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OMISSÃO DE PRONÚNCIA
NULIDADE
Sumário
I – Sob pena de nulidade, nos termos do art. 379.º, n.º 1, al. a) do CPP, impõe-se que a sentença dê a conhecer os factos provados e os não provados, enumerando-os, sem prejuízo de os mesmos deverem ser efetivamente relevantes. II - No caso dos autos, a matéria alegada na contestação reveste relevância para a decisão, pelo que deveria ter sido enumerada no respetivo elenco factual, com isso traduzindo um efetivo juízo de prova. III – Ao não se enumerar a verificação ou não verificação de factos relevantes para a decisão da causa, não se evidencia quais é que foram efetivamente considerados e apreciados pelo tribunal recorrido e sobre os quais recaiu um juízo de prova. IV –Tal omissão não pode ser colmatada em sede recursiva, antes implicando não tornar possível sindicar a bondade da decisão recorrida, impossibilitando que deles se conheça em sede de recurso que verse sobre a matéria de facto.
Texto Integral
Em conferência, acordam os Juízes na 5ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:
I – Relatório
1. No processo comum singular n.º 15/20.2GBSNT do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste, Juízo Local Criminal de Sintra– Juiz 3, em que são arguidos AA, BB, CC e DD, todos melhor identificados nos autos, foi proferida sentença com o seguinte dispositivo: a)Condenar o arguido AA pela prática, em co-autoria, de: - um crime de burla relativa a seguros na forma tentada, previsto e punido pelo artigo 219.°, n.° 1, alínea a), e n.° 2, 22.° e 23.°, 26.° do Código Penal, na pena de 1 ano de prisão; - um crime de falsificação de documento agravado, previsto e punido pelo artigo 255.°, alínea a) e 256.°, n.° 1, alínea d), e n.° 3 e n.° 4, por referência ao artigo 386.°, n.° 1, alínea a), 26.° todos do Código Penal, na pena de 2 anos de prisão; - um crime de abuso de poder na forma consumada, previsto e punido pelos artigos art.°s 382.°, 26.°, n.°s 1 e 2, 28.° e 386.°, n.° 1, todos do Código Penal, na pena de 1 ano e 6 meses de prisão;
b. Condenar o arguido BB pela prática, em co-autoria, de: - um crime de burla relativa a seguros na forma tentada, previsto e punido pelo artigo 219.°, n.° 1, alínea a), e n.° 2, 22.° e 23.°, 26.° do Código Penal, na pena de 1 ano de prisão; - um crime de falsificação de documento agravado, previsto e punido pelo artigo 255.°, alínea a) e 256.°, n.° 1, alínea d), e n.° 3 e n.° 4, por referência ao artigo 386.°, n.° 1, alínea a), 26.° todos do Código Penal, na pena de 2 anos de prisão; - um crime de abuso de poder na forma consumada, previsto e punido pelos artigos art.°s 382.°, 26.°, n.°s 1 e 2, 28.° e 386.°, n.° 1, todos do Código Penal, na pena de 1 ano e 6 meses de prisão;
c. Condenar o arguido CC, pela prática, em co-autoria, de: - um crime de burla relativa a seguros na forma tentada, previsto e punido pelo artigo 219.°, n.° 1, alínea a), e n.° 2, 22.° e 23.°, 26.° do Código Penal, na pena de 8 meses de prisão; - um crime de falsificação de documento, previsto e punido pelo artigo 255.°, alínea a) e 256.°, n.° 1, alínea d), todos do Código Penal, na pena de 1 ano de prisão; - um crime de abuso de poder na forma consumada, previsto e punido pelos artigos art.°s 382.°, 26.°, n.°s 1 e 2, 28.° e 386.°, n.° 1, todos do Código Penal, na pena de 1 ano de prisão;
d. Condenar o arguido DD pela prática, em co-autoria, de: - um crime de burla relativa a seguros na forma tentada, previsto e punido pelo artigo 219.°, n.° 1, alínea a), e n.° 2, 22.° e 23.°, 26.° do Código Penal, na pena de 8 meses de prisão; - um crime de falsificação de documento, previsto e punido pelo artigo 255.°, alínea a) e 256.°, n.° 1, alínea d), todos do Código Penal, na pena de 1 ano de prisão; - um crime de abuso de poder na forma consumada, previsto e punido pelos artigos art.°s 382.°, 26.°, n.°s 1 e 2, 28.° e 386.°, n.° 1, todos do Código Penal, na pena de 1 ano de prisão;
e. Em cúmulo jurídico de penas aplicar a cada um dos arguidos AA e BB, uma pena única de 3 anos de prisão;
f. Em cúmulo jurídico de penas aplicar a cada um dos arguidos CC e DD uma pena única de 1 ano e 8 meses de prisão;
g. Suspender as penas aplicadas aos arguidos na execução por período idêntico ao das respetivas penas; (…)
2. Os arguidos não se conformaram com as respetivas condenações e interpuseram recurso da sentença.
2.1. Os arguidos AA e CC apresentaram a respetiva motivação do recurso de forma conjunta, finalizando com as seguintes conclusões (transcrição):
I. Antes de mais, no seu modesto entender, haver insuficiência da matéria de facto dada como provada para a condenação do recorrente - al. a) do n.° 2 do artigo 410° do C.P.P.
II. Por outro lado, por entender haver contradição insanável na fundamentação ou entre esta e a decisão a propósito dos factos provados em 6, 7, 8, 9, 10, 11, 12, 13, 14, 28, 40, 41, 42, 43, 44, 45, 46, 47, 48, 49, 50, 51, 52, 53, 54, 55, 56, 57, 58; há também contradição insanável na fundamentação entre os factos provados sob os artigos supra e a matéria constante dos factos não provados (por omissão de pronúncia) - alínea b) do n° 2 do artigo 410° do C.P.P.
III. Acresce que o Tribunal a quo valorou erradamente a prova produzida em audiência quanto à matéria de facto tendente à formação da convicção de que o recorrente praticou factos integradores do preenchimento dos elementos objectivo e subjectivo do tipo de crime de corrupção passiva e um crime de poder, mostrando-se erradamente julgados a propósito os factos provados 6, 7, 8, 9, 10, 11, 12, 13, 14, 28, 40, 41, 42, 43, 44, 45, 46, 47, 48, 49, 50, 51, 52, 53, 54, 55, 56, 57, 58.
IV. Por outro lado, ainda, a sentença recorrida é nula por falta de fundamentação relativamente à matéria assente sob a alínea 6, 7, 8, 9, 10, 11, 12, 13, 14, 28, 40, 41, 42, 43, 44, 45, 46, 47, 48, 49, 50, 51, 52, 53, 54, 55, 56, 57, 58 existindo mesmo contradição insanável na fundamentação expedida da subsunção da matéria de facto à circunstância apurada nos autos (no que concerne à extensa prova documental e respectivos depoimentos das testemunhas).
V. Adicionalmente, independentemente disso, a sentença em crise enferma ainda do vício de insuficiência para a decisão, da matéria de facto provada sob os pontos 6, 7, 8, 9, 10, 11, 12, 13, 14, 28, 40, 41, 42, 43, 44, 45, 46, 47, 48, 49, 50, 51, 53, 54, 55, 56, 57, 58 quanto aos recorrentes. II - Das contradições insanáveis - al. b) do n° 2 do art 410°, do C.P.P.
a. Há contradição insanável entre os factos provados no artigo 6, 7, 8, 9, 10, 11, 12, 13, 14, 28, 40, 41, 42, 43, 44, 45, 46, 47, 48, 49, 50, 51, 52, 53, 54, 55, 56, 57, 58 dos factos provados - alínea b) do n° 2 do artigo 410° do C.P.P
b. Com efeito, do confronto dos mesmos fica-se claramente com a certeza de que os arguidos não praticaram os crimes imputados.
c. No entanto, em face da matéria dada como não provada facto apresenta-se absolutamente contraditório com o artigos 6, 7, 8, 9, 10, 11, 12, 13, 14, 28, 40, 41, 42, 43, 44, 45, 46, 47, 48, 49, 50, 51, 52, 53, 54, 55, 56, 57, 58 dos factos provados de difícil compatibilização designadamente em face da prova documental junta aos autos.
d. Por outro lado, há também contradição insanável na fundamentação entre os factos provados nos artigo 6, 7, 8, 9, 10, 11, 12, 13, 14, 28, 40, 41, 42, 43, 44, 45, 46, 47, 48, 49, 50, 51, 52, 53, 54, 55, 56, 57, 58
e. Com efeito as contradições insanáveis são inúmeras, quer entre a matéria de facto provada, quer entre esta e a não provada referida.
f. Em face delas, pese embora inexista qualquer prova segura de que o recorrente tenha, em algum momento, logrado celebrar um acordo com os demais arguidos para causar um prejuízo ilegítimo à seguradora- cf. al. c) do n.° 2 do artigo 410°, 426° e 426°A todos do C.P.P. III - Do erro de julgamento - factos provados sob o artigo 6, 7, 8, 9, 10, 11, 12, 13, 14, 28, 40, 41, 42, 43, 44, 45, 46, 47, 48, 49, 50, 51, 52, 53, 54, 55, 56, 57, 58 (em especial os artigos supra mencionados) dos factos provados:
h. O tribunal a quo valorou erradamente a prova produzida em audiência quanto à matéria de facto tendente à formação da convicção de que o recorrente tenha logrado alcançar um esquema para enganar a seguradora. Efectivamente a seguradora interpelada para o efeito não procedeu ao pagamento da factura como estava obrigada contratualmente, justificando uma alegada simulação, sem que tenha reunido prova testemunhal e/ou pericial que contrariasse a versão dos arguidos.
i. Com efeito, para além das contradições insanáveis já assinaladas a propósito, a verdade é que do depoimento do arguidos e das testemunhas supra indicadas resulta claramente que os arguidos não praticaram os factos de que foram acusados pelos motivos supra. No local do sinistro esteve presente uma patrulha da GNR – que confirmou em audiência de julgamento ter lá estado e confirmado a existência do sinistro. Confrontado em audiência de julgamento o gestor de sinistros da segurada referiu, expressamente, não ter sido ordenada qualquer prova pericial para aferir se os danos relatados na participação e na factura/orçamento de reparação existiam ou não.
j. A melhor apreciação da prova produzida, mormente do depoimento prestado pelas testemunhas infra, cotejam e confirmam a posição dos arguidos, ora recorrentes, o que impõem diferente resposta quanto aos referidos factos.
k. O tribunal fundou a decisão com base na prova documental e testemunhal segmentada, sem olhar para a globalidade da prova, conferindo um valor probatório que não tem correspondência na demais prova (documental, testemunhal e/ou pericial), senão veja-se a disparidade entre o que é dado como provado e o que foi relatado por todos os militares da GNR que depuseram em tribunal quanto às falhas do SIOP, a partilha de chaves de acesso ao sistema para elaboração de expediente ou pela existência de sucessivas versões de documentos (que são provocadas pelo facto do sistema à data não permitir a gravação automática da peça o que obrigava á criação de uma "nova" versão). IV - Da nulidade da sentença por falta de fundamentação e da contradição insanável da mesma a propósito do facto provado sob o artigos 6, 7, 8, 9, 10, 11, 12, 13, 14, 28, 40, 41, 42, 43, 44, 45, 46, 47, 48, 49, 50, 51, 52, 53, 54, 55, 56, 57, 58 dos factos provados e da subsunção dos provados à circunstância dos crimes imputados.
l. A sentença é nula por falta de fundamentação relativamente à matéria dada como assente sob os pontos 6, 7, 8, 9, 10, 11, 12, 13, 14, 28, 40, 41, 42, 43, 44, 45, 46, 47, 48, 49, 50, 51, 52, 53, 54, 55, 56, 57, 58 dos factos provados, pois não deixa transparecer suficientemente os motivos que fundamentam a mesma, nulidade que aqui se argui nos termos do disposto no artigo 374°, n.° 2, ex - vi al. a) do n.° 1 do artigo 379°, ambos do C.P.P.
m. Sendo certo que na tentativa de fundamentar a decisão tomada quanto ao preenchimento do elemento subjectivo dos tipos de crime o Tribunal a quo deixa-se enredar-se na apreciação que faz de uma e outra circunstância.
n. Não obstante, apesar disso, numa clara contradição insanável da fundamentação e entre esta e a decisão, o tribunal entendeu dever condenar, erradamente, os recorrentes quando inexiste o preenchimento do elemento objectivo e subjectivo do tipo de crimes de que foi acusado. V - Da insuficiência da matéria de facto provada para a decisão de condenar o recorrente pelos crimes de corrupção passiva e de abuso de poder:
o. Acresce que a matéria dada como provada a propósito, designadamente os artigos 6, 7, 8, 9, 10, 11, 12, 13, 14, 28, 40, 41, 42, 43, 44, 45, 46, 47, 48, 49, 50, 51, 52, 53, 54, 55, 56, 57,58 dos factos provados é claramente insuficiente para a decisão de condenar o recorrente pelos crimes imputados, vício que deve ser declarado (al. a) do n.° 2 do artigo 410° do C.P.P.)
