CONGELAMENTO DE FUNDOS
INDÍCIOS
CORRUPÇÃO ACTIVA
CORRUPÇÃO PASSIVA
SECTOR PRIVADO
Sumário

I – O disposto no artigo 49.º, n.º 6 da Lei n.º 83/2017, de 18.08, consagra um regime de “contraditório diferido”, por forma a salvaguardar o interesse superior da boa administração da justiça, de repressão e prevenção da criminalidade económico financeira, altamente organizada, transnacional e de elevada complexidade.
II - É aceitável a remissão feita para uma promoção, na medida em que tal não resulte de uma total ausência de exame crítico das questões suscitadas, mas antes da necessidade de não repetir argumentação com a qual concorda, devendo do despacho resultar evidente que o mesmo procedeu a um juízo valorativo próprio e exclusivo na apreciação dos factos e seu enquadramento jurídico, ainda que remetendo em parte para a promoção.
III - A indiciação pressuposta no artigo 49.º, n.º 6 da Lei n.º 83/2017, de 18.08, não se traduz, necessariamente, na descrição de todos os factos certos e provados com virtualidade de permitir presumir a prática dos crimes pelos arguidos e a correspondente origem ilícita dos fundos, antes se pode bastar com a enunciação mais vaga de circunstâncias que, ainda que careçam de melhor investigação, já permitem, numa primeira análise, construir uma imagem que tais movimentos visam encobrir a correspondente origem ilícita dos fundos, mesmo que esta em si mesma não seja totalmente descortinável, nesta fase.
IV - As próprias movimentações financeiras, pelos valores envolvidos e pelo uso anormal de várias entidades financeiras poderão constituir, por si só, indício bastante para fundamentar a aplicação do regime previsto no artigo 49.º, n.º 6 da citada Lei, uma vez que das mesmas resulta a imagem de um "modus operandi" típico de condutas criminosas, ainda que por vezes tenha de assentar em factualidade menos concretizável nesta fase de investigação.
V - Para o decretamento da medida cautelar do artigo 49.º, n.º 6 da Lei n.º 83/2017, de 18.08, basta existir uma probabilidade razoável de esses fundos bancários serem provenientes ou estejam relacionados com a prática de atividades criminosas ou com o financiamento do terrorismo e se verifique o perigo de serem dispersos na economia legítima.
VI - A lei ao referir-se no artigo 2.º, alínea d) da Lei n.º 20/2008, de 21.04 a “qualquer outro título” pretendeu acautelar situações onde, não obstante a falta de definição jurídica do papel do particular na referida empresa privada, a sua atuação, condicionando as decisões desta, são relevantes para o mesmo poder ser “corrompido” ou “corromper”, devendo tais condutas ser objeto de incriminação no âmbito da Lei n.º 20/2008, de 21.04.

Texto Integral

Acordam, em conferência, na 5.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa:

I - RELATÓRIO
1. OS DESPACHOS RECORRIDOS
Por despacho proferido em ........2024 (ref.ª 9047380), no Processo n.º 405/18.0TELSB-P, pelo Tribunal Central de Instrução Criminal – Juiz 1, foi decidido:
“Promoção do Ministério Público de fls. 18662 a 18680: Tomei conhecimento.
Por concordar na íntegra com o teor da promoção que antecede, ao abrigo do disposto no artigo 49.°, n.° 6 da Lei n.° 83/2017, de 18/08, determino o imediato congelamento da totalidade ou, nas situações expressamente indicadas na promoção que antecede, apenas dos montantes aí expressamente concretizados, relativamente aos saldos das contas bancárias indicadas nos pontos A), B), C), D), E), F), G), H), I), J), L) e M), de fls. 18673 a 18680, impedindo o seu levantamento e movimentação até à decisão final a proferir nos presentes autos.
Em consequência, determino a cessação da suspensão das operações bancárias sobre as referidas contas bancárias, anteriormente determinada e sucessivamente prorrogada.
Comunique, pela forma mais expedita, a cada uma das entidades bancárias em referência, com a expressa advertência do dever de não divulgação, e solicitando às mesmas entidades bancárias que informem dos saldos existentes nas contas.
Após confirmação do congelamento pelos bancos, proceda-se à notificação das entidades visadas, titulares das contas bancárias em apreço.”
*
Em ........2024, foi proferido despacho (ref.ª 3104753), com o seguinte teor:
“Promoção do Ministério Público de fls. 18987 a 18991: Tomei conhecimento.
*
I - Atenta a informação enviada aos autos pelo ..., que integra fls. 18782v. e 18782-A, e em conformidade com o promovido, dou sem efeito a medida de congelamento aplicada sobra a conta com o ..., que não chegou a ser consumada pelo Banco.
Informe-se o ... em conformidade.
*
II - Atenta a informação enviada aos autos pelo ..., que integra fls. 18782v. e 18782-A, e em conformidade com o promovido, dou sem efeito a medida de congelamento aplicada sobra as quatro contas bancárias identificadas pelo Ministério Público na alínea b) da promoção que antecede.
Informe-se o ... em conformidade.
*
III - Em face da informação enviada aos autos pela ..., que integra fls. 18828v. e 18829 e atentos os últimos montantes de cativos fixados nos autos, e em conformidade com o promovido, fixa-se um novo cativo para vigorar nas contas bancárias abaixo identificadas:
- conta bancária n.° …, passando o cativo a ser de € 200.000,00;
- conta bancária n.° …, passando o cativo a ser de € 500.000,00;
- conta bancária n.° …, passando o cativo a ser de € 50,000,00.
Informe-se a ... em conformidade.
*
IV - Satisfaça nos exactos termos promovidos pelo Ministério Público no último parágrafo de fls. 18988.”
*
Em ........2025, foi proferido despacho (ref.ª 9171278), com o seguinte teor:
III - Por requerimento, que integra fls. 19245 a 19257, vieram os requerentes AA, “..., “..., “..., “...” (...), “..., “...”, “...”, “...”, “...”, “...”, “...”, “..., “... e “..., arguir a invalidade da decisão de decretamento do congelamento dos saldos das contas bancárias por si tituladas, datado de .../.../2024, que integra fls. 18685, alegando para o efeito, em síntese, padecer o despacho de irregularidade por falta de fundamentação e por preterição do contraditório.
O Ministério Público pronunciou-se por promoção que integra fls. 19473 e 19474.
A irregularidade arguida foi apresentada por quem para tal tem legitimidade, e é tempestiva (art. 123.°, n.° 1 do Cód. Processo Penal).
No que respeita à invocada necessidade de contraditório prévio, importa salientar que a lei não impõe, não determina a obrigatoriedade de contraditório prévio dos titulares das contas bancárias afectados pela medida de congelamento, sendo, neste particular, o contraditório prévio incongruente com a natureza cautelar da medida, colocando em causa a sua eficácia, não assistindo, nesta particular, razão aos requerentes.
Pelo contrário, é nosso entendimento assistir razão aos requerentes no que concerne à irregularidade por falta de fundamentação, de que o despacho agora colocado em crise enferma, pelo que, em observância do disposto no n.° 2 do art. 123.° Cód. Processo Penal, se passa a reparar a irregularidade apontada.
Por promoção que integra fls. 18662 a 18680, e pelos fundamentos aí enunciados, veio o Ministério Público requerer que se determine a aplicação de uma medida de congelamento, em substituição da medida de suspensão de operações vigente, a qual abrangerá todo o saldo ou determinado montante que deve permanecer cativo nas contas bancárias indicadas a fls. 18673 a 18680, contas estas cuja identificação, por uma questão de economia processual, aqui se dá por integralmente reproduzida, nas quais se incluem diversas contas bancárias da titularidade das ora requerentes.
Nos presentes autos foi aplicada a medida de suspensão de operações a débito e encontram-se bloqueadas, desde a decisão de fls. 11831 e seguintes, datada de .../.../2023, as operações a débito sobre diversas contas bancárias relacionadas com os arguidos identificados nos presentes autos e com as sociedades conexas com os mesmos ou beneficiárias de pagamentos pelos mesmos, por se indiciar estarem em causa fundos provenientes dos ilícitos de corrupção privada e de fraude fiscal indiciados nos presentes autos, tendo posteriormente, por despacho datado de .../.../2023, a que corresponde a ref.ª 8500765, sido bloqueadas outras contas bancárias, em particular relacionadas com suspeitos não residentes em ..., caso de BB, de CC, de DD e de EE, por se indiciar terem recebido fundos com origem nos mesmos ilícitos, e, por despacho datado de .../.../2024, a que corresponde a ref.ª 8948623, de 10/07, sido prorrogada pela última vez, por um período de três meses, todas as medidas de suspensão de operações a débito.
A Lei n.° 83/2017, de 18 de Agosto (diploma que estabelece medidas de natureza preventiva e repressiva de combate ao branqueamento de capitais e ao financiamento do terrorismo e transpõe parcialmente para a ordem jurídica interna a Directiva 2015/849/UE), estipula, no art. 47.°, n.° 1, que “As entidades obrigadas abstêm-se de executar qualquer operação ou conjunto de operações, presentes ou futuras, que saibam ou que suspeitem poder estar associadas a fundos ou outros bens provenientes ou relacionados com a prática de atividades criminosas ou com o financiamento do terrorismo", refere, no art. 48.°, n.° 1, que “Nos quatro dias úteis seguintes à remessa da informação a que se refere o n.° 4 do artigo anterior, o DCIAP pode determinar a suspensão temporária da execução das operações relativamente às quais foi ou deva ser exercido o dever de abstenção, notificando para o- efeito a entidade obrigada”, dispondo, o art. 49.° do mesmo diploma, que “1. A decisão de suspensão temporária prevista no artigo anterior caduca se não for judicialmente confirmada, em sede de inquérito criminal, no prazo de dois dias úteis após a sua prolação; 2. Compete ao juiz de instrução confirmar a suspensão temporária decretada por período não superior a três meses, renovável dentro do prazo do inquérito, bem como especificar os elementos previstos na alínea b) do n.° 3 do artigo anterior (...); 4. O disposto no número anterior não prejudica o direito de as pessoas e as entidades abrangidas pela decisão de, a todo o tempo e após serem notificadas da mesma ou das suas renovações, suscitarem a revisão e a alteração da medida, sendo as referidas notificações efectuadas para a morada da pessoa ou entidade indicada pela entidade obrigada, se outra não houver (...); 6- A solicitação do Ministério Público, o juiz de instrução pode determinar o congelamento dos fundos, valores ou bens objeto da medida de suspensão aplicada, caso se mostre indiciado que os mesmos são provenientes ou estão relacionados com a prática de atividades criminosas ou com o financiamento do terrorismo e se verifique o perigo de serem dispersos na economia legítima”.
Resulta, assim, da análise crítica e conjugada das referidas disposições legais, que o fundamento para a decisão de suspensão temporária da execução das operações bancárias, radica no conhecimento ou na suspeita de a operação bancária poder estar associada a fundos ou outros bens provenientes ou relacionados com a prática de atividades criminosas ou.com o financiamento do terrorismo.
Ao contrário do previsto no n.° 6 do art. 49.° do citado diploma legal, que* de forma taxativa, exige a indiciação de que os fundos, valores ou bens objeto da medida de suspensão aplicada, são provenientes ou estão relacionados com a prática de atividades criminosas ou com o financiamento do terrorismo e se verifique o perigo de serem dispersos na economia legítima, apenas para a determinação do seu congelamento, no momento da determinação da ordem de suspensão, em que não se encontra, ainda, em curso, nenhuma investigação, não é exigido mais do que um juízo de suspeição. sob pena de esvaziar de qualquer sentido útil o mecanismo jurídico ali contemplado.
Em suma, enquanto a medida de suspensão temporária obedece ao critério geral da existência de fundadas suspeitas da prática do crime, visando as finalidades de investigação de obtenção de prova da actividade criminosa, não exigindo a lei fortes indícios ou sequer uma base de indiciação na aferição desta medida, antes prevendo cenários de suspeita e de conhecimento por parte das autoridades de investigação de operações suspeitas, a medida de congelamento de fundos exige que se encontre indiciado que os fundos são provenientes ou estão relacionados com a prática de atividades criminosas ou com o financiamento do terrorismo e se verifique o perigo de serem dispersos na economia legítima” (n.° 6 do art. 49.° da Lei n.° 83/2017, acima transcrito).
Nos presentes autos investiga-se a prática de factos suscetíveis de integrar, entre outros, crimes de corrupção ativa no sector privado, na forma agravada, p.p. no art. 9.°, n.°s 1 e 2 da Lei n.° 20/2008, de 21/04, e crimes de corrupção passiva no sector privado, na forma agravada, p.p. no art. 8.°, n.°s 1 e 2 da Lei n.° 20/2008, de 21/04, os quais estão na origem dos fundos aportados às contas bancárias identificadas nos autos, circulando as quantias ilícitas numa prática de branqueamento de capitais, encontrando-se ainda em curso diligências que se afiguram essenciais para a prova dos factos e a descoberta da verdade material.
Com efeito, os autos indiciam que o arguido AA detém o efectivo controlo de várias sociedades em ..., com o real centro de actividade em ..., mas que se mostram deslocadas, de forma fictícia, para efeitos fiscais, para a ..., de forma a obter vantagem fiscal em sede das taxas reduzidas ali previstas, as quais devem apenas beneficiar actividades efectiva e materialmente realizadas na ..., que são beneficiárias da facturação com entidades do ... que se indicia ter sido conseguida por via do pagamento de vantagens indevidas a responsáveis pela decisão de contratação no seio do mesmo Grupo e a outros fornecedores.
No âmbito dos presentes autos, e como salientou o Ministério Público na promoção datada de .../.../2024, que integra fls. 18662 a 18680, cujo teor subscrevemos, esta medida justifica-se pelo reforço da indiciação de os valores objecto da medida de suspensão inicialmente aplicada serem provenientes ou estarem relacionadas com a prática das actividades criminosas em investigação e em face do elevado risco, várias vezes procurado consumar pelo arguido AA, de dispersão e perda definitiva desses montantes, mostrando-se tal medida necessária para evitar que as quantias remanescentes nas contas identificadas nos autos se dispersem e proporcional aos crimes indiciados e ao valor estimado do prejuízo do Estado, em sede de arrecadação de impostos, cujo montante estimado supera os 150 milhões de euros.
Importa, ainda, salientar que, ao contrário do que se verifica com a medida de suspensão temporária, a medida de congelamento de fundos não tem nenhum período máximo de vigência, podendo perdurar enquanto subsistirem os indícios que presidiram à sua declaração - art. 49.°, n.° 6 da Lei n.° 83/2017.
Termos em que, por concordar na íntegra com o teor da promoção do Ministério Público de fls. 18662 a 18680, ao abrigo do disposto do art. 49.°, n.° 6 da Lei n.° 83/2027, de 18/08, determino o imediato congelamento da totalidade ou, nas situações expressamente indicadas na referida promoção, apenas dos montantes aí expressamente concretizados, relativamente aos saldos das contas bancárias da titularidade dos ora requerentes AA, “..., “..., “..., “...” (...), “..., “...”, “...”, “...”, “...”, “...”, “...”, “..., “... e “..., indicadas na promoção do Ministério Público, impedindo o, seu levantamento e movimentação até à decisão final a proferir nos presentes autos.
Em consequência, relativamente a cada uma das contas bancárias a que é feita menção no despacho que antecede, determino a cessação da suspensão das operações bancárias, anteriormente determinada e sucessivamente prorrogada.
Comunique, pela forma mais expedita, a cada uma das entidades bancárias em referência, com a expressa advertência do dever de não divulgação, e solicitando às mesmas entidades bancárias que informem dos saldos existentes nas contas.
Pelo presente despacho, no uso da faculdade conferida pelo art. 123.°, n.° 2 do Cód. Processo Penal, e no que respeita aos requerentes AA, “..., “..., “..., “...” (...), “..., “...”, “...”, “...”, “...”, “...”, “...”, “..., “... e “...” (...), considera-se reparada a irregularidade do despacho, datado de 11/10/2024, que integra fls. 18685, sendo o presente despacho parte integrante do primeiro.
*
2. O RECURSO
Inconformado os arguidos AA, ..., ..., ..., ..., ... (...), ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ...(...) recorreram dos referidos despachos, apresentando a sua motivação, extraindo as seguintes conclusões:
1§. O presente Recurso vem interposto dos Despachos proferidos pelo Tribunal Centrai de Instrução Criminal de ….2024 (com a referência 9047380. a fls. 18685 dos autos — corrigido pelo Despacho do TCIC de ........2024 (com a referência 3104753, a fls. 19005 dos autos) — e de ........2025, ponto III (referência 9171278, a fls. 1...1), através dos quais foi determinado o congelamento de saldos de contas bancárias da titularidade dos Recorrentes. 
II. DA VIOLAÇÃO DO CONTRADITÓRIO
2§. Nos Despachos recorridos, o Tribunal a quo, em violação do quadro constitucional e legal, e inversamente ao afirmado na jurisprudência dos tribunais superiores, decidiu determinar a aplicação da medida de congelamento até conhecimento da decisão final a proferir nestes autos sem contraditório prévio dos visados.
3§. Ao que soma a inteira falta de racionalidade do motivo apontado pelo Tribunal ao quo para assim proceder: se no caso da medida de bloqueio antecedente se percebe a razão subjacente à não atribuição de contraditório, a verdade é que esse mesmo motivo — a necessidade de um efeito surpresa que não permita a perda de utilidade e eficácia da medida em causa — já não se verifica no caso da medida de congelamento,
4§. Pois que, no momento em que deveria ter sido concedida a possibilidade de exercício do contraditório, não só o objeto da nova medida de congelamento já se encontra a salvo de qualquer interferência pelos aqui Recorrentes fruto da anterior e então vigente medida de bloqueio, não havendo risco algum, portanto, de dissipação de fundos,
5§. Como também é perfeitamente conhecido por todos os sujeitos e participantes processuais qual o prazo legal máximo de vigência da medida de suspensão temporária (basta ler a Lei e “fazer as contas” e, in casu, era ainda amplo quando foi decretada a medida de congelamento), o que permite adivinhar a eventual vontade por parte do Ministério Público de comutação dessa medida numa de bloqueio e antecipar os timings de atuação, o que deita por terra qualquer necessidade de surpresa e de supressão de contraditório pelos visados.
6§. O artigo 49.°, n.° 6, da Lei n.° 83/2017, interpretado no sentido de que o juiz de instrução pode determinar o congelamento dos fundos, valores ou bens objeto da medida de suspensão aplicada, até à decisão final a proferir nos autos em que tal congelamento é determinado, redunda em norma materialmente inconstitucional, por violação dos artigos l.°, 2.°, 3.°, n.° 3,18.°, n.os 1,2 e 3 e 29.°, n.os 1 e 3, da CRP.
7§. O artigo 49.°, n.° 6, da Lei n.° 83/2017, interpretado no sentido de que o juiz de instrução pode determinar o congelamento dos fundos, valores ou bens objeto da medida de suspensão aplicada, sem nenhum período máximo de vigência, podendo a mesma perdurar enquanto a autoridade judiciária entender que, no caso concreto, subsistem os indícios que presidiram à sua declaração, redunda em norma materialmente inconstitucional, por violação dos artigos l.°, 2.°, 3.°, n.° 3,18.“, n.os 1, 2 e 3 e 29.°, n.os 1 e 3, da CRP.
8§. A interpretação do artigo 49.°, n.° 6, da Lei 83/2017, de 18 de agosto, no sentido de que é admissível, mediante solicitação do Ministério Público, o juiz de instrução determinar o congelamento dos fundos, valores ou bens objeto da medida de suspensão aplicada, sem antes conceder a possibilidade de exercício de contraditório ao visado pela medida, redunda em norma materialmente inconstitucional por violação dos artigos l.°, 2.°, 12.°, n.os 1 e 2,18.°, n.° 2, 20, n.° 1 e 4 e 32.° n.os 1, 2 e 5, todos da CRP.
9§. Os Despachos recorridos são irregulares por preterição do contraditório, nos termos do disposto no artigo 123.° do CPP, razão pela qual devem V. Exas. reconhecer a sobredita irregularidade e, consequentemente, revogar os Despachos recorridos e ordenar a prolação de novo despacho após a concessão de prazo adequado para o exercício do contraditório relativamente ao referido na Promoção do Ministério Público de fls. 18662 a 18680 dos autos.
III. DA PERSISTÊNCIA DA FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO 
10§. Como reconhecido pelo Tribunal a quo no Despacho recorrido de ........2025, o Despacho recorrido de ........2024 era irregular, entre o mais, por ter decidido por mera adesão aos argumentos do Ministério Público, em total violação do artigo 97.D, n.° 5, do CPP.
11§. O Tribunal a quo, através do Despacho recorrido de ........2025, ao abrigo da faculdade conferida pelo artigo 123.°, n.° 2, do CPP, procurou reparar a irregularidade que reconheceu existir no despacho.
12§. Todavia, analisado o conteúdo do Despacho recorrido de ........2025, conclui-se pela persistência da falta de fundamentação na aplicação da medida de congelamento, tendo o Tribunal a quo feito o mesmo que já fizera antes, embora com mais palavras e por outras palavras.
13§. Verifica-se por parte do Tribunal a quo uma total ausência de juízo próprio e fundamentado, donde transpareça “de forma inequívoca, que o julgador, depois de ter ajuizado da pertinência, da relevância factual e jurídica de uns de outros, tomou uma decisão autónoma, da sua própria autoria e não por simples escolha acrítica, ou, pelo menos, não objectivada numa explicação inteligível para os seus destinatários e para as autoridades judiciárias de recurso”.
14§. É para os Recorrentes incompreensível o motivo pelo qual, e com base em que provas, afirma o Tribunal a quo (i) estar indiciada a prática de atividades criminosas donde alegadamente provêm fundos, valores ou bens e/ou (ii) indiciado o perigo de os mesmos serem dispersos na economia legítima.
15§. O critério do artigo 49.°, n.° 6, do CPP, certamente não ficará suficientemente preenchido com a mera e genérica afirmação de que se verificam indícios, é preciso explicar, referir os concretos elementos de prova, os factos concretos atinentes a cada empresa, os movimentos financeiros, o que aqui não foi feito.
16§. É obrigatório ao Tribunal individualizar os fundamentos referentes a cada um dos Recorrentes, na medida em que cada um tem as suas singularidades, particularidades, atividades e história.
17§. Inexiste “o reforço da indiciação”, pois os mandatários dos Recorrentes, através dos vários pedidos de acesso aos autos, não vislumbraram até hoje avanços minimamente significativos no que aos meios de prova diz respeito, nem mesmo quanto aos meios de obtenção de prova, de molde a poderem reforçar os alegados indícios, reforço esse que é imprescindível para decretar a medida que ora se contesta.
18§. A necessidade de fundamentação das decisões (de facto e de direito) é uma exigência constitucional num verdadeiro Estado de Direito (artigo 205.° da CRP), permitindo o controlo da sua legalidade e, sobretudo, a sua sindicância, especialmente quando as mesmas restringem direitos fundamentais.
19§. A fundamentação é no caso do congelamento especialmente exigente, e exigível, por não se tratar já da renovação de uma medida anteriormente vigente — suspensão temporária de operações e bloqueio —, mas sim da adoção de uma nova medida — o congelamento dos fundos —, cujos pressupostos legais, são mais exigentes, não se bastando com uma ou duas generalidades e uma ou outra vaguidade.
20§. A interpretação do artigo 49.°, n.° 6, da Lei 83/2017, de 18 de agosto, no sentido de que é admissível, mediante solicitação do Ministério Público, o juiz de instrução determinar o congelamento dos fundos, valores ou bens objeto da medida de suspensão aplicada, sem fundamentação que demonstre que se mostra suficientemente indiciado que esses mesmos fundos, valores ou bens são provenientes ou estão relacionados com a prática de atividades criminosas ou com o financiamento do terrorismo e se verifique o perigo de serem dispersos na economia legítima, redunda em norma materialmente inconstitucional por violação dos artigos l.°, 2.°, 12.°, n.os 1 e 2, 18.°, n.os2, 20, n.° 1 e 4 e 32.° n.os 1, 2 e 5, todos da CRP.
