DEDUÇÃO DO PEDIDO DE INDEMNIZAÇÃO CIVIL
PRAZO
ARQUIVAMENTO DO INQUÉRITO
PRONÚNCIA
ADMISSÃO DO PEDIDO DE INDEMNIZAÇÃO CIVIL
RECURSO
REGIME DE SUBIDA
Sumário


I - O artigo 77.º do Código de Processo Penal constitui uma norma procedimental que regula a forma, os prazos e o momento processual para a dedução do pedido de indemnização civil.
II - Essa disposição legal prevê prazos distintos, estabelecendo, por um lado, o prazo para que o Ministério Público ou o assistente apresentem o pedido de indemnização civil e, por outro, o prazo aplicável ao lesado.
III - O prazo para o assistente apresentar esse pedido coincide com o prazo para deduzir ou poder deduzir a acusação, estando fixado em 10 dias (cfr. artigo 284.º do Código de Processo Penal), precludindo-se o direito de o fazer caso não seja exercido tempestivamente.
IV - Não se encontra expressamente definido, no citado art.º 77º, qual o prazo para a dedução do pedido de indemnização civil nos casos em que, como sucede nos presentes autos, no seguimento de um despacho de arquivamento proferido pelo Ministério Público, e requerida a abertura de instrução por parte do assistente, vem a ser proferido despacho de pronúncia.
V - Nessa hipótese, havendo uma lacuna legal, esta deverá ser suprida à luz do artigo 4.º do CPP, recorrendo ao paralelo estabelecido no n.º 2 do artigo 77º. Dessa forma, o prazo de 10 dias para a dedução do pedido de indemnização civil por parte do assistente deverá ser contado a partir da notificação do despacho de pronúncia entretanto proferido.
VI - Apenas sobem imediatamente os recursos cuja retenção os tornaria absolutamente inúteis -cfr. n.º 1 do artigo 407.º do Código de Processo Penal- ou quando integrem uma das situações taxativamente enumeradas no n.º 2 da mesma disposição legal.
VII - O recurso interposto do despacho que admitiu o pedido de indemnização civil, com fundamento na sua nulidade por falta de fundamentação, não integra qualquer uma daquelas situações. Assim, deverá subir apenas a final, conjuntamente com o que vier, eventualmente, a ser interposto da decisão final que venha a pôr termo ao processo.

Texto Integral


Acordam, em conferência, os Juízes na Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães:

I. RELATÓRIO

I.I. No processo comum, com intervenção do tribunal, com o nº 149/21.6GBMDL do Juízo de Competência Genérica de Mirandela - Juiz 2, do Tribunal Judicial da Comarca de Bragança, no dia 12 de Novembro de 2024, foi proferido despacho em que se decidiu:
a) admitir liminarmente os pedidos de indemnização civil, deduzidos pelos demandantes AA e BB, quanto aos factos pelos quais o arguido foi pronunciado, rejeitando-se, no demais, tais pedidos.
b) rejeitar liminarmente o pedido de indemnização civil formulado por BB, por extemporâneo;

I.2. Inconformado com essas decisões, o arguido/demandante/demandado BB recorreu, apresentando a respectiva motivação, que finalizou com as seguintes conclusões:

«a) O douto despacho, ora, em recurso, interpretou de forma deficiente o disposto no artº. 77º., nº.s 2 e 3 CPP,
b) Uma vez que o ofendido dispõe do prazo de vinte dias para deduzir o competente pedido de indemnização cível; prazo que se inicia com a notificação da acusação ou, na eventualidade de esta inexistir, do despacho de pronúncia.
c) O Recorrente deveria, assim, de forma expressa, ter sido notificado para, querendo, deduzir o pic; o que, nos presentes autos, não sucedeu,
d) Em todo o caso, o Recorrente apresentou em Juízo o pedido de indemnização cível dentro do prazo de vinte dias, contados da data em que foi realizada a leitura do douto despacho de pronúncia.
e) O M.mo Julgador a quo errou ao considerar que estamos perante uma “lacuna legal” e ao aplicar o prazo supletivo de 10 dias, para a apresentação do pic,
f) E errou, sobretudo, quando rejeitou, liminarmente, tal articulado.
g) Por outro lado, o douto despacho mostra-se ferido de nulidade, por omissão de pronúncia e violação dos princípios da certeza e segurança jurídicas, quando admite os pedidos cíveis juntos a fls…, “condicionados” aos factos pelos quais o arguído foi pronunciado, “rejeitando-se, no demais, tais pedidos”,
h) Ressalvada melhor opinião, o M.mo Julgador a quo terá que fundamentar, devidamente, o douto despacho e esclarecer, em concreto, quais os factos (quais as causas de pedir) a ter em conta e quais os pedidos a considerar.
i) Ao decidir de modo diverso, o douto despacho viola o disposto no artº. 379º., nº. 1, al. c) CPP e mostra-se ferido de nulidade.
O recurso foi admitido, tendo sido proferido o seguinte despacho:
O recurso foi admitido, por ser legal e tempestivo (artigo 400º, n.º 1, 411º, n.º 1, a) do CPP) e ter sido apresentado por quem para tanto possui legitimidade (artigo 401º, n.º 1, b) do CPP), admite-se o recurso interposto por BB, o qual tem subida imediata (artigo 407º, n.º 2, al. g) do CPP), em separado (artigo 406º, n.º 2 do CPP), com efeito devolutivo (artigo 408º do Código de Processo Penal a contrario), a remeter ao Venerando Tribunal da Relação de Guimarães.»

I.3. Não foi apresentada resposta.

I.4. Nesta instância, a Exmª Procuradora-Geral Adjunta, não emitiu parecer, por não deter legitimidade para o efeito, uma vez que o objecto do recurso do recorrente BB se prende com os pedidos de indemnização civil.

I.5. Colhidos os vistos, procedeu-se à realização da conferência.


II- FUNDAMENTAÇÃO

1 – OBJECTO DO RECURSO
A jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça (STJ) consolidou-se há muito no sentido de que o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões apresentadas pelo recorrente na motivação do recurso. Assim, a análise a ser realizada pelo Tribunal ad quem deve restringir-se às questões suscitadas nas conclusões, sem prejuízo do dever de se pronunciar sobre aquelas que são de conhecimento oficioso.[1]

Considerando as conclusões formuladas pelo recorrente, que versam sobre as duas decisões autónomas, as questões a decidir são as seguintes:

a) Nulidade, por falta de fundamentação, do despacho que admitiu os pedidos de indemnização civil dos demandantes AA e BB, quanto aos factos pelos quais o recorrente foi pronunciado;
b) Da tempestividade do pedido de indemnização civil formulado pelo recorrente.

2- DA DECISÃO RECORRIDA (transcrição na parte que releva):
«Do pedido de indemnização civil apresentado por BB
Por requerimento datado de 19-10-2024, veio o arguido/assistente BB deduzir pedido de indemnização civil contra CC.
Conforme decorre do artigo 77º, n.º 1 do Código de Processo Penal, quando apresentado pelo Ministério Público ou pelo assistente, o pedido é deduzido na acusação ou, em requerimento articulado, no prazo em que esta deve ser formulada”, acrescentando o n.º 2 do mesmo normativo que, “o lesado que tiver manifestado o propósito de deduzir pedido de indemnização civil, nos termos do n.º 2 do artigo 75.º, é notificado do despacho de acusação, ou, não o havendo, do despacho de pronúncia, se a ele houver lugar, para, querendo, deduzir o pedido, em requerimento articulado, no prazo de 20 dias”.
Já o n.º 3 do referido artigo estabelece que “se não tiver manifestado o propósito de deduzir pedido de indemnização ou se não tiver sido notificado nos termos do número anterior, o lesado pode deduzir o pedido até 20 dias depois de ao arguido ser notificado o despacho de acusação ou, se o não houver, o despacho de pronúncia”.
Da norma que se deixa transcrita não decorre, expressamente, qual o prazo para dedução de pedido de indemnização civil nos casos em que (como sucede nos presentes autos), no seguimento de um despacho de arquivamento proferido pelo Ministério Público, e requerida a abertura de instrução por parte do assistente, vem a ser proferido despacho de pronúncia.
Estamos, consequentemente, diante de lacuna legal, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 4º do Código de Processo Penal.
Assim – e no seguimento do já decidido pelo Tribunal da Relação de Coimbra – “havendo lacuna legal, haverá que a preencher, à luz do artigo 4º do CPP, lançando aqui mão do lugar paralelo do nº 2 do artigo 77º do CPP, contando-se o prazo de 10 dias (e já não de 20 dias pois não faz sentido aproveitar o assistente de um prazo só concedido a um lesado não assistente, devendo antes aplicar-se o prazo paralelo do artigo 284º do CPP) para a dedução de PIC, por parte de um assistente, num caso em que há um prévio arquivamento de inquérito por parte do MP, a partir da notificação do despacho de pronúncia entretanto proferido”1.
Compulsados os autos, verificamos que o assistente foi notificado do despacho de pronúncia na data de 30-09-2024 (Ref.ª ...65), pelo que o prazo de 10 (dez) dias para apresentação do pedido de indemnização civil findou em 10 de Outubro de 2024.
Ao ter apresentado o seu pedido de indemnização civil em 19-10-2024, o assistente fê-lo, portanto, de forma extemporânea, atento o enquadramento legal traçado, interpretado à luz da jurisprudência aludida e que aqui se perfilha.
Em face do que antecede, rejeita-se liminarmente o pedido de indemnização civil formulado por BB, por extemporâneo.

