SUSPENSÃO DO DESPEDIMENTO
PROVÁVEL INVALIDADE DO PROCEDIMENTO DISCIPLINAR
RESPOSTA À NOTA DE CULPA
Sumário

I – A resposta à nota de culpa não constitui uma declaração receptícia.
II - Considerar que tem aplicação o disposto no artigo 224º nº 1 do C.Civil à apresentação da resposta à nota de culpa é restringir parcialmente o prazo concedido ao trabalhador para contestar a acusação do empregador, com prejuízo evidente para o exercício do direito de audição.
III – É tempestiva a resposta à nota de culpa remetida por via postal no último dia do prazo, sendo irrelevante a data em que chega ao conhecimento do Réu.
IV – Na falta de outra indicação, o trabalhador tanto pode enviar tal resposta à nota de culpa para a empregadora como para o instrutor do processo.
V - Ao desconsiderar a existência de resposta à nota de culpa, a empregadora viola o direito de resposta do trabalhar à nota de culpa, o que determina a invalidade do procedimento disciplinar, e determina a suspensão do despedimento.

Texto Integral

Considerando a simplicidade das questões suscitadas, a relatora, fazendo apelo ao disposto nos artigos 87º do Código do Processo do Trabalho e 656º do Código de Processo Civil, vai julgar o presente recurso de apelação através de decisão singular e sumária.
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I - Relatório
AA intentou o presente procedimento cautelar de suspensão de despedimento, contra Ribera Portugal – Parcerias Cascais, S.A. (anteriormente denominada Galo Saúde –Parcerias Cascais, S.A.), requerendo que seja decretada a suspensão do seu despedimento, invocando, para o efeito, em síntese: (i) serem falsas as acusações que fundamentaram o procedimento disciplinar; (ii) que o procedimento disciplinar padece de vícios graves, tendo sido violado o seu direito de defesa, por não ter sido considerada a resposta à culpa de culpa, afirmando-se no relatório final que não houve apresentação de defesa quando o Requerente, através do seu mandatário, enviou a defesa por carta registada com aviso de recepção, para a morada da sede da Requerida, dentro do prazo de 10 dias úteis, e por não terem sido ouvidas as testemunhas que indicou, tendo a instrução sido conduzida de forma parcial e sem cuidar de apurar a verdade dos factos; (iii) que, mesmo a admitir-se a veracidade dos factos que lhe foram imputados, o que não concede, seria desproporcional, excessiva e injusta a sanção aplicada.
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Foi designada data para a realização da audiência final.
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A requerida deduziu oposição, impugnando os factos alegados pelo requerente.
Conclui pela improcedência da invocada nulidade do procedimento disciplinar e pela improcedência da acção.
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Foi proferida sentença que decidiu: “Face ao exposto, julgando-se procedente o presente procedimento cautelar, defere-se a providência cautelar requerida e, em consequência, decreta-se a suspensão do despedimento do Requerente AA, devendo a Requerida Ribera Portugal - Parcerias Cascais, S.A. mantê-lo no seu posto de trabalho sem perda de antiguidade nem categoria.”
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Inconformada, a requerida interpôs recurso, concluindo nas suas alegações que
1. Nos termos do art. 40.º, n.º 3 do CPT, a RECORRENTE pode obter o efeito suspensivo se no requerimento de interposição depositar a quantia correspondente a seis meses de retribuição do RECORRIDO, acrescidas das correspondentes contribuições devidas à segurança social a título de caução.
2. Na sentença ora em crise decidiu-se decretar a suspensão do despedimento do Requerente AA, devendo a Requerida Ribera Portugal - Parcerias Cascais, S.A. mantê-lo no seu posto de trabalho sem perda de antiguidade nem categoria.
3. Ora, a execução da decisão de que se recorre pode causar prejuízo sério à RECORRENTE, porquanto o decretamento da providência de suspensão do despedimento implicará um grande prejuízo para a RECORRENTE, concretamente, para a sua organização, uma vez que a decisão determina que a RECORRENTE proceda à reintegração do RECORRIDO na RECORRENTE, o que se traduz no regresso de um Trabalhador ao seu local de trabalho, precisamente o local da prática dos factos de que vem (indiciariamente) acusado.
4. Mais grave ainda, é o facto do regresso do RECORRIDO ao seu local de trabalho significar o contacto deste com milhares de colaboradores, onde está incluída a BB, ou seja, a pessoa contra quem o RECORRIDO praticou os factos que resultaram indiciariamente provados na Sentença de que se recorre, os quais, inclusive, poderão, em abstrato, consubstanciar a prática de ilícios criminais.
5. A RECORRENTE presta de imediato caução, no valor de € 6.088,50 (seis mil e oitenta e oito euros e cinquenta cêntimos), correspondente a seis meses de retribuição (820,00 x 6 meses), acrescido das contribuições à segurança social (23.75%) na medida em que a reintegração, ainda que provisória, do RECORRIDO poderá acarretar impactos negativos no seu normal funcionamento, quando espera vir a obter vencimento no presente processo judicial.
DA INEXISTÊNCIA DE VIOLAÇÃO DO DIREITO DE DEFESA DO RECORRIDO
6. O Tribunal a quo não efetuou uma correta interpretação da matéria constante dos presentes autos, violando, na interpretação da RECORRENTE, diversas normas legais.
7. Alega o RECORRIDO que a RECORRENTE violou o direito de defesa do RECORRIDO, omitindo a existência da defesa apresentada, encontrando-se, o procedimento disciplinar, no seu entender, viciado de nulidade insuprível, verificando-se, por isso, uma probabilidade séria de ilicitude do seu despedimento
8. Não assiste qualquer razão ao RECORRIDO, porquanto, de acordo com os autos do procedimento disciplinar, aquele foi notificado da Nota de Culpa no dia 17.10.2024, através de comunicação enviada por carta registada com A/R (fls 83- A 99 dos autos do procedimento disciplinar), comunicação essa realizada pelos Instrutores nomeados, na qual constavam os contactos (domicílio profissional e e-mail) que deveriam ser utilizados para proceder ao agendamento da consulta dos autos e eventuais trocas de correspondência.
9. Sucede que, o RECORRIDO ao invés de ter feito uso dos contactos constantes da comunicação de notificação da Nota de Culpa, decidiu (e com o devido respeito, com intenção precisamente de causar a confusão) proceder ao envio da sua Resposta para as instalações da RECORRENTE, que emprega inúmeros trabalhadores e colaboradores e que tem procedimentos internos próprios de correspondência que não se compadece com a urgência que este tipo de correspondência exige.
10. Acresce ainda que, a Resposta à Nota de Culpa foi enviada no último dia do prazo (31.10.2024) e apenas foi rececionada pela RECORRENTE no dia 13.11.2024 (conforme Resposta à Nota de Culpa e AR juntos pelo RECORRIDO no Requerimento Inicial), ou seja, 13 (treze) dias depois do término do prazo que o RECORRIDO dispunha para apresentar a sua Resposta, tendo a mesma sido apresentada fora de prazo.
11. Admitindo que a Resposta foi rececionada tempestivamente, que não se aceita e apenas por mero dever de patrocínio se concede, os factos nela contemplados em nada alteravam a gravidade dos factos de que o RECORRIDO vem acusado e que são, no entender da RECORRENTE, mais que suficientes para justificar uma quebra total de confiança e justificar a sua decisão de despedimento com justa causa, facto corroborado pela matéria de facto dada como provada na decisão do Tribunal a quo.
12. Foi neste contexto supra exposto, que no relatório final, os Instrutores, consideraram que o RECORRIDO não tinha apresentado qualquer Resposta à nota de Culpa, o que não deixa de ser verdade, tendo em conta que não foi rececionado qualquer documento no domicílio profissional dos Instrutores nomeados.
Acresce ainda dizer que,
13. Nos termos do art.º 382.º n.º 2 do CT, o procedimento só pode ser declarado inválido se:
• Faltar a nota de culpa, ou se esta não for escrita e ou não contiver a descrição circunstanciada dos factos imputados ao trabalhador;
• Faltar a comunicação da intenção de despedimento junta à nota de culpa;
• Não tiver sido respeitado o direito do trabalhador a consultar o processo ou a responder à nota de culpa ou, ainda, o prazo para resposta à nota de culpa;
• A comunicação ao trabalhador da decisão de despedimento e dos seus fundamentos não for feita por escrito, ou não esteja elaborada nos termos do n.º 4, do artigo 357.º ou do n.º 2 do artigo 358.º
14. Ora, nenhum dos casos identificados pelo legislador te, aplicação in casu,
15. Recebida a nota de culpa e comunicada ao trabalhador a intenção de despedimento, o trabalhador tem o direito de exercer o contraditório – princípio basilar de qualquer processo sancionatório - conforme estabelece o artigo 355.º, n.º 1, ou seja, o trabalhador, no prazo de 10 (dez) dias úteis, pode:
• consultar o processo disciplinar;
• responder à nota de culpa;
• exigir que sejam efetuadas as diligências probatórias que requereu.