21§. O Tribunal a quo não procedeu à reparação da irregularidade por falta de fundamentação, nos termos do artigo 123.“, n.° 2, do CPP, razão pela qual devem V. Exas. declarar a irregularidade dos Despachos recorridos e ordenar a prolação de novo despacho fundamentado de forma que os Recorrentes consigam compreender os factos, provas, e raciocínios jurídicos que conduzem à aplicação da medida de congelamento,
IV. A INCOMPETÊNCIA INTERNACIONAL PARA A INVESTIGAÇÃO
22§. Na parca fundamentação e indiciação constante da promoção do Ministério Público denota-se uma particularidade: a plurilocalização dos factos sob investigação.
23§. A competência para a investigação das autoridades portuguesas depende da possibilidade de aplicação da lei penal portuguesa aos factos, nos termos do disposto nos artigos 4.° e ss. do Código Penal.
24§. Os factos constantes no ponto 140 da motivação do presente recurso têm com conexão com vários países, como os ..., os ..., a ..., mas não se alcança a relação com o território nacional.
25§. É notório que o Ministério Público nos presentes autos tem vindo a investigar e a sustentar a aplicação de medidas restritivas de direitos fundamentais, como o congelamento em causa, em factos que não está legalmente autorizado a investigar, por escaparem ao âmbito de aplicação da lei penal portuguesa (não preenchimento do artigo 4.° ou 5.° do Código Penal).
26§. A inexistência de factos que permitam fixar a competência da lei penal portuguesa para a perseguição penal dos factos referidos no ponto 140 do presente recurso, determinam que esses mesmos factos sejam desconsiderados para efeitos de aplicação da medida de congelamento sob recurso.
27§. A necessária desconsideração desses factos que alegadamente consubstanciam a prática dos crimes referidos indiciariamente imputados nos Despachos Recorridos enfraquece ainda mais a aplicação da medida de congelamento que deve ser revogada por V. Exas.
28§. Nos termos do artigo 119.°, alínea e), do CPP, constitui nulidade insanável, que pode ser conhecida em inquérito, a violação das regras de competência do tribunal.
29§. A referida nulidade verifica-se seguramente quanto a uma parte significativa dos alegados factos sob investigação, o que não poderá deixar de ser levado em conta quanto à decisão deste recurso, por si e em relação com a falta de fundamentação já exposta, pese embora tal vício não careça sequer de ser invocado, sendo de conhecimento oficioso.
Sem prejuízo de tudo o que vai dito, e sem nunca prescindir dos vícios invocados nos capítulos antecedentes:
V. Os PRESSUPOSTOS DA MEDIDA DE CONGELAMENTO
30§. Para que o Juiz de Instrução Criminal possa determinar o congelamento dos fundos, nos termos do n.° 6 do artigo 49.° da Lei n.° 83/2017, a exigência legal afigura-se acrescida em comparação com a medida de suspensão temporária e bloqueio, passando pela indiciação de que esses mesmos fundos são provenientes ou estão relacionados com as atividades descritas e pelo perigo de esses mesmos fundos serem dispersos em economia legítima, caso o seu congelamento não seja decretado. 
31§. In casu, não se verifica a mínima indiciação e concretização dos ilícitos precedentes ao alegado branqueamento, nem a concretização dos perigos de esses mesmos fundos serem dispersos em economia legítima, ao que se soma uma autêntica “indigência probatória” que se tem vindo a verificar nos presentes autos, pois como facilmente se alcança da promoção do Ministério Público e dos Despachos Recorridos, em termos de prova nada se invoca, nada consta.
32§. Os Despachos recorridos e a promoção do Ministério Público são praticamente decalcados das promoções de aplicação e renovação da medida de suspensão temporária e bloqueio, o que demonstra como (não) avançou a investigação levada a cabo ao longo dos últimos mais de 18 (dezoito) meses, pretendendo-se, agora, com base nessas considerações repetidas vezes sem conta, sustentar que meras suspeitas se converteram em indícios, isto sem nunca se invocar uma prova.
33§. Quanto ao perigo de os fundos serem dispersos na economia legítima, o Despacho recorrido deli .01.2025 limita-se a afirmar que “em face do elevado risco, várias vezes procurado consumar pelo arguido AA, de dispersão definitiva desses montantes, mostrando-se tal medida necessária para evitar que as quantias remanescentes nas contas identificadas nos autos dispensem...'", o que é irremediavelmente insuficiente e, mais ainda, não se encontra alicerçado em quaisquer factos concretos nem em quaisquer elementos probatórios concretos.
34§. De modo que, outra não pode ser a conclusão senão a de que o congelamento determinado às contas dos Recorrentes é ilícito por não estarem verificados os requisitos para a sua aplicação.
A. DA NÃO VERIFICAÇÃO DOS TIPOS INDICIARIAMENTE IMPUTADOS
35§. Os “factos” ditos indiciados não são idóneos a concluir que foi suficientemente indiciada a prática de todos os crimes elencados supra.
i) Corrupção no setor privado
36§. Relativamente ao crime de corrupção ativa no sector privado (n.os 1 e 2 do artigo 9.° da Lei n.° 20/2008), o Tribunal a quo nada diz quanto à verificação em concreto dos elementos típicos do ilícito em causa, não há um mínimo esforço de rigor ou concretização.
37§. A consumação do crime de corrupção ativa implica a existência de uma ligação sinalagmática entre a oferta e o ato a realizar; mesmo no caso em que se verifique uma oferta sem aceitação, existe necessariamente um fito na oferta: a realização pelo trabalhador do setor privado de determinada conduta.
38§. A ausência da interdependência da vantagem e do concreto ato ou omissão, que possam ter servido como contrapartida, apenas é subsumível ao crime de recebimento indevido de vantagem (artigo 372.° do CP), o qual não é punível na esfera do setor privado.
39§. Não está identificado na promoção do Ministério Público, nem nos Despachos recorridos, uma ligação sinalagmática, ou seja, um dos elementos essenciais para a conclusão de que estão suficientemente indiciados os crimes de corrupção passiva ou ativa, nos termos dos artigos 8.° e 9.° da Lei n.° 20/2008, pelo que não pode aos Recorrentes ser imputada a prática de um qualquer crime de corrupção ativa no setor privado, sob pena da violação do princípio da legalidade (artigo 29.°, n.os 1 e 3 da CRP).
40§. O n.° 1 do artigo 9.° da Lei n.° 20/2008, interpretado no sentido de que para a consumação do crime de corrupção ativa no sector privado não é necessária a existência de um sinalagma ou interdependência entre a vantagem prometida ou oferecida e o concreto ato ou omissão visado, redundam em norma materialmente inconstitucional, por violação dos artigos l.°, 2.°, 3.°, n.° 3,18.°, n.os 1, 2 e 3 e 29.°, n.os 1 e 3, da CRP.
41§. Os n.os 1 e 2 do artigo 9.° da Lei n.° 20/2008, interpretados conjuntamente no sentido de que para a consumação do crime de corrupção ativa no sector privado não é necessária a existência de um sinalagma ou interdependência entre a vantagem prometida ou oferecida e o concreto ato ou omissão visado, redundam em norma materialmente inconstitucional, por violação dos artigos l.°, 2.°, 3.°, n.° 3,18.°, n.os 1, 2 e 3 e 29.°, n.os 1 e 3, da CRP,
42§. Acresce que acaso estivesse preenchido o n.° 1 do citado artigo 9.° da Lei n.° 20/2008 (que não está), não deixaria de ser necessário que estivessem alegados e indiciados os elementos típicos adicionais que integram o n.° 2 do mesmo artigo, relativamente aos quais o Despacho recorrido é absolutamente omisso.
Mais,
43§. Por faltar dignidade e carência de tutela penal, a norma incriminadora em análise afigura-se violadora dos artigos 2.° e, principalmente, 18.°, n.° 2, da CRP, o que não se pode deixar de invocar.
44§. Assim sendo:
a) o artigo 8.°, n.° 1, da Lei n.° 20/2008, de 21 de abril, ao punir o trabalhador do sector privado que, por si ou, mediante o seu consentimento ou ratificação, por interposta pessoa, solicitar ou aceitar, para si ou para terceiro, sem que lhe seja devida, vantagem patrimonial ou não patrimonial, ou a sua promessa, para um qualquer ato ou omissão que constitua uma violação dos seus deveres funcionais com pena de prisão até cinco anos ou com pena de multa até 600 dias, redunda em norma materialmente inconstitucional por violação dos artigos 2.° e 18.°, n.° 2, da CRP.
b) o artigo 8.°, n.° 2, da Lei n.° 20/2008, de 21 de abril, ao punir com pena de um a oito anos o agente que praticou a conduta prevista no n.° 1 do mesmo artigo, se o ato ou omissão for idóneo a causar uma distorção da concorrência ou um prejuízo, patrimonial para terceiros, redunda em norma materialmente inconstitucional por violação dos artigos 2.° e 18.°, n.° 2, da CRP.
c) o artigo 9°, n.° 1, da Lei n.° 20/2008, de 21 de abril, ao punir quem, por si ou, mediante o seu consentimento ou ratificação, por interposta pessoa, der ou prometer a pessoa prevista no artigo anterior, ou a terceiro com conhecimento daquela, vantagem patrimonial ou não patrimonial, que lhe não seja devida, para prosseguir o fim aí indicado com pena de prisão até três anos ou com pena de multa, redunda em norma materialmente inconstitucional por violação dos artigos 2.° e 18.°, n.° 2, da CRP.
d) o artigo 9.°, n.° 2, da Lei n.° 20/2008, de 21 de abril, ao punir com pena de prisão até cinco anos ou com pena de multa até 600 dias o agente que praticou a conduta prevista no n.° 1 do mesmo artigo, se a conduta prevista no número anterior visar obter ou for idónea a causar uma distorção da concorrência ou um prejuízo patrimonial para terceiros, redunda em norma materialmente inconstitucional por violação dos artigos 2.° e 18.°, n.° 2, da CRP.
ii) Fraude fiscal qualificada
45§. No tocante à fraude fiscal qualificada (artigo 103.°, n.° 1, alíneas «JacJe 104.° n.os 1 [alíneas a), d), J), e g)], 2 [alínea a)[ e 3 do RGIT), não resulta dos Despachos recorridos, quantos crimes de fraude fiscal estão, supostamente, indiciados; quais os factos que, supostamente, preenchem os elementos do tipo; de que forma participaram, supostamente, os Recorrentes nos crimes de fraude fiscal; nem quais os factos, supostamente, praticados em ... e que lesaram o sistema tributário português.
46§. Na promoção do Ministério Público a que os Despachos Recorridos aderem, há (í) uma intensa confusão de esferas de responsabilidades; (ii) uma constante generalização factual, assumindo-se que todos os factos invocados “servem” contra todos os visados, sem precisar o alegado envolvimento de cada um; e (Ui) uma propositada ausência de concretização, não se especificando os factos supostamente praticados em lesão do sistema tributário português.
47§. Por outro lado, no que toca à qualificação da fraude fiscal, não se encontram indiciados quaisquer factos que preencham os elementos qualificadores do crime previstos nas alíneas a), d),f) e g) do n° 1, na alínea a) do n.° 2 e no n.° 3 do artigo 104.° do RGIT, pois não se especifica nem existe prova que indicie que, em determinado quadro factual, subsumível ao crime de fraude fiscal, os Recorrentes tenham praticado as condutas nesses preceitos tipificadas.
48§. Sendo de referir, adicionalmente, que a fraude qualificada nos termos do n.° 3 do artigo 104.° do RGIT depende, além do elemento típico valor que aí se refere, do preenchimento de elementos de qualificação a que aludem o n.° 1 do artigo 104.° do RGIT, os quais, uma vez mais, não se podem ter por indiciados. 
Assim
49§. Em face do referido, cai relativamente aos Recorrentes a imputação indiciária dos crimes de fraude fiscal, na forma simples e, sobretudo, qualificada, que os Despachos recorrido entenderam estarem suficientemente indiciados.
iii) Burla qualificada
50§. Segundo é referido na promoção do Ministério Público, acolhida pelo Tribunal a quo, está indiciada nos presentes autos a prática de crimes de burla na forma simples e qualificada devido a uma alegada “montagem de cenários enganosos da vontade da ...
51§. Não se vislumbra dos factos constantes da promoção do Ministério Público a possibilidade de preenchimento dos elementos do tipo de crime em questão.
52§. É impercetível qual dos Recorrentes alegadamente determinou uma pessoa (e que pessoa), por meio de erro ou engano sobre factos que astuciosamente provocou (foi erro? Foi engano?), à prática de atos que causem um prejuízo patrimonial a essa pessoa ou a um terceiro (quais atos? Que prejuízo? A quem?).
53§. Por um lado, os Recorrentes — rectius, AA através das sociedades recorrentes — são, na tese do Ministério Público, indiciados de terem atribuído vantagens indevidas a dirigentes e colaboradores do ...em troco da contratação de sociedades do grupo AA para negócios vários (seja com o próprio ..., seja com fornecedores), nomeadamente noutros países.
54§. Por outro lado, são os Recorrentes simultaneamente indiciados de astuciosamente enganarem a o grupo ..., ao ponto de esta praticar atos que lhe causaram prejuízo patrimonial.
55§. Das duas uma: ou os dirigentes do ... — que formam a vontade das sociedades comerciais, como é evidente — tinham pleno conhecimento de todos os factos em crise e receberam vantagens indevidas, daí terem decido o que decidiram e como decidiram, ou desconheciam todo este cenário e foram enganados pelos Recorrentes.
56§. O que não se consegue aceitar, por ser factual e juridicamente impossível, é que um caso de corrupção no setor privado possa, concomitantemente, consubstanciar um caso de burla, pelo simples motivo que os pressupostos da burla excluem a verificação dos pressupostos da corrupção no setor privado e vice-versa.
57§. Numa palavra, são tipos e realidades inteiramente antagónicos.
58§. Em face do referido, cai relativamente aos Recorrentes qualquer imputação indiciária do crime de burla que os Despachos recorridos entenderam estar suficientemente indiciado.
iv) Extorsão
59§. No que respeita ao crime de extorsão, não se alcança como é que da promoção do Ministério Público, acolhida pelo Tribunal a quo, se conclui que os Recorrentes (quais deles?) constrangeram alguém, por meio de violência ou de ameaça com mal importante, a uma disposição patrimonial.
60§. À semelhança dos casos anteriores, não se percebe qual foi o crime de extorsão, quais os factos que o consubstanciam e as provas que suportam a sua imputação.
61§. A tese do Ministério Público, adotada pelo Tribunal a quo, parece entender que, num mercado tido como liberal e concorrencial, a busca pelo lucro e a oferta de serviços, por exemplo, de intermediação, são, pura e simplesmente, atos ilícitos.
62§. E houve, afinal, extorsão ou corrupção? Extorsão ou burla? Tudo ao mesmo tempo, pelos mesmos factos? Tudo isto é, aliás, desde logo do ponto de vista da dogmática criminal mais básica manifestamente incompatível.
63§. Razões pelas quais cai relativamente aos Recorrentes a imputação indiciária do crime de extorsão.
Tendo em conta tudo quanto foi dito, e sem prejuízo dos vícios invocados:
64§. Outro não pode ser o entendimento de V. Exas. senão o de que in casu não se verificam os pressupostos para aplicação da medida de congelamento aos Recorrentes, o que determina a revogação dos Despachos recorridos e o consequente levantamento do congelamento.
B. A ASSUMIDA MITIGAÇÃO DAS SUSPEITAS
65§. Contrariamente ao constante do Despacho recorrido de ........2025, os avanços processuais dos presentes autos apontam exatamente no sentido do esmorecimento das suspeitas inicialmente alvitradas.
66§. O Tribunal a quo, por despacho de ........2024, em resposta a um pedido de alteração do âmbito de bloqueio das contas para, entre o mais, se proceder a pagamento de impostos, decidiu indeferir o pedido porque, inter alia, “querendo, [a ... (...)] poderá negociar a cobrança dos montantes de crédito que continua a deter sob o universo ......” (sublinhado nosso).
67§. Se assim é, e considerando as palavras do próprio M.mo Juiz de Instrução Criminal citadas supra, neste momento apenas se pode concluir — sem margem para outra interpretação — uue se encontram afastadas as suspeitas que, alegadamente. maculavam de ilicitude as relações contratuais dos ora Recorrentes com as empresas do grupo ..., pois, não fora assim, e não se perceberia como é que Juiz de Instrução Criminal e o Ministério Público estariam a mandar a Reccorente ... cobrar daquelas o que lhe seria devido em virtude das relações contratuais havidas — e já cessadas —, uma vez que, se as mesmas estivessem manchadas por aquela mácula, não poderiam ser pagos os créditos gerados de que é credora a ....
68§. O Ministério Público e o Tribunal a quo nem diligenciaram no sentido de aferir quais dos valores depositados nas contas bancárias consubstanciavam essas “percentagens de intermediação indevidas e ilícitas”, tendo bloqueado discricionária e arbitrariamente todos os valores.
69§. O congelamento não só é ilícito por não estarem verificados os requisitos para a sua aplicação, como, mesmo tendo como certa aquela possível tese do Ministério Público — o que não se concede —, peca por (largo) excesso, devendo, no limite — e sempre sem conceder — o congelamento cingir-se aos valores que o Ministério Público e o Tribunal a quo entendam corresponder a “percentagens de intermediação indevidas e ilícitas”.
70§. Dito de outro modo: a medida de congelamento em causa viola o princípio da proporcionalidade (artigo 18.°, n.° 2, da CRP), que determina que a restrição de direitos fundamentais deve ser mínima.
*
O Ministério Público em 1.ª instância respondeu ao recurso, apresentando a sua motivação, extraindo as seguintes conclusões:
1 Nos presentes autos começou por ser aplicada medida de suspensão de operações a débito sobre contas dos ora recorrentes por via da decisão de folhas 11831 e seguintes, datada de ...-...-2023, subsequente e tendo por base os mesmos factos que fundamentaram a detenção do arguido AA e a suspeita de estarem em causa fundos com origem nos ilícitos então imputados de corrupção privada sob a forma ativa e de fraude fiscal qualificada.
2 Posteriormente a essa decisão foram proferidas novas decisões de suspensão de operações, que alargaram as contas e as operações bloqueadas, tendo sido então identificadas transferências de fundos indevidamente destinadas a sociedades da esfera do arguido AA, caso da ..., da ... e da ... - decisões de folhas 12711 e seguintes, de folhas 15000 e seguintes e de folhas 16117 e seguinte.
3 A medida de suspensão de operações a débito foi prorrogada pela última vez pela decisão de folhas 18151, tendo estado vigente desde ...-...-2023 até à sua substituição pela medida de congelamento, aplicada pela decisão ora recorrida, datada de ...-...-2024, isto é, estiveram vigentes num prazo conforme com o prazo normal de duração do inquérito, que, no caso dos autos, é o de 16 (dezasseis) meses, dada a decisão de excepcional complexidade, proferida a folhas 11032 e seguintes, conforme o disposto no art. 49.°-2 do Cod. Processo Penal e o art. 276.°-3 b) do Cod. Processo Penal.
4 A substituição da medida de suspensão de operações a débito, que não havia sido objeto de reação por via de recurso, pela medida de congelamento ocorreu devido ao reforço dos indícios, em particular após a audição de representantes de sociedades, caso da ... e da ..., que foram pressionadas a repartir os proveitos da sua atividade, enquanto prestadores de serviços para o ... com sociedades conexas com AA e ora Recorrentes.
5 Foram identificadas transferências exigidas à sociedade ... e a favor das sociedades ... e ... (estas controladas pelo AA), sob pena de, não o fazendo, deixar de prestar serviços de corretor de seguros para a ....
6 Foram identificados pagamentos exigidos à ... (...) para afastar a participação detida na mesma por AA, através da sociedade ... do ..., participação essa imposta para que aquela primeira sociedade fosse beneficiária de contratos de fornecimento à .... 
7 Tais factos representam a diversidade dos modus operandi desenvolvidos pelo arguido AA em aproveitamento do seu ascendente e capacidade de condicionamento sobre a formação das decisões de contratação no seio do ... conseguido por via do co-arguido FF e por via da atribuição de vantagens indevidas a outros responsáveis da ..., com o fim de, em violação dos seus deveres de lealdade e fidelidade aos interesses da mesma ..., tomarem decisões contratuais favoráveis aos interesses das sociedades do arguido e contrárias aos interesses da ….
8 Sobre as formas como foram feitas essas atribuições de vantagens indevidas começaram por ser identificados fundos colocados em contas tituladas em nome de sociedades conexas com dirigentes das sociedades do ... ou de outros fornecedores do mesmo Grupo, caso da sociedade ..., pertença de GG, administrador do ..., e da sociedade ... e ..., utilizadas para veicular a atribuição de vantagens a ..., que foi quadro da ....
9 Relativamente a GG, que desempenhava as funções de Presidente Executivo do ..., tendo passado depois a acumular idênticas funções em todo o ... e na ..., verificou-se a existência de pagamentos indevidos, realizados a favor da sociedade ..., com base em faturação sem correspondência com serviços prestados, sendo os pagamentos feitos pelas entidades ... e ..., controladas pelo arguido AA.
10 Evidencia-se ainda que, em combinação com o GG, o arguido AA fez adquirir em nome da ..., ora Recorrente, em ... de 2019, uma moradia sita em ..., na ..., pelo preço de € 1.000.000,00, para de seguida, no início de ... de 2019, a vender ao mesmo GG pelo preço declarado de € 1.050.000,00, do qual este último pagou apenas, por ocasião da transação, o montante de € 200.000,00.
11 Relativamente ao referido ..., indicia-se que as vantagens indevidas foram proporcionadas através de sociedades participadas pelo mesmo, caso da sociedade ..., que foi financiada em mais de 3,3 milhões de Euros através da entidade ..., por instruções do arguido AA.
12 Foram ainda identificadas outras vantagens atribuídas pelo arguido AA a uma outra sociedade do mesmo ..., no caso a ..., feitas através do pagamento de faturas de favor emitidas por esta última e dirigidas à ... e à ..., sociedades controladas pelo arguido, tendo sido identificados pagamentos no montante de cerca de 2,3 milhões de euros.
13 Através de tais vantagens indevidas para a esfera de ..., o arguido AA conseguiu obter decisões contratuais por via das quais os fornecimentos da ... à ... passaram a ser feitos com a intervenção como intermediária da sociedade ..., ora Recorrente, sem que a intervenção da mesma esteve associada a qualquer aporte ao procedimento negocial.
14 Ainda no âmbito da estratégia de obter vantagens por via de outros fornecedores do ... os arguidos AA e FF levaram a ... a aceitar que as aquisições feitas ao fornecedor ..., bem como ao fornecedor ..., fossem intermediadas pela .... 
15 Pese embora alguns dos fornecimentos à ... por parte da ... e da ... fossem diretamente negociados por representantes da primeira, caso de HH, as aquisições a esses fornecedores eram feitas em nome da ..., sendo esta depois que faturava a venda dos mesmos produtos às sociedades do ... verificando-se que o mesmo HH, que intervinha nessas negociações como representante da ..., fazia esta conformar-se com a intermediação porque também recebia, através de uma sua sociedade unipessoal, um pagamento mensal de € 10.000,00, feito pela ..., sociedade registada nos ... e controlada de facto por AA, pagamento que não tinha subjacente qualquer fornecimento ou prestação de serviços.
16 O controlo dos procedimentos de contratação da ... foi ainda conseguido através da atribuição de vantagens indevidas a outros dirigentes da ..., caso de EE e de CC.
17 O referido CC desempenhava funções de Diretor de Compras no grupo ..., tendo beneficiado de várias atribuições indevidas por parte do arguido AA, em sede de negócios imobiliários e de alegados empréstimos sem a exigência de retomo, com o fim de este garantir a contratação das sociedades por si controladas como fornecedores da ....
18 No caso de EE, administrador da ... e familiar (genro) de FF, foram identificadas decisões contratuais determinadas pelo mesmo, quer de aceitação da intervenção de entidades de “trading” controladas pelo arguido AA, caso da ... e da ..., quer de transmissão de sociedades do ...para a esfera do grupo de sociedades do mesmo AA, caso da ..., com a consequente passagem dos contratos associados, em particular de instalação de fibra óptica.
