REVOGAÇÃO DA SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA
Sumário

I. A revogação da suspensão da execução da pena não é automática logo que o arguido não cumpra o dever imposto como condição da suspensão, sendo necessário concluir por uma infracção grosseira desse dever, a qual há-de constituir uma indesculpável actuação, em que o comum dos cidadãos não incorra e que não mereça ser tolerada nem desculpada.
II. A revogação da suspensão da execução da pena também não é automática logo que haja condenação por novo crime no decurso da suspensão, só podendo ser decretada se se comprovar que as finalidades que estiveram na base dessa mesma suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas. A prática de 5 crimes dolosos, sancionados alguns com pena de prisão efectiva, torna impossível afirmar que ainda foi possível evitar a reiteração criminosa sem que o arguido tenha que cumprir uma pena de prisão.

Texto Integral

Acordam, em conferência, na 5ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa,
Relatório
No âmbito do Processo Comum (Tribunal Singular) nº 206/15.8GFVFX, que corre termos no Juízo Local Criminal de Vila Franca de Xira (Juiz 1), do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Norte, o arguido AA foi condenado, por sentença transitada em julgado em 18.05.2017, pela prática de um crime de violência doméstica, p. e p. pelo art. 152º, nº 1, al. b) e nº 2, do Cód. Penal, na pena de 2 anos e 6 meses, suspensa na sua execução por 2 anos e 6 meses, sujeita a regime de prova e à condição de no período da suspensão pagar à ofendida a quantia de 500,00€.
Proferido despacho que revogou a suspensão da execução da pena, vem o arguido interpor recurso desse despacho onde formula as conclusões que se transcrevem:
1. Ao arguido foi revogada a suspensão da execução da pena sentenciada nos presentes autos, nos termos e para os efeitos do artigo 56.º do CPP.
2. A revogação da suspensão da execução da pena por incumprimento das obrigações impostas só pode ocorrer se o incumprimento se verificar com culpa grosseira e só terá lugar como “ultima ratio”, isto é, quando estiverem esgotadas ou se revelarem de todo ineficazes as restantes providências contidas no artigo 55.º do Código Penal.
3. Violação grosseira é toda e qualquer violação que possa evidenciar-se como qualificada, qualitativamente denotativa da dimensão do incumprimento do dever ou obrigação impostos, no sentido de se considerar que tal violação se assume como grave na própria amplitude e determinação com que, na sua essência, deixou de ser cumprida a obrigação imposta, não o sendo quando se traduz num mero incumprimento parcial de uma obrigação ou quando, tratando-se de uma obrigação de execução continuada, o incumprimento se verificou apenas em algumas vezes contadas, em comparação com outras em que a mesma foi sendo cumprida.
4. O arguido quer cumprir as obrigações impostas e demonstrou sensibilidade jurídica e plena capacidade na censurabilidade da sua actuação.
5. A culpa há-de revestir intensidade relevante, seja pela natureza (violação grosseira), seja pela reiteração (atitude geral de descuido e leviandade prolongada no tempo), de molde a constituir uma actuação especialmente censurável, que o cidadão médio pressuposto pela ordem jurídica repudiaria e que, por consequência, não admite tolerância ou desculpa.
6. Para que a suspensão da execução da pena de prisão seja revogada é necessário que a infracção grosseira ou repetida dos deveres ou regras de conduta impostos se deva à vontade do condenado e que se conclua que nenhuma outra medida, para além da revogação, é viável para alcançar as finalidades da punição (artigos 50.º, n.º 1, e 40.º, n.º 1, do Código Penal).
7. A atuação do arguido não se deveu à sua vontade até porque aquele pretende cumprir com a sentença proferida!
8. O arguido está disposto a cumprir as regras de conduta a que ficou sujeito a suspensão da pena de prisão, associada à sua postura, contínua, persistente e reiterada, de assunção que pretende cumprir as mesmas.
9. O arguido interiorizou a decisão proferida e isso fê-lo ver que, as finalidades na origem da suspensão da pena de prisão aplicada inicialmente ainda podem ser alcançadas mediante a revogação da decisão da qual ora se recorre.
