CRIMES CONTRA A AUTODETERMINAÇÃO SEXUAL
DECLARAÇÕES PARA MEMÓRIA FUTURA
DIREÇÃO DA DILIGÊNCIA
Sumário

I. A proteção legal dos menores que sejam vítimas de crime contra a autodeterminação sexual impõe, sempre que a sua inquirição seja efetuada durante o inquérito, nos termos do art.º 271º, no 2, do CPP, o seja através de declarações para memória futura.
II. A realização de tal inquirição deverá ter lugar em ambiente informal e reservado, com vista a garantir, nomeadamente, a espontaneidade e a sinceridade das respostas, sendo levada a cabo exclusivamente pelo juiz.
III. No caso, para além da vítima dos indiciados atos contra a sua autodeterminação sexual ser menor, também é portadora de uma incapacidade de 60%, o que lhe conferiu o estatuto de vítima especialmente vulnerável.
IV. Nestes o Juiz que preside á diligência deve procurar um equilíbrio entre assegurar ao arguido todas as garantias de defesa e proteger a alegada vítima.
V. A busca deste equilíbrio pode exigir uma direção musculada da diligência, designadamente e para manter a necessária fluidez das declarações em curso, impedir interrupções com requerimentos para a ata e determinar que os mesmos sejam dirigidos, por escrito, ao processo.
VI. A Srª Juíza de Instrução atuou no âmbito dos seus poderes de direção da diligência, sem os extravasar, referindo que os requerimentos deveriam ser feitos ao processo, sem deixar de dar o contraditório à Ilustre mandatária presente no sentido de obter esclarecimentos às declarações prestadas pela alegada vítima, não existindo qualquer nulidade ou irregularidade dos atos assim praticados.

Texto Integral

Acordam os Juízes Desembargadores da 5.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa:

1.Relatório:
No Processo: 131/25.4JDLSB- Tribunal Central Instrução Criminal da Comarca de Lisboa- Juiz 2 - foi proferido despacho, com o seguinte teor:
« Na sequência da realização da diligência de Declarações para Memória Futura da menor AA no dia ........2025, veio a Ilustre Mandatária do arguido BB, alegar que lhe foi totalmente negada a possibilidade de fazer requerimentos durante a diligência e que, por diversas vezes (em diversos momentos da diligência), requereu a palavra para ditar requerimentos para a ata relacionados diretamente com a diligência em curso, o que lhe foi sempre negado, vendo-se assim impedida de exercer plenamente o contraditório, em clara violação do princípio estruturante do processo penal consagrado no artigo 32.º, n.º 5, da Constituição da República Portuguesa, bem como, do artigo 271.º, n.º 3, do Código de Processo Penal. Assim, deve a diligência ser declarada nula, ou, caso assim não se entenda, deverá ser declarada irregularidade da mesma.
Mais requer que seja declarada a irregularidade da diligência por violação do princípio do contraditório e das garantias de defesa do arguido, uma vez que se deu início às declarações para memória futura, sem que os mandatários tenham tido acesso aos autos e a oportunidade de falar com o arguido acerca dos elementos de prova.
Requerem igualmente a irregularidade do despacho datado de 14-03-2025 que indeferiu o adiamento da diligência, por violação do princípio do contraditório e das garantias de defesa do arguido (artigos 89º nº1 do CPP e 20º nº1 e nº2 e 32º nº1,3 e 5 da CRP).
Por fim, mais requer que seja declarada a nulidade da diligência, por violação dos artigos 61º nº1, 271º nº3 e nº6, 352º nº2, 332º nº7 todos do Código de Processo Penal e dos artigos 20º nº1 e nº2 e 32º nº1, 3 e 5 da CRP, ou, no limite (o que por mera cautela de patrocínio se admite), a irregularidade, nos termos do artigo 123º nº1 do CPP, por não ter o arguido sido conduzido à diligência.
O MP pugna pelo indeferimento do requerido.
Cumpre apreciar e decidir:
Cumpre desde já referir que no nosso processo penal vigora o princípio da legalidade ou da tipicidade das nulidades, isto é, só existem nulidades processuais quando expressamente cominadas na lei - artigo 118.º, n.º 1 do Código de Processo Penal.
Ora, a alegada negação da possibilidade de fazer requerimentos durante a diligência em diversos momentos da diligência (que diga-se, desde já, que não existiu), não integra qualquer nulidade, por não estar como tal prevista em qualquer disposição legal.
Em face do exposto, apenas por aqui, se teria que indeferir o requerido pelo arguido. Contudo, e ainda assim, cumpre referir o seguinte:
Conforme se pode constatar da acta e da gravação das declarações para memória futura da menor AA realizadas no dia ........2025, o Tribunal já se encontrava a efectuar a identificação da menor e a interagir com a mesma quando a Ilustre Mandatária interrompeu a diligência, referindo que pretendia requerer para a acta a consulta dos autos.
Nesse momento, e tal como consta da acta e da gravação, foi a Ilustre Mandatária alertada, que estávamos perante uma diligência única e exclusivamente para memória futura, não havendo necessidade de consultar os autos naquele momento, não devendo as declarações da menor ser interrompidas naquele momento.
Aliás, como se pode constatar da gravação vídeo, a interrupção da Ilustre Mandatária naquele momento causou de imediato um enorme constrangimento à menor, tanto que a técnica do GIAV teve que intervir junto da menor e dizer à mesma para não se preocupar. Nesse sentido, o Tribunal tentou desvalorizar de imediato o que se havia passado para que a menor não ficasse destabilizada e continuou as declarações, uma vez que não nos podíamos olvidar que para além de uma menor, tínhamos à nossa frente uma vítima com um grau de desvalorização de 60% apurada em ........2019 (vide facto 2 da matéria de facto fortemente indiciada).
Contudo, a dado passo das declarações da menor, a mesma emocionou-se, conforme se pode constatar da gravação (tanto de som, como de vídeo), sendo que o Tribunal, teve necessidade de interromper a diligência. Ora, no momento da interrupção, e tal como também consta da acta, o processo foi entregue à Ilustre Mandatária do arguido para que a mesma consultasse os autos e a mesma foi alertada de que poderia e deveria ter consultado os autos enquanto esteve a aguardar o início da diligência durante 1h15.
Na verdade, a diligência de declarações para memória futura estava designada para se iniciar ás 10h30, contudo, e conforme se pode atestar pela acta, a diligência apenas se iniciou pelas 11:44 horas e, não antes, por se ter estado a aguardar uma Técnica do GIAV disponível para acompanhar a ofendida na diligência, encontrando-se os restantes intervenientes processuais a aguardar o início da presente diligência desde as 10:35 horas.
Ora, questionada a Escrivã Auxiliar que presidiu a diligência, pela ora signatária, se a Ilustre Mandatária lhe havia solicitado o processo para consulta antes da diligência se iniciar, a mesma respondeu negativamente. Assim, se a Ilustre Mandatária não consultou o processo antes da diligência se iniciar, durante 1h15m foi porque não o pretendeu fazer, uma vez que o processo se encontrava à sua disposição da mesma na secção.
Ademais, o processo foi-lhe por mim entregue aquando da interrupção da diligência, pelo que enquanto a diligência esteve interrompida a Ilustre Mandatária teve acesso aos autos.
E mais, conforme se constata da acta da diligência, bem como da gravação da mesma, quando foi dada a palavra à Ilustre Mandatária para, querendo, obter esclarecimentos da menor, pela mesma foi dito que não estava em condições de exercer o contraditório.
Ora, face a tal, pela ora signatária, e a fim de garantir todos os direitos de defesa do arguido, foi por mim interrompida a diligência (vide acta da diligência, bem como a gravação) e explicado à menor que iriamos interromper a diligência para que a Ilustre Mandatária procedesse à consulta dos autos atento o volume do processado (o processo é muito pequeno). Contudo, a Ilustre Mandatária, referiu mais uma vez que não se encontrava em condições de exercer o contraditório, e que não iria fazer qualquer questão à menor.
Ora, como é por demais evidente não existiu qualquer violação do princípio do contraditório e das garantias de defesa do arguido, uma vez que se a Ilustre Mandatária do arguido não consultou os autos foi porque não quis, uma vez que lhe foram dadas todas as oportunidades para o fazer por parte deste Tribunal, não só antes da diligência se iniciar, bem como durante a diligência.
Ademais, no decurso da restante diligência de declarações para memória futura, e conforme se pode constatar da gravação da diligência, a Ilustre Mandatária, não voltou a efectuar qualquer requerimento até ao encerramento da diligência.
Por outro lado, verifica-se que a procuração forense assinada pelo arguido se encontra datada de ... de ... de 2025, pelo que o Ilustre Mandatário teve contacto com o arguido desde essa data, tendo falado com o mesmo, sabendo a sua versão dos factos. Assim, o Ilustre Mandatário teve 9 dias úteis para consultar o processo, pelo que se não o fez, foi por opção própria. Note-se que o processo nem sequer se encontra em segredo de justiça, pelo que podia ser consultado na secretaria do Tribunal.
Mais se refira que o Tribunal designou as declarações para memória futura no dia ........2025, pelo que se tratando de processo com arguido preso, é processo de natureza urgente, pelo que não poderia este Tribunal adiar com os fundamentos aduzidos pelo Ilustre Mandatário.
Note-se que o Ilustre Mandatário quando junta a procuração forense aos autos, tem que aceitar o processo no estado em que o mesmo se encontra, mormente, as datas de diligências que já se encontram designadas, principalmente quando se trata de processo de natureza urgente.
Assim, dúvidas não restam que não existiu qualquer violação do princípio do contraditório e das garantias de defesa do arguido por parte deste Tribunal na diligência de declarações para memória futura, uma vez que se os mandatários não tiveram acesso aos autos e a oportunidade de falar com o arguido acerca dos elementos de prova foi apenas porque não o quiseram, visto que desde ........2025 (data em que o arguido lhes assinou a procuração) até ao dia ........2025 (dia da diligência de declarações para memória futura) poderiam tê-lo feito visto que o processo nem sequer se encontra em segredo de justiça.
No que concerne à alegada nulidade da diligência, por violação dos artigos 61º nº1, 271º nº3 e nº6, 352º nº2, 332º nº7 todos do Código de Processo Penal e dos artigos 20º nº1 e nº2 e 32º nº1, 3 e 5 da CRP, ou, no limite (o que por mera cautela de patrocínio se admite), a irregularidade, nos termos do artigo 123º nº1 do CPP, por não ter o arguido sido conduzido à diligência.
Vejamos:
Nos termos do disposto no artigo 24.º, n.º 1 e 2, da Lei 130/2015, de 4 de Setembro:
“1 - O juiz, a requerimento da vítima especialmente vulnerável ou do Ministério Público, pode proceder à inquirição daquela no decurso do inquérito, a fim de que o depoimento possa, se necessário, ser tomado em conta no julgamento, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 271.º do Código de Processo Penal.
2 - O Ministério Público, o arguido, o defensor e os advogados constituídos no processo são notificados da hora e do local da prestação do depoimento para que possam estar presentes, sendo obrigatória a comparência do Ministério Público e do defensor.
(…)”
Por seu turno, o artigo 271.º, n.º 3, do Código de Processo Penal, estabelece que:
“(…)
3 — Ao Ministério Público, ao arguido, ao defensor e aos advogados do assistente e das partes civis são comunicados o dia, a hora e o local da prestação do depoimento para que possam estar presentes, sendo obrigatória a comparência do Ministério Público e do defensor.
(…)”
Ora, o direito do arguido à presença em todos os atos processuais que diretamente lhe digam respeito (artigo 61.º, n.º 1, al. a) do CPP) integra o núcleo dos direitos e garantias processuais de defesa penal. Porém, não é um direito absoluto.
A presença pessoal do arguido em diligências pode ser justificada por razões práticas de liberdade e de espontaneidade da produção de prova pessoal por outros intervenientes processuais e, nessa medida, tais excepções têm consagração constitucional.
O que a Constituição não permitiria seria a hipótese de o arguido não estar representado por advogado ou defensor nas diligências de prova que diretamente lhe dissessem respeito.
Nessa medida, a limitação ou impedimento de uma “presença cognoscente” do arguido em diligências de prova – em que, nalgum momento, o seu conteúdo lhe seja transmitido pelo advogado ou defensor –, seria, aí sim, violador dos princípios do contraditório.
Contudo, nada disso se passa nos presentes autos, em que existiu uma “presença cognoscente” do arguido na diligência de declarações para memória futura.
Por outro lado, nenhum dos elementos de prova (pessoal) produzidos nessa diligência se torna irreversível, uma vez que poderá sempre ser contraditado, a jusante, nomeadamente em sede de audiência de discussão e julgamento.
Esta é uma conclusão inteiramente compatível com o princípio do processo equitativo e do contraditório, elaborado no quadro da CEDH, bem como da CRP.
A pessoalidade do direito à presença do arguido em diligências de prova que lhe digam diretamente respeito não é, pois, um imperativo constitucional, muito menos absoluto.
Por isso, a ausência do arguido à tomada de prestação de declarações para memória futura, nos termos em que ocorreu nos autos, não consubstancia violação do princípio do contraditório (também na vertente de igualdade de armas), constitucionalmente consagrado no art. 32.º, n.º 5, da Constituição da República Portuguesa.
Ora, a não presença do arguido aquando da tomada de declarações à ofendida, vítima de 36 (trinta e seis) crimes de abuso sexual de menores dependentes ou em situação particularmente vulnerável agravado, p. e p. pelo art.172º, n.º1, a) e c) e art.177º n.º1, c), 36 (trinta e seis) crimes de coação agravado, p. e p. pelo art.154º n.º1 e 155º n.º1, b) e 1 (um) crime de perseguição agravado, p. e p. pelo art.154º -A, n.º1, e art.155º, n.º1, b), todos do Código Penal, encontra arrimo legal no disposto no art. 352.º, n.º 1, alínea a), do CPP - ex vi do art. 271.º, n.º 6 -, constituindo essa ausência do arguido uma excepção à regra geral consagrada no art. 61.º, n.º 1, al. a), do mesmo diploma legal.
Uma tal norma, excepcional, prevendo a possibilidade de afastamento do arguido da tomada de declarações, visa assegurar que as declarações a prestar por determinadas pessoas, nomeadamente as especialmente vulneráveis, decorram sem inibição, intimidação ou qualquer outra forma de perturbação ou de condicionamento, bem como de acautelar a integridade física e psíquica daquelas depoentes, encontrando fundamento constitucional no disposto no art. 32.º, n.º 6, da Constituição da República Portuguesa, onde se prevê que “A lei define os casos em que, assegurados os direitos de defesa, pode ser dispensada a presença do arguido ou acusado a atos processuais, incluindo a audiência de julgamento”.
Ora, o artigo 67.º-A, n.º 1 al. b) do Código de Processo Penal define vítima especialmente vulnerável, como sendo: «a vítima cuja especial fragilidade resulte, nomeadamente, da sua idade, do seu estado de saúde ou de deficiência, bem como do facto de o tipo, o grau e a duração da vitimização haver resultado em lesões com consequências graves no seu equilíbrio psicológico ou nas condições da sua integração social».
E o n.º 3 deste preceito consigna que
«3 - As vítimas de criminalidade violenta e de criminalidade especialmente violenta são sempre consideradas vítimas especialmente vulneráveis para efeitos do disposto na alínea b) do n.º 1».
Ou seja, basta ser vítima de um dos tipos de crime que se incluem naqueles conceitos definitórios – de criminalidade violenta (art. 1.º, al. j) do CPP) e de criminalidade especialmente violenta (art. 1.º, al. l) do CPP) – para revestir a condição de vítima especialmente vulnerável, sem que se torne necessário a produção de qualquer outro requisito ou outro tipo de demonstração.
Ora, é exactamente o que ocorre nos presentes autos, face à qualificação jurídica dos tipos de crimes imputados ao arguido – temos crimes contra a autodeterminação sexual, em que as penas são superiores a 8 anos (face à agravação do 177.º, do Código Penal).
Em face do exposto, o direito de o arguido estar presente teria de ceder, uma vez que estava em causa as declarações para memória futura de uma vítima especialmente vulnerável, e tínhamos que assegurar a liberdade de prestação de declarações em liberdade e sem condicionamentos, garantindo a espontaneidade e fidedignidade do seu conteúdo, sendo certo que as suas declarações poderão ser contraditadas ulteriormente.
Aliás, este tem sido o sentido da jurisprudência - vide Acórdãos de Relação do Porto de 10-05-2017 (Proc. 135/14.2GAVFR.P1) e de 02-02-2022 (Proc. 73/16.4T1PRT.P1).