16. Defende, o RECORRIDO que o processo disciplinar é nulo, tendo em conta a violação do seu direito de defesa, da omissão de apresentação da defesa e ainda porque a REQUERIDA não realizou as diligências probatórias requeridas pelo RECORRIDO na Resposta à Nota de Culpa (concretamente a inquirição de três testemunhas)
17. Ora, relativamente à consulta do processo cumpre desde logo referir que o RECORRIDO não realizou qualquer pedido de consulta junto dos Instrutores, não tendo por isso procedido à consulta dos autos.
18. Relativamente à Resposta à Nota de Culpa, é de notar que o RECORRIDO foi devidamente notificado pelos Instrutores do teor da Nota de Culpa e informado do prazo que dispunha para apresentar a sua defesa (10 dias úteis), tendo sido disponibilizados os contactos dos Instrutores nomeados e devidamente mandatados, conforme já supramencionado.
19. Contudo, o RECORRIDO, fazendo tábua rasa do teor da comunicação de notificação da Nota de Culpa e ignorando por completo a existência de Instrutores nomeados, para quem foram transferidos os poderes de instrução do procedimento disciplinar, decidiu enviar a sua Resposta, por correio registado, para as instalações da RECORRENTE, a qual e conforme já referido apenas foi rececionada por esta, 13 (treze) dias após o término do prazo que o RECORRIDO dispunha para o efeito.
20. Finalmente e no que diz respeito às diligências instrutórias requeridas pelo RECORRIDO na sua Resposta, s.m.o, consubstanciariam sempre diligências patentemente dilatórias ou impertinentes, porquanto, os factos vertidos na Nota de Culpa e no Relatório Final não foram presenciados por qualquer trabalhador ou colaborador da RECORRENTE, tendo sido um incidente que envolveu apenas o RECORRIDO e a colaboradora BB, não tendo por isso, evidentemente, as testemunhas indicadas pelo RECORRIDO na sua Resposta qualquer conhecimento direto dos factos de que vem acusado.
21. Quer isto dizer que, ainda que a Resposta à Nota de Culpa tivesse sido enviada e rececionada pelos Instrutores (como era expectável), tais diligências seriam sempre indeferidas.
22. Diga-se ainda que, atendendo às regras gerais de interpretação das declarações (artigo 236.º, ex vi artigo 295.º, do Código Civil), o declaratário normal colocado na posição do real declaratário, considerando a comunicação de notificação da Nota de Culpa como se encontrava redigida e assinada, facilmente compreenderia que quem está incumbido de dirigir a instrução e considerar não só a Resposta, mas também as diligências probatórias seriam os Instrutores signatários daquela primeira comunicação.
23. Outro sentido não pode ser atribuído considerando o disposto no artigo 356.º, n.º 1, quando refere que o Empregador, por si, ou através de Instrutor nomeado por este deve realizar as diligências probatórias requeridas na Resposta à Nota de Culpa (in fine), assim como é referido na jurisprudência acima citada.
24. Ademais, ainda que se pudesse vir a admitir que existiu uma nulidade do procedimento disciplinar em virtude da não realização das diligências instrutórias requeridas pelo RECORRIDO na Resposta a Nota de Culpa, sempre se dirá que a audição das testemunhas indicadas pelo RECORRIDO, em sede judicial sanaria a eventual nulidade do procedimento.
25. Veja-se que o Tribunal a quo, ouvindo as testemunhas indicadas pelo RECORRIDO na sua Resposta a Nota de Culpa, considerou, ainda assim como provados os factos constantes da Nota de Culpa que fundamentaram a decisão de despedimento, porquanto as testemunhas não apresentaram qualquer razão de ciência nem conhecimento direto dos factos(!!).
26. Impõe-se, por isso, questionar, se as testemunhas indicadas pelo RECORRIDO tivessem igualmente sido ouvidas no âmbito do procedimento disciplinar se a decisão do Tribunal a quo teria sido diferente? Obviamente que não(!!).
27. A mesma lógica se aplicará à decisão final da RECORRENTE no âmbito do procedimento disciplinar, porquanto, como resultou demonstrado em sede de julgamento as testemunhas do RECORRIDO não tinham qualquer conhecimento direto dos factos de que o RECORRIDO vinha sendo acusado, não podendo assim estas, alterar e/ou formar convicção diversa na RECORRENTE e consequentemente no Tribunal a quo.
28. Termos em que deverá improceder a alegada nulidade do procedimento disciplinar por preterição do direito de defesa e diligências probatórias requeridas na Resposta à Nota Culpa, cuja entrega aos instrutores do procedimento disciplinar o RECORRIDO não logrou estabelecer, como era seu ónus, tendo por sua livre e espontânea vontade decidido enviar o documento para as instalações da RECORRENTE, quando em abono da verdade os titulares dos poderes de representação eram os Instrutores nomeados.
29. Com efeito, o RECORRIDO criou ou logrou fabricar um subterfúgio ou uma manobra procedimental de modo a beneficiar ilicitamente de um suposto direito.
30. O RECORRIDO não consultou os autos do procedimento disciplinar estando estes à disposição para consulta no domicílio profissional dos Instrutores e o RECORRIDO foi devidamente informado aquando da notificação da Nota de Culpa.
31. S.m.o., independentemente da bondade da discussão, a tónica não é sobre se a resposta deve ser entregue ao empregador, mas antes sobre qual a data em que o ato se considera exercido.
32. Ademais, conforme referido, o certo é que o art. 355.º n.º 1 do CT confere ao trabalhador o direito de consultar o processo e responder à nota de culpa, que necessariamente deverá apresentar no prazo de 10 (dez) dias úteis ao empregador ou ao instrutor que este tenha nomeado, para realização das diligências probatórias requeridas na resposta à nota de culpa, a menos que as considere patentemente dilatórias ou impertinentes, devendo neste caso alegá-lo fundamentadamente por escrito (art. 356.º n.º 1).
33. No caso dos autos, o trabalhador enviou a Resposta à Nota de Culpa por carta registada (RL…6PT), em 31.10.2024 remetida para a sede da RECORRENTE ao invés do domicílio profissional dos Instrutores do procedimento disciplinar que vinha indicado na nota de culpa, resultando demonstrado, pelo aviso de receção junto com o requerimento inicial, que a oposição foi rececionada apenas em 13.11.2024.
34. Termos em que se requer a V. Exas que considerem improcedente a violação do direito de defesa do RECORRIDO.
35. Mais se diga que, de harmonia com o art. 351.º n.º 1 do Código do Trabalho, constitui justa causa do despedimento o comportamento culposo do trabalhador que, pela sua gravidade e consequências, torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho, exemplificando-se, no n.º 2 do mesmo, comportamentos suscetíveis de a integrarem, desde que e sempre, se reconduzam ao conceito definido no n.º 1.
36. Para apreciação da justa causa deve atender-se, no quadro da gestão da empresa, ao grau de lesão dos interesses do empregador, ao carácter das relações entre as partes e às demais circunstâncias que no caso se mostrem relevantes de acordo com o art. 396.º do CT.
37. Quanto à impossibilidade prática de subsistência da relação laboral, a mesma verifica-se por deixar de existir o suporte psicológico mínimo para o desenvolvimento da relação laboral, quando se esteja perante uma situação de absoluta quebra de confiança entre a entidade patronal e o trabalhador, de tal modo que a subsistência do vínculo laboral representaria uma exigência desproporcionada e injusta, mesmo defronte da necessidade de proteção do emprego, não sendo no caso concreto objetivamente possível aplicar à conduta do trabalhador outras sanções, na escala legal, menos graves que o despedimento.
38. No n.º 2 do citado art. 351.º, o legislador enunciou, exemplificativamente, comportamentos do trabalhador suscetíveis de integrar a noção de justa causa de despedimento. Todavia, a simples correspondência objetiva aos modelos de comportamentos prefigurados na lei, não justifica, só por si, a rotura do vínculo laboral, não dispensando a apreciação dos mesmos factos à luz das circunstâncias em que ocorreram, do nível cultural e social do infrator, do respetivo meio de trabalho, e de todas as demais circunstâncias suscetíveis de convencerem da impossibilidade de subsistência da relação de trabalho.