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O Ministério Público junto da 1ª Instância contra-alegou, pugnando pela improcedência do recurso e manutenção do despacho recorrido, para o que apresentou as seguintes conclusões:
1. Não assiste razão ao recorrente quando sustenta que a revogação da suspensão da pena foi “desadequada e desproporcional”, desde logo porque, no contexto em que a mesma vem a suceder, nenhuma outra das opções consagradas no artigo 55.º do Código Penal, seria susceptível de aplicação, em face do incumprimento culposo, e reiterado, da condição da suspensão.
2. Por sentença proferida em 18/04/2017, transitada em 18/05/2017, foi o arguido AA condenado pela prática de um crime de violência doméstica, na pena de 2 anos e 6 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, sujeita a regime de prova, bem como à condição de pagar à ofendida a quantia de € 500,00 euros.
3. No período compreendido entre 18/05/2017 e 18/11/2019, o arguido não cumpriu a condição da suspensão – pagar € 500,00 euros à ofendida – nem apresentou qualquer justificação para tal incumprimento que, julgado culposo, determinou a prolação de despacho, em 15/07/2022, transitado em 30/09/2022, que prorrogou, por 1 ano e 3 meses, a suspensão da pena.
4. Uma vez mais o arguido incumpriu a condição da suspensão, não aproveitando a oportunidade conferida pela prorrogação da suspensão, vindo alegar que tal sucedeu por se encontrar recluso, manifestando pretender agora cumprir tal condição.
5. Sucede que, o não cumprimento da condição da suspensão não foi o único motivo subjacente à revogação da mesma, como bem o espelha o douto despacho a quo.
6. Analisado o Certificado de Registo Criminal do recorrente, apurou-se que o mesmo havia sofrido quatro condenações por factos praticados no período da suspensão, três das quais, elencadas em sede de motivação, em pena de prisão efectiva.
7. Refira-se que as condenações em pena efectiva não haviam sido consideradas, aquando da prorrogação, por não constarem do CRC, à data da mesma.
8. Foi perante este cenário que veio a ser revogada a suspensão, salientando-se que ambas as alíneas do artigo 56.º n.º 1 do Código Penal, transcritas em sede de motivação, se mostravam preenchidas.
9. E se é certo que, como bem refere o douto despacho a quo: “A revogação da suspensão da execução da pena de prisão não é automática, sendo necessário que se reúnam todos os elementos indispensáveis para, em consciência, o tribunal concluir que o condenado violou culposa, grosseira ou repetidamente as obrigações que lhe foram impostas, de tal forma que a revogação da suspensão da pena de prisão é a única forma de se alcançarem as finalidades da punição (…)”, no caso dos autos não se nos afigura existir outra opção.
10. Por um lado, “(…) não podemos deixar de atribuir extrema gravidade ao facto de o condenado não ter revelado qualquer esforço para cumprir a obrigação de pagamento da quantia imposta na sentença como condição de suspensão da pena. Com efeito, não se olvidando as naturais dificuldades financeiras do condenado, designadamente, por se encontrar em reclusão desde 06/06/2022 até à presente data, isto é, durante todo o período de prorrogação da suspensão da pena, certo é que tal facto se deve apenas ao próprio, uma vez que o mesmo foi preso nessa data no âmbito do processo 1326/19.5 SILSB, por ter sido condenado por factos praticados precisamente durante o período de suspensão da pena.”
11. Por outro, não podemos deixar de salientar as condenações sofridas, por factos praticados no período da suspensão, três das quais em pena de prisão efectiva.
12. Sufragamos o entendimento defendido por Paulo Pinto de Albuquerque de acordo com o qual “só a condenação em pena de prisão efectiva pode revelar que as finalidades que estiveram na base de uma decisão prévia de suspensão não puderam ser alcançadas, pois a condenação em pena de multa ou em pena substitutiva supõe um juízo de prognose ainda favorável ao agente pelo tribunal da segunda condenação.” (in. Comentário do Código Penal, 2ª Ed. p. 236). Que se verifica no caso dos autos.
