AMEAÇA AGRAVADA
ERRO DE JULGAMENTO
IMPUTABILIDADE
IN DUBIO PRO REO
Sumário

I- A reapreciação [da prova] só determinará uma alteração à matéria fáctica provada quando, do reexame realizado dentro das balizas legais, se concluir que os elementos probatórios impõem uma decisão diversa, mas já não assim quando esta análise apenas permita uma outra decisão.
II- O reconhecimento da inimputabilidade deve operar sempre por referência aos concretos factos praticados (e não em abstrato, não se configurando como uma consequência automática da existência de anomalia psíquica), estando o respetivo reconhecimento dependente da realização de perícia médico-legal que permita concluir que o agente se encontrava afetado de anomalia psíquica no momento em que praticou os factos por que foi condenado e, decisivamente, se nesses precisos momentos estava incapaz de avaliar a ilicitude dos factos cometidos e de se determinar de acordo com essa avaliação.
III- No âmbito da apreciação da prova, interessa não tanto excluir qualquer possibilidade abstrata, matemática, de os factos terem decorrido de forma diversa da narrativa acusatória, mas antes ponderar as várias hipóteses factuais plausíveis, alternativas à hipótese probanda, à luz da experiência comum e do normal acontecer das coisas, de forma a ajuizar se alguma delas fica em aberto.
IV- Para o preenchimento do tipo [do crime de ameaça], o que importa é que a expressão usada seja adequada a causar temor, num quadro de entendimento normal, e não especificamente no concreto ofendido.

Texto Integral

Acordam em conferência na 5ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa
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I. Relatório
O arguido AA, filho de BB e de CC, nascido a ........1997 em ..., solteiro, desempregado, residente na ..., foi julgado no processo nº 114/24.1GASXL do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, Juízo Local Criminal do Seixal – Juiz 1, tendo sido condenado, por sentença datada de 26.02.2025, “pela prática de 1 (um) crime de ameaça agravada, previsto e punido pelos arts. 153.º, n.º 1 e 155.º, n.º 1, al. a), por referência ao art. 131.º do CP, na pena de 60 (sessenta) dias de multa, à taxa diária de €5 (cinco euros), no montante global de €300 (trezentos euros)”.
Inconformado com a referida condenação, dela interpôs recurso o arguido, extraindo da respetiva motivação as seguintes conclusões:
“1- O Tribunal a quo desconsiderou elementos fundamentais constantes nos autos, nomeadamente a documentação clínica e testemunhal que atestam que, à data dos factos, o arguido padecia de uma psicose diagnosticada, comprometendo a sua capacidade de autodeterminação e percepção da realidade.
2- O Tribunal não considerou o relatório do ... e a informação clínica da psicóloga que acompanhava o arguido, que descrevem um quadro de ideação delirante persecutória, solilóquios, isolamento social e alterações comportamentais com episódios de heteroagressividade.
3- O Tribunal também desconsiderou as declarações do ofendido, que afirmou que "reparou que o arguido não estava em si" e que "não ficou com medo porque sabia que ele não estava bem", o que compromete a idoneidade objetiva da suposta ameaça para provocar medo ou inquietação.
4- A expressão imputada ao arguido ("eu vou à ... buscar uns amigos, vão-te matar e partir a loja") foi proferida num contexto de desentendimento verbal, sem um comportamento subsequente que reforçasse a seriedade da suposta ameaça, retirando-lhe a idoneidade exigida pelo artigo 153.º do Código Penal.
5- Das declarações do ofendido, bem assim como as declarações da mãe do arguido, que complementam e se aperceberam deste quadro incapacitante e alucinogénio do arguido, conforme decorre das declarações do ofendido DD “ minuto 11:45h ao minuto 12:37h”, nomeadamente refere logo no início das suas declarações “ ... na altura reparei que ele não estava em si”; “ ... tinha-se apercebido, por algumas situações, que o AA não estava bem”; “ notou que ele não estava bem psicologicamente; não estava em si”, “ foi apresentar queixa, pelo sim pelo não” ... “ aconselhado por alguns clientes” “ não ficou com medo porque sabia que ele não estava bem”, “ nessa altura que aconteceu isso, não sentiu receio porque sabia que ele não estava bem” . ;ele achava que eu tinha uma camara que e que estava a ser perseguido, “ tens aí uma camara”.
6- O arguido apresentava-se à data dos factos “com ideação delirante persecutória, dirigida à família, vizinhos e elementos de autoridade, bem sistematizada e com elevado dinamismo afetivo comportamental, solilóquios, isolamento social e alterações de comportamento com hétero-agressividades dirigidas a vizinhos”; e bem assim que o ofendido se apercebeu que o arguido, à data dos factos não se encontrava em si e que os atos perpetrados pelo mesmo não estavam no domínio da sua vontade, atenta a sua patologia na altura, percetível por qualquer pessoa.
7- A inexistência de um propósito inequívoco de intimidação por parte do arguido e a falta de medo real do ofendido afastam a configuração do crime de ameaça agravada.
8- O dolo, como elemento subjetivo essencial do crime de ameaça, não se encontra demonstrado, uma vez que o arguido não possuía capacidade cognitiva e volitiva para entender o alcance das suas palavras ou determinar-se de acordo com elas.
9- A dúvida quanto à plena capacidade de autodeterminação do arguido à data dos factos deveria, no mínimo, conduzir à aplicação do princípio in dubio pro reo, com a consequente absolvição do arguido.
10- O Tribunal falhou na fundamentação da decisão, incorrendo em nulidade por insuficiência da matéria de facto para a decisão, nos termos do artigo 410.º, n.º 2, alínea a), do Código de Processo Penal.
11- O internamento psiquiátrico involuntário do arguido, confirmado judicialmente poucos meses após os factos, reforça a ausência de culpabilidade penal e deveria ter sido devidamente ponderado pelo Tribunal.
12- A condenação do arguido baseou-se exclusivamente no depoimento do ofendido, sem análise crítica das circunstâncias da suposta ameaça nem da idoneidade da conduta para gerar receio fundado.
13- Além disso, a decisão desconsiderou o diagnóstico clínico do arguido (psicose), que resultou no seu internamento em ... de 2024, fator relevante para a sua capacidade de avaliar a ilicitude dos atos e a sua culpabilidade.
14- Existe claramente a inexistência do elemento objetivo do crime porquanto as expressões empregues, no contexto em que o foi e perante as circunstâncias de tempo, lugar e estado do arguido, não são objetivamente idóneas a gerar medo e inquietação.
15- A frase proferida surgiu num contexto de discussão momentânea, sem atos subsequentes, não existindo uma intenção real de concretizar a ameaça.
16- Existem quando muito dúvidas razoáveis quanto à existência de dolo, que impõe no limite a aplicação do princípio in dubio pro reo, na medida em que é no próprio depoimento do ofendido, que decorre a ausência de uma intenção de intimidar seriamente.
17- Existe no mais uma dúvida razoável, que desconsiderando o supra invocado deve ser interpretada a favor do arguido, impondo-se, também por esta via, a sua absolvição.
Diante da ausência de elementos objetivos e subjetivos do crime de ameaça agravada, impõe-se a absolvição do arguido.
Face ao exposto, requer-se que seja dado provimento ao presente recurso e, em consequência, a revogação da sentença condenatória e a absolvição do arguido.
Nestes termos requer:
a) Seja o arguido absolvido do crime de ameaça agravada, por inexistência dos elementos objetivos e subjetivos necessários à sua verificação;
b) Subsidiariamente, na eventualidade de subsistirem dúvidas sobre a idoneidade da ameaça e sobre o dolo, pugna-se pela aplicação do princípio in dubio pro reo, com a consequente absolvição do arguido;
c) Seja considerada a especial condição clínica do arguido, evidenciada pelo internamento involuntário ocorrido poucos meses após os factos, o que compromete a sua plena responsabilidade penal.
Termos em que, pugna pela sua absolvição, requerendo a Vossas Excelências, Venerandos Desembargadores do Tribunal da Relação de Lisboa, a reparação da douta sentença de acordo com as premissas modestamente supra expostas, fazendo-se assim a habitual, sã e serena Justiça.
Assim decidindo farão V. Exa., JUSTIÇA!”
O recurso foi admitido, por ser tempestivo e legal.