p. Existindo também erro de julgamento do mesmo, desde logo em face à prova documental junta aos autos e que comprova que os arguidos não actuaram do modo descrito, existindo, inclusive, abundante e esclarecedora prova documental que prova que existiu um sinistro, que esteve uma patrulha da GNR no local que confirmou este facto, que os veículos foram colocados numa oficina e feito um orçamento com base nos danos existentes e que a seguradora não ordenou a elaboração de qualquer perícia aos veículos para provar o que alegava: que os anos não seriam compatíveis com a dinâmica do acidente descrito, versão contrariada pelos recorrentes. A sentença recorrida violou por erro de interpretação e aplicação o disposto nas disposições legais supracitadas. Considera incorretamente julgados os factos provados sob os n.° 6, 7, 8, 9, 10, 11, 12, 13, 14, 28, 40, 41, 42, 43, 44, 45, 46, 47, 48, 49, 50, 51, 52, 53, 54, 55, 56, 57, 58 (e em especial os supra indicados quanto ao arguido ora recorrente) e toda a matéria de facto tendente à formação da convicção de que os recorrentes praticaram os crimes de burla a seguradora, abuso de poder, falsificação de documento agravado. Impõem solução diversa:
• uma melhor apreciação do conjunto da prova produzida, designadamente:
• Toda prova documental junta aos autos
• E uma correcta apreciação daqueles elementos no cotejo com o teor dos depoimentos prestados pelo arguido BB, ficheiro 2020464417_20099173_2871047.wma, 00:30 a 1:01:23 - Uma correta apreciação daqueles elementos no cotejo com o teor dos depoimentos prestados pelas testemunhas: EE Ficheiro áudio n.° diligencia_15-20.2gbsnt_2023-12-13_16-12-15; JJ Ficheiro áudio n.° Diligencia 15-20.2GBSNT_2024-01-15_15-56-02, FF Ficheiro áudio n.° Diligência_15-20.2GBSNT_2024-01-15_10-23-20, GG Ficheiro áudio n.° diligencia_15-20.2gbsnt_2023-12-13_16-12-15; HH Ficheiro áudio n.° diligencia_15-20.2gbsnt_2023-12-13_16-12-15, II Ficheiro áudio n.° diligencia_15-20.2gbsnt_2023-12-13_16-12-15 - A correcta apreciação do conjunto da prova levará necessariamente a uma diferente resposta aos factos em crise, com as legais consequências, como é de justiça. (…) Em suma: - há insuficiência da matéria de facto provada para a decisão de condenar os recorrentes, pelos crimes imputados - Há contradição insanável na fundamentação, entre os factos assentes e entre esses e a decisão (artigo 410°, n.° 2, alínea a) do C.P.P. - Há errada valoração do conjunto da prova produzida e, consequente, erro de julgamento quanto aos factos tendentes à formação da convicção (quanto aos factos 6, 7, 8, 9, 10, 11, 12, 13, 14, 28, 40, 41, 42, 43, 44, 45, 46, 47, 48, 49, 50, 51, 52, 53, 54, 55, 56, 57, 58 e em especial os indicados supra o que aos arguidos dizem respeito).
- Em qualquer circunstância, deve revogar-se a sentença recorrida e substituí-la por acórdão que, fazendo correcta apreciação e valoração da prova produzida, os absolva da prática dos crimes de burla relativa a seguros, de falsificação de documento agravado e de abuso de poder Assim se fará Justiça, Senhores Desembargadores.
2.2. O arguido BB finalizou a motivação do recurso com as seguintes conclusões (transcrição):
1. Com interesse para a decisão da causa e para a verificação de conduta suscetível de violação de norma penal considerou o douto tribunal à quo considerados provados os primeiros 58° fatos dados como assentes (e que nos dispensamos aqui de os transcrever pois tornaria o presente recurso demasiado extenso e desviaria a atenção do essencial).
2. Desde logo importa referir que em sede de contestação o aqui arguido em 18 páginas de contestação invocou diversos fatos que eximiriam qualquer responsabilidade sua, bem como invocavam inexistência de crime e eventual responsabilidade por ilícito disciplinar do AA, alegava o desconhecimento da inexistência de acidente, justificava e explicava todos os comportamentos que lhe são imputados como ilícitos penais e indicando sobre os mesmos mais de uma dezena de testemunhas que atestaram não ter existido no comportamento do Recorrente qualquer atuação desconforme à forma de atuação do subdestacamento da GNR de ... e de todos os militares que aí prestaram funções.
3. Porém, inexiste na factualidade dada como provada e na não provada qualquer referência concreta a qualquer fato com relevo invocado pelo arguido na sua contestação.
4. E dizemos ter o arguido invocado fatos com relevo porque na sua contestação invocou em suma que:
5. o arguido não tinha conhecimento prévio de uma simulação de acidente
6. nem com a sua conduta procurou favorecer terceiros para que aqueles conseguissem obter indemnização de seguro por acidente de viação que não houvesse ocorrido.
7. O fato de que quando um militar da GNR ou um agente da brigada de trânsito da PSP é chamado para lavrar um auto de acidente o mesmo não se desloca ao local para confirmar a existência ou não de acidente, mas apenas para lavrar auto de posicionamento dos veículos alegadamente sinistrados e recolher as versões de condutores e eventuais testemunhas.
8. Que não se comprova do auto subscrito pelo recorrente a real existência de acidente mas apenas o que os intervenientes referiram e o posicionamento dos veículos verificado pelo agente autuante.
9. Que para a elaboração de um auto de acidente é indiferente a crença pessoal de se tratar de acidente ou não, pois não cabe ao militar que redige o auto esses mesmos juízos de valores, não sendo quem redige o auto responsável pelo conteúdo da informação aí descrita, ao contrário do referido no art.° 31 da acusação / pronúncia, uma vez que o conteúdo dessa informação é da estrita responsabilidade dos declarantes e sendo o autuante meramente quem escreve o que é dito pelos declarantes.
10. Que o arguido não tem formação especifica ou conhecimentos técnicos ou cientificos para aferir da veracidade de um acidente.
11. Que o mesmo limitou-se a cumprir escrupulosamente as suas funções ao ser chamado para elaborar um auto de acidente.
12. Que o arguido desconhecia que uma das viaturas tivesse o seguro em nome do arguido AA, tendo esse facto apenas lhe sido transmitido pelo arguido AA meses mais tarde quando este problema surgiu.
13. Que aos militares da GNR apenas cumpre verificar se os documentos se encontram todos em ordem e se a ... e o seguro da viatura se encontram válidos, muitas vezes sendo apenas vistos as matrículas e datas de validade nas cartas verdes e não os titulares dos seguros.
14. Que mesmo que o arguido tivesse visto o titular do seguro (o que não recorda) certo é que existem mais pessoas com nomes iguais, pelo que não era apenas por esse facto que o arguido teria de perceber que se trataria de uma viatura segurada em nome do arguido AA.
15. Que estaria certo que não lhe foi transmitido na altura que uma das viaturas estaria segura em nome do arguido AA.
16. Que o AA iniciou a elaboração do auto de acidente mas que daí apenas resulta a realidade que em 2017 (e ainda hoje) sucedia (e sucede) em todos os destacamentos da GNR, em que muitas vezes o auto é iniciado por um colega enquanto o outro trata de outro assunto para despacharem trabalho, sendo assim normal que seja outro militar a iniciar um processo de acidente ou uma participação crime e ajudar o autuante, seja ele o ora arguido ou qualquer outro militar da GNR (como aliás foi atestado por todas as testemunhas de defesa militares da GNR).
17. Que não considerou o arguido na altura estranho que o AA tivesse iniciado o auto porque era (e é) natural essa entreajuda entre os militares da GNR.
18. Que a elaboração do auto por outro militar mais não é do que reduzir para auto as informações recolhidas pelo militar da GNR que se deslocou ao local do acidente e elaborar croqui de acordo com as posições de veículos, marcos e medidas retiradas e anotadas por esse mesmo pelo militar da GNR que se deslocou ao local do acidente uma vez que quem inicia o auto de participação de acidente mais não faz do que reduzir a escrito em computador todas as notas, identificações, croquis, sinalética e medidas recolhidas no local do alegado sinistro pelo militar da GNR que se deslocou ao local do acidente e sendo essa transcrita em auto que posteriormente é confirmada pelo militar da GNR que se deslocou ao local do acidente de acordo com os seus próprios apontamentos que forneceu para que o auto fosse elaborado.
19. Pelo que ter sido o AA a iniciar a elaboração no sistema daquele auto de acidente nenhuma estranheza causou ao arguido, pois esse procedimento, como se disse, era (e é) normal não apenas naquele destacamento da GNR mas na grande maioria dos destacamentos da GNR, e era normal por ordens superiores para que os militares despachassem serviço, podendo um qualquer militar que na altura estivesse sem outro serviço auxiliar outro que no momento tivesse outras coisas também para fazer.
20. Que desconhecia o arguido e não lhe tendo sido transmitido que o AA teria algum interesse particular naquele sinistro.
21. Que o arguido BB que o AA havia procedido à impressão de um auto de acidente e enviado para a seguradora sem que houvesse solicitado certidão para o efeito e que tivesse pelo seu punho assinado o croqui do acidente, nunca tendo ao arguido sido previamente comunicado esse facto nem lhe tendo sido pedida qualquer autorização (que nem tinha aliás de ser pedida pis o ora arguido não é superior hierárquico do AA).
22. Que ainda que ainda que um dos croquis esteja assinado pelo AA, não se mostra adulterada a informação aí transcrita relativamente ao croqui assinado mais tarde pelo arguido.
23. Que não existe qualquer falsificação de documento pelo arguido BB quando o AA assina o croqui sem o seu conhecimento.
24. Que ao contrário do que refere a douta acusação em 2017 não era obrigatório efetuar o NEO, sendo que somente era obrigatório a informação sumária efetuada em documento word, pelo que a falta de participação no NEO por parte do arguido não resulta em qualquer má conduta do arguido, sendo antes aquilo que todos os militares da GNR faziam por não haver na altura obrigatoriedade.
25. Que as diversas versões do Auto de Acidente de Viação a que se refere o art. ° 34° da acusação, mais não são essas versões do que a mesma versão com várias gravações à medida que se vai acrescentando e se vai gravando, para em caso de corte de energia ou falha no sistema não se perder todo o trabalho já elaborado uma vez que no sistema SIIOP basta clicar em “guardar" o documento que se está a elaborar para criar uma nova versão (ponto 34 da acusação) - tal como foi aliás atestado por várias testemunhas
26. Que as 14 versões diferentes não são na realidade versões diferentes mas versões em que de uma para outra subsequente é acrescentado sempre mais alguma coisa até à versão final que contempla a inclusão de todos os aditamentos que se foram fazendo e gravando nas versões anteriores.
27. Que é prática corrente na GNR não se mencionar no relatório de atendimento a ocorrência quando a patrulha tem conhecimento direto de uma ocorrência, e sendo normal muitas vezes não ser mencionada a ocorrência na guia de patrulha por depois a mesma ser preenchida no final da patrulha de acordo com o relatório de atendimento, sendo apenas mencionadas no relatório de atendimento as chamadas efetuadas para o atendimento do Posto da GNR em causa (comi foi aliás referido por várias testemunhas).
28. Que a própria testemunha EE terá transmitido ao arguido BB) a testemunha em causa apenas terá proferido tais afirmações por lhe ter sido dito pelos NIC que se assim não fosse o mesmo seria alvo de procedimento disciplinar (e depois considera o douto tribunal à quo estranha a postura defensiva da testemunha e que fazia esclarecimentos antes que lhe fossem perguntadas algumas questões).
29. Que a própria testemunha EE não escrevia nas guias todas as ocorrências a que vai e que é habitualmente normal no final do serviço pedir ao militar de atendimento para copiar as ocorrências que este pôs no relatório de atendimento é do conhecimento de todos os militares que com o mesmo trabalham ou já trabalharam.
30. Que toda a conduta do Recorrente foi feita de acordo com as normas vigentes na própria GNR.
31. E sobre todas estas questões não é em concreto nenhuma enunciada nos fatos provados ou não provados.
32. Apenas se refere que “Com relevância para a decisão não há factos não provados, designadamente aqueles alegados na contestação deduzida por BB, os quais estão em direta oposição com a matéria fáctica descrita na acusação considerada provada.”
33. Sendo assim desde logo a douta sentença omissa quanto à factualidade invocada na Contestação.
34. Sendo que igualmente é omissa na sua fundamentação sobre a forma que as testemunhas de defesa criaram convicção pela positiva ou pela negativa no douto tribunal à quo.
35. Com efeito, foram ouvidas 8 testemunhas de defesa do arguido, mas a douta fundamentação apenas se refere ao que terá sido dito (e mesmo assim de forma errada) pelas testemunhas EE, JJ e KK.
36. Mas... o que disseram as restantes testemunhas de defesa do Recorrente, todas essas testemunhas militares da GNR que depuseram sobre os factos e sobre a forma de atuação e a normalidade dos comportamentos do Recorrente? Como serviram essas testemunhas pela positiva ou pela negativa para formar a convicção do tribunal? Nem nenhuma menção existe ao seu depoimento, à sua relevância ou irrelevância, à sua credibilidade ou à falta dela.
37. Mas, certo é que sendo um facto sobre o qual poderá incidir a ponderação da medida da pena não se encontra na factualidade dada como assente nem na factualidade não provada, apesar de ter sido alegada em sede de Contestação, existe efetivamente omissão de pronuncia, encontrando-se a douta sentença ferida de nulidade.
38. Assim, ao não ser feita qualquer concreta referência às questões apontadas na sua contestação que o eximiriam da prática de qualquer crime e que justificam todos os seus comportamentos no estrito exercício da atividade profissional tal como lhe é exigido enferma a douta sentença ora recorrida de nulidade por omissão de pronuncia nos termos do art.° 379.°, n.° 1, al. c), 1ª parte, do CPP, ou, ainda que assim se não entenda, enferma do vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto previsto no art.° 410°, n° 2, al. a), do CPP.