39. A impossibilidade prática da manutenção do contrato de trabalho ocorre sempre que não seja exigível da entidade empregadora a manutenção de tal vínculo por, face às circunstâncias concretas, a permanência do contrato e das relações pessoais e patrimoniais que ele implica, representem uma insuportável e injusta imposição ao empregador.
40. Por fim, o nexo de causalidade apontado exige que impossibilidade da subsistência do contrato de trabalho seja determinada pelo comportamento culposo do trabalhador.
41. Ora, vertendo ao caso concreto, os comportamentos do RECORRIDO são, de per se, causa adequada à quebra da confiança e impossibilidade de manutenção da relação laboral entre as partes.
42. Os factos indiciariamente provados como consubstanciadores de violação dos deveres funcionais do RECORRIDO, são os seguintes, reproduzidos nos factos já constantes da nota de culpa:
1. No dia … de Agosto de 2024, no decorrer do turno da tarde, em hora não concretamente apurada, enquanto BB, que estava a trabalhar, se baixava para colocar um novo saco do lixo, o Requerente colocou o seu braço entre o braço e o torso de BB e apalpou-lhe o seio – facto n.º 18.
2. BB afastou o braço do Requerente enquanto, dirigindo-se ao mesmo, disse “Então?!” – facto n.º 19.
3. De seguida, BB dirigiu-se à sala dos sujos, onde entrou – facto n.º 20.
4. O Requerente seguiu-a e entrou na sala dos sujos, fechando a porta e colocando-se entre BB e a porta, de costas para a porta e de frente para esta – facto n.º 21.
5. De seguida, dirigiu-se a BB e disse “já estou de pau feito” – facto n.º 22.
6. BB ficou nervosa e, em pânico, saiu da sala de sujos e contactou o seu superior hierárquico, CC, relatando o sucedido – facto n.º 23.
43. Sabendo o Tribunal que tais factos praticados pelo RECORRIDO além constituírem justa causa de resolução do contrato de trabalho, também consubstanciam, em abstrato, a prática de crimes, máxime o crime de perseguição (p.e.p. no art. 154-A. º, do CP) e o crime de importunação sexual (p.e.p. no art. 170.º, do CP).
44. Estas atuações do RECORRIDO traduzem contactos de natureza sexual suscetíveis, de criar uma situação de constrangimento, de limitação ou anulação da vontade da vítima e contenderem com a liberdade de ação e decisão da mesma, tendo, aliás, sido essa a sua intenção.
45. Um comportamento como o revelado nos autos, como a prática de atos assediantes a trabalhadores da RECORRENTE, a utilização de linguagem e expressões inapropriadas e atentatórias dos direitos de trabalhadores da RECORRENTE, revela um nítido desrespeito pelos deveres laborais a que se encontrava adstrito, provocando disfuncionalidades no funcionamento da RECORRENTE – cfr. art. 128.º, n.º 1, als. a), h), j) e n.º 2, do CT.
46. Apesar do trabalhador ter uma antiguidade na RECORRENTE que remonta a 2016 e de não ter antecedentes disciplinares, não afasta a gravidade do seu comportamento nem a conclusão de nítido desrespeito dos direitos dos trabalhadores da RECORRENTE, obrigando a RECORRENTE a tomar a decisão de despedimento, para salvaguarda da disciplina na empresa e da sua produtividade.
47. Ponderada a grave e reiterada lesão dos interesses da RECORRENTE, dos colegas do RECORRIDO, e a atuação culposa e intencional, no exercício das suas funções, consideraram-se reunidos os pressupostos que, face ao art. 351.º n.ºs 1 e 3 do CT, conferem justa causa ao despedimento.
48. No caso em apreço, os comportamentos do RECORRIDO não só violam os mais basilares deveres inerentes à relação laboral como também são suscetíveis de indiciar, em abstrato, a prática de crimes, assumindo gravidade suficiente, como também consequências económicas e morais de tal forma grandes que são de molde a concluir pela impossibilidade e subsistência da relação de trabalho, conforme decorre do n.º 1 do artigo 351.º do CT.
49. Isto porque, se verificam os pressupostos necessários:
i. a prática de um facto ilícito, que se verificou pelo toque no seio da colega sem o seu consentimento e ao dirigir-se à mesma proferindo comentários sugestivos “Ah, já estou de pau feito” o que por isso não só consubstancia um atentado à liberdade sexual da mesma com a violação deste mesmo bem jurídico e, por isso, se indicia a prática de um crime;
ii. a culpa, avaliada pelos critério do art. 487.º, n.º 2 do Código Civil, apreciada em termos objetivos e concretos, de acordo com o entendimento de um bom pai de família ou de um empregador normal, em face do caso concreto, e segundo critérios de objetividade e razoabilidade, pelo que se verificou que a conduta em si, infringiu, de forma deliberada, os deveres inerentes à relação laboral que deveria ter observado na execução do contrato, porquanto não poderia desconhecer que o ato praticado seria ilícito;
iii. o dano, que se verificou não só pelo estado pós-traumático deixado na vítima como também os possíveis danos reputacionais e, por isso, económicos, que advirão da existência deste tipo de comportamentos no Hospital … que deverão ser tornados públicos e que mancham a imagem da REQUERIDA no espaço económico em que se insere, não só entre competidores como também entre os terceiros que procuram os seus serviços; e
iv. o nexo de causalidade, pois que os danos que foram criados e que se poderão vir a verificar decorrem única e exclusivamente da atuação do RECORRIDO que, pela teoria da causalidade adequada, o facto praticado atuou como condição necessária do dano verificado pela vítima porque não se verificaram nenhumas circunstâncias anormais, atípicas, excecionais, extraordinárias ou anómalas, que intercederam no caso concreto.
50. Resulta claro que o RECORRIDO ao adotar as condutas que adotou violou de modo severo, os deveres laborais a que estava adstrito e melhor descritos na Nota de Culpa e Decisão Final.
51. Ora, quanto este argumento, a RECORRENTE não pode deixar de dizer que as condutas adotadas pelo RECORRIDO e que fundamentaram a decisão do despedimento não se podem compadecer com as atenuantes invocadas pelo RECORRIDO, mesmo a antiguidade, que mesmo podendo servir com elemento desculpante, deve também ser apreciada da perspetiva da exigência que se deve ter com um trabalhador já plenamente integrado na organização, que deve conhecer – e não pode desconhecer sem culpa – os procedimentos e os limites no âmbito laboral e de respeito pelos colegas de trabalho.
52. Estamos perante condutas praticadas por um trabalhador com uma posição concreta na organização, com funções de auxílio, as quais têm inerente uma relação de confiança, e, ademais, um certo ascendente do RECORRIDO em face dos demais colegas (sem vínculo com a RECORRENTE) pelas funções de apoio e monitorização que o próprio RECORRIDO descreve no seu Requerimento Inicial, tornando-o, necessariamente, consciente de cada atuação e respetiva consequência.
53. Para além disso, as condutas adotadas pelo RECORRIDO lesam a imagem da RECORRENTE, os quais se demonstram de reparação impossível ou extremamente gravosa.
54. Os comportamentos supra descritos colocam, particularmente, em causa a imagem e bom nome da RECORRENTE, dando uma ideia errada sobre o modo como os trabalhadores são instruídos relativamente ao exercício das suas funções, bem como relativamente aos comportamentos que devem adotar no seu local de trabalho e, bem assim, na própria prossecução dos interesses da RECORRENTE.
55. A imagem da RECORRENTE está indissociavelmente ligada ao modo como os seus trabalhadores exercem as suas funções e se comportam no local de trabalho.
56. Os comportamentos do RECORRIDO são intoleráveis e prejudicam o normal funcionamento da RECORRENTE, lesam o seu bom nome e reputação e causam/causaram danos na imagem da RECORRENTE e perturbam quem com esta colabora.
57. Veja-se que a conduta do RECORRIDO é suscetível de, em concreto, pôr em causa o prestígio e credibilidade da RECORRENTE perante os seus colaboradores, junto da sociedade civil, bem como as demais entidades que se relacionam com a RECORRENTE.
58. Do mesmo modo, os comportamentos adotados pelo RECORRIDO foram, inclusivamente, objeto de uma queixa-crime e são passíveis de abstratamente indiciar a prática do crime de importunação sexual previsto e punido no art. 170.º do CP, e tem por objeto a proteção do bem jurídico «liberdade sexual», protegido nos termos dos artigos 25.º e 26.º da CRP.
