. 212; o auto de pesquisa e análise sumária de fls. 226; a pen drive de fls. 228 e as imagens retiradas na referida pen de fls. 229.
O manancial de elementos probatórios recolhidos nos autos, com especial enfoque para as declarações para memória futura da ofendida, as quais, conjugadas com os demais meios de prova e com as regras da experiência comum e da normalidade social, mereceram credibilidade ao Tribunal, permite considerar fortemente indiciados os factos imputados ao arguido pelo Ministério Público.
As declarações prestadas pelo arguido, porque imbuídas de diversas inconsistências e contradições, não revestiram credibilidade suficiente para atenuarem os fortes indícios resultantes dos demais elementos probatórios juntos aos autos.
A versão dos factos apresentada pelo arguido, refutando qualquer responsabilidade criminal, não mereceu credibilidade ao Tribunal, na medida em que se apresentou incongruente, não foi confirmada por qualquer meio de prova e resultou inequívoca e frontalmente contrariada pelos demais elementos probatórios constantes dos autos, designadamente pelas declarações para memória futura da ofendida, em conjugação com os elementos clínicos e os ficheiros apreendidos na posse do arguido, em conjugação com as regras da experiência comum.
Os factos atinentes à situação pessoal e condição económica do arguido foram confirmados pelas declarações por este prestadas perante o Tribunal.
No que respeita aos antecedentes criminais do arguido, foi determinante o teor do certificado de registo criminal constante dos autos.
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Os factos fortemente indiciados nos autos são suscetíveis de integrar a prática pelo arguido, em autoria material, na forma consumada e em concurso real efetivo, dos seguintes crimes:
- um crime de coação, previsto pelo artigo 154º do Código Penal e punível com pena de prisão até 3 (três) anos ou com pena de multa;
- um crime de coação sexual agravada, previsto pelos artigos 163º, n.º 1 e 177º, n.º 7 do Código Penal e punível com uma pena de prisão de 1 mês e 10 dias a 6 anos e 8 meses (por factos ocorridos no dia ... de ... de 2024);
- um crime de violação agravada, previsto pelos artigos 164º, n.º 1, alíneas a) e b) e 177º, n.º 7 do Código Penal e punível com pena de prisão de 1 ano e 4 meses a 8 anos;
- 114 (cento e catorze) crimes de pornografia de menores, previstos pelos artigos 176º, n.º 1, alíneas b) e c) e 177º, n.º 7 do Código Penal, cada um deles punível com pena de prisão de 1 (um) ano e 4 (quatro) meses a 6 anos e 8 meses;
- um crime de importunação sexual, previsto pelo artigo 170º do Código Penal e punível com pena de prisão até 1 ano ou pena de multa até 120 dias (pelas conversações escritas).
Os crimes de coação sexual e de pornografia de menores agravados integram o conceito de criminalidade violenta previsto no artigo 1º, alínea j) do Código de Processo Penal e o crime de violação agravada o conceito de criminalidade especialmente violenta previsto no artigo 1º, alínea l) do Código de Processo Penal.
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A aplicação das medidas de coação obedece aos princípios da legalidade, necessidade, adequação e proporcionalidade, em refração do princípio constitucional da presunção da inocência consagrado no artigo 32º da Constituição da República Portuguesa.
De acordo com o artigo 191º, n.º 1 do Código de Processo Penal, "a liberdade das pessoas só pode ser limitada, total ou parcialmente, em função de exigências processuais de natureza cautelar, pelas medidas de coação e de garantia patrimonial previstas na lei".
O artigo 193º do Código de Processo Penal, por sua vez, estabelece, no seu n.º 1, que "as medidas de coação e de garantia patrimonial a aplicar em concreto devem ser necessárias e adequadas às exigências cautelares que o caso requerer e proporcionais à gravidade do crime e às sanções que previsivelmente venham a ser aplicadas".
Nos termos do artigo 193º, n.º 2 do Código de Processo Penal, "a prisão preventiva e a obrigação de permanência na habitação só podem ser aplicadas quando se revelarem inadequadas ou insuficientes as outras medidas de coação".
Os princípios constitucionais da exceção e da necessidade de qualquer medida privativa da liberdade, atenta a natureza de medida gravosa, conferem-lhe o caráter de meio excecional e subsidiário, que se restringe aos casos em que as restantes medidas de coação se mostrem inadequadas e insuficientes, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 27º, n.º 3 e 28º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa e 193º, n.º 2 do Código de Processo Penal.
Cumpre verificar se se mostram reunidos nos autos os requisitos gerais de aplicação de qualquer medida de coação, além do TIR, previstos no artigo 204º do Código de Processo Penal, bem como os requisitos específicos de aplicação da prisão preventiva, previstos no artigo 202º do Código de Processo Penal, conforme requerido pelo Ministério Público.
