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VIOLÊNCIA DOMÉSTICA
PENA DE SUBSTITUIÇÃO
SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA
CRITÉRIOS
COMPORTAMENTO ANTERIOR
Sumário
1. Em meados do sec. XIX teve início um expressivo movimento de luta contra a pena de prisão, em particular contra as penas de prisão de curta duração, cujo pensamento fundante foi acolhido pela nossa lei, designadamente pelo artigo 70.º do Código Penal e pelo artigo 18.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa, que consagram a preferência pelas penas não privativas da liberdade 2. A ponderação da substituição da pena de prisão pela pena de suspensão de execução da pena de prisão integra as operações de determinação ou medida da pena em sentido amplo, e, caso seja aplicável, constitui tarefa obrigatória para o julgador, quer se conclua pela sua aplicabilidade, quer se conclua pela sua inaplicabilidade. 3. O principal critério que preside à referida ponderação materializa-se em nas exigências de prevenção especial positiva ou de integração. 4. Todavia, há que atender igualmente aos parâmetros relativos à primordial proteção de bens jurídicos, ou seja, à prevenção geral positiva, consubstanciada na defesa da ordem e da paz social. 5. Em caso de conflito, deve prevalecer o conteúdo mínimo da prevenção geral positiva. 6. Na referida ponderação está sempre em causa um juízo de prognose em relação ao comportamento futuro do condenado, ou seja, um juízo de verosímil confiança em relação ao futuro acerto comportamental do condenado com as normas. 7. Se o tribunal tem de se interrogar sobre se uma pena de suspensão de execução da pena permitirá a reintegração social do arguido, não pode desconsiderar o seu comportamento coevo ao julgamento em que está a ser decidida a questão, e muito menos o comportamento anterior e idêntico 8. Em regra, não é aconselhável, salvo em casos devidamente fundamentados e justificados, a concessão de duas penas de suspensão de execução da pena de prisão sucessivas e temporalmente próximas em casos de criminalidade grave.
Texto Integral
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No processo n.º 614/23.0GAVNF, do Juízo Local criminal de Vila Nova de Famalicão – Juiz 3, do Tribunal Judicial da Comarca de Braga, teve lugar a audiência de julgamento durante a qual foi proferida sentença com o seguinte dispositivo:
6.1.- Condenar o arguido pela prática de um crime de violência doméstica, previsto e punido pelo art.º 152.º, nº 1, al. a) e 2, al. a) , 4 e 5, do Código Penal, na pena de dois anos e três meses de prisão. 6.2.- Arbitrar uma indemnização à ofendida, a pagar pelo arguido, no montante total de dois mil euros, acrescida de juros de mora desde o trânsito em julgado da presente sentença até integral pagamento.
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Não se conformando com a decisão, o arguido apresentou recurso, formulando a seguintes conclusões:
I) Na sentença de que se recorre, decidiu o Tribunal a quo condenar o arguido pela prática de um crime de violência doméstica, na pena de 2 (dois) anos 3 (três) meses de prisão, condenando também no pagamento de uma indemnização, no montante de 2.000,00 €, à ofendida, bem como no pagamento de 5UCs de taxa de justiça e custas do processo. II) O Tribunal a quo considerou que a gravidade dos factos e a necessidade de prevenção geral e especial justificavam a aplicação depena de prisão efetiva. III) No entanto, entende o Recorrente que a decisão viola o princípio da proporcionalidade e da adequação da pena, aos factos e às circunstâncias do caso concreto, bem como o princípio da necessidade ou indispensabilidade IV) É convicção da defesa que ao arguido foi aplicada uma errada escolha e medida da pena, violando o artigo 70º do Código Penal, bem como, todos os princípios decorrentes da existência desta norma. V) É convicção da defesa que aos factos considerados provados seria adequada a condenação em pena de prisão, prevista no artigo 152.º, n.º 1, a) e 2, a), do Código Penal, mas suspensa na sua execução, cumulada com pena acessória de proibição de contactos com a vítima, fiscalizada por meios técnicos de controlo à distância, tudo conforme n.º 5, do mesmo artigo 152.º. VI) É convicção da defesa, que a pena e a medida da pena adotada pelo Tribunal a quo se revela desajustada à realidade e à prática jurisprudencial. VII) Entende a defesa que o Tribunal a quo fez uma errada escolha da pena a aplicar ao arguido, pugnando, pois, para que se faça um juízo favorável ao percurso do arguido. VIII) O Direito Penal não é nem pode ser encarado só pela sua vertente condenatória e sancionatória, mas sim e também pela sua forte componente de reintegração do agente infrator na sociedade. IX) Sabemos, pela leitura dos factos dados como provados, que o arguido se encontra inserido no agregado de origem, do qual dispõe de algum suporte (facto 35) e frequenta consultas de alcoologia no CRI (facto n.