13. Ainda que assim não fosse, sempre se dirá que, tendo o condenado beneficiado já de uma prorrogação por um ano e três meses, e sendo a pena aplicada de dois anos e seis meses, mostra-se inviabilizada a aplicação de nova prorrogação, a qual excederia o limite legalmente fixado no artigo 55.º al. d) que permite a prorrogação “(…) até metade do prazo inicialmente fixado.” O que sucedeu, desde logo, com a prorrogação de 15/07/2022.
14. Entendemos em conclusão que se deverá manter nos seus precisos termos o despacho que revogou a suspensão da pena aplicada ao arguido e determinou o cumprimento da pena aplicada a título principal.
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Nesta Relação, o Digno Procurador-Geral Adjunto emitiu Parecer onde afirmou acompanhar a resposta da Digna Magistrada do Ministério Público junto da 1ª Instância, para que remeteu e deu por reproduzida para todos os efeitos legais.
Efectuado o exame preliminar, foram os autos à conferência, cumprindo agora apreciar e decidir.
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Fundamentação
A decisão recorrida é a seguinte:
AA foi condenado, por sentença transitada em julgado em 18/05/2017, pela prática de um crime de violência doméstica, p.p. pelo art.º 152º, nº 1, al. b), nº 2, do Código Penal, na pena de 2 anos e 6 meses, suspensa na sua execução por 2 anos e 6 meses, sujeita a regime de prova e à condição de no período da suspensão pagar à ofendida a quantia de 500,00€.
Decorrido o período da suspensão [18/11/2019], verificou-se que:
- o arguido não comprovou nos autos o cumprimento da condição da suspensão da pena;
- a DGRSP apresentou relatório final de acompanhamento da medida (fls. 857) no qual indica que o arguido cumpriu, no essencial o PRS, que lhe foi delineado;
- o arguido foi condenado por factos praticados durante o período da suspensão, pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, em pena de prisão suspensa na sua execução.
Foram designadas datas para a audição do condenado, a qual não se realizou uma vez que o arguido, regularmente notificado não compareceu, e tentada a sua detenção, a mesma foi infrutífera.
Por decisão de 15/07/2022, transitada em julgado em 30/09/2022, foi determinada a prorrogação do prazo de suspensão da execução da pena, pelo período de 1 (um) ano, e 3 (três) meses, período durante o qual o arguido ficaria obrigado a efectuar nos autos o pagamento da quantia de 500,00€ para posterior entrega à ofendida.
O período de prorrogação da pena terminou no dia 30/12/2023.
Findo o período da prorrogação, verificou-se que o arguido não cumpriu a condição de pagamento da quantia de 500,00€ à ordem dos autos.
Sob outro prisma, consultado o certificado do registo criminal do arguido, com relevo para a questão a decidir, constata-se agora que o arguido sofreu as seguintes condenações durante o período de suspensão da pena:
- Por decisão proferida em 14/07/2022, transitada em julgado em 09/03/2023, no Proc. 663/18.0PCCSC, foi condenado pela prática em 2018 de um crime de furto qualificado na pena de 5 anos de prisão efectiva;
- Por decisão proferida em 21/03/2019, transitada em julgado em 29/04/2019, no Proc. 273/19.5SDLSB, foi condenado pela prática em .../.../2019 de um crime de condução sem habilitação legal na pena de 8 meses de prisão suspensa pelo período de um ano e sujeita a regime de prova;
- Por decisão proferida em 23/11/2021, transitada em julgado em 19/05/2022, no Proc. 1326/19.5SILSB, foi condenado pela prática em .../.../2019 e .../.../2019 de um crime de condução sem habitação legal e de um crime de furto de uso de veículo na pena única de 2 anos e 8 meses de prisão efectiva;
- Por decisão proferida em 25/11/2021, transitada em julgado em 19/05/2022, no Proc. 164/19.0PAVFX, foi condenado pela prática em .../.../2019 de um crime de furto simples na pena de 6 meses de prisão efectiva.