O Ministério Público apresentou resposta, extraindo da respetiva motivação as seguintes conclusões:
“1. Nos presentes autos, foi o arguido AA condenado, pela prática de um crime de ameaça agravada, p. e p. pelos art.ºs 153º, nº 1 e 155º, nº 1, alí. a), por referência ao art.º 131º, todos do Código Penal;
2. Inconformado, o arguido recorreu da sentença proferida, impugnando a matéria de facto, por entender que que o Mmº Juiz do Tribunal “a quo” incorreu em erro de julgamento, por terem sido indevidamente dados como provados os factos dados como provados, alegando no essencial, que o Tribunal desconsiderou a documentação clínica e o depoimento prestado pela mãe do arguido, que, no seu entendimento “atestam que, à data dos factos, o arguido padecia de uma psicose diagnosticada, comprometendo a sua capacidade de autodeterminação e percepção da realidade”;
3. Mais alegou o arguido, ora recorrente que, uma vez que este não possuía capacidade cognitiva e volitiva para entender o alcance das suas palavras ou determinar-se de acordo com elas à data dos factos, não se encontra demonstrado o dolo do arguido no cometimento dos factos, o que consequentemente, consubstancia uma dúvida no que tange à plena capacidade de autodeterminação do arguido à data dos factos, que deveria conduzir à aplicação do princípio “in dubio pro reo”, com a consequente absolvição do arguido;
4. No entanto, não assiste qualquer razão ao arguido, ora recorrente, uma vez que decorre da prova produzida em audiência de discussão e julgamento, que o arguido praticou os factos em que foi condenado;
5. E nada resulta dos autos que indique, em concreto, que à data dos factos, o arguido estivesse incapaz de avaliar a ilicitude dos seus actos ou de se determinar de acordo com essa vontade, razão pela qual não foi ordenado qualquer exame pericial, sendo certo também que o arguido não alegou qualquer situação de inimputabilidade, em qualquer fase processual, ou requereu a realização da competente perícia médico-legal de psiquiatria, pelo que nunca poderia o douto tribunal a quo, efectuar um qualquer juízo de incapacidade do arguido para avaliar a ilicitude do facto ou para se determinar de acordo com essa avaliação, reportado ao momento da sua prática;
6. Deste modo, nenhuma razão assiste ao recorrente ao impugnar a matéria de facto dada como provada, alegando erro de julgamento, quando o mesmo pretende atacar a convicção do tribunal, mas apenas porque difere daquela que ele próprio formou, uma vez que se constata que a decisão recorrida se mostra lógica, coerente e conforme às regras de experiência comum e é fruto de uma adequada apreciação da prova, segundo o princípio consagrado no art.º 127º do Código de Processo Penal;
7. Verifica-se assim que o Tribunal a quo não julgou incorrectamente os factos, porquanto, em relação aos mesmos, foi produzida, sem margem para qualquer dúvida, prova suficiente e bastante, de que o arguido, ora recorrente, praticou todos os factos por que foi condenado;
8. Inexistindo qualquer violação do princípio da livre apreciação da prova, pois a prova foi apreciada em obediência a critérios de experiência comum e da lógica do homem médio suposto pela ordem jurídica;
9. Por outro lado, inexiste insuficiência da matéria provada para a decisão, contradição irremediável ou uma incompatibilidade entre dois ou mais factos contidos no texto da decisão recorrida e dados como provados e/ou erro notório na apreciação da prova;
10. Inexistindo assim, na douta sentença proferida e ora recorrida, qualquer um dos vícios elencados no art.º 410º, n.º 2, do Código de Processo Penal;
11. Na verdade, verifica-se que o arguido, ora recorrente, sob as roupagens dos vícios da decisão, se limita a sindicar a matéria de facto dada como provada, para além do texto da decisão recorrida, explanando nas suas motivações de recurso, a sua própria visão da prova produzida, e sopesando e valorando o manancial probatório produzido, de forma diversa e até antagónica da visão das provas que a Mmª Juíza do Tribunal a quo, apurou e fundamentou devidamente, diga-se, na douta sentença proferida;
12. Não tendo restado dúvida que o arguido praticou os factos, atenta a prova produzida, uma vez que, da prova produzida nos autos, forçoso é conclui que o arguido praticou o crime de que vinha acusado, não tem qualquer cabimento a aplicação do princípio do “in dubio pro reo”, o qual apenas tem lugar quando existe uma dúvida insanável e ultrapassável;
13. Pelo que não merece assim a douta sentença recorrida, qualquer reparo, dado que a Mmª Juíza do Tribunal a quo, efectuou uma correcta apreciação e valoração da prova produzida, decidindo em conformidade, como é de lei e de justiça, pelo que não foi violado qualquer preceito legal.
Face ao exposto, não podemos, assim, concordar com as teses defendidas pela recorrente, dado que, a douta sentença recorrida não merece qualquer reparo, pelo que deve a mesma ser mantida, integralmente, negando-se provimento ao recurso interposto.
Porém, Vossas Excelências decidirão, como sempre, como for de lei e de JUSTIÇA!”
Neste Tribunal, o Exmo Procurador-Geral Adjunto apresentou parecer, aderindo à motivação e conclusões apresentadas em 1ª instância e aditando:
“Por um lado, no que concerne ao invocado vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, tal vício não se verifica no caso em apreço, pois a matéria de facto provada é suficiente para fundamentar a decisão de direito.
Por outro lado, no que concerne à impugnação sobre a matéria de facto dada como provada, o AA não indicou qualquer prova produzida que tenha a virtualidade de impor, claramente, decisão diversa da decisão recorrida, antes se limita a divergir subjectiva e genericamente na avaliação da prova produzida com recurso a uma argumentação de valoração apoiada em apelos de vida pessoal e não apoiada em elementos de prova concretamente impositiva de sentido contrário à decidida pelo Tribunal recorrido, no entanto, o Tribunal recorrido para a demonstração dos factos dados como provados socorreu-se do conjunto da prova produzida devidamente indicada na fundamentação da douta Sentença recorrida.
Ora, o Tribunal que julga em primeira instância, goza de ampla liberdade de movimentos ao eleger, dentro da globalidade da prova produzida, os meios de que se serve para fixar os factos provados.
Assim, a questão fundamental é que o tribunal recorrido adquiriu a convicção firme sobre o facto e fundamentou o juízo crítico sobre a prova em que suportou tal convicção de acordo com as regras da lógica e da experiência comum.
A ser assim, no exame crítico levado a efeito o Tribunal recorrido seguiu um processo lógico e racional na apreciação da prova, tendo esta sido apreciada segundo as regras da experiência e da livre apreciação, nos termos do disposto no art. 127.º do Código de Processo penal.
Nesta conformidade, entende-se que não deve haver lugar à alteração da decisão sobre a matéria de facto e, consequentemente, deve improceder a impugnação sobre a matéria de facto.
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Pelo exposto, somos do parecer de que o Recurso interposto pelo AA deve ser julgado improcedente e, consequentemente, a Sentença recorrida deve ser mantida.”
Notificado em conformidade com o disposto no artigo 417º, nº 2 do Código de Processo Penal, o arguido nada disse.
Colhidos os vistos e realizada a conferência, cumpre decidir.
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II. questões a decidir
Como é pacificamente entendido, o âmbito dos recursos é definido pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação, que delimitam as questões que o tribunal ad quem tem de apreciar, sem prejuízo das que forem de conhecimento oficioso1.
Atentas as conclusões apresentadas, que traduzem as razões de divergência do recurso com a decisão impugnada – a sentença final proferida nos autos – são as seguintes as questões a examinar e decidir:
- se ocorre erro de julgamento e/ou insuficiência da matéria de facto para a decisão, em conformidade com a previsão do artigo 410º, nº 2, alínea a) do Código de Processo Penal;
- se houve violação do princípio in dubio pro reo;
- se os factos apurados preenchem os elementos objetivo e subjetivo do crime de ameaça agravada pelo qual o arguido foi condenado – ou se, pelo contrário, assim não acontece, devendo o arguido ser absolvido.
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III. Da decisão recorrida
Com interesse para as questões em apreciação em sede de recurso, consta da decisão recorrida:
“FACTOS PROVADOS
Com relevo para a decisão (e verificando-se que já se extinguiu o procedimento criminal quanto ao crime de dano que vinha imputado ao arguido), mostram-se provados os seguintes factos:
1. Em ... de 2024, o arguido AA residia na ..., artéria onde, no n.º ... de frente à habitação do arguido, estava instalada uma barbearia, explorada por DD.
2. No dia ...-...-2024, pelas 00h15m, o arguido parou o veículo que conduzia, saiu, dirigiu-se à loja de …, direcionou a luz de uma lanterna através do respiradouro e pôs-se a observar o interior da cave, altura em que foi abordado por DD, o qual ali se deslocara para ir buscar um carregador de telemóvel que tinha esquecido, e perguntou ao arguido porque estava a olhar para a cave.
3. O arguido respondeu a DD que este o andava a controlar e que estava do lado da Guarda Nacional Republicana, o que este último negou.
4. Perante tal negativa, o arguido exaltou-se, assumiu um tom de voz agressivo, e disse a DD «eu vou à ... buscar uns amigos, vão-te matar e partir a loja», ausentando-se de seguida naquele veículo automóvel.
5. No dia ...-...-2024, quando o arguido entrava no seu prédio, DD questionou-o sobre a sua atitude na noite anterior, ao que o arguido retorquiu «olha com quem andas!».
6. As palavras proferidas pelo arguido, nomeadamente pelo tom empregue e no contexto de confronto em que o foram, causaram a DD inquietação e receio pela sua vida e pela sua loja de barbearia, ficando limitado na sua liberdade de agir e de se deslocar, resultado que o arguido quis e logrou alcançar, bem sabendo que as mencionadas expressões, nas situações concretas em que o fez, eram para tanto idóneas.
7. O arguido agiu de forma livre, deliberada e consciente, sabendo que, atuando da forma descrita, praticava atos proibidos e punidos por lei penal.
Mais se apurou que:
8. Por decisão datada de ... de ... de 2024 foi judicialmente confirmado o internamento involuntário do arguido.
9. O arguido encontra-se desempregado e não beneficia de qualquer prestação social ou subsídio.
10. Reside com os pais, que trabalham.
11. Como habilitações literárias, o arguido tem o 12.º ano de escolaridade.
12. O arguido foi condenado:
- no âmbito do Proc. n.º 388/19.0GBSSB pela prática, em ...-...-2019, de um crime de recetação na pena (já extinta) de 250 (duzentos e cinquenta) dias de multa, à taxa diária de €5 (cinco euros), no montante global de €1250 (mil duzentos e cinquenta euros), decisão transitada em julgado a 07-07-2022.
- no âmbito do Proc. n.º 157/23.2GASXL pela prática, em ...-...-2023, de dois crimes de injúria agravada e de dois crimes de ameaça agravada na pena única (já extinta) de 180 (cento e oitenta) dias de multa, à taxa diária de €5 (cinco euros), no montante global de €900 (novecentos euros), decisão transitada em julgado a 10-11-2023.