º 34), X) Resulta do relatório social do arguido, na conclusão final, que “assim, em caso de condenação, não tendo as penas anteriormente aplicadas promovido o efeito dissuasor e ressocializador desejado, se afastado da ofendida, consideramos que AA deverá investir na interiorização do desvalor da sua conduta, na manutenção/consolidação do tratamento à problemática aditiva, no exercício de uma atividade laboral regular que lhe permita autonomia financeira e, na estruturação do seu quotidiano, o que se nos afigura essencial à promoção da sua estabilidade”. XI) Cremos que não é com o cumprimento de uma pena de prisão efetiva que se alcançarão estes desideratos, conhecidos que são os efeitos criminógenos das penas privativas da liberdade. XII) Na verdade, desde a aplicação da medida de coação que o arguido já se encontra afastado da ofendida, até à presente data, sem quaisquer intercorrências ou violações dessa medida. XIII) Estar afastado da ofendida, poderá ser concretizado em meio aberto, através da cominação de uma pena acessória de proibição de contactos com a ofendida, fiscalizada através de meios técnicos. XIV) Para além disso, para que o arguido possa investir na interiorização do desvalor da sua conduta, será fundamental que este seja colocado, por exemplo, na frequência de sessões de grupo para agressores, pois o cumprimento efetivo da pena de prisão, por si só, não garante essa mudança de mentalidade. XV) Assim, deveria o arguido ser condenado na pena de prisão, suspensa na sua execução, sujeita à frequência do PAVD - Programa para Agressores de Violência Doméstica, da Direção Geral de Reinserção e Serviços Prisionais - o qual “É uma resposta estruturada dirigida a agressores de violência conjugal aplicada pela Direção Geral de Reinserção e serviços Prisionais (DGRSP) que visa promover a consciência e assunção da responsabilidade do comportamento violento e a utilização de estratégias alternativas ao mesmo, objetivando a diminuição da reincidência” - vide DGRSP XVI) Deste modo, será também ao arguido possível continuar o seu tratamento de alcoologia, que se encontra a cumprir, pois é por demais evidente, através da leitura dos factos provados e da motivação do tribunal, que o álcool foi o fator desencadeador da conduta do arguido. XVII) A necessidade, proporcionalidade e adequação são os princípios orientadores que devem presidir à determinação da pena aplicável em face da violação de um bem jurídico fundamental. XVIII) Sabemos que a aplicação da pena de prisão efetiva é a ultima ratio na punição dos crimes, conforme resulta do disposto no Art.º 70.º, do Código Penal, a qual apenas deverá ser determinada caso a medida não privativa não realize de forma adequada e suficiente as finalidades da punição. XIX) De facto apesar das condenações anteriores, em nenhuma delas foi ao arguido aplicada a pena de prisão, suspensa na sua execução, cumulada com pena acessória de proibição de contactos com a vítima, fiscalizada por meios técnicos de controlo à distância. XX) Pelo que não se pode, inequivocamente e com toda a certeza, afirmar que a pena privativa da liberdade (pena de prisão efetiva) é a única que realiza de forma adequada e suficiente as finalidades da punição - existindo aqui violaçõ do princípio da indispensabilidade, XXI) Uma vez que ainda existe uma possibilidade de aplicação da pena de prisão, mas suspensa na sua execução, que poderá proporcionar que o arguido cumpra aquilo que vem sugerido no Relatório Social, promovendo, prima facie, a integração do arguido na sociedade. XXII) A pena de prisão efetiva em que o arguido foi condenado encontra- se, também, desajustada da gravidade dos factos dados como provados. XXIII) Os factos dados como provados, sendo obviamente censuráveis, poderão não revestir a gravidade suficiente para que o arguido tenha de cumprir uma pena de prisão efetiva, principalmente porque se afigura existir um prévio caminho que responde de forma adequada às necessidades da punição. XXIV) Ao decidir como decidiu, o Tribunal a quo violou as normas constantes dos Art.ºs 40,º, 50.º, 70.º e 71.º, todos do Código Penal. TERMOS EM QUE deve o presente recurso ser julgado procedente e em consequência revogar-se a douta sentença recorrida e ser a mesma substituída por outra que condene o arguido na pena de prisão de dois anos e três meses, suspensa na sua execução por igual período de tempo, bem como na pena acessória de proibição de contactos com a ofendida, sendo o seu cumprimento fiscalizado por meios técnicos de controlo à distância, condicionada ainda à frequência do Programa para Agressores de Violência Doméstica. Assim se fazendo Justiça.
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O Ministério Público respondeu ao recurso, pugnando pela sua improcedência.
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Recebidos os autos neste Tribunal da Relação de Guimarães, o Ministério Público emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
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Cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, nada mais foi dito.
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Colhido os vistos, foram os autos à conferência.
II FUNDAMENTAÇÃO
1 Objeto do recurso:
Deve suspender-se a execução da pena de prisão aplicada nos autos?