*
Do pedido de indemnização civil formulado por AA e BB Por legais e tempestivos, admitem-se liminarmente os pedidos de indemnização civil, deduzidos pelos demandantes AA e BB, quanto aos factos pelos quais o arguido foi pronunciado, rejeitando-se, no demais, tais pedidos.»
*
3. APRECIAÇÃO DO RECURSO

3.a) Recurso da decisão que admitiu os pedidos dos demandantes AA e BB, quanto aos factos pelos quais o recorrente foi pronunciado, por padecer de nulidade, por falta de fundamentação.
O recorrente insurge-se contra a decisão que admitiu os pedidos de indemnização civil formulados pelos demandantes AA e BB, alegando que a mesma enferma de nulidade, por omissão de pronúncia, e viola os princípios da certeza e segurança jurídicas quando admite esses pedidos “condicionados” aos factos pelos quais o arguido foi pronunciado, “rejeitando-se, no demais, tais pedidos”.
Quanto ao recurso desta decisão importa, antes do mais, apreciar uma questão prévia, que se prende com o regime de subida.
Como se extrai do artigo 414º, nº 3, do Código de Processo Penal, a decisão que admita um recurso, tal como a que lhe fixa o regime de subida e o efeito, não vincula o tribunal superior, razão pela qual nada obsta a que se conheça de tal questão.
O recurso foi admitido para subir imediatamente, em separado, e com efeito devolutivo, invocando o Juiz a quo, de forma expressa, entre outras, as normas constantes dos artigos 407º, n.º 2, al. g) 406º, n.º 2 e 408º à contrario, do Código de Processo Penal.
Conforme estatui o artigo 407.º, n.º 1, sobem imediatamente os recursos cuja retenção os tornaria absolutamente inúteis, prevendo o n.º 2, sob as alíneas a) a k), taxativamente, situações específicas em que os recursos também sobem imediatamente, estabelecendo, por fim, o n.º 3 que, quando não deverem subir imediatamente, os recursos sobem e são instruídos e julgados conjuntamente com o recurso interposto da decisão que tiver posto termo à causa.
 Afigura-se-nos incontroverso que a situação sub judice não se encaixa em qualquer uma das elencadas, de forma objectiva e taxativa, no n.º 2 do citado preceito, nomeadamente na citada al. g), uma vez que não se destina a admitir a constituição de assistente ou a intervenção de parte civil.
Por outro lado, não vislumbramos que a retenção do recurso o tornaria absolutamente inútil, nos termos do n.º 1 do citado preceito.
Com efeito, tem-se entendido que os recursos cuja retenção os torna absolutamente inúteis são apenas aqueles, cujo efeito não mais poderá ser obtido, ainda que revogada a decisão sob recurso.
Por conseguinte, para que se justifique a subida imediata do recurso dessa decisão, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 407º do Código de Processo Penal, é necessário que haja uma situação de absoluta inutilidade do recurso retido, isto é, que o recurso, mesmo que venha a ser procedente, já não possa ter qualquer efeito útil na marcha do processo e que esta inutilidade seja causada pela sua retenção. O que seguramente não ocorre neste caso, tanto mais que a causa de pedir dos pedidos em apreciação é determinável e passível de ser concretizada na audiência de julgamento e na sentença que vier a ser proferida.
Impõe-se, pois, alterar, nesta parte, o despacho de admissão do recurso, no segmento atinente ao respectivo regime de subida – que passará a ser nos próprios autos e subida apenas a final, com o que vier, eventualmente, a ser interposto da decisão final que venha a por termo ao processo[2], ficando prejudicada, por ora, a apreciação do recurso neste segmento.