19 Os ganhos gerados com esses contratos foram feitos encaminhar pelo arguido AA para contas em ... e para contas das sociedades constituídas nos ..., caso da ..., a partir da qual eram repartidos para a esfera de EE, indiciando-se que este terá recebido montantes superiores a 60 milhões de euros, desde 2019, em contas tituladas nos ... em nome das entidades ... e ....
20 A evolução da investigação permitiu assim identificar diferentes formas de o arguido AA tirar proveitos da influência que detinha sobre a formação e o sentido das decisões de contratação formadas no seio do ... influência por sua vez conseguida através da repartição desses proveitos com o arguido FF, acionista de referência da ..., e por via da atribuição de outras vantagens indevidas aos responsáveis da ... acima identificados.
21 Em primeiro lugar, o arguido AA conseguiu obter decisões de diversas sociedades do ...no sentido de contratar como suas fornecedoras sociedades controladas pelo arguido, pese embora o mesmo não figurasse então como detentor direto das participações nessas sociedades contratadas, tendo apenas se assumido como beneficiário efetivo após a detenção e interrogatório, assim acontecendo com a ora Recorrente ... ;
22 Em segundo lugar, o arguido AA fez impor a terceiros que lhe fosse concedida (através de entidade por si controlada) participação social em sociedades, como condição para que as mesmas sociedades viessem a ser contratadas como fornecedoras pelo ... assim acontecendo quanto a sociedades como a ... (que veio a ter que pagar para se libertar desse sócio imposto).
23 Em terceiro lugar, o arguido AA conseguiu a imposição a outros fornecedores de passarem a negociar com a ... através de entidades de “trading”, por si controladas, obtendo ainda dos responsáveis da ... a aceitação da existência e do estabelecimento de negócios apenas através desses intermediários, assim acontecendo com a sociedade ora recorrente ...;
24 Em quarto lugar, o arguido AA fez impor a sociedades que pretendiam vir a ser ou já eram fornecedoras do ... o pagamento de comissões a sociedades por si controladas, sem que estas últimas aportassem qualquer acréscimo à cadeia de fornecimento, contando com o apoio dos responsáveis da ... para que, não sendo pagas as comissões exigidas, serem revistos os contratos ou não serem iniciados os negócios relativos a fornecimentos por parte aquelas primeiras sociedades - assim acontecendo com a sociedade ..., ora recorrente.
25 A influência do arguido AA, em colaboração com FF, na formação da decisão de contratar por parte do grupo ... estendeu-se às vendas de imóveis do mesmo grupo ..., que foi levado a celebrar contratos de promessa de venda, em 2018, com a sociedade ..., e em 2019 com a sociedade ..., ambas controladas pelo arguido AA,
26 Tais promessas de venda foram feitas por preços compatíveis com os que constavam do registo contabilístico de activos nas entidades do ... que figuravam como vendedoras, mas as mesmas sociedades foram levadas, por via da corrupção do seu processo de decisão, a aceitar a tradição dos imóveis, apenas com o recebimento de um sinal inicial (durante cerca de um ano até à escritura definitiva), conferindo a possibilidade de negociação pelas entidades promitentes adquirentes dos mesmos imóveis com terceiros.
27 Dessa forma, as sociedades promitentes adquirentes, controladas pelo arguido AA vieram a obter ganhos gerados pela venda a terceiros dos mesmos imóveis num montante total apurado de mais de € 7.000.000,00, fundos que foram feitos circular para as contas actualmente visadas pela medida de congelamento.
28 As contas bloqueadas nos autos, primeiro por via da suspensão de operações e agora por via do congelamento, foram identificadas por terem sido recebidos nas mesmas, muitas das vezes após circulação dos fundos por outras contas, os ganhos gerados com as referidas práticas negociais, inicialmente caraterizadas como representando ilícitos de corrupção privada, mas a que acrescia também a conspurcação pela prática de ilícitos de fraude fiscal, traduzida na ocultação dos ganhos obtidos, em sede dos manifestos fiscais, e na deslocalização fictícia quer das sedes das sociedades para a ... quer das residências fiscais dos arguidos para zonas de tributação privilegiada.
29 Posteriormente, com a identificação das diversas modalidades de conduta acima referidas, os factos em causa foram também integrados como suscetíveis de preencher, em alguns casos, os ilícitos de extorsão, pela exigência de pagamentos sob a ameaça da cessação dos fornecimentos à ..., e, noutros casos, os ilícitos de burla, caso da encenação de intermediários sem real intervenção nos negócios.
30 A tais evidências da agressividade de comportamentos por parte de AA e das suas sociedades para tirarem proveitos indevidos da circunstância de dominarem o procedimento de decisão contratual dentro do ... veio a somar-se o apuramento de valores acrescidos de ganhos fiscais indevidos por parte das mesmas sociedades e pessoa do mesmo arguido e seus familiares - conforme relatório de folhas 18604 e seguintes. 
31 Os ganhos que o arguido AA deveria ter manifestado fiscalmente em ..., devem abranger os gerados nas sociedades das quais detinha o controlo, ainda que com sede formal no estrangeiro.
32 Tal controlo pelo arguido AA era conseguido através da utilização de diversas entidades com funções de “holding”, caso das seguintes:
- da ..., com registo no ..., mas com direção efetiva e contas em ..., que detinha diretamente a sociedade francesa ..., fornecedora da ..., tal como detinha duas sub-holdings, designadas de ... e da ..., como adiante veremos;
- da ..., com registo de conveniência na ... que detinha indiretamente participações na ..., na ... e na ..., prestadoras de serviços para a ... em ...;
- da ..., detida pela ..., mas utilizada, como “holding” de terceira linha, para deter participações nas sociedades dos ... designadas de ... e ..., prestadoras de serviços para a ....
33 Evidencia-se que o real centro de atividade das sociedades controladas pelo arguido AA se situa em ..., mas constata-se que as mesmas sociedades foram deslocadas, de forma fictícia, para efeitos fiscais, para a ..., de forma a obterem vantagem fiscal em sede das taxas reduzidas ali previstas, as quais, no entanto, devem apenas beneficiar atividades efetiva e materialmente realizadas na ..., o que não era o caso das sociedades, ora recorrentes, ..., ..., ..., ....
34 Foram identificadas e consideradas ilícitas as vantagens fiscais decorrentes dos seguintes factos que viciaram os manifestos fiscais apresentados em ...:
- deslocalização fictícia da sede das sociedades para a ...
- indicação de domicílios fiscais pessoais dos arguidos nos ... e na ..., quando continuavam a viver e a permanecer em ... na maior parte do ano;
- faturação cruzada e de conveniência com as sociedades que prestavam serviços no estrangeiro para o ..., de forma a aportar os proveitos das mesmas para ...;
- faturação e pagamentos a pretensas entidades de trading que representavam a extensão das pessoas físicas do arguido AA e II, caso das sociedades com registo nos ... identificadas como ..., ..., ..., ... e ....
35 Considerando todas essas formas de ocultação de rendimentos e de desfasamento entre a realidade e os manifestos fiscais, a informação do OPC de folhas 18604 e seguintes chega a um montante de impostos, IRC e IRS, devidos e não pagos que atinge um total, entre 2013 e 2023, de mais de 133 (cento e trinta e três) milhões de Euros, imputável, essencialmente ao arguido AA e às sociedades por si controladas, aqui Recorrentes.
36 A medida de congelamento, em causa no presente recurso, decorreu de um reforço de indícios, em sede da diversificação de “modus operandi” dos arguidos e da quantificação do prejuízo do Estado em sede da arrecadação de impostos, tendo sido aplicada de forma a evitar que as quantias remanescentes nas contas identificadas nos autos fossem dispersas e se perdessem, quando representam fundos gerados sem o devido manifesto fiscal e que devem permitir a reintegração do Estado, mostrando-se portanto ser uma medida necessária para essas finalidades e proporcional face aos crimes indiciados e ao valor estimado dos impostos que seriam devidos em face do correto manifesto fiscal das atividades desenvolvidas pela pessoa e sociedades ora Recorrentes.
37 A medida de congelamento, prevista no art. 49.°-6 da Lei 83/2017, de 18 de Agosto, destina-se precisamente a salvaguardar ativos relativamente aos quais, após terem sido objeto de medida de suspensão de operações, existam indícios claros de serem provenientes de atividades criminosas e de poderem vir a ser dispersos na economia legítima.
38 Entendemos que tais pressupostos da medida de congelamento se encontram reunidos, em face dos factos acima narrados e da indiciação anteriormente exposta, sendo evidente que a ausência de um bloqueio sobre os montantes remanescentes nas contas, permitirá aos suspeitos apropriarem-se e darem descaminho a esses fundos que claramente se encontram conspurcados pela sua origem ilícita, sendo o perigo de dispersão na economia legítima evidenciado pelos gastos em imóveis e em veículos automóveis e outros bens de elevado valor individual
39 Ao contrário do que defendem as ora Recorrentes (parágrafos 3 e 4 das conclusões da motivação) a decisão de congelamento não tinha que ser precedida do conferir de contraditório, uma vez que o mesmo não se encontra previsto no art. 49.°-6 da Lei 83/2017, de 18 de Agosto, nem resulta de imposição das regras gerais ou dos princípios com consagração na Constituição da República, em face do risco de dispersão de fundos que o mesmo representaria, sendo as garantias de Defesa respeitadas pela discussão à posteriori da medida e pela possibilidade da conformação da medida em resultado dessa discussão (a medida de congelamento foi limitada a alguns montantes de cativo quanto a algumas das contas). 
40 A medida de congelamento não é, na prática, um prolongamento da medida de suspensão de operações, uma vez que esta significa o bloqueio de determinado tipo de movimentos, quando aplicada a uma conta bancária, mas a medida de congelamento é dirigida ao saldo existente na conta, implicando necessariamente o bloqueio de operações a débito sobre o saldo existente, mas não impossibilita o recebimento de novos fundos e a sua movimentação.
41 A aplicação da medida de congelamento implica, tal como foi decidido no caso dos autos, a cessação da medida de suspensão de operações, havendo uma substituição que não se traduz apenas na mudança do nome, mas que representa um diferente objeto da medida, a suspensão é dirigida a operações (que a própria lei indica que devam ser definidas quais as que ficam suspensas) enquanto o congelamento é dirigido a um saldo existente na conta, o saldo existente à data da medida.
42 Tal diferença de objeto, implica que a transição entre as duas medidas não possa ser compatível com um período de interregno no qual os titulares das contas visadas já saibam que a medida de suspensão de operações irá ser cessada, discutindo-se se será substituída ou não por uma medida de congelamento, uma vez que o pré-aviso sobre a promoção da medida de congelamento gera o risco de serem apresentadas instruções para a realização de operações que o banco poderá ter que executar.
43 Mais entendemos que essa possibilidade de contraditório à posteriori, seja por requerimento nos autos, seja por via de recurso, satisfaz as exigências da Constituição da República e essa forma de contraditório não deixa de ser eficaz, porquanto a medida de congelamento não tem que vigorar até à decisão final nem é imutável em sede do âmbito das contas e dos fundos a que se dirige.
44 Não corresponde à verdade o insinuado no parágrafo 5 das conclusões da motivação, no sentido de que o Ministério Público teria antecipado a promoção da medida de congelamento para evitar o contraditório espontâneo que as ora Recorrentes estariam preparadas para suscitar, uma vez que os bloqueios de contas não se iniciaram todos nas mesmas datas e que o Ministério Público promoveu a aplicação da medida de congelamento suportado apenas naquilo que é o resultado da investigação e nas necessidades decorrentes da mesma, em particular em sede do acautelamento dos activos identificados aos suspeitos e que se entende estarem conspurcados pela sua origem ilícita.
45 A decisão de congelamento pode ser suportada nos mesmos factos que fundamentaram a aplicação da medida de suspensão de operações, mas deve reconhecer, como acontece com a decisão recorrida, a existência de indícios claros da prática dos ilícitos em causa, quer quanto às manobras de branqueamento quer quanto aos ilícitos prévios que estejam na origem dos fundos a congelar.
46 No caso dos presentes autos, para além das 15 (quinze) sociedades ora recorrentes, está em causa uma estrutura complexa de entidades, agrupadas essencialmente através de três sub-holdings, designadas de ..., ... e ..., que participam num total de cerca de 50 (cinquenta) sociedades, mas que, na realidade, são controladas por uma mesma pessoa física, no caso o arguido AA.
47 As sociedades envolvidas foram assim, constituídas ou adquiridas em função das áreas de negócio a celebrar com o ... desde o imobiliário até aos seguros e aos serviços de passagem de cabos e de exploração de lojas da ..., mas também de acordo com as conveniências de dispersão dos ganhos obtidos em diferentes áreas de investimento (desde a construção e recuperação de imóveis até à exploração de restaurantes) e de ocultação dos reais beneficiários e da origem dos fundos (com a criação de estruturas no exterior e de fundos de capital risco). 
48 Não estamos assim, perante entidades estanques, com áreas de negócio e fontes de financiamento específicas, mas sim perante entidades que transferem fundos entre si e que são utilizadas conforme as conveniências definidas por AA, pelo que a fundamentação da decisão de congelamento não pode ser feita, como pretendem os ora Recorrentes (conclusão do parágrafo 16 da motivação), com a indicação da atividade de cada sociedade e dos movimentos registados em cada conta, uma vez que existem sociedades geradoras de elevados ganhos por via dos seus negócios com a ..., caso da ... e da ..., e sociedades que são alimentadas por via transferências com origem nas contas das mesmas, caso das sub-holdings acima referidas, da holding principal, que é a ... (estrutura domiciliada no ...), e das sociedades de investimento dos ganhos alcançados, caso da ... e da ...
49 A decisão de congelamento, quer na fórmula inicial de folhas 18685, quer na versão final, em que desenvolve os fundamentos em que se suporta, folhas 19590, ponto III, e seguintes, adere aos argumentos da promoção do Ministério Público, evidenciando reconhecer a indiciação de que está em causa uma atividade desenvolvida por um actor principal, o arguido AA, que assume as vestes de diferentes sociedades, consoante as disponibilidades financeiras colocadas em cada uma das sociedades e o tipo de negócio a celebrar.
50 Entendemos que resulta do conjunto das decisões recorridas a enunciação das diversas formas de viciação e influência sobre os procedimentos de contratação formados dentro do ... com especificação das vantagens indevidamente atribuídas, dos deveres contratuais violados por parte dos recebedores dessas atribuições e das decisões contratuais que, em consequência das mesmas atribuições indevidas, foram produzidas, pelo que não se verifica a alega insuficiência da fundamentação. 
51 Ao contrário do referido na motivação, vejam-se as conclusões dos parágrafos 17 e 32, o reforço dos indícios sobre a origem ilícita dos fundos tem sido conseguido pela análise da parte financeira dos movimentos registados nas contas, bem como pelo apuramento da desconformidade entre a realidade das sociedades e os seus manifestos fiscais, expressa, por exemplo, na informação do OPC de folhas 18604 e seguintes, bem como pela obtenção de informação sobre as participações impostas noutras sociedades fornecedoras da ....
52 Por outro lado, o risco de dispersão na economia legítima dos fundos identificados nas contas bloqueadas evidencia-se pela colocação de quantias em investimentos imobiliários especulativos, caso dos prédios adquiridos no ... e associados, por exemplo, à ora Recorrente ..., bem como nos gastos em bens de mero luxo, caso dos vinhos identificados na garrafeira encontrada na casa do arguido AA e dos veículos adquiridos pelo mesmo, designadamente em nome das sociedades ora Recorrentes ... e ..., viaturas estas apreendidos nos autos e com um valor estimado total superior a 20 (vinte) milhões de euros.
53 Em contradição com a alegada falta de novos indícios e de insuficiência da fundamentação, a motivação reflete ter tido a percepção de estarem também em causa fundos gerados no estrangeiro por via de contratos com o ...(parágrafo 22 das conclusões) e identifica e procura discutir a verificação dos crimes que estão na origem dos fundos, desde os já anteriormente imputados crimes de corrupção privada activa e de fraude fiscal qualificada, até aos novos indícios que se entende poderem integrar crimes de burla qualificada à ... e de extorsão sobre outros fornecedores do mesmo Grupo (sob a ameaça de serem cessados os contratos caso não sejam feitos os pagamentos exigidos).
54 A indiciação dos modus operandi, desenvolvidos pelo arguido AA evoluiu no sentido de se evidenciar que o mesmo impunha a entidades fornecedoras do ...a aceitação da intermediação com sociedades por si controladas ou exigia que lhe fosse atribuída uma participação social na sociedade ou exigia o pagamento de comissões a seu favor, sob pena de, não sendo satisfeitas as suas exigências, o arguido conseguir fazer com que a ... viesse a cessar os contratos de fornecimento ao mesmo Grupo.
55 A indiciação de factos suscetíveis de integrarem o crime de extorsão decorre de se ter evidenciado que, em alguns dos casos, não estamos já perante a ação de alavancar os negócios com a ... por via de pagamentos corruptos, mas sim perante o aproveitamento de negócios já em curso e solidificados entre terceiros e a ..., relativamente aos quais se pretende vir a sacar uma percentagem.
56 Não estamos já perante uma capacidade de influenciar as decisões de escolha de fornecedores por parte da ..., mas de levar o mesmo Grupo a rejeitar fornecedores já consolidados, isto é, a capacidade de gerar um resultado negativo, de recusa da continuação de contratar, com o inerente prejuízo para as sociedades atingidas.
57 Tal indiciação mostra-se evidenciada no caso das intervenções de AA relativamente à ... e à ..., uma vez que resulta a convicção de que tais sociedades conquistaram, por méritos próprios, a obtenção de contratos de fornecimento à ..., mas perante esse sucesso atraíram a atenção do referido arguido, que veio exigir que lhe fosse paga (para uma sociedade por si controlada) uma percentagem sob o rendimento esses negócios, seja por via de pretensas comissões, seja por via de impor a detenção de uma participação social.
58 O crime de extorsão, p. e p. no art. 223.°-l do Cod. Penal, sanciona a obtenção de vantagem indevida (enriquecimento ilegítimo) mediante 0 constrangimento de outra pessoa com a ameaça de um mal importante, a qual entendemos resultar do facto de se colocar um empresário perante a perspectiva de vir a perder um cliente de referência, representativo da maior parte da sua faturação, caso não aceite fazer os pagamentos que lhe são exigidos.
59 Estamos perante factos que foram indiciados em momento posterior ao do primeiro interrogatório judicial do arguido AA e que, por esse motivo, não lhe foram ainda imputados formalmente, mas que, no que se refere à decisão de congelamento agora sob discussão, explicam a origem e conspurcam os fundos associados às sociedades ... e ..., ora Recorrentes.
60 No que se reporta à indiciação do crime de corrupção privada (que já foi reconhecida nestes autos por acórdão da 5a Secção do Tribunal da Relação de Lisboa de 28-11-2023), os ora Recorrentes alegam a ausência de indícios relativos ao sinalagma entre a oferta indevida e o acto concreto a praticar (parágrafos 37 a 39 das conclusões da motivação), mas o que se exige e está em causa é a relação entre a atribuição realizada e o favorecimento na contratação de um certo fornecedor.
61 Com efeito, a própria atribuição da vantagem indevida tem um carater prolongado no tempo (sucessivos pagamentos de pretensa consultoria ou alegados empréstimos não cobrados) e o benefício pretendido traduz-se numa posição de vantagem que se pretende obter em diversos contratos.
62 No caso dos autos, indicia-se existir um acordo entre 0 corruptor activo principal, 0 arguido AA, e um “insider”, o arguido FF, com poderes, enquanto acionista da ..., para influenciar as decisões dos administradores, mas necessitando do comprometimento dos mesmos, isto é, não estamos perante decisões individuais de FF, mas perante um processo decisório com outros intervenientes, relativamente aos quais foram também realizadas atribuições indevidas.
63 Quanto a esses outros dirigentes, já acima referidos, verifica- se uma clara contemporaneidade e proporcionalidade entre as vantagens oferecidas indevidamente e o tipo de negócios relativamente aos quais se pretendia uma decisão favorável (veja-se o caso das decisões de venda de imóveis pela ... a sociedades do arguido AA).
64 Verifica-se assim, a relação sinalagmática que é exigida para a prática do crime de corrupção privada nos arts. 8.° e 9.° da Lei 20/2008, de 21 de Abril, uma vez que as atribuições indevidas realizadas pelo arguido AA através das suas sociedades (a ora recorrente ... é quem vende um imóvel a GG sem receber o preço) estão na origem das decisões de contratação, produzidas no seio da ..., favoráveis ás sociedades do mesmo arguido e prejudiciais dos interesses da ... que os referidos funcionários deveriam acautelar.
65 Em face de estarmos perante uma questão de indiciação já discutida nos autos, a motivação acresce agora a invocação da falta de dignidade penal para a incriminação do fenómeno da corrupção entre privados (conclusão dos parágrafos 43 e 44 da motivação), por pretensa violação do disposto no art. 18.°-2 da Constituição da República, mas esquece que tal criminalização resulta de exigências internacionais que vinculam o Estado Português e que está em causa a proteção de outros direitos Constitucionalmente garantidos.
66 A criminalização da corrupção entre privados abrange normalmente duas perspectivas, uma mais laborai e patrimonial, centrada apenas na violação de deveres por parte dos colaboradores da empresa, consagrada nos arts. 8.°-l e 9.°-l da Lei 20/2008, de 21 de Abril, e outra que acresce a proteção do mercado e da livre concorrência, forma agravada prevista nos arts. 8.°-2 e 9.°-2 da Lei 20/2008, de 21 de Abril, prevendo penas que, no seu máximo, podem atingir os 8 (oito) anos de prisão.
67 Não estamos assim, perante bagatelas penais nem perante comportamentos socialmente adequados ou tolerados que possam justificar a tese da inconstitucionalidade defendida na motivação, associada ao princípio da intervenção mínima que deve condicionar o direito penal, tanto mais que se trata de tipos penais previstos na Convenção Penal Sobre a Corrupção, negociada no âmbito do Conselho da Europa e concluída em 1999, e na Decisão Quadro 2003/568/JAI, do Concelho, ao nível da ....
68 A tipificação simples do crime de corrupção privada, quer na forma passiva quer activa, prevista nos arts. 8.°-l e 9.°-l da Lei 20/2008, de 21 de Abril, está sustentada na tutela de outros direitos constitucionalmente garantidos, caso da iniciativa privada, art. 61.°-1 da CRP, e da relação entre o Estado e as empresas privadas, art. 86.°-1 da CRP, pelo que a intervenção sancionatória do direito penal se mostra plenamente justificada, mesmo à luz do disposto no art. 18.°-2 da CRP.
69 Por maioria de razão, as formas qualificadas dos ilícitos de corrupção privada, previstas nos arts. 8.°-2 e 9.°-2 da Lei 20/2008, de 21 de Abril, encontram justificação na tutela dos mesmos direitos acima referidos e ainda na proteção dos direitos dos consumidores, art. 60.° da CRP, da propriedade privada, art. 62.° da CRP, e dos princípios da organização económica, art. 80.° da CRP.
70 A imputação nos presentes autos de crimes de corrupção privada, sob a forma qualificada, na modalidade activa e passiva, previstas nos arts. 8.°-2 e 9.°-2 da Lei 20/2008, de 21 de Abril, sobrevive a qualquer teste de indiciação ou de conformidade com os preceitos constitucionais, sendo um ilícito manifestamente gerador de vantagens económicas para os beneficiados com as decisões viciadas, que, no caso dos autos, são os titulares das contas bloqueadas, justificando-se portanto a necessidade de congelar os fundos que remanescem nessas contas.
71 Reafirma-se ainda a indiciação da prática de crimes de fraude fiscal qualificada (já reconhecida nestes autos por acórdão da 5a Secção do Tribunal da Relação de Lisboa de 28-11-2023), que decorre, desde logo, da obtenção de benefícios fiscais indevidos por via de manifestos fiscais apresentados em que se procede á deslocalização fictícia das suas sedes formais, seja para a ..., seja para o ..., com completo desprezo sobre a real localização da direção efetiva dessas mesmas sociedades e sobre o local onde é gerado o produto da sua atividade.
72 Aliás, a mesma deslocalização fictícia ocorreu quanto à pessoa do arguido AA, que declarou falsamente residir no estrangeiro para efeitos fiscais, primeiro dizendo passar a maior parte do ano nos ... e depois na ..., mas sempre residindo de facto e permanecendo durante a maior parte do ano em ....