2 Decisão recorrida (excertos relevantes):
2. – Fundamentação. 2.1. - Factos provados com relevância para a decisão da causa: 1.- A ofendida BB e o arguido AA contraíram casamento a ../../1997, residindo, pelo menos desde o ano de 2020, em habitação sita na Rua ..., em ..., em .... 2. - A ofendida e o arguido têm 3 filhos em comum: CC, nascida a ../../1999; DD, nascido a ../../2002; EE, nascido a ../../2009. 3. - No âmbito do inquérito n.º 89/17.3GBVNF, que correu termos nos Serviços do Ministério Público de Vila Nova de Famalicão, foi aplicada ao arguido a suspensão provisória do processo pela prática de 3 (três) crimes de violência doméstica cometidos contra a ofendida BB e contra os filhos CC e DD, por factos anteriores a abril de 2017. 4. - No âmbito do processo n.º 418/19.5GBVNF, que correu termos no Juízo Local Criminal de Vila Nova de Famalicão – Juiz 1, por Sentença transitada em julgado em 07.10.2020, foi o arguido condenado, em cúmulo jurídico, na pena única de 4 anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período, sujeita a regime de prova, pela prática de 3 (três) crimes de violência cometidos contra a ofendida BB e contra os filhos CC e DD, por factos anteriores a 30.11.2019. 5. - Não obstante, a partir de março de 2020, o arguido continuou a maltratar verbal e psicologicamente a ofendida com regularidade. 6. Com efeito, a partir de então e até julho de 2023, o arguido, no interior da residência comum e pelo menos uma vez por mês, apelidava a ofendida de filha da puta. 7. A partir de julho de 2023, data em que começou a consumir bebidas alcoólicas de forma praticamente diária e começou, também, a efetuar apostas no site de apostas ..., o arguido tornou-se mais agressivo. 8. Assim, a partir de julho de 2023 e até ao dia 29.10.2023 (data em que a ofendida e o arguido deixaram de partilhar a mesma habitação), o arguido, no interior da residência comum, começou a dirigir à ofendida as expressões supra descritas com uma periodicidade não concretamente apurada. 9. Também a partir de julho de 2023 e até o dia 29.10.2023, a ofendida, por temer que o arguido procurasse agredi-la e tivesse de fugir de casa a qualquer momento, chegou a dormiu vestida. 10.- No dia 29.10.2023, depois da hora do almoço, a ofendida e o filho EE preparavam-se para sair de casa para irem ver um jogo de futebol. 11. Nisto, o arguido aproximou-se da ofendida e pediu-lhe 120€ para jogar no ..., o que a ofendida negou, dizendo-lhe que não tinha dinheiro para jogo. 12. Então, o arguido ficou enfurecido e começou, de forma incessante, a apelidar a ofendida de filha da puta; depois, o arguido saiu de casa e colocou-se à frente da carrinha que a ofendida ia utilizar, ao que a ofendida lhe retorquiu que, nesse caso, iria a pé, momento em que o arguido se afastou da carrinha, permitindo à ofendida entrar na mesma com o filho EE e seguir para o local do jogo de futebol. 13. Nesse mesmo dia, mais tarde, vinda do jogo, a ofendida estacionou a carrinha que conduzia junto à habitação, tendo-se o arguido de imediato aproximado do lugar do condutor e aberto a porta com força, ao mesmo tempo que perguntava: sua filha da puta, onde é que andaste? 14. Depois, o arguido tentou desferir um estalo na cara da ofendida, só não o conseguindo porque a ofendida se desviou, após o que logrou fechar novamente a porta da carrinha, iniciou a marcha e foi estacionar a viatura na parte de trás da casa, aí aguardando que o arguido serenasse. 15. Algum tempo mais tarde, acreditando que o arguido já estava mais calmo, a ofendida dirigiu-se para a residência. 16. Depois, o arguido aproximou-se da ofendida e começou a tentar agarrar-lhe a carteira, ao mesmo tempo que lhe perguntava se tinha dinheiro para lhe dar. 17. Nessa sequência, como a ofendida não largasse a aludida carteira, o arguido começou a desferir-lhe murros na mão e, depois, com a muleta que utiliza para se mover, o arguido desferiu uma pancada no braço direito da ofendida. 18.- … depois surgiu o filho DD, o qual se colocou entre a ofendida e o arguido, fazendo o arguido cessar as agressões 19. Nesse dia, a ofendida foi pernoitar a casa da filha CC com os filhos DD e EE, chegando a casa desta com o casaco que trazia vestido rasgado e ensanguentado. 20. Regressando à residência comum no dia 02.11.2023, já depois de ter conhecimento que o arguido tinha saído de casa e tinha ido morar para casa da sua progenitora. 21. Como consequência direta e necessária da conduta do arguido, sofreu a ofendida as seguintes lesões: - membro superior direito: equimose de dois por um centímetro no terço proximal e medial do antebraço; equimose de três por um centímetro no dorso da mão; 22. Tais lesões determinaram 10 dias para a cura, sem afetação da capacidade de trabalho geral e sem afetação da capacidade de trabalho profissional. 23. Desde o dia 02.11.2023 e até ao dia 16.11.2023 (data em que foi sujeito a 1º interrogatório judicial de arguido detido), o arguido, praticamente todos os dias, deslocava-se à residência da ofendida. 24. Ao atuar da forma e nas situações descritas, o arguido sabia que estava a maltratar verbal e psicologicamente, de forma reiterada, a sua mulher e mãe dos seus filhos e violava os deveres de respeito e solidariedade que sabia lhe incumbirem, querendo agir da forma por que o fez. 25. O arguido sabia que ao comportar-se da forma descrita relativamente à ofendida, sua mulher e mãe dos seus filhos, a submetia a sofrimento psicológico, causando-lhe a humilhação e tratamento degradantes e atentatórios da sua honra, dignidade e autoestima, lesando-a na sua integridade física, moral, honra e dignidade pessoal. 