39. Basta atentarmos ao próprio texto da douta decisão para se perceber a notória e insanável contradição entre a factualidade dada como provada e aquela que foi dada como não provada, senão vejamos:
40. A factualidade dada como provada elenca diversos fatos suscetíveis de gerar responsabilidade criminal do arguido.
41. O arguido na sua contestação nega a prática dos fatos, dizendo que todo o seu comportamento foi no estrito cumprimento das suas funções no preciso termo em que lhe era exigido e que desconhecia a simulação (se é que houve simulação) de qualquer sinistro.
42. A douta sentença refere quanto à factualidade não provada que “Com relevância para a decisão não há factos não provados, designadamente aqueles alegados na contestação deduzida por BB, os quais estão em direta oposição com a matéria fáctica descrita na acusação considerada provada".
43. Ou seja, não há fatos não provados então não é dado como não provado aquilo que o recorrente alega na sua contestação de que não fez nenhum crime, e se não é dado como não provado então é dado como provado o que o Recorrente alega (nomeadamente que não fez nenhum crime).
44. A douta sentença diz claramente (e aqui apenas invertendo o princípio com o fim do texto que “designadamente aqueles alegados na contestação deduzida por BB, os quais estão em direta oposição com a matéria fáctica descrita na acusação considerada provada" “...não há factos não provados", ou seja, são dados como provados os fatos que estão em clara oposição com os fatos dados como provados!
45. É assim dado como provado que o arguido desconhecia a existência de qualquer simulação de acidente e que apenas seguiu todos os comportamentos profissionais legais que lhe eram exigidos e expetáveis e, simultaneamente, é dado como provado que dolosamente aderiu a um plano onde sabia ter sido simulado um acidente para que fossem obtidos proventos ilícitos tendo condutas ilícitas.
46. Destarte, o Tribunal fez uma errada apreciação dos factos que levaram a ser dado como provado o crime porque foi o Recorrente condenado, e cuja factualidade que se coloca em crise no que respeita à inclusão do ora Recorrente e que se encontra descrita naqueles pontos acima identificados.
47. Impugna-se assim a factualidade dada como provada sob os números 6 a 58 estritamente no que respeita à participação do arguido num plano criminoso e que tenha tido condutas dolosas com vista à prossecução de um crime, pelo que não deveria assim aquela factualidade ter sido dada como provada no que respeita à assunção criminal do recorrente,
48. Temos assim que a culpabilidade do recorrente não resulta da prova testemunhal, nem da prova documental, nem tão-pouco da análise conjugada de ambas.
49. Pelo que se impunha a sua absolvição.
50. Sendo que o circunstancialismo da matéria de facto que ora se pretende ver alterada sempre influi diretamente na condenação do recorrente, impondo-se assim a sua absolvição.
51. Assim, com base em fls 26 e 27 bem como nos depoimentos do arguido, da testemunha EE e da testemunha JJ deverá ser alterada a matéria de fato dada como provada passando a ter a seguinte redação:
• 10. O plano assim delineado e assim descrito foi apresentado e aceite por todos os arguidos, com exceção do arguido BB, que ao mesmo aderiram.
• 11. De modo a melhor obterem sucesso nos seus intentos, o arguido AA no exercício das suas funções e por causa delas, elaboraria e faria constar do auto de participação de acidente de viação e do croqui, a descrição de factos que sabiam não corresponder à verdade,
• 12. Para assim conseguirem iniciar processo de sinistro automóvel junto das competentes Companhias Seguradoras e espoletar a intervenção da seguradora, onde fariam constar que o acidente teria ocorrido pela verificação de fatores externos não imputáveis ao tomador de seguro, para assim conseguirem firmar a decisão da Seguradora nesse mesmo sentido.
• 13. Na execução desse plano, previamente delineado e a que todos os arguidos, com exceção do arguido BB, aderiram, fizeram constar do auto de participação de acidente de viação com o NPAV ... e com n.° de registo ..., que no dia ..., cerca das 10:40 horas, na ..., no cruzamento entre a ... e a ... no sentido de ... para o ..., ocorreu um acidente de viação entre o motociclo de matrícula ..-BU-.., conduzido por CC e o veículo ligeiro de passageiros de matrícula ..-..-DV, conduzido por DD.
• 14. No campo destinado à descrição pormenorizada do acidente fizeram exarar, entre o mais, o seguinte texto:
• i) “(...) O Participante Chegou ao local do acidente alguns momentos apos a ocorrência, assim, a descrição e feita de forma isenta e baseada exclusivamente na posição dos veículos e nas declarações dos intervenientes. (...)”
• E, ainda, o seguinte:
• ii) “(...) o condutor do veículo ligeiro de passageiros de matrícula ..-..-DV "Ao sair da ... para entrar na ... no sentido de ... para o ..., mesmo após tomar as devidas precauções não me apercebendo do motociclo de matricula ..-BU-.. tendo colidido com o meu para-choques na zona traseira do motociclo fazendo com que este se despistasse. Sei que devia ter cedido passagem ao motociclo visto que me encontrar numa rua com um sinal STOP". (sic).
• 15. O motociclo tripulado pelo arguido CC, encontrava-se a essa data segurado a favor do arguido AA, mediante contrato de seguro, celebrado com a ..., titulado pela apólice n.° ....
• 16. Por sua vez, o veículo ligeiro de passageiros conduzido pelo arguido DD, era propriedade de LL, segurado pela ..., pertencente ao ...
• 17. De acordo com o declarado em 14 do presente, foi considerado que a produção do acidente fora da responsabilidade do condutor do veículo ligeiro de passageiros de matrícula ..-..-DV segurado pela ...
• 18. Em tal auto de participação de acidente de viação constava como participante o Militar da GNR, aqui arguido, BB, o qual o assinou pelo seu próprio punho,
• 19. fazendo parte integrante dessa participação o croqui, documento ilustrativo da dinâmica do acidente de viação, documento este assinado pelo arguido AA, cumulativamente segurado/tomador do seguro do motociclo interveniente no sinistro.
• 20. Em data não concretamente apurada e por referência à data da ocorrência do acidente, os arguidos CC e DD preencheram e assinaram pelos seus próprios punhos uma declaração amigável de acidente automóvel onde asseveraram como inteiramente reproduzido as declarações prestadas perante a GNR de ..., e descritas no auto de participação referido em 13 do presente.
• 21. Declaração essa que foi remetida às seguradoras ... e .....
• 22. Como consequência da participação do acidente, em ...-...-2017 foi registada a abertura de processo na companhia de seguros ..., com o n. ° ....
• 23. A reparação do dano foi orçamentada no montante total de € 3.346,51 (três mil, trezentos e quarenta e seis euros e cinquenta e um cêntimo).
• 24. Nenhuma das seguradoras prosseguiu com a regularização através do Protocolo IDS-Indemnização Direta ao Segurado devido à incoerência de informação.
• 25. Realizada peritagem pelo perito averiguador HH da ..., esta declinou qualquer responsabilidade, por ter concluído estarem perante um acidente fictício, não contendo características de imprevisibilidade, inevitabilidade e aleatoriedade necessárias para a ocorrência de um sinistro.
• 26. Perante a recusa de pagamento por parte da seguradora, em ...-...-2018, o arguido AA remeteu uma carta para a ... tendo para o efeito e de forma a corroborar a sua versão dos factos e assim obter o reembolso pelos danos causados, junto com a mesma o auto de participação de acidente de viação.
• 27. No entanto, a cópia remetida pelo arguido AA, apresentava anexa a folha de suporte-Croqui com a assinatura do arguido BB, contrariamente àquela que houvera sido remetida à ... aquando a abertura do processo de sinistro, na qual constava firmada a assinatura do arguido AA cfr. descrito anteriormente em 20 do presente.
• 28. Quanto ao alegado acidente de viação descrito, não existiu criação do número de evento operacional (NEO) no registo de expediente no Sistema Integrado de Informações Operacionais (SIIOP) em uso na GNR de ..., como deveria ter sucedido.
• 29. Somente 6 (seis) dias após a ocorrência do eventual sinistro (datado de ...) foi criado um número de evento operacional (NEO), pelo arguido AA.
• 30. Sendo também nessa data que o arguido AA procedeu à criação da peça processual relativa ao acidente de viação - auto de participação.
• 31. Da peça referida em 31 do presente, foram emitidos dois documentos, referentes à mesma peça a saber, a denominada “Participação Acidente de Viação”, um datado de ... e outro de ...-...-2018.
• 32. No primeiro constava como participante o arguido AA e no segundo já constava como participante o arguido BB.
• 33. Acresce que, no segundo documento datado de ...-...-2018, foram eliminadas as descrições de alguns campos, a saber, do Local do acidente, do regime de circulação, do pavimento e da sinalização, e foi acrescentado no campo das declarações, o seguinte texto: “...Sei que devia ter cedido passagem ao motociclo, visto que me encontrar num a rua com sinal de stop...”, por parte do condutor do veículo n. °1 (DD) ”
• 34. No Sistema Integrado de Informações Operacionais (SIIOP), verificou-se que o documento teve 14 (catorze) versões, sendo que a mudança do participante ocorreu na versão n. ° 12 (doze), datada de ...-...-2017.
• 35. A declaração referida em 34 do presente, foi acrescentada na versão n.° 13 (treze) datada de …-…-2017.
• 36. Como versão final ficou a constar como participante o arguido BB, com o croqui elaborado e assinado pelo arguido AA.
• 37. Segundo o auto de participação, o acidente de viação ocorreu às 10h40.
• 38. Acontece que, no dia ...-...-2017, no horário compreendido entre as 07h00 e as 15h00, a patrulha às ocorrências era composta pelo Guarda Principal n.° EE e o Guarda BB.
• 39. Contudo, não foi registada nas guias de patrulha em uso na GNR de ... do subdestacamento de ..., e nos relatórios de atendimentos referentes ao dia ..., a ocorrência do referido acidente anteriormente descrito.
• 40. Ao agir da forma anteriormente descrita, o arguido AA atuou prevalecendo-se do exercício das suas funções na Guarda Nacional Republicana, com o intuito de obter da ... a reparação dos danos existentes à data da participação no motociclo de matrícula - ..BU-.., com seguro válido a favor do arguido AA.
• 41. Tendo para tanto elaborado e assinado, com o seu próprio punho, um documento intitulado de “Auto de Participação" e bem assim o respetivo croqui, onde fizeram constar factos que sabiam não corresponder à verdade, porquanto tal acidente, melhor descrito em 13 do presente, nunca ocorreu.
• 42. Os arguidos, com exceção do arguido BB, sabiam que o documento designado “Auto de Participação" e o anexo folha suporte-Croqui eram falsos, cujo teor não tinha qualquer correspondência com a realidade.
• 43. Mais sabiam que tais documentos configuravam documentos que por serem emitidos por um órgão de polícia criminal no âmbito das suas competências, configuravam documentos autênticos, sendo-lhes atribuída força probatória plena no que respeita à realidade fática neles expostos.
• 44. Ao atuarem nos moldes descritos, bem sabiam os arguidos, com exceção do arguido BB, que elaboravam documentos que não correspondiam à realidade, fazendo exarar elementos que não eram verdadeiros, procurando fazer que o que nos mesmos exarar havia acontecido, sabendo ainda que, por força da emissão de tais documentos em concreto, no exercício das suas funções de agentes de autoridade, os mesmos faziam fé pública do ali escrito.
• 45. Bem sabendo que, dessa forma, punham em causa a fé pública que tais documentos, que consistem em documentos oficiais emitidos no exercício de funções das forças de autoridade, merecem à generalidade das pessoas ou ao cidadão comum e colocavam em crise a probidade e confiança na fé pública que tais documentos encerram e destinam a servir, para, desta forma, obterem os arguidos um beneficio que sabiam ilegítimo, afetando a segurança jurídica associada a esses mesmos documentos.
• 46. E que, por isso, criavam a convicção da sua veracidade à ...
• 47. Sabiam também que, com as suas condutas, poderiam causar um prejuízo nunca inferior € 3.346,51 (três mil, trezentos e quarenta e seis euros e cinquenta e um cêntimos) no património da ..., que se traduziria num correlativo ganho no património do arguido AA.
• 48. Só não tendo conseguido obter o respetivo benefício, por razões alheias às suas vontades.
• 49. O arguido AA sabia que não podiam prevalecer-se das funções de agentes de autoridade que ocupavam e nem atuar do modo em que atuaram, bem sabendo que assim violavam deveres funcionais e inerentes às suas funções enquanto Agentes de Autoridade a que deviam obediência, para que assim o arguido AA obtivesse um benefício a que sabiam não ter direito,
• 50. E, consequentemente, causar um prejuízo à ..., bem sabendo que tal atuação era ilegítima e não lhes era permitida.
• 51. Por seu turno os arguidos CC e DD sabiam que os arguidos BB e AA estavam a atuar em violação dos deveres que lhes incumbia enquanto militares da Guarda Nacional Republicana atuando com a intenção de obter benefício ilegítimo.
• 52. Os arguidos CC e DD sabiam que a Declaração Amigável de Acidente Automóvel acima descrita referente ao acidente de ...-...-2017, não atestava factos verdadeiros, isto é, não correspondia à realidade, na medida em que não se reportava a um acidente fortuito, mas sim a um acidente fictício, não sendo a descrição factual verdadeira, porquanto tal acidente não ocorreu.
• 53. Não obstante, os arguidos CC e DD quiseram e fizeram constar dessa Declaração Amigável de Acidente Automóvel factos que sabiam não serem verdadeiros.
• 54. Cientes que tal documento apresentado à ... tinha relevância jurídica e que por isso violavam a fé daquela declaração, podendo prejudicar a referida entidade e alcançar uma vantagem patrimonial indevida, a favor do arguido AA.
