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PENA DE MULTA
PAGAMENTO EM PRESTAÇÕES
RENDIMENTO SOCIAL DE INSERÇÃO
Sumário
1. Os condenados que vivem em situação de pobreza extrema comprovada pela Segurança Social são os beneficiários naturais da concessão do benefício da possibilidade de pagamento da pena de multa no prazo máximo legalmente previsto. 2. O condenado na pena de multa no valor global de € 585,00 que aufira exclusivamente o rendimento social de inserção deve beneficiar da concessão da permissão de pagamento da pena de multa no prazo máximo legalmente previsto de dois anos sobre o trânsito em julgado da decisão condenatória.
Texto Integral
Acordam os juízes, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Guimarães
I – RELATÓRIO
1. Decisão recorrida
No âmbito do processo n.º 391/24.8GBGRM, que corre os seus termos no Juízo Local Criminal de Guimarães, a arguida AA foi condenada, por sentença transitada em julgado em 2 de Outubro de 2024, na pena de 90 dias de multa à taxa diária de 6,50 €, pela prática de um crime de furto simples, p. e p. pelo art. 203.º, n.º 1, do Código Penal.
Posteriormente, após ter sido notificada para proceder ao pagamento voluntário da referida pena de multa no valor global de € 585,00, a arguida veio requerer, tempestivamente, o respectivo “pagamento no número máximo de prestações legalmente admissível, não podendo a última ir além dos dois anos”.
Este requerimento foi parcialmente deferido por despacho proferido em 10.12.2024, tendo sido autorizado o pagamento da pena de multa em 12 prestações mensais e sucessivas de igual valor. 2. Recurso
Inconformado com a referida decisão, a arguida recorreu da mesma, tendo concluído a respectiva motivação nos seguintes termos (transcrição):
“(…)
1 - Atenta a situação económica da arguida, esta deveria suportar um encargo mensal de valor inferior ao que foi decidido em despacho com a referência Citius 193447823.
2 - O pagamento mensal da quantia de € 48,75, durante doze meses, vai colocar em causa a subsistência da arguida, face ao curto valor que fica disponível mensalmente.
3 - A arguida padece de doença oncológica, estando a submeter-se às sessões de quimioterapia prescritas, pelo que não está na plenitude das potencialidades físicas e mentais.
4 - Logo está impossibilitada sequer de procurar, por exemplo, outra fonte de rendimento que complementasse o seu rendimento.
5 - Qualquer encargo mensal que a arguida venha a suportar, vai sempre sentir que está, verdadeiramente, a cumprir uma pena.
6 - Uma multa paga num maior número de prestações representará sempre, para a arguida, um sacrifício económico e não se transformará, jamais, num cómodo negócio de prestações.
7 - Decidindo, pela forma como o fez, o Tribunal violou o estatuído no artigo 47, n.º 3 do Código Penal, nomeadamente porque não ponderou a situação pessoal e económico financeira da arguida no que diz respeito à determinação do quantum e, consequentemente, ao lapso temporal, do pagamento da multa em prestações.
8 - Pelo que o despacho de fls. deverá ser revogado e substituído por um outro que permita o pagamento em prestações de valor correspondente ao número máximo de prestações legalmente fixado.
(…)”.
3. Resposta ao recurso
Após a admissão do referido recurso, o Ministério Público junto do tribunal a quo respondeu ao mesmo nos seguintes termos (transcrição):
“(…)
Estipula o artigo 47.º, n.º 3, do Código Penal que “sempre que a situação económica e financeira do condenado o justificar, o tribunal pode autorizar o pagamento da multa dentro de um prazo que não exceda um ano, ou permitir o pagamento em prestações, não podendo a última delas ir além dos dois anos subsequentes à data do trânsito em julgado da condenação”. Importa, quanto a este aspeto, referir que o número de prestações a fixar deve cumprir os fins das penas, pois, “este normativo não visa retirar à multa o seu carácter de pena, enquanto sanção efetiva pelo crime praticado, devendo o seu peso e a carga patrimonial desfavorável que lhe é inerente, ser sentidos pelo arguido, sob pena de desacreditar a própria pena, os tribunais e a justiça.” - Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 30-01-2019, processo n.º 239/17.0GCACB-A.C1, disponível em www.dgsi.pt. Acontece que, a Recorrente viu deferida a sua pretensão de pagamento da pena de multa em prestações, tendo decidido o Mmo. Juiz que seria pelo prazo de um ano, ou seja doze prestações mensais e sucessivas.