59. Do mesmo modo, ainda que não tivesse intenção direta de deixar a colega incomodada, stressada e constrangida, não poderia ignorar que aquele comportamento poderia ser virtualmente capaz de provocar na vítima os efeitos descritos no art. 29.º, n.º 2 do CT.
60. Pelo que, não se pode admitir que o RECORRIDO não tivesse perfeita noção do efeito que estava a provocar na vítima e das consequências físicas, psicológicas e legais daí decorrentes.
61. Da descrição factual, é de concluir que a conduta do RECORRIDO é censurável e não pode ser tolerada, criando, inclusivamente um ambiente intimidatório, de desconfiança, de receio-medo e de mau estar.
62. Não se compreende nem se pode aceitar a decisão ora em crise quando perante a demonstração e prova da justa causa de despedimento decreta a suspensão desse mesmo despedimento. Com o devido respeito, que é muito, não colhe a menor razão ou senso!
63. Como é sabido, mesmo no âmbito dos direitos fundamentais plasmados na CRP, ao contrário do entendimento do Tribunal a quo, não existem direitos absolutos.
64. Mesmo quando estamos perante direitos fundamentais, estes não vivem isolados, cada um na sua ilha, sem qualquer intercomunicação, independentemente da sua qualificação como de direitos, liberdades e garantias ou direitos económicos, sociais e culturais.
65. Ora, no presente caso conflituam diversos direitos fundamentais: de um lado o alegado direito à defesa do RECORRIDO (art. 32.º, n.º 10 da CRP) e do outro lado o direito à segurança (art. 27.º, n.º 1 da CRP), na vertente da segurança no emprego (art. 53.º da CRP), integridade física e moral (art. 25.º, n.º 1 da CRP) e bom nome e reputação (art.º 26, n.º 1, da CRP) da RECORRENTE, seus trabalhadores e colaboradores.
66. Torna-se, nesta senda, imprescindível, em sede de interpretação e aplicação dos direitos fundamentais, realizar uma tarefa de ponderação com outros direitos ou interesses fundamentais consignados na Constituição, pois que, apenas essa leitura conjugada pode oferecer reposta cabal à questão concreta que se coloque, seja ela qual for e de que natureza for.
67. Conforme vem entendendo a jurisprudência dos nossos Tribunais superiores:
I. Em caso de colisão de direitos, a chave para uma tomada de decisão por parte do juiz sobre qual dos direitos deve prevalecer e do modo como devem ser harmonizados os direitos em causa está no princípio da proporcionalidade, consagrado na parte final do nº 2 do art. 18º da Constituição da República Portuguesa, que, por via dos seus três subprincípios da adequação, da exigibilidade e da justa medida, fornece uma estrutura formal tripartida à ponderação, a fazer em concreto e casuisticamente, entre os fins prosseguidos pelas normas, os bens, interesses e valores em conflito, as medidas possíveis e os seus efeitos, por forma a estabelece uma relação equilibrada entre os direitos em confronto.
II. No confronto entre os direitos fundamentais de personalidade dos autores - direito à integridade física e moral, à proteção à saúde e a um ambiente de vida humana sadio e ecologicamente equilibrado, consagrados nos arts. 25º, 64º, nº 1 e 66º, nº 1, todos da Constituição da República Portuguesa - e os direitos à livre iniciativa económica da ré e à propriedade privada, também garantidos nos arts 61º e 62º da Constituição da República Portuguesa, a busca do instrumento que melhor promova o valor supremo da dignidade da pessoa humana não pode deixar de constituir um instituto norteador da solução do caso concreto. (Ac. STJ de 18.10.2018 (ROSA TCHING), proc. n.º 3499/11.6TJVNF.G1.S2).
68. Sucede que, as restrições dos direitos fundamentais têm sempre um limite, já que não poderá ser ofendido aquele mínimo para além do qual o direito fundamental deixa de o ser, fica esvaziado enquanto tal.
69. No caso dos presentes autos, não existiu qualquer restrição do direito de defesa do RECORRIDO, porquanto foi dado o prazo legal para o RECORRIDO exercer o seu direito de defesa, conforme exerceu, aliás.
70. Contudo, e ainda que se tenha em linha de conta o entendimento adotado pelo Tribunal a quo, segundo o qual considerou por um lado indiciariamente provada a matéria de facto dos presentes autos, a qual consequentemente corrobora a existência de justa causa do despedimento do RECORRIDO, mas por outro ter existido uma violação do direito de defesa do RECORRIDO, a verdade é que esta decisão origina uma colisão de direitos fundamentais e de personalidade, sendo imprescindível encontrar uma solução para a resolução deste conflito.
71. Sendo certo que, a solução deve passar, evidentemente, pela realização de uma ponderação de bens jurídicos em presença, que são tutelados pelos direitos fundamentais em conflito (direito à defesa do RECORRIDO (art. 32.º, n.º 10 da CRP) e do outro lado o direito à segurança (art. 27.º, n.º 1 da CRP), na vertente da segurança no emprego (art. 53.º da CRP), integridade física e moral (art. 25.º, n.º 1 da CRP) e bom nome e reputação (art.º 26, n.º 1, da CRP) da RECORRENTE, dos trabalhadores e colaboradores), de otimização e de proporcionalidade, a que a doutrina e jurisprudência tem chamado de teoria da concordância prática, segundo a qual o desejável é a harmonização dos valores constitucionais em colisão e somente nos casos em que tal não se mostra possível, se deverá optar pela prevalência de um ou de outro.
72. Ora, no caso concreto, e, s.m.o, deve o direito de defesa do RECORRIDO, ceder perante o direito fundamental à integridade física (o qual tem por escopo o bem jurídico da segurança no emprego e a auto determinação sexual) e a dignidade da pessoa humana, pois afinal de contas, se assim não se entendesse estaríamos a dar prevalência a uma questão meramente formal e consequentemente a premiar o infrator, ao invés de atribuir prevalência à questão substancial, o que não se poderá em circunstância alguma aceitar.
73. Até porque prevalecendo o direito de defesa do RECORRIDO em detrimento do direito a integridade física e liberdade sexual de BB, teria de determinar que a RECORRENTE ao considerar a defesa apresentada pelo RECORRIDO chegaria a solução diversa o que não se poderia de modo algum verificar, porquanto, a factualidade circunstanciada na Nota de Culpa resultaria sempre demonstrada.
74. Quer isto dizer que por um caminho ou por outro (prevalecendo ou não o direito de defesa do RECORRIDO) certo é que a conclusão a que chegaríamos seria, inevitavelmente, a mesma, isto é, despedimento com justa causa do RECORRIDO, pela verificação dos factos dados como provados quer em sede disciplinar, quer em sede judicial.
75. Em conclusão, no presente caso, s.m.o., estamos perante um caso em que, para salvaguarda do direito à segurança e integridade física e pessoal dos trabalhadores da RECORRENTE, deve ser reconhecida uma restrição ao direito de audição e defesa do RECORRIDO, cedendo este perante o direito à segurança (art. 27.º, n.º 1), na vertente da segurança no emprego (art. 53.º), integridade física e moral (art. 25.º, n.º 1) dos trabalhadores a RECORRENTE, nos termos do art. 18.º, n.º 2, da CRP e direito ao bom nome e reputação (art.º 26.º, n.º 1, da CRP) da RECORRENTE.
76. Tudo ponderado, deverá o presente procedimento cautelar ser julgado improcedente por não provado, em virtude da inexistência de indícios de ilicitude do despedimento e de a sanção de despedimento com justa causa ser a única sanção adequada e proporcional às condutas adotadas pelo RECORRIDO.
Nestes termos, e em face do supra exposto, deve ser dado integral provimento ao presente recurso e, por conseguinte, a decisão ora em crise deverá ser revogada e substituída por outra que julgue integralmente improcedente o presente procedimento cautelar, não declarando a suspensão do despedimento do RECORRIDO, absolvendo a ora RECORRENTE de todo o peticionado, bem como da condenação no pagamento das custas.
Assim se fazendo a tão acostumada JUSTIÇA!”
***
A requerida contra-alegou concluindo pela improcedência do recurso.
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Cumpre apreciar e decidir.
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II – Objecto
Considerando as conclusões de recurso apresentadas, que definem o seu objecto, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, cumpre apreciar e decidir:
- se a resposta à nota de culpa não deve ser atendida por não ter sido enviada para entidade competente;
- se a resposta à nota de culpa foi ou não tempestiva;
- se os autos indiciam a existência de justa causa para o despedimento do Autor;
- se estão reunidos os requisitos para a suspensão do despedimento.