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Os crimes fortemente indiciados nos autos, pela sua própria natureza e gravidade, atento o seu modo de execução, praticados contra menor, e considerando os bens jurídicos em causa – liberdade e autodeterminação sexual -, geram um forte alarme social e um grande sentimento de insegurança, o que permite concluir pela existência de um perigo concreto de perturbação grave da ordem e da tranquilidade pública, a que alude o artigo 204º, n.º 1, alínea c) do Código de Processo Penal.
Por outro lado, da factualidade indiciada retira-se inequivocamente a ocorrência do perigo concreto de continuação da atividade criminosa a que alude o artigo 204º, n.º 1, alínea c) do Código de Processo Penal, uma vez que o modo de ação adotado pelo arguido, assumindo comportamentos reiterados, que demonstram um padrão de conduta, com conotação sexual, perante a vítima menor de idade, contra a vontade desta, de modo a perturbar a sua liberdade sexual, recorrendo, se necessário ao uso de coação e ameaça, para garantir a satisfação dos seus instintos libidinosos, o que denota uma energia delituosa muito intensa, subsistindo o receio de repetição de atos delituosos, atendendo à personalidade exteriorizada pelo arguido, revelando um profundo desrespeito pela vítima e um total desprezo pelas regras sociais.
Acresce que a probabilidade de o arguido se pôr em fuga e de se eximir à justiça é elevada, tal como o é a probabilidade de lhe vir a ser aplicada uma pena de prisão efetiva em sede de julgamento, por força das fortes exigências de prevenção geral que o caso reclama, o que permite considerar verificado o perigo concreto de fuga a que alude o artigo 204º, n.º 1, alínea a) do Código de Processo Penal.
Por último, atendendo à fase embrionária do processo e à necessidade de prosseguir a investigação e ponderada a personalidade exteriorizada pelo arguido e a fragilidade psicológica em que se encontra a vítima sobretudo na sequência dos factos descritos, torna-se evidente que existe um fundado e intenso receio que o arguido venha a interferir com a ofendida ou a condicionar a vítima quanto à sua versão dos factos no intuito de a demover a depor contra si, verificando-se assim o perigo concreto de perturbação do decurso do inquérito, nomeadamente, o perigo para a aquisição, conservação ou veracidade da prova, a que alude o artigo 204º, n.º 1, alínea b) do Código de Processo Penal.
A ocorrência dos aludidos perigos torna manifesta a necessidade de se adotarem medidas de coação eficazes, sendo evidente que apenas uma medida de coação de natureza detentiva se mostra apta a obstar aos perigos decorrentes da perturbação grave da ordem e da tranquilidade públicas, de continuação da atividade criminosa, de fuga e de perturbação de inquérito evidenciados nos autos.
Não sendo conhecidas quaisquer condições, quer logísticas, quer de apoio humano, para implementar com o mínimo de eficácia a execução da medida de coação de obrigação de permanência na habitação com vigilância eletrónica, garantindo uma efetiva prevenção da continuação da atividade criminosa, afigura-se-nos que a única medida ajustada, adequada, necessária e apta a acautelar os aludidos perigos é a medida de coação de prisão preventiva, a qual se afigura também proporcional à sanção que previsivelmente virá a ser aplicada ao arguido em sede de audiência de julgamento, por força das fortes exigências de prevenção geral e especial que o caso reclama.
De realçar que a medida de coação de obrigação de permanência na habitação com vigilância eletrónica não se afigura eficaz para prevenir os aludidos perigos evidenciados nos autos, na medida em que não impediria que o arguido fosse contactado e/ou contactasse com a vítima no sentido de prosseguir a atividade delituosa a partir da sua residência.
Assim sendo, em consonância com o Ministério Público, estando reunidos os pressupostos específicos a que alude o artigo 202º, n.º 1, alíneas a) e b) do Código de Processo Penal, considera-se que de molde a acautelar os aludidos perigos que se verificam em concreto nos autos se impõe a aplicação ao arguido, para além do TIR já prestado, da medida de coação de prisão preventiva, a qual se afigura a única adequada e suficiente às exigências cautelares que o caso reclama e proporcional à gravidade dos crimes em causa, não se bastando as exigências cautelares do processo com a aplicação de qualquer outra medida de coação.
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Face ao exposto, ao abrigo do preceituado nos artigos 191º, 192º, 193º, 194º, 195º, 196.º, 202º, n.º 1, alíneas a) e b) e 204º, n.º 1, alíneas a), b) e c), todos do Código de Processo Penal, determino que o arguido AA aguarde os ulteriores termos do processo sujeito, além do TIR, à medida de coação de prisão preventiva.”