• 55. Ao agirem da forma descrita os arguidos CC e DD pretenderam assegurar o sucesso dos planos apropriativos do arguido AA, fabricando e utilizando a Declaração Amigável de Acidente Automóvel para criar convicção à seguradora da veracidade do acidente ocorrido e, bem assim, por forma a convencer a mesma a proceder ao pagamento da indemnização devida pelos danos verificados, assim obtendo um incremento monetário que bem sabiam ser indevido, à custa do património alheio.
• 56. E pretenderam obter esse incremento através do ardil acima descrito e ao abrigo do qual os arguidos procuraram convencer a seguradora a realizar o pagamento da indemnização, atestando que o sinistro efetivamente tinha ocorrido tal como descrito e não a simulação de acidente, propositadamente encenado e que tais declarações constantes da Declaração Amigável correspondiam à verdade.
• 57. Só não tendo logrado concretizar os seus intentos, por motivos alheios às suas vontades.
• 58. Os arguidos, AA, CC e DD agiram sempre em comunhão de esforços e vontades, de forma livre, deliberada e consciente, sempre bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei e, ainda assim, não se abstiveram de as praticar.
52. Igualmente devem ser dados como provados os seguintes fatos da Contestação do recorrente:
a. o arguido não tinha conhecimento prévio de uma simulação de acidente
b. nem com a sua conduta procurou favorecer terceiros para que aqueles conseguissem obter indemnização de seguro por acidente de viação que não houvesse ocorrido.
c. Quando um militar da GNR ou um agente da brigada de trânsito da PSP é chamado para lavrar um auto de acidente o mesmo não se desloca ao local para confirmar a existência ou não de acidente, mas apenas para lavrar auto de posicionamento dos veículos alegadamente sinistrados e recolher as versões de condutores e eventuais testemunhas.
d. O arguido não é Juiz para decidir se houve ou não acidente, limitando-se a recolher as versões que lhe são fornecidas e com base nas mesmas fazer um auto relativo ao alegado acidente bem como a fazer um croqui com o posicionamento dos veículos.
e. Não comprovando aquele auto a real existência de acidente mas apenas o que os intervenientes referiram e o posicionamento dos veículos verificado pelo agente autuante.
f. Posicionamento esse dos veículos atestado pelo agente que lavra o auto, com as necessárias medidas, para que depois os peritos em função da posição dos veículos, dos danos verificados e das versões apresentadas pelos condutores averigúem a existência e responsabilidade do sinistro.
g. Para a elaboração de um auto de acidente é indiferente a crença pessoal de se tratar de acidente ou não, pois não cabe ao militar que redige o auto esses mesmos juízos de valores, não sendo quem redige o auto responsável pelo conteúdo da informação aí descrita, ao contrário do referido no art. ° 31 da acusação /pronúncia, uma vez que o conteúdo dessa informação é da estrita responsabilidade dos declarantes e sendo o autuante meramente quem escreve o que é dito pelos declarantes.
h. O arguido limitou-se a cumprir escrupulosamente as suas funções ao ser chamado para elaborar um auto de acidente.
i. Pois pese embora sejam aos intervenientes de acidente solicitados os documentos pessoais e os das viaturas, aos militares da GNR apenas cumpre verificar se os documentos se encontram todos em ordem e se a ... e o seguro da viatura se encontram válidos, muitas vezes sendo apenas vistos as matriculas e datas de validade nas cartas verdes e não os titulares dos seguros.
j. E mesmo que o arguido tivesse visto o titular do seguro (o que não recorda) certo é que existem mais pessoas com nomes iguais, pelo que não era apenas por esse facto que o arguido teria de perceber que se trataria de uma viatura segurada em nome do arguido AA.
k. Mas estando seguro que não lhe foi transmitido na altura que uma das viaturas estaria segura em nome do arguido AA.
l. Pelo que quando o arguido elaborou o auto de acidente apenas fez o que o cumprimento das suas funções exigia e no estrito cumprimento da legalidade.
m. Se é verdade que o AA iniciou a elaboração do auto de acidente, daí apenas resulta a realidade que em 2017 (e ainda hoje) sucedia (e sucede) em todos os destacamentos da GNR, em que muitas vezes o auto é iniciado por um colega enquanto o outro trata de outro assunto para despacharem trabalho, sendo assim normal que seja outro militar a iniciar um processo de acidente ou uma participação crime e ajudar o autuante, seja ele o ora arguido ou qualquer outro militar da GNR.
n. Não considerando o arguido na altura estranho que o AA tivesse iniciado o auto porque era (e é) natural essa entreajuda entre os militares da GNR.
o. E nem se trata de o arguido na altura saber que um dos veículos tinha seguro em nome do AA (e, reitera-se, desconhecia tal facto), pois ainda que uma das viaturas fosse segurada por um qualquer militar da GNR a elaboração do auto mais não é do que reduzir para auto as informações recolhidas pelo militar da GNR que se deslocou ao local do acidente e elaborar croqui de acordo com as posições de veículos, marcos e medidas retiradas e anotadas por esse mesmo pelo militar da GNR que se deslocou ao local do acidente.
p. Ou seja, quem inicia o auto de participação de acidente mais não faz do que reduzir a escrito em computador todas as notas, identificações, croquis, sinalética e medidas recolhidas no local do alegado sinistro pelo militar da GNR que se deslocou ao local do acidente.
q. Informação essa transcrita em auto que posteriormente é confirmada pelo militar da GNR que se deslocou ao local do acidente de acordo com os seus próprios apontamentos que forneceu para que o auto fosse elaborado.
r. Assim, o auto ser iniciado por outra pessoa em nada altera a realidade do auto.
s. Pois as circunstancias do alegado acidente, o croqui e as descrições encontram-se já elaboradas no local de acidente, cabendo apenas depois elaborar o auto no sistema (que mais não é do que passar para computador o que já foi escrito à mão e elaborar em WORD (em 2017 era elaborado em WORD) o croqui que já foi manuscrito com as medidas e posicionamentos no local do acidente.
t. Pelo que ter sido o AA a iniciar a elaboração no sistema daquele auto de acidente nenhuma estranheza causou ao arguido, pois esse procedimento, como se disse, era (e é) normal não apenas naquele destacamento da GNR mas na grande maioria dos destacamentos da GNR, e era normal por ordens superiores para que os militares despachassem serviço, podendo um qualquer militar que na altura estivesse sem outro serviço auxiliar outro que no momento tivesse outras coisas também para fazer.
u. Desconhecendo o arguido e não lhe tendo sido transmitido que o AA teria algum interesse particular naquele sinistro.
v. Desconhecendo o arguido BB que o AA havia procedido à impressão de um auto de acidente e enviado para a seguradora sem que houvesse solicitado certidão para o efeito e que tivesse pelo seu punho assinado o croqui do acidente, nunca tendo ao arguido sido previamente comunicado esse facto nem lhe tendo sido pedida qualquer autorização (que nem tinha aliás de ser pedida pis o ora arguido não é superior hierárquico do AA).
w. Mas, note-se que ainda que um dos croquis esteja assinado pelo AA, não se mostra adulterada a informação aí transcrita relativamente ao croqui assinado mais tarde pelo arguido.
x. Sendo que não existe qualquer falsificação de documento pelo arguido BB quando o AA assina o croqui sem o seu conhecimento.
y. Quanto muito parece-nos que poderá haver quanto ao arguido AA comportamento susceptível de responsabilidade disciplinar ao elaborar um auto que era do seu conhecimento próprio ser um dos interessados, bem como ao imprimir esse auto de acidente sem que a respectiva certidão tivesse sido solicitada e paga, bem ainda como por assinar o croqui quando saberia que o mesmo deveria ser assinado pelo ora arguido BB.
z. Mas da eventual responsabilidade disciplinar do AA não resulta responsabilidade criminal (e nem sequer disciplinar do arguido BB).
aa. Até porque, como se disse, não sendo do conhecimento do BB que o AA era um dos interessados seria normalíssimo o expediente ser iniciado pelo AA num espirito de entre-ajuda entre militares como aliás era (e é ainda) normal nos destacamentos da GNR
bb. O arguido é dentro da GNR uma pessoa conceituada e em quem as mais altas patentes confiam.
cc. Não tendo apenas ainda sido promovido primeiro por um processo disciplinar que se encontra apenso aos autos e que foi arquivado e agora por causa deste mesmo processo-crime.
dd. Em 2017 não era obrigatório efectuar o NEO, sendo que somente era obrigatório a informação sumária efectuada em documento word.
ee. Pelo que a falta de participação no NEO por parte do arguido não resulta em qualquer má conduta do arguido, sendo antes aquilo que todos os militares da GNR faziam por não haver na altura obrigatoriedade.
ff. Mas quanto às más condutas do arguido ainda apontadas na acusação, diga-se ainda que as diversas versões do Auto de Acidente de Viação a que se refere o art. ° 34° da acusação, mais não são essas versões do que a mesma versão com várias gravações à medida que se vai acrescentando e se vai gravando, para em caso de corte de energia ou falha no sistema não se perder todo o trabalho já elaborado.
gg. Ou seja, no sistema SIIOP basta clicar em “guardar" o documento que se está a elaborar para criar uma nova versão (ponto 34 da acusação).
hh. Sendo a mesma coisa que elaborar um qualquer documento em WORD e à medida que se vai gravando os aditamentos que vão sendo feitos vai criando em backup uma nova versão do documento.
ii. Ou seja, as 14 versões diferentes não são na realidade versões diferentes mas versões em que de uma para outra subsequente é acrescentado sempre mais alguma coisa até à versão final que contempla a inclusão de todos os aditamentos que se foram fazendo e gravando nas versões anteriores.
jj. Sendo prática corrente na GNR não se mencionar no relatório de atendimento a ocorrência quando a patrulha tem conhecimento directo de uma ocorrência, e sendo normal muitas vezes não ser mencionada a ocorrência na guia de patrulha por depois a mesma ser preenchida no final da patrulha de acordo com o relatório de atendimento.
kk. Pois apenas são mencionadas no relatório de atendimento as chamadas efectuadas para o atendimento do Posto da GNR em causa.
ll. Não havendo nessa omissão qualquer crime ou má conduta pelo militar da GNR.
53. Ainda que assim não se entenda, o que apenas por mero dever de patrocínio neste momento se concebe, sempre se deverá então aferir da justiça da medida das penas parcelares, bem como da pena única aplicada ao Recorrente.
54. Devemos atender à idade do recorrente, à sua condição social, económica e cultural, à sua formação e recursos económicos, ausência de antecedentes criminais e ao fato de exercer profissão de relevo para o bem estar da comunidade, bem ainda como devemos atender a que a medida da pena deve ser atribuída em função da culpa do agente, sob pena de se violar o disposto no 1 e 2 do art.° 40° e n.° 1 do art.° 71°, ambos do Cód. Penal, pelo que deve a pena de prisão a aplicar ao recorrente ser mais próxima dos seus limites mínimos.
55. Considera o Recorrente que as penas parcelares que lhe foram aplicadas se encontram desajustadas porque excessivas, prejudicando a sua própria ressocialização.
56. Nos crimes porque foi o arguido condenado deve-o ser em pena de multa sob pena de violação do n.° 1 do art.° 71° e n.° 2° do art. ° 40°, ambos do Código Penal.
57. Caso se não entenda pela pena de multa, as penas parcelares deverão assim ser substancialmente diminuídas aos mínimos legais de forma a serem ajustadas à culpa do recorrente.
58. Pelo que se demonstram excessivamente elevadas as penas parcelares bem como a pena única aplicadas ao recorrente.
59. Violados se revelam, em consequência, salvo melhor opinião, os preceitos legais invocados nas presentes alegações de recurso. Nestes termos e nos mais de direito, deve ser julgado procedente o presente recurso, assim se fazendo... ...JUSTIÇA!!!
2.3. O arguido DD finalizou a motivação do recurso com as seguintes conclusões (transcrição):
1. O presente recurso vem interposto do acórdão condenatório, o qual, injustamente, condenou o Arguido e aqui Recorrente DD, por um crime de burla relativa a seguros na forma tentada, previsto e punido pelo artigo 219.°, n. °1, alínea a), e n. ° 2, 22.° e 23.°, 26.° do Código Penal, na pena de 8 meses de prisão, um crime de falsificação de documento, previsto e punido pelo artigo 255.°, alínea a) e 256.°, n. °1, alínea d), todos do Código Penal, na pena de 1 ano de prisão, um crime de abuso de poder na forma consumada, previsto e punido pelos artigos art.°s 382.°, 26.°, n.°s 1 e 2, 28.° e 386.°, n.° 1, todos do Código Penal, na pena de 1 ano de prisão.
2. Nos termos do art.° 379° do CPP, é nula a sentença que não contiver as menções referidas no n.° 2 e na alínea b) do n.° 3 do artigo 374.°, nomeadamente quando omita o exame crítico das provas;
3. O exame crítico das provas consiste na explicitação do processo de formação da convicção do julgador, concretizado na indicação das razões pelas quais, e em que medida, determinado meio de prova ou determinados meios de prova, foram valorados num certo sentido e outros não o foram ou seja, a explicação dos motivos que levaram o tribunal a considerar certos meios de prova como idóneos e/ou credíveis e a considerar outros meios de prova como inidóneos e/ou não credíveis o que não foi feito na decisão recorrida;
4. O acórdão recorrido indica os meios de prova que alegadamente sustentam a decisão sobre a matéria de facto. Faz a enunciação das provas. Mas não existe, em nenhum momento, mormente na motivação da decisão sobre a matéria de facto, qualquer referência ao exame critico das mesmas.