3.b. Recurso da decisão que julgou extemporâneo o pedido de indemnização civil formulado pelo recorrente.
Alega o recorrente que ao não admitir o pedido de indemnização civil por si deduzido, por extemporaneidade, a decisão recorrida, interpretou de forma deficiente o disposto no art.º 77º., nº.s  2 e 3 Código de Processo Penal.
Para tanto alega que:
- o ofendido dispõe do prazo de vinte dias para deduzir o competente pedido de indemnização cível; prazo que se inicia com a notificação da acusação ou, na eventualidade de esta inexistir, do despacho de pronúncia.
- o recorrente deveria, assim, de forma expressa, ter sido notificado para, querendo, deduzir o pic; o que, nos presentes autos, não sucedeu,
- em todo o caso, o recorrente apresentou em Juízo o pedido de indemnização cível dentro do prazo de vinte dias, contados da data em que foi realizada a leitura do douto despacho de pronúncia.
- o M.mo Julgador a quo errou ao considerar que estamos perante uma “lacuna legal” e ao aplicar o prazo supletivo de 10 dias, para a apresentação do pic.
Vejamos.
Para análise desta questão, importa ter presentes as seguintes incidências processuais:
- O Ministério Público, no dia 04/08/2023, determinou, quanto ao crime de ameaça agravado, o arquivamento do inquérito nos termos do disposto no artigo 277.º, n.º 2 do Código de Processo Penal;
- Por despacho proferido no dia 29-09-2023, o ofendido BB foi admitido a intervir nos autos na qualidade de assistente;
- Inconformado com o despacho de arquivamento proferido pelo Ministério Público, veio o assistente requerer a abertura da instrução, pugnando pela pronúncia do arguido como autor do referido crime de ameaça agravado, p.p. pelos artº.s 153º, nº. 1, 155º, nº. 1, al. a) conjugado com o art.º 131º todos do Código Penal;
- Finda a instrução, no dia 30/09/2024, foi proferida decisão instrutória em que se decidiu pronunciar o arguido CC pela prática como autor material, na forma consumada de um crime de ameaça agravado, p.p. pelos artº.s 153º., nº. 1, 155º., nº. 1, al. a) conjugado com o art.º 131º. todos do Código Penal, na pessoa do assistente BB;
-O assistente esteve presente na leitura dessa decisão instrutória, tendo ficado devidamente notificado do seu teor;
-Por requerimento datado de 19-10-2024, veio assistente/arguido BB deduzir pedido de indemnização civil contra CC.
Tendo em consideração estes elementos, vejamos então a questão suscitada.