O condenado encontra-se preso ininterruptamente desde 06/06/2022 até à presente data, sucessivamente, à ordem dos processos 1326/19.5 SILSB, 133/21.0 PQLSB e 1174/21.2 PZLSB.
Designada data para audição do condenado, a mesma realizou-se no dia 15/01/2025, tendo o arguido dito, em síntese, que não cumpriu a condição de pagamento da quantia de 500,00€ durante o período da suspensão por dificuldades financeiras e por entretanto encontrar-se recluso desde o início do período de prorrogação da suspensão da pena, verbalizando, contudo, intenção de efectuar o pagamento da quantia definida na sentença.
A Digna Magistrada do Ministério Público pronunciou-se no sentido de ser revogada a suspensão da pena, nos termos e comos fundamentos constantes da promoção que antecede.
Decidindo.
Nos termos do disposto no artigo 56.º, n.º 1 do Código Penal, “1-A suspensão da execução da pena de prisão é revogada sempre que, no seu decurso, o condenado: a) Infringir grosseira ou repetidamente dos deveres ou regras de conduta impostos ou o plano de reinserção social; ou b) Cometer crime pelo qual venha a ser condenado, e revelar que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas.” Acresce que no n.º 2 do mesmo dispositivo legal, “2- A revogação determina o cumprimento da pena de prisão fixada na sentença, sem que o condenado possa exigir a restituição das prestações que haja efectuado.”.
Dispõe o artigo 495.º, nº 1 do Código de Processo Penal que “2- O tribunal decide por despacho, depois de recolhida a prova, obtido o parecer do Ministério Público e ouvido o condenado (…)”.
A revogação da suspensão da execução da pena de prisão não é automática, sendo necessário que se reúnam todos os elementos indispensáveis para, em consciência, o tribunal concluir que o condenado violou culposa, grosseira ou repetidamente as obrigações que lhe foram impostas, de tal forma que a revogação da suspensão da pena de prisão é a única forma de se alcançarem as finalidades da punição.
No caso dos autos não podemos deixar de atribuir extrema gravidade ao facto de o condenado não ter revelado qualquer esforço para cumprir a obrigação de pagamento da quantia imposta na sentença como condição de suspensão da pena. Com efeito, não se olvidando as naturais dificuldades financeiras do condenado, designadamente, por se encontrar em reclusão desde 06/06/2022 até à presente data, isto é, durante todo o período de prorrogação da suspensão da pena, certo é que tal facto se deve apenas ao próprio, uma vez que o mesmo foi preso nessa data no âmbito do processo 1326/19.5 SILSB, por ter sido condenado por factos praticados precisamente durante o período de suspensão da pena. Com efeito, como se alcança pelo teor do certificado do registo criminal do condenado, a verdade é que, durante o período de suspensão da pena, o condenado praticou cinco novos crimes, sendo que nos Proc. 663/18.0PCCSC, 1326/19.5SILSB, e 164/19.0PAVFX foi condenado em penas de prisão efectiva.
Conforme decidido no Acordão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 22.11.2017 (relator Brizida Martins), disponível em www.dgsi.pt “I - A suspensão da execução da pena de prisão é revogada sempre que, no seu decurso, o condenado cometer crime pelo qual venha a ser condenado, e revelar que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas. II - A lei não se basta, contudo, com a mera prática de um ou mais crimes no período de suspensão da pena; é ainda necessário que essa prática demonstre a frustração do juízo de prognose favorável subjacente à suspensão da execução da pena de prisão. III - A indiferença repetida do arguido pela anterior condenação, praticando crime da mesma natureza (condução sem habilitação legal), mostra-nos com clareza que as finalidades que estiveram na base da suspensão da execução da pena de prisão não foram alcançadas e, portanto, se impunha a revogação da suspensão da execução da pena de prisão.”