FACTOS NÃO PROVADOS
a) Em... de 2024, o arguido estava desagradado com o trabalho prestado por DD, por razões não concretamente apuradas.
MOTIVAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
A fixação da matéria de facto dada como provada teve por base a análise crítica da globalidade da prova produzida em audiência de julgamento em confronto entre si, de acordo com as regras da experiência e livre convicção do julgador (cfr. art. 127.º do CPP).
Concretizemos.
Pese embora o arguido, no legítimo exercício do direito ao silêncio, não tenha pretendido prestar declarações sobre os factos que lhe são imputados, a verdade é que o ofendido prestou um depoimento em tudo credível e a análise do mesmo permitiu formar a convicção segura de que os factos descritos de 1. a 5. ocorreram nos exatos termos dados como provados.
Efetivamente, o ofendido DD prestou declarações objetivas e claras, esclarecendo de forma muito pormenorizada e descritiva como decorreu toda a conversa que travou com o arguido. Não se vislumbrando o mínimo de intuito persecutório contra o arguido (já que, inclusivamente, pretendeu desistir da queixa por si apresentada), o ofendido confirmou o teor das expressões proferidas por aquele, afirmando ainda que teve genuíno receio que o mesmo concretizasse a ameaça anunciada.
Por via do sobredito, considerou-se como provado em 6. e 7. que o arguido bem sabia que a sua conduta era apta a causar medo, receio e inquietação a DD, o que fez de forma livre, deliberada e consciente, ciente de que tal era proibido e punido por lei.
Lembre-se que os factos respeitantes aos elementos volitivos e intelectuais são inferências que se retiram dos restantes factos provados, sabido que o dolo é uma realidade que não é apreensível diretamente, decorrendo antes da materialidade dos factos analisada à luz das regras da experiência comum. Ensina Cavaleiro Ferreira (in Curso de Processo Penal, Vol. II, 1981, p. 292) que existem elementos do crime que, no caso da falta de confissão, só são suscetíveis de prova indireta, como são todos os elementos de estrutura psicológica, os relativos ao aspeto subjetivo da conduta criminosa.
A verdade é que, pese embora o arguido não tenha prestado declarações, o conhecimento e vontade de atuar no molde descrito resultam da valoração dos demais elementos de prova elencados supra, analisados à luz das regras da experiência comum.
Note-se que a suscetibilidade de a expressão proferida pelo arguido – «eu vou à ... buscar uns amigos, vão-te matar e partir a loja» – ser idónea a causar medo e inquietação decorre do significado que a mesma tem para a generalidade dos cidadãos: o anúncio de confronto atentatório da vida humana e da propriedade é apto a causar medo a qualquer homem médio. E que a sua conduta era proibida e punida por lei, o arguido não podia ignorar, em face da gravidade da mesma.
Neste particular, a convicção do Tribunal no que concerne ao elemento subjetivo (resultante da factualidade objetivamente considerada e conjugada com as regras da experiência comum) não foi abalada pela prova documental junta aos autos nem tão pouco pelas declarações prestadas em audiência de julgamento pela testemunha EE (mãe do arguido).
De facto, inexistem nos autos quaisquer elementos que possam pôr em dúvida que o arguido estivesse capaz de avaliar a ilicitude dos seus atos ou de se determinar de acordo com essa avaliação, não sendo aptos a criar tal dúvida os elementos clínicos – que admitem um diagnóstico de psicose por consumo de haxixe (fls. 59 a 61) que levou ao internamento do arguido em ... de 2024 –, nem as declarações da testemunha EE que aduziu ter notado alterações comportamentais no seu filho.
O facto descrito em 8. resultou provado por via da certidão de fls. 65, extraída do processo de tratamento involuntário n.º 19194/24.3T8LSB.
A factualidade relativa às condições sociais e de vida do arguido foi considerada como provada em 9., 10. e 11. por via do teor das declarações que o mesmo prestou em audiência de julgamento, não havendo qualquer razão para nelas não crer.
Em relação aos antecedentes criminais registados do arguido (facto descrito em 12.), o Tribunal atendeu ao teor do certificado de registo criminal junto aos autos de fls. 54 a 56.
Por sua vez, no que respeita ao facto não provado em a), o Tribunal considerou-o nessa qualidade em virtude de, sobre o mesmo, não se ter produzido prova credível e suficiente (nomeadamente testemunhal) para formular qualquer juízo positivo quanto à sua verificação.”
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IV. Fundamentação.
Como acima se assinalou, há que apreciar a eventual existência de erro de julgamento e a potencial violação do princípio in dubio pro reo, para depois se avaliar se os factos apurados preenchem o crime de ameaça agravada.
iv.1. do recurso em matéria de facto – da insuficiência da matéria de facto ao erro de julgamento
Alega o recorrente que a sentença proferida padece de insuficiência no apuramento da matéria de facto, do mesmo passo que sustenta ter sido incorretamente apreciada a prova produzida. No essencial, argumenta que os depoimentos prestados pelo ofendido DD e pela sua mãe, a par da documentação junta em audiência, deveriam ter conduzido o Tribunal à convicção de que “o arguido padecia de uma psicose diagnosticada, comprometendo a sua capacidade de autodeterminação e percepção da realidade”.
Em conexão com esta afirmação, sustenta o recorrente que “os atos perpetrados pelo mesmo não estavam no domínio da sua vontade, atenta a sua patologia na altura, percetível por qualquer pessoa”. Assim, sem jamais o afirmar claramente, o que o recorrente verdadeiramente pretende que se reconheça é a sua inimputabilidade (para os concretos factos em causa nos autos).
Para o efeito, pugna, em primeiro lugar, pela alteração da matéria de facto, por errada apreciação da prova, convocando, simultaneamente, uma alegada insuficiência da matéria de facto para a decisão. Estas afirmações correspondem a realidades técnico-jurídicas distintas.
Comecemos pelos conceitos.
Como resulta do disposto no artigo 428º, nº 1, do Código de Processo Penal, os Tribunais da Relação conhecem de facto e de direito, do que decorre que, em regra e quanto a estes Tribunais, a lei não restringe os respetivos poderes de cognição.
As questões relativas à matéria de facto podem ser sindicadas essencialmente por duas vias:
i. Por recurso à chamada revista alargada, que se reconduz à invocação de ocorrência de qualquer um dos vícios consignados no artigo 410º, nº 2 do Código de Processo Penal;
ii. Ou através da impugnação ampla da matéria de facto, a que se refere o artigo 412º, nos 3, 4 e 6, do mesmo código.
No caso da revista alargada, estamos perante a arguição dos vícios decisórios previstos nas diversas alíneas do nº 2 do referido artigo 410º do Código de Processo Penal, cuja indagação tem que resultar da decisão recorrida, por si mesma ou conjugada com as regras da experiência comum, não sendo por isso admissível o recurso a elementos àquela estranhos para a fundamentar2, como, por exemplo, quaisquer dados existentes nos autos, mesmo que provenientes do próprio julgamento – neste sentido, vd., por todos, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 05.06.20083, e de 14.05.20094, ambos disponíveis em www.dgsi.pt.
Tais vícios terão de resultar da mera leitura do texto decisório, à luz das regras de experiência comum, tendo os mesmos de ser de tal forma evidentes, que serão detetáveis por um homem médio.
Consubstanciam-se, grosso modo, na invocação de segmentos decisórios que demonstrem que os factos dados como assentes são insuficientes para se poder formular um juízo seguro de condenação ou absolvição (no caso da insuficiência) face, única e exclusivamente, ao que consta no texto decisório.
Em termos de consequências jurídicas, a verificação da ocorrência de algum vício determina a necessidade do seu suprimento podendo, em ultima ratio, ter como consequência o reenvio dos autos à 1ª instância.
Por seu turno, outros são os fundamentos, o campo de ação, os parâmetros e as consequências, na apreciação a realizar pelo tribunal ad quem no âmbito da impugnação ampla da matéria de facto, fundada na noção já não de ocorrência de vício, mas antes de erro de julgamento na apreciação da prova relativa aos factos em questão nos autos.
Assim e desde logo, tal apreciação não se restringe ao texto da decisão, alargando-se à análise da prova documentada produzida em audiência – nesta se incluindo quer a de natureza testemunhal, quer documental, quer pericial ou de outra natureza – devendo, porém, balizar-se sempre dentro dos limites recursivos expressos pelo recorrente, no estrito cumprimento do ónus de especificação imposto pelos nos 3 e 4 do artigo 412º do Código de Processo Penal, só podendo alterar-se o decidido se as provas indicadas obrigarem a decisão diversa da proferida [assim não podendo fazer-se caso tais provas apenas permitam uma outra decisão, a par da decisão recorrida - neste último caso, havendo duas, ou mais, possíveis soluções de facto, face à prova produzida (o que sucede, com algum grau de frequência, nomeadamente nos casos em que os elementos de prova recolhidos são totalmente opostos ou muito contraditórios entre si), se a decisão de primeira instância se mostrar devidamente fundamentada e couber dentro de uma das possíveis soluções face às regras de experiência comum, é esta que deve prevalecer, mantendo-se intocável e inatacável, pois tal decisão foi proferida de acordo com as imposições previstas na lei (artigos 127º e 374º, nº 2 do Código de Processo Penal), inexistindo assim violação destes preceitos legais] – cf., por todos, o acórdão deste Tribunal da Relação de Lisboa de 02.11.20215.
Nos casos de impugnação ampla, o recurso da matéria de facto não visa a realização de um segundo julgamento sobre aquela matéria, agora com base na audição de gravações, antes constituindo um mero remédio para obviar a eventuais erros ou incorreções da decisão recorrida na forma como apreciou a prova, na perspetiva dos concretos pontos de facto identificados pelo recorrente.