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III – Fundamentação de Facto
São os seguintes os factos considerados indiciados pela 1ª instância:
1. Datado de 26 de Dezembro de 2016, foi celebrado entre o Requerente, na qualidade de “Segundo Outorgante”, e a “Lusíadas – Parcerias Cascais, S.A.”, na qualidade de “Primeiro Outorgante”, o acordo denominado de “contrato de trabalho por tempo indeterminado”, cuja cópia se encontra junta a fls. 7 a 10 do procedimento disciplinar junto por linha ao suporte físico dos autos, que aqui se dá por integralmente reproduzido, nos termos do qual:
“(…)
Cláusula 1ª
(Objecto)
1 – O Primeiro Outorgante admite o Segundo Outorgante ao seu serviço e este obriga-se a prestar-lhe a sua actividade de assistente operacional no Hospital …, Dr. DD.
(…)
Cláusula 4ª
(Local de trabalho)
O Segundo Outorgante obriga-se a prestar a sua actividade profissional nas unidades orgânicas ou instalações do Hospital …, bem como nos demais locais sitos na sua área de cobertura assistencial ou com ela relacionadas, designadamente locais onde permaneçam ou de desloquem utentes do Hospital …, desde que situadas na área de influência do Hospital ….
(…)
Cláusula 6ª
(Vigência)
O presente contrato é celebrado por tempo indeterminado com início em 01 de
Janeiro de 2017. (…)”
2. Em 12 de Agosto de 2024, EE, Técnica Superior, trabalhadora da Requerida, elaborou a “ficha de incidente” junta a fls. 15 verso e 16 do procedimento disciplinar junto por linha ao suporte físico dos autos, em que fez constar:
Colaboradora da equipa de limpeza sofreu assédio sexual físico e verbal.
Anteriormente já tinha sofrido assédio por parte da mesma pessoa, mas apenas verbal. Após o assédio, o colaborador do HC foi atrás de colaboradora da limpeza até à sala de sujos. Realizou queixa na GNR.”;
3. Datado de 12 de Agosto de 2024 foi proferido, pela “Directora de Pessoas e Cultura da Galo Saúde – Parcerias Cascais, S.A.”, o despacho junto a fls. 2 e 3 do procedimento disciplinar junto por linha ao suporte físico dos autos, que aqui se dá por integralmente reproduzido, nos termos do qual:
“(…) Determina-se, na presente data, deste modo:
a) A abertura de procedimento prévio de inquérito, nos termos do artigo 352º do Código do Trabalho e eventual procedimento disciplinar para cabal apuramento de todos os factos, circunstâncias e responsabilidades relevantes;
b) A nomeação de instrutores do procedimento prévio de inquérito e eventual procedimento disciplinar: Dr. FF, Dr. GG, Dr. HH, Dr. II, Dr. JJ, advogados, todos com domicílio profissional na Rua ... Lisboa, a quem são conferidos todos os necessários poderes para representar a Galo Saúde – Parcerias Cascais, S.A., com sede na Avenida ... Alcabideche, com o número único de matrícula e de identificação de pessoa colectiva 517091402, em quaisquer actos, documentos e diligências que se revelem necessários ou convenientes para a instrução do procedimento prévio de inquérito e eventual procedimento disciplinar, designadamente, mas sem exclusão: (i) a notificação de trabalhadores e/ou colaboradores, (ii) a convocação e inquirição de testemunhas, (iii) a recolha e análise de documentos, (iv) a elaboração e outorga de comunicações, (v) a prestação de informações, (vi) a decisão sobre requerimentos apresentados pelos(as) Trabalhadores(as), por testemunhas e/ou terceiros, (vii) elaboração e notificação da nota de culpa, (viii)a comunicação, se necessário, de aditamento(s) à nota de culpa, (ix) a elaboração de proposta de decisão disciplinar; (x) atribuir aos instrutores acima referidos os poderes especiais para substabelecer e/ou para recorrer a auxiliares, e (xi) todos os demais para a plena execução do mandato.”
4. No âmbito do procedimento prévio de inquérito foram ouvidas, em 21 de Agosto de 2024, EE, KK, BB, em 28 de Setembro de 2024, LL, MM e, em 3 de Outubro de 2024, CC.
5. Em 16 de Outubro de 2024 foi enviada ao Requerente, por via postal registada com aviso de recepção, a comunicação cuja cópia de encontra junta a fls. 69 do procedimento disciplinar junto por linha ao suporte físico dos autos, que aqui se dá por integralmente reproduzida, nos termos da qual:
Assunto: Notificação da nota de culpa com intenção de despedimento com justa causa, nos termos do art. 353º do Código do Trabalho.
Exmo. Senhor AA
Na qualidade de Instrutores vimos pela presente comunicar, a V. Ex.ª, nos termos do art. 353.º, n.º 1, do Código do Trabalho, que a Galo Saúde – Parcerias Cascais, S.A., com sede em Avenida ... Alcabideche, com o número único de matrícula e de identificação de pessoa colectiva 517091402, no exercício do poder disciplinar de que é titular, decidiu instaurar-lhe um procedimento disciplinar com intenção de despedimento com justa causa, de acordo com os fundamentos constantes da nota de culpa em anexo.
Mais informamos que, nos termos do art. 355.º, n.º 1, do Código do Trabalho, dispõe de 10 (dez) dias úteis para consultar os autos, durante o horário de expediente, mediante agendamento prévio no nosso escritório, sito na Rua ... Lisboa, e responder à nota de culpa, deduzindo por escrito os elementos que considera relevantes para esclarecer os factos e a sua participação nos mesmos, podendo juntar documentos e solicitar as diligências que se mostrem pertinentes para o esclarecimento da verdade.
Para efeitos de agendamento, deverá enviar um e-mail dirigido a II através de...@....com.
Com os melhores cumprimentos,
A Instrutora,
II”.
6. Com a comunicação referida no número anterior foi enviada a nota de culpa junta a fls. 69 verso a 76 do procedimento disciplinar junto por linha ao suporte físico dos autos.
7. O Requerente recebeu a referida comunicação e nota de culpa em 17 de Outubro de 2024.
8. Nos termos da nota de culpa, junta a fls. 69 verso a 76 do procedimento disciplinar junto por linha ao suporte físico dos autos, que aqui se dá por integralmente reproduzida:
“(…)§2. Da relação laboral
1. O Trabalhador Arguido foi admitido no dia 01.01.2017 através de contrato de trabalho por tempo indeterminado.
2. O Trabalhador Arguido tem a categoria profissional de Assistente Operacional.
3. O Trabalhador Arguido exerce funções no “Hospital …”, sito na Avenida ... Alcabideche, Cascais, competindo-lhe entre outras, as seguintes funções:
a. assegurar ao utente os cuidados de higiene e conforto;
b. auxiliar na prestação de cuidados ao utente que vai fazer, ou fez, uma intervenção cirúrgica;
c. auxiliar nas tarefas de alimentação e hidratação do utente, nomeadamente no acompanhamento durante as refeições;
d. auxiliar na transferência, posicionamento e transporte do utente;
e. assegurar a recolha, transporte, triagem e acondicionamento de roupa da unidade do utente;
f. efectuar a limpeza e higienização das instalações/superfícies da unidade do utente, e de outros espaços específicos;
g. assegurar o armazenamento e conservação adequada de material hoteleiro e de apoio clínico;
h. efectuar a lavagem e desinfecção química de equipamentos do serviço;
i. recolher, lavar e acondicionar os materiais e equipamentos utilizados na lavagem e desinfecção, para posterior recolha de serviço interna ou externa;
j. encaminhar o utente, familiar e/ou prestador de cuidados demonstrando disponibilidade na relação com estes, com vista à criação de um clima de empatia.
4. A Empregadora tem o seguinte objecto social:
Gestão e prestação de cuidados de saúde, promotores, preventivos ou terapêuticos, no âmbito do Serviço Nacional de Saúde, no estabelecimento hospitalar designado “Hospital …”. Financiamento, organização, manutenção e funcionamento do referido estabelecimento hospitalar, incluindo, sem limitar, a dotação, a instalação e a manutenção de equipamentos e sistemas médicos, bem como a realização de todos os investimentos necessários à prossecução das actividades aqui previstas.
Prestação de serviços de apoio necessários à correcta e ininterrupta prestação de cuidados de saúde.
5. O Trabalhador Arguido está obrigado a um período normal de trabalho, em termos médios, de 40 (quarenta) horas semanais e 8 (oito) diárias, em regime de turnos.
§3. Dos actos e comportamentos do Trabalhador Arguido
6. No dia ….08.2024, no decorrer do turno da tarde, por volta das 21h30-22h00, o Trabalhador Arguido dirigiu-se à Operadora de limpeza BB, enquanto esta trabalhava, e disse:
“- Vamos lá para trás, o teu marido não precisa de saber”.