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IV. Fundamentação
Insurge-se o recorrente por ter sido sujeito à medida de coação de prisão preventiva, por via da decisão proferida em ........2025, considerando que no período que mediou entre a prática dos factos e a sua detenção não houve qualquer tentativa de fuga, ou qualquer ato de perturbação da prova e de continuação da atividade criminosa, pelo que não se mostram preenchidos os requisitos previstos no artigo 204º do Código de Processo Penal.
E, por outro lado, alega, existem medidas de coação menos gravosas que são adequadas, suficientes e proporcionais ao caso concreto, nomeadamente a obrigação de permanência na habitação, com vigilância eletrónica, cumulada com a proibição de contactos com a vítima, que devem ser aplicadas em substituição da prisão preventiva.
Cumpre apreciar.
O direito à liberdade pessoal, na aceção de liberdade ambulatória, é um direito fundamental da pessoa, proclamado em instrumentos legislativos internacionais e também na Constituição da República Portuguesa.
A Convenção Europeia dos Direitos do Homem (CEDH Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais) consagra o direito à liberdade pessoal, no seu artigo 5º, estabelecendo que ninguém pode ser dela privado, a não ser que seja preso em cumprimento de condenação, decretada por tribunal competente, de acordo com o procedimento legal e que a pessoa privada da liberdade por prisão ou detenção tem direito a recorrer a um tribunal, a fim de que este se pronuncie, em curto prazo de tempo, sobre a legalidade da sua detenção e ordene a sua libertação, se a detenção for ilegal.
Nos termos do artigo 27º da Constituição da República Portuguesa, todos têm direito à liberdade e à segurança, de harmonia com a consagração do direito à liberdade individual como um direito fundamental.
O direito fundamental a não ser detido, preso ou total ou parcialmente privado da liberdade não é, porém, um direito absoluto, como os próprios instrumentos de direito internacional e a Constituição da República Portuguesa, admitem.
As medidas de coação são, justamente, meios processuais de limitação da liberdade pessoal que têm por função acautelar a eficácia do procedimento penal, quer no que respeita ao seu desenvolvimento, quer quanto à execução das decisões condenatórias2.
A prisão preventiva é aplicável, quando estando fortemente indiciada a prática de algum dos crimes enumerados no artigo 202º do Código de Processo Penal, se verifique algum dos perigos previstos no artigo 204º do mesmo diploma.
Quanto aos pressupostos legais de carácter geral, (aplicáveis quer à prisão preventiva, quer a qualquer outra medida de coação diferente do TIR), referem-se à verificação de algum ou algum dos perigos enumerados nas alíneas a) a c) do artigo 204º do Código de Processo Penal: a) Fuga ou perigo de fuga; b) Perigo de perturbação da investigação; c) Perigo de perturbação da ordem e da tranquilidade pública ou de continuação da atividade criminosa – que não são de verificação cumulativa.
Quanto aos pressupostos de carácter específico, encontram-se estabelecidos no artigo 202º nº 1, alíneas a) e b), do Código de Processo Penal, e são cumulativos: a existência de fortes indícios da prática de crime; que o crime indiciado seja doloso; que o crime indiciado corresponda a criminalidade violenta ou seja punível com pena de prisão de máximo superior a 5 anos.
E é, no elenco de medidas de coação previstas no Código de Processo Penal, a mais gravosa para os direitos fundamentais do arguido, dado implicar a total restrição da sua liberdade individual.
Por tal razão tem natureza subsidiária e excecional, o que significa que só deve ser aplicada, se todas as restantes medidas se mostrarem inadequadas ou insuficientes para a salvaguarda das exigências processuais de natureza cautelar que o caso requeira, concretamente, para a aquisição e conservação dos meios de prova e para garantir a presença do arguido nos atos processuais, sobretudo, na audiência de discussão e julgamento.
Deve, igualmente, à semelhança das restantes medidas de coação, com exceção do Termo de Identidade e Residência, ser proporcional à gravidade do crime e às sanções que, num juízo de prognose em relação ao julgamento, virão, possivelmente, a ser aplicadas.
É o que decorre das normas contidas nos artigos 191º, nº 1, 193º e 204º do Código de Processo Penal, de acordo, aliás, com os princípios constitucionais consagrados nos artigos 18º, nº 2, 27º e 28º, nº 2 da Constituição da República Portuguesa.
O princípio da adequação das medidas de coação exprime a exigência de que exista uma correspondência entre os interesses cautelares a tutelar no caso concreto e a concreta medida de coação imposta ou a impor. Afere-se por um critério de eficiência, partindo da comparação entre o perigo que justifica a imposição da medida de coação e a previsível capacidade de esta o neutralizar ou conter.