5. A exposição dos motivos de facto e de direito que fundamentam a decisão deve ser completa mas tem que ser concisa, contendo e enunciação das provas que serviram para fundar a convicção alcançada pelo tribunal - o que não exige, relativamente à prova por declarações, a realização de assentadas tendo por objeto os depoimentos produzidos em audiência - bem como a análise crítica de tais provas, nomeadamente a indicação dos motivos de credibilidade das testemunhas, sendo certo que só com tal indicação é possível sindicar o juízo critico que foi feito pelo julgador. Limitando-se a decisão recorrida, de forma acrítica e meramente enunciativa, a fazer a súmula de depoimentos, ficando o tribunal de recurso, desta forma, impedido de proceder ao exame da prova e ao teste da sua veracidade ou plausibilidade;
6. O exame crítico consiste na enunciação das razões de ciência reveladas ou extraídas das provas administradas, a razão de determinada opção relevante por um ou outro dos meios de prova, os motivos da credibilidade dos depoimentos, o valor de documentos e exames, que o tribunal privilegiou na formação da convicção, em ordem a que os destinatários (e um homem médio suposto pelo ordem jurídica, exterior ao processo, com a experiência razoável da vida e das coisas) fiquem cientes da lógica do raciocínio seguido pelo tribunal e das razões da sua convicção;
7. O dever de fundamentação das decisões judiciais encontra-se previsto no n.° 1 do art.° 205° da Constituição da República Portuguesa (CRP). Fundamentação que permite conhecer a da bondade da decisão, para que ela se imponha, dentro e fora do processo, mediante, a compreensão dos juízos de valor e de apreciação levados a cabo pelo julgador;
8. É ainda através da fundamentação da sentença que é viabilizado o controlo da atividade decisória pelo tribunal de recurso designadamente, no que respeita à validade da prova, à sua valoração, e à impugnação da matéria de facto.
9. O tribunal a quo não valorou toda a prova produzida, nem efetuou o exame crítico de tais provas que não atendeu, sem indicação mínima sobre a desvalorização credibilidade desses meios de prova. Impossibilitou o tribunal de recurso de perceber e apreciar a bondade dos critérios lógicos que se seguiram, inviabilizando a correta apreciação da impugnação da matéria de facto. A lógica de raciocínio do julgador só pode estar assente na prova produzida. Se apontar para regras de experiência, como in casu foi (exclusivamente) feito, tem se manter em conexão com a prova produzida, não podendo ultrapassá-la para um patamar de especulação não comprovável, ainda que, em tese, verosímil;
10. Para sustentar a versão dos acontecimentos sustentada pela acusação, o tribunal a quo elenca um conjunto de raciocínios dedutivos e inferências, ignorando que nem dos documentos nem dos depoimentos das testemunhas resulta nenhum facto que a contrarie. Sem prova o tribunal a quo convoca argumentos numa dialética que contraria, de forma ostensiva, o princípio da presunção de inocência;
11. É na audiência de julgamento que o princípio da livre apreciação da prova assume especial relevo. Como correlativo impõe-se ao julgador o dever de dar a conhecer o seu suporte racional, o que resulta do art. 374° n.° 2 do Código de Processo Penal;
12. A imediação, que se traduz no contacto direto do julgador com os diversos meios de prova, confere ao juiz de 1.a instância meios de valoração de que o tribunal de recurso não dispõe, sendo, pois, essencial a apreciação da credibilidade das declarações e depoimentos, com fundamento no seu conhecimento das reações humanas, atendendo a uma vasta multiplicidade de fatores: as razões de ciência, a espontaneidade, a linguagem (verbal e não verbal), as hesitações, o tom de voz, as contradições, etc., dito doutra forma, as razões pelas quais se confere credibilidade a determinadas provas e não a outras dependem desse juízo de valoração realizado pelo juiz de 1.a instância, com base na imediação, ainda que condicionado pela aplicação das regras da experiência comum.
13. Porém, a livre convicção do julgador não pode confundir-se com a sua íntima convicção, impondo-lhe a lei que extraia das provas um convencimento lógico e motivado, o que mais releva nas situações em que a prova que sustenta a convicção é sobretudo indiciária, nomeadamente no respeita ao preenchimento dos elementos subjetivos dos imputados crimes sob aferição, como é o caso dos autos, sob pena de se não fazer prevalecer a prova e o que dela resulta sobre convicções desfasadas de suporte;
14. Não tendo o tribunal a quo indicado completamente as provas que serviram para formar a sua convicção, nem tendo efetuado o exame crítico de tais provas, existe insuficiente fundamentação da sentença, o que determina a sua nulidade, nos termos do art.° 379°, n.° 1, alínea a), por referência ao art.° 374°, n.°2, ambas as disposições do CPP, devendo ser ordenado o suprimento da nulidade verificada, com a consequente revogação da decisão e a determinação de prolação de nova sentença da qual constem as indicações em falta;
15. No caso vertente, e designadamente quanto aos crimes de que o arguido DD vem condenado, é por demais evidente que inexiste qualquer factualidade, para lá dos argumentos apresentados pelo tribunal a quo, que permitam comprovar a prática destes crimes, pelo Recorrente, pois ter-se-ia que dar como provado e demonstrar a participação do Recorrente;
16. Caberia ao tribunal a quo, ao seguir uma linha de argumentação capaz de fundamentar uma decisão final condenatória, estribar-se nos limites do princípio da presunção de inocência e do correlativo in dubio pro reo, sob pena de, sob a capa da aplicação das regras da experiência comum se extravasarem tais limites a um ponto tal que dificilmente haveria absolvições. Acresce, no caso vertente, não ser entendível a que experiência comum se pode aludir.
17. Verifica-se também a existência de pontos incorretamente julgados e que as provas existentes consubstanciariam uma decisão diversa da recorrida, designadamente, dando-se como provado a existência de danos que foram aliás orçamentados como pode haver correspondência com a verificação de simulação do acidente sem que se verificassem danos.
18. A decisão sobre a matéria de facto foi incorretamente tomada, sem que tivesse havido correspondência com a prova produzida em audiência. Uma vez que na mesma não se logrou obter qualquer prova que nos levasse a crer que o recorrente havia praticado os crimes imputados.
19. Assim, impor-se-ia decisão diversa da proferida, devendo ser alterada a matéria de facto dada como provada levando-se à matéria dada como não provada, e no que ao recorrente concretamente respeita, os pontos números 5 a 13, 25, 40 a 58.
20. Devendo o recorrente ser absolvido.
21. Face a todo o exposto, padecemos do vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, quando o tribunal recorrido, de tal forma que a matéria de facto dada como provada não permite, por insuficiência, a aplicação do direito ao caso que foi submetido à apreciação do tribunal;
22. O vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada ocorre no caso vertente, porquanto faltam factos, que autorizem as ilações tiradas e que permitam suportar uma decisão dentro do quadro das soluções de direito plausíveis, incluindo a absolvição;
23. O tribunal a quo afirma que o Arguido cometeu os factos sem que exista prova direta, da versão dos factos sustentada pela acusação;
24. Devendo, desta feita e tendo em consideração a matéria de facto que se pode dar como provada, decidir o Tribunal a quo em conformidade com a mesma;
25. Dispõe a Constituição no n.° 2 do seu art. 32.°, sob a epígrafe "garantias do processo criminal", que «todo o arguido se presume inocente até ao trânsito em julgado da sentença de condenação, devendo ser julgado no mais curto prazo compatível com as garantias de defesa», preceito que se identifica em geral, com as formulações do princípio da presunção de inocência constantes da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, da Declaração Universal dos Direitos do Homem, na Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais e do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos (art.° 14.°, n.° 2);
26. O princípio da presunção de inocência constitui, assim, uma decorrência dos direitos à liberdade e à dignidade, à luz dos quais a possibilidade de submeter a consequências penais alguém que não praticou qualquer facto criminoso, traduz uma situação intolerável e um limite absoluto à prossecução dos fins estaduais de administração da justiça, encerrando uma ponderação cuja necessidade resulta da aceitação e do reconhecimento de que a verdade processual afasta-se, em muitos casos, da verdade histórica, por esta ser, em muitas situações, inatingível ou, pelo menos, não demonstrável;
27. Da decisão recorrida não existe prova testemunhal, documental ou qualquer outra que corrobore a versão da acusação;
28. É consabido que o julgador, ao abrigo da livre apreciação da prova, se pode socorrer da chamada prova indiciária, sendo que para além da prova direta do facto, a apreciação do tribunal pode assentar em prova indireta ou indiciária, a qual se faz valer através de presunções, partindo-se de um facto conhecido (base da presunção), para concluir presuntivamente pela existência de um facto desconhecido (facto presumido), servindo-se para o efeito dos conhecimentos e das regras da experiência da vida, dos juízos correntes de probabilidade, e dos princípios da lógica;
29. Para que a prova indiciária seja suficiente para determinar a participação no facto punível é necessário que da sentença constem os factos-base (requisito de ordem formal) e se os indícios estiverem completamente demonstrados por prova direta (requisito de ordem material), os quais devem ser de natureza inequivocamente acusatória, plurais, contemporâneos do facto a provar e, sendo vários, estar inter-relacionados de modo a que reforcem o juízo de inferência, que deve ser razoável, não arbitrário, absurdo ou infundado, e respeitar a lógica da experiência e da vida; dos factos-base há-de derivar o elemento que se pretende provar, existindo entre ambos um nexo preciso, direto, segundo as regras da experiência.
30. A inferência realizada deve apoiar-se numa regra geral e constante e permite passar do estado de ignorância sobre a existência de um facto para a certeza, ultrapassando o estado de dúvida e probabilidade, pelo que só este convencimento, alicerçado numa sólida estrutura de presunção indiciária -quando é este tipo de prova que está em causa -, pode alicerçar a convicção do julgador;
31. Num hipotético conflito entre a convicção em consciência do julgador no sentido da culpabilidade do arguido e uma valoração da prova que não é capaz de fundamentar tal convicção será esta que terá de prevalecer. Para que seja possível a condenação é imprescindível que, por procedimentos legítimos, se alcance a certeza jurídica, que não é desde logo a certeza absoluta, mas que, sendo uma convicção com génese em material probatório, é suficiente para, numa perspetiva processual penal e constitucional, legitimar uma sentença condenatória. Significa o exposto que não basta a certeza moral, mas é necessária a certeza fundada numa sólida produção de prova;
32. Da prova direta produzida em julgamento, testemunhal, documental e outras não foi possível demonstrar que o Recorrente tenha cometido os crimes de que vem acusado/condenado;
33. A prova destes "factos" foi feita com recurso a ilações, sem suporte probatório, pelo que a decisão proferida pelo Tribunal a quo, condenando o Arguido Recorrente, nos termos em que o faz é ilegal, porque viola o princípio basilar de um sistema judicial próprio de um Estado de Direito Democrático: o princípio da presunção de inocência;
34. Em processo penal, a justiça, perante a impossibilidade de uma certeza, encontra-se na alternativa de aceitar, com base em uma probabilidade ou possibilidade, o risco de absolver um culpado e o risco de condenar um inocente, pelo que a solução jurídica e moral só pode ser uma: deve aceitar-se o risco de absolvição do culpado e nunca o da condenação de um inocente;
35. À luz do princípio da investigação bem se compreende, efetivamente, que todos os factos relevantes para a decisão (quer respeitem ao facto criminoso, quer a pena) que, apesar de toda a prova recolhida, não possam ser subtraídos à «dúvida razoável» do tribunal, também não possam considerar-se como «provados» e se, por outro lado, aquele mesmo princípio obriga em último termo o tribunal a reunir as provas necessárias à decisão, logo se compreende que a falta delas não possa, de modo algum, desfavorecer a posição do arguido, tem de ser sempre valorado a favor do arguido, só assim se afirmando o principio in dubio pro reo;
36. No caso sub juditio é flagrante que o julgador ultrapassando o princípio da presunção de inocência, violando igualmente o princípio do in dubio pro reo, ao arrepio do disposto no art.° 127° do CPP, devidamente interpretado e balizado pelo disposto no n.° 5 do art.° 32° da CRP, sendo certo que a interpretação do art.° 127° do CPP segundo a qual será lícito ao juiz proceder a deduções, induções e inferências obtendo indícios não suportados, ou baseados, em prova que os fundamente (como resulta da decisão recorrida) seria sempre inconstitucional por violação do n.° 5 do art.° 32° da CRP que, prevê expressamente o princípio da presunção de inocência: caso subsistam dúvidas sobre os factos imputados a um Arguido outra não possa ser a decisão que não seja a sua absolvição. NESTES TERMOS E nos melhores de Direito aplicável, deverá: I. Ser declarada a nulidade da decisão recorrida nos termos do art.° 379° n.° 1 alínea a), por violação do disposto no art.° 374° n.° 2 do CPP, sendo, consequentemente, ser ordenada a remessa dos autos ao tribunal a quo para reparação da decisão, em conformidade com o disposto no número 4 do art.° 414° do CPP., seguindo-se os demais termos processuais, II. Serem alterados os factos dados como provados como decorre das presentes alegações e em, consequência, que seja proferida nova decisão judicial que absolva o recorrente. Assim se fazendo a boa e costumada JUSTIÇA!
3. A Magistrada do Ministério Público junto da 1ª instância apresentou resposta aos recursos interpostos pelos arguidos, no sentido de que nenhum deles merece provimento, concluindo, quanto a cada um deles, nos seguintes termos:
Arguidos AA e CC:
1. O tribunal “ a quo “ relativamente aos factos que considerou provados, teve por base a analise critica adequada de acordo com a prova produzida em sede de audiência de julgamento.
2. A sentença não contem obscuridades , contradições ou omissões.
3. O tribunal “ a quo” efectuou uma correcta interpretação e aplicação do disposto no artigo 374º nº 2 do C.PP , devendo a sentença ser mantida.