7. De seguida, enquanto a auxiliar se baixava para colocar um novo saco no lixo, o Trabalhador Arguido colocou o braço entre o braço e o torso da Auxiliar BB, e apalpou-lhe o seio.
8. A auxiliar tentou prontamente afastar-se, tendo replicado:
“- Então?!”
9. Posto isto, a Auxiliar BB saiu da sala, fugindo em direcção à sala de sujos.
10. O Trabalhador Arguido seguiu-a e entrou na mesma sala, fechando a porta e colocando-se de frente, entre a Auxiliar e a porta, de forma a bloquear a saída.
11. De seguida, disse, de forma sugestiva: “- Ah, já estou de pau feito”
12. De seguida, a Auxiliar, em pânico, fugiu para a sala de urgência, tendo contactado o seu superior hierárquico, CC, relatando o sucedido.
13. Após o sucedido, a Auxiliar apresentou uma queixa no posto da GNR, sito no Hospital ….”
9. A nota de culpa foi assinada pelos “Instrutores” “II” e “NN”.
10. Em 31 de Outubro de 2024, o Requerente, através do seu Ilustre Mandatário, remeteu à Requerida, por via postal registada com aviso de recepção, para a morada da sua sede (Avenida ... Alcabideche), a “resposta à nota de culpa” cuja cópia se encontra junta ao suporte físico dos autos a fls. 18 verso a 22, que aqui se dá por integralmente reproduzida.
11. Nos termos da referida “Resposta à Nota de Culpa”:
“(…) VI. Da prova
Para a demonstração da verdade, o Respondente requer as seguintes diligências probatórias:
A) Prova Testemunhal (arts. 7º a 12º da defesa):
1. Enfermeira OO
(…)
2. Enfermeiro PP
(…)
3. Dr. QQ
(…)
VIII. Conclusão
Termos em que:
a) Deve ser reconhecida a falsidade da denúncia;
b) Devem ser realizadas as diligências probatórias requeridas;
c) Deve o procedimento disciplinar ser arquivado, por falta de fundamento.”;
12. A Requerida recebeu a “resposta à nota de culpa” em 13 de Novembro de 2024.
13. Datado de 20 de Novembro de 2024 foi elaborado o “relatório final” junto a fls. 80 verso a 88 do procedimento disciplinar junto por linha ao suporte físico dos autos, que aqui se dá por integralmente reproduzido, nos termos do qual:
“(…)§. 3. Da defesa
A. Da resposta à Nota de Culpa
Tendo sido recepcionada a nota de culpa pelo Trabalhador Arguido no dia 17.10.2024, o mesmo dispunha de 10 (dez) dias úteis para consultar os autos do presente processo e apresentar defesa escrita, bem como requerer a promoção das diligências que considerasse essenciais para o apuramento da verdade, tendo o prazo de resposta terminado a 31.10.2024.
Tendo oportunidade para apresentar defesa e aduzir os factos que justificassem o seu comportamento, o Trabalhador não logrou responder aos factos imputados na Nota de Culpa.
Em face da ausência de resposta foi elaborado o presente Relatório Final com a sanção final aplicável.
§ 4. Das Diligências Instrutórias
A. Prova Documental e Testemunhal
O Trabalhador Arguido não solicitou qualquer diligência probatória para a produção de prova testemunhal, nem juntou qualquer prova documental.
(…)”.
14. Em 20 de Novembro de 2024, a Requerida proferiu a “decisão final” junta a fls. 88 verso do procedimento disciplinar junto por linha ao suporte físico dos autos, que aqui se dá por integralmente reproduzida, nos termos da qual:
“O Conselho de Administração da Ribera Portugal – Parcerias Cascais, S.A., apreciou atentamente o relatório final e conclusões elaborado no âmbito do processo disciplinar instaurado ao Trabalhador AA.
(…)
Assim, decide-se acolher a proposta de sanção e conclusões com os fundamentos constantes do Relatório Final e Conclusões elaborado pelo Dr. FF e pela Dra. II, instrutores do processo e, em consequência, aplicar ao Trabalhador AA a sanção disciplinar de despedimento com justa causa, sem indemnização ou compensação, nos termos do disposto nos artigos 330º, 328º, n.º 1, alínea f) e 351º, n.ºs 1, 2, als. b), d), i) e j) e 3, todos do Código do Trabalho, pelos fundamentos constantes do Relatório Final do procedimento disciplinar…”.
15. A decisão referida em 14., com o relatório mencionado em 13., foi remetida ao Requerente por via postal registada com aviso de recepção, em 20 de Novembro de 2024, e pelo mesmo recebida em 21 de Novembro de 2024.
16. O Requerente não consultou o procedimento disciplinar.
17. BB, trabalhadora da Lincamar, é operadora de limpeza e presta trabalho no Hospital ….
18. No dia … de Agosto de 2024, no decorrer do turno da tarde, em hora não concretamente apurada, enquanto BB, que estava a trabalhar, se baixava para colocar um novo saco do lixo, o Requerente colocou o seu braço entre o braço e o torso de BB e apalpou-lhe o seio.
19. BB afastou o braço do Requerente enquanto, dirigindo-se ao mesmo, disse “Então?!”.
20. De seguida, BB dirigiu-se à sala dos sujos, onde entrou.
21. O Requerente seguiu-a e entrou na sala dos sujos, fechando a porta e colocando-se entre BB e a porta, de costas para a porta e de frente para esta.
22. De seguida, dirigiu-se a BB e disse “já estou de pau feito”.
23. BB ficou nervosa e, em pânico, saiu da sala de sujos e contactou o seu superior hierárquico, CC, relatando o sucedido.
24. BB apresentou queixa crime contra o Requerente no posto da GNR, sito no Hospital ….
***
São os seguintes os factos que a 1ª instância considerou não estarem indiciados:
a) O Requerente iniciou a sua actividade profissional no Hospital … em Maio de 2014.
b) Durante esta década de serviço, o Requerente construiu uma reputação irrepreensível entre colegas, superiores hierárquicos e utentes, sendo reconhecido pela sua competência, dedicação e humanidade no trato com todos.
c) Ao longo destes dez anos, o Requerente nunca foi alvo de qualquer procedimento disciplinar, jamais recebeu qualquer advertência fornal ou informal, recebeu diversos elogios de utentes e familiares e colaborou sempre com colegas e superiores.
d) No exercício das suas funções como assistente operacional, o Requerente sempre demonstrou profissionalismo no contacto com os utentes e familiares e disponibilidade para auxiliar colegas.
e) BB tem posto de trabalho fixo atribuído à Urgência Geral do Hospital.
f) Era prática frequente de BB ausentar-se do seu posto de trabalho sem justificação, deslocar-se para a Urgência Ambulatória, área que não lhe estava atribuída, deixar por realizar tarefas de higienização e negligenciar procedimentos de limpeza e segurança.
g) O Requerente, pela natureza das suas funções e responsabilidade, via-se frequentemente na obrigação de a alertar para estas ausências injustificadas, chamando-a a atenção para tarefas não realizadas, relembrando a importância dos procedimentos de higiene..
h) Esta necessidade de intervenção profissional do Requerente gerou descontentamento por parte de BB e animosidade da mesma face ao Requerente.
i) No dia … de Agosto de 2024, o Requerente deparou-se com a seguinte situação: a sala dos “sujos” encontrava-se sem os sacos do lixo devidamente colocados.
j) Perante essa situação, o Requerente dirigiu-se à sala dos “sujos” para verificar a situação, encontrou BB no local e chamou-a a atenção, de fora respeitosa, para a falha nos procedimentos.
k) Era BB quem frequentemente procurava a presença do Requerente, deslocando-se propositadamente à Urgência Ambulatória quando sabia que este lá se encontrava.
l) BB acompanhava voluntariamente o Requerente durante as suas pausas para fumar, mantendo com este uma atitude de aproximação.
m) Em … de Agosto de 2024, BB encontrava-se sob escrutínio por ausências injustificadas.
n) A Requerida integra cerca de dois mil funcionários.
o) A Requerida procede à nomeação dos instrutores externos para conduzirem procedimentos prévios de inquérito e procedimentos disciplinares para evitar confusões com a recepção de documentos e para garantir o sigilo e a confidencialidade destas matérias.
p) A Requerida estava convicta que também os Instrutores teriam recebido a “Resposta à Nota de Culpa”.
q) No dia … de Agosto de 2024, por volta das 21h30-22h00, o Requerente dirigiu-se a BB e disse: “Vamos lá para trás, o teu marido não precisa de saber”.