O artigo 47.º, n.º 3, do Código Penal, exige que o pagamento prestacional não exceda um ano (sendo certo que em certas situações excecionais pode ser prorrogado até dois anos), no entanto, o valor fixado para o pagamento prestacional já se traduz um montante baixo devido à situação socioeconómica da arguida (48,75€), pois variada doutrina e jurisprudência entende que não pode ser considerado ajustado aos fins das penas o valor de uma prestação mensal da pena de multa que seja inferior a 1UC (102,00€).
Apesar de a Recorrente entender que o pagamento de 585,00€ (quinhentos e oitenta e cinco euros) deveria ser dividido por vinte e quatro prestações mensais (dois anos), o que levaria a um montante de 24,37€ (vinte e quatro euros e trinta e sete cêntimos) por mês, tal valor é completamente desrazoável, não consistindo a pena de multa numa mera taxa, mas sim numa sanção, estando-lhe, inevitavelmente, associado um sacrifício.
Como bem refere Figueiredo Dias, em Consequências Jurídicas do Crime, 1993, p. 119, “impõe-se que a pena de multa represente em cada caso uma censura suficiente do facto e, simultaneamente, uma garantia para a comunidade da validade e vigência da norma violada. Assim, até porque a multa é muitas vezes percebida mais como uma taxa que como uma pena, a sua credibilidade enquanto consequência jurídica do crime não pode deixar de assumir caráter aflitivo para o condenado, sendo igualmente inerente a esta pena, como às demais, que possa afetar o modo de vida do próprio e dos que dele dependam, mesmo na sua vertente patrimonial”.
No caso concreto, a reduzir-se ainda mais o quantum das prestações, tal traduzir-seia num montante insignificante, até porque as condições pessoais e socioeconómicas já foram anteriormente atendidas aquando da determinação do quantitativo diário da pena de multa. “Acresce, por fim, que a perspectiva histórico-actualista aponta para o reforço da dignidade sancionatória da pena de multa, reconhecidamente pretendida tanto pela doutrina como pela jurisprudência, finalidade incompatível com uma interpretação que conduza ao esboroar do carácter sancionatório desta pena na fase de execução”, pois tal “(…) conduziria a que a pena de multa perdesse toda a sua eficácia sancionatória, deixando de servir à afirmação das razões de prevenção que necessariamente condicionam a opção por esta pena.”
– Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 27-11-2029, processo n.º 679/15.9T9ACBA.C1, disponível em www.dgsi.pt.
Quer isto dizer que a pena de multa não se pode traduzir numa prestação simbólica, sob pena de lhe ser retirado o seu carácter sancionatório.
Por outro lado, a pretensão da Recorrente foi deferida e foi-lhe concedido o prazo máximo para o pagamento das prestações, prazo esse que é um ano e não dois.
Assim, não assiste qualquer razão à Recorrente, pelo que, não violou a douta decisão a disposição legal constante do artigo 47.º, n.º 3 do Código Penal.
(…)”.
4. Tramitação subsequente
Recebidos os autos nesta Relação, o processo foi com vista à Digníssima Procuradora-Geral Adjunta, a qual emitiu parecer pugnando pela improcedência do recurso interposto pela arguida.
Este parecer foi notificado para efeito de eventual contraditório e não foi apresentada qualquer resposta pela recorrente.
Efectuado o exame preliminar, foi determinado que o recurso fosse julgado em conferência.
Colhidos os vistos legais e realizada a conferência, cumpre apreciar e decidir.
*
II – FUNDAMENTAÇÃO
A) Objecto do recurso
Em conformidade com o disposto no art.º 412.º do Código de Processo Penal
e com a jurisprudência fixada pelo Acórdão do Plenário da Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça n.º 7/95, de 19 de Outubro de 1995, o objecto do recurso define-se pelas conclusões que a recorrente extraiu da respectiva motivação, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso.
Assim sendo, importa apreciar (apenas) a questão do prazo e das condições de pagamento da pena de multa. B) Apreciação do recurso 1. Decisão recorrida 1.1. A decisão recorrida apresenta, na parte que interessa, o seguinte teor (transcrição):
“(…)
Refere o artº 47º, nº 3º, do Código Penal que o tribunal pode autorizar o pagamento da multa em prestações sempre que a situação económica e financeira do condenado o justificar, não podendo a última delas ir além dos 2 anos à data do trânsito em julgado da condenação.