26. Sabia o arguido: - que ao proferir as expressões injuriosas molestava a honra e consideração da ofendida; - que molestava o corpo e a saúde da ofendida, resultado que quis e previu; 27. Agiu de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei penal. 28.- Por sentença criminal transitada em julgado no passado dia 16-03-2010, o arguido foi condenado pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelo artigo 292.º, n.º, 1, do C.P., na pena de 50 dias de multa, à taxa diária de 6 euros, e na sanção acessória de proibição de condução de veículos motorizados na via pública, p. e p. pelo artigo 69.º, n.º 1, al. a), do C.P., pelo período de 4 meses. 29.- Por sentença criminal transitada em julgado no passado dia 04-05-2015, o arguido foi condenado pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelo artigo 292.º, n.º, 1, do C.P., na pena de 100 dias de multa, à taxa diária de 6 euros, e na sanção acessória de proibição de condução de veículos motorizados na via pública, p. e p. pelo artigo 69.º, n.º 1, al. a), do C.P., pelo período de 7 meses. 30.- Por sentença criminal transitada em julgado no passado dia 18-03-2024, o arguido foi condenado pela prática de um crime de coação grave na forma tentada, p. e p. pelos artigos 22.º, 154.º, 155.º, do C.P., pela prática de um crime de ameaça agravada, p. e p. pelos artigos 153.º, 155.º, do C.P. e pela prática de um crime de ofensa à integridade física simples, p. e p. pelo artigo 143.º, do C.P., na pena de seis meses de prisão, substituída por 180 dias de multa, à taxa diária de seis euros. 31.- Por sentença criminal transitada em julgado no passado dia 29-05-2024, o arguido foi condenado pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelo artigo 292.º, n.º, 1, do C.P., na pena de 4 meses de prisão, suspensa na sua execução por 12 meses, e na sanção acessória de proibição de condução de veículos motorizados na via pública, p. e p. pelo artigo 69.º, n.º 1, al. a), do C.P., pelo período de 9 meses. 32.- O arguido AA mostrou-se consciente das consequências decorrentes da existência deste processo crime, atento os seus antecedentes criminais, “porém pouco consistente/critico no seu discurso e na necessidade de adequar a sua conduta e estilo de vida”, conforme relatório social junto aos autos no passado dia 18-11-2024, cujos dizeres se dão aqui por integralmente reproduzidos. 33.- O arguido apresenta uma “trajetória de vida” que “regista indicadores de instabilidade, mais evidenciados na vertente laboral e, nas relações familiares, associados aos consumos abusivos de álcool de longa data, conforme relatório social junto aos autos no passado dia 18-11-2024, cujos dizeres se dão aqui por integralmente reproduzidos. 34.- O arguido frequenta o CRI Ocidental do ..., consulta de Alcoologia, é assíduo e tem seguido o plano terapêutico delineado, o que nem sempre acata na íntegra, conforme relatório social junto aos autos no passado dia 18-11-2024, cujos dizeres se dão aqui por integralmente reproduzidos. 35.- O arguido mantém-se inserido no agregado de origem, do qual dispõe de algum suporte, conforme relatório social junto aos autos no passado dia 18-11-2024, cujos dizeres se dão aqui por integralmente reproduzidos. 36.- O arguido tem uma ocupação laboral instável e precária, depende financeiramente dos biscates que faz, colocando-o numa condição económica de restrição, conforme relatório social junto aos autos no passado dia 18-11-2024, cujos dizeres se dão aqui por integralmente reproduzidos. 37.- As penas anteriormente aplicadas não promoveram o efeito dissuasor e ressocializador desejado, conforme relatório social junto aos autos no passado dia 18-11-2024, cujos dizeres se dão aqui por integralmente reproduzidos. 38.- Na altura dos factos, o arguido encontrava-se em situação de imputabilidade, sendo capaz de avaliar a ilicitude dos seus comportamentos e das consequências dos abusos do álcool. 39. O arguido não apresenta uma anomalia psíquica grave. 40.- O arguido tem capacidade para se autodeterminar. 41.- O arguido desvaloriza a sua adição ao consumo de álcool e demonstra baixa adesão à terapêutica. 42.- O arguido tem capacidade de entender e de ser influenciado pelas penas que possam vir a ser determinadas, de estar em juízo, e de preparar a sua defesa, conforme teor do exame pericial junto aos autos no passado dia 07-01-2025, cujos dizeres se dão aqui por integralmente reproduzidos. 43.- O arguido tem o 6.º ano de escolaridade. (…) 4. - Da medida concreta da pena. 4.1. - Concluindo-se que o arguido incorreu na prática do referido crime de violência doméstica, p. e p. pelo artigo 152.º, n.º 1, alínea a), n.º 2, al. a), 4 e 5 do Código Penal, importa agora determinar a natureza e medida concreta da pena a aplicar-lhe. Nos termos do citado artigo, o mencionado crime só é punido com pena de prisão. Assim, considerando que o arguido terá de ser punido com uma pena de prisão, uma vez que este tipo legal não prevê qualquer pena alternativa, só falta agora proceder à sua determinação concreta. E quanto a este aspeto, dever-se-á ter em atenção, em primeiro lugar, os limites mínimos e máximos da pena de prisão que são aplicáveis, em abstrato, ao crime de violência doméstica, o que, em face do disposto no artigo 152.