O princípio da necessidade tem subjacente uma ideia de exigibilidade, no sentido de que só através da aplicação daquela concreta medida de coação se consegue assegurar a prossecução das exigências cautelares do caso e não de outra qualquer ou da não aplicação de qualquer delas.
O princípio da proporcionalidade assenta num conceito de justa medida ou proibição do excesso entre os perigos que se pretendem evitar e a aplicação da medida de coação escolhida.
O artigo 18º, nº 2 da Constituição da República Portuguesa prevê que a lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos e, tal como em todos os demais campos de aplicação, em matéria de aplicação das medidas de coação o princípio da proporcionalidade também terá de ser decomposto «em três subprincípios constitutivos: o princípio da conformidade ou da adequação; o princípio da exigibilidade ou da necessidade e o princípio da justa medida ou proporcionalidade em sentido estrito»3.
Assim, no que respeita ao princípio da proporcionalidade, é imperioso que, em cada fase do processo, exista uma relação de idoneidade entre a medida aplicada ou a aplicar e a importância do facto imputado, bem assim, a sanção que se julga que pode vir a ser imposta, ou seja, tem de existir uma correlação entre a privação da liberdade individual que a medida de coação implica, a gravidade do crime e a natureza e medida da pena que, previsivelmente, virá a ser aplicada ao arguido.
Ora, estes princípios da necessidade, da adequação e da proporcionalidade que regem a sua aplicação são uma emanação do princípio jurídico-constitucional da presunção de inocência constante no artigo 32º, nº 2 da Constituição da República Portuguesa.
Tanto no que se refere à aplicação das medidas de coação em geral, como, muito especialmente, no que concerne às medidas de prisão preventiva e de obrigação de permanência na habitação, às quais é expressamente atribuído carácter excecional ou subsidiário, terão, pois, necessariamente, de obedecer a estes princípios constitucionais da necessidade, da adequação e da proporcionalidade, consagrados nos artigos 18º, 27º e 28º, nº 2 da Constituição da República Portuguesa4.
É no ponto de equilíbrio entre os direitos em confronto – o direito fundamental à liberdade individual e o da realização da justiça penal (na medida em que a aplicação da prisão preventiva, como de qualquer outra medida de coação, apenas serve para garantir o normal desenvolvimento do procedimento criminal e obstar a que o arguido se exima à execução da previsível condenação), que se garante o respeito pelos princípios da necessidade, adequação e proporcionalidade e se impede o livre arbítrio (cf. acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 22.01.20195).
Feitas estas considerações de carácter geral, que hão de ser tidas em conta na verificação da existência dos pressupostos de que depende a aplicação da medida de coação imposta ao arguido recorrente, é tempo de nos debruçarmos sobre os concretos aspetos assinalados nas conclusões extraídas da motivação do recurso do arguido. (dos fortes indícios do cometimento do crime imputado)
Sendo a ocorrência de indícios da prática de um crime uma condição sine qua non da aplicação de todas as medidas de coação, no que concerne à prisão preventiva, a lei é mais exigente, pois usa a expressão «fortes indícios», sendo que ao fazê-lo, como se escreveu no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 28.08.20186, cuja perspetiva subscrevemos, “o que se pretende é inculcar a ideia de que o legislador não permite que se decrete a medida com base em meras suspeitas mas exige que haja já sobre a prática de determinado crime uma «base de sustentação segura» quanto aos factos e aos seus autores que permita inferir que o arguido poderá por eles vir a ser condenado7 e que, por conseguinte, essa base de sustentação deverá ser constituída por «provas sérias», provas que deixem uma impressão já nítida da responsabilidade do arguido objectivadas a partir dos elementos recolhidos.
Sendo diferente o contexto probatório em relação ao momento da aplicação da medida de coacção – como é o caso – e ao momento da acusação, poderá então afirmar-se que não sendo conceitos semelhantes, claro está, de certo modo se equivalem o conceito de «fortes indícios» usado no art. 202º e o de «indícios suficientes» explicitado no art. 283º, nº 2 quanto aos objectivos que visam em cada momento processual: aqueles como estes pressupõem a possibilidade de ao arguido vir a ser aplicada em julgamento uma pena, devendo ter idoneidade bastante para tal.89”
Essa idoneidade, porém, há de aferir-se pela circunstância de serem usados perante realidades processuais distintas, e não pela respetiva substância.
Assim, se os indícios suficientes se devem ter por verificados, quando, com base nesses indícios, a probabilidade de condenação é, pelo menos, maior do que a de absolvição, reportada à fase da audiência de discussão e julgamento10, os indícios só serão fortes, quando o seu grau de certeza acerca do cometimento do crime e da identidade do seu autor é próximo do que é exigido, na fase do julgamento, apenas com a diferença de que, aquando da aplicação da medida de coação, os elementos probatórios têm uma maior fragilidade, resultante da ausência de contraditório, da imediação e da oralidade, que são característicos da fase da discussão e julgamento da causa.