Como resulta dos autos, a situação económica do arguido é modesta. Contudo, as facilidades no pagamento em prestações, não devem ser tão amplas que levem a multa a perder o seu carácter de verdadeira pena e a sua esperada eficácia penal. (cfr. Figueiredo Dias, em Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, Editorial Notícias, 1993, p. 136).
Assim, decide-se conceder ao(s) arguido(s) o pagamento da multa em 12 prestações mensais, iguais e sucessivas.
A primeira prestação deverá ser paga até ao dia último dia do mês seguinte ao da notificação, e as restantes até ao mesmo dia do mês subsequente.
O incumprimento de uma das prestações implica o vencimento das restantes - artº 47º, nº 5, do Código Penal.
(…)”. 2. Síntese da tramitação processual
Conforme acima avançado, a arguido foi condenada, por sentença transitada em julgado em 2 de Outubro de 2024, na pena de 90 dias de multa à taxa diária de 6,50 €, pela prática de um crime de furto simples, p. e p. pelo art. 203.º, n.º 1, do Código Penal.
No plano da situação económica da condenada, ficara provado nesta sentença que a arguida – nascida em ../../1961 e possuidora de escolaridade correspondente à 4.ª classe – auferia apenas o rendimento social de inserção (RSI) no valor mensal de € 237,25 e que vivia sozinha em casa arrendada suportando o pagamento mensal de renda no valor de € 240,00 e sendo beneficiária do apoio extraordinário para pagamento de renda no valor de € 200,00.
Posteriormente, após ter sido notificada para proceder ao pagamento voluntário da referida pena de multa no valor global de € 585,00, a arguida veio requerer, tempestivamente, o respectivo “pagamento no número máximo de prestações legalmente admissível, não podendo a última ir além dos dois anos”.
Para tanto, a arguida invocou a situação económica dada como provada na sentença e alegou ainda que não estava em condições de requerer a substituição da multa por trabalho em favor da comunidade em virtude de padecer presentemente de cancro da mama e estar a ser a sujeita a tratamentos incompatíveis com esta situação de doença, tendo juntado documentos comprovativos das marcações das sessões de tratamento oncológico. 3. Prazo e condições de pagamento da pena de multa 3.1. Em matéria de execução da pena de multa, o n.º 3 do art. 47.º do Código Penal dispõe que “Sempre que a situação económica e financeira do condenado o justificar, o tribunal pode autorizar o pagamento da multa dentro de um prazo que não exceda um ano, ou permitir o pagamento em prestações, não podendo a última delas ir além dos dois anos subsequentes à data do trânsito em julgado da condenação”.
Segundo FIGUEIREDO DIAS (negrito e sublinhados nossos), “A possibilidade de pagamento da multa a prazo ou em prestações encontra a sua razão de ser na necessidade de se operar a concordância prática de dois interesses conflituantes. É indiscutível que a regulamentação da multa deve conduzir à aplicação de penas suficientemente pesadas para que nelas encontrem integral realização das finalidades gerais das sanções criminais. As facilidades de pagamento devem pois obstar, por um lado, até ao limite do possível, a que a pena de multa não seja cumprida e a que entrem consequentemente em cena a execução de bens ou as sanções penais sucedâneas. Tais facilidades não devem porém, por outro lado, ser tão amplas que levem a multa a perder o seu carácter de verdadeira pena e a sua esperada eficácia penal” (in “Direito Penal Português – Parte Geral – As Consequências Jurídicas do Crime”, 2.ª Reimpressão, 2009, p. 136).
Enunciado o regime jurídico aplicável, olhemos para o caso concreto e vejamos o que foi decidido pelo tribunal a quo.
3.2. A decisão recorrida entendeu que a situação económica da arguida era modesta e autorizou o pagamento da pena de multa no valor global de € 585,00 em 12 prestações mensais e sucessivas de igual valor, ou seja, 12 prestações mensais no valor individual de € 48,75.
A recorrente entende que a respectiva situação económica e financeira devia ter determinado a autorização de um plano prestacional mais dilatado, mais concretamente, pugna pela possibilidade de pagamento da pena de multa no prazo máximo legalmente previsto de dois anos sobre o trânsito em julgado da decisão condenatória.
3.3. Numa primeira análise, dir-se-á que a recorrente não pretende um plano prestacional de pagamento da pena de multa à margem da lei.