No caso concreto, desprezando o juízo favorável efectuado quanto à sua capacidade para adoptar um estilo de vida afastado da prática de crimes, o condenado revelou uma atitude de total indiferença pela condenação proferida nestes autos que se manifestou, não só através da falta de cumprimento da obrigação imposta para a suspensão da pena mas, sobretudo, através da prática de novos crimes em pleno período de suspensão da pena. Donde, só pode concluir-se que o condenado demonstrou total insensibilidade à condenação nestes autos, pelo que não se poderá concluir que os desideratos que estiveram na base da decisão de suspensão [inicial e prorrogada] tenham sido minimamente alcançados.
De todo o exposto resulta à saciedade que o condenado demonstra uma total indiferença ao direito e uma completa incapacidade de se auto-censurar pelo crime que cometeu e de compreender a gravidade dos seus actos, estando plenamente demonstrado que a simples ameaça de uma pena de prisão não foi, nem é, suficiente para salvaguardar as finalidades da punição, motivo pelo qual se decidirá pela revogação da suspensão da pena.
Pelo exposto, revogo a suspensão da execução da pena e, em consequência, determino que o condenado AA cumpra dois anos e seis meses de prisão, nos termos do artigo 56.º, n.º 1alíneas a) e b) e n.º 2, do Código Penal.
(…)
* * *
Apreciando…
De acordo com a jurisprudência fixada pelo Acórdão do Plenário das Secções do STJ de 19.10.1995 (in D.R., série I-A, de 28.12.1995), o âmbito do recurso define-se pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação, sem prejuízo, contudo, das questões de conhecimento oficioso.
Assim, cabe decisão sobre a revogação, ou não, da suspensão da execução da pena de prisão aplicada nos autos, após o incumprimento da condição fixada e o cometimento de crimes no decurso daquela suspensão.
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Compulsados os autos verifica-se que:
- o recorrente foi condenado, por sentença transitada em julgado em 18.05.2017, pela prática de um crime de violência doméstica, p. e p. pelo art. 152º, nº 1, al. b) e nº 2, do Cód. Penal, na pena de 2 anos e 6 meses, suspensa na sua execução por igual período, sujeita a regime de prova e à condição de no período da suspensão pagar à ofendida a quantia de 500,00€;
- por decisão de 15.07.2022, transitada em julgado em 30.09.2022, tendo a DGRSP apresentado relatório final de acompanhamento da medida indicando que o arguido cumpriu, no essencial, o PRS que lhe foi delineado, mas não estando cumprida a condição, foi prorrogado o prazo de suspensão da execução da pena pelo período de 1 ano e 3 meses e determinado que o recorrente, nesse período, ficaria obrigado a efectuar nos autos o pagamento da quantia de 500,00€;
- o período de prorrogação da suspensão da execução da pena terminou em 30.12.2023 sem que o recorrente tenha cumprido a condição de pagamento da quantia de 500,00€;
- durante o período de suspensão da execução da pena o recorrente foi condenado:
a) pela prática em 2018 de um crime de furto qualificado, na pena de 5 anos de prisão efectiva (decisão de 14.07.2022, transitada em julgado em 9.03.2023)
b) pela prática em ........2019 de um crime de condução sem habilitação legal, na pena de 8 meses de prisão com execução suspensa pelo período de um ano e sujeita a regime de prova (decisão de 21.03.2019, transitada em julgado em 29.04.2019)
c) pela prática em ........2019 e ........2019 de um crime de condução sem habitação legal e de um crime de furto de uso de veículo, na pena única de 2 anos e 8 meses de prisão efectiva (decisão de 23.11.2021, transitada em julgado em 19.05.2022)
d) pela prática em ........2019 de um crime de furto simples, na pena de 6 meses de prisão efectiva (decisão de 25.11.2021, transitada em julgado em 19.05.2022)
- o recorrente encontra-se preso ininterruptamente desde 6.06.2022 até à presente data.
Nos termos do nº 1 do art. 56º do Cód. Penal, “a suspensão da execução da pena de prisão é revogada sempre que, no seu decurso, o condenado: a) Infringir grosseira ou repetidamente os deveres ou regras de conduta impostos ou o plano de reinserção social; ou b) Cometer crime pelo qual venha ser condenado, e revelar que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas”. E de acordo com o nº 2 do mesmo artigo, “a revogação determina o cumprimento da pena de prisão fixada na sentença, sem que o arguido possa exigir a restituição de prestações que haja efectuado”.