No recurso, o arguido não negou a prática dos factos, nem pôs em causa o enquadramento jurídico dos mesmos operado na decisão recorrida, não questionando a respetiva forte indiciação.
Por outro lado, em face do acervo probatório disponível nos autos, não vemos razões para discordar da avaliação das circunstâncias apuradas feita pelo Tribunal a quo, pelo que é de acolher a forte indiciação da prática por parte do arguido recorrente em autoria material, na forma consumada e em concurso real efetivo, de um crime de coação, previsto pelo artigo 154º do Código Penal e punível com pena de prisão até 3 (três) anos ou com pena de multa; um crime de coação sexual agravada, previsto pelos artigos 163º, n.º 1 e 177º, n.º 7 do Código Penal e punível com uma pena de prisão de 1 mês e 10 dias a 6 anos e 8 meses (por factos ocorridos no dia ... de ... de 2024); um crime de violação agravada, previsto pelos artigos 164º, n.º 1, alíneas a) e b) e 177º, n.º 7 do Código Penal e punível com pena de prisão de 1 ano e 4 meses a 8 anos; 114 (cento e catorze) crimes de pornografia de menores, previstos pelos artigos 176º, n.º 1, alíneas b) e c) e 177º, n.º 7 do Código Penal, cada um deles punível com pena de prisão de 1 (um) ano e 4 (quatro) meses a 6 anos e 8 meses; e um crime de importunação sexual, previsto pelo artigo 170º do Código Penal e punível com pena de prisão até 1 ano ou pena de multa até 120 dias (pelas conversações escritas).
Os referidos crimes de coação sexual agravada, violação agravada e pornografia de menores são em abstrato puníveis com pena de prisão de máximo superior a 5 anos, pelo que é admissível a aplicação da medida de coação de prisão preventiva. Em suma, é de considerar demonstrada a existência de “fortes indícios de prática de crime doloso punível com pena de prisão de máximo superior a 5 anos”, nos termos exigidos pelo artigo 202º, nº 1, alínea a) do Código de Processo Penal. (dos pressupostos para a prisão preventiva)
Preenchido o pressuposto específico do artigo 202º, do Código de Processo Penal, vejamos agora os pressupostos constantes do artigo 204º do mesmo diploma legal, em que se fundou o Tribunal a quo para justificar a prisão preventiva do recorrente (considerando verificados os perigos de fuga, de perturbação do inquérito, de continuação da atividade criminosa e de perturbação da ordem e tranquilidade pública, contemplados nas alíneas a), b) e c) do preceito citado).
Defende o arguido/recorrente que inexiste perigo de fuga, na medida em que no período decorrido desde a prática dos factos até à sua detenção, não houve qualquer tentativa de fuga, e também não houve qualquer indício de que tenha “realizado atos de perturbação da prova e de continuação d actividade criminosa”. E conclui, por isso, que não estão presentes os requisitos gerais previstos no artigo 204º do Código de Processo Penal.
Já veremos que não é assim.
Antes, porém, importa determo-nos, por breves instantes, nas especialidades convocadas, a propósito da imposição de medidas de coação, pela circunstância de estarmos perante crimes contra a liberdade e autodeterminação sexual, que a lei define como criminalidade violenta, sendo a respetiva vítima legalmente tida como especialmente vulnerável (cf. artigos 1º, alínea j) e 67º-A, nº 1, alínea b) e nº 3, ambos do Código de Processo Penal).
Escrevem Mouraz Lopes e Tiago Caiado Milheiro11: “Na criminalidade sexual, a vítima, como se referiu, assume uma importante e relevante visibilidade no direito penal substantivo e processual. A nível da detenção e das medidas de coação o legislador reconhece que a vítima é um importante “ator” no processo penal, não só enquanto meio de prova, mas também enquanto cidadão que anseia que seja realizada justiça da forma mais célere possível, através da eventual aplicação de uma reação, ainda que provisória, do sistema penal que a tranquilize (fazendo-a acreditar que o agressor não voltará a cometer factos semelhantes em relação a si ou sobre outras vítimas). Qualquer que seja o prisma de enquadramento é um dever zelar pela sua proteção. É aliás, um direito da vítima conforme resulta do art. 67.º-A, n.º4 do CPP.
A detenção e as medidas de coação deverão proteger a vítima, não só para evitar novas agressões sexuais, mas para que, por via de um receio ou temor decorrentes da situação em que se viu envolvida, não fique de tal modo constrangida que se recuse a esclarecer os factos, ou, já tendo prestado depoimento, seja previsível que a manter-se um clima de atemorização física ou mental do agressor não seja possível assegurar que preste esclarecimentos subsequentes.