Note-se que até já o Tribunal Constitucional se pronunciou sobre esta questão, no Acórdão Nº 686/2023, nos seguintes termos:
“7.1. O instituto das declarações para memória futura «reporta-se a um conjunto excecional de casos em que é admissível proceder à inquirição de testemunhas em fases anteriores à do julgamento, podendo tal depoimento, se necessário, ser tomado em conta em julgamento e contribuir para a formação da convicção do julgador» (Acórdão n.º 367/2014, reiterado no Acórdão n.º 399/2015).
Na versão originária do CPP, o legislador previa a sua realização apenas quando fosse previsível que a testemunha não estivesse presente na audiência de julgamento. Posteriormente, determinou-se a utilização deste instituto em situações de especial vulnerabilidade do depoente — como os ofendidos menores por crimes contra a liberdade e autodeterminação sexual (n.º 2 do artigo 271.º do CPP); os titulares do estatuto de vítima de violência doméstica (artigo 33.º da Lei n.º 112/2009, de 16 de setembro, na redação que lhe foi dada pela Lei n.º 129/2015, de 3 de setembro) e do estatuto de vítima especialmente vulnerável (artigo 24.º do Estatuto da Vítima, aprovado pela Lei n.º 130/2015, de 4 de setembro). Trata-se de um grupo de casos em que o legislador entendeu que a especial vulnerabilidade da testemunha justifica, por si só, a utilização deste expediente (cfr. Anabela Miranda Rodrigues, “A defesa do arguido: uma garantia constitucional em perigo no «admirável mundo novo»”, Revista Portuguesa de Ciência Criminal, vol. 12, 2002, p. 556).
A previsão de exceções às regras gerais do processo penal quanto à audição de vítima especialmente vulnerável é, desde há muito, uma preocupação do processo penal. Procura-se «dotar o processo dos mecanismos de promoção activa dos interesses da vítima; e, em segundo lugar, expurgá-lo de todos os resíduos susceptíveis de agravar gratuitamente a sua situação» (Costa Andrade, A vítima e o problema criminal, Suplemento ao Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, 1980, pp. 242-243). Neste contexto, «visa-se não só assegurar a genuinidade e a credibilidade das declarações prestadas, mas também, no quadro das recomendações do direito europeu sobre a matéria, mitigar o efeito de vitimização secundária que a repetição das inquirições inelutavelmente comporta (Acórdão n.º 367/2014, reiterado no Acórdão n.º 399/2015).
Assim, a prestação de declarações para memória futura de vítimas especialmente vulneráveis sem a presença do arguido visa, como se disse no Acórdão n.º 367/2014, dois propósitos.
Em primeiro lugar, tende à proteção da vítima colocada em situação de fragilidade, por atenção aos direitos pessoais constantes do artigo 26.º da Constituição — face à «reacção social formalizada em processo criminal: em que a vítima é interrogada, examinada, inquirida, de algum modo "censurada" (o efeito de blaming the victim é frequente no processamento de crimes sexuais) e estigmatizada, como que submetida a uma segunda vitimização» (Costa Andrade, “Bruscamente no verão passado, A reforma do Código de Processo Penal — Observações críticas sobre uma lei que podia e devia ter sido diferente”, Revista de Legislação e Jurisprudência, Ano 137, n.º 3948, 2008, p. 147). Trata-se de ter em conta o «efeito estigmatizador ou vitimizador de determinados momentos ou de certas práticas no decurso do processo» (Maria João Antunes, Direito Processual Penal, 5.ª edição, Almedina, 2023, p. 16), limitando o efeito de vitimização secundária trazido pelo processo penal e proporcionando à vítima «um tratamento processual que não ofenda a sua dignidade e não potencie o seu sofrimento» (Cláudia Cruz Santos, “A vítima no direito processual penal português”, Revista Portuguesa de Ciência Criminal, Ano 29, n.º 1, 2019, p. 185).
Em segundo lugar, pretende-se a genuinidade das declarações prestadas, com vista ao interesse público de descoberta da verdade e de prevenção e repressão de crimes graves (Rui do Carmo, “Declarações para memória futura — crianças vítimas de crimes contra a liberdade e a autodeterminação sexual”, Revista do Ministério Público, n.º 134, 2013, p. 122). O testemunho antecipado procura que a audição da vítima tenha lugar com a maior brevidade possível após a perceção originária dos factos, aí obtendo um testemunho presumivelmente mais verdadeiro e espontâneo e evitar a sua repetição ao longo do processo penal, por atenção a «ulteriores dificuldades na reconstituição dos factos históricos, sobremaneira agudizadas com a passagem do tempo, dadas as particu-lares características psicológicas das testemunhas vulneráveis (a sua maior sugestionabilidade) (Sandra Sousa e Silva, A protecção de testemunhas no processo penal, Coimbra Editora, 2007, p. 165). É com este propósito que, com vista à criação de um ambiente propício que, prevenindo temores e condicionamentos, se permite a realização da diligência sem a presença do arguido (prevenindo o confronto), contribuindo para a descoberta da verdade e mitigando o sofrimento e angústia da vítima. Que é expressamente indicado, no n.º 3 do artigo 24.º do Estatuto da Vítima (bem como nos casos do n.º 4 do artigo 271.º do CPP), com a prescrição de que o testemunho seja prestado em «ambiente informal e reservado, com vista a garantir, nomeadamente, a espontaneidade e a sinceridade das respostas».
Trata-se, de resto, de propósitos constantes de normas de direito da União Europeia — anteriormente, no n.º 4 do artigo 8.º da Decisão-Quadro n.º 2001/220/JAI, relativa ao estatuto da vítima em processo penal; agora, nas medidas enumeradas no artigo 23.º da Diretiva 2012/29/UE, que estabelece normas mínimas relativas aos direitos, ao apoio e à proteção das vítimas da criminalidade, e que a norma fiscalizada visa transpor.
7.2. Simplesmente, este instituto implica restrições aos princípios da imediação e do contraditório.
O princípio da imediação visa a criação de uma «relação de proximidade comunicante entre o tribunal e os participantes no processo, de modo tal que aquele possa obter uma percepção própria do material que haverá de ter como base da sua decisão» (Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, Coimbra Editora, 1974, p. 232). Trata-se de regra instrumental às garantias de defesa, como se concluiu no Acórdão n.º 99/2023: «a estatuição legal de que as provas valoradas são produzidas ou examinadas na audiência de julgamento tende à criação das condições para o arguido as contraditar, debater ou questionar a sua admissibilidade. A regra da imediação é, assim, um instrumento de realização das garantias de defesa, como a Comissão Constitucional sublinhou no Parecer n.º 18/81: «Logo se dirá, porém, e com razão, não serem os princípios da oralidade e da imediação, em si mesmas consideradas, princípios jurídico-constitucionais do processo penal. Mas se o não são em si mesmos podem sê-lo — e são-no efetivamente — nos seus reflexos sobre outros princípios constitucionalmente impostos».
Ora, nos termos da norma fiscalizada, as declarações serão, muitas vezes, prestadas perante juiz distinto daquele que preside ao julgamento e que, desse modo, não toma contacto direto com as provas que pode valorar — o que constituirá a verdadeira marca da prova testemunhal. Sobretudo tendo em consideração que a ideia da tomada destas declarações antecipadamente é obstar «através da leitura dos autos ou de outro suporte documental, o repetir doloroso do testemunho em sede de julgamento» (Sandra Sousa e Silva, A protecção…, cit., p. 111). A implicar que o juiz sustente a sua convicção em prova cristalizada numa fase prévia ao julgamento, sem ter contacto direto com a fonte dos conhecimentos.
Por outro lado, caso a diligência ocorra sem a presença do arguido, ocorre uma restrição ao direito do arguido ao contraditório, que se reconduz ao direito de defesa do arguido (Figueiredo Dias e Nuno Brandão, Direito Processual Penal — Os sujeitos processuais, Gestlegal, 2022, p. 289). Este envolve o direito a contraditar as provas, descredibilizando-as: «o contraditório processual penal não significa, relativamente ao arguido, qualquer ónus de contestar; traduz, diferentemente, um direito de defesa, possibilitando-lhe contradizer, debater e pronunciar- se sobre quaisquer alegações, acusações, iniciativas ou atos processuais que possam contribuir para a sua incriminação (ANTÓNIO CASTANHEIRA NEVES, Sumários de Processo Criminal, Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, 1968, p. 46). É por isso que ele decorre não só do direito a um processo equitativo (n.º 4 do artigo 20.º da Constituição), mas também da estrutura acusatória do processo penal (n.º 5 do artigo 32.º da Constituição): ao impor que todos os sujeitos processuais possam influenciar o desenvolvimento do processo, o princípio do acusatório dita a viabilidade de o arguido se poder pronunciar (e rebater) sobre todos os elementos de prova trazidos aos autos» (Acórdão n.º 99/2023). Deste modo, por imperativo do n.º 5 do artigo 32.º da Constituição, o processo penal na fase de julgamento é orientado pela garantia da concessão ao arguido da efetiva possibilidade de se defender das imputações e fundamentos probatórios contra ele avançados, onde se inclui a capacidade de os controlar, contraditar e atacar a sua força persuasiva.
Ora, a plenitude da garantia de contraditório inclui a viabilidade do seu exercício no momento aquisitivo (quando a prova testemunhal é produzida): no seu âmbito está, pois, o direito à cross examination (contra- interrogatório ou interrogatório cruzado), consagrado no n.º 4 do artigo 348.º do CPP. Isto é, o direito a que a defesa possa solicitar ao juiz a formulação de perguntas que influam no próprio conteúdo do testemunho (Sandra Sousa e Silva, A protecção…, cit., p. 257), numa conduta dialética entre os sujeitos processuais cujos resultados devem ser considerados pelo juiz: «A técnica do contra-interrogatório exalta o poder dispositivo reconhe-cido às partes num processo de tipo adversarial» (Anabela Miranda Rodrigues, “A defesa do arguido…”, cit., p. 558), contribuindo igualmente para a descoberta da verdade.
Por assim ser, constituindo o contraditório um direito fundamental do arguido submetido ao regime específico dos direitos, liberdades e garantias, apenas é admissível a sua restrição nas condições estabelecidas no artigo 18.º da Constituição. O mecanismo de proteção de testemunhas ora fiscalizado tem consequências na plenitude dos direitos de defesa do arguido, importando saber se a solução desta tensão valorativa «continua a fazer-se por modo satisfatório, iluminada pelo critério orientador da concordância prática» (Anabela Miranda Rodrigues, “A defesa do arguido…”, cit., p. 553).
Nessa medida, atendendo à autorização constitucional expressa de a lei prescrever a realização de atos processuais sem a presença do arguido (n.º 6 do artigo 32.º), o problema que se põe a este Tribunal é a de saber se a restrição daquele direito fundamental obedece às exigências do princípio da proporcionalidade e se a sua ocorrência sem a presença do arguido lhe assegura o direito de defesa (n.º 6 do artigo 32.º da Constituição). Com efeito, adoção de medidas protetoras da vítima tem como limite o direito do arguido a uma defesa efetiva, que «não pode prescindir do respeito pelos princípios do contraditório e da imediação» (Cláudia Cruz Santos, O direito processual penal português em mudança, Almedina, 2020, p. 168): a Constituição garante ao arguido a possibilidade de tentar contraditar a versão dos acontecimentos relatada pela vítima. É este o limite inultrapassável da admissibilidade de produção de prova fora da audiência de julgamento, como é o caso das declarações para memória futura.
Como supra se disse, dúvidas não restam de que esta restrição se dirige à tutela de direitos e interesses constitucionalmente protegidos. A sua prescrição visa eliminar, para a vítima especialmente vulnerável, o “mal do processo”, com o intuito de não a dissuadir da sua participação e de descobrir a verdade material (Maria João Antunes, Direito Processual…, cit., p. 84) — tutelando simultaneamente os direitos pessoais da vítima (artigo 26.º da Constituição) e o interesse público da ação penal e da proteção dos bens jurídicos.
Devendo notar-se que o recorrente não questionou qualquer norma relativa à qualificação de certa vítima como vítima especialmente vulnerável — mormente a decorrente do n.º 3 do artigo 67.º-A do CPP —, que não foi incluída pelo recorrente no objeto do recurso. O recorrente não questiona, pois, o pressuposto da integração de certa testemunha no regime jurídico sindicado; mas as suas consequências, imputando um vício de inconstitucionalidade à viabilidade de dispensa da presença pessoal do arguido na tomada de declarações para memória futura.
Ora, não parece poder concluir-se pelo carácter excessivo ou desproporcionado da restrição ora analisada. De facto, e como o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos vem concluindo, o direito a um julgamento justo não é incompatível com a adoção de medidas de proteção de vítimas vulneráveis (Acórdão do TEDH S.N. contra Suécia, de 2 de julho de 2002, proc. 34209/96, parágrafos 47, 48 e 49).
Vejamos.
Em primeiro lugar, porque o legislador não precludiu, de modo absoluto, a viabilidade de o arguido contraditar de viva voz o testemunho da pessoa que prestou declarações para memória futura. É certo que a tomada de declarações para memória futura tem por objetivo evitar, justamente, que a vítima vulnerável seja confrontada várias vezes com a necessidade de repetir o seu testemunho, dando-se credibilidade àquele que é mais próximo da data dos factos. Ocorre, pois, uma limitação ao direito de o arguido confrontar as provas que contra ele são apresentadas, já que o contrainterrogatório constitui expressão natural do contraditório constitucionalmente garantido (Anabela Miranda Rodrigues, “A defesa do arguido…”, cit., p. 558).
Todavia, o legislador estabelece a possibilidade de, na fase de julgamento, a testemunha repetir o seu testemunho, desde que tal seja possível e não ponha em causa a saúde física ou psíquica de pessoa que o deva prestar (n.º 8 do artigo 271.º do Código Penal). Desse modo, se porventura tiver cessado a situação de especial vulnerabilidade da vítima, o legislador admite que o arguido possa contraditar o (novo) depoimento contra si apresentado (cfr. António Miguel Veiga, “Notas sobre o âmbito e a natureza dos depoimentos [ou declarações] para memória futura de menores vítimas de crimes sexuais [ou da razão de ser de uma aparente "insensibilidade judicial" em sede de audiência de julgamento]”, Revista Portuguesa de Ciência Criminal, Ano 19, n.º 1, 2009, p. 120; António Gama, “Reforma do Processo Penal: prova testemunhal, declarações para memória futura e reconhecimento”, Revista Portuguesa de Ciência Criminal, Ano 19, n.º 3, 2009, p. 408).
Em segundo lugar, deve sublinhar-se que a possibilidade de tomada de declarações para memória futura não é possível sem a presença do defensor do arguido (n.º 2 do artigo 24.º do Estatuto da Vítima), assegurando que este possa controlar não só a legalidade e regularidade da diligência como a interrogar a testemunha através do juiz. Isto é, trata-se de uma produção antecipada de prova que ocorre sempre diante de um juiz e em que é concedido contraditório ao defensor (Maria João Antunes, “Direito ao silêncio e leitura em audiência de declarações do arguido”, Sub Judice, n.º 4, 1992, p. 25), que assegurará o contrainterrogatório imediato da testemunha-vítima (Anabela Miranda Rodrigues, “A defesa do arguido…”, cit., p. 554, nota n.º 8).
É certo que a sua tarefa será menos eficaz sem a presença do arguido; mas deve recordar-se que o defensor, no direito constituído, assume o «papel de órgão de administração da justiça que atua no exclusivo interesse da defesa», razão pela qual se justifica que atue mesmo sem ou contra a vontade do arguido (Maria João Antunes, Direito processual…, cit., p. 63). Trata-se de um sujeito processual que dá consistência ao direito de defesa do arguido, conhecendo os direitos, garantias e prerrogativas processuais de que é titular, o seu conteúdo e a sua extensão, bem como a forma processualmente adequada de os exercer: «O defensor está assim longe de se limitar a ser uma espécie de mero fiscal da legalidade da atuação e das decisões das autoridades judiciárias e dos órgãos de polícia criminal no processo» (Figueiredo Dias e Nuno Brandão, Direito Processual…, cit., p. 266).