O arguido/recorrente foi condenado, no âmbito destes autos, por sentença transitada em julgado em 18.05.2017, pela prática de um crime de violência doméstica, p. e p. pelos arts. 152º, nº 1, alíneas b) e c) e nº 2, do Cód. Penal, na pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, acompanhada de regime de prova e sob condição de pagamento de 500,00€ à ofendida. O período de suspensão da execução da pena veio a ser prorrogado por 1 ano e 3 meses, tendo terminado em 30.12.2023.
Decorrido o período de suspensão da execução da pena (incluindo a sua prorrogação), constata-se que o arguido, ora recorrente, cumpriu no essencial o plano de reinserção social elaborado e homologado. Contudo, o recorrente não satisfez a condição fixada de pagar à ofendida a quantia de 500,00€, nem directamente, nem através de depósito nos autos.
Em causa está o disposto na alínea a) do nº 1 do citado art. 56º, ou seja, saber se o arguido/recorrente infringiu grosseiramente o dever imposto como condição da suspensão, de modo a poder afirmar-se que essa infracção se revela suficiente para abalar o juízo de prognose, anteriormente feito, de que a socialização em liberdade poderia ser alcançada e o condenado possuía capacidade para se reintegrar socialmente.
Com efeito, a revogação da suspensão é a consequência da falência do juízo de prognose positiva que tinha justificado a suspensão e por isso só uma violação grosseira do dever imposto pode justificar a revogação.
A lei não estabelece o que deve entender-se como violação grosseira dos deveres, mas a jurisprudência tem vido a recorrer ao critério definido no Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa de 19.02.1997 (Colectânea de Jurisprudência, tomo I, Ano de 1997, p. 166), que considerou que a violação grosseira dos deveres ou regras de conduta impostos, referida na alínea a) do nº 1 do art. 56º do Cód. Penal, há-de constituir uma indesculpável actuação, em que o comum dos cidadãos não incorra e que não mereça ser tolerada nem desculpada; só a inconciliabilidade do incumprimento com a teleologia da suspensão da pena é que deve conduzir à respectiva revogação.
Na definição do Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 27.06.2018 (Proc. 1347/07.0TAPFR-A.P1) “Violação grosseira será toda e qualquer violação que possa evidenciar-se como qualificada, qualitativamente denotativa da dimensão do incumprimento do dever ou obrigação impostos, no sentido de se considerar que tal violação se assume como grave na própria amplitude e determinação com que, na sua essência, deixou de ser cumprida a obrigação imposta, e não, portanto, quando se traduz num mero incumprimento parcial de uma tal obrigação ou, tratando-se de uma obrigação de execução continuada, que tal incumprimento se verificou apenas em algumas vezes contadas, em comparação com outras em que a mesma foi sendo cumprida”.
Vejamos, então, se podemos concluir por uma violação grosseira do dever imposto como condição da suspensão ou antes se, como alega o recorrente, a sua actuação não se deveu à sua vontade e se há actos demonstrativos de que, como alega, pretende cumprir com a sentença proferida. Efectivamente, dizer que se pretende cumprir, sem praticar qualquer acto que o demonstre, não tem qualquer significado, sendo apenas palavras ocas.
O recorrente não cumpriu a condição de pagar à ofendida a quantia de 500,00€ durante o período fixado, 2 anos e 6 meses, com início em 18.05.2017. Mas esse período veio a ser prorrogado, de modo a que pudesse ainda ser cumprida a condição. Concretamente, por decisão de 15.07.2022, transitada em julgado em 30.09.2022, o período de suspensão da execução da pena foi prorrogado até 30.12.2023 sem que o recorrente tenha cumprido a condição de pagamento. Ou seja, o recorrente teve 5 anos para cumprir a condição de pagar da quantia de 500,00€ e não fez.