º, n.º 1 e 2, do Código Penal, significa que a concreta pena de prisão deverá ser encontrada dentro do limite mínimo de dois anos e o limite máximo de cinco anos. E depois, tendo em consideração a culpa do agente e as exigências de prevenção - cfr. artigo 71.º, n.º1, do C.P.-, que significa a consagração, como critérios fundamentais para a aplicação de uma pena, para além do chamado princípio da culpa - cfr. também artigo 40.º, n.º 2, do C.P.-, a teoria da prevenção geral positiva ou de integração (a qual tem por função fornecer uma moldura de prevenção, cujo limite é dado, no máximo, pela medida ótima da tutela dos bens jurídicos, dentro do que é consentido pela culpa, e, no mínimo, fornecido pelas exigências irrenunciáveis da defesa do ordenamento jurídico, ou seja, pela tutela das expectativas da comunidade na manutenção - ou mesmo reforço - da vigência da norma infringida), e a teoria da prevenção especial ou de socialização, cuja função é encontrar o “quantum” exato da pena que melhor sirva as exigências de socialização ou reintegração do agente na sociedade. Assim, no presente caso, considerando a intensidade da culpa do agente (dolo direto), o período temporal em que essas agressões verbais e físicas perduraram, a gravidade das ofensas morais que causou à ofendida, a gravidade das lesões físicas que causou à ofendida, o período de tempo em que a ofendida este incapacitada para o trabalho, as elevadas exigências de prevenção geral (nos dias de hoje a violência conjugal é um dos grandes flagelos da nossa sociedade), e as elevadas exigências de prevenção especial (o arguido já tem antecedentes criminais pela prática de crime da mesma natureza), julgamos adequado e justo condenar o arguido numa pena de dois anos e três meses de prisão.
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4.2.- Prescreve o n.º 1, do artigo 50.º, do Código Penal que “o tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a 5 anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”. No caso dos autos, é nosso entendimento que a suspensão da execução da pena de prisão não irá manifestamente produzir o desejado efeito na ressocialização do arguido, como já não produziu a última pena criminal em que o mesmo arguido foi condenado pela prática de um crime da mesma natureza. Note-se que nem a dependência do álcool e a tentativa de tratamento da mesma foi atingida com a última condenação, o que nos permite, afastar, com a certeza que se exige, que manter a mesma consequência sancionatória para este comportamento reincidente do arguido, não permitir atingir o desiderato que a suspensão da pena de prisão pretende, ou seja, é notório que neste caso, “a simples censura do facto e a ameaça da prisão não realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”. Note-se que o próprio relatório social evidencia que “as penas anteriormente aplicadas não promoveram o efeito dissuasor e ressocializador desejado; o arguido apresenta uma “trajetória de vida” que “regista indicadores de instabilidade, mais evidenciados na vertente laboral e, nas relações familiares, associados aos consumos abusivos de álcool de longa data,…, porém pouco consistente/critico no seu discurso e na necessidade de adequar a sua conduta e estilo de vida”. Com efeito, apesar de já ter sido beneficiado com um plano de ressocialização que até teve em consideração a sua dependência de consumo de álcool, a verdade é que o arguido, apesar de todo esse “acompanhamento” e até “preocupação” por parte dos “serviços de saúde competentes” relativamente à dependência de álcool, continua a desvalorizar essa sanção criminal e mantem o mesmo comportamento criminoso junto da vítima. É, pois, indiscutível que qualquer suspensão da pena de prisão, estará votada ao insucesso, como confirma a natureza dos factos pelos quais o arguido foi agora julgado e condenado. Aliás, é nossa profunda convicção, até por causa dos factos pelos quais o arguido já foi anteriormente julgado e condenado, que existe um inequívoco elevado risco de o arguido volte a praticar agressões da mesma natureza junto da sua ainda esposa. É certo que “a prisão não resolve este tipo de situações”. Acontece que, em liberdade, o arguido desrespeitou todas as penas não privativas da liberdade de que beneficiou, com a pratica de atos criminosos da mesma natureza. É, assim, para nós indiscutível que o arguido tem incompreensíveis dificuldades em interiorizar o desvalor das suas condutas criminosas da mesma natureza daquelas em discussão nos presentes autos e pelas quais já foi condenado em pena de prisão suspensa na sua execução. Neste contexto, impõe-se conclui-se que a simples censura do facto e a ameaça da prisão não realizam, como até à presente data não realizaram (cfr. CRC junto aos autos), de forma adequada e suficiente as finalidades subjacentes à aplicação das penas: proteção dos bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade. Assim, em face do exposto, entendemos que a pena de prisão em que o arguido foi condenado não deverá ser suspensa na sua execução.
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3 O direito.
No presente recurso está em causa decidir se deve ser suspensa a execução da pena de prisão aplicada ao recorrente.