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IV – Apreciação do Recurso
1. A primeira questão a decidir é a da tempestividade da resposta à nota de culpa.
Alega a recorrente que a resposta à nota de culpa foi enviada no último dia do prazo e apenas foi recepcionada 13 dias após o término do prazo.
A 1ª instância considerou tempestiva a referida resposta.
Pronunciámo-nos sobre questão idêntica no acórdão proferido no Processo 307/17.8T8LSB.L1, citado pela 1ª instância, e onde se decidiu, nos seguintes termos, que mantemos pelas razões aí expostas: “A declaração negocial receptícia é aquela que carece de ser dada a conhecer a um destinatário; pressupõe um destinatário, por quem deve ser conhecida. Não é essencial o efectivo conhecimento da declaração recebida pelo destinatário, bastando a sua cognoscibilidade, traduzida na circunstância de ser possível ao mesmo destinatário apreender o conteúdo da declaração, por ela haver chegado à sua esfera de conhecimento ou de controle1.
Trata-se, em regra, de declarações com importância directa na constituição de direitos e que, por essa razão, a lei rodeia de cautelas acrescidas, dando ênfase ao seu conhecimento ou, pelo menos, à sua cognoscibilidade pela parte a quem se destinam. Outras declarações há, não receptícias ou não recipiendas, cuja validade e eficácia se bastam com a manifestação de vontade do autor da declaração.
Assim, não há dúvida de que a nota de culpa, que é uma peça fundamental do procedimento disciplinar, delimitando o seu objecto e pedra angular da defesa do trabalhador2, constituiuma declaração receptícia, que se torna eficaz quando chega ao poder do trabalhador seu destinatário ou é dele conhecida (art.224º do CC)3. Aplica-se também aqui - como de resto aos atos de idêntica natureza que integram o procedimento de despedimento – a doutrina do nº 2 daquele artigo do Código Civil, segundo a qual a eficácia da declaração não é prejudicada quando « só por culpa do destinatário não foi por ele oportunamente recebida.» Aliás a solução consta também do artigo 357º, 7, a propósito da decisão final de despedimento, onde se esclarece que esta produz efeitos, determinando a cessação do contrato «logo que chega ao poder do destinatário ou é dele conhecida ou, ainda, quando só por culpa do trabalhador não foi por ele oportunamente recebida.”4
Como refere Menezes Cordeiro5, há princípios cogentes que devem ser respeitados na articulação entre os factos que merecem a censura da entidade patronal e a aplicação da sanção – são eles: o princípio da defesa, da boa-fé, da celeridade e da igualdade, sendo de referir que basta a violação dum deles para, em regra, surgirem violações dos demais, dado que a repartição é meramente conceitual.
Para o que à presente decisão interessa, o princípio da defesa impõe a audição prévia do trabalhador, que pressupõe o direito deste a apresentar a sua alegação na resposta à nota de culpa, a qual, porém, não constitui para o empregador qualquer declaração de índole negocial, antes um marco procedimental com vista ao exercício do contraditório, no âmbito do qual o trabalhador alega os factos que sustentam a sua defesa, podendo solicitar a realização de diligências probatórias.
Têm assim diferente natureza a nota de culpa e a decisão disciplinar, por um lado, e a resposta à nota de culpa, por outro, embora integrando todos esses actos o procedimento disciplinar. E isso justifica que as regras que subjazem à sua produção e comunicação sejam diferentes.
No que respeita à resposta à nota de culpa estamos em presença de um direito do apresentante/trabalhador (cfr. art. 329º nº6 do CT), enquadrado num prazo peremptório. Trata-se do momento próprio para o exercício do contraditório, não contendo a ratio da lei espaço para o entendimento de que tal direito possa ser encurtado com a antecipação do momento da respectiva comunicação ao empregador. E dado que a lei, diferentemente do que acontece no processo civil, não estabelece qualquer presunção de notificação, e não impõe ao trabalhador a opção por um meio de transmissão da peça procedimental em causa, taxativamente previsto, em detrimento de outro ou outros, considerar que tem aplicação o disposto no artigo 224º nº1 do C.Civil à apresentação da resposta à nota de culpa é, no fundo, restringir parcialmente o prazo concedido ao trabalhador para contestar a acusação do empregador, com prejuízo evidente para o exercício do direito de audição.
Como salienta, com acerto, o Recorrido,em relação a outro acto procedimental e prazo inseridos também no processo disciplinar, a saber a decisão final do procedimento a tomar pela entidade patronal e o prazo para a mesma (30 dias – art. 357º, nº 1,Cód. Trabalho), a jurisprudência, essa sim, basta e unânime, estabelece que tal prazo não compreende a comunicação da decisão ao trabalhador, dispondo, portanto, a entidade patronal de todos os 30 dias para preparar, tomar e emitir a decisão.
(…)
Ora, seria do todo inadmissível que, ponderado o justo equilíbrio entre os direitos e interesses das partes, em processo disciplinar, se entendesse que a entidade patronal dispunha integralmente do prazo que a lei lhe confere para preparar e tomar a decisão sobre o despedimento ou outra sanção disciplinar a aplicar ao arguido e este tivesse o seu prazo para responder à Nota de Culpa amputado do tempo necessário para fazer chegar o seu teor ao conhecimento da arguente.
Sendo certo que a decisão do arguente sobre o processo disciplinar e a sua comunicação ao arguido é de qualificação bem mais duvidosa no que concerne ao seu enquadramento no conceito de “declaração negocial”, na medida em que aqui já se pode vislumbrar um efeito jurídico, modificativo ou mesmo resolutivo, da declaração sobre o negócio jurídico (seja ele um contrato de trabalho ou uma relação associativa) subjacente; o que, porém, não tem suscitado dúvidas à jurisprudência dominante quanto à sua natureza não receptícia.”
De facto, o termo final do prazo referido no artigo 357º nº1 do CT, de 30 dias, coincide com a prolação da decisão de despedimento, independentemente da data em que ela é recebida pelo trabalhador (cfr. artigo 357º nº 6). A estes diferentes tempos subjazem diferentes efeitos: a comunicação da decisão ao trabalhador tem um efeito específico – cessação do contrato (artigo 357º nº7) – e a sua efectivação pode estar sujeita a acontecimentos incertos que a protelem, pelo que este acto não deve contribuir para a eventual preclusão do direito do empregador, a exercer num prazo que é curto, peremptório, e fundamental para o desfecho do procedimento disciplinar. É o que acontece também quanto ao prazo de tramitação previsto para a resposta à nota de culpa.”
Do exposto resulta que sendo a resposta à nota de culpa enviada à ora recorrente no último dia do prazo previsto no artigo 355º nº1 do CT, por via postal registada com aviso de recepção, a mesma foi enviada tempestivamente, improcedendo, nesta parte, o recurso.
2.A Apelante considera que, não tendo o Apelado feito uso dos contactos constantes da notificação da nota de culpa, que foi feita pelos instrutores nos termos que resultam do ponto 5 dos factos provados, não tendo a resposta à nota de culpa sido enviada para esses contactos (dos instrutores), antes para a recorrente, não ocorre nulidade do procedimento disciplinar, se essa resposta não foi atendida em sede de procedimento disciplinar e se não foram inquiridas as testemunhas indicadas pelo trabalhador.
Vejamos
Nos termos do artigo 355º nº 1 do CT, após ter sido notificado da nota de culpa, o trabalhador dispõe de 10 dias úteis para consultar o processo e responder à nota de culpa, deduzindo por escrito os elementos que considera relevantes para esclarecer os factos e a sua participação nos mesmos, podendo juntar documentos e solicitar as diligências probatórias que se mostrem pertinentes para o esclarecimento da verdade.
Por seu turno, o nº 1 do artº 356º do CT prescreve que “O empregador, por si ou através de instrutor que tenha nomeado, deve realizar as diligências probatórias requeridas na resposta à nota de culpa, a menos que as considere patentemente dilatórias ou impertinentes, devendo neste caso alega-lo fundamentadamente por escrito.”.
A primeira instância considerou que, “do texto da comunicação referida em 5. dos factos indiciariamente provados não resulta que a resposta à nota de culpa devesse ser remetida para
os instrutores do processo.”, e que o trabalhador tanto podia ter enviado tal resposta para a empregadora como para o instrutor do processo.
E assim é.
A resposta à nota de culpa deve ser levada ao conhecimento do empregador quer directamente, para o seu domicilio, quer para morada que o empregador indicar, quer para o instrutor do processo.