73 Acresce a essa localização fictícia para efeitos fiscais, que se indicia ter havido o recurso a práticas de contratação forjada, não só entre as próprias sociedades ora Recorrentes, como entre as mesmas e as entidades instrumentais terceiras, caso das alegadas entidades de “trading”, registadas nos ..., onde se incluem as designadas ... e ..., gerando uma aparência de justificação de custos, que são, na realidade, inexistentes - conforme acima referido.
74 Verifica-se que todos os fundos subtraídos aos manifestos fiscais ou que deveriam ter sido usados para os devidos pagamentos ao Estado, foram feitos circular entre as sociedades ora Recorrentes, de forma a concentrar recursos nas sociedades que se pretendiam utilizar para os investimentos alternativos concebidos por AA - entre os quais os imóveis para reabilitação ou construção e venda e os veículos de luxo colecionados.
75 Entendemos assim, que subsiste a indiciação da prática dos crimes de fraude fiscal qualificada que já tinha sido imputada para efeito de primeiro interrogatório judicial, a que acresce a evidenciação da circulação dos fundos entre as contas das diversas sociedades, aproveitando a cadeia de participações cruzadas a que adiante nos iremos referir.
76 A evolução da investigação permitiu ainda, face à evidência da lesão dos interesses da ..., suscitar a suspeita da verificação de prejuízos gerados pela encenação de entidades fornecedoras que intervêm como sendo idóneas e necessárias, quando, na realidade, se mostra terem sido acrescidas à cadeia de fornecedores, sem aportarem à mesma qualquer nova e melhor valia, mas servindo apenas para ocultarem a intervenção de AA e permitirem apenas a cobrança de mais umas comissões e o acréscimo de custos à ....
77 Com efeito, o comprometimento de alguns dos colaboradores e dirigentes da ... aos interesses das entidades ora Recorrentes conduziu, em alguns contratos (caso dos negócios imobiliários), à viciação da própria decisão de contratar, enquanto que noutras situações (compras de equipamentos através de intermediários) conduziu à adulteração, por encenação, das circunstâncias em que foi produzida a decisão de contratar, levando a ... estabelecer relações contratuais em situação de engano sobre a idoneidade e necessidade das contrapartes.
78 Nesses casos, entendemos que é a própria entidade ... que é vítima de engano provocado pelos seus colaboradores, através da encenação e apresentação de fornecedores providenciais, mas que nada acrescentam à cadeia de fornecimento, acabando a ... por ser levada a realizar pagamentos em excesso e assim sofrendo um prejuízo, o que nos reconduz ao preenchimento do tipo de crime de burla, previsto nos arts. 217.° e 218.° do Cod. Penal.
79 Tais factos, suscetíveis de integrar crimes de burla, não se confundem com os crimes de corrupção privada, uma vez que, nestes últimos, a vontade negociai da ... foi integralmente formada, diga-se viciada, por via de pagamentos corruptos e da violação de deveres funcionais, enquanto que, nos casos que entendemos poderem integrar o crime de burla, os colaboradores comprometidos praticam actos de indução em engano da própria entidade empregadora.
80 Ainda relativamente aos montantes recebidos nas contas congeladas, a motivação alega (conclusão do parágrafo 65 e seguintes da motivação) uma pretensa mitigação das suspeitas e dos montantes que possam resultar da prática de contratos viciados por corrupção privada, fazendo uma interpretação abusiva do afirmado em decisão judicial proferida sobre requerimento apresentado pela ora recorrente ..., quando foi esta sociedade que procedeu a uma tentativa de correção da liquidação dos impostos devidos.
81 Não existe qualquer diminuição das suspeitas sobre o cometimento dos crimes da corrupção privada, na forma activa e passiva, nem sobre a dimensão dos ganhos ilegítimos gerados pelos mesmos, mas tão só se reconheceu, quanto a muitos dos fornecimentos, por motivos de razoabilidade, existirem pagamentos devidos às reais entidades de origem dos equipamentos e dos serviços prestados, sendo estas entidades terceiras, não suspeitas nos autos e que foram as reais fornecedoras da ..., agindo as ora Recorrentes como entidades de trading, de forma desnecessária, lesiva da ... e geradora de ganhos injustificados para a esfera do arguido AA.
82 A leitura que a ora Recorrente faz da decisão de folhas 18537, ponto IV, no sentido de que a admissão de créditos da ... sobre o ...exclui a suspeita de actos de corrupção privada, não tem cabimento, até porque foi a própria ... que, no seu requerimento de folhas 18396 e seguintes, veio invocar a existência desses créditos.
83 O que se reafirma é que, nos casos em que a ... beneficiou indevidamente de ser reconhecida pela ... como intermediária para fornecimentos por terceiros, haverá que ponderar os montantes a que esses terceiros de boa fé possam ter direito, não sendo admissível a ausência de pagamentos aos mesmos, por serviços efetivamente fornecidos, o que não significa qualquer mitigação dos indícios do crime de corrupção privada sob a forma activa (por via do qual foi conseguido o acto de adjudicar à ... os fornecimentos que poderiam ter sido negociados diretamente com os terceiros reais fornecedores).
84 Até ... de 2021, o grupo de sociedades controlado pelo arguido AA era formalmente detido através da entidade dos ... designada de ..., que detinha 90% do capital social das sociedades ... e ..., as quais atuavam como sub-holdings, detento participações nas demais sociedades operacionais, entre as quais as ora Recorrentes.
85 Em ... de 2021, o arguido AA fez transferir as participações que então eram formalmente detidas pela ..., acima referida, para uma nova entidade, adquirida no ..., a designada ..., também agora Recorrente, aproveitando essa alegada venda de participações sociais, para justificar transferências de fundos entre a conta da ... e as contas da ..., sendo certo que o preço das participações transmitidas foi então fixado no montante de 112 (cento e doze) milhões de Euros.
86 Pese embora tais movimentos fossem feitos entre contas de um mesmo beneficiário final, o arguido AA, certo é o negócio subjacente, a alegada venda de participações sociais, serviu para justificar, quer a colocação de fundos nas contas da ..., feita com origem em fundos oriundos das sociedades nacionais, designadamente na ..., e oriundos de contas do próprio arguido na ..., contabilizando tais aportes como suprimentos, quer a transferência de fundos das contas da ... para contas da ... e pessoais do arguido, com a justificação de serem o pagamento do preço da venda de participações sociais.
87 Em nome da entidade ... foram identificadas, junto da ..., contas, em Euros e em USD, onde foram registadas parte das referidas operações, envolvendo o recebimento, entre ... de 2021 e ... de 2022, de um montante total equivalente a cerca de 10 (dez) milhões de Euros, razão pela qual os fundos remanescentes nas referidas contas se encontram abrangidas pela decisão de congelamento.
88 A ora recorrente ... passou assim a deter a maioria do capital social nas sociedades sub-holding ... A e ..., para além de deter 90% do capital social da sociedade não residente ..., aqui Recorrente.
89 As demais sociedades ora Recorrentes são participadas, direta ou indiretamente, pelas referidas ... e ..., que, a partir de ... de 2022, passou a ser maioritariamente detida pela entidade de investimento coletivo ..., constituído pelo arguido AA com participações daquelas duas primeiras sociedades e ainda essencialmente das sociedades ... e ..., sendo estas duas as que maiores receitas arrecadaram com origem nos contratos celebrados com a ....
90 A esta lógica de detenção através de entidades com funções de ... também aqui Recorrente, que entretanto assumiu a forma de sociedade anónima, sendo detida através de pessoas físicas, colaboradoras de AA, de tal forma que, segundo declaração submetida em .../.../2024 no Registo Central do Beneficário Efectivo, os direitos dos sócios da sociedade são detidos por conta de AA - a … detém a ora também recorrente ...
91 Pese embora existam contratos de fornecimento a entidades estrangeiras do ... caso da ... em ..., da ... e da ..., atribuídos, por via do mesmo esquema corruptivo acima narrado, à sociedade ... e a sociedades participadas pela ..., tais factos não deixam de poder recair sob a jurisdição nacional, ao contrário do alegado nas conclusões dos parágrafos 22 e seguintes da motivação.
91 No caso da ..., com sede formal na ..., atento ter sido imposta como intermediária a fornecedores que pretendiam negociar com o ... (atividade de alegado “trading”), os montantes recebidos e feitos circular pelas contas bloqueadas são particularmente significativos, uma vez que fatura quer a sociedades do ... quer a outras sociedades operacionais a quem haviam sido atribuídos os contratos de fornecimento ao ..., caso da ..., da ... e da ..., em ..., e das sociedades ... e ..., que figuravam como fornecedores da ... no estrangeiro - as contas da ... abrangidas pela medida de congelamento registam ainda saldos superiores a 40 (quarenta) milhões de Euros. 
92 No que se reporta à sociedade ... verifica-se que é através da mesma que é exercido o controlo de sociedades como a ..., a ... e a ... que são fornecedoras da ..., mas cujos contratos se indicia terem sido obtidos por via de contrapartidas indevidas pagas em ... e no por via de decisão do arguido AA - caso das contrapartidas indevidas atribuídas aos responsáveis da ... acima identificados como EE e como CC.
93 Estamos assim, perante contratos adjudicados no estrangeiro, por via de contrapartidas indevidas pagas a partir de ... a responsáveis da ..., sendo beneficiárias desses contratos sociedades não residentes que integram o Grupo de AA mas que são detidas e realizam pagamentos para sociedades nacionais, isto é, o ganho gerado no estrangeiro por via desses contratos é deslocalizado para ... e encontra reflexos nas contas bloqueadas nos autos.
94 Assim, quer por via da nacionalidade do agente de corrupção privada, pelo lado activo, que é cidadão Português e que é residente em ... (art. 5.°-l e) e g) do Cod. Penal), quer por via das manobras de branqueamento com reflexo em contas domiciliadas em ... (art. 368.°-A, n° 6 do Cod. Penal), estamos perante factos ilícitos sujeitos à jurisdição nacional.
95 Acresce que, mesmo em sede da suspeita de fraude fiscal, importa ainda notar que, estando em causa omissões declarativas em sede de IRS, cometidas por sujeitos passivos fiscais que, de facto, são residentes em ..., as obrigações declarativas a considerar reportam-se a quaisquer rendimentos, ainda que auferidos no estrangeiro, conforme decorre do art. 15.°-1 do Código do IRS.
96 Concluímos assim, não se verificar a nulidade de incompetência territorial e internacional para a perseguição dos factos que suportam a medida de congelamento aplicada nos autos, tanto mais que a mesma abrange apenas contas abertas junto do sistema financeiro nacional e não se encontra sequer fixado, em termos definitivos, o objeto dos presentes autos.
*
Admitido o recurso nos termos legais por despacho de 10.02.2025 (ref.ª 9214808), neste Tribunal da Relação, o Exm.º Procurador Geral Adjunto emitiu o seu parecer, defendendo a total improcedência do recurso, nos termos propostos na resposta do Ministério Público junto da 1.ª instância.
*
Cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, os recorrentes reagiram, reafirmando, no essencial, o já constante no requerimento de interposição de recurso.
Realizado o exame preliminar e colhidos os vistos, foram os autos à conferência para decisão do recurso, nos termos do disposto no artigo 419.º, n.º 3, alínea c) do Código do Processo Penal.
***
*
***
II – FUNDAMENTAÇÃO
QUESTÕES A DECIDIR:
Dos poderes de cognição do tribunal ad quem e delimitação do objeto do recurso
Conforme jurisprudência fixada, o âmbito dos recursos é delimitado pelas conclusões formuladas na motivação, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (cf. Acórdão de Fixação de Jurisprudência do STJ de 19/10/1995, in D.R., série I-A, de 28/12/1995).
Atentas as conclusões de recurso, são estas as questões a decidir por este Tribunal:
1. Da alegada violação do direito ao contraditório na imposição da medida de congelamento (artigos 2§ a 9§ das conclusões);
2. Da alegada persistência da Falta de Fundamentação (artigos 10§ a 21§ das conclusões);
3. Da alegada Incompetência Internacional para a Investigação (artigos 22§ a 29§ das conclusões);
4. Da alegada falta dos Pressupostos para aplicação da Medida de Congelamento (artigos 30§ a 64§ das conclusões);
5. Da alegada Mitigação das Suspeitas e consequentes desproporcionalidade da medida aplicada (artigos 65§ a 70§ das conclusões).
*
CONTEXTO PROCESSUAL
Compulsados os autos, são relevantes os seguintes elementos processuais:
O Ministério Público promoveu em ........2024 (fls. 18662 e segs.) a aplicação de uma medida de congelamento de contas, nos seguintes termos:
“Nos presentes autos foi aplicada medida de suspensão de operações a débito e encontram-se bloqueadas, desde a decisão de folhas 11831 e seguintes, volume 30, de ...-...-2023, as operações a débito sobre diversas contas bancárias relacionadas com os arguidos identificados nos presentes autos e com as sociedades conexas com os mesmos ou beneficiárias de pagamentos pelos mesmos, por se indiciar estarem em causa fundos provenientes dos ilícitos de corrupção privada e de fraude fiscal indiciados nos presentes autos.
Posteriormente, por via da decisão de folhas 12711 e seguintes, volume 33, de ...-...-2023, foram bloqueadas outras contas bancárias, em particular relacionadas com suspeitos não residentes em ..., caso de ..., CC, ... e de EE, por se indiciar terem recebido fundos com origem nos mesmos ilícitos.
Já em ...-...-2023, foram também suspensos os movimentos a débito sobre contas tituladas pela entidade ..., mas onde foram colocados pagamentos que se destinavam a ser entregues às sociedades ... e ..., por se afigurar serem decorrentes de negócios conseguidos por via de corrupção privada e serem pagamentos impostos, sob a ameaça de cessarem os negócios com a ..., eventual extorsão - confirmação da suspensão a folhas 15000 e seguintes.
Em data mais recente, na sequência da decisão de folhas 15995, foi confirmado o bloqueio de uma quantia total de € 1.200.000,00, que ficou cativo na conta da ..., atualmente designada ..., junto do ..., conta n° ... - promoção de folhas 16019 e seguintes e decisão judicial de confirmação a folhas 16117 e seguinte.
Todas as medidas de suspensão de operações a débito, acima referidas, foram prorrogadas pela última vez, por um período de três meses, pela decisão de folhas 18151, na data ...-...-2024.
Entendemos que o prazo máximo de vigência das medidas será o de 16 (dezasseis) meses desde a data da sua aplicação, conforme o disposto no art. 49.-2 do Cod. Processo Penal, por ser esse o prazo normal aplicável ao presente inquérito, dada a decisão de excepcional complexidade, proferida a folhas 11032 e seguintes, conforme art. 276.°-3 b) do Cod. Processo Penal - corrigimos assim, o por nós afirmado a folhas 18130, por não termos então tido em conta a referida declaração de excepcional complexidade.
Atento o progresso realizado quanto à reconstituição do grupo de sociedades controladas por AA e aos circuitos financeiros que envolveram as mesmas, incluindo com o aporte de fundos do estrangeiro, designadamente com origem em sociedades que ganharam, por via do pagamento de comissões indevidas, a prestação de serviços ao ... noutros países, em particular nos ..., na ... e em ..., entendemos indiciada a prática de crimes de corrupção privada, burla, fraude fiscal e até de extorsão, os quais estão na origem dos fundos aportados às contas identificadas nos autos, circulando as quantias ilícitas numa prática de branqueamento de capitais.
Com efeito, indiciam os autos que o arguido AA detém o efetivo controlo de várias sociedades em ..., com o real centro de atividade em ..., mas que se mostram deslocadas, de forma fictícia, para efeitos fiscais, para a ... de forma a obter vantagem fiscal em sede das taxas reduzidas ali previstas, as quais devem apenas beneficiar atividades efetiva e materialmente realizadas na ….
Acresce que tais sociedades deslocadas na ..., entre as quais a ..., a ..., a ..., a ..., a que acrescem outras sociedades, como a ... e a ..., são beneficiárias de faturação com entidades do ... que se indicia ter sido conseguida por via do pagamento de vantagens indevidas a responsáveis pela decisão de contratação no seio do mesmo Grupo e a outros fornecedores.
Mostra-se claramente identificado um modus operandi, desenvolvido pelo arguido AA, no sentido de impor a entidades fornecedoras do ... a intermediação com sociedades por si controladas ou de exigir a atribuição de participação social ou de pagamento de comissões, sob pena de, não o fazendo, cessarem os contratos de fornecimento ao mesmo ...
As estruturas societárias montadas pelo arguido AA mostram-se dispersas internacionalmente, com a criação de entidades em territórios como os ..., ..., ... ou nos ..., incluindo com sociedades instrumentais, que apenas são destinadas a figurar como detentoras de participações sociais ou de contas bancárias - caso das sociedades ... e da ..., constituídas, entre outras, nos EAU.
Tal grupo societário integra ainda sociedades controladas através de colaboradores diretos do arguido AA, caso de ..., JJ e KK, para além das filhas daquele primeiro arguido, II e LL.
Por outro lado, também em sede da sua residência fiscal se mostra que AA fez ficticiamente constar um domicílio primeiro nos EAU e depois na ..., de forma a não ser tributado, em sede de IRS, em ..., apesar de aqui manter, de facto, a sua residência permanente - situação que o mesmo corrigiu já após ter sido interrogado nos presentes autos.
Estima-se que a vantagem alcançada de forma ilegítima por AA e pelas suas filhas II e LL, por si próprios e através das sociedades controladas pelo primeiro, seja superior a 150 (cento e cinquenta) milhões de euros - conforme informação do OPC que antecede.
Para além das entidades utilizadas para a faturação fraudulenta, mostra-se que os proveitos obtidos são canalizados para sociedades do sector da construção e do imobiliário, caso das sociedades ..., ... (onde foram colocados proveitos de negócios imobiliários com a ...) e ..., para além da ..., com registo no ..., e da ..., com registo no ..., e utilizada para deter outras entidades veículo, no caso as ... e ..., todas controladas pelo mesmo arguido AA. 
Foram ainda identificados fundos colocados em contas tituladas em nome de sociedades conexas com dirigentes das sociedades do ...ou de outros fornecedores do mesmo Grupo, indiciando-se que tais aportes significam a atribuição de vantagens indevidas para celebrar contratos com sociedades controladas por AA, estando nesse caso a sociedade ..., pertença de GG, administrador do ... e a sociedade ... e ..., controlada por ..., que foi quadro da ....
O controlo destas últimas sociedades, ... e ..., por parte do arguido AA era tal que, no ano de 2022, as mesmas vieram aportar cerca de 2 (dois) milhões de euros a um fundo de capital risco, o ..., montado pelo mesmo arguido, de forma a alargar o seu âmbito de pressão sobre outras entidades fornecedoras da ..., caso da ..., e a ocultar a sua intervenção direta e a titularidade dos fundos.
A ... veio ainda a ser utilizada pelo arguido AA para a realização de operações imobiliárias com prédios adquiridos, em condições privilegiadas, ao grupo ..., tendo sido o caso de um imóvel sito na ..., em ..., para a aquisição do qual foram movimentado mais de 3,3 milhões de Euros com origem na entidade ..., dos ..., e com a passagem dos fundos por contas da entidade ... e ....
A fim de manter o controlo da intermediação nos fornecimentos da ... à ..., o arguido AA proporcionou ao referido ..., para além dos fundos colocados na ..., num montante próximo de 1,5 milhão de euros, relacionado com o negócio imobiliário acima referido, ainda as seguintes vantagens: 
- venda de um imóvel sito em ..., sendo vendedora a ..., em ...-...-2019, pelo preço de € 350.000,00, pago de forma fracionada em diversos anos;
- pagamentos de viagens, designadamente através da agência ..., pagas pela ...;
- pagamento de faturas de favor emitidas pela ... e dirigidas à ... e à ... que atingiram o montante de cerca de 2,3 milhões de euros.
Indicia-se ainda a existência de fundos de origem ilícita em contas, em particular junto da ..., tituladas por uma sociedade de tipo “Holding”, controlada por AA, a identificada ..., com registo no ..., bem como em contas pessoais do mesmo suspeito, em particular junto da ..., ... e ..., indiciando-se que, através das mesmas, foram feitos circular e se encontram ainda fundos provenientes dos ilícitos acima identificados.
As contas da entidade ... junto da ... receberam dezenas de milhões de euros, permitindo a realização de aplicações em estruturas do tipo de fundos de investimento e de capital risco, indiciando- se que estão em causa montantes com origem nas estruturas societárias existentes no estrangeiro e com funções de “holding” relativamente a sociedades nacionais, pelo que se justifica o integral bloqueio das quantias ali remanescentes.
Indicia-se ainda terem sido atribuídas vantagens indevidas a outros colaboradores da ... e da multinacional ..., caso de EE e CC, para além do já referido BB e de um colaborador próximo de AA, identificado como ..., tendo ainda sido distribuídos por terceiros, caso de uma operação a favor de uma identificada MM. 
O referido CC desempenhava funções de Diretor de Compras, depois de designado “...”, no grupo ..., tendo beneficiado de várias atribuições indevidas por parte do arguido AA com o fim de este garantir a contratação das sociedades por si controladas como fornecedores da ....
Nesse sentido, indicia-se que, na data de ...-...-2019, por indicação de AA, a sua sociedade ... celebrou escritura de venda a CC de um imóvel sito na ..., em ..., pelo preço declarado de € 620.000,00, sem que, no entanto, tenha recebido do mesmo CC qualquer pagamento, representando assim, uma atribuição indevida ao mesmo colaborador da ..., feita em função da contratação de fornecimentos pelas entidades controladas pelo arguido.
Acresce indiciar-se que, já posteriormente, AA instruiu sua sociedade ... para a realização de um alegado empréstimo de € 2.000.000,00 a favor do mesmo CC, a pretexto da aquisição de um imóvel pelo mesmo em ..., sem que se tenha identificado qualquer pagamento de reporto dessa entrega de fundos, o que representa, mais uma vez, a remuneração indevida da decisão de contração pela ... de fornecimentos pelas entidades controladas pelo arguido.
Ainda no que se reporta ao referido CC, indicia-se que foram proporcionadas ao mesmo duas sociedades nacionais, identificadas como ... e como ..., as quais foram utilizadas para a emissão de faturação de conveniência, num total superior a € 950.000,00, nos anos de 2022 e 2023, a sociedades controladas pelo arguido AA, caso da ... (...), em ..., e das ...e ..., todas constituídas na ... e prestadoras de serviços à ....
AA obteve ainda a colaboração de FF para montar estruturas destinadas à angariação de fornecedores para o ...na ..., caso das referidas sociedades ... e ....
A ... e a ... foram utilizadas para negócios de “trading”, tendo AA contado com o apoio de EE, casado com a filha de FF, identificada como NN, o qual tinha poderes de decisão em sede da contratação de fornecedores dentro da ....
Os ganhos gerados na ... e na … foram feitos encaminhar pelo arguido AA para as sociedades constituídas nos ..., caso da ..., a partir da qual eram repartidos para a esfera de EE, indiciando-se que este terá recebido montantes superiores a 60 milhões de euros em contas tituladas nos ... em nome das entidades ... e ....
Por outro lado, indicia-se que AA contou ainda com um seu amigo identificado como DD para figurar como detentor fiduciário de participações em sociedades nos ..., caso da ... e da ... que vieram a ser usadas para deter sociedades em ... e para receber fundos pagos pelas sociedades detidas nos ... e na ... para realizarem negócios com a ....
Indicia-se que já em data mais recente, ano de 2023, o arguido AA passou a utilizar uma nova entidade constituída nos ..., designada de ..., onde figura como sócio fiduciário o acima referido ..., sendo a mesma destinada a funcionar como alegada “trader”, revertendo os seus ganhos para a esfera de ..., através da produção de faturas em nome da ... e dirigidas à ..., as quais atingiram, em ... de 2023, o montante de USD 1.648.790,00, sem que às mesmas corresponda qualquer serviço prestado.
Em compensação dos serviços prestados, AA conferiu a ... participação nas sociedades ..., ... e ....