Estatui o Código Penal a este respeito que:
SECÇÃO II Suspensão da execução da pena de prisão Artigo 50.º Pressupostos e duração 1 - O tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição. 2 - O tribunal, se o julgar conveniente e adequado à realização das finalidades da punição, subordina a suspensão da execução da pena de prisão, nos termos dos artigos seguintes, ao cumprimento de deveres ou à observância de regras de conduta, ou determina que a suspensão seja acompanhada de regime de prova. 3 - Os deveres e as regras de conduta podem ser impostos cumulativamente. 4 - A decisão condenatória especifica sempre os fundamentos da suspensão e das suas condições. 5 - O período de suspensão é fixado entre um e cinco anos.
Sobre a escolha da pena, temos em debate nos autos, essencialmente, a dicotomia entre cumprimento ou não cumprimento de penas de prisão de curta ou relativamente curta duração.
Por vezes, logo em seguida à determinação da moldura penal aplicável, outras vezes – mais frequentemente -, após a determinação da pena concreta, tem ainda o juiz legalmente à sua disposição mais do que uma espécie de pena. Assim, logo que o juiz determine que a moldura penal aplicável é a de prisão (…) não poucas vezes, a própria moldura aplicável admite, em alternativa, as penas principais de prisão ou de multa (…). Por outro lado, se o juiz determinar, em concreto, uma pena de prisão não superior a 5 anos ele pode substituí-la pela suspensão de execução da prisão (art.º 50.º); se a pena concreta for de prisão não superior a 1 ano, pode ainda substituí-la por multa (art.º 45.º, n.º 1); e se for de prisão não superior a dois anos, pode ainda substituí-la por prestação de trabalho a favor da comunidade (art.º 58.º, n.º 1) ou determinar que seja cumprida em regime de permanência na habitação (art.º 43.º, n.º1). O juiz está assim colocado, em qualquer dos casos referidos perante uma nova tarefa, a da escolha da pena, na qual se deixará guiar pelo critério geral legalmente instituído na matéria constante do art.º 71.º; e (ou) por critérios especiais constantes das restantes normas atrás citadas. Esta tarefa faz ainda parte, sob qualquer perspetiva, da determinação da pena, falando-se por vezes a este respeito, com razoável exatidão e fundamento, de uma determinação ou mesmo de uma medida da pena em sentido amplo – cfr. Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, Coimbra Editora, pag. 211, que se segue de muito perto, alterando-se as remissões para as disposições legais atualmente em vigor.
O problema que se coloca essencialmente nos autos em relação à opção ou não pela pena de substituição, e aqui essencialmente pela pena de suspensão da execução da pena de prisão, tem que ver com o arreigado movimento de luta contra a pena de prisão, em particular das penas de prisão de curta duração, iniciada em meados do sec. XIX (cfr. Prof. Figueiredo Dias, ob. cti., pag. 327 e segs.; Eduardo Correia, Direito Criminal, Almedina, Vol. II, pag. 392, Maria C. F. da Cunha, As Reações Criminais no Direito Português, UCE, pag. 210), que tem granjeado para o seu seio grande parte dos autores e, consequentemente, das decisões judicias, dando lugar a movimentos jurisprudenciais extensos no sentido da imposição aos juízes de deveres acrescidos de justificação e fundamentação da opção pela pena de prisão, contribuindo decididamente para esta exigência a cada vez mais vasta panóplia de opções não privativas da liberdade que o legislador vem inscrevendo na lei, implicando tudo isto que não só o juiz deva fundamentar o que pretende como o que (embora legalmente previsto) não pretende fazer.
Repare-se que é o autor citado quem, entre nós, primeiramente chama a atenção para a questão, designadamente em relação à pena de suspensão de execução da pena: “O tribunal, perante a determinação de uma medida da pena de prisão não superior a 3 anos (5, atualmente), terá sempre de fundamentar especificamente quer a concessão, quer a denegação da suspensão, nomeadamente no que toca ao caráter favorável ou desfavorável da prognose e (eventualmente) às exigências de defesa do ordenamento jurídico. Outro procedimento configuraria um verdadeiro erro de direito, como tal controlável mesmo em revista, por violação, para além do mais, do disposto no art.º 71.º, Só assim não terá de proceder o tribunal quando, sendo a medida determinada da pena de prisão inferior a 6 ou 3 meses ( 6 meses e 2 anos, atualmente), ele se decida logo (fundadamente) por outra substituição aplicável (multa, prestação de trabalho a favor da comunidade (…)” ou, em face das alterações mais recente, execução da pena de prisão em regime de permanência na habitação – cfr. Figueiredo Dias, ob., cit., pag. 345.
Esta consabida preferência pelas penas não privativas da liberdade tem por base o princípio da mínima restrição de direitos (artigo 70.º do Código Penal e 18.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa).
O critério a adotar é o seguinte: “(…) o tribunal deve preferir à pena privativa de liberdade uma pena alternativa ou de substituição sempre que, verificados os respetivos pressupostos de aplicação, a pena alternativa ou de substituição se revelem adequadas e suficientes à realização das finalidades da punição. O que vale logo por dizer que são finalidades exclusivamente preventivas, de prevenção especial e de prevenção geral, não finalidades de compensação da culpa, que justificam (e impõem) a preferência por uma pena alternativa ou por uma pena de substituição e a sua efetiva aplicação” – cfr. ob. cit. pag. 331.