Em terceiro lugar, e decisivamente, porque a norma fiscalizada não tem por efeito a eliminação da viabilidade de contraditar o depoimento tomado previamente. O legislador determina a gravação da diligência (preferencialmente por registo áudio ou audiovisual) de modo a assegurar a reprodução integral dessas declarações (n.º 4 do artigo 24.º do Estatuto da Vítima). Trata-se, pois, da restrição a uma das dimensões do contraditório (a faculdade de, direta e imediatamente, questionar as declarações proferidas) — mas que deixa intocadas outras das suas dimensões: mantém-se a possibilidade de «apresentar as suas razões e provas, ser ouvido, contestar as provas contra si apresentadas e o teor da acusação, antes de ser proferida a decisão final» (Rui do Carmo, cit., p. 127); como notou o Supremo Tribunal de Justiça no Acórdão de 7 de novembro de 2007, «se o arguido tiver oportunidade, adequada e suficiente, de contraditar tais declarações posteriormente, a sua utilização não afeta, apenas por si mesma, o con-traditório, cujo respeito não exige, em termos absolutos, o interrogatório direto em cross- examination».
Dito de outro modo: mantém-se toda a possibilidade de, na audiência de discussão e julgamento, o depoimento recolhido para memória futura ser contraditado, infirmado, descredibilizado, reforçado ou confirmado (cfr. Damião da Cunha, “O regime processual de leitura de declarações na audiência de julgamento”, Revista Portuguesa de Ciência Criminal, Ano 7, n.º 3, 1997, p. 409), pois nada impede o arguido de, na audiência de julgamento, requerer a apreciação individualizada do testemunho e atacar a sua eficácia persuasiva.
Assim, sendo certo que ocorre uma restrição à amplitude do direito ao contraditório, não pode concluir-se que o direito de defesa seja desproporcionalmente restringido: trata-se de medida adequada ao propósito de tutela dos direitos da vítima e ao interesse público de exercício da tutela penal, formulada na medida necessária para atingir aqueles objetivos, sem que, procedendo a uma ponderação, se possa ter como uma limitação desequilibrada em face dos direitos e interesses constitucionalmente protegidos que a medida visa tutelar.
Razão pela qual se conclui não ser inconstitucional a norma extraída dos n.ºs 1 e 2 do artigo 24.º do Estatuto da Vítima (aprovado pela Lei n.º 130/2015, de 4 de setembro) e do n.º 3 do artigo 271.º do Código de Processo Penal, segundo a qual pode ser dispensada a presença do arguido na tomada de declarações para memória futura.”
Em face de todo o exposto, parece claro, que não existe qualquer nulidade ou irregularidade, relativamente à violação do disposto nos artigos 24.º, n.º 2 da Lei n.º 130/15, 33.º, n.º 5 da Lei n.º 112/09 e 271.º, n.º 6 do CPP em conjugação com o disposto no art. 61.º, n.º 1, al. a), 332.º, n.º 2 e n.º 7, aplicável ex vi do art. 352.º, n.º 2 do CPP no sentido de que o arguido pode ser afastado da diligência ou ser a diligência de prestação de declarações para memória futura realizada na sua ausência, designadamente por não violar o disposto no art. 32.º, n.º 1, 5 e 6 da Constituição ou qualquer outro princípio, norma ou parâmetro da lei constitucional.
Em face a tudo quanto ficou exposto, não se vislumbrando qualquer nulidade ou irregularidade, indefere-se a arguição de todas as nulidades e/ou irregularidades suscitadas pelo arguido BB no requerimento apresentado.»
Notifique.
E foi proferido, ainda, o seguinte despacho:
«Requerimento de “DIREITO DE PROTESTO” nos termos do nº2 do artigo 80º do EOA, apresentado pela Ilustre Mandatária do arguido:
Devidamente compulsados os autos constata-se que o requerimento (ref. citius nº42216766) se prende com a consulta e digitalização dos autos e se encontra dirigido ao Exmo.(a) Sr.(a) Procurador(a) da República, pelo que não competia a este TCIC qualquer decisão quanto ao seu teor.
Em face do exposto, nada me cumpria determinar quanto a tal.
Notifique.
Ademais, conforme se pode atestar da gravação das declarações para memória futura da menor, em momento algum até ao terminus da diligência foi vedado o acesso à acta à Ilustre Mandatária (vide áudio da diligência), pelo que inexiste qualquer nulidade.
Quanto ao demais alegado no requerimento que a Ilustre Mandatária denominou de “direito de protesto” já este Tribunal se pronunciou no despacho proferido a 24.03.2025, pelo que se encontra esgotado o poder jurisdicional quanto a tais questões, nada mais havendo a decidir quanto a tal.
Notifique.
*
Não se conformando com o teor dos despachos proferidos, veio o arguido recorrer, formulando as seguintes conclusões:
1. Os mandatários do arguido assumiram o seu patrocínio no dia ...-...-25, tendo nesse dia requerido a consulta dos autos.
2. Também nesse dia requereram o adiamento da diligência de declarações para memória futura uma vez que ainda não tinham tido acesso aos autos e os mandatários da confiança do arguido encontravam-se ocupados noutras diligências.
3. Tal adiamento foi indeferido, pelo que a mandatária compareceu na diligência, no entanto, foi-lhe completamente vedada a possibilidade de exercer o contraditório.
4. Com efeito, foi-lhe vedada a possibilidade de consultar os autos previamente à tomada de declarações para memória futura, bem como, lhe foi vedada a possibilidade de ditar requerimentos para a ata por diversas vezes.
5. Assim, no dia …-25, veio a mandatária realizar um requerimento de protesto e um requerimento a arguir as nulidades e irregularidades da diligência.
6. Com efeito, por requerimento datado de …-25, referência nº 42267635, foi arguida a nulidade (nos termos dos artigos 119.º, alínea c) e 120º nº1 e nº2 al. d) do CPP) e a irregularidade da diligência (nos termos do artigo 123º nº1 do CPP e dos artigos 20º nº1 e nº2 e 32º nº1, 3 da CRP), por ter sido vedada à mandatária do arguido a possibilidade de exercer o contraditório.
7. A este respeito veio o douto despacho recorrido negar que tal tenha ocorrido.
8. No entanto, a referida recusa não só consta gravada (00:01:43s a 00:02:19s) como resulta do despacho proferido na mesma e que consta no auto da diligência.
9. Pode ouvir-se na gravação a mandatária a requerer a ata, e consequentemente, a Mma. Juiz a referir que a mandatária não estava em condições de ditar requerimentos.
10. Por outro lado, também consta gravado nos minutos já indicados que foi dito pelo tribunal não haver lugar ao contraditório nem necessidade de consultar os autos.
11. O despacho proferido pela Mma. Juiz de Instrução que consta da ata é revelador do que aqui se diz, pois, dizem-nos as regras da experiência comum que um despacho deste teor só é proferido em consequência de um pedido dos sujeitos processuais.
12. Não é comum que um juiz profira um despacho deste teor se a mandatária não tivesse requerido a ata (encontra-se gravado, mas é negado pelo despacho).
13. Por outro lado, o teor do despacho proferido da diligência é absolutamente claro quanto à impossibilidade de ditar requerimentos.
14. Por outro lado, ao contrário do que refere o despacho, não é verdade:
a. que a mandatária tenha referido que “(…) pretendia requerer para a ata a consulta dos autos”, pois a mesma nunca indicou o teor do despacho.
b. que a intervenção da mandatária tenha causado constrangimento à menor, parecendo-nos antes que foi a reação do Tribunal à intervenção, cf. gravação 00:01:44s.
1. A intervenção da mandatária teve lugar no início da diligência, pois não seria honesto arguir tais nulidades/irregularidade no final da diligência, considerando que algumas delas até poderiam ter sido sanadas.
2. Cabia ao tribunal definir o momento mais oportuno para o efeito, no entanto, não poderia impedir a mandatária de exercer o contraditório.
3. O impedimento do exercício do contraditório é especialmente grave na diligência em causa, por se tratar de um PRÉ-JULGAMENTO, sendo as declarações para memória futura (comumente) a prova crucial a valorar em audiência de discussão e julgamento neste tipo de criminalidade, conforme aduz MAIA COSTA. O impedimento imposto à mandatária do arguido configura uma violação grave e irreparável do princípio do contraditório, comprometendo a validade do ato e de todos os seus efeitos subsequentes.
4. Durante a referida diligência, a advogada do arguido foi impedida de formular requerimentos e de exercer plenamente o contraditório, em clara violação do princípio estruturante do processo penal consagrado no artigo 32.º, n.º 5, 20º nº1 e 32º nº1 da Constituição da República Portuguesa, bem como do artigo 271.º, n.º 3, do Código de Processo Penal.
5. A violação do princípio do contraditório em atos processuais desta natureza constitui uma nulidade insanável, nos termos do artigo 119.º, alínea c) do Código de Processo Penal, ou caso assim não se entenda, nos termos do artigo 120º nº1 e nº2 al. d) do CPP por afetar diretamente os direitos de defesa do arguido. Caso assim não se entenda, o que por mera cautela de patrocínio se admite, sempre estaríamos perante uma irregularidade, nos termos do artigo 123º nº1 do CPP e dos artigos 20º nº1 e nº2 e 32º nº1, 3 da CRP, por ter sido vedada à mandatária do arguido a possibilidade de exercer o contraditório.
6. É inconstitucional a interpretação extraída na norma do artigo 271º nº1 e nº5, 6 do CPP, segundo a qual não é admissível à mandatária do arguido realizar requerimentos orais na diligência de declarações para memória futura por se tratar de uma diligência de uma menor, por violação dos artigos 20º nº1 e nº2 e 32º nº1, 3 da CRP.
7. A diligência teve início sem que a mandatária do arguido tivesse acesso aos autos, não obstante ter requerido a consulta dias antes e ter reiterado o teor desse requerimento no início da mesma.
8. O Tribunal considerou “não haver necessidade de consultar os autos” por se tratar “única e exclusivamente de uma diligencia de declarações para memória futura”.
9. A mandatária não poderia ter acedido aos autos antes da diligência, na secretaria, conforme refere a decisão recorrido, pois não tinha um despacho de consulta.
10. Com efeito, tentou por diversas vezes consultar os autos (quer antes quer depois da diligência) tendo-lhe sido sempre dito que precisava do referido despacho.
11. Está em causa um processo que (1) se encontra em inquérito (2) tem como objeto a investigação de crimes sexuais de uma menor (3) contém fotografias dos genitais da menor, pelo que nos parece evidente a necessidade do referido despacho. O argumento de que o processo se encontrava disponível na secção para consulta, sem um despacho para efeito, atenta contra todas as regras da experiência comum e contra a própria lei (art. 89º do CPP).
12. Quando o auto refere que se “entregou” o processo à mandatária para consulta, o que aconteceu foi que o mesmo foi colocado na mesa ao lado da sua secretaria.
13. Nesta circunstância, (1) não se informou a mandatária que poderia consultar os autos, (2) a diligência já se encontrava a decorrer (tendo sido decidido pela Mma. Juiz não haver necessidade de consultar os autos no início da mesma), (3) esta pausa DUROU CERCA DE 5 MINUTOS.
14. Em momento algum foi perguntado à mandatária se tinha consultado o processo ou se o tempo dado para o efeito tinha sido suficiente.
15. Após a realização de toda a instância da Mma. Juiz de Instrução, decidiu o Tribunal (sem que nada tivesse sido requerido pela mandatária) interromper para que a mandatária consultasse os autos, o que é revelador de que a mesma não teve oportunidade de o fazer anteriormente.
16. No entanto, a mandatária ainda assim não consultou os autos pois a instância já estava terminada e a menor já havia sido questionada acerca de toda a factualidade, requerendo ao invés, a palavra, o que não lhe foi concedido.
17. Sem ter acesso aos autos a mandatária não conseguiu apurar a pertinência das questões realizadas pela Mma. Juiz, desconhecendo se as mesmas se enquadravam (ou não) no objeto do processo, se eram (ou não) sugestivas, de que forma as poderia contraditar, entre outros.
18. A advogada do arguido, aqui subscritora, foi uma mera espetadora, uma vez que não se encontrava em condições de sindicar (caso assim entendesse) as questões realizadas ou reagir de alguma forma (até porque, também não lhe era permitido fazer requerimentos).
19. Face a todo o exposto, dando-se início às declarações para memória futura, sem que os mandatários tenham tido acesso aos autos, é a diligência irregular nos termos do artigo 123º do CPP por violação do princípio do contraditório e das garantias de defesa do arguido (artigos 89º nº1 do CPP e 20º nº1 e nº2 e 32º nº1,3 e 5 da CRP).
Por outro lado,
20. Foi indeferida a alteração da data da diligência de declarações por memória futura por se tratar de um processo urgente.
21. No entanto, não havia nenhum impedimento ao adiamento da diligência, até porque os mandatários sugeriram várias datas bastante próximas (para dali a 4 dias!), não estando em causa o término de qualquer prazo (por exemplo, do inquérito ou da prisão preventiva).
22. Desvalorizou-se o facto de o arguido ser assistido por mandatária que à data da diligência não era da sua confiança (com quem nunca tinha falado) e que não estava, naturalmente, em condições (pelo menos em comparação com os advogados da sua confiança) para o representar.
23. Assim, deve ser declarada a irregularidade do despacho datado de 14-03-2025 que indeferiu o adiamento da diligência, nos termos do artigo 123º do CPP por violação do princípio do contraditório e das garantias de defesa do arguido (artigos 89º nº1 do CPP e 20º nº1 e nº2 e 32º nº1,3 e 5 da CRP).
24. O arguido não foi conduzido à diligência de declarações para memória futura.
25. O Código de Processo Penal e a Lei 130/15 de 4 de setembro (estatuto da vítima), não contêm qualquer norma que permita a realização da diligência de declarações para memória futura na ausência do arguido.
26. O CPP apenas permite o afastamento do arguido da diligência de declarações para memória futura por aplicação do disposto nos artigos 61º nº1, 271º nº3 e 332º nº7 ex vi 352 nº2 ex vi nº6 do artigo 271º do CPP.
27. Por sua vez, o artº 271º nº6 do CPP permite, através da remissão para o artº 352º do CPP, o afastamento da diligência, mas já não que a diligência tenha lugar na sua ausência, pois que se assim acontecer o Tribunal não pode cumprir o disposto no artº 352º nº2 e 332º nº7 do Código de Processo Penal.
28. Assim, deveria o arguido ter sido conduzido à presente diligência (uma vez que se encontra preso preventivamente), permanecendo em espaço físico distinto do da vítima com vista a evitar o seu constrangimento, sob pena da violação do princípio do contraditório e das garantias de defesa do arguido.
29. É que por muito que a presença do defensor mitigue a falta do arguido, não a substitui, pois só este último sabe o que se passou em concreto.
30. O arguido não teve conhecimento das declarações da Assistente em “tempo útil”, ou seja, em tempo de as contraditar.
31. Só se o arguido tivesse presente na diligência (em espaço físico distinto do da vítima, caso o Tribunal assim entendesse necessário) lhe seria possível exercer o contraditório às declarações da Assistente através da mandatária.
32. O momento de contraditar e formular perguntas adicionais à menor é nas declarações para memória futura, pois tal diligência visa evitar que a mesma volte a ser ouvida em julgamento.
33. Em sede de audiência de discussão e julgamento, o arguido poderá exercer o contraditório, no entanto, fá-lo-á de forma absolutamente limitada, uma vez que não pode (pessoalmente, através de mandatário) contraditar a menor.
34. Não tendo o arguido sido conduzido à diligência de declarações para memória futura, é a mesma nula nos termos do artigo 119º al. c) ou 120º nº1 do CPP por violação dos artigos 61º nº1, 271º nº3 e nº6, 352º nº2, 332º nº7 todos do Código de Processo Penal e dos artigos 20º nº1 e nº2 e 32º nº1, 3 e 5 da CRP, ou, no limite (o que por mera cautela de patrocínio se admite), irregular, nos termos do artigo 123º nº1 do CPP.
II. DO DESPACHO DATADO DE 04-04-25
35. Uma vez que a mandatária foi impossibilitada de ditar requerimentos para a ata, veio no dia …-25, apresentar um requerimento de protesto ao abrigo do artigo 80º do Estatuto da Ordem dos Advogados.
36. Este requerimento não foi apreciado pela Mma. Juiz de Instrução, até à insistência da mandatária (requerimento datado de 31-03-25).
37. O despacho que apreciou este requerimento, limitou-se a negar o sucedido.
38. Conforme já mencionado, a recusa expressa da consta da gravação da diligência (00:01:43s a 00:02:19s) e do próprio despacho proferido nessa diligência.
39. A mandatária realizou o seu requerimento de protesto, contando o que havia acontecido na diligência em causa, designadamente, as várias vezes em que pediu a palavra, ainda não tinha tido acesso à gravação da diligência ou sequer à ata.