4. O recurso deve ser rejeitado.
BB:
1. A decisão encontra-se correctamente elaborada, tendo em conta a matéria de facto fixada e o objecto do processo.
2. A mesma não padece de qualquer omissão ou obscuridade , sendo clara e conforme os preceitos legais.
3. A natureza e medida da pena são adequadas de acordo com os critérios legais.
4. A sentença deve ser mantida, e o recurso rejeitado.
Arguido DD:
1. A sentença efectuou uma correcta interpretação da lei.
2. - Encontra-se elaborada de acordo com os normativos legais , designadamente o artigo 374º do C.PP
3. Pelo que deve ser mantida na integra.
4. Os arguidos AA e CC requereram a realização de audiência, nos termos do artigo 411.º, n.º 5 do Código de Processo Penal, o que foi indeferido pela relatora em sede de apreciação preliminar.
5. Nesta Relação, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer, no sentido de que os recursos não merecem provimento, sendo de confirmar a decisão recorrida, o que expôs nos seguintes termos: “No caso, e também a nosso ver, no que tange a fundamentação de facto, a meios de prova e a razões de convicção do tribunal, a enunciação constante da sentença recorrida revela com minucioso detalhe a enumeração dos factos, a exposição de motivos e a indicação crítica das provas que serviram para formar a convicção do julgador, evidenciando o procedimento lógico seguido pelo Tribunal, ou seja, explicitam o processo racional trilhado na apreciação da prova produzida, demonstrando os dados concretos de que se socorreu e a forma como, em razão das regras da experiência e de critérios lógicos, interpretou tais elementos. Atentos os fundamentos de facto e de Direito detalhados na decisão proferida, e os fundamentos dos recursos apresentados; em consonância com o teor das considerações expendidas no âmbito das respostas apresentadas pela Digna Procuradora da República junto da 1ª instância, expostas com pertinência, correção jurídica e cabal fundamentação, acompanhamos tais respostas nos termos em que se mostram formuladas, e para as quais por uma questão de economia processual aqui se remete.”
6. Cumprido o disposto no art. 417.º, n.º 2 do Código de Processo Penal (doravante designado CPP), não foi apresentada resposta.
7. Colhidos os vistos, foram os autos à conferência.
Cumpre apreciar e decidir.
II – Fundamentação
1. Objeto do recurso
De acordo com o estatuído no art. 412.º do CPP e com a jurisprudência fixada pelo Acórdão do Plenário da Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça n.º 7/95, de 19 de outubro de 1995, o âmbito do recurso é definido pelas conclusões que o recorrente extrai da respetiva motivação, que delimitam as questões que o tribunal ad quem deve apreciar, sem prejuízo das que sejam de conhecimento oficioso, mormente os vícios enunciados no art. 410.º n.º 2 do CPP.
No caso concreto, face às conclusões extraídas pelos arguidos das respetivas motivações de recurso, cumpre apreciar as seguintes questões:
Recurso arguidos AA e CC
• Dos vícios do art. 410.º, n.º 2 do CPP: insuficiência para a decisão da matéria de facto provada – al. a) – e contradição insanável da fundamentação ou entre fundamentação e a decisão – al. b);
• Do erro de julgamento a propósito dos factos provados em 6, 7, 8, 9, 10, 11, 12, 13, 14, 28, 40, 41, 42, 43, 44, 45, 46, 47, 48, 49, 50, 51, 52, 53, 54, 55, 56, 57, 58;
• Da nulidade da sentença por falta de fundamentação.
Recurso arguido BB:
• Da omissão de pronúncia quanto à factualidade invocada na contestação, bem como quanto ao juízo crítico relativo às testemunhas de defesa – nulidade sentença (art. 379.º, n.º 1, al. c) do CPP);
• Da contradição insanável entre os factos provados e os não provados – art. 410.º, n.º 2, al. c) do CPP;
• Do erro de julgamento relativamente aos factos provados de 6 a 58, no que respeita à assunção da responsabilidade criminal do recorrente;
• Do quantum das penas parcelares e da pena única aplicada, que o recorrente tem por excessivas.
Recurso arguido DD:
• Da nulidade da sentença, nos termos do art. 379.º, n.º 1, alínea a), por referência ao art. 374.º, n.º 2, ambas as disposições do CPP, não tendo tribunal a quo indicado completamente as provas que serviram para formar a sua convicção, nem tendo efetuado o exame crítico de tais provas;
• Da impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto, no respeitante aos pontos 5 a 13, 25, 40 a 58, naquilo que ao recorrente concretamente respeita;
• Da insuficiência da matéria de facto provada para a decisão - art. 410.º n.º 2 alínea a) do CPP;
• Da violação do princípio in dubio pro reo.
2. Da sentença recorrida
Factos Provados
1. O arguido AA é militar da GNR, com o número ..., tendo prestado serviço no Subdestacamento Territorial de..., do Destacamento Territorial de ..., a partir de data não concretamente apurada mas não posterior a ...-...-2017 até ao momento.
2. O arguido BB é militar da GNR, com o número 2120646, a prestar prestado serviço no Subdestacamento Territorial de..., do Destacamento Territorial de ..., desde data não concretamente apurada mas pelo menos desde momento não posterior a ...-...-2017 até ao momento.
3. Desde data não concretamente apurada, mas anterior à data dos factos que infra se passam a descrever que o arguido AA mantém relação de amizade com os arguidos CC e DD.
4. Por seu turno, os arguidos CC e DD também desde data não concretamente apurada mas anterior à data dos factos que infra se passam a descrever mantêm entre si relacionamento de alguma proximidade, conhecendo-se.
5. O arguido BB sendo colega de profissão do arguido AA, mantinha à data dos factos também relação de amizade com o mesmo e conhecia os demais arguidos.
6. Em data não concretamente apurada, mas anterior a ...-...-2017, o arguido AA delineou um plano destinado a obter proventos económicos a que sabia não ter direito à custa do património de instituições seguradoras.
7. Tal plano destinava-se a obter proventos económicos a que sabia não ter direito à custa do património da instituição seguradora para a qual encontra-se a transferida a responsabilidade civil extracontratual emergente de acidente de viação por contrato de seguro firmado entre esta e o arguido AA,
8. E que passava pela simulação de acidente de viação e, subsequente, participação do sinistro às seguradoras para as quais a responsabilidade civil emergente de acidente de viação se encontrasse assim transferida e, dessa forma, receber o valor referente às indemnizações, fazendo-as suas.
9. Na execução desse plano e nos termos a seguir explicitados, era simulado um acidente de viação, do qual resultasse a perda total/parcial de um ou ambos os veículos segurados, supostamente intervenientes naquele.
10. O plano assim delineado e assim descrito foi apresentado e aceite por todos os arguidos que ao mesmo aderiram.
11. De modo a melhor obterem sucesso nos seus intentos, os arguidos AA e BB acordaram que, no exercício das suas funções e por causa delas, elaborariam e fariam constar do auto de participação de acidente de viação e do croqui, a descrição de factos que sabiam não corresponder à verdade,
12. Para assim conseguirem iniciar processo de sinistro automóvel junto das competentes Companhias Seguradoras e espoletar a intervenção da seguradora, onde fariam constar que o acidente teria ocorrido pela verificação de fatores externos não imputáveis ao tomador de seguro, para assim conseguirem firmar a decisão da Seguradora nesse mesmo sentido.
13. Na execução desse plano, previamente delineado e a que todos os arguidos aderiram, fizeram constar do auto de participação de acidente de viação com o NPAV ... e com n.° de registo ..., que no dia ...-...22017, cerca das 10:40 horas, na ..., no cruzamento entre a ... e a ... no sentido de ... para o ..., ocorreu um acidente de viação entre o motociclo de matrícula ..-BU-.., conduzido por CC e o veículo ligeiro de passageiros de matrícula ..-..-DV, conduzido por DD.
14. No campo destinado à descrição pormenorizada do acidente fizeram exarar, entre o mais, o seguinte texto:
i. “(...) O Participante Chegou ao local do acidente alguns momentos após a ocorrência, assim, a descrição é feita de forma isenta e baseada exclusivamente na posição dos veículos e nas declarações dos intervenientes. (...)” E ainda, o seguinte:
ii. “(...) o condutor do veículo ligeiro de passageiros de matrícula ..-..-DV “Ao sair da ... para entrar na ... no sentido de ... para o ..., mesmo após tomar as devidas precauções não me apercebendo do motociclo de matricula ..-BU-.. tendo colidido com o meu para-choques na zona traseira do motociclo fazendo com que este se despistasse. Sei que devia ter cedido passagem ao motociclo visto que me encontrar numa rua com um sinal STOP”. (sic).
15. O motociclo tripulado pelo arguido CC, encontrava-se a essa data segurado a favor do arguido AA, mediante contrato de seguro, celebrado com a ..., titulado pela apólice n.° ....
16. Por sua vez, o veículo ligeiro de passageiros conduzido pelo arguido DD, era propriedade de LL, segurado pela ..., pertencente ao ...
17. De acordo com o declarado em 14 do presente, foi considerado que a produção do acidente fora da responsabilidade do condutor do veículo ligeiro de passageiros de matrícula ..-..-DV segurado pela ...
18. Em tal auto de participação de acidente de viação constava como participante o Militar da GNR, aqui arguido, BB, o qual o assinou pelo seu próprio punho,
19. fazendo parte integrante dessa participação o croqui, documento ilustrativo da dinâmica do acidente de viação, documento este assinado pelo arguido AA, cumulativamente segurado/tomador do seguro do motociclo interveniente no sinistro.
20. Em data não concretamente apurada e por referência à data da ocorrência do acidente, os arguidos CC e DD preencheram e assinaram pelos seus próprios punhos uma declaração amigável de acidente automóvel onde asseveraram como inteiramente reproduzido as declarações prestadas perante a GNR de ..., e descritas no auto de participação referido em 13 do presente.
21. Declaração essa que foi remetida às seguradoras ... e .....
22. Como consequência da participação do acidente, em ...-...-2017 foi registada a abertura de processo na companhia de seguros ..., com o n.° ….
23. A reparação do dano foi orçamentada no montante total de € 3.346,51 (três mil, trezentos e quarenta e seis euros e cinquenta e um cêntimo).
24. Nenhuma das seguradoras prosseguiu com a regularização através do Protocolo IDS-Indemnização Direta ao Segurado devido à incoerência de informação.
25. Realizada peritagem pelo perito averiguador HH da ..., esta declinou qualquer responsabilidade, por ter concluído estarem perante um acidente fictício, não contendo características de imprevisibilidade, inevitabilidade e aleatoriedade necessárias para a ocorrência de um sinistro.
26. Perante a recusa de pagamento por parte da seguradora, em ...-...-2018, o arguido AA remeteu uma carta para a ... tendo para o efeito e de forma a corroborar a sua versão dos factos e assim obter o reembolso pelos danos causados, junto com a mesma o auto de participação de acidente de viação.
27. No entanto, a cópia remetida pelo arguido AA, apresentava anexa a folha de suporte-Croqui com a assinatura do arguido BB, contrariamente àquela que houvera sido remetida à ... aquando a abertura do processo de sinistro, na qual constava firmada a assinatura do arguido AA cfr. descrito anteriormente em 20 do presente.
28. Quanto ao alegado acidente de viação descrito, não existiu criação do número de evento operacional (NEO) no registo de expediente no ..., como deveria ter sucedido.
29. Somente 6 (seis) dias após a ocorrência do eventual sinistro (datado de ...-...-2017) foi criado um número de evento operacional (NEO), pelo arguido AA.
30. Sendo também nessa data que o arguido AA procedeu à criação da peça processual relativa ao acidente de viação - auto de participação.
31. Da peça referida em 31 do presente, foram emitidos dois documentos, referentes à mesma peça a saber, a denominada “Participação Acidente de Viação ”, um datado de ...-...-2017 e outro de ...-...-2018.
32. No primeiro constava como participante o arguido AA e no segundo já constava como participante o arguido BB.
33. Acresce que, no segundo documento datado de ...-...-2018, foram eliminadas as descrições de alguns campos, a saber, do Local do acidente, do regime de circulação, do pavimento e da sinalização, e foi acrescentado no campo das declarações, o seguinte texto: “...Sei que devia ter cedido passagem ao motociclo, visto que me encontrar num a rua com sinal de stop... ”, por parte do condutor do veículo n.°1 (DD) ”.
34. No Sistema Integrado de Informações Operacionais (SIIOP), verifcou-se que o documento teve 14 (catorze) versões, sendo que a mudança do participante ocorreu na versão n.° 12 (doze), datada de ...-...-2017.
35. A declaração referida em 34 do presente, foi acrescentada na versão n.° 13 (treze) datada de ...-...-2017.
36. Como versão fnal ficou a constar como participante o arguido BB, com o croqui elaborado e assinado pelo arguido AA.
37. Segundo o auto de participação, o acidente de viação ocorreu às 10h40.
38. Acontece que, no dia ...-...-2017, no horário compreendido entre as 07h00 e as 15h00, a patrulha às ocorrências era composta pelo EE e o BB.
39. Contudo, não foi registada nas guias de patrulha em uso na GNR de ... do subdestacamento de ..., e nos relatórios de atendimentos referentes ao dia ...-...22017, a ocorrência do referido acidente anteriormente descrito.
40. Ao agirem da forma anteriormente descrita, em comunhão de esforços e intentos, os arguidos AA e BB atuaram prevalecendo-se do exercício das suas funções na Guarda Nacional Republicana, com o intuito de obter da ... a reparação dos danos existentes à data da participação no motociclo de matrícula ..- BU-.., com seguro válido a favor do arguido AA.