Importa manter presente que compete ao Tribunal decidir a matéria de facto, segundo os ditames previstos no artigo 127º do Código de Processo Penal, nomeadamente, segundo as regras da experiência e a livre convicção do julgador (desde que se não esteja perante prova vinculada), sendo estes os parâmetros determinantes do ato de julgar.
Daqui decorre que a livre convicção não se confunde com a íntima convicção do julgador, uma vez que a lei lhe impõe que extraia das provas um convencimento lógico e motivado, devendo a avaliação probatória ser realizada com sentido da responsabilidade e bom senso.
Temos, pois, que a lei não considera relevante a pessoal convicção de cada um dos intervenientes processuais, no sentido de a mesma se sobrepor à convicção do Tribunal – até porque se assim fosse, não haveria, como é óbvio, qualquer decisão final. O que a lei permite é que, quem entenda que ocorreu um erro de apreciação da prova, o invoque, fundamentadamente, em sede de recurso, para que tal questão possa ser reapreciada por uma nova instância jurisdicional.
A razão de ser desta forma de funcionamento do instituto do recurso, nomeadamente em sede de reapreciação de matéria de facto, prende-se com o princípio da oralidade, uma vez que este implica uma imediação, um contacto direto entre o julgador e os elementos de prova (sejam eles pessoas, coisas, lugares, sons, cheiros, timbre e entoação), sendo que este interagir pessoal, presencial, direto e imediato, facilita ao julgador formar a sua livre convicção.
Vistas estas considerações gerais, importa atentar nas questões suscitadas pelo recorrente.
Invocou este a ocorrência do vício previsto no artigo 410º, nº 2, alínea a), do Código de Processo Penal – insuficiência da matéria de facto apurada para a decisão.
Como suprarreferimos, a apreciação de tal questão deve incidir, exclusivamente, sobre o texto da decisão recorrida (ou seja, sem recurso a qualquer outro elemento externo – declarações, depoimentos ou documentos do processo), por si só ou conjugada com as regras de experiência comum.
A «insuficiência para a decisão da matéria de facto provada» verifica-se quando os factos dados como assentes na decisão são insuficientes para se poder formular um juízo seguro de condenação ou absolvição; ou seja, quando os factos provados são insuficientes para poderem sustentar a decisão recorrida ou quando o tribunal recorrido, devendo e podendo fazê-lo, não investigou toda a matéria de facto com relevo para a decisão da causa, o que determina que a matéria dada como assente não permite, dada a sua insuficiência, a aplicação do direito ao caso.
Note-se, todavia, que só há insuficiência para a decisão da matéria de facto quando existe uma lacuna no apuramento da matéria de facto, necessária para a decisão de direito, ou quando há uma lacuna por não se apurar o que é evidente que se podia apurar, ou quando o tribunal não investiga a totalidade da matéria de facto, podendo fazê-lo.
Assim, tal insuficiência – definida por Simas Santos e Leal-Henriques6 precisamente, como uma “lacuna no apuramento da matéria de facto indispensável para a decisão de direito” – tem de existir internamente, no âmbito da decisão, devendo aferir-se em função do objeto do processo, fixado pela acusação e/ou pronúncia, quando exista, e complementado pela defesa.
Tal vício só se verificará se se concluir que o tribunal de julgamento deixou de dar resposta a um facto essencial postulado pelo referido objeto do processo, isto é, se deixou por esgotar o thema probandum.
Porém, como se assinalou no acórdão deste Tribunal da Relação de Lisboa de 29.03.20117, «não se deve confundir este vício decisório com a errada subsunção dos factos (devida e totalmente apurados) ao direito, o que consubstancia um caso de erro de julgamento.
Nem, por outro lado, tal vício se reconduz à discordância sobre a factualidade que o tribunal, apreciando a prova com base nas “regras da experiência” e a sua “livre convicção”, nos termos do artigo 127.º do C.P.P., entendeu dar como provada. A insuficiência da prova para a matéria de facto provada, questão que pertence ao âmbito do princípio de livre apreciação da prova, não é sindicável caso não seja suscitada a impugnação ampla da decisão sobre a matéria de facto.»
Ora, no texto da decisão recorrida estão consignados todos os factos relevantes e, bem assim, o raciocínio cognitivo seguido pelo Tribunal a quo. O que resulta da decisão recorrida é que o Tribunal se convenceu de que o arguido, ao praticar os factos dados como provados, sabia o significado das palavras que proferiu e o efeito que as mesmas eram suscetíveis de produzir no seu interlocutor, conhecia a ilicitude desse comportamento e estava em condições de determinar a sua atuação em conformidade com essa avaliação das circunstâncias, o que o não demoveu de agir.
A pretensão formulada pelo recorrente, porém, assenta na sua convicção acerca da prova produzida: esgrime elementos de prova que, no seu modo de ver, demonstrariam a incapacidade de avaliar os atos praticados e de se determinar em função dessa avaliação.
Não é, obviamente, uma insuficiência da matéria de facto para a decisão que reporta.
O que pretende ver reconhecido são factos diversos dos dados como provados. Já veremos que os elementos de prova que aponta não conduzem ao resultado que pretende alcançar, porém, para o que aqui importa, é evidente que não está em causa uma insuficiência detetável no texto da decisão, nem o recorrente foi capaz de a apontar em nenhum segmento concreto do mesmo.
Nestes termos, e perante o texto da decisão que nos cabe analisar, não se pode deixar de reconhecer que este contém todos os elementos necessários à decisão de direito, inexistindo, por isso, qualquer insuficiência da matéria de facto para a decisão.
Em suma – considerada a oficiosidade do conhecimento dos vícios aqui em apreço – cabe dizer que, lida atentamente a decisão recorrida, não vemos que na mesma se tenha cometido qualquer dos vícios contemplados no citado artigo 410º, nº 2 do Código de Processo Penal – designadamente, que a matéria de facto provada seja insuficiente para a decisão, que seja evidente a existência de factos que ficaram por apurar ou que tenha sido extraída da matéria de facto qualquer conclusão patentemente errada, ilógica ou arbitrária.
Na verdade, o Tribunal recorrido tomou posição sobre a totalidade do objeto do processo, tal como o mesmo foi configurado pelos sujeitos processuais, e os factos que apurou são, claramente, bastantes para permitir a decisão alcançada. Como se disse, pode discordar-se da decisão, mas essa discordância relevará já de eventual erro de julgamento.
Improcede, pois, o recurso no que se refere à verificação de qualquer dos vícios previstos no nº 2 do artigo 410º do Código de Processo Penal no acórdão recorrido.
Vejamos, então, o que se passa com a impugnação da matéria de facto.
Quando se visa impugnar a decisão proferida sobre a matéria de facto na modalidade ampla, as conclusões do recurso, por força do estabelecido no artigo 412º, nº 3, do Código de Processo Penal, têm de descriminar:
a)-Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b)-As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida;
c)-As provas que devem ser renovadas.
A especificação dos «concretos pontos de facto» traduz-se na indicação dos factos individualizados que constam da sentença recorrida e que se consideram incorretamente julgados.
A especificação das «concretas provas» só se satisfaz com a indicação do conteúdo específico do meio de prova ou de obtenção de prova e com a explicitação da razão pela qual essas «provas» impõem decisão diversa da recorrida.
Finalmente, a especificação das provas que devem ser renovadas implica a indicação dos meios de prova produzidos na audiência de julgamento em 1ª instância cuja renovação se pretenda, dos vícios previstos no artigo 410º, nº 2, do Código de Processo Penal e das razões para crer que aquela permitirá evitar o reenvio do processo (cf. artigo 430º do Código de Processo Penal).
Relativamente às duas últimas especificações recai ainda sobre o recorrente uma outra exigência: havendo gravação das provas, essas especificações devem ser feitas com referência ao consignado na ata, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens (das gravações) em que se funda a impugnação (não basta a simples remissão para a totalidade de um ou vários depoimentos), pois são essas que devem ser ouvidas ou visualizadas pelo tribunal, sem prejuízo de outras relevantes (nos 4 e 6 do artigo 412º do Código de Processo Penal), salientando-se que o Supremo Tribunal de Justiça, no seu acórdão nº 3/2012, publicado no Diário da República, Iª série, Nº 77, de 18 de abril de 2012, fixou jurisprudência no sentido de que, «[v]isando o recurso a impugnação da decisão sobre a matéria de facto, com reapreciação da prova gravada, basta, para efeitos do disposto no artigo 412.º, n.º 3, alínea b), do CPP, a referência às concretas passagens/excertos das declarações que, no entendimento do recorrente, imponham decisão diversa da assumida, desde que transcritas, na ausência de consignação na acta do início e termo das declarações».
As menções feitas nas alíneas a), b) e c) dos nos 3 e 4 do referido artigo 412º estão intimamente relacionadas com a inteligibilidade da própria impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto. É o próprio ónus de impugnação da decisão sobre a matéria de facto que não pode considerar-se minimamente cumprido quando o recorrente se limite a, de forma vaga ou genérica, questionar a bondade da decisão fáctica.
Como já se disse, a reapreciação só determinará uma alteração à matéria fáctica provada quando, do reexame realizado dentro das balizas legais, se concluir que os elementos probatórios impõem uma decisão diversa, mas já não assim quando esta análise apenas permita uma outra decisão.
No caso, a impugnação apresentada pelo recorrente mostra-se afastada das regras legais pertinentes, não se identificando de forma clara os factos considerados incorretamente julgados, nem os trechos dos depoimentos prestados suscetíveis de impor decisão diversa da que foi tomada pelo Tribunal a quo.