40. Com efeito, o requerimento deu entrada no dia …-25 e só se teve acesso aos elementos no dia seguinte.
41. Por isso, desconhecia que partes da diligência é que se encontravam ou não gravadas.
42. Parece-nos evidente que a mandatária, ora subscritora, não iria assumir o RISCO de MENTIR, dizendo que fez uma coisa que não fez e que se deveria encontrar gravada.
43. A mandatária requereu a palavra mais do que uma vez.
44. Para além da situação em que é audível na gravação, fê-lo após o término das declarações da menor (após as 12:31:26) e algures entre as 12:20:22 e 12:30:58 que também não se encontram gravado, conforme é possível constatar pelo horário das gravações.
45. Aliás, a gravação termina quando a Mma. Juiz ainda se encontrava a falar com a menor, conforme pode ser verificado pela gravação.
46. Assim, não só não se encontra gravada a intervenção da mandatária que ocorreu logo após como também não se encontra gravado o despacho proferido pela Mma. Juiz no sentido de não serem admitidos requerimentos, não se compreendendo o sucedido.
47. A fundamentação do douto despacho é unicamente negar que aquilo que resulta do próprio auto, aconteceu, fazendo-se referência ao áudio da diligência, sendo que do mesmo resulta precisamente o contrário.
48. Assim, é forçoso concluir que foi vedada à mandatária a possibilidade de ditar requerimentos para a ata, devendo este Tribunal superior decidir no sentido da procedência da nulidade/irregularidade arguida, e consequentemente, da exaração em ata do requerido, nos termos do artigo 80º do EOA»
*
Notificado para tanto, respondeu o Ministério Público concluindo nos seguintes termos:
1. O artigo 118.º, n.º 1 do Código de Processo Penal, a violação ou inobservância das disposições legais adjectivas apenas determinam a nulidade do acto quando esta for expressamente cominada na lei, sendo que, nos restantes casos em que a lei não comina com a nulidade, o acto é irregular.
2. Segundo tal princípio, apenas são insanáveis as nulidades previstas no artigo 119.º do Código de Processo Penal ou as que lei expressamente cominar (cfr. artigo 119.º e 120.º do Código de Processo Penal).
3. A recusa da possibilidade de formular requerimentos durante a diligência não integra qualquer nulidade, uma vez que não se encontra prevista em qualquer disposição legal.
4. Os Ilustres Mandatários do arguido tiveram a possibilidade de, em momento prévio ao início da tomada de declarações para memória futura, consultar os autos, sendo certo que a procuração a seu favor foi subscrita pelo arguido em ........2025, pelo que, desde esse momento, e não estando os autos cobertos pelo segredo de justiça, poderiam os Ilustres Mandatários ter consultado os autos, bem como diligenciar junto do arguido para esclarecer a sua versão dos factos.
5. O indeferimento do adiamento da referida diligência não integra, outrossim, qualquer violação do princípio do contraditório, cabendo nos poderes de direcção da Mma, Juiz na designação de datas e articulação da agenda do Tribunal, não padecendo, desse modo, de qualquer nulidade ou irregularidade, porquanto se trata de um processo urgente que não se compadece com mais delongas.
6. Nenhum dos motivos invocados pela Ilustre Mandatária justificava o adiamento da diligência.
7. Em face de todo o exposto, outra conclusão não se vislumbra senão a de julgar improcedente, nesta parte, a alegada nulidade por violação do exercício do contraditório.
8. A presença do arguido em todos os actos processuais que directamente lhe digam respeito (art. 61.º, n.º 1, ai. a) do CPP} é um direito que integra o quadro dos direitos e garantias processuais em matéria penal, porém, não é um direito absoluto.
9. A ausência do arguido em diligências justifica-se para garantir a espontaneidade e isenção do depoimento de outros intervenientes processuais e, nessa medida, tal afastamento tem consagração constitucional, desde que, o mesmo se encontre representado por advogado ou defensor nessas diligências probatórias.
10. Apenas nesse caso - ou seja, caso não estivesse representado por advogado ou defensor na diligência - é que tal seria inconstitucional, por violador dos princípios do contraditório e da proibição da indefesa.
11. Nada disso ocorreu nos autos, na medida em que existiu uma "presença cognoscente" do arguido na diligência de recolha de declarações para memória futura.
12. Por outro lado, nenhum dos elementos probatórios reproduzidos na diligência de declarações para memória futura, realizada no dia ........2025, se torna irreversível, poderão ser contestados pelo arguido, quer em sede de interrogatório complementar, caso assim o pretenda, quer em sede de audiência de julgamento.
13. Tal posição é compatível com o princípio do processo equitativo e do contraditório, elaborado no quadro da CEDH, do PICDP, da CDFUE, bem como da lei fundamental.
14. Por isso, a ausência do arguido à tomada de prestação de declarações para memória futura, nos termos em que ocorreu nos autos, não consubstancia violação do princípio do contraditório, constitucionalmente consagrado no art. 32.º, n.º 5, da Constituição da República Portuguesa, não integrando, assim, qualquer nulidade ou irregularidade, nem violando qualquer outro princípio, norma ou parâmetro da lei constitucional.
15. Todos os actos da diligência encontram-se gravados na sua totalidade, podendo ser objecto de consulta no próprio sistema citius na ferramenta "media studio", bem como no CD constante de fls. 158.
16. Por outro lado, de harmonia com o disposto no artigo 123.º, n.º 1 do Código de Processo Penal "Qualquer irregularidade do processodetermina a invalidade do acto a que se refere e dos termos subsequentes que possa afectar quando tiver sido arguida pelos interessados no próprio acto ( ... )".
17. lnexistiu qualquer irregularidade na diligência de declarações para memória futura.
8. Ainda que existisse a aludida irregularidade, o que não existe, reitera-se, a mesma deveria ter sido arguida pela Ilustre Mandatária do arguido no próprio acto, ou seja, na diligência de tomada de declarações para memória futura, a qual ocorreu no dia ........2025, o que não foi, mostrando-se, por esse motivo, sanada qualquer irregularidade.
*
Neste Tribunal da Relação de Lisboa foram os autos ao Ministério Público tendo ido emitido parecer no sentido da improcedência do recurso, atentas as considerações expendidas no âmbito da resposta apresentada pelo Exmo. Magistrado do Ministério Público junto da 1ª Instância, acompanhamos tal resposta nos termos em que se mostra formulada, e para a qual por uma questão de economia processual aqui se remete.
Cumprido o disposto no art.º 417.º/2 do Código de Processo Penal, foi apresentada resposta ao parecer tendo a Ilustre Mandatária pugnado pela procedência do recurso
Proferido despacho liminar e colhidos os vistos, teve lugar a conferência.
Cumpre decidir.
OBJECTO DO RECURSO
Nos termos do art.º 412.º do Código de Processo Penal, e de acordo com a jurisprudência há muito assente, o âmbito do recurso define-se pelas conclusões que o recorrente extrai da motivação por si apresentada. Não obstante, «É oficioso, pelo tribunal de recurso, o conhecimento dos vícios indicados no artigo 410.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito» [Acórdão de Uniformização de Jurisprudência 7/95, Supremo Tribunal de Justiça, in D.R., I-A, de 28.12.1995]
Desta forma, tendo presentes tais conclusões, são as seguintes as questões a decidir: das nulidades ou irregularidades apontadas:
1º Indeferimento do adiamento da diligência de declarações para memória futura.
2º se foi vedada a consulta dos autos aos ilustres mandatários.
3º Do indeferimento dos requerimentos para a ata.
4º da violação do princípio do contraditório.
5º Da não condução do arguido à diligência para tomada de declarações para memória futura.
6º Se é inconstitucional a interpretação extraída na norma do artigo 271º nº1 e nº5, 6 do CPP, segundo a qual não é admissível à mandatária do arguido realizar requerimentos para a ata na diligência de declarações para memória futura por se tratar de uma diligência de uma menor, por violação dos artigos 20º nº1 e nº2 e 32º nº1, 3 da CRP.
7º Do direito de protesto
2. Fundamentação:
Decorrências processuais:
a. Por despacho proferido pelo Titular do Inquérito, Referência: 23243079 foi determinado o seguinte:
Dos presentes autos resulta fortemente indiciado que BB praticou factos, em autoria material, na forma consumada, suscetíveis de integrar, um crime de abuso sexual de crianças, previsto e punido pelo artigo 171º do Código Penal.
A vítima e principal testemunha, AA, nasceu no dia ........2008, tendo, presentemente, 16 anos.
Considerando a natureza do referido crime, AA é, consequentemente, considerado ‘vítima especialmente vulnerável’, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 67º-A, nº. 1, alínea b), e nº. 3 do Código de Processo Penal.
O artigo 21º, nº. 2, alínea d), da Lei nº. 130/2015, de 4 de Setembro (Estatuto da Vítima), estabelece que as vítimas especialmente vulneráveis beneficiam de várias medidas especiais de proteção, entre elas a da prestação de declarações para memória futura, nos termos previstos no artigo 24º do mesmo diploma, a fim de que os seus depoimentos possam ser tomados em conta em sede de julgamento, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 271º do Código de Processo Penal.
O objetivo da Lei é – a par com o estabelecido nos artigos 26º e 28º da Lei nº. 93/99, de 14 de julho (Lei de Proteção de Testemunhas) – que as declarações das vítimas especialmente vulneráveis tenham lugar no mais breve espaço de tempo após a ocorrência do crime e que, sempre que possível, seja evitada a repetição da sua audição, com vista a evitar a sua vitimização secundária.
Como se depreende do artigo 271.º, n.º2 do Código de Processo Penal, sempre que os factos sob investigação respeitem a crimes contra a liberdade e autodeterminação sexual, a inquirição da vítima menor de idade, em sede de inquérito, deve ser antecipada, por forma a que o seu depoimento possa ser tomado em consideração na audiência de julgamento.
A tomada de declarações para memória futura reveste, neste caso, caráter obrigatório, o que bem se compreende, atendendo às necessidades de proteção da vítima menor de idade, que se mostra como sendo especialmente vulnerável, por efeito dos artigos 20.º, 22.º e 24.º da Lei n.º 130/2015, de 4 de Setembro e 67.º-A, n.os 1, alínea b), 3 e 4 do Código de Processo Penal, por referência ao conceito de criminalidade violenta, previsto no artigo 1.º, alínea j) do mesmo diploma legal.
O recurso a declarações para memória futura nos casos de crimes contra a liberdade e a autodeterminação sexual prende-se com o facto de “(…)o dever de testemunhar comportar um assinalável efeito de vitimização secundária em que a pessoa é levada a reviver os sentimentos negativos (medo, ansiedade, dor) experimentados aquando da infração, efeito este especialmente intenso e pernicioso se estiver em causa um núcleo muito restrito de intimidade pessoal como sucede no âmbito dos crimes sexuais.” – assim Sandra Oliveira e Silva, in “A Proteção de Testemunhas no Processo Penal”, Coimbra Editora, 2007, páginas 111 e 112.
Destarte, a tomada de declarações para memória futura em casos como o dos presentes autos procura, mormente, evitar os danos psicológicos causados pela evocação sucessiva, pelas vítimas, da sua experiência traumática e tem em vista atenuar a sua exposição em termos processuais, provendo para que aquela possa rapidamente iniciar o processo de tratamento e recuperação da agressão de que foi vítima, sem deixar de garantir a genuinidade do seu depoimento, em tempo útil.
E foi requerido o seguinte:
Em face do exposto, remeta os autos ao Mmo. Juiz de Instrução, a quem se requer, ao abrigo do disposto nos referidos normativos, que seja designada data para a tomada de declarações para memória futura a AA (MELHOR IDENTIFICADA A FLS. 15), desde já se requerendo a utilização de máquina para o registo de som e imagem, nos moldes habituais.
Mais se requer, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 352º, nº. 1, alíneas a) e b), aplicável ex vi artigo 272º, nº. 6, ambos do Código de Processo Penal, atenta a especial vulnerabilidade da ofendida e a natureza do crime em causa, que a diligência tenha lugar na ausência do arguido, por haver razões para crer que a sua presença poderá inibir a ofendida e prejudicá-la psicologicamente.
b. pela Juíza de Instrução criminal foi proferido o seguinte despacho, Referência: 9242951: «Por se encontrarem reunidos os pressupostos elencados no artigo 271.º, n.º 1 e 2, do CPP, admite-se a tomada de declarações à menor AA, nascida a ........2008.
Assim, para tomada de declarações para memória futura, designa-se o dia ... de ... de 2025, às 10h30. Com o objectivo de evitar que a presença do arguido iniba a menor, a tomada de declarações será realizada na sua ausência, em conformidade com o disposto nos artigos 271.º, n.º 6 e 352.º, n.º 1, alínea a), ambos do CPP, sendo o arguido representado pelo defensor que lhe foi nomeado no 1.º interrogatório, pelo que deverá o mesmo ser notificado para estar presente (…).
*
Mais se determina que a diligência seja documentada para além da gravação de som com gravação da imagem da menor uma vez que existem meios técnicos para tal providenciando a secção pela sua disponibilidade na data designada (artigo 364º nº1 ex vi do artigo 271º nº6 ambos do Código de Processo Penal).
*
Atenta a vulnerabilidade da declarante determina-se que a mesma seja assistida no decurso do acto processual por técnica do GIAV.»
c) Por requerimento de 27/02/2025 veio a Ilustre Defensora do arguido, ao abrigo do disposto no art.º 89 do CPP, requerer a obtenção de cópias do auto de notícia, promoção do digno Magistrado do Ministério Público aquando do primeiro interrogatório de arguido dedo, declarações da ofendida e requerimentos elaborados por esta, declarações do arguido em sede de primeiro interrogatório e, ainda, da decisão que levou à aplicação da medida de coação.
Mais requer a V. Exa. a consulta de todo o processo.
d. Pelo Digno procurador foi proferido o seguinte despacho, Referência: 443263691 de .../.../2025: «Pedido de consulta pela Ilustre Defensora do arguido e obtenção de cópias (cfr. referência citius n.º 42081511): defiro a requerida consulta e obtenção dos elementos requeridos, nos termos do artigo 89.º, n.º 1 do Código de Processo Penal.
Informe que a consulta ao processo será efectuada nos serviços da secretaria deste DIAP e que o processo se encontrará disponível para consulta até dia 05 de Março de 2025 (…)».
e. O arguido constituiu procuração a favor do Ilustre mandatário em ... de ... de 2025. (cfr procuração junta aos autos)
f. Em 12 /03/2025 o ilustre mandatário juntou a procuração e requereu o seguinte:
«BB, arguido nos autos à margem identificados, vem, nos termos do nº1 do artigo 86º, nº1 do artigo 89º e n.º 8 do art.º 194 do Código de Processo Penal a fim de ponderar se pretende interpor recurso da medida de coação aplicada, e em caso afirmativo, fundamentar o recurso - requerer a V. Exa a consulta e a digitalização dos autos (se possível, pela secretaria) designadamente:
a) Todos os elementos de prova mencionados no despacho que apresentou o arguido
a 1º interrogatório judicial;
d) Despacho que aplicou as medidas de coação;
c) Suporte informático com a gravação da promoção do Ministério Público relativa às
medidas de coação do arguido, em sede de primeiro interrogatório judicial, alegações
da defensora oficiosa e despacho proferido pelo juiz de instrução;
d) Cópia do despacho que (segundo refere o arguido) agendou uma diligência para o
próximo dia …-25.
Deferida tal pretensão e na possibilidade de a digitalização dos elementos dos autos ser efetuada pela secretaria da secção, a mandatária, ora subscrita, enviará suporte digital para gravação dos mesmos, bem como, o comprovativo do pagamento da taxa prevista para as fotocopias do processo.
Mais requereu, na mesma data “Após contacto com a secretaria durante a tarde de hoje, constatou-se que a diligência agendada para a próxima segunda-feira (dia ... de ... de 2025) se trata das declarações para memória futura da vítima nestes autos.
O mandatário, ora subscritor, apenas juntou procuração forense aos autos hoje, motivo pelo qual não foi notificado da diligência.
Ora, as declarações para memória futura constituem prova pré-constituída, sendo esta (comumente) a prova crucial a valorar em audiência de discussão e julgamento neste tipo de criminalidade.
É por isso, um dos momentos mais importantes para a defesa do arguido. Sucede, no entanto, que os mandatários do arguido ainda não tiveram acesso aos autos, designadamente, à indiciação e aos elementos de prova que aí constam (tendo sido requerido o acesso a estes durante o dia de hoje).