41. Tendo para tanto elaborado e assinado, com o seu próprio punho, um documento intitulado de “Auto de Participação” e bem assim o respetivo croqui, onde fizeram constar factos que sabiam não corresponder à verdade, porquanto tal acidente, melhor descrito em 13 do presente, nunca ocorreu.
42. Os arguidos sabiam que o documento designado “Auto de Participação” e o anexo folha suporte-Croqui eram falsos, cujo teor não tinha qualquer correspondência com a realidade.
43. Mais sabiam que tais documentos configuravam documentos que por serem emitidos por um órgão de polícia criminal no âmbito das suas competências, configuravam documentos autênticos, sendo-lhes atribuída força probatória plena no que respeita à realidade fática neles expostos.
44. Ao atuarem nos moldes descritos, bem sabiam os arguidos que elaboravam documentos que não correspondiam à realidade, fazendo exarar elementos que não eram verdadeiros, procurando fazer que o que nos mesmos fizeram exarar havia acontecido, sabendo ainda que, por força da emissão de tais documentos em concreto, no exercício das suas funções de agentes de autoridade, os mesmos faziam fé pública do ali escrito.
45. Bem sabendo que, dessa forma, punham em causa a fé pública que tais documentos, que consistem em documentos oficiais emitidos no exercício de funções das forças de autoridade, merecem à generalidade das pessoas ou ao cidadão comum e colocavam em crise a probidade e confiança na fé pública que tais documentos encerram e destinam a servir, para, desta forma, obterem os arguidos um beneficio que sabiam ilegítimo, afetando a segurança jurídica associada a esses mesmos documentos.
46. E que, por isso, criavam a convicção da sua veracidade à ...
47. Sabiam também que, com as suas condutas, poderiam causar um prejuízo nunca inferior € 3.346,51 (três mil, trezentos e quarenta e seis euros e cinquenta e um cêntimos) no património da ..., que se traduziria num correlativo ganho no património do arguido AA.
48. Só não tendo conseguido obter o respetivo benefício, por razões alheias às suas vontades.
49. Os arguidos AA e BB sabiam que não podiam prevalecer-se das funções de agentes de autoridade que ocupavam e nem atuar do modo em que atuaram, bem sabendo que assim violavam deveres funcionais e inerentes às suas funções enquanto Agentes de Autoridade a que deviam obediência, para que assim o arguido AA obtivesse um benefício a que sabiam não ter direito,
50. E, consequentemente, causar um prejuízo à ..., bem sabendo que tal atuação era ilegítima e não lhes era permitida.
51. Por seu turno os arguidos CC e DD sabiam que os arguidos BB e AA estavam a atuar em violação dos deveres que lhes incumbia enquanto militares da Guarda Nacional Republicana atuando com a intenção de obter beneficio ilegítimo.
52. Os arguidos CC e DD sabiam que a Declaração Amigável de Acidente Automóvel acima descrita referente ao acidente de ...-...-2017, não atestava factos verdadeiros, isto é, não correspondia à realidade, na medida em que não se reportava a um acidente fortuito, mas sim a um acidente fictício, não sendo a descrição factual verdadeira, porquanto tal acidente não ocorreu.
53. Não obstante, os arguidos CC e DD quiseram e fizeram constar dessa Declaração Amigável de Acidente Automóvel factos que sabiam não serem verdadeiros.
54. Cientes que tal documento apresentado à ... tinha relevância jurídica e que por isso violavam a fé daquela declaração, podendo prejudicar a referida entidade e alcançar uma vantagem patrimonial indevida, a favor do arguido AA.
55. Ao agirem da forma descrita os arguidos CC e DD pretenderam assegurar o sucesso dos planos apropriativos do arguido AA, fabricando e utilizando a Declaração Amigável de Acidente Automóvel para criar convicção à seguradora da veracidade do acidente ocorrido e, bem assim, por forma a convencer a mesma a proceder ao pagamento da indemnização devida pelos danos verificados, assim obtendo um incremento monetário que bem sabiam ser indevido, à custa do património alheio.
56. E pretenderam obter esse incremento através do ardil acima descrito e ao abrigo do qual os arguidos procuraram convencer a seguradora a realizar o pagamento da indemnização, atestando que o sinistro efetivamente tinha ocorrido tal como descrito e não a simulação de acidente, propositadamente encenado e que tais declarações constantes da Declaração Amigável correspondiam à verdade.
57. Só não tendo logrado concretizar os seus intentos, por motivos alheios às suas vontades.
58. Os arguidos, AA, BB, CC e DD agiram sempre em comunhão de esforços e vontades, de forma livre, deliberada e consciente, sempre bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei e, ainda assim, não se abstiveram de as praticar. Mais se provou que.
59. O arguido AA vive sozinho em casa própria que adquiriu com recurso a empréstimo bancário e que lhe importa uma prestação mensal de € 480, 00.
60. Como militar da GNR aufere um ordenado base de € 1060, 00, a que acresce um complemento de € 160, 00 por mês.
61. Tem o 12.° ano de escolaridade.
62. É estimado e considerado bom profissional por colegas de profissão.
63. O arguido BB vive em união de facto com a sua companheira e os dois filhos menores de ambos em casa própria que adquiriu com recurso a empréstimo bancário, e que lhe importa uma prestação mensal de € 700, 00.
64. Contraiu mais dois empréstimos cujas prestações mensais são de € 300, 00 e € 177,00.
65. Como militar da GNR aufere um ordenado base de € 1060, 00.
66. A sua companheira também trabalha, acumulando dois trabalhos em regime de partime que lhe permitem retirar, por mês, € 800, 00 mensais.
67. É estimado e considerado bom profissional por colegas de profissão.
68. O arguido CC vive em união de facto em casa própria da sua companheira.
69. É ... e recebe um salário mensal de € 1500, 00.
70. A sua companheira é … e recebe por mês € 950, 00 de retribuição.
71. O arguido tem o 11.° ano de escolaridade.
72. O arguido DD vive em casa arrendada por € 400, 00 mensais, com a sua filha de 15 anos de idade, à qual é dedicado.
73. É … e recebe um ordenado base de € 700, 00 mensais.
74. Tem o 9.° ano de escolaridade.
75. Os arguidos não registam antecedentes criminais.
Factos Não Provados Com relevância para a decisão não há factos não provados, designadamente aqueles alegados na contestação deduzida por BB, os quais estão em direta oposição com a matéria fáctica descrita na acusação considerada provada.
Motivação A convicção do tribunal assentou no conjunto da prova produzida, interpretada de acordo com as regras da experiência comum e a livre convicção do julgador. Conforme referido supra, apenas o arguido BB prestou declarações iniciais sobre os factos de que vinha acusado, vindo o arguido AA, uma vez finda a produção da prova, a prestar alguns esclarecimentos pontuais. Pois bem, em audiência BB negou ter praticado os ilícitos criminais de que vinha acusado, nomeadamente estar envolvido no plano criminoso descrito na acusação e, em sentido inverso, afirmou que o acidente ali descrito efetivamente ocorreu e ter sido o mesmo o seu participante enquanto agente de autoridade - encontrando-se no dia da sua ocorrência de patrulha com EE, Comandante da mesma; também explicou ter sido AA quem lhe telefonou informando-o do acidente e pedindo-lhe que acorresse ao respetivo local - o que fez, acompanhado do referido Comandante. Questionado, BB disse que, para além de AA, também conhecia os arguidos CC e DD (dos copos e das motas - sic), tendo sido AA quem lhos apresentou. Revelação esta que, aliada à confirmação feita já no final do julgamento por AA, sobre a sua relação de amizade com CC (a qual, de acordo com o arguido, inclusivamente o levou a aceitar ser tomador do seguro do seu motociclo interveniente no “acidente”), permitiu desde logo extrair que os quatro arguidos se conheciam nos termos dados como assentes em 3, 4 e 5. Sobre o acidente, BB explicou ter encontrado os intervenientes no local e confirmado que ambos tinham seguros de responsabilidade civil dos respetivos veículos válidos (não se tendo apercebido, todavia, que era AA, seu camarada, amigo de todos e quem o chamara àquele local, justamente o tomador do seguro do motociclo interveniente no acidente); disse ainda que os intervenientes no acidente não tinham dúvidas sobre a responsabilidade no mesmo - o que desde logo suscitou reservas no Tribunal, atenta a desnecessidade da chamada das autoridades ao local, tanto mais que não existiam feridos ou necessidade de remover veículos do local. Questionado, BB disse ainda que apesar da participação deste acidente ser da sua responsabilidade acabou por ser AA a elaborar o respetivo croqui (o que justificou com a sua falta de jeito para o fazer ...) e quem o auxiliou na elaboração da participação de acidente, na plataforma informática do SIIOP. O que fez por solidariedade: AA foi perguntar-me se já tinha feito o acidente, passei-lhe os elementos e AA inseriu os dados no computador e também fez o croqui ... A respeito da guia de patrulha constante dos autos relativa ao dia em que o acidente teria ocorrido (a fls. 316 e 316 v.) e ao qual acorreu, BB referiu ser o Chefe da Patrulha quem, habitualmente, assinala na guia as ocorrências do dia, sendo tais guias, à data dos factos, elaboradas à mão. Descreveu AA como um bom trabalhador e um colega leal, assim tendo contribuído para a prova dessas qualidades reconhecidas ao seu co-arguido. Conforme acima referido, finda a produção da prova, AA quis prestar alguns esclarecimentos sobre determinados factos e, questionado pelo Tribunal, confirmou ser efetivamente o tomador do seguro do motociclo de CC, o que justificou com o facto de ser amigo do mesmo. CC e DD não prestaram quaisquer declarações sobre os factos. Todos os arguidos esclareceram o Tribunal sobre as suas condições pessoais e económicas, assim conduzindo à prova desses factos. Aqui chegados, as explicações dadas pelos arguidos acima expostas desde logo criaram reservas no Tribunal sobre a veracidade dos seus relatos - considerando-se suspeito que todos os intervenientes no acidente e arguidos se conhecessem; que AA fosse o tomador do seguro do motociclo de CC (justamente aquele veículo identificado como aquele não responsável pela produção do acidente e, assim, o provável beneficiário da indemnização da seguradora); e ter sido BB o militar a quem foi pedido que tomasse conta desta ocorrência. Ora, e produzida a prova testemunhal como aquela documental já constante dos autos, daqui acabou por resultar a formação de uma convicção firme e segura sobre a verificação dos factos tal como descritos na acusação e sobre a culpabilidade dos arguidos. Vejamos. Por parte da ..., atual ...., com grande relevância para a decisão, foram inquiridos HH, perito averiguador e subscritor do relatório de fls. 27 e ss., assim como II, perito supervisor, e FF, representante do ..., que, de modo, convincente, expuseram ao Tribunal os elementos que os levaram a suspeitar e, a final, a concluir, estarmos perante um acidente fictício e uma situação de fraude. Assim, HH explicou ter sido a partir dos danos observados nos dois veículos intervenientes e a falta de compatibilidade entre os mesmos (o que veio a confirmar com o seu próprio exame aos veículos) com o relato feito sobre a forma como se deu o acidente que, desde logo, lhe suscitou dúvidas sobre a veracidade do sinistro; ao que se seguiram outros elementos indiciadores desse facto, assim: a postura dos intervenientes no suposto acidente, os quais, quando por si questionados, não conseguiram recordar-se da data do mesmo e negaram que se conheciam (o que, após pesquisa nas redes sociais, o depoente veio a verificar ser falso - cfr. fls. 49-50); a inexistência quaisquer vestígios do evento no local - no qual, além do mais, tendo questionado os respetivos moradores na zona, aqueles não tinham lembrança do acidente; por sua vez, II explicou ter sido ele quem encaminhou o sinistro em apreço para averiguação por HH por suspeita de fraude, porquanto, tendo analisado os danos do motociclo não os considerou compatíveis com o embate noutro veículo; também considerou estranha a chamada das autoridades ao local, já que os intervenientes estavam em consenso quanto à responsabilidade de um deles, tendo preenchido declaração amigável; assim como a inexistência de feridos, atento o reportado despiste do motociclo; FF reiterou terem sido os danos dos veículos o que suscitou as suspeitas da companhia relativamente à verificação do sinistro e acrescentou que já havia registo de um sinistro associado a AA em que teria havido recusa de pagamento de indemnização, numa situação, que conforme recordou, também causou estranheza à companhia o facto de ter sido a Brigada de ... à qual pertencia AA a tomar conta da respetiva ocorrência e não àquela competente territorialmente o fazer - a Brigada da GNR de ..., já que o acidente ocorreu na A16. Mereceu especial destaque, também, o depoimento do militar da GNR MM (com funções no Núcleo de Investigação Criminal de ... desde 2007), encarregue da presente investigação e subscritor do auto de notícia de fls. 2 e ss que, de forma considerada lógica, honesta e isenta, descreveu ao Tribunal as razões pelas quais, a partir da comunicação da seguradora e das suspeitas desta, chegou à conclusão de que o acidente em análise não havia efetivamente ocorrido; assim, mencionou o facto de existirem documentos relativos ao mesmo acidente elaborados por militares diferentes - BB e AA (cfr. fls. participação de fls. 244 e de fls. 249), o que, por si só não corresponde a uma situação normal, sendo o militar que acorre ao local do acidente quem elabora o respetivo expediente e não outro (normalidade esta que, diga-se, também fez sentido ao Tribunal); a estranheza da existência de 14 versões sobre o mesmo acidente registadas no SIIOP (sistema informático interno da GNR, no qual é inserido o expediente das diligências de cada