No que respeita ao prazo de dedução do pedido de indemnização civil dispõe o art.º 77.º, do Código de Processo Penal, o seguinte:
«1 - Quando apresentado pelo Ministério Público ou pelo assistente, o pedido é deduzido na acusação ou, em requerimento articulado, no prazo em que esta deve ser formulada.
2 - O lesado que tiver manifestado o propósito de deduzir pedido de indemnização civil, nos termos do n.º 2 do artigo 75.º, é notificado do despacho de acusação, ou, não o havendo, do despacho de pronúncia, se a ele houver lugar, para, querendo, deduzir o pedido, em requerimento articulado, no prazo de 20 dias.
3 - Se não tiver manifestado o propósito de deduzir pedido de indemnização ou se não tiver sido notificado nos termos do número anterior, o lesado pode deduzir o pedido até 20 dias depois de ao arguido ser notificado o despacho de acusação ou, se o não houver, o despacho de pronúncia.»
Este artigo constitui uma norma procedimental que regula a forma, prazos e momento processual de dedução do pedido de indemnização civil.
No caso em apreço o demandante civil é simultaneamente assistente nos autos.
Segundo Fernando Gama Lobo[3], no que respeita ao prazo, há que distinguir, por um lado, o prazo para o Ministério Público ou o assistente deduzirem o pedido de indemnização civil e, por outro, o prazo aplicável ao lesado. O prazo para o assistente deduzir esse pedido coincide com o prazo para deduzir ou poder deduzir a acusação, estando fixado em 10 dias (cfr. artigo 284.º do CPP) precludindo-se o direito de o fazer se atempadamente o não exercer (cfr. artigo 139.º, n.º 3, do Código de Processo Civil, ex vi artigos 4.º e 104.º do Código de Processo Penal).
Acrescenta aquele autor, que o regime aplicável ao assistente é mais severo do que o do lesado, que dispõe sempre de um prazo de 20 dias para deduzir o pedido de indemnização civil, dentro dos condicionalismos previstos nos n.ºs 2 e 3 do art.º 77º Código de Processo Penal.
Assim:
 Se o lesado tiver manifestado no processo o propósito de deduzir pedido cível (art.75º nº2, do CPP), esse prazo conta-se a partir da notificação do despacho de acusação ou, não o havendo, do despacho de pronúncia, se a ele houver lugar (nº2);
Se o lesado não tiver manifestado o propósito de deduzir pedido cível ou não tiver sido notificado nos termos do nº2 do art.77º, do CPP, o pedido deve ser formulado dentro dos 20 dias seguintes à notificação do arguido do despacho de acusação ou, se o não houver, do despacho de pronúncia (nº3).
Também Vinício Ribeiro[4] em anotação ao citado art.º 77º, defende que: «os prazos são diferentes consoante a veste do ofendido: caso seja assistente, aplica-se a disciplina do nº 1; se for apenas lesado, aplicam-se as regras dos restantes números
Tal como se decidiu, nomeadamente, no Ac. TRP de 08/04/2015[5], que acompanhamos: «Sendo formulado pelo assistente o pedido de indemnização civil deve sê-lo exclusivamente no prazo previsto no art. 77.º/1, do Código de Processo Penal».

Em igual sentido no Ac do STJ de 05-06-2003[6] escreveu-se que:
« I- O pedido de indemnização civil, quando formulado pelo MP ou pelo assistente, é deduzido na acusação ou no prazo em que esta deve ser formulada (art. 77.º, n.º 1, do CPP).
II - Se o lesado não for assistente, há que distinguir as duas situações referidas no citado artigo 77.º,».
No processo penal, o objecto do processo, os factos concretos a apreciar, são definidos pela acusação ou pela pronúncia, quando esta existe.
O pedido de indemnização civil terá que ter como suporte, como causa de pedir, os mesmos factos que justificam a imputabilidade criminal.
Como bem salienta o despacho recorrido, da norma que acima se transcreveu não decorre, expressamente, qual o prazo para dedução de pedido de indemnização civil nos casos em que, como sucede nos presentes autos, no seguimento de um despacho de arquivamento proferido pelo Ministério Público, e requerida a abertura de instrução por parte do assistente, vem a ser proferido despacho de pronúncia.
À semelhança do decidido no despacho recorrido, que, por sua vez, seguiu os fundamentos do acórdão da Relação de Coimbra de 20-03-2024[7], também consideramos que, tal como se escreveu neste aresto, «havendo lacuna legal, haverá que a preencher, à luz do artigo 4º do CPP, lançando aqui mão do lugar paralelo do nº 2 do artigo 77º do CPP, contando-se o prazo de 10 dias (e já não de 20 dias pois não faz sentido aproveitar o assistente de um prazo só concedido a um lesado não assistente, devendo antes aplicar-se o prazo paralelo do artigo 284º do CPP) para a dedução de PIC, por parte de um assistente, num caso em que há um prévio arquivamento de inquérito por parte do MP, a partir da notificação do despacho de pronúncia entretanto proferido.»
Na nossa óptica, a integração da citada lacuna nos termos acima expostos é a que está mais de acordo com os princípios do processo penal e a coerência do sistema, uma vez que a própria lei distingue o tratamento a conferir ao lesado quando este não for assistente, quando prevê no nº 5 do art.º 307º «a notificação do lesado que tiver manifestado o propósito de deduzir pedido de indemnização civil, quando não for assistente, bem como, no caso previsto no n.º 4, à notificação de pessoas não presentes é correspondentemente aplicável o disposto no n.º 5 do artigo 283.º.» (sublinhado nosso).
Essa diferença de prazos justifica-se também pelo facto de o assistente estar já obrigatoriamente representado por advogado—um técnico de direito plenamente conhecedor das normas aplicáveis, incluindo aquelas relativas aos prazos para a prática de actos processuais em representação do respectivo mandante, como é o caso do prazo para a apresentação de um pedido de indemnização civil contra o arguido.
Importa, por sua vez, realçar que, em qualquer das hipóteses consagradas no citado art.º 77º, não está prevista a notificação expressa do assistente ou do lesado para deduzir o pedido de indemnização civil, após a prolação de despacho de pronúncia, como defende o recorrente, pelo que esta pretensão recursória não pode, igualmente, obter acolhimento.
Assim, tendo por referência o entendimento doutrinário e jurisprudencial exposto, conclui-se que, no caso em apreço, o assistente dispunha de um prazo de 10 dias para apresentar o pedido de indemnização civil, contado a partir da notificação da decisão instrutória.
Como acima enunciamos, o assistente foi notificado do despacho de pronúncia na data em que foi lido, ou seja, no dia 30-09-2024, pelo que o prazo de 10 (dez) dias para apresentação do pedido de indemnização civil findou em 10 de Outubro de 2024.
Assim, ao apresentar o seu pedido de indemnização civil em 19 de Outubro de 2024, o assistente fê-lo de forma extemporânea, ultrapassando o prazo legalmente estabelecido para esse efeito.
Por conseguinte, a decisão recorrida em análise não merece censura, pelo que o recurso improcede neste segmento.