Por este motivo, consideram os mandatários que não estão em condições de assegurar a defesa do arguido na data já agendada, uma vez que ainda não tiveram acesso aos elementos dos autos (e por isso, também ainda não conseguiram confrontar o arguido com os mesmos com vista a preparar a sua defesa).
Por outro lado, os mandatários constituídos que mantém uma relação de confiança com o arguido encontram-se já todos em diligências no referido dia …-2024, existindo incompatibilidade de horários.
Assim, face aos argumentos supra indicados e à elevada relevância da diligência para a
defesa do arguido, requer-se a V. Exa. o adiamento da mesma para data posterior ao
deferimento da consulta dos elementos requeridos.
Desde já se sugerem as seguintes datas:
• 21 de março de 2025
• 25 de março de 2025
• 27 de março de 2025
• 28 de março de 2025
• 31 de março de 2025
• 1, 4 ou 9 de abril de 2025»
e) O Digno procurador nada opôs e em 14/03/2025 foi proferido despacho Referência: 9269658 pela Juíza de Instrução com o seguinte teor: «Os presentes autos revestem natureza urgente, pelo que o requerido não tem fundamento legal, indeferindo-se, desta forma, o requerido.
Mantem-se a data agendada.
Notifique«.
g. No dia .../.../2025 foram tomadas declarações para memória futura, constando o seguinte auto:
Referência: 9272881 Inquérito (Atos Jurisdicionais) 131/25.4JDLSB
AUTO DE DECLARAÇÕES PARA MEMÓRIA FUTURA
(Com Gravação)
A ... de ... de 2025, pelas 11:44 horas (e, não antes, por se ter estado a aguardar que houvesse Técnica do GIAV disponível para acompanhar a ofendida na presente diligência, encontrando-se os restantes intervenientes processuais a aguardar o início da presente diligência desde as 10:35 horas) neste Tribunal Central de Instrução Criminal – Juiz 2, onde se encontrava a Mm.ª Juíza de Instrução, Dra. CC, com o Digno Magistrado do Ministério Público, Dr. DD, comigo EE, Escrivã Auxiliar e sendo a hora designada no competente despacho para a diligência a realizar, foi ordenado que se fizesse a chamada das pessoas convocadas, a saber:
PRESENTES:
Ofendida: AA
Ilustre Mandatária do arguido: Dra. FF
Ilustre Mandatário da ofendida: Dr. GG, que compareceu pelas 12:06 horas momento em que se reiniciou a diligência após uma breve interrupção Técnica do GIAV: Dra. HH
FALTOSOS:
Não existem faltosos.
Nos termos do disposto nos artºs 271º, nº 6, 363º e 364º, todos do C.P. Penal, pela Mmª Juiz de Direito foi ordenado que se procedesse à gravação áudio das declarações, uma vez que o Tribunal dispõe de meios técnicos idóneos para assegurar a sua reprodução integral, dando assim início à presente diligência:
Nome: AA
Filiação: II e JJ
Data de Nascimento: ...-...-2008 – 16 anos Estado Civil:
Ocupação: 11.º ano de escolaridade
Domicílio: ...
Aos costumes disse ter conhecimento dos motivos pelo qual se encontra hoje aqui em Tribunal, tendo prestado declarações. —
Prestou juramento legal, tendo sido advertida que a falsidade de depoimento a faz incorrer no crime de falsidade de testemunho p. e p. pelo art.º 360º do C.P.
Requerida a palavra por parte da Ilustre Mandatária a mesma referiu que pretendia fazer um requerimento alusivo à consulta dos autos, tendo a Mm.ª Juiz de Direito referido que estávamos perante uma diligência única e exclusivamente para memória futura, não havendo necessidade de consultar os autos, não devendo as declarações da menor ser interrompidas neste momento.
O seu depoimento ficou gravado em suporte áudio e no sistema disponível neste tribunal, tendo sido iniciado pelas 11:46:00 horas e interrompido pelas 12:00:58 horas, momento em que por a ofendida se encontrar emocionada se interrompeu a diligência, tendo sido retomada pelas 12:06:56 e terminado pelas 12:31:26 horas. –
No momento em que se interrompeu a diligência para que a menor se acalmasse a Mma. Juiz entregou o processo à Ilustre Mandatária do arguido para que a mesma consultasse os autos e alertou a Ilustre Mandatária de que poderia e deveria ter consultado os autos enquanto esteve a aguardar o início da diligência durante 1h15.
Consigna-se que dada a palavra ao Digno Procurador do Ministério Público pelo mesmo foi dito que não pretendia colocar questões à ofendida.
Dada a palavra à Ilustre Mandatária do arguido, pela mesma foi dito que não estava em condições de exercer o contraditório.
Neste momento, pela Mma. Juiz foi interrompida a presente diligência, para que a Ilustre Mandatária procedesse à consulta dos autos atento o volume do processado, mas logo após a Ilustre Mandatária, referiu mais uma vez que não se encontrava em condições de exercer o contraditório, pelo que não iria fazer qualquer questão à menor.
SEGUIDAMENTE PELA MMª JUÍZA DE DIREITO FOI PROFERIDO O SEGUINTE:
DESPACHO
Uma vez que nos encontramos única e exclusivamente numa diligência de tomada de declarações para memória, declaro encerrada a presente diligência, sendo que qualquer requerimento deverá ser efetuado ao processo.
*
– Passam-se a transcrever alguns trechos em que a ilustre mandatária teve intervenção no decurso da diligência, bem como as respostas da Senhora Juíza que presidia à diligência:
Pronto. Muito bem. (1:41) Doutora, eu não tenho acesso ao processo.
(1:45) Sim, e? (1:46) Eu queria consultar os dados, mas eu não tive a oportunidade. (1:48) Doutora, isto é uma diligência única e exclusivamente para a memória futura. (1:53) Nem há necessidade de consultar o processo.
(1:56) Doutora, mas eu tenho que ditar um requerimento para a acta… não estou em condições de exercer o contraditório (1:59) Doutora, isto aqui nem é uma questão de contraditório 8…) (2:02) Doutora, primeiro não me vai interromper, está bem? (2:04) Estou no meio de uma diligência.
(2:06) Está bem, doutora? (2:07) Doutora, mas eu tenho que consultar. (2:08) Doutora, mas eu tenho que consultar. (2:10) Doutora, não está em condições nisto no meio de uma diligência de uma menor, pelo amor de Deus.
(2:13) Está bem? Só um bocadinho. (2:15) Depois, querendo, fará aquilo que entender. (2:18) Ah, ok. (…)
(23:17) Pronto, muito bem. (23:18) Olha, vamos interromper por um bocadinho, tu está bem? (23:20) Porque a Sra. Doutora vai consultar o processo, que também não tem muitas folhas.(…)
Quais são as questões? (0:04) Quais são as questões, senhora? (0:06) A fazer? (0:07) A menor? (0:07) Face o que a menor disse. (0:09) Senhora drª, eu já disse o que eu tinha a dizer(…). (0:11) Eu pretendo que fique a constar(…), (0:13) porque nós não estamos em condições de exercer o contraditório.
(0:15) Senhora Drª, faça as questões. (0:17) Face aquilo que a menor disse. (0:18) Tem alguma questão a fazer? (0:21) Eu já disse o que eu tinha a dizer, senhora dra.
(0:22) Tem alguma questão a fazer à menor? (0:23) Face o que disse…. Eu não estou em condições disso (0:25) Então pronto. (0:26) Está. – Recurso á aplicação turbo scribe para consignar, no essencial e por escrito a gravação em causa
*
h) No dia .../.../2025- data da tomada de declarações para memória futura – os autos eram compostos pelas seguintes peças processuais essenciais (histórico do processo):
Participação, auto de interrogatório de arguido detido precedido da Douta promoção referente aos indícios apurados e com aplicação das medidas de coação, requerimento do Ministério Público para a tomada de declarações para memória futura e despacho a determinar as declarações para memória futura.
i)No dia .../.../2025 pela Ilustre Mandatária do arguido foi junto aos autos o seguinte requerimento:
«REQUERIMENTO DE PROTESTO (…)
FF, advogada, portadora da cédula profissional nº..., mandatária do arguido BB, vem por este meio exercer o SEU DIREITO DE PROTESTO nos termos do nº2 do artigo 80º do EOA, com os fundamentos seguintes:
1. Durante a manhã de hoje (…-25) realizaram-se as declarações para memória futura da ofendida AA.
2. No dia ...-...-25, os mandatários do arguido (mais precisamente, o Dr. KK) realizaram dois requerimentos.
3. O primeiro requerimento (ref. citius nº42216766) prendia-se com a consulta e digitalização dos autos.
4. O segundo requerimento (ref. citius nº 42218533) pretendia a alteração da diligência de declarações para memória futura, uma vez que os mandatários do arguido ainda não tinham tido acesso aos autos, e consequentemente, ainda não tinham tido oportunidade de confrontar o arguido com os elementos de prova. E, por outro lado, os advogados de confiança do arguido estavam impedidos na diligência que aí se indicaram.
5. A alteração da diligência foi indeferida, no entanto, acerca do primeiro requerimento (de consulta) não recaiu qualquer despacho.
6. Por esse motivo, face ao início rápido da diligência, após a identificação da vítima, mas antes que a Mma. Juiz de Instrução inicia-se a inquirição da mesma, a mandatária, ora subscritora, dirigiu-se à Meritíssima Juiz informando-a que ainda não tinha tido oportunidade de consultar os autos, pelo que não podia verdadeiramente exercer o contraditório.
7. Nesta sequência, salvo o devido respeito por outro entendimento face aquilo que foi referido, pela Meritíssima Juiz foi desvalorizado o facto de aquele momento ser adequado para exercer o contraditório do arguido (não querendo a mandatária, ora subscritora, escrever o que efetivamente foi dito por não ter a certeza das palavras utilizadas, no entanto, a diligência encontra-se gravada).
8. Em resposta, a mandatária, ora subscritora, pediu a palavra para ditar um requerimento para a ata, O QUE LHE FOI NEGADO, tendo sido referido, pela Mma. Juiz, que a final faria os requerimentos que entendesse.
9. Ora, a mandatária, ora subscritora, acatou a ordem de trabalhos sugerida pela Meritíssima Juiz, tendo-se prosseguido com a inquirição da ofendida.
10. A determinado momento, foi interrompida a diligência pois a ofendida precisou de um momento para se recompor.
11. Neste momento, a Mma. Juiz expressou o seu desagrado com o facto da mandatária ter interrompido a diligência e não ter consultado o processo previamente à diligência, dirigindo-se à mesma de forma rude, tendo de seguida abandonado a sala.
12. Neste momento, a mandatária, ora subscritora, pediu desculpa ao Exmo. Procurador pela interrupção (o que só não fez à Mma. Juiz, porque a mesma abandonou a sala), explicando os motivos que a levaram a fazê-lo, acrescentando que não consultou os autos porque ainda não havia recaído despacho acerca do requerimento de consulta datado de ...-...-25 que já havia feito.
13. No entanto, pelo Exmo. Procurador da República foi dito que não tinha tido acesso a tal requerimento (não obstante o mesmo ter sido enviado via citius e a mandatária se ter certificado nesse mesmo dia junto do funcionário do DIAP que o mesmo havia sido recebido).
14. Note-se que a mandatária pretendia arguir nulidades e irregularidades da diligência que estava a decorrer, tendo requerido a palavra pois queria ser transparente com o Tribunal e fazê-lo no início da diligência.
15. De qualquer modo, note-se que estabelece o artigo 80º nº1 do EOA, o seguinte:
“No decorrer de audiência ou de qualquer outro ato ou diligência em que intervenha, o advogado deve ser admitido a requerer oralmente ou por escrito, no momento que considerar oportuno, o que julgar conveniente ao dever do patrocínio, sem necessidade de prévia indicação ou explicitação do respetivo conteúdo.”
16. Quando foi retomada a inquirição da ofendida, e posteriormente, dada a palavra à mandatária do arguido para exercer o contraditório, foi dito pela mandatária que pretendia que ficasse exarado em ata que não estava em condições de exercer o contraditório.
17. Nesta sequência, foi perguntado, pela Mma. Juiz por diversas vezes à mandatária se a mesma queria ou não fazer perguntas, IGNORANDO-SE POR COMPLETO O PEDIDO DA MANDATÁRIA.
18. Assim, a mandatária reiterou o que já havia dito (desconhecendo se tal ficou, ou não, a constar da ata).
19. Neste momento, a Mma. Juiz de Instrução suspendeu a diligência entregando o processo à mandatária, dizendo-lhe que o consultasse (sendo que tal nem havia sido pedido pela mandatária, uma vez que nunca lhe foi dada a palavra para fazer os requerimentos que pretendia).
20. Consequentemente, a mandatária, ora subscritora, mais uma vez, REFERIU QUE PRETENDIA FAZER UM REQUERIMENTO, O QUE NÃO LHE FOI CONCEDIDO, pretendendo a Mma. Juiz que a mandatária consultasse os autos para prosseguir com a diligência.
21. Assim, a mandatária - até face à delicadeza da diligência - sugeriu que se continuassem os trabalhos.
22. Acrescentando que, a final iria realizar os requerimentos que entendesse convenientes (até porque, reitere-se, não lhe foi dada a palavra naquele momento para o efeito).
23. Ato contínuo, foi retomada a inquirição da ofendida.
24. Assim que terminou a inquirição da mesma, foi a DILIGÊNCIA ENCERRADA, tendo a Mma. Juiz se LEVANTADO E ENCAMINHADO PARA A PORTA, SEM DAR A PALAVRA À MANDATÁRIA PARA DITAR OS REQUERIMENTOS.
25. Neste momento, a mandatária, ora subscritora, alertou o Tribunal - com vista a que não saísse da sala - que pretendia realizar requerimentos relacionados diretamente com a diligência em curso (como já várias vezes havia pedido durante a referida diligência).
26. Nesta sequência, foi dito pela Mma. Juiz de Instrução (não tendo por certo as palavras utilizadas, mas que estão certamente gravadas) que aquela diligência NÃO ERA LUGAR PARA SE FAZER REQUERIMENTOS e que se pretendia fazer requerimentos deveria fazê-lo ao processo.
27. A mandatária, ora subscritora, insistiu várias vezes que pretendia fazer um REQUERIMENTO NA ATA daquela diligência (que é coisa diversa de fazer requerimentos ao processo), o que lhe continuou a ser NEGADO.
28. Face às respostas negativas, questionou a Mma. Juiz se numa diligência de declarações para memória futura não era permitido fazer requerimentos orais.
29. Ato continuo, foi novamente referido que deveria fazer os requerimentos que entendesse ao processo e não ali, TENDO ABANDONADO A SALA.
30. Ora, uma vez que a Mma. Juiz abandonou a sala, não teve a mandatária oportunidade de exercer o seu direito de protesto conforme pretendia.
31. Por outro lado, face à hora de término da diligência (cerca do 12:30h), não lhe foi possível exercer tal direito na secretaria, uma vez que se encontrava encerrada.
32. A mandatária pretendia realizar requerimentos a arguir várias nulidades e irregularidades da diligência, o que – por várias vezes – NÃO LHE FOI PERMITIDO.
33. Com efeito, a mandatária, ora subscritora, pretendia ditar para a ata os seguintes requerimentos que já tinha inclusivamente redigido e que infra se transcrevem:
“Não obstante no passado dia 12-03-24 ter sido requerida a consulta dos autos (tendo o teor de tal requerimento sido reiterado no início da presente diligência), os mandatários do arguido não tiveram acesso aos autos, e consequentemente, não tiveram oportunidade de confrontar o arguido com os elementos de prova com vista a delinear a sua defesa.
Por outro lado, também no dia 12-03-24, foi requerido o adiamento da presente diligência com base nestes argumentos, e ainda, no facto de os mandatários de confiança do arguido estarem impossibilitados de comparecer uma vez que já tinham agendadas as diligências que aí se indicaram.
Ora, as declarações para memória futura consubstanciam prova pré- constituída, sendo esta – não raras vezes - a prova crucial a valorar em audiência de discussão e julgamento neste tipo de criminalidade, pelo que se elevam as necessidades do cumprimento das garantias de defesa do arguido para um nível gritante.