“Afastada a relevância da culpa no problema da escolha da pena, resta determinar como se comportam, neste âmbito, as exigências de prevenção geral e de prevenção especial. É inteiramente distinta a função que umas e outras exercem neste contexto. Prevalência decidida não pode deixar de ser atribuída a considerações de prevenção especial de socialização, por serem sobretudo elas que justificam, em perspetiva politico-criminal, todo o movimento de luta contra a pena de prisão. E, prevalência, anote-se, a dois níveis diferentes:
Em primeiro lugar, o tribunal só deve negar a aplicação de uma pena alternativa ou de uma pena de substituição quando a execução da prisão se revele, do ponto de vista da prevenção especial de socialização, necessária ou, em todo o caso, provavelmente mais conveniente, do que aquelas penas; coisa que só raramente acontecerá se não se perder de vista o já tantas vezes referido caráter criminógeno da prisão, em especial da de curta duração.
Em segundo lugar, sempre que, uma vez recusada pelo tribunal a aplicação efetiva da prisão, reste ao seu dispor mais do que uma espécie de pena de substituição (v.g., multa, prestação de trabalho a favor da comunidade, suspensão da execução da prisão), são ainda considerações de prevenção especial de socialização que devem decidir qual das espécies de penas de substituição abstratamente aplicáveis deve ser a eleita. Neste sentido pode afirmar-se que não existe em abstrato, pelo menos sob a forma rígida e em via de princípio, << uma hierarquia legal das penas de substituição>>; só em concreto ela se dá, isto é, em função das exigências de prevenção especial de socialização que nas hipóteses se façam sentir e da forma mais adequada de as satisfazer.
Mas – qual então o papel da prevenção geral como princípio integrante do critério geral da substituição? Ela deve surgir aqui unicamente sob a forma do conteúdo mínimo de prevenção de integração indispensável à defesa do ordenamento jurídico como limite à atuação das exigências de prevenção especial de socialização. Quer dizer: desde que impostas ou aconselhadas à luz de exigências de socialização, a pena alternativa ou a pena de substituição só não serão aplicadas se a execução da pena de prisão se mostrar indispensável para que não sejam postas irremediavelmente em causa a necessária tutela dos bens jurídicos e estabilização contrafática das expectativas comunitárias.” Ob. cit., pag. 332/333.
Finalmente, o conceito de reprovação que está intimamente ligado a várias das normas que regulam estas questões deve ser entendido, não como um envolvimento da culpa neste campo, mas antes como fator impeditivo da opção por pena alternativa ou de substituição sempre que isso puser em causa “o sentimento de reprovação social do crime” (Beleza dos Santos) ou “o sentimento jurídico da comunidade” (AC. STJ de 21/03/90) – citados na obra acima referida, pag. 332.
Retiramos desta breve exposição que, fundamentalmente, o critério norteador da decisão que aqui nos ocupa é a prevenção especial, conceito enunciado originalmente de modo claro por Grolman.
“Ao tempo em que Fuerbach defendia a sua doutrina da prevenção geral pela coação psicológica, um outro criminalista, Grolman, sustentava princípios, sob certos pontos de vista, diametralmente opostos.
Grolman entendia que a ação coativa da pena sobre os possíveis delinquentes assenta na ideia precária da «existência de inclinações criminosas possíveis, mas indemonstráveis, de homens desconhecidos…» Há uma realidade: o crime cometido por certa pessoa que, por o ter praticado, revela uma falta de vontade reta e o perigo de cometer novos crimes. A pena deverá ter o fim de evitar este perigo. Por isso, agirá por intimidação sobre o delinquente, coagindo-o psicologicamente a não proceder contra o direito. Se ele não for suscetível de intimidação, a pena coagi-lo-á fisicamente, colocando-o em situação de não prejudicar. Isto é, a pena deve ter unicamente o fim de intimidar ou eliminar o delinquente para que ele não reincida. Se a simples ameaça penal prescrita na lei desviar alguém da prática de crimes, tanto melhor; mas isto, dizia Grolman, não é o essencial da pena - cfr. Beleza dos Santos, Ensaio Sobre a Introdução ao Direito Criminal, Atlântida Editora, 1968, pag. 186.
A partir de então, muitas têm sido as variantes desta doutrina da prevenção especial, designadamente no que diz respeito à forma ou modo da concretização da aludida finalidade.
“As doutrinas da prevenção especial têm por denominador comum a ideia de que a pena é um instrumento de atuação sobre a pessoa do delinquente com o fim de evitar que, no futuro, ele cometa novos crimes. Neste sentido se deve falar de uma finalidade de prevenção da reincidência.
(…)
Todas estas doutrinas se irmanam, todavia, no propósito de lograr a reinserção social, a ressocialização (ou talvez melhor: a inserção social, a socialização, porque pode tratar-se de alguém que foi sempre dessocializado) do delinquente e merecem, nesta medida, que elas se considerem como doutrinas da prevenção especial positiva ou de socialização.” cfr. Figueiredo Dias, Direito Penal, Parte Geral, Tomo I, Coimbra Editora, 2.º Edição, pags. 54/55, que fixa a origem destas doutrinas de modo algo diverso (pag. 55).