No presente caso, a notificação da nota de culpa – facto 5 – dava conta da instauração do procedimento disciplinar, com intenção de despedimento, pelos factos resultantes da nota de culpa, do prazo para apresentação da resposta, do endereço de mail para efeitos de agendamento de eventual consulta do procedimento disciplinar, e morada para essa consulta, mas nada nessa notificação impunha que o trabalhador enviasse a resposta para tal morada. Sendo a mesma enviada para a empregadora, deveria esta ter encaminhado a resposta à nota de culpa para o instrutor do processo. Assim lhe impunha o princípio transversal da boa fé, consagrado igualmente no CT - “[O] empregador e o trabalhador devem proceder de boa fé no exercício dos seus direitos e no cumprimento das respetivas obrigações.” (artigo 126º nº1 do CT).
Ao invés, resulta do relatório final que “Tendo oportunidade para apresentar defesa e aduzir os factos que justificassem o seu comportamento, o Trabalhador não logrou responder aos factos imputados na Nota de Culpa.
Em face da ausência de resposta foi elaborado o presente Relatório Final com a sanção final aplicável.” (facto 13).
Ao desconsiderar a existência de resposta à nota de culpa, a empregadora tolheu ao trabalhador a possibilidade de exercer o seu direito de defesa, evitando que o instrutor do processo avaliasse os factos trazidos por este, e a fundamentação por si alegada, o que tudo deve ser ponderado nessa sede. Ademais, determina o artigo 356º nº1 do CT que “1 - O empregador, por si ou através de instrutor que tenha nomeado, deve realizar as diligências probatórias requeridas na resposta à nota de culpa, a menos que as considere patentemente dilatórias ou impertinentes, devendo neste caso alegá-lo fundamentadamente por escrito.”
Ao não atender à resposta à nota de culpa, a empregadora também não se pronunciou sobre a prova ali indicada.
Como se afirma no acórdão desta Relação e Secção de 20-11-20246, também citado na sentença. “O direito de defesa não se materializa ou reconduz apenas à concessão de prazo para a resposta à nota de culpa ou à consulta do processo, antes impõe que desse direito derivem efeitos substantivos relevantes como sejam a possibilidade de ponderação da defesa e a realização das diligências de provas requeridas.
No caso, em que a recorrida se colocou, voluntariamente, numa situação de não ponderação da defesa e, inviabilizou, ainda, a produção de prova apenas se poderá concluir pela violação do direito de defesa.
E vedando à recorrente, arguida no processo disciplinar, a possibilidade de exercer o seu direito de defesa, verifica-se a existência de uma invalidade insanável do procedimento disciplinar que torna o procedimento disciplinar inválido e ilícito o despedimento da recorrente, cfr. art.º 382 n.º 2 al. c) do CT.
Assim é.
De facto, para além das situações feridas no artigo 381º do CT, que não têm aplicação ao caso, dispõe o artigo 382º do mesmo diploma legal, especificamente sobre os casos de “ilicitude de despedimento por facto imputável ao trabalhador”, que “1 - O despedimento por facto imputável ao trabalhador é ainda ilícito se tiverem decorrido os prazos estabelecidos nos n.ºs 1 ou 2 do artigo 329.º, ou se o respectivo procedimento for inválido.
2 - O procedimento é inválido se:
(…)
c) Não tiver sido respeitado o direito do trabalhador a consultar o processo ou a responder à nota de culpa ou, ainda, o prazo para resposta à nota de culpa; (…)”
A nulidade do procedimento disciplinar, por não ter a ora Apelante considerado a resposta à nota de culpa e testemunhas apresentadas pelo trabalhador, integra esta alínea.
E nem se diga, como o faz a Apelante, que as diligências instrutórias requeridas pelo recorrido na sua resposta à nota de culpa, sempre consubstanciariam diligências patentemente dilatórias ou impertinentes. Essa alegação, nesta sede judicial, sem que a questão tenha sido decidida no procedimento disciplinar, não tem qualquer relevância. É ali que o instrutor deve decidir se inquire ou não as testemunhas indicadas pelo trabalhador, fundamentando a sua não inquirição, o que permitirá a sua eventual impugnação pelo trabalhador.
E não se diga também que a inquirição, em sede judicial, das testemunhas indicadas pelo trabalhador sana a nulidade do procedimento disciplinar, pois o tribunal a quo, ouvidas as testemunhas indicadas pelo recorrido considerou, ainda assim, como provados os factos constantes da nota de culpa.
A questão da validade do procedimento disciplinar é prévia ao conhecimento do mérito da providência. É certo que foram inquiridas as testemunhas, como resulta do disposto no artigos 36º e 98º F nº 3 do CPT, mas o seu depoimento não é de mole a colmatar a violação do direito de defesa do trabalhador, que ultrapassa, coo vimos, a indicação de testemunhas.
3.Relativamente às conclusões 35 a 76, pretende a Apelante que se considere que, no confronto entre o direito de defesa, e o direito à segurança no emprego, de integridade física e moral dos trabalhadores da recorrente e do direito ao bom nome de reputação da recorrente, deva o direito de audição e defesa ceder. A Apelante confunde as questões de índole processual com as questões de índole substantiva, sendo que, no caso, aquelas precedem estas, que o mesmo é dizer que não é possível aquilatar da existência, ainda que indiciada, de justa causa para o despedimento do Autor, sem que a este seja assegurado o direito de defesa, e, portanto, tais questões estão precludidas pela resposta data a esta questão.
4. Sobre a suspensão do despedimento, dispõe o art. 386º do CT que “O trabalhador pode requerer a suspensão preventiva do despedimento, no prazo de cinco dias úteis a contar da data da recepção da comunicação de despedimento, mediante providência cautelar regulada no Código de Processo do Trabalho.”
Nos termos do artigo 33º-A do CPT, “O procedimento cautelar de suspensão de despedimento regulado na presente subsecção é aplicável a qualquer modalidade de despedimento por iniciativa do empregador, seja individual, seja coletivo, e independentemente do modo ou da forma da comunicação ao trabalhador da decisão de despedimento.”
E o artigo 39º do CPT:
1 - A suspensão é decretada se o tribunal, ponderadas todas as circunstâncias relevantes, concluir pela probabilidade séria de ilicitude do despedimento, designadamente quando o juiz conclua:
a) Pela provável inexistência de procedimento disciplinar ou pela sua provável invalidade;
(…)”
Dado que o procedimento disciplinar é inválido, concluindo-se pela probabilidade séria da ilicitude do despedimento, cumpre, como o fez a 1ª instância, suspender o despedimento, devendo a Requerida manter a Requerente no seu posto de trabalho sem perda de antiguidade, nem categoria.
Improcede, pois, o recurso.
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V – Decisão
Face a todo o exposto, acorda-se na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa, em julgar totalmente improcedente o presente recurso de apelação interposto por Ribera Portugal – Parcerias Cascais, S.A., mantendo integralmente a sentença recorrida.
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Custas a cargo da Apelante.
Registe e notifique.
Lisboa, 5 de julho de 2025
Paula Santos
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1. Cfr. Rui Alarcão – A Confirmação, 1ª-178-179.
2. Nas palavras do acórdão da Relação de Guimarães de 16-03-2017 – Processo 1299/15.3T8BRG-A.L1.
3. Artigo 224º: “1- A declaração negocial que tem um destinatário torna-se eficaz logo que chega ao seu poder ou é dele conhecida; as outras, logo que a vontade do declarante se manifesta na forma adequada.
2- É também considerada eficaz a declaração que só por culpa do declaratário não foi por ele oportunamente recebida.
3- A declaração recebida pelo destinatário em condições de, sem culpa sua, não poder ser conhecida, é ineficaz.”.
Como referem Pires de Lima e Antunes Varela (in Código Civil Anotado, Vol.1º, pág. 213) “ [A]doptaram-se quanto às primeiras, simultaneamente os critérios da recepção e do conhecimento. Não se exige por um lado, a prova do conhecimento por parte do destinatário; basta que a declaração tenha chegado ao seu poder. O conhecimento presume-se neste caso, juris e de jure. Mas provado o conhecimento, não é necessário provar a recepção para a eficácia da declaração.
… [N]o nº2, como medida de protecção do declarante, considera-se eficaz a declaração que não foi recebida por culpa do declaratário. É o caso por ex., de este se ausentar para parte incerta ou de se recusar a receber a carta, ou de a não ir levantar à posta-restante como o fazia usualmente”. – Nota de rodapé da relatora
4. Cfr. Pedro Furtado Martins, in Cessação do Contrato de Trabalho, 3ª Edição, pág.210.
5. Manual de Direito do Trabalho, 1991, pág. 754.
6. Processo 21137/23.2T8LSB.L1-4.