Resulta, porém, das conclusões do recurso que o arguido não põe em causa que tenha proferido as expressões que lhe são atribuídas (“vou à ... buscar uns amigos, vão-te matar e partir a loja” e “olha com quem andas!”), nas circunstâncias que estão descritas na matéria de facto dada como provada. O que questiona é o estado psíquico em que se encontrava, que, no seu modo de ver, deve levar o Tribunal a concluir que agiu sem culpa.
Mas sem razão.
Como é sabido, a inimputabilidade tem como pressuposto factual determinante a comprovação de uma anomalia psíquica com potencial para destruir «as conexões reais e objectivas de sentido que ligam o facto à pessoa do agente».8
Assim, para formular um juízo de inimputabilidade que iniba a condenação pela prática de um crime torna-se necessário o que se designa9 como «condensação ou precipitação da doença naquela conduta» apelidando-se aquele juízo de «relacional ou referencial» a implicar um «triângulo probatório cujos lados são: o facto, a anomalia psíquica e o nexo que os junta numa mesma unidade de sentido».10
O artigo 20º do Código Penal faz derivar a inimputabilidade, no seu nº 1, como se sabe, da dupla condição de o agente ser portador de anomalia psíquica, e ainda de, no momento da prática do facto, ser incapaz de avaliar a ilicitude deste ou de se determinar de acordo com essa avaliação.
Quanto àquela, que Figueiredo Dias apelida de «conexão biopsicológica»11, entende-se que o conceito de anomalia psíquica é bem mais vasto do que o de “doença mental”, abrangendo “todo e qualquer transtorno ocorrido ao inteiro nível do psíquico, adquirido ou congénito”. Aí se incluem as chamadas psicopatias, enquanto “desvios de natureza psíquica relativamente ao «normal» que se não baseiem em uma «doença» ou «enfermidade corpórea»”, e que apresentam “peculiaridades do caráter devidas à própria disposição natural, e que afetam de forma sensível, a capacidade de levar uma vida social ou de comunicação normal”.
Ensina, ainda, o mesmo autor que a enorme extensão do campo das psicopatias e a ambiguidade, afinal, do conceito de normalidade, impõem uma “fortíssima restrição”. Esta realizar-se-á através da ideia de que temos que estar perante distúrbios “graves” ou “muito graves”, equiparáveis “nos seus efeitos sobre o decurso da vida psíquica, a verdadeiras psicoses”. Nestas últimas se incluem, consabidamente, por exemplo, a esquizofrenia ou a loucura maníaco-depressiva.
Quanto ao segundo elemento, apelidado de “conexão normativo-compreensiva”, entende-se que, se “a anomalia psíquica destrói as conexões reais e objectivas de sentido de actuação do agente, de tal modo que os actos deste podem porventura ser «explicados», mas não podem ser «compreendidos» como factos de uma pessoa ou de uma personalidade”, então estar-se-á perante um inimputável.
O juízo de inimputabilidade não pode deixar de pressupor que o agente não pôde agir de outra maneira na situação. É a nossa lei que claramente o impõe.
Para ser considerado inimputável o agente tem que atuar como pessoa completamente não livre, do ponto de vista intelectivo, volitivo ou de ambos.
Ora, para se chegar a esta conclusão, ou à inversa, sempre teremos que recorrer a factos concludentes que uma experiência empírica da vida nos revela. Aliás, este “senso comum” não pode deixar de ser valorado e transposto normativamente, porque é ele que subjaz e é generalizadamente aceite em todo o relacionamento social. A comunidade só funciona porque tem na base a possibilidade de responsabilização dos seus membros, de tal modo que a liberdade (enquanto poder agir de outra maneira), como característica do humano, deve ser pressuposto de toda a política social e portanto criminal, sem necessidade de prova científica ou demonstração filosófica.
Mas, por outro lado, e consequentemente, o comportamento do inimputável deve constituir, para o julgador, um desafio à compreensão. Compreensão que se mostrará impossibilitada quando se revela uma falta absoluta de sentido na atuação do agente, a falta de “apreensão da conexão objetiva de sentido entre a pessoa e o seu facto”.12
Com o acórdão deste Tribunal da Relação de Lisboa de 30.10.201813, reconhecemos ainda que “a aludida incapacidade, parcial ou total, só pode ser determinada através de exame médico às correspondentes faculdades mentais, o que implicaria a realização da correspondente perícia médico-legal, em conformidade com o disposto no artigo 351.º, do CPP.
Também não se põe em causa que, em audiência de julgamento, tal perícia é ordenada por despacho do presidente, oficiosamente ou na sequência de requerimento formulado para o efeito, nomeadamente, pelo próprio arguido, conforme se dispõe no mesmo normativo e no artigo 154.º, do mesmo Código.
Todavia, a lei não só não prevê qualquer obrigatoriedade de realização de tal perícia, quando requerida, como estabelece o condicionalismo que tem de se verificar para que a mesma tenha lugar - a questão da inimputabilidade tem de ser fundadamente suscitada -, podendo, por isso, a autoridade judiciária (presidente do tribunal) avaliar da consistência dos fundamentos invocados e da necessidade de tal exame para a decisão a proferir no respectivo processo, podendo deferir ou indeferir o respectivo pedido.”
Tal como refere Paulo Pinto de Albuquerque14, «a questão da inimputabilidade ou da imputabilidade diminuída do arguido deve ter sido suscitada “fundadamente”, isto é, a questão deve ser colocada com base em factos concretos (que são “os fundamentos”) atinentes ao comportamento do arguido que fazem nascer uma dúvida plausível sobre a capacidade de o arguido entender e querer a sua própria conduta», para além de que, «a obrigatoriedade da perícia no primeiro caso (artigo 351.º, n.º 1) não obsta, pois, à necessidade de o tribunal proceder a uma avaliação dos referidos “fundamentos”. Por outro lado, a ordem de realização da perícia no segundo caso (artigo 351.º, n.º 2) depende da justificação da necessidade da perícia para a descoberta da verdade».
No caso, não foi determinada (ou requerida) a realização de perícia, sendo certo que a potencial omissão de uma diligência que pudesse reputar-se essencial ao apuramento da verdade sempre se configuraria como nulidade dependente de arguição, nos termos previstos no artigo 120º, nº 2, alínea d) do Código de Processo Penal – já sanada, uma vez que não foi tempestvamente arguida.
Porém, verdadeiramente, perante o que resulta da análise da prova produzida no julgamento, não vemos que existissem razões fundadas que recomendassem a realização de tal perícia.
E o recorrente não indica quaiquer provas que imponham entendimento diverso do que foi adotado pelo Tribunal recorrido.
Desde logo, a documentação que convoca para o efeito é absolutamente inidónea para alcançar tal desiderato: a circunstância de terem sido emitidos dois mandados de condução ao serviço de urgência de psiquiatria, em ........2024 e ........2024, nada nos diz quanto ao estado mental do arguido nos dias ... e ........2024, e o mesmo se dirá do facto de ter sido sujeito a internamento involuntário em ........2024.
A informação clínica junta pelo arguido reporta a existência de um surto psicótico no início de ... de 2024, que foi objeto de terapêutica adequada, sendo-lhe concedida alta médica em ........2024 – daqui nada decorre quanto à pré-existência de anomalia psíquica, o respetivo tempo de evolução e os efeitos da mesma no comportamento do arguido ao longo dos meses que precederam esse internamento.
Nenhum destes elementos fornece qualquer informação relevante acerca da capacidade do arguido para avaliar a ilicitude dos seus atos, ou para se determinar de acordo com essa avaliação, em ........2024, quando se dirigiu a DD e lhe disse “vou à ... buscar uns amigos, vão-te matar e partir a loja”.
E o mesmo tem de dizer-se das declarações prestadas pelo ofendido DD. Sendo verdade que reportou ter-se apercebido que o arguido “não estava bem”, ou mesmo que “não estava em si”, é evidente que não possui competência científica (ou jurídica) para avaliar se tinha ele condições para se aperceber dos atos que pratica e de se determinar de acordo com essa perceção.
Note-se que DD também reportou a convicção de que o arguido agiu da forma descrita para o intimidar (minuto 00:19:22), e que, se fosse para lhe fazer alguma coisa, tinha ido lá novamente, ou tinha feito alguma (minuto 00:19:29) – afirmações apenas compatíveis com uma atuação deliberada e consciente, como, com inteiro acerto, se considerou na decisão recorrida.
Os argumentos avançados pelo recorrente não invalidam as conclusões alcançadas quanto a este aspeto da matéria de facto, já que apenas critica a apreciação da prova feita pelo Tribunal a quo, sobrepondo-lhe a sua própria visão sobre a mesma.
Como, em lugar paralelo, se escreveu no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16.06.202115, “Diversamente do que parece orientar a deslocada argumentação do recorrente, para que o agente de um crime seja declarado inimputável não basta que esteja afetado de uma qualquer anomalia psíquica. Para determinar da inimputabilidade fundada em patologia da mente, o legislador erigiu um critério bio-psíquico. Contudo, muitas anomalias da mente humana não afetam o juízo crítico do seu portador, não o privando da capacidade de avaliação da ilicitude do facto punível, nem da avaliação da censurabilidade da violação da esmagadora maioria dos bens jurídicos protegidos e de estar ciente de que essa violação comporta consequências jurídico-criminais, sendo capaz de escolher abster-se de agir. Como adverte, em sábio ensinamento, J. Figueiredo Dias “só a anomalia psíquica, a «enfermidade mental» no seu mais amplo sentido – e não também, v. g., a «tendência» para o crime, a herança caracterológica ou o condicionalismo do «meio» - é susceptivel de destruir a conexão objetiva de sentido da actuação do agente e, portanto, a possibilidade de «compreensão» do sua personalidade manifestada no facto16.”