militar pelo próprio fazendo uso da sua password); o facto de ser AA o tomador do seguro do veículo interveniente no acidente conduzido por terceiro; o facto do acidente não ter sido assinalado na guia de patrulha, a par das restantes diligencias aí apostas; e ainda o facto de todos os intervenientes no acidente, o tomador do seguro e o militar que vai ao local se conhecerem; Todavia, em sentido oposto às declarações de MM - as quais, repete-se, tiveram toda a lógica para o Tribunal -, assim foi o testemunho prestado pelo militar da GNR EE que, à data do pretenso acidente, comandava e fazia a patrulha com BB, e que se apresentou no julgamento com uma postura extremamente reativa/defensiva perante o Tribunal que, aliada à prova produzida, conduziu a uma convicção sobre seu envolvimento nos factos sub judicio. Assim, esta testemunha revelou ser colega de trabalho e amigo de AA (do qual foi, também, testemunha de defesa) e de BB há vários anos, mas disse ter conhecido também CC por intermédio de AA em contexto de convívio social; Confrontado com a guia de patrulha constante de fls. 316 e 316 verso, EE admitiu serem suas a letra e a assinatura aí apostas, do que se extraiu, necessariamente que tal como referido por BB era o depoente quem o acompanhava e integrava a sua patrulha no dia do pretenso acidente; Analisada tal guia, verificou-se que o acidente em apreço, no qual teriam estado envolvidos CC e DD e ao qual teriam acorrido BB e EE, não se mostra ali assinalado. Ora, e antes que as razões dessa omissão fossem sequer perguntadas a EE, o mesmo, numa postura reativa e de desconfiança perante o Tribunal, começou por querer justificar, precisamente, esse facto, mostrando-se assim condicionado no seu testemunho: aludindo a um episódio de suicídio que teria ocorrido nesse dia (uma das coisas que mais mexeu comigo naquele dia - sic) e que o poderia ter feito esquecer, precisamente, o acidente em questão, e tecendo considerações sobre as frequentes desconformidades das guias de patrulha - falhas que por vezes ocorrem quando são preenchidos estes documentos - tendo mesmo chegado a dizer “é raro uma guia de patrulha ficar a 100%”... EE afirmou também, sucessivamente, não ter qualquer memória do acidente e mesmo confrontado com as fotografias de fls. 33 a 37 que integram o relatório de averiguações da empresa seguradora e retratam o local onde o mesmo teria ocorrido, manteve tal posição -o que não se considerou credível, tanto pelo facto de se tratar de um acidente em que o depoente conhecia um dos intervenientes (CC) e ao qual, como BB, teria sido chamado pelo colega e amigo de todos AA e não pelo posto ou pela denominada “sala de situação” que centralizam as comunicações das ocorrências, como pelo facto de o mesmo ter espoletado a presente investigação contra os seus camaradas e amigos, tendo sido, por isso, certamente conhecida, falada, e debatida pela testemunha e pelos arguidos - tudo factos que, num quadro de normalidade, sempre deveriam ter despertado a sua memória para este evento. EE foi também perguntado sobre a elaboração dos autos de participação de acidente e respetivos croquis por militares diferentes daqueles que acorrem à diligência (o que aconteceu in casu) e, desta feita, afirmou ser perfeitamente normal, atento o ambiente de solidariedade existente naquela Brigada. Pois bem, conforme acima referido, toda a postura de EE em audiência, como a sua preocupação exagerada em justificar factos descritos na acusação indiciadores da responsabilidade dos arguidos - como a omissão do acidente na guia de patrulha e a participação de AA na elaboração do seu expediente, quando ali não havia estado - sendo certo que o depoente não só integrava como comandava a patrulha que tomou conta deste (inexistente) acidente, levou o Tribunal a considerar existir uma forte probabilidade de esta testemunha estar, também ela, envolvida na prática dos factos. Por essa razão, além da falta de credibilidade dada ao seu testemunho, assim se decidiu remeter certidão da presente sentença e das declarações prestadas por EE no julgamento ao DIAP, para os devidos efeitos. Em defesa de AA foi também indicado EE que, a par de BB, elogiou as qualidades profissionais e pessoais do arguido; AA arrolou também NN, outro colega de profissão, que referiu ter conhecido CC e DD através de AA; descreveu AA como um bom profissional e na linha da sua defesa, descreveu que a escassez de meios informáticos leva à frequente partilha de computadores entre os militares e mencionou o espírito de entre ajuda entre os militares da Brigada; em defesa do arguido DD foi ouvida a sua irmã, OO, que esclareceu que o arguido lhe contou ter tido um acidente de viação com CC que, segundo a depoente, ambos conhecem desde a infância; disse conhecer também AA; e elogiou as qualidades pessoais do irmão, que descreveu como um pai dedicado e trabalhador - o que também contribuiu para a prova desses factos; BB indicou, em sua defesa, JJ, igualmente militar da GNR e elogioso do seu desempenho profissional, assim como KK que reiterou o espírito de entre ajuda que existe entre colegas e a falta de meios informáticos do Posto de ... (sugerindo que tais fatores justificam a elaboração do expediente relativo a diligencias por parte militares que não participam nas mesmas); questionado, esta testemunha referiu que BB tem facilidade na utilização da informática, o que colocou em crise a justificação dada por este arguido (falta de jeito), para que tivesse sido AA a elaborar o croqui do acidente em análise. Documentalmente, e sem prejuízo das referências já feitas supra quanto a alguns documentos, o Tribunal teve em consideração: o Relatório de análise da Unidade de Intervenção-Grupo de intervenção de operações especiais subsecção de análise e de intervenção criminal, de fls. 7-15.; a descrição do acidente e respetivos questionários - ..., ora denominado ..., de fls. 58-61; o Relatório intercalar n.° 1, da Guarda Nacional Republicana, Comando Territorial de ..., Destacamento Territorial de ...-Núcleo de Investigação Criminal de ..., de fls 198-201; a Cópia de consulta na Base de Dados referente ao motociclo de matrícula ..-BU-.., de fls. 225-227; a Cópia de Pesquisa Efetuada no ... de fls. 229, 231-234, 236, 238, 240, 242; a Informação prestada pela ..., de fls. 300-311; as Guias de Patrulha em uso na GNR de ..., do Destacamento Territorial de Lisboa, Subsdestacamento Territorial de Sintra, respeitante ao acidente de viação ocorrido a ........2017, de fls. 313-320; 322-324V; o Relatório Intercalar n.° 2, da Guarda Nacional Republicana, Comando Territorial de ..., Destacamento Territorial de ...-Núcleo de Investigação Criminal de ..., Cfr. Fls. 325-327; Relatório Final, da Guarda Nacional Republicana, Comando Territorial de ..., Destacamento Territorial de ...-Núcleo de Investigação Criminal de ..., de fls. 544- 549 V.; o Relatório de Peritagem, realizado pela ..., referente ao motociclo de matrícula ..-BU-.., de fls. 567 a 571. Pois bem, em face dos relatos acima indicados e da prova documental, os quais foram analisados de forma articulada, à luz de critérios de lógica, racionalidade e normalidade, assim chegou o Tribunal à conclusão firme e segura de que o acidente - omitido na guia de patrulha elaborada por BB e EE no dia em que pretensamente teria ocorrido - não teve lugar e que os factos ocorreram conforme descrito na peça acusatória, a qual se considerou, assim, integralmente provada. Em consequência daqui se extraiu, necessariamente, que os arguidos aderiram a um plano astucioso dirigido ao pagamento de uma indemnização pela empresa seguradora a AA, enquanto tomador do seguro do motociclo de CC que, pretensamente, teria estado envolvido no sinistro, cuja responsabilidade - conforme falsamente declarado por DD e CC nas declarações amigáveis por ambos preenchidas - pertenceria a DD; isto, tendo sido também pretensamente chamado ao local o militar BB, precisamente, pelo colega e amigo AA, com a evidente intenção de reforçar a credibilidade do evento, mediante a apresentação dos documentos que ambos elaboraram (em múltiplas versões), de participação de acidente e croqui, dotados de fé pública porquanto emitidos por autoridades policiais. Factos que todos os arguidos conheciam e desejaram, tendo, assim, os elementos psicológicos e volitivos das suas condutas sido extraídos, de forma conjugada, de todos estes elementos probatórios. Por fim, as condições pessoais dos arguidos e as qualidades que lhes foram reconhecidas em audiência resultaram das suas declarações e dos testemunhos acima identificados e a ausência de antecedentes criminais do respetivo certificado de registo criminal.
3. Apreciando
Afirmando-se com possibilidades preclusivas em relação às demais, cumpre, em primeira linha, tratar da primeira questão suscitada pelo recorrente BB, a saber, da alegada omissão de pronúncia quanto à factualidade invocada na contestação, bem como quanto ao juízo crítico relativo às testemunhas de defesa, e consequente nulidade da sentença.
Vejamos então.
Por força do disposto no art. 374.º, n.º 2 do CPP, sobre os requisitos da sentença, “ao relatório segue-se a fundamentação, que consta da enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal.”
Nos termos do art. 379.º, n.º 1, alínea a) do CPP, é nula a sentença que não contiver as menções referidas no n.º 2 e na alínea b) do n.º 3 do art. 374.º, ou seja, quando nela é omitida a fundamentação.
Ou seja, impõe-se uma delimitação concreta dos factos provados e não provados, e explanação, apresentando as razões, de forma coerente e objetiva, que determinaram a decisão naquele sentido e não noutro. E esta fundamentação abarca quer a decisão incidente sobre os factos quer a solução jurídica encontrada e aplicada.
Ora, olhando ao caso dos autos resulta ter o recorrente apresentado uma contestação composta por 63 artigos, que mereceu por parte do tribunal recorrido a seguinte apreciação: “Com relevância para a decisão não há factos não provados, designadamente aqueles alegados na contestação deduzida por BB, os quais estão em direta oposição com a matéria fáctica descrita na acusação considerada provada.”
Ocorre que, à partida, a referida apreciação, nos termos em que é elaborada, contém por si só uma contradição, nos termos “explorados” pelo recorrente nas suas alegações de recurso (cf. pontos 39 a 45 das conclusões).
Porém, e nessa parte, sempre seria sanável, na medida em que, “mal ou bem” se perceciona aquilo que se pretendia transmitir.
Ao invés, afigura-se-nos inultrapassável a circunstância de o tribunal a quo se ter bastado naquela fórmula “vaga”, deixando claramente por enumerar os factos que na sua perspetiva pretendia ter por não provados e com isso a exposição das razões que levaram à decisão naquele sentido e não noutro, designadamente, e nos termos apontados pelo recorrente, o juízo crítico relativo às testemunhas de defesa.
É que a lei impõe que se dê a conhecer os factos provados e os não provados, para o que a sentença os deve enumerar (neste sentido cf., entre outros, os Acórdãos do TRE de 20.11.2012, proc. n.º 914/05.1GTABF.E1, e de 28.02.2023, proc. n.º 86/21.4T9OLH.E1), sem prejuízo de os mesmos deverem ser efetivamente relevantes.
Ora, olhando à contestação apresentada pela defesa, e dela expurgando aquilo que se nos afigura manifestamente conclusivo, constata-se a invocação de factos relevantes para a defesa do recorrente que, potencialmente, o eximiriam da prática de qualquer crime.
Estão nessas condições pelo menos aqueles que são invocadas nos artigos 4.º, 14.º, 15.º, 17.º, 20.º, 23.º, 24.º, 26.º, 27.º (por referência a ordens superiores), 28.º, 29.º, 42.º parte final (face ao que já resulta do facto provado em 67), 45.º, 47.º, 48.º, 49.º, 50.º, 51.º e 52.º
Todavia, tratando-se de factos que têm efetivo interesse para a decisão, sobre eles não é realizada qualquer enumeração e consequente indicação da respetiva análise crítica, não se bastando esta última na afirmação de que “estão em direta oposição com a matéria fáctica descrita na acusação considerada provada”.
Tal omissão não pode por nós ser colmatada, porquanto ao não se enumerar a verificação ou não verificação de factos relevantes para a decisão da causa, não se evidencia quais é que foram efetivamente considerados e apreciados pelo tribunal recorrido e sobre os quais recaiu um juízo de prova.
Ao invés, implica não tornar possível sindicar a bondade da decisão recorrida, impossibilitando que deles se conheça em sede de recurso que verse sobre a matéria de facto (nestes sentido, cf. Ac. TRC de 24.04.2019, proc. n.º 708/15.6T9CBR.C1).
Em suma, uma vez que a matéria alegada na contestação reveste relevância para a decisão, a mesma deveria ter sido enumerada no respetivo elenco factual, com isso traduzindo um efetivo juízo de prova.
Em consequência, é nula a decisão recorrida, nos termos do art. 379.º, n.º 1, al. a) do CPP, devendo os autos ser devolvidos ao tribunal a quo para sanação da referida nulidade, ou seja, para ser proferida nova decisão de onde conste a fundamentação em falta nos termos “supra” exarados.
Assim se decidindo, temos por impossibilitado o conhecimento dos demais aspetos recursivos suscitados pelos arguidos.
III – Decisão
Pelo exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação de Lisboa em, nos termos dos artigos 379.º, n.º 1 al. a), com referência ao artigo 374.º, n.º 2, ambos do Código de Processo Penal, declarar a nulidade da decisão recorrida, devendo em consequência o processo baixar à 1ª instância a fim de ser suprida tal nulidade, com a elaboração de nova sentença pelo tribunal recorrido, que deverá conter decisão fundamentada quanto à contestação apresentada pelo recorrente BB.
Sem custas.
Notifique.
*
Lisboa, 1 de julho de 2025 (texto processado e integralmente revisto pela relatora – artigo 94.º, n.º 2 do Código de Processo Penal)
Ester Pacheco dos Santos
Alexandra Veiga
João Grilo Amaral