Verifica-se ainda que os referidos cidadãos estrangeiros, ..., CC e sua esposa, EE e ..., que receberam vantagens indevidas do AA para favorecer a contratação de empresas deste último pelo ... são também titulares de contas em ..., quer abertas a título pessoal, quer em nome das sociedades em que lhes foi conferida participação por AA.
Indicia-se que nessas contas foram feitos refletir os pagamentos indevidos feitos por AA, quer para contas pessoais quer para contas de sociedades dos referidos indivíduos.
O mesmo acontece quanto aos pagamentos realizados pela ... a favor das entidades ... e ..., folhas 14227, os quais foram realizados pela primeira por imposição do arguido AA, sob a ameaça de a mesma ... perder o fornecimento de contratos de seguros à ....
Indicia-se que os demais sócios de muitas das sociedades fornecedoras da ..., relativamente às quais o arguido AA havia imposto que lhe fosse atribuída uma participação social, procuraram, depois da detenção do arguido, afastar esse seu sócio imposto e de conveniência, caso da ..., da ... e da ....
Ainda assim, o arguido AA fez valer a sua posição social, que havia imposto, exigindo pagamentos a título de lucros e de valorização da participação social, tendo sido identificado um pagamento imposto à entidade ..., actual ..., para se poder afastar da pessoa do arguido.
Tal pagamento, imposto à ... e em benefício da ..., do ..., que continua a pertencer ao arguido AA, veio a ser identificado e bloqueado, representando o ganho indevido do arguido numa prática de viciação da vontade da ... através da corrupção dos seus dirigentes, pelo que deve permanecer bloqueado nos presentes autos - veja-se a promoção de folhas 16019 e seguintes, que aqui damos por reproduzidas.
Entendemos assim, que se encontra agora claramente indiciado que os montantes identificados nas contas das sociedades e pessoas acima referidas são, na realidade, o produto de crimes de corrupção privada activa e passiva, p. e p. nos arts. 8.° e 9.° da Lei 20/2008, de 21 de Abril, na redação introduzida pela Lei 30/2015, de 22 de Abril, e ainda de crimes de fraude fiscal qualificada, atenta a montagem de faturas de favor e de domiciliações de conveniência, crimes p. e p. nos arts. 103.°-1 a) a c) e 104.°- 1 a), d), f) e g) e 2 a) e 3 do RGIT, para além de crimes de burla, p. e p. nos arts. 217.° e 218.° do Cod. Penal, pela montagem de cenários enganosos da vontade da ..., e de extorsão, p. e p. no art. 223.° do Cod. Penal, quanto à imposição de obter participações sociais em sociedades de terceiros ou o pagamento de comissões sob a ameaça de serem cessados os contratos de fornecimento à ....
Importa, tendo em vista garantir a reintegração do Estado ou a perda das quantias de origem ilícita, evitar que as quantias remanescentes nas contas identificadas nos autos se dispersem, mostrando-se ser necessário para essas finalidades e proporcional aos crimes indiciados e ao valor estimado do prejuízo do Estado, em sede da arrecadação de impostos (montante estimado superior a 150 milhões de Euros), manter uma medida de bloqueio desses fundos.
Encontrando-se no final o prazo máximo para a vigência da medida de suspensão de operações, entendemos que o reforço da indiciação dos ilícitos e de que os mesmos estão na origem dos fundos que remanescem nas contas, justifica a aplicação de uma medida de congelamento desses montantes, em face do elevado risco, várias vezes procurado consumar pelo arguido AA, de dispersão e perda definitiva desses montantes.
A medida de congelamento encontra-se prevista no art. 49.°-6 da Lei 83/2017, de 18 de Agosto, e destina-se precisamente a salvaguardar ativos relativamente aos quais, após terem sido objeto de medida de suspensão de operações, existam indícios claros de serem provenientes de atividades criminosas e de poderem vir a ser dispersos na economia legítima.
Entendemos que tais pressupostos da medida de congelamento se encontram reunidos, em face dos factos acima narrados e da indiciação anteriormente exposta, sendo evidente que a ausência de um bloqueio sobre os montantes remanescentes nas contas, permitirá aos suspeitos apropriarem-se e darem descaminho a esses fundos que claramente se encontram conspurcados pela sua origem ilícita. 
A medida de congelamento dos saldos existentes nas contas ou dos cativos já apurados mostra-se assim, ser adequada e necessária, para evitar a perda dos produtos dos ilícitos, e proporcional, em função do prejuízo do Estado e da gravidade dos crimes.
Pelo exposto, promovemos que, nos termos do art. 49.°-6 da Lei 83/2017, de 18 de agosto, que se determine a aplicação de uma medida de congelamento, substituindo a medida de suspensão de operações vigente, a qual abrangerá todo o saldo ou determinado montante que deve permanecer cativo nas seguintes contas e nos seguintes termos:
A) contas domiciliadas no ...
- Conta Bancária com o ..., titulada por ... (...), NIF ..., limitada a um cativo de € 800.000,00;
- conta Bancária no ... n° ..., em USD, titulada por ...
- Conta Bancária com o ..., titulada por ..., NIF ..., limitada a um cativo de € 200,000.00;
- Conta Bancária com o ..., NIF ...;
- Conta Bancária com o ..., titulada por … (...), NIF ...;
- Conta Bancária com o ..., titulada por ..., NIF ...;
- Conta Bancária com o ..., titulada por ...), NIF ...;
- Conta Bancária com o ...(...), NIF ..., limitado a um cativo de € 100.000,00; 
- Conta Bancária com o ..., titulada por … (...), NIF ...;
- Conta Bancária com o ..., titulada por ...), NIF ...;
- conta no ... com o n° ..., titulada por ... e tendo como autorizado ..., limitado a um cativo de € 350.000,00:
- conta ... n° ..., titulada pela sociedade ..., limitada a um cativo de € 530.000,00;
- conta ... n° ..., da ..., actual …, limitada a um cativo total de € 1.200.000;00.
B) contas domiciliadas no ... (…)
- Conta Bancária com o ..., titulada por ..., NIF ...;
- Conta Bancária com o ..., titulada por ..., NIF ..., limitado a um cativo de € 150.000,00;
- Conta Bancária com o ..., titulada por AA, com o NIF ...;
- conta no ... com o ..., titulada por ...;
- conta no ... com o ..., titulada pela sociedade ..., em que é autorizado ...;
- conta no ... com o ..., titulada pela sociedade ..., em que é autorizado ...;
- conta ... com o ..., da qual é titular CC; 
- conta ... com o ..., em que é autorizada OO.
C) contas domiciliadas no ...
- Conta Bancária com o ..., titulada por ...), NIF ...;
- Conta Bancária com o ..., titulada por ... A., NIF ..., limitado a um cativo de € 20.000,00;
- Conta Bancária com o ..., titulada por ...), NIF ...;
- Conta Bancária com o ..., titulada por ..., NIF ...;
- Conta Bancária com o ..., titulada por ..., NIF ...;
- Conta Bancária com o ... NIF ..., limitado a um cativo de € 1.200.000,00:
- conta ... com o ... e demais contas associadas ao mesmo NUC, da qual é beneficiário efetivo ...;
- conta ... com o ..., e demais associadas ao mesmo NUC, da qual é beneficiário efetivo ...;
- conta ... com o ...
- conta ... com o ..., da qual é beneficiário efetivo ...;
- conta ... com o ..., da qual é titular CC; 
- conta ... com o ..., em que é autorizada OO, como sócia da ..., limitado a um cativo de € 20.000,00;
D) contas domiciliadas no ... (...)
- Conta Bancária com o ...(...), NIF ..., limitada a um cativo de € 300.000,00:
- Conta Bancária com o ..., titulada por II, NIF ...;
- Conta Bancária com o ..., titulada por ... (...), NIF ...;
- Conta Bancária com o ..., titulada por (...), NIF ...;
- Conta Bancária com o ..., em que figura como autorizado AA, com o NIF ....
- Conta Bancária com o ..., em que figura como autorizado AA, com o NIF ....
E) contas domiciliadas na ...
- contas bancárias n° ... e ..., em que figura como beneficiário efetivo AA, com o NIF ...;
- contas n° ... e ..., em nome da ..., com o NIF ..., limitado a um cativo de € 20.000.00 em cada uma das contas;
- conta n° ..., titulada pela sociedade ..., limitado a um cativo de € 10.000,00;
- conta junto da ..., com o ..., da qual é beneficiário efetivo DD; 
- conta junto da ... com o ..., da qual é titular CC.
F) contas domiciliadas no ...
- Conta Bancária com o ..., titulada por AA, NIF ...;
- Conta Bancária com o ..., titulada por AA, NIF ....
G) contas domiciliadas na ...
- Conta Bancária com o ..., titulada por ... A., NIF ...;
- Conta Bancária com o ..., titulada por ...), NIF ..., permanecendo o bloqueio limitado a um cativo de € 2.500.000,00;
- Conta Bancária com o ..., titulada por ...), NIF ...;
- Conta Bancária com o ..., titulada por ...), NIF ...;
- Conta Bancária com o ..., titulada por ...), NIF ...;
- Conta Bancária com o ..., titulada por ...), NIF ...;
- Conta Bancária com o ..., titulada por..., NIF ...;
- Conta Bancária com o ..., titulada por AA, NIF ...; 
- Conta Bancária com o ..., titulada por ..., com o NIF ..., limitado a um cativo de € 2.500.000,00;
- Conta Bancária com o ..., titulada por II NIF ...;
- Conta Bancária com o ..., titulada por II, NIF ...;
- Conta Bancária com o ..., titulada por ...), NIF ...;
- Conta Bancária com o ..., titulada por ..., NIF ...;
- Conta Bancária com o ... e contas de valores mobiliários associadas, titulada por ..., NIF ...;
- Conta Bancária com o ..., em USD, e contas de valores mobiliários associadas, titulada por ..., NIF ...;
- conta na ... com o n° …, titulada pela sociedade ..., em que é autorizado ..., limitado a um cativo de € 250.000.00;
- conta na ... com o n° …, titulada pela sociedade ..., em que é autorizado ..., limitado a um cativo de € 550.000.00:
- conta ... n° …, da qual é beneficiário efetivo ..., na qualidade de sócio da ...;
- conta ... n° …, da ..., limitado a um cativo de € 1.000.000,00;
- conta ... n° …, da qual é beneficiário efetivo ....
H) contas domiciliadas no ... (NB) 
- Conta Bancária com o ..., titulada por AA, NIF ...;
- Conta Bancária com o ..., titulada por ..., NIF ...;
- Conta Bancária com o ..., titulada por AA, NIF ...;
- conta junto do ... com o ..., titulada por EE;
- contas bancárias com os n° ... e ..., tituladas pela entidade ..., onde se encontram fundos destinados às sociedades ... e ....
I) Contas domiciliadas no ...
- conta bancária com o ...
- conta bancária com o ...
- conta bancária com o ...
- conta bancária com o ..., todas tituladas por AA, NIF ....
J) contas junto do ...
- conta bancária com o ..., titulada por y titulada pela ..., NIF ...;
- conta bancária com o ..., titulada por AA, NIF ...;
- conta bancária com o ..., tendo como beneficiário efetivo AA, NIF ...;
- conta bancária com o ..., tendo como beneficiário efetivo AA, NIF ....
L) contas junto da ...
- contas com os n° ..., ..., ... e ..., todas tendo como beneficiário efetivo AA, com o NIF .... 
M) conta junto do ...
- conta n° ..., titulada por MM, com o NIF ..., limitado ao cativo do montante de € 29.970,00.
Mais promovemos se comunique aos bancos acima identificados a decisão que vier a ser proferida, sujeita ao dever de não divulgação, e | solicitando aos mesmos bancos que informem dos saldos existentes nas contas.
Após confirmação do congelamento pelos bancos, promovemos se determine a notificação das entidades visadas, titulares das contas objeto da medida agora promovida.
*
Cumpra o determinado na primeira parte deste despacho e remeta ao TCIC para apreciação e decisão sobre a promoção de congelamento de saldos de contas acima deduzida.
***
Por despacho proferido em ........2024 (ref.ª 9047380), no Processo n.º 405/18.0TELSB-P, pelo Tribunal Central de Instrução Criminal – Juiz 1, foi decidido:
“Promoção do Ministério Público de fls. 18662 a 18680: Tomei conhecimento.
Por concordar na íntegra com o teor da promoção que antecede, ao abrigo do disposto no artigo 49.°, n.° 6 da Lei n.° 83/2017, de 18/08, determino o imediato congelamento da totalidade ou, nas situações expressamente indicadas na promoção que antecede, apenas dos montantes aí expressamente concretizados, relativamente aos saldos das contas bancárias indicadas nos pontos A), B), C), D), E), F), G), H), I), J), L) e M), de fls. 18673 a 18680, impedindo o seu levantamento e movimentação até à decisão final a proferir nos presentes autos.
Em consequência, determino a cessação da suspensão das operações bancárias sobre as referidas contas bancárias, anteriormente determinada e sucessivamente prorrogada.
Comunique, pela forma mais expedita, a cada uma das entidades bancárias em referência, com a expressa advertência do dever de não divulgação, e solicitando às mesmas entidades bancárias que informem dos saldos existentes nas contas.
Após confirmação do congelamento pelos bancos, proceda-se à notificação das entidades visadas, titulares das contas bancárias em apreço.”
***
Em ........2024 (fls. 8967 e segs), veio o Ministério Público promover correções à medida de congelamento de conta, nos seguintes termos:
“Promoção de correções à medida de congelamento de conta
Por via da decisão de folhas 18685, foi deferida a nossa promoção de folhas 18662 e seguintes, no sentido do congelamento das contas identificadas naquela promoção, algumas das quais ainda que com limitação a um determinado cativo.
Em face da informação bancária posteriormente recebida, verifica-se que algumas das contas congeladas já não estão ativas ou estão liquidadas, tomando a medida inútil.
Por outro lado, verificou-se um caso de a conta não pertencer à entidade visada com a medida, pelo que o congelamento não foi sequer executado pelo banco, e ainda alguns casos em que, por nosso lapso, não foram atendidos aos últimos montantes de cativo fixados nos autos e que importa repor.
Assim, promovemos que se altere a decisão de congelamento de folhas 18685, com as seguintes especificações:
a) Em face do informado pelo ... a folhas 18782 verso promovemos se dê sem efeito a medida de congelamento aplicada sobre a conta com o ..., que não chegou a ser consumada pelo Banco e que se verifica não pertencer à ..., informando-se o ... no mesmo sentido.
b) Em face do informado pelo ... a folhas 18782-A promovemos se dê sem efeito o congelamento das seguintes contas, disso se informando o ..., por se verificar serem contas já liquidadas:
- ..., -
- ..., -
- ..., -
- ....
c) Em face do informado pela ... a folhas 18829 e atentos os últimos montantes de cativos fixados nos autos, promovemos que se corrija e fixem os seguintes cativos sobre as seguintes contas na ... informando- se esta entidade:
- conta com o n° …, titulada pela sociedade ..., cativo de € 200.000,00;
- conta com o n° …, titulada pela ..., cativo de € 500.000,00;
- conta com o n° …, titulada por ..., cativo de € 50.000,00.
Promovemos que se comunique a cada um dos bancos supra as alterações que vierem a ser decididas.
Mais promovemos que se notifique a decisão de folhas 18685. acompanhada da promoção de folhas 18662 e seguintes, e ainda a decisão que vier a ser proferida sobre o agora promovido, acompanhada desta promoção, a todos os titulares das contas congeladas nos autos, que constam da listagem de folhas 18673 e seguintes.
***
Em ........2024, foi proferido despacho (ref.ª 3104753), com o seguinte teor:
“Promoção do Ministério Público de fls. 18987 a 18991: Tomei conhecimento.
*
I - Atenta a informação enviada aos autos pelo ..., que integra fls. 18782v. e 18782-A, e em conformidade com o promovido, dou sem efeito a medida de congelamento aplicada sobra a conta com o ..., que não chegou a ser consumada pelo Banco.
Informe-se o ... em conformidade.
*
II - Atenta a informação enviada aos autos pelo ..., que integra fls. 18782v. e 18782-A, e em conformidade com o promovido, dou sem efeito a medida de congelamento aplicada sobra as quatro contas bancárias identificadas pelo Ministério Público na alínea b) da promoção que antecede.
Informe-se o ... em conformidade.
*
III - Em face da informação enviada aos autos pela ..., que integra fls. 18828v. e 18829 e atentos os últimos montantes de cativos fixados nos autos, e em conformidade com o promovido, fixa-se um novo cativo para vigorar nas contas bancárias abaixo identificadas:
- conta bancária n.° …, passando o cativo a ser de € 200.000,00;
- conta bancária n.° …, passando o cativo a ser de € 500.000,00;
- conta bancária n.° …, passando o cativo a ser de € 50,000,00.
Informe-se a ... em conformidade.
*
IV - Satisfaça nos exactos termos promovidos pelo Ministério Público no último parágrafo de fls. 18988.”
***
Em ........2025, foi proferido despacho (ref.ª 9171278), com o seguinte teor:
III - Por requerimento, que integra fls. 19245 a 19257, vieram os requerentes AA, “..., “..., “..., “...” (...), “..., “...”, “...”, “...”, “...”, “...”, “...”, “..., “... e “..., arguir a invalidade da decisão de decretamento do congelamento dos saldos das contas bancárias por si tituladas, datado de .../.../2024, que integra fls. 18685, alegando para o efeito, em síntese, padecer o despacho de irregularidade por falta de fundamentação e por preterição do contraditório.
O Ministério Público pronunciou-se por promoção que integra fls. 19473 e 19474.
A irregularidade arguida foi apresentada por quem para tal tem legitimidade, e é tempestiva (art. 123.°, n.° 1 do Cód. Processo Penal).
No que respeita à invocada necessidade de contraditório prévio, importa salientar que a lei não impõe, não determina a obrigatoriedade de contraditório prévio dos titulares das contas bancárias afectados pela medida de congelamento, sendo, neste particular, o contraditório prévio incongruente com a natureza cautelar da medida, colocando em causa a sua eficácia, não assistindo, nesta particular, razão aos requerentes.
Pelo contrário, é nosso entendimento assistir razão aos requerentes no que concerne à irregularidade por falta de fundamentação, de que o despacho agora colocado em crise enferma, pelo que, em observância do disposto no n.° 2 do art. 123.° Cód. Processo Penal, se passa a reparar a irregularidade apontada.
Por promoção que integra fls. 18662 a 18680, e pelos fundamentos aí enunciados, veio o Ministério Público requerer que se determine a aplicação de uma medida de congelamento, em substituição da medida de suspensão de operações vigente, a qual abrangerá todo o saldo ou determinado montante que deve permanecer cativo nas contas bancárias indicadas a fls. 18673 a 18680, contas estas cuja identificação, por uma questão de economia processual, aqui se dá por integralmente reproduzida, nas quais se incluem diversas contas bancárias da titularidade das ora requerentes.
Nos presentes autos foi aplicada a medida de suspensão de operações a débito e encontram-se bloqueadas, desde a decisão de fls. 11831 e seguintes, datada de .../.../2023, as operações a débito sobre diversas contas bancárias relacionadas com os arguidos identificados nos presentes autos e com as sociedades conexas com os mesmos ou beneficiárias de pagamentos pelos mesmos, por se indiciar estarem em causa fundos provenientes dos ilícitos de corrupção privada e de fraude fiscal indiciados nos presentes autos, tendo posteriormente, por despacho datado de .../.../2023, a que corresponde a ref.ª 8500765, sido bloqueadas outras contas bancárias, em particular relacionadas com suspeitos não residentes em ..., caso de BB, de CC, de DD e de EE, por se indiciar terem recebido fundos com origem nos mesmos ilícitos, e, por despacho datado de .../.../2024, a que corresponde a ref.ª 8948623, de 10/07, sido prorrogada pela última vez, por um período de três meses, todas as medidas de suspensão de operações a débito.
A Lei n.° 83/2017, de 18 de Agosto (diploma que estabelece medidas de natureza preventiva e repressiva de combate ao branqueamento de capitais e ao financiamento do terrorismo e transpõe parcialmente para a ordem jurídica interna a Directiva 2015/849/UE), estipula, no art. 47.°, n.° 1, que “As entidades obrigadas abstêm-se de executar qualquer operação ou conjunto de operações, presentes ou futuras, que saibam ou que suspeitem poder estar associadas a fundos ou outros bens provenientes ou relacionados com a prática de atividades criminosas ou com o financiamento do terrorismo", refere, no art. 48.°, n.° 1, que “Nos quatro dias úteis seguintes à remessa da informação a que se refere o n.° 4 do artigo anterior, o DCIAP pode determinar a suspensão temporária da execução das operações relativamente às quais foi ou deva ser exercido o dever de abstenção, notificando para o- efeito a entidade obrigada”, dispondo, o art. 49.° do mesmo diploma, que “1. A decisão de suspensão temporária prevista no artigo anterior caduca se não for judicialmente confirmada, em sede de inquérito criminal, no prazo de dois dias úteis após a sua prolação; 2. Compete ao juiz de instrução confirmar a suspensão temporária decretada por período não superior a três meses, renovável dentro do prazo do inquérito, bem como especificar os elementos previstos na alínea b) do n.° 3 do artigo anterior (...); 4. O disposto no número anterior não prejudica o direito de as pessoas e as entidades abrangidas pela decisão de, a todo o tempo e após serem notificadas da mesma ou das suas renovações, suscitarem a revisão e a alteração da medida, sendo as referidas notificações efectuadas para a morada da pessoa ou entidade indicada pela entidade obrigada, se outra não houver (...); 6- A solicitação do Ministério Público, o juiz de instrução pode determinar o congelamento dos fundos, valores ou bens objeto da medida de suspensão aplicada, caso se mostre indiciado que os mesmos são provenientes ou estão relacionados com a prática de atividades criminosas ou com o financiamento do terrorismo e se verifique o perigo de serem dispersos na economia legítima”.
Resulta, assim, da análise crítica e conjugada das referidas disposições legais, que o fundamento para a decisão de suspensão temporária da execução das operações bancárias, radica no conhecimento ou na suspeita de a operação bancária poder estar associada a fundos ou outros bens provenientes ou relacionados com a prática de actividades criminosas ou.com o financiamento do terrorismo.
Ao contrário do previsto no n.° 6 do art. 49.° do citado diploma legal, que* de forma taxativa, exige a indiciacão de que os fundos, valores ou bens objecto da medida de suspensão aplicada, são provenientes ou estão relacionados com a prática de actividades criminosas ou com o financiamento do terrorismo e se verifique o perigo de serem dispersos na economia legítima, apenas para a determinação do seu congelamento, no momento da determinação da ordem de suspensão, em que não se encontra, ainda, em curso, nenhuma investigação, não é exigido mais do que um juízo de suspeição. sob pena de esvaziar de qualquer sentido útil o mecanismo jurídico ali contemplado.
Em suma, enquanto a medida de suspensão temporária obedece ao critério geral da existência de fundadas suspeitas da prática do crime, visando as finalidades de investigação de obtenção de prova da actividade criminosa, não exigindo a lei fortes indícios ou sequer uma base de indiciação na aferição desta medida, antes prevendo cenários de suspeita e de conhecimento por parte das autoridades de investigação de operações suspeitas, a medida de congelamento de fundos exige que se encontre indiciado que os fundos são provenientes ou estão relacionados com a prática de atividades criminosas ou com o financiamento do terrorismo e se verifique o perigo de serem dispersos na economia legítima” (n.° 6 do art. 49.° da Lei n.° 83/2017, acima transcrito).
Nos presentes autos investiga-se a prática de factos susceptíveis de integrar, entre outros, crimes de corrupção activa no sector privado, na forma agravada, p.p. no art. 9.°, n.°s 1 e 2 da Lei n.° 20/2008, de 21/04, e crimes de corrupção passiva no sector privado, na forma agravada, p.p. no art. 8.°, n.°s 1 e 2 da Lei n.° 20/2008, de 21/04, os quais estão na origem dos fundos aportados às contas bancárias identificadas nos autos, circulando as quantias ilícitas numa prática de branqueamento de capitais, encontrando-se ainda em curso diligências que se afiguram essenciais para a prova dos factos e a descoberta da verdade material.