E, como também se considerou no mencionado aresto, o reconhecimento da inimputabilidade deve operar sempre por referência aos concretos factos praticados (e não em abstrato, não se configurando como uma consequência automática da existência de anomalia psíquica), estando o respetivo reconhecimento dependente da realização de perícia médico-legal que permita concluir que o agente se encontrava afetado de anomalia psíquica no momento em que praticou os factos por que foi condenado e, decisivamente, se nesses precisos momentos estava incapaz de avaliar a ilicitude dos factos cometidos e de se determinar de acordo com essa avaliação.
Como se viu, nenhuma das provas indicadas pelo recorrente impõe decisão diversa da recorrida, devendo ainda referir-se que não é verdade que o Tribunal a quo tenha desconsiderado os elementos de prova apontados no recurso (o que se passa é que não lhes atribuiu o significado ou a relevância pretendidos pelo recorrente, mas esta é uma consequência do normal funcionamento do princípio da livre apreciação da prova, a que já fizemos referência).
Conforme se escreveu no acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 01 de abril de 200817: “Impor decisão diversa da recorrida não significa admitir uma decisão diversa da recorrida. Tem um alcance muito mais exigente, muito mais impositivo, no sentido de que não basta contrapor à convicção do julgador uma outra convicção diferente, ainda que também possível, para provocar uma modificação na decisão de facto. É necessário que o recorrente desenvolva um quadro argumentativo que demonstre, através da análise das provas por si especificadas, que a convicção formada pelo julgador, relativamente aos pontos de facto impugnados, é impossível ou desprovida de razoabilidade. É inequivocamente este o sentido da referida expressão, que consubstancia um ónus imposto ao recorrente.
As provas que impõem decisão diversa são as provas relevantes e decisivas que não foram analisadas e apreciadas, ou, as que, tendo-o sido, ponham em causa ou contradigam o entendimento plasmado na decisão recorrida.”
Como se disse, em matéria de apreciação da prova, rege o artigo 127º, do Código de Processo Penal: “a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente”.
A livre valoração da prova não pode ser entendida como uma operação puramente subjetiva pela qual se chega a uma conclusão unicamente por meio de impressões ou conjeturas de difícil ou impossível objetivação, mas sim valoração racional e crítica, de acordo com as regras comuns da lógica, da razão, das máximas da experiência e dos conhecimentos científicos, que permita objetivar a apreciação, requisito necessário para uma efetiva motivação da decisão.
O juízo sobre a valoração da prova tem diferentes níveis.
Num primeiro aspeto trata-se da credibilidade que merecem ao tribunal os meios de prova e depende substancialmente da imediação e aqui intervêm elementos não racionalmente explicáveis (v.g. a credibilidade que se concede a determinado meio de prova). Num segundo nível referente à valoração da prova intervêm as deduções e induções que o julgador realiza a partir dos factos probatórios e agora já as inferências não dependem substancialmente da imediação, mas hão-de basear-se na correção do raciocínio que há de basear-se nas regras da lógica, princípios da experiência e conhecimentos científicos, tudo se podendo englobar na expressão regras da experiência.
Tal não significa que a apreciação, eminentemente subjetiva, conducente a conferir maior ou menor credibilidade de um depoimento, seja insindicável, pois ao julgador é imposto o dever de explicitar as razões da sua convicção pessoal, na fundamentação da decisão, isto é, que revele não só os motivos por que certo depoimento mereceu maior credibilidade do que outro, mas também que explicite o raciocínio lógico que utilizou na apreciação global e lógica de toda a prova no cumprimento do dispõe o nº 2 do artigo 374º, do Código de Processo Penal.
E se os critérios subjetivos expressos pelo julgador se apresentarem com o mínimo de consistência para a formulação do juízo sobre a credibilidade dos depoimentos apreciados e, com base no seu teor, alicerçar uma convicção sobre a verdade dos factos, para além, na dúvida razoável, tal juízo há de sempre sobrepor-se às convicções pessoais dos restantes sujeitos processuais, corno corolário do princípio da livre apreciação da prova ou da liberdade do julgamento.
Não obstante, é de considerar que «O recorrente não impugna de modo processualmente válido a decisão proferida sobre matéria de facto se se limita a procurar abalar a convicção assumida pelo tribunal recorrido, questionando a relevância dada aos depoimentos prestados em audiência»18.
Como cremos ter deixado suficientemente explanado acima, é o que sucede no caso dos autos.
A convicção expressa pelo recorrente de que deveria considerar-se demonstrado que não estava capaz de avaliar o significado dos seus atos no dia ........2024, não encontra apoio na prova produzida em julgamento, como com inteiro acerto se considerou na fundamentação da decisão recorrida, que expressamente apreciou a questão.
Não tendo o arguido prestado declarações em julgamento, a sua disposição interior no momento da prática dos factos foi apurada com recurso a um juízo de inferência, assente em máximas de experiência, como é, de resto, consentido pelo princípio da livre apreciação da prova.
Resulta evidente que o Tribunal a quo analisou a globalidade das declarações prestadas em julgamento por todos os intervenientes processuais, deixando claro que a prova produzida se mostrou suficientemente sólida para alicerçar uma convicção positiva quanto aos factos com relevância criminal que vinham imputados ao arguido.
Lida a decisão (e a respetiva fundamentação), é de considerar que, de acordo com as regras da experiência comum, da normalidade das coisas e da lógica do homem médio, é razoável o entendimento do Tribunal a quo quanto à valoração da prova e à fixação da matéria de facto.
As provas existem para a decisão tomada e não se vislumbra qualquer violação de normas de direito probatório (nelas se incluindo as regras da experiência e/ou da lógica). O Tribunal a quo apreciou criticamente todas as provas produzidas conjugadas entre si e com as regras de experiência comum, conforme consta da respetiva fundamentação de facto.
O recorrente não concorda. Porém, a fundamentação da convicção do Tribunal, em conjugação com a matéria de facto fixada, não revela que seja notoriamente errada, ilógica, contrária às regras da experiência comum. Podemos, pois, concluir, que o Tribunal a quo, imbuído da imediação, explicitou as razões da sua convicção, de forma lógica e global, com o mínimo de consciência para a formulação do juízo sobre a credibilidade dos depoimentos apreciados e, com base no seu teor, alicerçar uma convicção sobre a verdade dos factos. Acresce que, para além da dúvida razoável, tal juízo há de sempre sobrepor-se às convicções pessoais dos restantes sujeitos processuais, como corolário do princípio da livre apreciação da prova ou da liberdade do julgamento.
Como se disse, mesmo no que se refere aos factos atinentes ao elemento subjetivo do tipo criminal imputado – o conhecimento da proibição e a vontade e determinação a agir, apesar desse conhecimento – face ao texto da decisão recorrida, tem de considerar-se que foi adequadamente extraída tal convicção, a partir da materialidade objetiva apurada.
Trata-se, como é evidente, de factos estritamente subjetivos que – a não ser que ocorra confissão – apenas são percecionáveis pelo próprio agente, pelo que a respetiva prova está dependente das inferências que possam extrair-se dos aspetos objetivos em que se materializa a ação, através do significado que tais atos têm na respetiva comunidade social.
Ora, quer a intenção, quer a motivação, como conclusões de direito que são, não podem fazer-se derivar, imediatamente, da prova, mas deduzir-se dela, na medida em que sejam mera consequência ou prolongamento da mesma. Trata-se de factos, que não deixam de o ser, mas que assumem uma particular especificidade, na medida em que constituem realidades do foro psíquico, logo internos do sujeito. Tais factos não se comprovam em si próprios, mas mediante ilações, retiradas face aos atos e às circunstâncias concretas do seu cometimento19.
Assim é que, perante os atos praticados e a consideração do seu concreto agente, com as características que lhes são próprias, não pode duvidar-se de que sabia ser proibido dirigir-se ao seu vizinho, dizendo-lhe que iria buscar uns amigos para o matar, como igualmente tem de reconhecer-se nesse comportamento uma atuação voluntária e consciente, assente no propósito de amedrontar o ofendido (mesmo que tal vontade lhe advenha de alguma ideia infundada quanto a estar a ser vigiado por esse vizinho), nada existindo nos autos que aponte em sentido contrário (o internamento involuntário ocorrido 6 meses depois não faz presumir um estado psicótico delirante na data dos factos – e, se assim fosse, o internamento teria ocorrido muito antes).
Nenhuma censura pode, por isso, dirigir-se ao Tribunal recorrido por se ter convencido de que o arguido agiu animado de dolo direto, ou seja, que agiu de forma intencional, visando alcançar o resultado que veio a verificar-se.
Em suma, de quanto se deixou já dito decorre, de forma evidente, que o recorrente não logrou demonstrar que tenha sido produzida prova que obrigasse a decisão diferente da proferida pelo Tribunal a quo, mostrando-se a decisão de facto devida e claramente fundamentada, estando suportada pela prova produzida, criticamente analisada pelo Tribunal, nos termos constantes da motivação da decisão de facto.
Consequentemente, inexistindo qualquer erro de julgamento, impõe-se manter a matéria de facto nos precisos termos fixados pela 1ª instância.
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iv.2. da violação do princípio «in dubio pro reo»
Alegou o recorrente que, face à prova produzida, o Tribunal deveria ter permanecido na dúvida “quanto à existência de dolo, que impõe no limite a aplicação do princípio in dubio pro reo, na medida em que é no próprio depoimento do ofendido, que decorre a ausência de uma intenção de intimidar seriamente” – o que importaria a respetiva absolvição.