Dando-se início às declarações para memória futura, sem que os mandatários tenham tido acesso aos autos e a oportunidade de falar com o arguido acerca dos elementos de prova, é a presente diligência irregular nos termos do artigo 123º do CPP por violação do princípio do contraditório e das garantias de defesa do arguido (artigos 89º nº1 do CPP e 20º nº1 e nº2 e 32º nº1,3 e 5 da CRP), bem como é irregular o despacho datado de 14-03-2025 foi indeferiu o adiamento da diligência, pois ainda que fosse permitida a consulta dos autos pela mandatária, o arguido não está presente (como se exigia), para tomar conhecimento dos elementos de prova e dar a conhecer à mandatária a sua versão dos factos.”
34. Pretendia ainda ditar o requerimento que infra se transcreve: “O Código de Processo Penal e a Lei 130/15 de 4 de setembro (estatuto da vítima), não contêm qualquer norma que permita a realização da diligência de declarações para memória futura na ausência do arguido.
O CPP apenas permite o afastamento do arguido da diligência de declarações para memória futura por aplicação do disposto nos artigos 61º nº1, 271º nº3 e 332º nº7 ex vi 352 nº2 ex vi nº6 do artigo 271º do CPP.
O artº 271º nº6 permite, através da remissão para o artº 352º do Código de Processo Penal o afastamento da diligência e não que a diligência tenha lugar na sua ausência, pois que se assim acontecer o Tribunal não pode cumprir o disposto no artº 352º nº2 e 332º nº7 do Código de Processo Penal.
Assim, sempre deveria o arguido ter sido conduzido à presente diligência (uma vez que se encontra preso preventivamente), permanecendo em espaço físico distinto do da vítima com vista a evitar o seu constrangimento, sob pena da violação do princípio do contraditório e das garantias de defesa do arguido.
Por muito que a presença do mandatário mitigue a falta do arguido, não a substitui, pois só este último sabe o que se passou em concreto.
A presença do arguido em tal diligência, visa conceder ao próprio arguido a faculdade de requerer que sejam colocadas perguntas à vítima (ou de solicitar ao seu defensor que as coloque, no caso de estar afastado), razão pela qual as testemunhas e declarantes não podem ser dispensados antes do Tribunal cumprir o disposto no art.º 332º nº7 do CPP – cfr. Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código de Processo Penal, 4ª edição atualizada, pág. 907.
É também neste sentido que se pronuncia o Comentário Judiciário de Processo Penal , na anotação ao artigo 271º do CPP “O direito da defesa regulado no preceito compreende várias vertentes, desde logo o da presença do arguido (com limites equivalentes aos do julgamento, cf. art. 352º ex vi art. 271º nº6) e respetivo defensor, e, por outro, de participação do defensor no ato de produção da prova.”
Não tendo o arguido sido conduzido à presente diligência, é a mesma nula nos termos do artigo 119º al. c) ou 120º nº1 do CPP por violação dos artigos 61º nº1, 271º nº3 e nº6, 352º nº2, 332º nº7 todos do Código de Processo Penal e dos artigos 20º nº1 e nº2 e 32º nº1, 3 e 5 da CRP, ou, no limite (o que por mera cautela de patrocínio se admite), irregular, nos termos do artigo 123º nº1 do CPP.”
Sem prejuízo de outras reações legalmente admissíveis, designadamente, aquelas que decorram da análise detalhada do áudio da diligência de declarações para memória futura e do teor da respetiva ata – elementos estes que já foram requeridos (mas a que a mandatária ainda não teve acesso) - requer-se a V. Exa. se digne, à luz do art. 80º, nº 3 do EOA, a consignar em acta o presente protesto, com a cominação aí igualmente estabelecida, no que concerne à nulidade do acto de recusa do tribunal.
j) Na mesma data pela mesma Ilustra Mandatária foi junto aos autos o seguinte requerimento que motivou o despacho sob recurso:
BB, arguido nos autos à margem identificados, vem, na sequência da diligência de declarações para memória futura que teve lugar durante o dia de hoje (…-25), expor e requerer a V. Exa. o seguinte:
No decorrer da diligência de declarações para memória futura realizada durante a manhã de hoje (...-...-2025), foi totalmente negado à mandatária do arguido a possibilidade de fazer requerimentos durante a diligência (naturalmente, relacionados com o objeto da mesma).
Com efeito, por diversas vezes (em diversos momentos da diligência), a mandatária requereu a palavra para ditar requerimentos para a ata relacionados diretamente com a diligência em curso, o que lhe foi sempre negado (veja-se o teor do requerimento do direito de protesto que aqui se dá reproduzido para todos os efeitos tidos por convenientes).
Acresce que, após o término da inquirição da ofendida, o Tribunal encerrou a diligência sem dar a palavra à mandatária que (reitere-se) expressamente e por diversas vezes pediu a palavra para ditar requerimentos para a ata.
Com efeito, o Tribunal levantou-se e encaminhou-se para a porta.
Ato continuo, a mandatária, ora subscritora, alertou o Tribunal (com vista a que não saísse da sala), reiterando que pretendia ditar requerimentos para a ata relacionados com a diligência em curso, tendo insistido por várias vezes, o que foi novamente negado, tendo o Tribunal abandonado a sala.
Em face do exposto, durante a referida diligência, a advogada do arguido foi impedida de formular requerimentos e de exercer plenamente o contraditório, em clara violação do princípio estruturante do processo penal consagrado no artigo 32.º, n.º 5, da Constituição da República Portuguesa, bem como, do artigo 271.º, n.º 3, do Código de Processo Penal.
Tal limitação comprometeu gravemente as garantias de defesa do arguido, uma vez que a diligência em questão constitui um ato de produção antecipada de prova, cujas declarações podem ser valoradas em sede de julgamento, sendo, por isso, essencial assegurar o pleno exercício do contraditório.
O princípio do contraditório, consagrado no artigo 32.º, n.º 5, da Constituição da República Portuguesa, exige que todas as partes processuais tenham a oportunidade de se pronunciar sobre os atos e elementos de prova que possam influenciar a decisão do processo.
O artigo 271.º, n.º 3, do Código de Processo Penal, reforça esta garantia ao prever a obrigatoriedade da presença do defensor do arguido na diligência de declarações para memória futura, assegurando que este possa intervir ativamente, nomeadamente através da formulação de perguntas ou requerimentos.
A violação do princípio do contraditório em atos processuais desta natureza constitui uma nulidade insanável, nos termos do artigo 119.º, alínea c) do Código de Processo Penal, ou caso assim não se entenda, nos termos do artigo 120º nº1 e nº2 al. d) do CPP por afetar diretamente os direitos de defesa do arguido.
Violando-se ainda os artigos 20º nº1 e nº2 e 32º nº1, 3 da CRP.
No caso em apreço, o impedimento imposto à advogada do arguido de formular requerimentos durante a diligência de declarações para memória futura configura uma violação grave e irreparável do princípio do contraditório, comprometendo a validade do ato e de todos os seus efeitos subsequentes.
Por outro lado, e por mero dever de patrocínio (uma vez que se desconhece se os requerimentos que a mandatária, ora subscritora, não teve oportunidade de realizar no decorrer da diligência por não lhe ter sido admitido formular requerimentos, ficarão ou não exarados em ata, a pedido do requerimento de protesto já enviado), reitera-se o teor dos mesmos:
Com efeito:
“Não obstante no passado dia 12-03-24 ter sido requerida a consulta dos autos (tendo o teor de tal requerimento sido reiterado no início da presente diligência), os mandatários do arguido não tiveram acesso aos autos, e consequentemente, não tiveram oportunidade de confrontar o arguido com os
elementos de prova com vista a delinear a sua defesa.
Por outro lado, também no dia 12-03-24, foi requerido o adiamento da presente diligência com base nestes argumentos, e ainda, no facto de os mandatários de confiança do arguido estarem impossibilitados de comparecer uma vez que já tinham agendadas as diligências que aí se indicaram.
Ora, as declarações para memória futura consubstanciam prova pré- constituída, sendo esta – não raras vezes - a prova crucial a valorar em audiência de discussão e julgamento neste tipo de criminalidade, pelo que se elevam as necessidades do cumprimento das garantias de defesa do arguido para um nível gritante.
Dando-se início às declarações para memória futura, sem que os mandatários tenham tido acesso aos autos e a oportunidade de falar com o arguido acerca dos elementos de prova, é a presente diligência irregular nos termos do artigo 123º do CPP por violação do princípio do contraditório e das garantias de defesa do arguido (artigos 89º nº1 do CPP e 20º nº1 e nº2 e 32º nº1,3 e 5 da CRP), bem como é irregular o despacho datado de 14-03-2025 foi indeferiu o adiamento da diligência, pois ainda que fosse permitida a consulta dos autos pela mandatária, o arguido não está presente (como se exigia), para tomar conhecimento dos elementos de prova e dar a conhecer à mandatária a sua versão dos factos.”
E ainda:
“O Código de Processo Penal e a Lei 130/15 de 4 de setembro (estatuto da vítima), não contêm qualquer norma que permita a realização da diligência de declarações para memória futura na ausência do arguido.
O CPP apenas permite o afastamento do arguido da diligência de declarações para memória futura por aplicação do disposto nos artigos 61º nº1, 271º nº3 e 332º nº7 ex vi 352 nº2 ex vi nº6 do artigo 271º do CPP.
O artº 271º nº6 permite, através da remissão para o artº 352º do Código de Processo Penal o afastamento da diligência e não que a diligência tenha lugar na sua ausência, pois que se assim acontecer o Tribunal não pode cumprir o disposto no artº 352º nº2 e 332º nº7 do Código de Processo Penal.
Assim, sempre deveria o arguido ter sido conduzido à presente diligência (uma vez que se encontra preso preventivamente), permanecendo em espaço físico distinto do da vítima com vista a evitar o seu constrangimento, sob pena da violação do princípio do contraditório e das garantias de defesa do arguido.
Por muito que a presença do mandatário mitigue a falta do arguido, não a substitui, pois só este último sabe o que se passou em concreto.
A presença do arguido em tal diligência, visa conceder ao próprio arguido a faculdade de requerer que sejam colocadas perguntas à vítima (ou de solicitar ao seu defensor que as coloque, no caso de estar afastado), razão pela qual as testemunhas e declarantes não podem ser dispensados antes do Tribunal cumprir o disposto no art.º 332º nº7 do CPP – cfr. Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código de Processo Penal, 4ª edição atualizada, pág. 907.
É também neste sentido que se pronuncia o Comentário Judiciário de Processo Penal , na anotação ao artigo 271º do CPP “O direito da defesa regulado no preceito compreende várias vertentes, desde logo o da presença do arguido (com limites equivalentes aos do julgamento, cf. art. 352º ex vi art. 271º nº6) e respetivo defensor, e, por outro, de participação do defensor no ato de produção da prova.”
Não tendo o arguido sido conduzido à presente diligência, é a mesma nula nos termos do artigo 119º al. c) ou 120º nº1 do CPP por violação dos artigos 61º nº1, 271º nº3 e nº6, 352º nº2, 332º nº7 todos do Código de Processo Penal e dos artigos 20º nº1 e nº2 e 32º nº1, 3 e 5 da CRP, ou, no limite (o que por mera cautela de patrocínio se admite), irregular, nos termos do artigo 123º nº1 do CPP.”
Nestes termos, requer-se a V. Exa. que se digne a: a) Declarar a nulidade da diligência de declarações para memória futura realizada no dia …-25, nos termos do artigo 119.º, alínea c), ou caso assim não se entenda, nos termos do artigo 120º nº1 e nº2 al. d) todos do CPP, por ter sido vedada à mandatária do arguido a possibilidade de exercer o contraditório.
b) Caso assim não se entenda, o que por mera cautela de patrocínio se admite, a irregularidade da mesma nos termos do art. 123º nº1 do CPP e dos artigos 20º nº1 e nº2 e 32º nº1, 3 da CRP, por ter sido vedada à mandatária do arguido a possibilidade de exercer o contraditório.
c) Declarar a irregularidade da referida diligência nos termos do artigo 123º do CPP por violação do princípio do contraditório e das garantias de defesa do arguido (artigos 89º nº1 do CPP e 20º nº1 e nº2 e 32º nº1,3 e 5 da CRP), uma vez que se deu início às declarações para memória futura, sem que os mandatários tenham tido acesso aos autos e a oportunidade de falar com o arguido acerca dos elementos de prova.
d) A irregularidade do despacho datado de 14-03-2025 que indeferiu o adiamento da diligência, nos termos do artigo 123º do CPP por violação do princípio do contraditório e das garantias de defesa do arguido (artigos 89º nº1 do CPP e 20º nº1 e nº2 e 32º nº1,3 e 5 da CRP).
e) Declarar a nulidade da diligência, nos termos do artigo 119º al. c) ou 120º nº1 do CPP por violação dos artigos 61º nº1, 271º nº3 e nº6, 352º nº2, 332º nº7 todos do Código de Processo Penal e dos artigos 20º nº1 e nº2 e 32º nº1, 3 e 5 da CRP, ou, no limite (o que por mera cautela de patrocínio se admite), a irregularidade, nos termos do artigo 123º nº1 do CPP, por não ter o arguido sido conduzido à diligência.
*
Antes de entrarmos no mérito do recurso há que estabelecer os seguintes conceitos vertidos no nosso código de processo penal:
1º Nulidades processuais:
I. De acordo com o princípio da tipicidade consagrado no art. 118.º, n.º 1, do CPP, a violação ou inobservância das disposições da lei de processo só determina a nulidade do acto quando esta for expressamente cominada na lei, sendo que – n.º 2 da norma –, nos casos em que a lei não comina a nulidade, o acto ilegal é irregular.
II - As nulidades insanáveis são, por definição, insusceptíveis de reparação, podendo ser conhecidas a todo o tempo na pendência do procedimento, oficiosamente ou a pedido. Não podem porém ser declaradas após a formação de caso julgado sobre a decisão final que, neste aspecto, actua como forma de sanação.
III - A regra geral é a de que as nulidades relativas e as irregularidades ficam sanadas se não forem acusadas nos prazos legais de arguição.
IV - Tais prazos, quanto às nulidades, são o geral de 10 dias previsto no art. 105.º, n.º 1 e os específicos previstos nos arts. 120.º, n.º 3. Podendo a sanação ocorrer, ainda, por via da assunção das atitudes tipificadas no art.º 121º.
V - As irregularidades, essas, haverão de ser arguidas no próprio acto em que tiveram ocorrido, isso estando os interessados presentes. Não tendo assistido ao acto, devem os interessados suscitá-las «nos três dias seguintes a contar daquele em que tiverem sido notificados para qualquer termo do processo ou intervindo em algum acto nele praticado» – art. 123.º n.º 1.
Podendo, ainda, reparar-se oficiosamente a irregularidade que possa afectar o valor do acto praticado no momento em que dela se tomar conhecimento. Desde que ainda não sanada, sob risco de, a admitir-se reparação de irregularidades já sanadas, se introduzir grave entorse no sistema qual seja a de, relativamente ao menos solene dos vícios formais se admitir, afinal, um regime de reparação não só mais permissivo do que o das nulidades relativas, como equiparável, até, ao das nulidades insanáveis. – Acórdão do STJ 303/12.IJACBR.P1-BS1-IGFEJ-Bases jurídico-documentais.
2º O arguido pode a todo o tempo constituir mandatário – artº 62º do C.P.P.
Não se poderá olvidar que o mandatário quando constituído para intervir num processo que já se encontra pendente terá, obviamente, de o aceitar no estado em que o mesmo se encontrar, entendendo-se, como se entende, que a junção da procuração a advogado constitui uma intervenção (acto judicial) relevante que faz pressupor o conhecimento do processo.
Como resulta dos art.ºs 97.º, 98.º e 100.º da lei n.º 145/2015, de 09 de setembro - Estatuto Da Ordem Dos Advogados -, o advogado deve estudar com zelo as questões de que seja incumbido, devendo para tanto e em primeiro lugar em caso de mandato para processo já existente, inteirar-se do estado dos autos se o seu cliente não o souber informar convenientemente.
*
1º Indeferimento do adiamento da diligência de declarações para memória futura e da alegada impossibilidade de consulta dos autos (2ª questão).
O arguido invoca a irregularidade do despacho datado de 14-03-2025 que indeferiu o adiamento da diligência, por violação do princípio do contraditório e das garantias de defesa do arguido (artigos 89º nº1 do CPP e 20º nº1 e nº2 e 32º nº1, 3 e 5 da CRP).
Nesta data foi proferido o seguinte despacho: Os presentes autos revestem natureza urgente, pelo que o requerido não tem fundamento legal, indeferindo-se, desta forma, o requerido.
Mantem-se a data agendada.
Notifique.