Com efeito, os autos indiciam que o arguido AA detém o efectivo controlo de várias sociedades em ..., com o real centro de actividade em ..., mas que se mostram deslocadas, de forma fictícia, para efeitos fiscais, para a ... de forma a obter vantagem fiscal em sede das taxas reduzidas ali previstas, as quais devem apenas beneficiar actividades efectiva e materialmente realizadas na ..., que são beneficiárias da facturação com entidades do ... que se indicia ter sido conseguida por via do pagamento de vantagens indevidas a responsáveis pela decisão de contratação no seio do mesmo Grupo e a outros fornecedores.
No âmbito dos presentes autos, e como salientou o Ministério Público na promoção datada de .../.../2024, que integra fls. 18662 a 18680, cujo teor subscrevemos, esta medida justifica-se pelo reforço da indiciação de os valores objecto da medida de suspensão inicialmente aplicada serem provenientes ou estarem relacionadas com a prática das actividades criminosas em investigação e em face do elevado risco, várias vezes procurado consumar pelo arguido AA, de dispersão e perda definitiva desses montantes, mostrando-se tal medida necessária para evitar que as quantias remanescentes nas contas identificadas nos autos se dispersem e proporcional aos crimes indiciados e ao valor estimado do prejuízo do Estado, em sede de arrecadação de impostos, cujo montante estimado supera os 150 milhões de euros.
Importa, ainda, salientar que, ao contrário do que se verifica com a medida de suspensão temporária, a medida de congelamento de fundos não tem nenhum período máximo de vigência, podendo perdurar enquanto subsistirem os indícios que presidiram à sua declaração - art. 49.°, n.° 6 da Lei n.° 83/2017.
Termos em que, por concordar na íntegra com o teor da promoção do Ministério Público de fls. 18662 a 18680, ao abrigo do disposto do art. 49.°, n.° 6 da Lei n.° 83/2027, de 18/08, determino o imediato congelamento da totalidade ou, nas situações expressamente indicadas na referida promoção, apenas dos montantes aí expressamente concretizados, relativamente aos saldos das contas bancárias da titularidade dos ora requerentes AA, “..., “..., “..., “...” (...), “..., “...”, “...”, “...”, “...”, “...”, “...”, “..., “... e “... indicadas na promoção do Ministério Público, impedindo o, seu levantamento e movimentação até à decisão final a proferir nos presentes autos.
Em consequência, relativamente a cada uma das contas bancárias a que é feita menção no despacho que antecede, determino a cessação da suspensão das operações bancárias, anteriormente determinada e sucessivamente prorrogada.
Comunique, pela forma mais expedita, a cada uma das entidades bancárias em referência, com a expressa advertência do dever de não divulgação, e solicitando às mesmas entidades bancárias que informem dos saldos existentes nas contas.
Pelo presente despacho, no uso da faculdade conferida pelo art. 123.°, n.° 2 do Cód. Processo Penal, e no que respeita aos requerentes AA, “..., “..., “..., “...” (Zona Franca da ...), “..., “...”, “...”, “...”, “...”, “...”, “...”, “..., “... e “...” (...), considera-se reparada a irregularidade do despacho, datado de 11/10/2024, que integra fls. 18685, sendo o presente despacho parte integrante do primeiro.
***
*
***
III - APRECIAÇÃO DO RECURSO
No presente recurso os recorrentes contestam a decisão do Juiz de Instrução de determinar o congelamento dos fundos, e valores objeto da medida de suspensão anteriormente aplicada, nos termos do disposto no artigo 49.º, n.º 6 da Lei n.º 83/2017, de 18 de agosto.
Antes de analisar cada uma das questões suscitadas pelos recorrentes, torna-se necessário compreender o referido regime legal, natureza da medida e os pressupostos para a sua aplicação, por forma a se poder enquadrar adequadamente cada uma das questões suscitadas.
A Lei n.º 83/2017, de 18.08, transpôs parcialmente para a ordem jurídica portuguesa as Diretivas 2015/849/UE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de Maio de 2015, e 2016/2258/UE, do Conselho, de 6 de Dezembro de 2016, tendo presente o Considerando 1 da Diretiva (UE) 2015/849 do Parlamento Europeu e do Conselho de 20 de Maio de 2015 onde se refere “(…) a prevenção orientada e proporcionada do uso do sistema financeiro para efeitos de branqueamento de capitais e de financiamento do terrorismo é indispensável e pode produzir resultados complementares.”
Deste modo, é necessário compreender que a Lei n.º 83/2017, de 18.08, se enquadra numa abordagem europeia preventiva de combate aos crimes que geram vantagens suscetíveis de serem branqueadas, no contexto de fenómenos como o terrorismo internacional e da criminalidade organizada e transnacional (cf. artigo 1.º, n.º 1 da Lei n.º 83/2017, de 18.08).
A Lei n.º 83/2017, de 18.08 nos seus artigos 43.º, 47.º a 49.º instituiu um regime rigoroso que visa prevenir que tais fluxos financeiros provenientes de atividades ilícitas possam ser introduzidos no sistema financeiro.
Desde logo, o artigo 43.º, impõe a todas as instituições financeiras um dever de comunicação, nos seguintes termos:
1 - As entidades obrigadas, por sua própria iniciativa, informam de imediato o Departamento Central de Investigação e Ação Penal da Procuradoria-Geral da República (DCIAP) e a Unidade de Informação Financeira sempre que saibam, suspeitem ou tenham razões suficientes para suspeitar que certos fundos ou outros bens, independentemente do montante ou valor envolvido, provêm de atividades criminosas ou estão relacionados com o financiamento do terrorismo.
2 - Para os efeitos do disposto no número anterior, as entidades obrigadas comunicam todas as operações que lhes sejam propostas, bem como quaisquer operações tentadas, que estejam em curso ou que tenham sido executadas.
3 - As entidades obrigadas conservam, nos termos previstos no artigo 51.º, cópias das comunicações efetuadas ao abrigo do presente artigo e colocam-nas, em permanência, à disposição das autoridades setoriais.
Uma vez feita tal comunicação – nos termos do disposto nos artigos 44.º a 46.º -inicia-se o procedimento judicial urgente e célere previsto no artigo 47.º:
1 - As entidades obrigadas abstêm-se de executar qualquer operação ou conjunto de operações, presentes ou futuras, que saibam ou que suspeitem poder estar associadas a fundos ou outros bens provenientes ou relacionados com a prática de atividades criminosas ou com o financiamento do terrorismo.
2 - A entidade obrigada procede de imediato à respetiva comunicação nos termos dos artigos 43.º e 44.º, informando adicionalmente o DCIAP e a Unidade de Informação Financeira que se absteve de executar uma operação ou conjunto de operações ao abrigo do número anterior.
3 - No caso de a entidade obrigada considerar que a abstenção referida no n.º 1 não é possível ou que, após consulta ao DCIAP e à Unidade de Informação Financeira, é suscetível de prejudicar a prevenção ou a futura investigação das atividades criminosas de que provenham fundos ou outros bens, do branqueamento de capitais ou do financiamento do terrorismo, as operações podem ser realizadas, comunicando a entidade obrigada ao DCIAP e à Unidade de Informação Financeira, de imediato, as informações respeitantes às operações.
4 - A Unidade de Informação Financeira, no prazo de três dias úteis a contar do recebimento das comunicações previstas nos n.os 2 e 3, pronuncia-se sobre as mesmas, remetendo ao DCIAP a informação apurada.
5 - A entidade obrigada pode executar as operações relativamente às quais tenha exercido o dever de abstenção, nos seguintes casos:
a) Quando não seja notificada, no prazo de sete dias úteis a contar da comunicação referida no n.º 2, da decisão de suspensão temporária prevista no artigo seguinte;
b) Quando seja notificada, dentro do prazo referido na alínea anterior, da decisão do DCIAP de não determinar a suspensão temporária prevista no artigo seguinte, podendo as mesmas ser executadas de imediato.
6 - Para os efeitos do disposto no n.º 3, as entidades obrigadas fazem constar de documento ou registo:
a) As razões para a impossibilidade do exercício do dever de abstenção;
b) As referências à realização das consultas ao DCIAP e à Unidade de Informação Financeira, com indicação das datas de contacto e dos meios utilizados.
7 - Os documentos ou registos elaborados ao abrigo do número anterior são conservados nos termos do artigo 51.º e colocados, em permanência, à disposição das autoridades setoriais.
O caráter preventivo da atuação das entidades financeiras, concretizado não só neste dever de comunicação, mas também no dever de abstenção previsto no referido artigo 47.º, n.º 1 da Lei n.º 83/2017, de 18.08, é justificado não só porque estas entidades são as que melhor estão posicionadas para detetar comportamentos ilícitos e usos indevidos do sistema financeira, como a rapidez como os mesmos são realizados e deslocalizados, exigem medidas preventivas urgentes, céleres e efetivas.
O caráter repressivo e preventivo destas medidas justifica-se à luz da extrema gravidade do crime de branqueamento de capitais, desenvolvendo-se, na maioria das vezes, num momento anterior ao início formal de um inquérito com base numa análise de risco de uma comunicação ABC-FT (anti branqueamento de capitais e de financiamento de terrorismo).
Estas necessidades de celeridade e eficácia, repercutem-se, necessariamente, na tipologia das medidas processuais especiais de controlo de contas bancárias, de suspensão de operações a débito e/ou a crédito, bem como de congelamento1 dos fundos, valores ou bens objeto da medida de suspensão aplicada (artigos 48.º e 49.º da Lei 83/2017, de 18/08)
Com efeito, dispõe o artigo 48.º:
1 - Nos quatro dias úteis seguintes à remessa da informação a que se refere o n.º 4 do artigo anterior, o DCIAP pode determinar a suspensão temporária da execução das operações relativamente às quais foi ou deva ser exercido o dever de abstenção, notificando para o efeito a entidade obrigada.
2 - Fora dos casos previstos no número anterior, a suspensão temporária pode ainda ser decretada nas seguintes situações:
a) Quando as entidades obrigadas não tenham dado cumprimento ao dever de comunicação de operações suspeitas previsto no artigo 43.º ou às obrigações de abstenção ou de informação previstas no artigo anterior, sendo os mesmos devidos;
b) Com base em outras informações que sejam do conhecimento próprio do DCIAP, no âmbito das competências que exerça em matéria de prevenção das atividades criminosas de que provenham fundos ou outros bens, do branqueamento de capitais ou do financiamento do terrorismo;
c) Sob proposta da Unidade de Informação Financeira com base na análise de comunicações de operações suspeitas preexistentes.
3 - A decisão de suspensão temporária:
a) Pode abranger operações presentes ou futuras, incluindo as relativas à mesma conta ou a outras contas ou relações de negócio identificadas a partir de comunicação de operação suspeita ou de outra informação adicional que seja do conhecimento próprio do DCIAP, independentemente da titularidade daquelas contas ou relações de negócio;
b) Deve identificar os elementos que são objeto da medida, especificando as pessoas e entidades abrangidas e, consoante os casos, os seguintes elementos:
i) O tipo de operações ou de transações ocasionais;
ii) As contas ou as outras relações de negócio;
iii) As faculdades específicas e os canais de distribuição.
Por fim, dispõe o artigo 49.º:
1 - A decisão de suspensão temporária prevista no artigo anterior caduca se não for judicialmente confirmada, em sede de inquérito criminal, no prazo de dois dias úteis após a sua prolação.
2 - Compete ao juiz de instrução confirmar a suspensão temporária decretada por período não superior a três meses, renovável dentro do prazo do inquérito, bem como especificar os elementos previstos na alínea b) do n.º 3 do artigo anterior.
3 - Por solicitação do Ministério Público, a notificação das pessoas e entidades abrangidas, na decisão fundamentada do juiz de instrução que, pela primeira vez, confirme a suspensão temporária, pode ser diferida por um prazo máximo de 30 dias, caso entenda que tal notificação é suscetível de comprometer o resultado de diligências de investigação, a desenvolver no imediato.
4 - O disposto no número anterior não prejudica o direito de as pessoas e as entidades abrangidas pela decisão de, a todo o tempo e após serem notificadas da mesma ou das suas renovações, suscitarem a revisão e a alteração da medida, sendo as referidas notificações efetuadas para a morada da pessoa ou entidade indicada pela entidade obrigada, se outra não houver.
5 - Na vigência da medida de suspensão, as pessoas e entidades por ela abrangidas podem, através de requerimento fundamentado, solicitar autorização para realizarem uma operação pontual compreendida no âmbito da medida aplicada, a qual é decidida pelo juiz de instrução, ouvido o Ministério Público, e ponderados os interesses em causa.
6 - A solicitação do Ministério Público, o juiz de instrução pode determinar o congelamento dos fundos, valores ou bens objeto da medida de suspensão aplicada, caso se mostre indiciado que os mesmos são provenientes ou estão relacionados com a prática de atividades criminosas ou com o financiamento do terrorismo e se verifique o perigo de serem dispersos na economia legítima.
7 - Em tudo o que não se encontre especificamente previsto no presente artigo, é subsidiariamente aplicável o disposto na legislação processual penal.
Da leitura destes normativos é manifesta a natureza preventiva das medidas de movimentos e de congelamento de fundos previstos, o que comporta, necessariamente, uma limitação de acesso por terceiros – designadamente os arguidos – à documentação de suporte e mesmo uma compressão dos seus direitos de defesa, designadamente o seu direito ao contraditório, nesta fase cautelar.
Por outro lado, a natureza preventiva destas medidas, aplicadas numa fase inicial da investigação onde impera o segredo de justiça e a limitação de acessos aos autos, reflete-se noutros domínios, tais como das exigências materiais e formais de fundamentação das decisões a proferir pelas autoridades judiciais. Desde logo, a aplicação destas medidas cautelares pressupõe a formulação de um juízo indiciário de que as operações detetadas (realizadas ou em curso) sejam particularmente suscetíveis de estarem relacionadas com a prática do crime de branqueamento de capitais ou de terrorismo, nos termos do disposto no artigo 1.º da cita Lei. Por outro lado, tais medidas são distintas das previstas no Código de Processo Penal, quer ao nível dos pressupostos, quer ao nível da sua tramitação, valendo o normativo processual penal como legislação subsidiária em tudo aquilo que não contrarie a natureza destas medidas e não esteja expressamente definido na citada lei (cf. artigo 49.º, n.º 7 da Lei n.º 83/2017, de 18.08).
Neste plano, é importante acentuar a natureza preventiva destas medidas, que impõem a verificação de pressupostos especiais e traduzem-se num sacrifício acrescido ao visado pela medida, e que se justificam atenta a gravidade e dimensão internacional dos crimes que visa combater e prevenir.
É este contexto que permite enquadrar o regime dos artigos 47.º a 49.º da Lei n.º 83/2017, de 18.08, que ao contrário do regime previsto no Código de Processo Penal, por exemplo no artigo 181.º do Código de Processo Penal – que impõe para o seu decretamento que hajam fundadas razões para crer que eles estão relacionados com um crime e se revelarão de grande interesse para a descoberta da verdade ou para a prova, mesmo que não pertençam ao arguido ou não estejam depositados em seu nome – se basta com a mera existência de meras suspeitas da sua proveniência da prática de atividades criminosas ou com o financiamento do terrorismo (artigo 47.º), ou que tal factualidade esteja meramente indiciada (artigo 49.º, n.º 6).
No que se refere à medida de congelamento dos fundos, valores ou bens objeto da medida de suspensão aplicada, o legislador, por um lado, ligou tal medida à suspensão anteriormente decretada, e, por outro lado, entendeu que a sua aplicação não pode bastar-se com a mera suspeita, mas exigiu que “se mostre indiciado que os mesmos são provenientes ou estão relacionados com a prática de atividades criminosas ou com o financiamento do terrorismo e se verifique o perigo de serem dispersos na economia legítima “.
Assim, se é claro que para o decretamento da medida prevista no artigo 49.º, n.º 6 da Lei n.º 83/2017, de 18.08 não é suficiente a mera suspeita – que permite a suspensão temporária das operações bancárias – também é manifesto que o legislador não quis impor como pressuposto para tal aplicação um nível de indiciação igual ao que o legislador processual penal, por exemplo, impôs para a prolação de despacho de pronúncia (cf. artigo 308.º, n.º 1 do Código de Processo Penal).
Os pressupostos da medida congelamento devem também ser vistos sob a perspetiva da necessidade de preservar a disponibilidade da prova e dos produtos ou vantagens alcançadas com a atividade ilícita, em particular face à facilidade de realização de operações à distância e à velocidade com que os fundos podem ser colocados em praças de menor exigência de prevenção sobre a sua origem.
Em resumo, ainda que a aplicação de tais medidas preventivas esteja sempre, por imposição constitucional, subordinada a um juízo de adequação e proporcionalidade, as mesmas visam defender os superiores interesses da investigação criminal em crimes de elevada complexidade, que justificam, por opção do legislador, uma compressão dos direitos do visado, quer os estritamente ligados ao seu direito de defesa, quer quanto ao seu direito de dispor do seu património, uma vez que, por um lado, não consagra um direito do visado de contraditar tais medidas antes da decisão judicial, e, por outro lado, impõe uma mora na disponibilização do seu património.
Nesta matéria, as visadas normas enquadram-se num contexto de conflito/equilíbrio entre os valores de ordem pública da boa administração da Justiça, de repressão e prevenção da criminalidade económico financeira, altamente organizada, transnacional e de elevada complexidade e os direitos das pessoas singulares e coletivas à propriedade privada e à livre iniciativa privada que, por terem consagração, pressupondo o respeito pelo princípio da ponderação de interesses, através da ponderação do princípio da proporcionalidade, designadamente, na vertente de proibição do excesso que inclui os subprincípios da proporcionalidade e da razoabilidade (artigos 18º nº 2 e o 272º nº 3 da Constituição da República Portuguesa).
Nestes termos, a aplicação destas medidas tem de pressupor sempre um juízo de ponderação acerca da capacidade lesiva da medida (critério da razoabilidade) e tem de ser materialmente adequada à sua finalidade em face dos danos que produz (critério de proporcionalidade estrita).
*
Da alegada violação do direito ao contraditório na imposição da medida de congelamento (artigos 2§ a 9§ das conclusões).
Os recorrentes alegam, em síntese, que a ausência de contraditório prévio à aplicação da medida de congelamento contraria normas constitucionais e processuais, designadamente viola o princípio do contraditório ao determinar o congelamento de contas bancárias sem prévia audição dos recorrentes, tornando a decisão inconstitucional por violação dos artigos 1.º, 2.º, 12.º, 18.º, 20.º e 32.º da CRP e irregular nos termos do artigo 123.º do Código de Processo Penal, constituindo-se como uma decisão surpresa, dado a suspensão anterior.
Em primeiro ligar, é necessária clarificar que a medida de congelamento de fundos prevista no artigo 49º n° 6 da Lei n° 83/2017 não é uma medida de coação ou de garantia patrimonial, pelo que também não é aplicável o artigo 194º, n° 4 do Código de Processo Penal. A medida preventiva disciplinada pelo Lei n.º 83/2017, de 18.08, não está, igualmente, dependente da verificação dos pressupostos de que dependem os meios de obtenção de prova disciplinados pelo artigo 181° do Código de Processo Penal, relativamente a apreensões.
Nestas situações especiais, as garantias de defesa – designadamente o princípio do contraditório -, têm, necessariamente, de ceder em benefício da eficácia e celeridade do respetivo procedimento, dada a urgência na recolha da prova, sem que os visados possam ser previamente notificados para exercer o seu direito ao contraditório.
Distintamente da suspensão das operações, no congelamento visa-se o saldo de uma determinada conta ou fundo, impossibilitando apenas operações de débito, mas já não de crédito como ocorre com a suspensão das operações. Este diferente âmbito das medidas e a sua operacionalização ao nível bancário e financeiro não é compatível com qualquer conhecimento prévio por parte dos visados que se poderiam aproveitar deste hiato. Uma transição segura entre estas duas medidas exige, de algum modo, a compressão do referido contraditório prévio.
Por outro lado, estes direitos de defesa não foram eliminados, podendo sempre os mesmos reagir posteriormente à decisão, quer invocando a sua nulidade, quer recorrendo da decisão, tal como ocorreu nos presentes autos. Nestes casos, estaremos perante um “contraditório diferido”, que se impõe como o justo equilíbrio entre os direitos de defesa e a boa administração da justiça.
O próprio artigo 49.º da Lei n.º 83/2017, de 18/08 induz esta necessidade de dar primazia à eficácia e celeridade do respetivo procedimento de congelamento, comprimindo, temporariamente, os direitos de defesa dos visados.
Com efeito, o congelamento poderá ser decisivo para o apuramento da origem dos fundos, de tal forma que se justifica esta medida para conseguir alcançar essa prova, evitando que, entretanto, os fundos se dispersem e se tornem indisponíveis.
No caso em apreço, os recorrentes foram sempre notificados das decisões de confirmação e prorrogação de suspensão de operações bancárias, bem como da decisão de congelamento sob recurso, de onde resultam, ainda que de forma limitada, atenta a vigência de segredo de justiça, primeiro as suspeitas, depois os indícios existentes nos autos que fundamentaram essas mesmas decisões e os crimes em causa.
Por outro lado, foi dado acesso aos arguidos acesso ao processado principal dos presentes autos até ao final de volume 49 (cf. fls. 19468).
Nestes termos, entendemos que não houve qualquer violação do direito ao contraditório, uma vez que o artigo 49.º da Lei n.º 83/2017, de 18/08 o não impõe, antes pressupõe que o direito de defesa dos visados se concretize após a decisão proferida, operando, nesta medida, o justo equilíbrio entre os valores constitucionais supra enunciados.
Pelo exposto, a decisão judicial recorrida respeitou, nesta parte, integralmente o preceituado no artigo 49.º, n.º 6 da Lei nº 83/2017 de 18.08, não tendo o despacho recorrido violado nenhum preceito legal ou constitucional, nem sendo tal norma inconstitucional, nos termos invocados pelos recorrentes.
Em consequência, improcede, nesta parte, o recurso interposto.
*
Da alegada persistência da Falta de Fundamentação (artigos 10§ a 21§ das conclusões);
Os recorrentes alegam, em síntese, que a decisão de congelamento padece de falta de fundamentação, mesmo após correção, violando o artigo 97.º, n.º 5, do CPP e os artigos 1.º, 2.º, 12.º, 18.º, 20.º e 32.º da CRP, por ausência de juízo autónomo de concretização dos indícios - ao não explicitar os indícios concretos de crime e perigo de dispersão de bens -, desrespeitando o dever de fundamentação imposto nos artigos 205.º da Constituição da República Portuguesa e 97.º, n.º 5 do Código de Processo Penal)
No caso em apreço, atenta a natureza preventiva da medida prevista no artigo 49.º, n.º 6 da Lei n.º 83/2017, de 18.08, o despacho que determina o congelamento terá de ser fundamentado, nos termos do disposto no artigo 97.º, n.º 5 do Código de Processo Penal.
Esta exigência resulta da necessidade de assegurar aos destinatários o conhecimento das razões de facto e de direito que justificaram a decisão, assegurando o seu efetivo direito ao recurso.
A falta de fundamentação de atos decisórios, que não sejam sentenças, pronúncia ou despachos de aplicação de medidas de coação (cfr. artigos 194.º, n.º4, 308.º, n.º 2 e 283.º, n.º 3, e 379.º, n.º1, alínea a), todos do Código de Processo Penal), tem como efeito a sua irregularidade, nos termos dos artigos 118.º, n.º 2 e 123.º, todos do Código de Processo Penal.
Tal irregularidade deve ser arguida perante o tribunal de 1.ª instância, no prazo legal previsto no artigo 123.º, n.º 1 do Código de Processo Penal.
No caso em apreço, uma vez que o despacho proferido a ........2025, aceitou que os anteriores despachos padeciam de falta de fundamentação, procedendo à sua correção, deixam os primeiros despachos de ter qualquer autonomia, sendo este último despacho a ter em conta para a contagem dos prazos para arguição da referida irregularidade.
Não tendo os recorrentes arguido tempestivamente tal irregularidade, não pode este Tribunal de recurso suprir oficiosamente tal vício, sem prejuízo da análise da alegada falta de indiciação dos crimes imputados alegada pelos recorrentes.