É certo que o recorrente encontra-se preso ininterruptamente desde 6.06.2022 até à presente data, o que terá dificultado – mas não inviabilizado – o cumprimento da condição a partir de então, mas, tal como sublinha o despacho recorrido, “(…) não podemos deixar de atribuir extrema gravidade ao facto de o condenado não ter revelado qualquer esforço para cumprir a obrigação de pagamento da quantia imposta na sentença como condição de suspensão da pena. Com efeito, não se olvidando as naturais dificuldades financeiras do condenado, designadamente, por se encontrar em reclusão desde 06/06/2022 até à presente data, isto é, durante todo o período de prorrogação da suspensão da pena, certo é que tal facto se deve apenas ao próprio, uma vez que o mesmo foi preso nessa data no âmbito do processo 1326/19.5 SILSB, por ter sido condenado por factos praticados precisamente durante o período de suspensão da pena.”
O que se retira dos factos é que o recorrente, apesar do que verbaliza, claramente escolheu não satisfazer a condição imposta. O que é de extrema gravidade, intolerável e indesculpável, revelando-se circunstância perfeitamente apta para abalar o juízo de prognose, anteriormente feito, de que a socialização em liberdade poderia ser alcançada e o condenado possuía capacidade para se reintegrar socialmente – lembramos que o dever de pagar uma compensação à ofendida foi assim ordenado por se mostrar conveniente e adequado à realização das finalidades da punição (cfr. o nº 2 do art. 50º do Cód. Penal), demonstrando o comportamento do recorrente que tais finalidades não foram, afinal, alcançadas.
Ou seja, temos de concluir por uma violação grosseira do dever imposto, determinante de revogação da suspensão da execução da pena.
Acresce ainda que, durante o período de suspensão da execução da pena, o arguido/recorrente cometeu crimes pelos quais veio a ser condenado, incluindo em penas de prisão efectiva: um crime de furto qualificado, dois crimes de condução sem habitação legal, um crime de furto de uso de veículo e um crime de furto simples.
Em causa está agora o disposto na alínea b) do nº 1 do citado art. 56º.
Cumpre, então, averiguar se as condenações que o arguido sofreu no decurso da suspensão da execução da pena se revelam suficientes para abalar o juízo de prognose de que o mesmo se poderia manter afastada da criminalidade.
Lembramos que a suspensão da execução da pena (cfr. o art. 50º do Cód. Penal) tem como pressuposto o convencimento, pelo Tribunal da condenação, que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição. Em causa já não está a medida da culpa do agente, mas prognósticos acerca das exigências mínimas de prevenção, sendo necessário determinar se existe esperança fundada de que a socialização em liberdade pode ser alcançada.
A suspensão da execução da pena não é uma medida de carácter pedagógico, é uma verdadeira pena de substituição.
Refere o Prof. Figueiredo Dias (Direito Penal Português, p. 331), que sendo a suspensão da execução da pena “a mais importante das penas de substituição” – não apenas pela frequência com que é aplicada, mas também pelo âmbito lato de aplicação que comporta – a lei, nos termos do art. 50º do Cód. Penal, exige não só a verificação de um requisito objectivo (condenação em pena de prisão não superior a 5 anos) como de requisitos subjectivos, determinados por finalidades de política criminal, que permitam concluir pelo afastamento futuro do delinquente da prática de novos crimes, através da sua capacidade de se reintegrar socialmente. Por isso o Tribunal só pode suspender a pena de prisão aplicada em medida não superior a 5 anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição (cfr. o art. 50º do Cód. Penal).
O não cometimento de crime no decurso da suspensão e a consequente extinção da pena demonstram o êxito da ressocialização (enquanto finalidade da punição).
Ao contrário, a revogação da suspensão será a consequência da falência do juízo de prognose positiva que tinha justificado a suspensão.
Por isso a revogação não é automática logo que haja condenação por novo crime no decurso da suspensão, só podendo ser decretada se se comprovar que as finalidades que estiveram na base dessa mesma suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas – como refere o Prof. Figueiredo Dias (ob. citada, p. 356 e 357 “...se nascesse dali a convicção de que um tal incumprimento infirmou definitivamente o juízo de prognose que esteve na base da suspensão, é dizer, a esperança de, por meio desta, manter o delinquente, no futuro, afastado da criminalidade”.