(…)
A nível das medidas de coação existem requisitos gerais que estão estreitamente relacionados com a vítima.
Assim, o art. 204.º, al. b) prevê que para aplicação de uma medida de coação exista perigo de perturbação do decurso do inquérito ou da instrução12 do processo, nomeadamente perigo para a aquisição, conservação e veracidade da prova. No âmbito da criminalidade sexual é muito frequente a ocorrência de uma situação de relação de poder entre vítima/agressor que, por si só torna imperioso (nomeadamente no caso das vítimas especialmente vulneráveis) a aplicação de uma medida de coação adequada, necessária, suficiente, proporcional e não excessiva, que permita a colaboração daquela com o sistema de justiça. Embora o escopo seja a atividade probatória, está intrinsecamente relacionado com as necessidades de proteção da vítima, pois só uma medida de coação que afaste qualquer receio é que salvaguardará a prova.”
Como se sabe, o perigo de perturbação da ordem e da tranquilidade públicas tem de resultar de circunstâncias concretas e particulares referentes ao previsível comportamento do arguido – trata-se do perigo de o arguido vir a perturbar a ordem e a tranquilidade públicas -, não relevando só por si a circunstância de os factos já praticados serem suscetíveis de, em abstrato, causar alarme ou intranquilidade na sociedade. Nesta medida, pese embora se concorde que o crime de violação e os crimes de pornografia de menores sejam, de per se, suscetíveis de justificar a intranquilidade das populações, o que tem de relevar, no caso concreto, é a intranquilidade produzida na própria vítima, a qual resultando algo mitigada pelo facto de esta última residir numa cidade diferente daquela em que reside o arguido, não pode ainda assim considerar-se eliminada, na medida em que a mobilidade dos sujeitos, uma vez em liberdade, é fácil, e, por outro lado, não pode ser a liberdade ambulatória de própria vítima a ser sacrificada para o efeito.
No que se refere ao perigo de perturbação do decurso do inquérito, nomeadamente «perigo para a aquisição, conservação ou veracidade da prova», foi o mesmo considerado verificado pelo Tribunal a quo, relevando-se a «fase embrionária» em que se encontra o processo e a necessidade de prosseguir a investigação, ponderando a personalidade exteriorizada pelo arguido e a fragilidade psicológica em que se encontra a vítima, sendo de recear que, mantendo-se o arguido em liberdade, venha a tentar influenciar a vítima e as potenciais testemunhas, procurando convencê-las a alterar os respetivos depoimentos ou inibi-las de intervir no processo.
Este perigo, no caso em apreço, é muito real, na medida em que os autos documentam a intensa atividade desenvolvida junto da vítima, e, bem assim, as posteriores tentativas de contacto com a vítima através das amigas da mesma, sendo de recear novas iniciativas no mesmo sentido.
Não nos merece reparo, neste aspeto, a avaliação feita pelo Tribunal recorrido.
Quanto ao perigo de continuação da atividade criminosa, não se discorda da avaliação feita pelo Tribunal a quo relativamente à personalidade desvaliosa do arguido, que demonstrou não ser capaz de controlar os seus impulsos, construindo um ascendente perante uma adolescente de 15 anos, mediante comportamentos reiterados, com intensa energia criminosa, sendo de recear a repetição de atos semelhantes, nomeadamente no que se refere à pornografia de menores, ainda que se não desconsidere a ausência de antecedentes criminais, que só residualmente mitiga o mencionado perigo.
No que se refere ao perigo de fuga, que o recorrente rejeita existir em função do lapso de tempo decorrido entre a prática dos factos e a sua detenção, considerou a decisão recorrida derivar o mesmo da elevada probabilidade de ao arguido vir a ser aplicada uma pena de prisão efetiva. Ora, sendo embora verdade que o recorrente, efetivamente, não se ausentou para parte incerta, tendo tido oportunidade para o efeito, não menos certo é que, até ao momento em que foi concretizada a busca domiciliária, a detenção do arguido e a sua comparência perante o Juiz de Instrução, é de admitir que não tivesse o mesmo noção da investigação que se encontrava em curso. Tal estado de coisas deixou de se verificar, sendo de considerar agravada a possibilidade de que o arguido procure eximir-se à ação da justiça (estando agora ciente de que contra si foi instaurado procedimento criminal pelos factos praticados). Tal perigo mostra-se, ainda assim, algo residual, uma vez que se desconhecem circunstâncias que objetivamente facilitem a fuga do arguido.