III. DECISÃO

Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os Juízes da Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães:

A) Em alterar o regime de subida fixado ao recurso da decisão que admitiu os pedidos dos demandantes AA e BB, quanto aos factos pelos quais o recorrente foi pronunciado, determinando-se que o mesmo suba nos próprios autos e apenas a final, com o que vier, eventualmente, a ser interposto pelo recorrente da decisão final que venha a por termo ao processo;
B)  Em julgar o recurso da decisão que julgou extemporâneo o pedido de indemnização civil formulado pelo recorrente BB, improcedente, e, em consequência, confirmar o decidido, nesta parte, no despacho recorrido.
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em três unidades de conta (artº. 515º, n.º 1, do Código de Processo Penal e art.º 8º, n.º 9, do Regulamento das Custas Processuais e Tabela III anexa a este último diploma).

 (Texto elaborado pela relatora e revisto pelos signatários - art.º 94º, n.º 2, do CPP)
                                                               
Guimarães, 27 de Maio de 2025

Anabela Varizo Martins (relatora)
Luísa Oliveira Alvoeiro (1ª adjunta)
Fernando Chaves (2º adjunto)


[1] Cfr. arts. 412.º e 417.º do C P Penal e Ac.do STJ de 27-10-2016, processo nº 110/08.6TTGDM.P2.S1, de 06-06-2018, processo nº 4691/16. 2 T8 LSB.L1.S1  e da Relação de Guimarães de 11-06-2019, processo nº 314/17.0GAPTL.G1, disponíveis em www.dgsi.pt  e, na doutrina, Germano Marques da Silva- Direito Processual Penal Português, 3, pag. 335.
[2] Neste sentido Paulo Pinto de Albuquerque, in Comentário do Código de Processo Penal, 4ª edição, pag. 241.
[3] cfr. Código de Processo Penal Anotado, Almedina, 4ª edição, p. 144.
[4] cfr. Código de Processo Penal, Notas e Comentários, pag. 140.
[5] processo n.º 177/10.7TABGC-A.P1, em www.dgsi.pt.
[6] Proc. n.º 2019/03 - 5.ª Secção Pereira Madeira (relator).
[7] Processo nº 22/22.0PBLMG-A.C1, disponível em www.dgsi.pt.