Efectivamente, as alterações introduzidas ao Cód. Penal pela revisão de 1995, puseram fim à revogação automática da suspensão após o cometimento de novo crime doloso punido com pena de prisão – redacção “profundamente criticável do ponto de vista político-criminal” (Figueiredo Dias, ob. citada, p. 356) e “o acento tónico passou a estar colocado, não no cometimento de crime doloso durante o período de duração da suspensão e correspondente condenação em pena de prisão, mas no facto de o cometimento de um crime e respectiva condenação revelarem a inadequação da suspensão para através dela serem ainda alcançadas as finalidades da punição” (Odete Oliveira, Jornadas de Direito Criminal, Revisão do Código Penal, II, CEJ, 1998, p. 105).
Seguindo este entendimento, Paulo Pinto de Albuquerque (Comentário ao Código Penal, 2ª ed., p. 236), afirma que, em princípio, “só a condenação em pena efectiva de prisão é reveladora de que as finalidades que estiveram na base da decisão prévia de suspensão não puderam ser alcançadas”.
Com efeito, no caso de, na segunda condenação (que teria capacidade para fundamentar a revogação da suspensão), o arguido ter sido condenado novamente em pena com execução suspensa, tem vindo a entender a jurisprudência (cfr., por todos, os acórdãos do T.R. Coimbra de 28.03.2012 e 11.05.2011, do T.R. Porto de 02.12.2009 e do T.R. Évora de 25.09.2012) que a aplicação no segundo processo de uma pena ainda suspensa traduz o convencimento, por parte do Tribunal que assim o decidiu, de que ainda é possível evitar a reiteração criminosa sem que o arguido tenha que cumprir uma pena de prisão, não podendo por isso, sem contradição evidente, extrair-se de um tal juízo de prognose favorável o dever de revogar uma outra pena suspensa.
No caso concreto, o recorrente cometeu crimes que foram punidos com pena de prisão efectiva, contudo, crimes de natureza muito diferente daquela a que se reporta o crime analisado nos autos.
Efectivamente, o bem jurídico protegido pelo tipo legal de violência doméstica é a saúde, entendida esta como um bem complexo, que abrange a vertente física e psíquica da vítima, que pode ser afectada por uma multiplicidade de comportamentos, mas furtos e condução de veículo sem habilitação legal não se incluem no âmbito de protecção do crime de violência doméstica.
Contudo, a alínea b) do nº 1 do art. 56º do Cód. Penal não exige, para efeitos de revogação da suspensão, que o crime praticado no decurso do período de suspensão tenha que ter a natureza do crime punido com a pena de substituição. Decisivo é que o crime cometido no período da suspensão da execução da pena não corresponda a um comportamento meramente ocasional, mas antes se reporte a um modo-de-ser que revele ser possível concluir que as finalidades da suspensão foram, em definitivo, comprometidas.
Ora o recorrente cometeu cinco crimes, todos de natureza dolosa, nos anos de 2018 e 2019, ou seja, durante o período de suspensão. E foi condenado em penas efectivas de prisão.
Perante tal quadro é impossível afirmar que ainda é possível evitar a reiteração criminosa sem que o arguido tenha que cumprir uma pena de prisão.
Toda a conduta do recorrente revela indiferença pela solene advertência feita pelo Tribunal.
Pelo que podemos afirmar que falhou o juízo de prognose que esteve na base da suspensão – o comportamento do condenado revelou que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas – sendo por isso de revogar esta, improcedendo o recurso.
* * *
Decisão
Pelo exposto, acordam em julgar improcedente o recurso e mantém o despacho recorrido.
Custas pelo recorrente, fixando a taxa de justiça em 3 (três) UCs.

Lisboa, em 1.07.2025
Alda Tomé Casimiro
Ester Pacheco dos Santos
Sandra Oliveira Pinto