Aquele princípio, com relevo na fixação da matéria de facto, constitui decorrência do princípio da presunção de inocência, com assento constitucional no artigo 32º, nº 2 da Constituição da República Portuguesa, devendo referir-se que o que decorre do mencionado princípio in dubio pro reo20 é que quando o tribunal fica na dúvida quanto à ocorrência de determinado facto, deve daí retirar a consequência jurídica que mais beneficie o arguido, quer na instrução, quer no julgamento.
Mas, para que a dúvida seja relevante para este efeito, há de ser uma dúvida razoável, uma dúvida fundada em razões adequadas e não qualquer dúvida (Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, I, p. 205)21.
Como se escreveu, em lugar paralelo, no já citado acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 30.03.2017, “A questão está manifestamente deslocada se se pretender situá-la no âmbito da violação do princípio "in dubio pro reo".
É que a invocação da violação desse princípio arranca da consagração constitucional de outro princípio, a saber, da presunção de inocência, do art. 32º nº 2 da CR. Sabendo-se que a principal incidência intra-processual deste último se reporta ao ónus da prova da culpa do arguido, formalmente, e à partida, a cargo da acusação, embora tudo temperado pelo princípio da investigação ou da verdade material a observar pelo juiz. O que o princípio nos diz, é que não recai, sobre quem é considerado inocente, a obrigação de ilidir a presunção dessa mesma inocência.
Ora, como corolário do princípio da presunção da inocência surge-nos o princípio “in dubio pro reo”. Se a acusação, e em última instância o próprio juiz, não conseguem reunir prova da culpabilidade do arguido, a ponto de o tribunal ficar numa situação de dúvida, então impor-se-á a absolvição. O tribunal não pode decidir-se por um “non liquet”: ou absolve ou condena. As limitações com que se debateu o funcionamento do “jus puniendi” não poderão prejudicar o arguido.
Só que a situação de dúvida tem que se revelar de algum modo, e sobretudo através da sentença. A dúvida é a dúvida que o tribunal teve, não a dúvida que o recorrente acha que, se o tribunal não teve, deveria ter tido. A esta outra problemática se responderia eventualmente com a invocação do vício da matéria de facto da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, o qual, porém, no caso, também não teria sustentação (art. 410º, nº 2, al. a) do CPP).”
No caso em apreço, o que se constata é que o Tribunal a quo não revelou dúvidas quanto à possibilidade de responsabilização do recorrente, afastando em termos claros e compreensíveis a relevância dos documentos juntos pelo arguido e, também, das declarações prestadas pela mãe deste, que, como já vimos, nada nos oferecem que possa ser transposto para o dia dos factos, não havendo razões para crer que o arguido não estivesse, no momento em que agiu, capaz de tomar as suas decisões, de modo livre e consciente. Se o tribunal não teve dúvidas, como é que se pode dizer que esteve “in dúbio”?
No âmbito da apreciação da prova, interessa não tanto excluir qualquer possibilidade abstrata, matemática, de os factos terem decorrido de forma diversa da narrativa acusatória, mas antes ponderar as várias hipóteses factuais plausíveis, alternativas à hipótese probanda, à luz da experiência comum e do normal acontecer das coisas, de forma a ajuizar se alguma delas fica em aberto.
Não está aqui em causa a questão do estalão (standard) da prova em processo penal, o mesmo é dizer, o limiar mínimo de certeza quanto ao facto probando para que este deva ser dado como provado − e, assim, tomado por verdadeiro − pelo tribunal de julgamento. É pacífico que esse estalão corresponde a uma convicção para além de toda a dúvida razoável, sendo por isso incompatível com a afirmação de meros indícios ou com a subsistência de qualquer dúvida para a qual pudessem ser dadas razões válidas. Assim é, por imposição do princípio da presunção de inocência, senão também como decorrência do princípio da culpa – nullum crimen sine culpa –, enquanto fundamento axiológico e limite absoluto da punição criminal (cf. Acórdãos TC nos 391/2015 e 521/2018).
Como se ponderou no acórdão deste Tribunal da Relação de Lisboa de 10.01.201822, suprarreferido, “a certeza judicial não se confunde com a certeza absoluta, física ou matemática, sendo antes uma certeza empírica, moral, histórica.
O princípio in dubio pro reo constitui um princípio de direito relativo à apreciação da prova/decisão da matéria de facto, estando umbilicalmente ligado, limitando-o, ao princípio da livre apreciação – a livre apreciação exige a convicção para lá da dúvida razoável; e o princípio in dubio pro reo impede (limita) a formação da convicção em caso de dúvida razoável. A dúvida razoável, que determina a impossibilidade de convicção do tribunal sobre a realidade de um facto, distingue-se da dúvida ligeira, meramente possível, hipotética. Só a dúvida séria se impõe à íntima convicção. Esta deve ser, pois, argumentada, coerente, razoável. De onde que o tribunal de recurso “só poderá censurar o uso feito desse princípio (in dubio) se da decisão recorrida resultar que o tribunal a quo chegou a um estado de dúvida e que, face a esse estado escolheu a tese desfavorável ao arguido – cfr. acórdão do STJ de 2/5/1996, CJ/STJ, tomo II/96, pp. 177. Ou quando, após a análise crítica, motivada e exaustiva de todos os meios de prova validamente produzidos e a sua valoração em conformidade com os critérios legais, é de concluir que subsistem duas ou mais perspetivas probatórias igualmente verosímeis e razoáveis, havendo então que decidir por aquela que favorece o réu.”
Sublinhamos, a este respeito, que a seleção da perspetiva probatória que favorece o acusado só se impõe quando, esgotadas todas as operações de análise e confronto de toda a prova produzida perante o julgador, apreciada conjugadamente entre si e em conformidade com as máximas de experiência, a lógica geralmente aceite e o normal acontecer das coisas, subsista mais do que uma possibilidade de igual verosimilhança e razoabilidade.
Ora, tal não é, manifestamente, o caso dos autos.
Resulta claro do texto da decisão que o arguido proferiu as expressões suprarreferidas, e que o fez com a intenção de intimidar o ofendido DD, ciente da aptidão de tais palavras para o efeito.
O Tribunal recorrido não teve dúvidas quanto a tais circunstâncias – e não vemos que as devesse ter tido.
Improcede, pois, este fundamento do recurso.
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iv.3. do enquadramento jurídico-penal
Pretende o recorrente que se conclua não estar demonstrado o cometimento do crime de ameaça agravada que lhe foi imputado, com o argumento de que a expressão por si proferida não causou receio no ofendido.
Vejamos.
Estabelece o artigo 153º, nº 1 do Código Penal, que comete o crime de ameaça “Quem ameaçar outra pessoa com a prática de crime contra a vida, a integridade física, a liberdade pessoal, a liberdade e autodeterminação sexual ou bens patrimoniais de considerável valor, de forma adequada a provocar-lhe medo ou inquietação ou a prejudicar a sua liberdade de determinação”, mais se prevendo a agravação das penas aplicáveis (no que aqui releva) quando os factos previstos no artigo 153º forem realizados: a) Por meio de ameaça com a prática de crime punível com pena de prisão superior a três anos (artigo 155º, nº 1, alínea a) do Código Penal).
Assim, como decorre da transcrita previsão legal, o preenchimento do crime de ameaça depende dos seguintes pressupostos:
- o anúncio de um mal, pessoal ou patrimonial, que configure, em si mesmo, um facto ilícito típico; o mal ameaçado tem que constituir crime, contra a vida, a integridade física, a liberdade pessoal, a liberdade e autodeterminação sexual ou bens patrimoniais de considerável valor;
- o mal ameaçado tem que ser futuro;
- a ocorrência desse mal tem que depender, nas palavras do agente, apenas de si próprio;
- a ameaça tem que ser adequada a provocar medo no destinatário ou a afetar a sua liberdade de determinação.
Discutindo a essencialidade de o mal ameaçado ter de ser futuro, escreve Taipa de Carvalho23, “Isto significa apenas que o mal, o objeto da ameaça, não pode ser iminente, pois que, neste caso, estar-se-á diante de uma tentativa de execução do respetivo ato violento, isto é, do respetivo mal. Esta característica temporal da ameaça é um dos critérios para distinguir, no campo dos crimes de coação, entre ameaça (de violência) e violência. Assim, p. ex., haverá ameaça, quando alguém afirma “hei-de-te matar”; já se tratará de violência, quando alguém afirma: “vou-te matar já”. Que o agente refira, ou não, o prazo dentro do qual concretizará o mal, e que, referindo-o, este seja curto ou longo, eis o que é irrelevante. Necessário é só, como vimos, que não haja iminência de execução, no sentido em que esta expressão é tomada para efeitos de tentativa (cf. art. 22º - 2 c)).”
Assim, para se poder aferir se uma determinada expressão ou frase, proferida pelo agente, integra ou não o anúncio de um mal futuro, é indispensável atender ao contexto e concretas circunstâncias em que os factos ocorreram. Torna-se necessário contextualizar a situação, em que a frase ou expressão foi proferida, pelo agente, para se aquilatar se estamos perante o anúncio de um “mal futuro” ou se estamos antes perante um “mal iminente” que pode considerar-se já um ato de execução de um dos crimes catálogo enunciados no nº 1 do artigo 153º do Código Penal (crime contra a vida, a integridade física, a liberdade pessoal, a liberdade e autodeterminação sexual ou bens patrimoniais de considerável valor).24
Por isso, não há que atender, em abstrato, às expressões proferidas, sendo essencial ponderar todas as circunstâncias em que tais palavras foram pronunciadas.