Não obstante, como acima se referiu, os requisitos exigidos pelo artigo 204º do Código de Processo Penal não são de verificação cumulativa, pelo que a eventual não verificação de perigo de fuga não traduz a inexistência de exigências cautelares bastantes para justificar a necessidade de aplicação da medida de coação aqui em apreço, sendo certo que o perigo de perturbação do decurso do inquérito, nomeadamente, para a aquisição, conservação e veracidade da prova, se mostra expressivamente acentuado face ao circunstancialismo apurado nos autos (e inexoravelmente ligado à imperativa necessidade de proteção da vítima).
Por outro lado, a alegada inserção familiar do recorrente não é suscetível de afastar este perigo, pois que, até agora essa inserção não representou qualquer efeito contentor, não constituindo qualquer obstáculo à prática dos factos (tanto quanto resulta dos autos, aliás, a progenitora do arguido colaborou na preparação das condições que permitiram ao arguido violar a ofendida e recolher múltiplas imagens pornográficas da mesma), e nada nos autos aponta no sentido de qualquer mudança objetiva por parte do arguido, que nos faça concluir pelo respetivo reconhecimento do desvalor da sua ação, ou qualquer outro indício de que é possível um diferente juízo de prognose.
E este perigo de continuação da atividade criminosa e de interferência na aquisição e conservação da prova, a par da necessidade de proteção da vítima, não consegue ser debelado através da medida de OPHVE, pois que a permanência na habitação não impediria que novos factos do género viessem a ocorrer, e facilmente poderiam novamente ser desencadeados estando o arguido numa habitação, que não num estabelecimento prisional (nomeadamente, no que se refere à pornografia de menores). É que, como é sabido, a adequação e exequibilidade da OPHVE dependem sobretudo da capacidade dos arguidos para respeitarem as restrições que resultam da aplicação dessa medida, requisito que, no caso vertente, a ausência de espírito crítico evidenciada pelo arguido relativamente ao respetivo comportamento indicia não existir.
Acresce que, os factos acima descritos integram o conceito de criminalidade violenta (artigo 1º, alínea j) do Código de Processo Penal) atingindo bens jurídicos estruturantes, e fortemente valorados pela sociedade.
Por outro lado, importa ter em conta que não pode este tribunal de recurso apreciar como se fosse a 1ª instância a pretensão do arguido de substituição da medida de coação assente em alteração das circunstâncias que determinaram a imposição da medida de prisão preventiva. O recurso é um remédio jurídico – e a apreciação do Tribunal ad quem incide, necessariamente, sobre a decisão proferida na 1ª instância, tendo em consideração os mesmos dados que se apresentaram ao Tribunal a quo, não lhe cabendo, por isso, a obtenção de elementos de prova adicionais. Porém, como é óbvio, as medidas de coação estão sempre subordinadas à cláusula rebus sic stantibus, nos termos do artigo 213º do Código de Processo Penal, pelo que, alterados os elementos dos autos, quanto à indiciação ou quanto às exigências cautelares, o tribunal, oficiosamente ou mediante requerimento, não deixará de reponderar a situação – mas uma tal pretensão terá de ser colocada perante a 1ª instância, com indicação das circunstâncias que, eventualmente, se tenham alterado.
No quadro presente, perante a natureza e circunstâncias dos crimes e personalidade do arguido neles revelada, fazendo um juízo de prognose quanto à perigosidade social do recorrente, consideram-se efetivamente verificados, em concreto, os aludidos perigos de continuação da atividade criminosa, e de perturbação do decurso da investigação, nomeadamente no que se refere à aquisição e conservação da prova, e, ainda, de perturbação da ordem e tranquilidade públicas, especificamente no que se reporta à vítima, previstos nas alíneas b) e c) do artigo 204º do Código de Processo Penal.
A gravidade objetiva dos crimes que vêm indiciados, patente nas respetivas molduras penais – impressionando, naturalmente, a intensidade da atuação sobre a vítima – e a previsibilidade de condenação em pena de prisão efetiva (mesmo considerada a ausência de antecedentes criminais) justificam, do ponto de vista da proporcionalidade, a imposição da prisão preventiva, a qual se mostra, por isso, proporcional à gravidade dos crimes fortemente indiciados e às sanções para os mesmos legalmente previstas.
Na verdade, tal como considerou a decisão recorrida, nenhuma outra medida se mostra adequada a afastar os aludidos perigos: nem mesmo a de obrigação de permanência na habitação com vigilância eletrónica, sabendo-se que não seria apta para impedir ou prevenir que o recorrente se ausentasse da sua residência ou que contactasse a vítima, a partir dessa mesma residência, dificultando ou impossibilitando a ação da justiça, limitando-se os meios eletrónicos de controlo à distância a assinalar a violação da medida imposta.