Ainda que assim não se entendesse, sempre diremos que o despacho recorrido atentos os elementos por si elencados e os resultantes da remissão que faz para a promoção constante de fls. 18662 e segs., garante o mínimo de compreensão dos factos e das razões de direito que estão na base da aplicação de tal medida, sendo transparente o raciocínio que suporta tal decisão, de tal modo que garante, ainda e de forma efetiva, o direito de defesa dos arguidos.
Conforme refere o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 684/2015 (in Diário da República n.º 42/2016, Série II, de 01.03.2016), “Constitucionalmente é exigível que na fundamentação seja visível uma racionalização dos motivos da decisão, revelando-se aos sujeitos processuais e à comunidade o conhecimento das razões que subjazem ao concreto juízo decisório, devendo, para isso, a fundamentação revelar uma aptidão comunicativa na exteriorização das premissas que presidem à sua conclusão, assim como o respetivo juízo de valoração, de modo a transmitir, como condição de inteligibilidade, a intrínseca validade substancial do decidido.”
Desde logo, entendemos que é aceitável a remissão feita para a promoção2, na medida em que tal não resulta numa total ausência de exame crítico das questões suscitadas, antes da necessidade de não repetir argumentação com a qual concorda.
Neste sentido, o referido Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 684/2015, conclui que “nada impede que o resultado de uma avaliação crítica efetuada com total autonomia pelo julgador acabe por conduzir ao acolhimento integral dos argumentos explicitados previamente pelo Ministério Público, remetendo-se a fundamentação da decisão, por economia de meios, para aquela pronúncia, o que não deixa de permitir aos interessados e à comunidade o cabal conhecimento das razões determinantes do que se decidiu. Elas são as que foram avançadas pelo Ministério Público na sua promoção e que o juiz acolheu e declarou fazê-las suas, constituindo uma fundamentação cognoscível da decisão tomada.”
Aliás, a fundamentação por remissão, enquanto técnica discursiva que evita a repetição de argumentos já constantes nos autos e de conhecimento dos demais sujeitos processuais, está consagrada no artigo 425.º, n.º 5 do Código de Processo Penal.
Nestes termos, entendemos que do despacho recorrido resulta claro que o juiz procedeu a um juízo valorativo próprio e exclusivo na apreciação dos factos e seu enquadramento jurídico, ainda que remetendo em parte para a promoção do Ministério Público, garantindo o despacho recorrido aquele mínimo de fundamentação que permite ser suficientemente inteligível para os visados, por forma a garantir os seus direitos constitucionais de defesa.
Por outro lado, em face da indiciação de estarmos perante um esquema complexo de branqueamento de capitais, utilizando sociedades como veículos de movimentações financeiras que visam, em parte, ocultar a origem ilícita do dinheiro, a análise da atuação de cada sociedade dilui-se numa análise mais global, pois só esta permite compreender o esquema delituoso. Nestes termos, uma fundamentação que coloca o enfoque na descrição da estrutura societária das sociedades envolvidas e a sua relação com os demais arguidos, designadamente o arguido AA, as movimentações financeiras entre ambas e a sua relação com o grupo ..., é, no contexto dos crimes indiciados, suficiente para que os arguidos compreendam o contexto das imputações e se possam defender das mesmas, assim cumprindo-se aquele mínimo de fundamentação pressuposto de qualquer decisão judicial.
Neste enquadramento, é necessário ter sempre presente que a fundamentação da decisão que determina o congelamento das contas bancárias não se confunde com a indicação da prova suscetível de fundamentar a imputação criminal, a qual só será possível aceder com a cessação do segredo de justiça.
Em conclusão, o despacho recorrido não padece de qualquer irregularidade que careça de ser suprida, nem se baseia em qualquer interpretação inconstitucional que afete a sua validade.
Em consequência, improcede, nesta parte, o recurso apresentado.
*
Da alegada Incompetência Internacional para a Investigação (artigos 22§ a 29§ das conclusões).
Os recorrentes alegam, em síntese, que os factos imputados, que ocorreram em múltiplos países que não ..., carecem de conexão suficiente com o território nacional para legitimar a competência das autoridades portuguesas (artigos 4.º e ss. do Código Penal), configurando nulidade insanável (artigo 119.º, alínea e), do CPP) quanto à parte dos factos não sujeitos à lei penal portuguesa.
Quanto a esta alegação a mesma é manifestamente improcedente, atenta a factualidade indiciada no despacho que determinou o congelamento dos saldos das contas bancárias, uma vez que daí resulta que “os autos indiciam que o arguido AA detém o efectivo controlo de várias sociedades em ..., com o real centro de actividade em ..., mas que se mostram deslocadas, de forma fictícia, para efeitos fiscais, para a ... de forma a obter vantagem fiscal em sede das taxas reduzidas ali previstas, as quais devem apenas beneficiar actividades efectiva e materialmente realizadas na ..., que são beneficiárias da facturação com entidades do ... que se indicia ter sido conseguida por via do pagamento de vantagens indevidas a responsáveis pela decisão de contratação no seio do mesmo Grupo e a outros fornecedores.”
Estando indiciado um complexo esquema financeiro que, ainda que envolva entidade financeiras sediadas no estrangeiro, tem como elemento comum um arguido português, com o seu centro real de atividade em ..., usando, inclusive, de forma relevante, várias sociedades deslocadas na ..., a investigação terá de ser conjunta, abarcando toda a realidade indiciada, independentemente da sede de algumas sociedades, havendo fortes pontos de contacto com a jurisdição portuguesa, nos termos do disposto no artigos 4.º, alínea a) e 5.º, n.º 1, alíneas b) e g), 7.º, todos do Código Penal.
Com efeito, a indiciação descreve uma factualidade em que as principais sociedades emissoras de faturação teriam sede formal na ...; em que os seus centros de decisão e atividade reconduziam-se a ..., sendo que as sociedades com sede no estrangeiro, mais não seriam que instrumentos societários e financeiros geridos pelo arguido AA, por si ou por interpostas pessoas, a partir de ..., sendo que essa deslocalização visa um claro propósito de dificultar o mapeamento das suas atividades.
No caso do crime de branqueamento de capitais, como ensina Paulo Pinto de Albuquerque (in Comentário do Código Penal – à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, 4ª ed. atualizada, Universidade Católica Editora, 2021, págs. 1233-1234), “A vantagem decorre de um facto «ilícito» e «típico» (o chamado crime precedente ou predicate offence), que pode ser um facto consumado ou tentado. (…) A lei não exige que o facto precedente seja culposo e punível e, menos ainda, que ele tenha sido efetivamente punido (já assim, em face da lei anterior, OLIVEIRA ASCENSÃO, 1999: 344, e JORGE GODINHO, 2001: 168). Sem crime precedente como tal previsto à data da transferência do capital não há crime de branqueamento de capitais”. Porém, refere ainda o mesmo autor “É irrelevante o local do cometimento do crime precedente, pois a punição tem lugar mesmo que o facto precedente tenha sido cometido fora do território nacional ou se desconheça o local do seu cometimento (ver os casos do acórdão do TRL, de 6.6.2017, processo 208/13.9TELSB.G.L1-5, e do acórdão TRL, de 20.6.2017, in CJ, XLII, 3, 155, relativos a movimentos financeiros ocorridos em ..., mesmo que os factos relativos aos crimes precedentes tenham ocorrido noutro Estado e em relação a eles não tenha sido exercido procedimento criminal). Nos termos do artigo 9.º, n.º 2, al.ª a), da Convenção de Varsóvia, «o facto de as partes poderem exercer ou não a sua jurisdição relativamente à infração subjacente não será tido em consideração» (tal como o artigo 6.º da anterior Convenção do Conselho da Europa de 1990, mas diferentemente, o artigo 23.º da Convenção das Nações contra a corrupção, de 2003, que exige o requisito da dupla incriminação)”.
Daqui decorre que, mesmo que os crimes precedentes tenham ocorrido no estrangeiro, o branqueamento acontece em ..., porque é aqui que estão domiciliadas as contas bancárias (e parte das empresas) que são utilizadas para a prática deste crime, independentemente das jurisdições que estejam a investigar o(s) crime(s) precedente(s).
Nestes termos, estando em causa a investigação desta factualidade com manifestos pontos de contacto com ..., cabe ao Ministério Público a investigação dos mesmos, improcedendo, nesta parte, o recurso interposto.
*
Da alegada falta dos Pressupostos para aplicação da Medida de Congelamento (artigos 30§ a 64§ das conclusões).
Os recorrentes alegam, em síntese, que não estão devidamente indiciados os crimes que fundamentaram a aplicação de tal medida, designadamente:
• o crime de corrupção ativa ou passiva no sector privado (artigos 8.º e 9.º da Lei n.º 20/2008), considerando a exigência de existência de vínculo sinalagmático entre a vantagem oferecida e a conduta concreta a praticar, sob pena de violação do princípio da legalidade (artigo 29.º, n.ºs 1 e 3, da CRP) e do disposto no artigo 372.º do Código Penal. Verificar ainda a alegada inconstitucionalidade material dos n.ºs 1 e 2 do artigo 9.º da Lei n.º 20/2008, por suposta violação dos artigos 1.º, 2.º, 3.º (n.º 3), 18.º (n.ºs 1, 2 e 3) e 29.º (n.ºs 1 e 3) da Constituição da República Portuguesa.
• os tipos de fraude fiscal qualificada previstos nos artigos 103.º (n.º 1, alíneas a) a c) e artigo 104.º (n.º 1, alíneas a), d), f) e g); n.º 2, alínea a); e n.º 3) do Regime Geral das Infrações Tributárias, exigem a delimitação clara dos factos praticados em ... e a sua repercussão no sistema tributário nacional, sem o que faltam elementos de prova para a indiciação criminal
• não estão apontados elementos suficientes para caracterizar o crime de burla qualificada, designadamente a existência de engano, arrastamento de vontade alheia e prejuízo patrimonial concreto, tendo em conta a tese do Ministério Público de uma “montagem de cenários enganosos” ao ... e a ausência de prova do prejuízo, invocando-se a incompatibilidade dogmática entre a burla e a corrupção no setor privado;
• não há indícios mínimos para a prática do crime de extorsão, conforme o artigo 230.º do Código Penal, que exige constrangimento mediante violência ou ameaça com mal importante para obter vantagem patrimonial, face à ausência de identificação das vítimas, dos meios de coação e do montante exigido.
Na análise da existência da requerida indiciação, é indispensável atender ao facto de o regime previsto no citado artigo 49.º, n.º 6 da Lei n.º 83/2017, de 18.08, inserir-se num objetivo mais amplo de atacar de forma preventiva fenómenos de dissipação e ocultação de fundos que, ainda que provenientes de origem ilícita, tendem, em resultado de movimentos financeiros complexos, a ser dificilmente reconduzíveis a tal origem ilícita. Por isso mesmo, todos estes movimentos não podem ser analisados de forma atomista, isolada, mas integrados num complexo conjunto de atos. Por outro lado, a suspeita/indiciação tem de ser enquadrável numa atividade inicial de investigação e compreensão de tais fenómenos, não se exigindo uma prova dos mesmos nos mesmos termos que será exigido em fases mais avançadas do processo.
A indiciação desta realidade é um processo evolutivo, iniciado com a medida de suspensão e culminando com a medida de congelamento. A própria lei estabelece essa ligação ao impor que a medida de congelamento incida sobre “fundos, valores ou bens objeto da medida de suspensão aplicada”. Nestes termos, quer a fundamentação, quer a correlativa indiciação tem de ser analisada no seu todo, não sendo, nesta matéria, despicienda a referência inicial que a promoção, para o qual o despacho recorrido remete, para a factualidade que fundamentou a medida de suspensão aplicada. É todo este universo fático que terá de ser atendido, ainda que a sua descrição e concretização sofra das limitações decorrentes do segredo de justiça em vigor nesta fase processual em que se insere o despacho recorrido.
A indiciação aqui pressuposta não se traduz, necessariamente, na descrição de todos os factos certos e provados com virtualidade de permitir presumir a prática dos crimes pelos arguidos e a correspondente origem ilícita dos fundos, antes se pode bastar com a enunciação mais vaga de circunstâncias que, ainda que careçam de melhor investigação, já permitem, numa primeira análise, construir uma imagem clara que tais movimentos visam encobrir a correspondente origem ilícita dos fundos, mesmo que esta em si mesma não seja totalmente descortinável, nesta fase. As próprias movimentações financeiras, pelos valores envolvidos e pelo uso anormal de várias entidades financeiras poderão constituir, por si só, indício bastante para fundamentar a aplicação do regime previsto no artigo 49.º, n.º 6 da citada lei.
Muitas vezes, esta imagem resulta da descrição de um "modus operandi" típico de condutas criminosas, ainda que por vezes tenha de assentar em factualidade menos concretizável nesta fase de investigação.
É esta complexidade dos movimentos financeiros subjacentes e a fase embrionária deste tipo de investigações que permite destrinçar a indiciação aqui mencionada, de outras menções feitas pelo legislador, designadamente, no código de processo penal, quando se fala em “fortes indícios” (v.g., artigos 200.º, n.ºs 1 e 4, 201.º, n.º 1, 202.º, 203.º todos do Código de Processo Penal) ou “indícios suficientes” (v.g., artigo 277.º, n.º 2, 283.º, n.ºs 1 e 2, 285.º, n.º 2 , 302.º, n.º 4, 308.º, 391.º-A, n.º 1, todos do Código de Processo Penal).
Para o decretamento da medida cautelar do artigo 49.º, n.º 6 da Lei n.º 83/2017, de 18.08, entendemos que basta existir uma probabilidade razoável de esses fundos bancários sejam provenientes ou estejam relacionados com a prática de atividades criminosas ou com o financiamento do terrorismo e se verifique o perigo de serem dispersos na economia legítima.
Neste âmbito, é especialmente relevante a necessidade de combater os crimes fiscais, referindo expressamente o considerando 11 da Directiva 2015/849/UE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de ... de ... de 2015 que “É importante salientar expressamente que os «crimes fiscais» relacionados com impostos diretos e indiretos estão incluídos na definição geral de «atividade criminosa» prevista na presente diretiva em consonância com as Recomendações revistas do GAFI.”
Analisados os autos, entendemos que do despacho recorrido, ainda que por remissão para a descrição factual contida nas respetivas promoções do Ministério Público anteriores ao mesmo, consta enunciada a factualidade de tal forma que permite a compreensão da indiciada atividade delituosa dos arguidos.
Como efeito, resulta indiciado que AA gozando de um especial poder de influência nas decisões de contratação do ... exerceu a sua influência a potenciais fornecedores que, para conseguirem obter contratos com a ..., passaram a ter que aceitar fazer pagamentos e a contratar pretensos serviços a sociedades deste arguido. Por outro lado, este arguido tomou decisões de alienação de património imobiliário por parte de sociedades do ... com a realização da venda de imóveis em condições privilegiadas a sociedades controladas por si diretamente ou indiretamente. Os ganhos obtidos por estas atividades foram gerados com recurso a sociedades sediadas em outros países, visando o seu uso a dissimulação da origem ilícita dos mesmos, sendo que é manifesto tal propósito em face da composição societária das mesmas, com pessoas com ligação estreita ao arguido (designadamente as filhas).
A manifesta intenção de o arguido AA ocultar o seu nome como efetivo detentor e gestor das participações sociais de várias sociedades que, por sua vez, controlavam outras sociedades, num intrincado esquema internacional de participações societárias, é um forte indício de estarmos perante um complexo esquema de branqueamento de capitais e evasão fiscal que justifica, em nosso entender, a adoção da medida prevista no artigo 49.º, n.º 6 da Lei n.º 83/2017, de 18.08, por forma a garantir que a investigação desta realidade não seja prejudicada pela utilização de tais contas bancárias, atenta a facilidade de, através delas, transferir e dissipar elevadas quantias monetárias, comprometendo seriamente a descoberta da verdade.
A complexidade destes movimentos financeiros, aliado ao facto de os presentes autos estarem necessariamente sujeitos ao segredo de justiça, impõe, em nosso entender, especiais cautelas na descrição dos factos concretos que suportam tal indiciação, por forma a não comprometer os futuros passos da investigação. Ainda assim, é necessário que os visados compreendam o sentido da indiciação, por forma a poderem exercer o contraditório.
No caso em apreço, julgamos que a descrição constante do despacho recorrido, por remissão às promoções anteriores, garante esse mínimo de compreensibilidade da imputação, uma vez que descrevendo as sociedades envolvidas, a sua composição societária e, indicando alguns dos negócios realizados, permite aos visados esclarecer em que termos se estabeleceram as relações entre as pessoas e sociedades mencionadas. Com efeito, na medida em que o que está aqui indiciado são os negócios realizados tendo por pano de fundo o universo ... e as relações comerciais estabelecida com as demais sociedades e/ou fornecedores, bem como funcionários da mesma, o universo da imputação está perfeitamente definido e é suscetível de permitir a defesa dos visados.
Por outro lado, perante a natureza e intensidade dos indícios, também não restam dúvidas de que foram observados os princípios da necessidade, da adequação e da proporcionalidade, uma vez que o risco de dissipação dos fundos e da sua integração no sistema económico legítimo é real e não se vislumbra que outro mecanismo processual, que não o congelamento, pudesse ser eficaz.
Por fim, a compreensão desta realidade, enquanto complexo de transações financeiras de âmbito transnacional, torna inevitável a leitura do papel de cada sociedade mencionada enquadrada num todo comunicante e não de per se, como parece resultar do alegado pelos recorrentes que pretendem que seja analisada a atuação de cada sociedade visada isoladamente, esquecendo que as mesmas, nos termos indiciados, serviam muitas vezes de nós comunicantes de uma realidade mais ampla e complexa.
Esta realidade está bem expressa na estrutura societária das referidas sociedades, resultando da documentação junta aos autos e conhecida pelos arguidos que:
- ..., constituída em 2009, é detida, desde 2016, pela ... e pela ..., cada uma com 50%;
- …, constituída em 2012, é detida, desde 2016, pela ...;
- ..., constituída em 2015, detida, a partir de 2016, em 20% pela ..., sendo 60% da ..., entidade do ...;
- ..., constituída em 2015, passou a ser detida pela ..., dos EAU, a 90%, tendo desde final de 2021 passado a ser detida pela ...;
- ..., constituída em 2015, na ..., detida a 42,5% pela ... e no restante pelo ...;
- ..., constituída em 2015, detida desde 2019 pela ... e anteriormente pela ..., tendo como gerente PP;
- ..., constituída em 2016, tendo sido detida em nome de QQ e da ... até 2020, passando depois a ser detida pela ..., dos …, a 90%, e depois do final de 2021 passou a ter como principal sócia a ..., na sequência de aumento de capital de 500.000 para 2.000.000 de euros;
- ... constituída em 2016, que passou a SA em 2017, sendo então detida pelas sociedades ..., ... e ..., tendo tido como gerente PP;
- ..., constituída em 2016, que passou a ser detida, em 90%, pela entidade ..., com registo nos EAU, e por RR;
- ..., constituída em 2017, na ..., detida a 70% pela ... e depois pelo fundo ...;
- ..., constituída em 2018, detida essencialmente pela ...;
- ..., constituída em 2018, detida pela ... e pela sociedade ...;
- ..., adquirida em 2018, detida a 47,5% pela ... e em igual proporção pela ... constituída em 2019, onde fez figurar como sócios ... e SS;
- ..., adquirida em 2020, na ..., detida a 60% pela ..., tendo alguns colaboradores técnicos como sócios minoritários, caso de TT, UU, VV e WW;
- ..., constituída em 2019 e detida pela …;
- ..., constituída em 2019 e detida pela ... a 80%, detendo a ... ;
- ..., constituída em 2019, detida pela ...;
- ..., constituída em 2019 e detida a 50% pela ... e a 50% pela ...
, fundo constituído em 2019 e gerido pela ... e participado pela ..., pela ... e pela ..., entre outra;
- ..., constituída em 2019, tendo uma participação de 10% em nome da ..., sendo o outro sócio o BB;
- ..., constituída em 2019 e detida pela XX;
- ..., constituída em 2020, na ..., detida pela ...;
- ..., adquirida em 2020, na ..., gerida através de YY;
- ..., constituída em 2021, detida maioritariamente pela ...;
- ..., constituída em 2021, na ..., detida a 90% pela ...;
- ..., 2021, na ..., detida a 90% pela ...;
- ..., constituída em 2021, na ..., detida maioritariamente pela ...;
- ..., constituída em 2021 e detida a 26,7% pela ...; - ..., adquirida em 2021, tendo como gerente LL e sendo detentora de imóveis no ...; - ..., constituída em 2021 e detida através de ZZ;
- ..., detida desde 2021 pela ...;
- ..., constituída em 2021 e detida por ... e através da ...;
- ..., fundo de capital de risco constituído em 2022, gerido pela ... e utilizado para deter participações noutras entidades, quer em ... quer no estrangeiro caso da ... e da ...;
- ..., adquirida em 2022, sendo primeiro detida pela ... e depois pela ..., detendo a ...;
- ..., participada, a partir de 2022, pelo ...
- ..., constituída em 2023, primeiro detida por AAA e por BBB e depois pela ...;
- CCC, constituída em 2023 e detida através do fundo …;
- ..., detida desde ... de 2023 através do ..., sendo anteriormente detida por DDD;
- ..., constituída em 2023 e detida através da LL.
Da documentação junta aos autos resulta indiciada a existência de uma complexa estrutura societária, construída tendo por base três sub-holdings – ..., ... e … – que por sua vez têm participações em dezenas de outras sociedades, sendo que todas são controlados direta ou indiretamente pelo arguido AA. Por sua vez, estas sociedades não funcionam de forma isolada e separada entre si, antes estabelecem-se entre as mesmas, complexos movimentos financeiros, definidos em última instância por AA, o que exige que a análise das mesmas se faça sempre globalmente e não separadamente.
Em complemento desta complexidade societária, resulta indiciado que algumas sociedades tinham a sua sede formal na ... - ..., ..., ..., ... e ..., visando beneficiar de taxas de imposto reduzidas, designadamente em sede de IRC, sendo certo que não exerciam aí qualquer atividade donde resultasse ser aí o seu centro de atividade do continente.
Estando sustentada esta indiciação nos documentos juntos aos autos, nos declarações e depoimentos prestados, analisados segundo juízos lógico-racionais, não podemos deixar de concluir que tal realidade descrita tem suporte na investigação até à data realizada e suporta um juízo de indiciação bastante para fundamentar a aplicação da medida prevista no artigo 49.º, n.º 6 da Lei n.º 83/2017, de 18.08.
Nesta matéria, sufragamos o entendimento plasmado por este Tribunal da Relação no Recurso n.º 405/18.0TELSB-F.L1 que apreciando a mesma realidade, referiu: “Ora, compulsados os elementos disponíveis no processo, fruto da investigação em curso que já procedeu à recolha e análise de inúmera documentação, importa perceber que os factos indiciados emergem desse mesmo acervo documental. Assim como das declarações dos Arguidos agora ouvidos. Nomeadamente quanto à constituição de sociedades, participações nas mesmas, negócios celebrados e sua formalização, chegando assim à dimensão de intervenção do Arguido nos negócios da ..., passando a neles participar e a receber uma significativa compensação. Assim, logrou o constrangimento dos fornecedores, a entrada em cena de intermediários desnecessários e uma remuneração relevante. Também dessa leitura se alcança o alargamento do âmbito dos negócios quer quanto ao seu objeto quer quanto à diversificação geográfica. E assim surgem mais sociedades. Também da documentação se retira a alteração da domiciliação fiscal indiciada e a entrada em cena de intervenientes que, agora co-Arguidos, se afiguram como interpostas pessoas em nome do Arguido, posto que, por si, não revelam capacidade para intervirem àquele nível nas participações que estão documentadas em seu nome. Nesta medida, surgiram ao longo da investigação inúmeros IBAN que o Ministério Público identificou como pertença das diversas sociedades e, pedindo o levantamento do sigilo bancário, obteve o histórico de transações, a partir do qual reforçou a indiciação das operações efectuadas que tiveram a participação do Arguido. Há, efectivamente, na apresentação do Ministério Público e na avaliação do Tribunal, espaço para algumas deduções, o avanço de factos apenas alcançáveis mediante prova indirecta, decorrências dos elementos objectivos recolhidos e enunciados. Não sendo juízos descabidos, desenquadrados com a realidade ou efabulatórios, tem o Tribunal de recurso que conceder na sua consideração, garantindo que, assim, cheguem ao conhecimento e apreciação do Tribunal de julgamento, sede onde a decisão final será desenhada. Ademais, as intercepções telefónicas revelam igualmente o desenvolvimento dos negócios. Aliás, essa nem é matéria que seja questionada pelos Arguidos, nomeadamente o Recorrente, que admite ser essa a sua vida, o núcleo da sua actividade profissional. Faz, contudo, uma diferente leitura dessa mesma actividade, afastando-se da interpretação levada a cabo pelo Ministério Público e pelo Tribunal recorrido.”