Apreciemos:
A tomada de declarações para memória futura foi designada por despacho de .../.../2025 para o dia ... de ... de 2025. Foi, ainda, determinado que atenta a vulnerabilidade da declarante- menor e com um grau de desvalorização de 60% a mesma fosse assistida por técnica do GIAV.
Este despacho foi notificado à Ilustre Defensora em .../.../2025, que se conformou com o mesmo.
Os ilustres mandatários juntaram procuração aos autos - assinada pelo arguido em ... de ... de 2025 - em 12/03/2025 e nessa data requereram o adiamento da diligência agendada para .../.../2025, o que foi indeferido por despacho de 14/03/2025, considerando o caráter urgente dos autos.
Conforme se referiu, o mandatário que intervêm no processo deve aceitar o processo na fase em que se encontra. As declarações para memória futura já estavam agendadas, sem qualquer oposição da Defensora que patrocinava o arguido até então.
Por outro lado, e consultado o processo este estava disponível para consulta, pelo menos desde .../.../2025, por despacho do Sr. Procurador, nos seguintes termos:
Despacho Referência: 443263691 de .../.../2025: Pedido de consulta pela Ilustre Defensora do arguido e obtenção de cópias (cfr. referência citius n.º 42081511): defiro a requerida consulta e obtenção dos elementos requeridos, nos termos do artigo 89.º, n.º 1 do Código de Processo Penal.
Pelo que não corresponde á realidade que tenha sido vedada a possibilidade de consultar os autos. Se a Ilustre Mandatária não os consultou foi porque assim não o entendeu fazer e não por qualquer impedimento ou obstáculo criado pelos Senhores Magistrados.
Acresce que como refere o despacho sob recurso, desde ........2025 (data em que o arguido lhes assinou a procuração) até ao dia ........2025 (dia da diligência de declarações para memória futura) poderiam, ainda, tê-lo feito, visto que o processo nem sequer se encontra em segredo de justiça.
Por fim, durante a diligência de declarações para memória futura e na sequência de uma pausa, os autos foram entregues á Ilustre Mandatária presente e, subsequentemente, perguntado se tinha qualquer pergunta a efetuar á menor tendo a Ilustre mandatária referido que continuava sem condições de exercer o contraditório, mesmo estando presente na diligência.
Nesta conformidade indefere-se a invocada nulidade/ irregularidade processual, respondendo-se, igualmente, á segunda questão por não se verificar que tenha sido, de algum modo, vedada a consulta dos autos aos Ilustres Mandatários.
*
3º Do indeferimento dos requerimentos para a ata.
Das declarações para memória futura em processo por crime contra a liberdade e autodeterminação sexual de menor:
Dispõe o artigo 271.º do CPP, na sua atual redação, conferida pela Lei n.º 48/2007, de 29 de agosto, que alterou o n.º 2 deste preceito:
«Artigo 271.º
Declarações para memória futura
(…) 2 - No caso de processo por crime contra a liberdade e autodeterminação sexual de menor, procede-se sempre à inquirição do ofendido no decurso do inquérito, desde que a vítima não seja ainda maior.
3 - Ao Ministério Público, ao arguido, ao defensor e aos advogados do assistente e das partes civis são comunicados o dia, a hora e o local da prestação do depoimento para que possam estar presentes, sendo obrigatória a comparência do Ministério Público e do defensor.
4 - Nos casos previstos no n.º 2, a tomada de declarações é realizada em ambiente informal e reservado, com vista a garantir, nomeadamente, a espontaneidade e a sinceridade das respostas, devendo o menor ser assistido no decurso do ato processual por um técnico especialmente habilitado para o seu acompanhamento, previamente designado para o efeito.
5 - A inquirição é feita pelo juiz, podendo em seguida o Ministério Público, os advogados do assistente e das partes civis e o defensor, por esta ordem, formular perguntas adicionais.
6 - É correspondentemente aplicável o disposto nos artigos 352.º, 356.º, 363.º e 364.º
7 - O disposto nos números anteriores é correspondentemente aplicável a declarações do assistente e das partes civis, de peritos e de consultores técnicos e a acareações.
8 - A tomada de declarações nos termos dos números anteriores não prejudica a prestação de depoimento em audiência de julgamento, sempre que ela for possível e não puser em causa a saúde física ou psíquica de pessoa que o deva prestar.»
Este artigo constitui uma exceção à norma geral da imediação e da oralidade que rege em sede de audiência de julgamento. Criou, ainda, o legislador um regime especial relativamente ao artº 271º) que decorre do denominado Estatuto da Vítima (Lei nº 130/2015, de 04-09) que, no seu artº 24º, nº1 fixa um regime com pressupostos de aplicação menos restritivos do que os exigidos pelo artº 271º, pretendendo-se uma proteção acrescida da vitima na diligência com a finalidade de garantir uma maior espontaneidade e sinceridade nas suas respostas.
Resulta do artº 24º, nº1 que, “O juiz, a requerimento da vítima especialmente vulnerável ou do Ministério Público, pode proceder à inquirição daquela no decurso do inquérito, a fim de que o depoimento possa, se necessário, ser tomado em conta no julgamento, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 271.º do Código de Processo Penal.”.
O nº 6 deste normativo estatui que: “Nos casos previstos neste artigo só deverá ser prestado depoimento em audiência de julgamento se tal for indispensável à descoberta da verdade e não puser em causa a saúde física ou psíquica da pessoa que o deva prestar”.
Como se refere no Acórdão da Relação de Évora de 23-04-2024 (Proc. 1296/23.5GBABF-A.E1), “(…) para a aplicação deste regime legal, basta que se esteja na presença de vítima especialmente vulnerável para que, em regra, se proceda à tomada das suas declarações para memória futura, pois estas só não devem ser colhidas antecipadamente se se concluir que, desse modo, se coloca em causa a saúde física ou psíquica da pessoa a depor e que o depoimento a prestar em julgamento se mostra indispensável à descoberta da verdade. Sendo seguro que este regime não é de aplicação automática, no sentido de o juiz não estar vinculado ao requerido pelo MP ou pela própria vítima, é contudo evidente, pela mera leitura das normas, que tratando-se de uma situação de uma vítima especialmente vulnerável, o juiz apenas pode recusar a prestação antecipada do seu depoimento se verificar uma das duas situações alinhadas pelo nº6 do Artº 24 da citada Lei: estar em risco a saúde física ou psíquica de declarante, ou a verdade material exigir, como indispensável, que o seu depoimento seja prestado em audiência de julgamento (Cfr, neste sentido, Ac. da Relação de Évora de 23/06/2020, Proc. 1244/19.7PBFAR-A.E1, da Relação do Porto, de 24/09/2020, Proc. 2225/20.3JAPRT-A.P1 e da Relação de Lisboa, de 10/09/20)”.
Por seu turno, o artigo 67º-A, nº 1, als. a), i) iii), e b), do CPP considera “vítima” a pessoa singular que sofreu um dano, nomeadamente um atentado à sua integridade física ou psíquica, um dano emocional ou moral, a criança ou o jovem até aos 18 anos que sofreu um dano causado por ação no âmbito da prática de um crime, e “vítima especialmente vulnerável» a vítima cuja especial fragilidade resulte, nomeadamente, da sua idade.»
A prestação de declarações para memória futura de vítima especialmente vulnerável constitui um direito da própria vítima (o direito à sua não revitimização) e, tratando-se de crianças, um direito expressamente consagrado na lei, como resulta do artº 22 do mesmo Estatuto, sob a epígrafe “Direitos das crianças vítimas”.
O enquadramento da presente situação deve, assim, realizar-se no âmbito do regime fixado pela Lei 135/95, de 04-09, complementado pela Lei de Proteção de Testemunhas, aprovada pela Lei nº 93/99, de 14 de Julho.
Tratam-se de instrumentos para «proteção das fontes de prova» – vítimas de crimes sexuais menores com vista á salvaguarda do confronto e tensão próprios da audiência de julgamento, com o reviver sucessivo de uma experiência traumática. São fontes de prova protegidas – Paulo Dá Mesquita, Comentário Judiciário Do Código De Processo Penal, tomo III, 3ª edição, pag 1031 e ss.
Constata-se, da audição da diligência, que quando a Ilustre mandatária referiu querer ditar um requerimento para a ata – na altura em que a menor já estava a ser ouvida - tal foi recusado pela Srª Juiz de Instrução, precisamente nos termos relatados pela Ilustre Mandatária, tendo-lhe sido transmitido, também, que deveria fazer os requerimentos ao processo.
Não nos cabe fazer uma análise crítica de comportamentos, mas apenas analisar se tal é permitido por Lei.
«No caso de vítimas de crimes contra a liberdade e autodeterminação sexual menores de 18 anos, o legislador prevê que a tomada de declarações seja realizada em ambiente informal e reservado, com vista a garantir, nomeadamente, a espontaneidade e sinceridade das respostas, devendo o menor ser assistido no decurso do acto processual por um técnico especialmente habilitado para o seu acompanhamento, previamente designado para o efeito (art. 271.º, n.º4). O objectivo legal é, preponderantemente, o de garantir a espontaneidade e sinceridade das respostas e, subsidiariamente, o de evitar o impacto psico-emocional da participação directa da criança em tribunal. Para o efeito e como referimos, a tomada de declarações deverá ser realizada em ambiente informal e reservado. (…) Prevê-se ainda a assistência do menor por um técnico especialmente habilitado para o seu acompanhamento, previamente designado para o efeito (…)» Declarações para memória futura (elementos de estudo) Cruz Bucho 2-4-2012 (fonte aberta).
Considerando o contexto do caso concreto - menor e vítima com um grau de desvalorização de 60% - e o ambiente que deve ser proporcionado ao menor durante a realização da diligência, o Tribunal determinou, dentro dos seus poderes de direção do ato, que os requerimentos deveriam ser apresentados por escrito e que não deveriam ser ditados requerimentos para a ata tal qual refere a Ilustre Mandatária.
Pelo que não se verifica qualquer nulidade ou irregularidade do ato, tendo a Senhora Juiz de instrução atuado dentro dos seus poderes/deveres de direção da diligência e seguidamente, no próprio dia os requerimentos foram juntos aos autos e objeto de despacho.
4º da Violação do princípio do contraditório.
Em primeiro lugar compete esclarecer em que se traduz o contraditório na tomada de declarações para memória futura porque este resulta da lei – artº 271º, nº5 - A inquirição é feita pelo juiz, podendo em seguida o Ministério Público, os advogados do assistente e das partes civis e o defensor, por esta ordem, formular perguntas adicionais.
Por diversas vezes o Tribunal Constitucional foi chamado a pronunciar-se sobre este princípio:
«O n.º 5 do artigo 32.º da Constituição, assumindo que o princípio do contraditório constitui um princípio estruturante do processo penal de estrutura acusatória, estabelece que a audiência de julgamento e os atos instrutórios que a lei determinar estão subordinados ao princípio do contraditório. Assim, por imposição constitucional, na audiência de julgamento o contraditório não contempla qualquer restrição. Porém, a Constituição remete para a lei ordinária a definição da amplitude do contraditório a vigorar nas demais fases do processo. Desta forma, só na audiência de julgamento o princípio atinge a amplitude máxima, sendo diretamente aplicável sem necessidade de conformação pelo legislador ordinário. […]
A obrigação de que o processo criminal da República Portuguesa deva ser um processo justo resulta igualmente da sua vinculação à Convenção Europeia dos Direitos Humanos. O seu artigo 6.º, n.º 1, estabelece essa regra, que se aplica a casos criminais e civis, de onde decorre que cada parte tenha uma oportunidade razoável de apresentar o seu caso em condições que não o coloquem em desvantagem em relação ao seu oponente (Acórdão do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos [TEDH] Öcalan v. Turquia, em Tribunal Pleno, Petição n.º 46221/99, § 140; Foucher v. França, Petição n.º 22209/93, § 34; Bulut v. Áustria, Petição n.º 17358/90, § 47; Faig Mammadov v. Azerbaijão, Petição n.º 60802/09, § 19). Trata-se de uma lógica de igualdade de armas que está intimamente relacionada com o direito ao exercício do contraditório e, em alguns casos, o TEDH analisa a existência de uma violação do artigo 6.º, n.º 1, analisando os dois conceitos em conjunto.
O artigo 6.º da CEDH, lido como um todo, garante o direito do arguido a participar efetivamente no processo criminal (Acórdão do TEDH Murtazaliyeva v. Rússia, em Tribunal Pleno, Petição n.º 36658/05, § 91). Em geral, isto inclui, inter alia, não só o seu direito de estar presente, mas também o de ouvir e acompanhar o processo. Tais direitos estão implícitos na própria noção de procedimento contraditório e podem também derivar das garantias contidas nas alíneas c), d) e e) do n.º 3 do artigo 6.º (Acórdão do TEDH Stanford v. Reino Unido, Petição n.º 16757/90, § 26). Nos processos penais o artigo 6.º, n.º 1, da CEDH sobrepõe-se às garantias específicas do seu n.º 3, embora não se limite aos direitos aí estabelecidos. De facto, as garantias contidas no artigo 6.º, n.º 3, são elementos constitutivos, entre outros, do conceito de um processo justo estabelecido no n.º 1 (Acórdão do TEDH Ibrahim e Outros v. Reino Unido, em Tribunal Pleno, Petições n.º 50541/08, 50571/08, 50573/08 e 40351/09, § 251). O Tribunal tratou das questões da igualdade de armas e do princípio do contraditório em diversas situações, muitas vezes sobrepondo-se aos direitos de defesa previstos no artigo 6.º, n.º 3, da Convenção.
O direito ao contraditório significa, em princípio, a oportunidade de as partes terem conhecimento e comentarem todas as provas aduzidas ou observações apresentadas com vista a influenciar a decisão do tribunal (Acórdão do TEDH Brandstetter v. Áustria, Petições n.º 11170/84, 12876/87 e 13468/87, § 67). Qualquer pessoa sujeita a uma acusação criminal deve ser protegida pelo direito de defesa estabelecido no artigo 6.º, n.º 1, alínea c), em todas as fases do processo (Acórdão do TEDH Imbrioscia v. Suíça, Petição n.º 13972/88, § 37).
Como sublinhado por António Henriques Gaspar (“Princípios do processo penal português e a Convenção” in Comentário da Convenção Europeia dos Direitos Humanos e dos Protocolos Adicionais, vol. II, ponto 5):
«O princípio do contraditório enquadra, no conteúdo fundamental, o direito de audiência (audiatur et altera pars), no sentido de ouvir tanto a acusação como a defesa os sujeitos processuais devem ser ouvidos antes de ser tomada qualquer decisão que pessoalmente os afete, e têm o direito de interrogar e contrainterrogar as testemunhas e de contestar um meio de prova apresentado.
O contraditório constitui um elemento essencial (ou um subprincípio) do princípio do processo equitativo; o contraditório é, por isso, diretamente assumido na CEDH como garantia central do processo penal.
Na jurisprudência do TEDH, a noção de contraditório significa que as partes devem poder conhecer – e ter conhecimento – de todas as posições processuais ou observações (requerimentos; petições; pareceres; alegações) apresentadas por outros sujeitos processuais e terem a possibilidade de as discutir antes da decisão do juiz aplicando-se qualquer que seja a natureza do processo e em todas as fases do processo.
(…) O respeito pelo contraditório e pela igualdade de armas (a distinção entre contraditório e igualdade de armas nem sempre é clara), bem como da integridade da defesa, pressupõe um justo equilíbrio entre os interesses contraditórios da investigação e da defesa, nomeadamente o acesso aos elementos do processo necessários à defesa do direito à liberdade.»
Decorre, pois, da CEDH, uma ligação intrínseca entre as obrigações de um processo justo com a garantia de o arguido ter oportunidade efetiva de se defender e de exercer o contraditório, no âmbito do processo criminal. […]
O princípio do contraditório tem uma dimensão de garantia essencial da defesa (artigo 32.º, n.º 1, da Constituição) e por isso não pode deixar de abranger todos os atos suscetíveis de afetar a posição do arguido no processo. Sendo o contraditório um valor a preservar ao longo de todo o processo acusatório, a sua inobservância afeta de forma indelével o processo justo» - ACÓRDÃO do Tribunal constitucional nº 595/2024, Processo n.º 1183/2023, 1.ª Secção, Relator: Conselheiro José António Teles Pereira.