Nestes termos, afigura-se que, no caso em apreço, tal como o refere o Tribunal a quo, a prisão preventiva é a única medida que obstará aos perigos já supra enunciados, e por isso é aquela que se mostra adequada e proporcional, sendo insuficiente para acautelar tais perigos qualquer medida não privativa da liberdade, tal como o é também a medida de obrigação de permanência na habitação, ainda que sujeita aos meios de vigilância eletrónica.
Em conclusão, a decisão recorrida mostra-se suficientemente fundamentada e encontram-se preenchidos os pressupostos, quer os de carácter geral quer os de carácter específico, legalmente exigidos para que ao arguido recorrente pudesse ser aplicada a medida de coação de prisão preventiva, medida essa que, de entre o elenco das medidas de coação que a lei prevê, é a única que, por ora, se mostra capaz de satisfazer de forma adequada e suficiente as exigências cautelares que o caso requer, pelo que o despacho impugnado não violou qualquer normativo legal ou constitucional, designadamente os artigos 32º da Constituição da República Portuguesa, 191º, nº 1, 193º, 202º e 204º, todos do Código de Processo Penal, nem os princípios da proporcionalidade, adequação e subsidiariedade.
Improcede integralmente o recurso, mantendo-se o recorrente em prisão preventiva.
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V. Decisão
Pelo exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação de Lisboa em negar provimento ao recurso interposto pelo arguido AA, mantendo-se a decisão do Tribunal a quo que determinou a sua sujeição à medida de coação de prisão preventiva.
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 4 UC.
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Comunique-se de imediato à 1ª instância, com cópia.
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Lisboa, 01 de julho de 2025 (texto processado e integralmente revisto pela relatora – artigo 94º, nº 2 do Código de Processo Penal)
Sandra Oliveira Pinto
Pedro José Esteves de Brito
Rui Poças
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1. Cf. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, vol. III, 1994, pág. 320, Simas Santos e Leal Henriques, Recursos Penais, 9ª ed., 2020, pág. 89 e 113-114, e, entre muitos outros, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 05.12.2007, Processo nº 3178/07, 3ª Secção, disponível in Sumários do STJ, www.stj.pt, no qual se lê: «O objecto do recurso é definido e balizado pelas conclusões extraídas da respectiva motivação, ou seja, pelas questões que o recorrente entende sujeitar ao conhecimento do tribunal de recurso aquando da apresentação da impugnação - art. 412º, nº 1, do CPP -, sendo que o tribunal superior, tal qual a 1ª instância, só pode conhecer das questões que lhe são submetidas a apreciação pelos sujeitos processuais, ressalvada a possibilidade de apreciação das questões de conhecimento oficioso, razão pela qual nas alegações só devem ser abordadas e, por isso, só assumem relevância, no sentido de que só podem ser atendidas e objecto de apreciação e de decisão, as questões suscitadas nas conclusões da motivação de recurso, (...), a significar que todas as questões incluídas nas alegações que extravasem o objecto do recurso terão de ser consideradas irrelevantes.»
2. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, vol. II, pág. 254.
3. Gomes Canotilho, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, pág. 264.
4. José António Barreiros, As Medidas de Coacção e de Garantia Patrimonial no Novo Código de Processo Penal, Tolda Pinto, A Tramitação Processual Penal, 2ª edição, Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, 2ª edição, volume II, pág. 250; Leal-Henriques e Simas Santos, Código de Processo Penal Anotado, vol. 1, 3ª edição, pág. 1270.
5. No processo nº 65/19.1JBLSB-A.L1-3, Relatora: Desembargadora Cristina Almeida e Sousa. Vd., ainda, os acórdãos deste Tribunal da Relação de Lisboa de 19.06.2019, no processo nº 207/18.4PDBRR.L1-3, Relator: Desembargador João Lee Ferreira, e de 07.01.2016, no processo nº 576/14.5GEALRF.L1-9, Relator: Desembargador Antero Luís, todos acessíveis em www.dgsi.pt
6. No processo nº 142/17.3JBLSB-A.S1, Relator: Conselheiro Nuno Gomes da Silva, em www.dgsi.pt
7. Cfr Simas Santos e Leal-Henriques, “Código de Processo Penal Anotado”, 3ª ed. pag 1270
8. Cfr “Código de Processo Penal Comentado” de Henriques Gaspar et all., 2ª ed. pag 817
9. Neste sentido também Jorge Silveira, “O Conceito de Indícios no Processo Penal Português”, em https://www.odireitoonline.com
10. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Vol. II, 3ª Edição, Editorial Verbo, 2002, pág. 261.
11. Crimes Sexuais – análise substantiva e processual, 3ª ed., Almedina, 2021, págs. 421-422.
12. Instrução abrange toda a atividade de recolha e produção de prova no processo, quer decorra na fase de inquérito, instrução ou julgamento, conforme salienta Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal II, Verbo, pág. 298.