Nestes termos, e atenta a fase de investigação, entendemos que a factualidade descrita respeita aquele mínimo de indiciação que permite aos visados compreender o que está em causa e, desse modo, se defenderem adequadamente. Se é certo que com o decurso da investigação deverão ser carreados aos autos outros elementos de prova que permitam esclarecer pontos que ainda necessitam de melhor concretização, os quais deverão ser do conhecimento dos arguidos em decorrência da eliminação gradual de limites ao acesso à prova existente nestes autos por parte dos visados, daí resultando, necessariamente, que a exigência de descrição da factualidade relevante tenha que ser superior, implicando, necessariamente, um maior grau de exigência refletido no grau de indiciação exigido (que culminará na exigência de indícios suficientes para fundamentar uma acusação ou pronúncia), entendemos, pelas razões já supra enunciadas, e já relatadas por este Tribunal da Relação em decisão anterior, que o despacho recorrido cumpre os mínimos exigidos por lei.
Questão diversa e que passaremos a abordar, é se tal factualidade indiciada é idónea para a configuração jurídico-penal pressuposta no despacho recorrido e que fundamenta a aplicação da medida prevista no artigo 59.º, n.º 6 da Lei n.º 83/2017, de 18.08.
Nesta matéria, há que ter presente não só o referido expressamente pelo despacho recorrido, como o constante da promoção para a qual tal despacho remete.
Tendo a factualidade ora em apreciação e respetivo enquadramento jurídico-penal já sido objeto de apreciação por decisão anterior deste Tribunal – supra indicada – entendemos que a mesma se mantém perfeitamente atual.
Com efeito, na referida decisão proferida no Recurso, supra mencionado, pode ler-se quanto ao crime de corrupção ativa no sector privado, na forma agravada (artigo 9.º, n.ºs 1 e 2 da Lei n.º 20/2008, de 21.04), “(…) vem o Arguido defender a inexistência de uma conexão correspondente à oferta e ao acto o que inviabiliza a consumação do tipo de crime em apreço. Mais alega o Arguido que FF não era sócio da ... desde 2005, nem desempenhava funções que permitam concluir que o mesmo configuraria, à data dos factos, um “trabalhador do sector privado”. Neste último aspecto, deveremos socorrer-nos do previsto no artigo 2.° al. d) da Lei n.º 20/2008, de 21 de Abril que nos define como «”Trabalhador do sector privado” a pessoa que exerce funções, incluindo as de direcção ou fiscalização, em regime de contrato individual de trabalho, de prestação de serviços ou a qualquer outro título, mesmo que provisória ou temporariamente, mediante remuneração ou a título gratuito, ao serviço de uma entidade do sector privado». Como refere o Ministério Público na sua resposta, «(…) a lei define de forma abrangente a qualidade de trabalhador do sector privado, não a limitando aos casos regidos por um vínculo contratual permanente nem a qualquer tipo de contrato específico» e consta dos factos indiciados a assumpção, por FF, de uma posição que de destaque que lhe permitia ser, tanto na ... como na ..., o decisor nas matérias respeitantes aos fornecedores. Como o próprio Arguido reconheceu, ao mesmo caberia, de forma direta, presidir a reuniões relativas a questões relativas aos contratos de fornecimento e ser determinante na tomada de decisões relativas a tais matérias. Tal papel, sentido pelos Arguidos, é perceptível em intercepções telefónicas, tais como as indicadas pelo Ministério Público na sua resposta, a saber, sessão 93294, do alvo 101288060 e sessão 1057, do alvo 101288060, 337 do alvo 101689040 e 2360 do alvo 106031060. (…) Nomeadamente no mundo dos negócios, nada é de graça. A gratuitidade trás sempre uma expectativa de lucro. Quando corresponde a um desconto sobre um produto, procura-se um incremento de vendas que compense a perda do preço. Quando falamos de aparentes “liberalidades”, o doador está à procura de um benefício a posteriori que compense a sua iniciativa. Quando a transmissão fica obscurecida por operações menos claras, seja a intervenção de terceiros, pessoas ou sociedades, a circulação do dinheiro, a criação de negócios apenas aparentes para justificar pagamentos, passamos a navegar nas águas da evidente actuação à margem das regras, que os actores pretendem ocultar, por saber da irregularidade da sua conduta. Para além do mais, ficou indiciado que o Arguido terá promovido a entrega de vantagens contra a facilitação de negócios a outros colaboradores da ... e da ... tais como HH, GG, EEE, FFF, CC e BB, claramente descritos na matéria de facto, pelo que deveremos concluir que, neste momento, se tem como suficientemente indiciada a prática deste crime de corrupção activa no sector privado.”
Relativamente ao sinalagma entre a oferta indevida e o ato pretendido, este não exige a indiciação isolada do ato, antes se basta com a indiciação de uma vantagem que o arguido AA potencia aos visados nestes negócios, os quais, por sua vez, dada a sua posição relevante na estrutura funcional das sociedades supra referidas, facilita a concretização de negócios com sociedades controladas direta ou indiretamente pelo arguido. Mais uma vez, não podemos analisar ato a ato a atuação dos visados, mas o contexto geral em que tais movimentos se desenvolvem. E compreendendo deste modo tais relações, facilmente se percebe que a própria construção de uma relação de confiança e dependência a longo prazo, baseada em ofertas e ganhos indevidos, capaz de gerar a aprofundar relações comerciais no futuro é, por si só o ganho esperado e obtido por quem faz e por quem aceita tais negócios. Nestes termos, não há aqui qualquer inconstitucionalidade, uma vez que não se prescinde, nesta leitura dos factos, de qualquer dos pressupostos do crime de corrupção ativa e passiva no sector privado, designadamente o mencionado sinalagma.
A factualidade descrita indicia um controlo por parte do arguido AA das decisões das sociedades visadas, bem como do processo decisório da própria ... – aqui em conjugação com FF – que preenche o conceito de “trabalhador do sector privado”, mesmo nos casos de inexistência de um contrato de trabalho ou de prestação de serviços por parte dos envolvidos. Aliás, a lei ao referir-se a “qualquer outro título” pretendeu acautelar situações onde, não obstante a falta de definição jurídica do papel do particular na referida empresa privada, a sua atuação, condicionando as decisões desta, são relevantes para o mesmo poder ser “corrompido” ou “corromper”, devendo tais condutas ser objeto de incriminação no âmbito da Lei n.º 20/2008, de 21.4.
Estas considerações relevam quer para o crime de corrupção ativa no sector privado, quer para o crime de corrupção passiva no setor privado, pelo que, subscrevendo integralmente o entendimento exposto, teremos de concluir no mesmo sentido.
Por outro lado, a gravidade destas condutas minando o tecido empresarial de um país, distorcendo as regras da concorrência, coloca em causa o Estado de Direito, entendido como um “ecossistema económico” que vive das estreitas relações entre o privado e o público, carecendo da devida proteção penal. Entender estes fenómenos como “questões de privados” sem dignidade penal, é aceitar uma compreensão da sociedade que não corresponde aos atuais mecanismos de mercado e suas interdependências com os demais poderes democráticos. A corrupção, enquanto fenómeno que corrói e mina os alicerces de uma sociedade democrática, releva não só no sector público como no privado, uma vez que ambos são partes indissociáveis de um todo social que não sobrevive à generalização de práticas corruptivas.
A convenção das Nações Unidas contra a corrupção, aprovada em 2003 – denominada Convenção de Mérida (aprovada pela Resolução da Assembleia da República n.º 47/2007, de 31/09; ratificada pelo Decreto do Presidente da República n.º 97/2007) - consagra no seu artigo 12.º a necessidade de os Estados subscritores da mesma, preverem na sua legislação sanções penais eficazes, proporcionadas e dissuasivas (vide, no mesmo sentido a Decisão Quadro 2003/658/JAI da União Europeia).
A corrupção no setor privado corrói a qualidade da democracia, afetando o primado da lei, um dos principais pilares de sustentação democrática de qualquer sociedade, ao subverter procedimentos justos e transparentes no setor privado. Por outro lado, a perceção de corrupção enfraquece a legitimidade democrática, a confiança pública nos mecanismos institucionais, diminui a adesão do cidadão ao regime democrático, estimulando a aceitação de escolhas autoritárias. Por outro lado, a corrupção no setor privado gera concorrência desleal, que se traduzirá inevitavelmente na eliminação de um ambiente concorrencial saudável, implicando, a final, custos inflacionados, preços mais elevados e qualidade inferior de bens e serviços, prejudicando o desenvolvimento económico e o investimento, garantes essenciais de uma sociedade democrática.
Nestes termos, a sua incriminação não viola qualquer norma constitucional, antes é uma imposição internacional a que o Estado Português está obrigado, impondo-se para defesa dos princípios constitucionais basilares da nossa sociedade.
Relativamente aos crimes de fraude fiscal qualificada, entendemos que a factualidade indiciada permite descortinar um atuação que se consubstancia na deslocalização fictícia de sociedades controladas direta ou indiretamente pelo arguido AA, bem como na indicação por este de domicílios fiscais que não representam efetivamente o local de residência permanente do mesmo – ... – por forma a obter taxas de tributação em sede de IRC e IRS mais reduzidas do que aquelas a que estariam sujeitos sem tais deslocalizações. Esta situação traduziu-se, conforme resulta da informação da autoridade tributária de fls. 18604 e segs., numa vantagem patrimonial no valor de 133 milhões de Euros, ganhos que, por sua vez, foram “branqueados” através de complexos movimentos financeiros e bancários, utilizando as contas bancárias alvo da medida de congelamento (cf. documentação constante do apenso bancário 39).
Por outro lado, está em causa um esquema de várias sociedades, com negócios entre si que visam, em última instância, a alteração da verdade fiscal das mesmas, designadamente aquelas que estariam sujeitas a obrigações fiscais que não permitiam obter as reduções de taxação a que foram sujeitas. Estamos perante a indiciação de negócios entre as referidas sociedades e particulares que não correspondem a efetivas transações, antes visando apenas a deslocação de valores financeiros de uma sociedade para outra, alterando, por esse efeito, toda a documentação contabilística das sociedades, por forma a dar uma aparência de legalidade a tais movimentos bancários e financeiros. E todo este esquema assentou na vontade do arguido AA e na utilização fictícia da domiciliação de sociedades em espaços fiscais nacionais e estrangeiros mais favoráveis, por forma a obter, a final, ganhos financeiros que não teriam existido sem a utilização deste esquema complexo de criação de negócios e transações financeiras entre as referidas sociedades.
Sem prejuízo de uma investigação mais aprofundada desta realidade, que se terá no futuro de refletir na densificação da indiciação que sustenta a manutenção destas medidas preventivas, no estado presente da mesma, não pode este Tribunal deixar de entender que esta realidade indicia a prática de crimes de fraude fiscal e consequente branqueamento de capitais.
Neste plano, a complexa teia de dependências entre as sociedades identificadas nos autos indicia a existência de um elaborado esquema de branqueamento de capitais que apenas pode ser compreendido numa análise global das atividades das mesmas e não numa análise individual das contas de cada sociedade. Se formalmente os movimentos financeiros estão suportados por documentação que os justificam, a verdade é que a análise contextual de todas estas sociedades e dos circuitos financeiros estabelecidos entre elas, permite compreender que muitos destes movimentos financeiros visam, em última instância, diluir a natureza ilícita da sua proveniência.
Os autos indiciam que as sociedades referidas constituem, no seu essencial, veículos para a movimentação e deslocalização dos fundos resultantes, essencialmente, da prática de crimes de fraude fiscal e de corrupção ativa no sector privado, a coberto da aparência de uma legalidade sustentada por contratos de prestação de serviços e respetiva faturação elaborada exclusivamente para esse efeito, de contratos de compra e venda de imóveis, bem como para o pagamento e distribuição de dividendos indevidos, sob indicação direta ou indireta do arguido AA.
Aqui chegados, urge discutir se do despacho recorrido, de per se e por remissão à promoção para a qual remete, está indiciada a prática dos crimes de burla qualificada e extorsão.
Desde logo, se dirá quanto a estes crimes, que o despacho recorrido é totalmente omisso quanto à sua indiciação, em nenhum momento referindo-se aos mesmos quanto menciona quais os crimes indiciados.
Deste modo, é necessário analisar a promoção para a qual a decisão recorrida, por forma a nela se descortinar os factos que fundamentam tal indiciação.
Quanto ao crime de burla qualificada, entendemos que em nenhum dos documentos se encontra enunciada, ainda que forma sintética e de algum modo genérica em face do estado da investigação, factualidade que permita descortinar a existência de erro ou engano do ... na contratação com as demais sociedades identificadas controladas pelo arguido AA. Se é certo que a sua vontade de contratar estava, de algum modo, viciada, pelo esquema corruptivo que envolvia elementos chave para a formação dessa vontade, tal circunstância indiciando os crimes de corrupção ativa e passiva no sector privado, não se pode, sem mais, transfigurar, em crime de burla. O erro ou engano tem de se constituir numa realidade autonomizada dos factos constitutivos do crime de corrupção.
Nestes termos, e quanto ao este crime, entendemos que, do despacho recorrido e da promoção a que o mesmo se reporta, não existe a descrição de qualquer factualidade que sustente tal indiciação.
Quanto ao crime de extorsão, da promoção resulta a indiciação que o arguido AA impunha a contratação com sociedades por si controladas, sob a ameaça de não o fazendo as mesmas perderem contratos de fornecimento com o .... Esta ameaça, que densifica e operacionaliza a vontade de contratar das mesmas, constitui um constrangimento grave à sua liberdade de contratar, uma vez que a possibilidade de perder tais contratos com o ..., pelas mais elementares regras de experiência, é idónea para conformar a atuação dos seus legais representantes em sentido que evite colocar as mesmas numa posição que possa afetar gravemente a situação financeira das mesmas.
Mais uma vez, e quanto a este crime a indiciação atinge aquele liminar de densificação que permite, nesta fase, sustentar a aplicação da presente medida de congelamento, sem prejuízo de com o avançar da investigação ser exigido um reforço de densificação da mesma.
Por fim, na medida em que as contas alvo da medida de congelamento foram utilizadas neste circuito de branqueamento, sendo peças relevantes para a sua concretização, e sendo certo que a dispersão geográfica das sociedades e a capacidade das mesmas procederem a movimento bancários e financeiros que extravasam o território nacional, é real o perigo de não estando tais fundos congelados os mesmos possam ser movimentados para outras geografias e, entrarem na economia legítima desses países. Aliás, dos autos resulta indiciado um “modus operandi” dos visados que se baseia na aquisição de imobiliário, sendo que os movimentos imobiliários especulativos subjacentes, constituem um manifesto e real perigo de integrar tais fundos ilicitamente obtidos na economia legítima.
Com efeito, o legislador ao impor tal pressuposto para o decretamento da medida de congelamento, teve em mente a necessidade de prevenir que tais fundos, valores ou bens, provenientes ou relacionados com atividades criminosas, fosse facilmente integráveis no sistema financeiro e na economia dos Estados, dificultando a sua deteção e recuperação, o que manifestamente ocorre, no caso dos autos, em que este intrincado esquema societário potencia a disseminação dos proveitos ilícitos por várias sociedades geograficamente dispersas.
Neste plano, a evidente conversão destes fundos em bens facilmente transacionáveis (v.g., imóveis, viaturas, artigos de luxo) e a facilidade de deslocalização dos mesmos para outras geografias, sustenta o perigo real de serem dispersos na economia legítima.
Aqui chegados, urge discutir da alegada mitigação das suspeitas e da desproporcionalidade em face dos danos que provoca nas sociedades visadas e em face da ausência de um limite temporal para a sua vigência.
Em primeiro lugar, se é certo que do artigo 49.º, n.º 6 da Lei n.º 83/2017, de 18.08, não resulta a imposição de qualquer prazo para a vigência da medida de congelamento, a verdade é que a mesma deve ser revista se forem revertidos ou enfraquecidos os indícios da origem ilícita dos fundos, pelo que a sua manutenção não é desproporcional e, nesta medida, inconstitucional por violação do princípio da proporcionalidade da medida aplicada.
Com efeito, a medida de congelamento pode cessar ou ser alterada se deixarem de subsistir os pressupostos que fundamentam a aplicação de tal medida, podendo os visados, a todo o tempo, suscitar tal revisão caso demonstrem existir novos factos que a imponham. Com efeito, ainda que se mantenha a medida de congelamento, os visados podem suscitar a sua alteração, designadamente quanto aos saldos e montantes congelados.
Em segundo lugar, quanto à sua desproporção em face dos danos provocados nas sociedades visadas, não descortinamos qualquer desproporcionalidade de relevância constitucional, como alegam os recorrentes. Tal como já referido, ao legislador cabe estabelecer o equilíbrio entre vários direitos com consagração constitucional e não se vê como a medida de congelamento, na sua configuração legal atual, limite desproporcionalmente o direito de propriedade dos recorrentes sobre os valores, fundos e bens congelados.
Conforme refere o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 299/2020, de 18.09, “(…) o princípio da proporcionalidade desdobra-se em três subprincípios: (i) princípio da adequação ou idoneidade, isto é, as medidas restritivas legalmente previstas devem revelar-se como meio adequado para a prossecução dos fins visados pela lei (salvaguarda de outros direitos ou bens constitucionalmente protegidos); (ii) princípio da exigibilidade, necessidade ou indispensabilidade, ou seja, as medidas restritivas previstas na lei devem revelar-se necessárias (tornarem-se exigíveis), porque os fins visados pela lei não podiam ser obtidos por outros meios menos onerosos para os direitos, liberdades e garantias; (iii) princípio da proporcionalidade em sentido restrito, que significa que os meios legais restritivos e os fins obtidos devem situar-se numa «justa medida», impedindo-se a adoção de medidas legais restritivas desproporcionadas, excessivas, em relação aos fins obtidos (Acórdãos n.ºs 187/2001,491/2002 e 159/2007)”, sendo que como refere o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 187/2001, “o Tribunal não deve substituir uma sua avaliação da relação, social e economicamente complexa, entre o teor e os efeitos das medidas, à que é efetuada pelo legislador, e que as controvérsias geradoras de dúvida sobre tal relação não devem, salvo erro manifesto de apreciação – como é, designadamente (mas não só), o caso de as medidas não serem sequer compatíveis com a finalidade prosseguida –, ser resolvidas contra a posição do legislador.”
Neste sentido, o Acórdão da Relação de Lisboa de 11.03.2025 (ECLI:PT:TRL:2025:102.23.5TELSB.C.L1.5.1B), conclui que “Estando nós já perante uma situação de congelamento, com o preenchimento dos pressupostos para o seu decretamento (distintos, como vimos, da suspensão de temporária de execução de operações bancárias), havendo já indícios que os fundos são provenientes ou estão relacionados com a prática de atividades criminosas ou com o financiamento do terrorismo, entre a privação total do uso dos rendimentos congelados imposta aos destinatários de tal medida e a possibilidade de a decisão de congelamento impedir ou interromper o processo trifásico de reciclagem (integração, ocultação e integração) dos bens ou vantagens patrimoniais resultantes de factos típicos e ilícitos das espécies previstas no art. 368º A nº 1 do Código Penal, afigura-se proporcional a compressão do direito de propriedade do recorrente, face à indispensabilidade para o objectivo pretendido, qual seja o de evitar a dissipação dos bens. Trata-se de sacrificar um direito individual que, pese embora tenha dignidade constitucional, não é absoluto, à realização do interesse público na administração da justiça penal, de acordo com a priorização da importância dos valores em confronto e com o princípio da proporcionalidade, da adequação e da necessidade.”
Este juízo de proporcionalidade não é afetado pela não consagração de um limite temporal para a mesma, não só porque a mesma pode ser revista a qualquer altura conforme supra exposto, como a mesma terá sempre o limite imposto pela sua necessidade e adequação aos perigos que visa acautelar, sendo a todo o tempo sindicável pelos tribunais.
No caso em apreço, a complexidade da factualidade em investigação, a sua dispersão geográfica, a necessidade de perícias complexas, exige um esforço acrescido de apuramento dos factos que pressupõe a manutenção da medida de congelamento dos fundos, valores e bens, a fim de evitar o risco da sua dissipação na economia legítima e a perda da capacidade de rastreamento da sua origem ilícita.
Por último, quanto à alegada mitigação das suspeitas, a mesma assenta numa interpretação do teor do despacho de ........2024, com a qual não podemos concordar, designadamente quanto ao valor que lhe é dado.
Com efeito, do mesmo apenas resulta a admissão que a sociedade ..., poderá negociar a cobrança dos montantes do crédito que continua a deter sob o universo ..., e que o próprio Tribunal conclui que nada contende com a indiciação existente sobre a mesma, tanto mais que refere que a requerida autorização “se traduziria, no fundo, em autorizar a requerente a proceder ao pagamento de despesas e dívidas que indica com recurso aos fundos que se encontram bloqueados nos presentes autos, por se encontrar fortemente indiciado terem sido gerados pela prática dos crimes que se encontram em investigação no presente inquérito”..
Lida atentamente a referida decisão, resulta da mesma o contrário do mencionado pelos recorrentes: o tribunal entende estar não só indiciado, mas fortemente indiciado que tais fundos foram gerados pela prática dos supra citados crimes.
Nestes termos, o congelamento de fundos monetários, decretado judicialmente em 11.1.2025, cumpre todos os pressupostos materiais e formais exigidos na lei, com integral respeito pelo preceituado no artigo 49.º, n.º 6 da Lei nº 83/2017 de 18, não tendo o despacho recorrido violado nenhum preceito legal ou constitucional, nomeadamente os invocados pelos arguidos (artigos 18.º, 61.º, n.º 1 62º, todos da Constituição da República Portuguesa).
Pelo exposto, improcede o recurso interposto, mantendo-se na íntegra o congelamento decretado.
***
*
***
IV – DISPOSITIVO
Em face do exposto, acordam os Juízes da 5ª Secção - Criminal - deste Tribunal da Relação:
1. Negar provimento ao recurso, confirmando os despachos recorridos, mantendo-se a medida prevista no artigo 49.º, n.º 6 da Lei n-º 83/2017, de 18.08, nos precisos termos aí definidos.
*
Custas pelos arguidos recorrentes, fixando-se a taxa de justiça em 6 UCs [artigos 513.º, n.o 1, do CPP e 8.º, n.º 9 do RCP e Tabela III anexa].
Notifique e dê imediato conhecimento.
***
*
***
Lisboa, 1.07.2025
(Acórdão elaborado e integralmente revisto pelo relator – artigo 94.º, n.º 2, do CPP -, com assinaturas eletrónicas apostas na 1.ª página, nos termos do art.º 19.º da Portaria n.º 280/2013, de 26-08, revista pela Portaria n.º 267/2018, de 20/09)
João Ferreira
Sandra Oliveira Pinto
Ana Lúcia Gordinho
_______________________________________________________
1. Nos termos do artigo 2.º, ponto 5) da Diretiva 201742/EU do Parlamento Europeu e do Conselho de 3 de Abril de 2014, entende-se por congelamento “a proibição temporária de transferir, destruir, converter, alienar ou movimentar um bem ou de exercer temporariamente a guarda ou o controlo do mesmo”.
2. O Tribunal Constitucional no seu Acórdão n.º 391/2015 (in Diário da República n.º 224/2015, Série II, de 16.11.2015) reafirmou o entendimento que “(…) não viola qualquer parâmetro constitucional, designadamente o princípio da reserva de juiz e o dever de fundamentação das decisões judiciais, a norma constante do artigo 97.º, n.º 5, do Código de Processo Penal, na interpretação segundo a qual a fundamentação da decisão que decreta a medida de prisão preventiva, pode ser feita por remissão para a promoção do Ministério Público (…).