Para além do que acima se deixou dito sobre a possibilidade atempada da consulta dos autos pela Ilustre Mandatária, decorre da gravação da diligência em causa que foi realizada uma pausa - «(23:17) Pronto, muito bem. (23:18) Olha, vamos interromper por um bocadinho, … está bem? (23:20) Porque a Sra. Doutora vai consultar o processo, que também não tem muitas folhas.(…)»
Já deixamos consignado supra os elementos que constavam do processo aquando da presente diligência, ou seja, não se tratava de um processo que, à data, tivesse muitos elementos para consulta, ou elementos especialmente complexos.
O processo foi, mais uma vez, disponibilizado á Ilustre Mandatária que esteve presente na diligência e que voltou a insistir não estar em condições de exercer o contraditório. Esta foi a opção que tomou desde o início da diligência e que, por mais de uma vez reafirmou oralmente.
Por outras palavras foi-lhe dada a palavra para tomar esclarecimentos da menor e a Ilustre Mandatária com este fundamento – a que já aludimos anteriormente – não o quis fazer.
Pelo que não existe qualquer nulidade ou irregularidade das invocadas por inobservância do princípio do contraditório.
Sempre se diga, no entanto, que em audiência de julgamento, se o processo aí chegar, os Ilustres mandatários podem fazer uso do disposto pelo artº 271º, nº 8 do C.P.P.
Nesta conformidade improcede, também, nesta parte, o recurso.
5º da não condução do arguido à diligência para tomada de declarações para memória futura.
Voltamos a referir que a proteção legal dos menores que sejam vítimas de crime contra a autodeterminação sexual impõe, sempre, que a sua inquirição seja efetuada durante o inquérito, nos termos do art.º 271º, no 2, do CPP, isto é, através de declarações para memória futura.
Por outro lado, como acima se aludiu, a realização de tal inquirição deverá ter lugar em ambiente informal e reservado, com vista a garantir, nomeadamente, a espontaneidade e a sinceridade das respostas, sendo levada a cabo exclusivamente pelo juiz.
Dispõe, por sua vez, o no 3 do art.º 271º do CPP que a comunicação do dia, hora e local de prestação de depoimento é efetuada ao Ministério Público, ao arguido, ao defensor e aos advogados do assistente e das partes civis, sendo certo que, para a realização de tal diligência, apenas é obrigatória a comparência do Ministério Público e do defensor. Não sendo, portanto, obrigatória a presença do arguido. Decorrência normativa que sai reforçada pelas disposições conjugadas dos art.ºs 271º, no 6, e 352º do CPP, este último ao prever a possibilidade de afastamento do arguido durante a prestação de declarações.
Afastamento este que foi decidido pela Senhora Juíza de Instrução Criminal no despacho proferido a .../.../2025, onde fundamentadamente, determinou a necessidade de prestação declarações para memória futura da vítima, assim como, a sua realização na ausência do arguido, nos seguintes termos: Com o objectivo de evitar que a presença do arguido iniba a menor, a tomada de declarações será realizada na sua ausência, em conformidade com o disposto nos artigos 271.º, n.º 6 e 352.º, n.º 1, alínea a), ambos do CPP, sendo o arguido representado pelo defensor que lhe foi nomeado no 1.º interrogatório, pelo que deverá o mesmo ser notificado para estar presente.
O arguido foi notificado deste Despacho em .../.../2025 e a Ilustre Defensora em .../.../2025 - cfr autos principais.
Nada disseram ou requereram.
Por outro lado, encontra-se perfeitamente fundamentado e com base legal o despacho da Senhora Juíza de Instrução referente à invocada nulidade da diligência, por violação dos artigos 61º nº1, 271º nº3 e nº6, 352º nº2, 332º nº7 todos do Código de Processo Penal e dos artigos 20º nº1 e nº2 e 32º nº1, 3 e 5 da CRP, ou, no limite, a irregularidade, nos termos do artigo 123º nº1 do CPP, por não ter o arguido sido conduzido à diligência, para o qual se remete com expressa concordância e que conclui : Em face de todo o exposto, parece claro, que não existe qualquer nulidade ou irregularidade, relativamente à violação do disposto nos artigos 24.º, n.º 2 da Lei n.º 130/15, 33.º, n.º 5 da Lei n.º 112/09 e 271.º, n.º 6 do CPP em conjugação com o disposto no art. 61.º, n.º 1, al. a), 332.º, n.º 2 e n.º 7, aplicável ex vi do art. 352.º, n.º 2 do CPP no sentido de que o arguido pode ser afastado da diligência ou ser a diligência de prestação de declarações para memória futura realizada na sua ausência, designadamente por não violar o disposto no art. 32.º, n.º 1, 5 e 6 da Constituição ou qualquer outro princípio, norma ou parâmetro da lei constitucional.
Assim sendo, a realização do ato de prestação de declarações para memória futura na ausência do arguido nunca poderia constituir uma nulidade e muito menos uma nulidade insanável, nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 119º, al. c), do CPP, nulidade esta que está apenas prevista para as hipóteses em que a lei exija a comparência do arguido, não sendo esse o caso dos autos, constando do despacho de afastamento todos os normativos aplicáveis e fundamentação com a qual se concorda.
Razão por que se não vislumbra qualquer fundamento para vir agora o arguido falar em violação do princípio do contraditório, erigido em princípio constitucional pelo art.º 32º, no 5, da CRP, ou do seu direito a intervir no inquérito e na instrução, nos termos previstos no art.º 61º, no 1, al. g), do CPP, porquanto os mesmos foram oportunamente assegurados através da sua mandatária, que esteve presente no ato de inquirição para memória futura, assim como, posteriormente, pela legal possibilidade de o arguido, ou aquela em sua representação, se pronunciar sobre as declarações anteriormente prestadas, reagindo a elas, nomeadamente pela indicação de outras provas julgadas pertinentes, ou mesmo, na possibilidade legal concedida pelo no 8 do art.º 271º do CPP, requerendo a prestação de depoimento da menor em audiência de julgamento (desde que a mesma fosse possível e não pusesse em causa a saúde física ou psíquica da menor, sendo que a excecionalidade da sua reinquirição se funda na necessidade de evitar o efeito de vitimização secundária, que uma segunda inquirição normalmente implica para a testemunha, levando-a a reviver sentimentos negativos, de medo, ansiedade e dor) ou reagindo, contraditoriamente, ao resultado da leitura ou audição dessas declarações em audiência de julgamento, nos termos do art.º 356º, no 2, al. a), do CPP.
Podendo, assim, concluir-se que nos autos foram asseguradas ao arguido todas as garantias de defesa, isto é, de uma forma proporcionada à necessidade de, por outro lado, se proteger a vítima, que no caso é uma menor com incapacidade, a quem foi concedido nos autos o estatuto de vítima especialmente vulnerável, por causa da suspeita de crime cometido contra a sua autodeterminação sexual, circunstância que, repetimos, além de determinarem a necessidade de prestação de declarações para memória futura logo no inquérito, determinou também que a prestação das suas declarações fosse efetuada na ausência do arguido, nos termos legais e do despacho oportunamente proferido no processo. – cfr. Tribunal da Relação do Porto, Acórdão de 26 Jun. 2019, Processo 17392/16, Relator: José Francisco Mota Ribeiro, JusNet 5255/2019.
6º Se é inconstitucional a interpretação extraída na norma do artigo 271º nº1 e nº5, 6 do CPP, segundo a qual não é admissível à mandatária do arguido realizar requerimentos para a ata na diligência de declarações para memória futura por se tratar de uma diligência de uma menor, por violação dos artigos 20º nº1 e nº2 e 32º nº1, 3 da CRP.
Como vimos a Srª Juíza de Instrução atuou no âmbito dos seus poderes de direção da diligência, sem os extravasar, referindo que os requerimentos deveriam ser feitos ao processo e, afinal, dando o contraditório à Ilustre mandatária presente, nos termos supra analisados que nos escusamos de repetir. Pelo que não se verifica a violação destes ou de outros princípios constitucionais que devem presidir a uma diligência com a especificidade da descrita: sem coartar os direitos do arguido, conferir especial proteção à vítima menor e com o grau de incapacidade referido.
7º Do direito de protesto:
O art.º 80.º do Estatuto da Ordem dos Advogados (a Lei n.º 145/2015, de 09 de Setembro) estatui que:
"1 - No decorrer de audiência ou de qualquer outro acto ou diligência em que intervenha, o advogado deve ser admitido a requerer oralmente ou por escrito, no momento que considerar oportuno, o que julgar conveniente ao dever do patrocínio, sem necessidade de prévia indicação ou explicitação do respetivo conteúdo.
2 - Quando, por qualquer razão, não lhe seja concedida a palavra ou o requerimento não for exarado em acta, pode o advogado exercer o direito de protesto, indicando a matéria do requerimento e o objecto que tinha em vista.
3 - O protesto não pode deixar de constar da acta e é havido para todos os efeitos como arguição de nulidade, nos termos da lei".
Conforme se refere no Acórdão desta mesma Relação de Lisboa de 15/03/2023, processo 2996/20.7T8CSC- D L1-4 IGFEJ, bases jurídico-documentais:
«A este propósito convém lembrar as sábias palavras escritas por Germano Marques da Silva, num contexto legislativo pretérito, é certo, mas integralmente replicável no actual:
"I. O significado comum da palavra protesto é o de declaração formal de que um acto é ilegal ou que se não aceita e é também nesse sentido que é usada no n.º 2 do art.º 64.º do EOA. Se o advogado for impedido de requerer, quando o entender conveniente no exercício do patrocínio ou o requerimento não for exarado em acta, pode exercer o direito de protesto e o acto de protesto deve constar da acta.
O protesto, segundo o n.º 2 do referido art.º 64.º, só tem, pois, lugar, quando o advogado for impedido de requerer ou o requerimento não for exarado na acta e corresponde à declaração formal de não aceitação da decisão do tribunal, por violação do direito que lhe é atribuído pelo n.º 1 do art.º 64.º do EOA, mas o que importava essencialmente era o conteúdo do requerimento que o Advogado pretendia formular e a sua transcrição na acta e é por isso que no protesto se deve indicar a matéria do requerimento e o objecto que tinha em vista. É esta declaração formal que é havida para todos os efeitos como arguição de nulidade. (…)
Não é ao protesto enquanto declaração de arguição de nulidade no decurso de acto ou diligência que se refere o art.º 64.º do EOA, mas ao direito de protesto pelo impedimento do exercício do dever de patrocínio por parte do advogado.
O n.º 1 do referido art.º 64.º do EOA dispõe que no decorrer da audiência ou de qualquer outro acto ou diligência em que intervenha, o advogado deve ser admitido a requerer oralmente ou por escrito, no momento que considerar oportuno, o que julgar conveniente ao dever de patrocínio.
É ao advogado que cumpre definir a oportunidade de requerer o que tiver por conveniente ao patrocínio, mas casos há em que se o requerimento não for imediato, isto é, no próprio momento em que determinado acto do processo está a ser praticado, o requerimento perde eficácia. Assim, por exemplo, se durante a audiência se comete uma irregularidade, deve logo ser arguida; se não o for, fica suprida (art.º 123.º do CPP). Por isso que o juiz não conhece o conteúdo do requerimento antes deste ter sido formulado, o advogado deve ser admitido a requerer no momento que ele próprio considerar oportuno. O requerimento será depois deferido ou indeferido, mas não pode é ser recusada a sua formulação. Se recusada a formulação do requerimento, então e só então há lugar ao protesto, nos termos do art.º 64.º do EOA, direito do advogado que lhe é conferido pelo seu estatuto profissional de fazer constar da acta o impedimento do exercício do patrocínio, protesto que não pode deixar de constar da acta.
(…)
O n.º 3 do art.º 64.º do EOA dispõe que o protesto é havido para todos os efeitos como arguição de nulidade, nos termos da lei. Esta nulidade não é só a do acto judicial impeditivo da formulação do requerimento — o advogado tem o direito de requerer o que julgar conveniente ao dever de patrocínio — mas também a eventual nulidade que pela via do requerimento se pretendia arguir.
(…)
O protesto é, pois, um meio instrumental, uma declaração formal de que um acto é ilegal e corresponde à arguição da nulidade (em sentido amplo) dessa ilegalidade. Não é um desabafo, não é um aparte, é um acto formal de arguição de uma nulidade de processo".»
Dispõe o art. 75º nº 1 do EOA, aprovado pela Lei nº 15/2005 de 26 de Janeiro que:
“No decorrer de audiência ou de qualquer outro acto ou diligência em que intervenha o advogado deve ser admitido a requerer oralmente ou por escrito, no momento que considerar oportuno, o que julgar conveniente ao dever de patrocínio”.
Por sua vez no nº 2 do citado preceito consigna-se que:
“Quando, por qualquer razão, não lhe seja concedida a palavra ou o requerimento não for exarado em acta, pode o advogado exercer o direito de protesto, indicando a matéria do requerimento e o objecto que tinha em vista.”
Decorre assim claramente de tal norma que caberá sempre ao advogado avaliar de qual o momento que considera oportuno para a formulação do requerimento.
Porém essa avaliação não poderá ser entendida de forma absoluta.
É que a referida norma tem necessariamente de ser articulada com os preceitos que atribuem ao julgador o poder de disciplina de audiência e direção de trabalhos ( artºs 322º e 323º CPP), sob pena da mesma poder transformar-se num fator de perturbação do bom andamento da audiência.
Por isso ao juiz cabe sempre a última palavra, incumbindo-lhe avaliar tão só das consequências que uma interrupção abrupta e imediata dos trabalhos, para o exercício do direito de protesto, possa ter no bom andamento dos trabalhos, sendo que, reconhece-se, que só razões muito fortes justificarão que não se conceda de imediato essa palavra ao advogado quer seja para formular o seu requerimento quer seja com vista a lavrar o protesto, por indeferimento do primeiro.
Como diz Alberto dos Reis (CPC Anotado, Vol. IV, pág. 511.), a propósito da direcção dos trabalhos, “Este poder é, por definição, inerente à função da presidência. Quem preside a qualquer sessão tem, naturalmente, o direito e o dever de dirigir a actividade que há-de ser exercida por todos quantos nela intervêm. (cfr Acórdão da Relação de Coimbra, de 10/05/2006, processo 1312/06 – IGFEJ- Bases Jurídico-documentais.
Vertendo ao caso dos autos em momento algum a Ilustre mandatária referiu durante a diligência querer lavrar protesto para a ata, mas antes referiu querer fazer um requerimento por não estar em condições de exercer o contraditório.
Por outro lado, repete-se, estava em causa a audição de uma menor de 16 anos de idade e com o grau de incapacidade assinalado, alegadamente vítima de crime de natureza sexual.
Conforme consta do despacho impugnado estas condições foram determinantes para que a Senhora Juiz de Instrução determinasse que os requerimentos fossem feitos ao processo e que o arguido não estivesse presente na diligência.
Ao juiz cabe ponderar não só o direito legalmente atribuído aos advogados de fazerem, quando entenderem oportuno, os requerimentos necessários à defesa dos interesses e direitos dos seus constituintes, mas também o caso concreto, considerando especialmente a protecção das vítimas, neste caso uma menor com incapacidade, e a necessidade de preservar a boa administração da justiça.
Ora não é preciso ser técnico da área psicológica, bastando tão só o recurso às regras da experiência, para afirmar que só por si a presença de uma menor com este grau de incapacidade em tribunal, para prestar declarações relativamente a crime sexual de que foi alegadamente vítima pode ter consequências nefastas no seu equilíbrio psíquico-emocional, com naturais reflexos no depoimento.
Assim impunha-se para a Senhora Juiz de Instrução, conforme a sua fundamentação legalmente sustentada e a bem da boa administração da justiça e protecção da menor, ouvi-la de imediato e sem a presença do arguido, relegando para o processo a apresentação de requerimentos, já que daí não adviria prejuízo para o recorrente e para a menor esse já era evidente, como consta do despacho recorrido.
Pelo que não se verificam as alegadas nulidades -artigo 119.º, alínea c) do Código de Processo Penal, ou artigo 120º nº1 e nº2 al. d) do CPP
Em suma, a decisão não se mostra merecedora de qualquer crítica, não se mostrando, por isso violados, quaisquer preceitos legais, nem os indicados pelo recorrente, nem quaisquer outros.
Pelo que improcede o recurso.
*
3. Decisão
Nestes termos, e face ao exposto, decide o Tribunal da Relação de Lisboa julgar improcedente o recurso interposto por BB e, consequentemente, confirmar o despacho recorrido.
Custas pelo Recorrente, fixando-se em 3 UC a respetiva taxa de justiça.

Lisboa, 1 de julho de 2025.
Alexandra Veiga
Rui Coelho
João Grilo Amaral