Finalmente, há que ter em conta que o tipo subjetivo do crime pode ser preenchido por qualquer modalidade de dolo, sendo irrelevante que o agente tenha, ou não, intenção de concretizar a ameaça25.
Isto dito, importa retornar ao caso dos autos.
Ora, o que se provou foi que, no dia ........2024, o arguido dirigiu-se ao ofendido DD e disse-lhe «eu vou à ... buscar uns amigos, vão-te matar e partir a loja».
Não há nada que indique que o arguido tencionasse, ou não, ir buscar outras pessoas para fazer mal ao ofendido, porém, como este reconheceu no seu depoimento26, tais palavras são aptas a criar no mesmo justificado receio, suscetível de afetá-lo na sua liberdade de determinação. Para o preenchimento do crime de ameaça (no caso, agravado) não é necessário qualquer ato adicional que reforce (ainda mais) a seriedade do que foi dito.
Como se referiu no acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 07.01.200827, “tudo o que não seja execução em curso é anúncio de mal futuro, sendo indiferente que a expressão usada seja «agora» «hoje», «amanhã» ou «para o ano». Futuro é todo o tempo compreendido naquele em que é proferida a expressão que anuncia o mal não acompanhada de actos correspondentes à sua concretização.
Ou seja, sempre que alguém dirija a outrem uma expressão verbal de anúncio de causação de um mal não acompanhando o anúncio de actos de execução correspondentes – permanecendo inactivo em relação à execução do mal anunciado –, todo o tempo que durar essa inacção e se mantiver a possibilidade do mal anunciado se concretizar é o futuro em termos de interpretação da expressão em causa.”
Na ocasião, as palavras foram proferidas com seriedade, em termos adequados a causar temor e inquietação no ofendido, como efetivamente causaram, sendo este o propósito visado pelo arguido, que agiu de forma livre, deliberada e consciente, sabendo que, atuando da forma descrita, praticava atos proibidos e punidos por lei penal – como também se deu como provado.
O recorrente não pôs em causa que tivesse proferido as mencionadas expressões, e já vimos que é de improceder a impugnação que ensaiou no que se refere ao elemento subjetivo do crime, sendo para o efeito irrelevante que tencionasse, ou não, molestar fisicamente o ofendido.
Por outro lado, para o preenchimento do tipo, como já se disse, o que importa é que a expressão usada seja adequada a causar temor, num quadro de entendimento normal, e não especificamente no concreto ofendido. E, sem prejuízo de já termos visto que o ofendido DD se sentiu efetivamente intimidado, a verdade é que qualquer pessoa, naquelas circunstâncias, sentiria receio, pelo que não pode duvidar-se da adequação dos atos praticados a causar o efeito típico.
Assim, perante o acervo factual apurado nos autos, não temos dúvidas quanto ao preenchimento, pelo comportamento do arguido, dos elementos objetivo e subjetivo do crime de ameaça agravada pelo qual foi condenado, nenhuma censura merecendo o enquadramento jurídico dos factos operado pelo Tribunal a quo.
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Não vem discutida no recurso a escolha e determinação da medida da pena imposta ao arguido e, face aos parâmetros em que a mesma foi determinada, não se vê que ocorra qualquer circunstância que deva determinar a respetiva apreciação ex officio, por parte deste Tribnal ad quem.
O recurso improcede.
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V. Decisão
Pelo exposto acordam os Juízes desta Relação em julgar totalmente improcedente o recurso interposto por AA, mantendo-se, nos seus precisos termos, a sentença recorrida.
Custas a cargo do recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 4 UC.
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Lisboa, 01 de julho de 2025
(texto processado e integralmente revisto pela relatora – artigo 94º, nº 2 do Código de Processo Penal)
Sandra Oliveira Pinto
Rui Coelho
Ana Cristina Cardoso
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1. Cf. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, vol. III, 2ª ed., pág. 335, Simas Santos e Leal-Henriques, Recursos Penais, 9ª ed., 2020, págs. 89 e 113-114, e, entre muitos outros, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 05.12.2007, Processo nº 3178/07, 3ª Secção, disponível in Sumários do STJ, www.stj.pt, no qual se lê: «O objecto do recurso é definido e balizado pelas conclusões extraídas da respectiva motivação, ou seja, pelas questões que o recorrente entende sujeitar ao conhecimento do tribunal de recurso aquando da apresentação da impugnação - art. 412.°, n.° 1, do CPP -, sendo que o tribunal superior, tal qual a 1.ª instância, só pode conhecer das questões que lhe são submetidas a apreciação pelos sujeitos processuais, ressalvada a possibilidade de apreciação das questões de conhecimento oficioso, razão pela qual nas alegações só devem ser abordadas e, por isso, só assumem relevância, no sentido de que só podem ser atendidas e objecto de apreciação e de decisão, as questões suscitadas nas conclusões da motivação de recurso, (...), a significar que todas as questões incluídas nas alegações que extravasem o objecto do recurso terão de ser consideradas irrelevantes.»
2. Cf. Maia Gonçalves, Código de Processo Penal Anotado, 16ª ed., pág. 873; Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Vol. III, 2ª ed., pág. 339; Simas Santos e Leal-Henriques, Recursos Penais, 9ª ed., 2020, págs. 84 e ss.; Maria João Antunes, RPCC, Janeiro-Março de 1994, p. 121).
3. No processo nº 06P3649, Relator: Conselheiro Souto de Moura.
4. No processo nº 1182/06.3PAALM.S1, Relator: Conselheiro Armindo Monteiro.
5. No processo nº 477/20.8PDAMD.L1-5, Relator: Desembargador Jorge Gonçalves, disponível em www.dgsi.pt.
6. Ob. cit., pág. 74.
7. No processo nº 288/09.1GBMTJ.L1-5, relatado pelo, então, Desembargador Jorge Gonçalves, acessível em www.dgsi.pt.
8. Figueiredo Dias, Direito Penal, Parte Geral, 2ª ed, pág. 570.
9. Cf. Cristina Líbano Monteiro, “Perigosidade de Inimputáveis e «in dubio pro reo»”, pág. 125.
10. Cf. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 23.11.2017, no processo nº 146/14.8GTCSC.S1, Relator: Conselheiro Nuno Gomes da Silva, acessível em ECLI:PT:STJ:2017:146.14.8GTCSC.S1.00/
11. Direito Penal, Parte Geral, tomo I, 2ª edição, pág. 574 e segs.
12. Cf. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça 30.03.2017, no processo nº 199/15.1PEOER.L1.S1, Relator: Conselheiro Souto de Moura, em ECLI:PT:STJ:2017:199.15.1PEOER.L1.S1.65/
13. No processo nº 881/18.1SDLSB.L1-5, Relator: Desembargador José Adriano, acessível em www.dgsi.pt.
14. Comentário do Código de Processo Penal – à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, 2008, pág. 880.
15. No processo nº 35/20.7PJOER.L1.S1, Relator: Conselheiro Nuno Gonçalves, acessível em ECLI:PT:STJ:2021:35.20.7PJOER.L1.S1.26/
16. Direito Penal, Parte Geral, Tomo I, pag. 573.
17. No processo nº 360/08-01, Relator: Desembargador Ribeiro Cardoso, acessível em www.dgsi.pt.
18. Cf. acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 06.10.2010, no processo nº 463/09.9JELSB.P1, Relatora: Desembargadora Eduarda Lobo, em www.dgsi.pt.
19. Cf. Manuel Cavaleiro Ferreira, Lições de Direito Penal, Volume I, 1992, págs. 297 e 298.
20. “A presunção de inocência é identificada por muitos autores como princípio in dubio pro reo, no sentido de que um non liquet na questão da prova tem de ser sempre valorado a favor do arguido. A dúvida sobre a responsabilidade é a razão de ser do processo. O processo nasce porque uma dúvida está na sua base e uma certeza deveria ser o seu fim. Dados, porém, os limites do conhecimento humano, sucede frequentemente que a dúvida inicial permanece dúvida a final, malgrado todo o esforço para a superar. Em tal situação, o princípio político-jurídico da presunção de inocência imporá a absolvição do acusado já que a condenação significaria a consagração de um ónus de prova a seu cargo, baseado na prévia admissão da sua responsabilidade, ou seja, o princípio contrário ao da presunção de inocência.” (Germano Marques da Silva, in “Curso de Processo Penal”, I, 5ª ed., 2008, págs. 83 e 84).
21. Sobre as possibilidades de aplicação do princípio in dubio pro reo, vd. o importante acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27.05.2009, no processo nº 09P0484, Relator: Conselheiro Raul Borges, em www.dgsi.pt.
22. No processo nº 63/07.8TELSB-3, Relator: Desembargador Nuno Coelho, acessível em www.dgsi.pt.
23. Comentário Conimbricense do Código Penal, Tomo I, Coimbra Editora, 1999, pág. 343.
24. Neste sentido, além dos já citados, o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 18.01.2017, no processo nº 15/15.4GCPNH.C1, Relatora: Desembargadora Alcina da Costa Ribeiro, acessível em www.dgsi.pt.
25. Cf. Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código Penal – à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, 4ª ed. atualizada, Universidade Católica Editora, 2021, pág. 656.
26. Como refere DD no seu depoimento, ao minuto 00:12:01, “…fiquei com receio porque não sei, não é da situação que ele se encontrava. Não sei com que tipo de gente é que ele lidava”; e, mais adiante, ao minuto 00:18:19, “eu, eu senti a minha vida ameaçada, não é uma coisa, é alguém obviamente que temos receio”; concluindo, ao minuto 00:19:22, “acho que foi para me intimidar do género como ele andava”.
27. No processo nº 1798/07-2, Relator: Desembargador Ricardo Silva, em www.dgsi.pt.