Efectivamente, a lei penal permite que a pena de multa seja paga em prestações dentro dos dois anos subsequentes à data do trânsito em julgado da condenação.
A verdadeira questão a dilucidar consiste em saber qual o prazo que permite concretamente conciliar os aludidos interesses conflituantes.
Por um lado, interessa saber se o pagamento autorizado de doze prestações mensais não conduz a um provável incumprimento.
Por outro lado, interessa saber se a permissão de pagamento da pena de multa no referido prazo legal máximo contribui para a ineficácia da sanção penal.
3.4. Salvo o devido respeito, o tribunal a quo procedeu a uma análise errada do caso concreto em virtude de não ter atendido à especificidade da situação económica e financeira da arguida dada como provada na sentença.
A situação económica e financeira da arguida não é simplesmente modesta.
Tal adjectivação será adequada na presença de um condenado que aufira o salário mínimo nacional – actualmente fixado em € 870 - ou rendimento um pouco mais acima deste valor de referência.
Não é o caso dos autos.
Em 2024, a arguida vivia sozinha e auferia apenas o rendimento mensal de inserção no valor de € 237,25.
Tal significa que a arguida se encontrava em situação de pobreza extrema (Vide requisitos e condições para a atribuição do rendimento social de inserção criado pela Lei n.º 13/2003).
Ora, os condenados que vivem em situação de pobreza extrema comprovada pela Segurança Social são os beneficiários naturais da concessão do benefício da possibilidade de pagamento da pena de multa no prazo máximo legalmente previsto.
Acresce que a arguida padece de doença oncológica e encontra-se a efectuar tratamentos médicos desta patologia.
Neste circunstancialismo de facto, impõe-se considerar que a prestação mensal autorizada no valor de € 48,75 conduziria ao incumprimento mais que provável da pena de multa por parte da arguida, pois a mesma ficaria com apenas 188,50 € para prover à sua subsistência.
Por outro lado, crê-se que a concessão da permissão de pagamento da pena de multa no prazo máximo legalmente previsto de dois anos sobre o trânsito em julgado da decisão condenatória não acarretará qualquer ineficácia da sanção penal.
Efectivamente, uma prestação mensal em valor a rondar os € 25 continua seguramente a ser sentida como uma pena pela arguida em virtude da sua situação de pobreza extrema, assim como também continua a ser entendida como tal pelos restantes destinatários das reacções criminais que conheçam a especificidades da situação económica e financeira da arguida.
Não se fechará esta análise sem deixar uma breve nota sobre a jurisprudência dos tribunais superiores citada pelo Ministério Público nas duas instâncias e que se limitará a assinalar que todas os arestos ali citados – sem excepção – trataram de questões diversas do prazo e condições de pagamento da pena de multa.
3.5. Aqui chegados, importa recuar à data em que os autos foram conclusos ao tribunal a quo para decidir a questão que vimos tratando e tomar esta data como referência para a decisão da pretensão da recorrente – pois a arguida não pode ser prejudicada pelas delongas inerentes à tramitação e decisão do presente recurso que naturalmente consumiu uma parte considerável do prazo máximo legalmente previsto para o pagamento prestacional da pena de multa.
Naquela data – 10 de Dezembro de 2024 –, faltavam 22 meses para completar o prazo de dois anos sobre o trânsito em julgado da sentença condenatória ocorrido em 2 de Outubro de 2024.
Assim sendo, a arguida poderá proceder ao pagamento da pena de multa sofrida nestes autos em 22 prestações mensais e sucessivas de igual valor.
Esta autorização é acompanhada da advertência de que a falta de pagamento pontual de uma das prestações importará o vencimento de todas (art. 47.º, n.º 5, do Código Penal).
Concluindo, o presente recurso procede em virtude do despacho recorrido não ter atendido à situação de pobreza extrema da arguida dada como provada na própria sentença condenatória. III – DECISÃO
Em função do exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar procedente o recurso e, consequentemente, revogam a decisão recorrida e autorizam a arguida AA a proceder ao pagamento da pena de multa sofrida nestes autos em 22 (vinte e duas) prestações mensais e sucessivas de igual valor.
Sem custas.
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Guimarães, 27 de Maio de 2025
(Texto elaborado em computador pelo relator e integralmente revisto pelos signatários)
(Paulo Almeida Cunha - Relator )
(Pedro Freitas Pinto)
(Armando da Rocha Azevedo)