Não obstante, como refere Maria João Antunes, “a afirmação de que são finalidades exclusivamente preventivas as que justificam e impõem a preferência por uma pena não privativa da liberdade ou por uma pena não privativa da liberdade menos restritiva não invalida que a finalidade preventiva primordial seja a de proteção de bens jurídicos. A defesa da ordem jurídica e da paz social – o conteúdo mínimo da prevenção geral positiva – atua como limite às exigências de prevenção especial. Em caso de conflito, prevalecerá o conteúdo mínimo da prevenção geral positiva. Ainda que a escolha da pena não privativa da liberdade seja compatível com a reintegração do agente na sociedade, o tribunal não dará preferência a tal pena, se esta não realizar de forma adequada e suficiente a finalidade de proteção do bem jurídico violado com a prática do crime.” – cfr. Penas e Medidas de Segurança, Almedina, 2.ª Edição, pag. 93. No mesmo sentido, Maria C. F. da Cunha, ob. cit., pag. 213.
Subjacente a todos estes conceitos e princípios, e à sua concreta operacionalização, designadamente na opção pelas penas não privativas da liberdade, está sempre em causa, portanto, um juízo de prognose em relação ao comportamento futuro do condenado, ou seja, um juízo de verosímil confiança em relação ao futuro acerto comportamental do condenado com as normas. Efetivamente, se tal confiança ou fundada expectativa não existirem, ou não se justificarem, a invocação e atuação dos ditos princípios não passará de puro exercício retórico e proclamatório, e estarão condenadas, naturalmente, ao insucesso.
Ora, no caso que aqui se recursa estamos perante uma pessoa que tem passado criminal: 28.- Por sentença criminal transitada em julgado no passado dia 16-03-2010, o arguido foi condenado pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelo artigo 292.º, n.º, 1, do C.P., na pena de 50 dias de multa, à taxa diária de 6 euros, e na sanção acessória de proibição de condução de veículos motorizados na via pública, p. e p. pelo artigo 69.º, n.º 1, al. a), do C.P., pelo período de 4 meses. 4. - No âmbito do processo n.º 418/19.5GBVNF, que correu termos no Juízo Local Criminal de Vila Nova de Famalicão – Juiz 1, por Sentença transitada em julgado em 07.10.2020, foi o arguido condenado, em cúmulo jurídico, na pena única de 4 anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período, sujeita a regime de prova, pela prática de 3 (três) crimes de violência cometidos contra a ofendida BB e contra os filhos CC e DD, por factos anteriores a 30.11.2019. 29.- Por sentença criminal transitada em julgado no passado dia 04-05-2015, o arguido foi condenado pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelo artigo 292.º, n.º, 1, do C.P., na pena de 100 dias de multa, à taxa diária de 6 euros, e na sanção acessória de proibição de condução de veículos motorizados na via pública, p. e p. pelo artigo 69.º, n.º 1, al. a), do C.P., pelo período de 7 meses.
É certo que dois dos antecedentes criminais aqui mencionados não são de particular relevância, mas um deles é precisamente igual ao que aqui nos ocupa – cfr. ponto 4.
Além disso, o registo criminal do arguido, transcrito na decisão, demonstra que não obstante as condenações anteriormente sofridas, o arguido continua com o comportamento dessincronizado com as normas penais, circunstância que não pode ser ignorada neste tipo de decisão – na verdade, se o tribunal tem de se interrogar sobre se uma pena de suspensão de execução da pena permitirá a reintegração social do arguido, não pode desconsiderar o seu comportamento coevo ao julgamento em que está a ser decidida a questão, e muito menos o comportamento anterior e idêntico.
E este comportamento coevo e posterior, além de incluir a prática de variadas infrações, desde ofensas à integridade física a ameaças, permanece ligado à adição alcoólica – cfr. ponto 31 da factualidade dada como provada. Além disso, os autos demonstram que o condenado padece ainda de outra avassaladora adição, a do jogo, sendo certo que a associação de ambas assume, neste caso, uma elevada potencialidade criminógena, como, aliás, os factos dados como provados demonstram – é certo que a adição do jogo não consta expressamente dos factos provados, mas o comportamento do arguido em face da falta de dinheiro para apostar e, designadamente, em face da recusa da vítima em lhe dar dinheiro para tal fim, é claramente indicador dessa perturbação comportamental (mais uma).
Impressiona ainda, de modo particularmente intenso, diga-se, o seguinte:
23. Desde o dia 02.11.2023 e até ao dia 16.11.2023 (data em que foi sujeito a 1º interrogatório judicial de arguido detido), o arguido, praticamente todos os dias, deslocava-se à residência da ofendida.
Ou seja, nem com a intervenção do tribunal e a sujeição a um interrogatório judicial o arguido se convenceu que não era benquisto junto da vítima, e, revelando olímpica indiferença, procedeu pelo modo descrito.
Assim sendo, com esta verdadeira coleção de penas de multa, prisão substituída por multa e prisão com execução suspensa, no âmbito de uma pantográfica recidiva criminal, uma outra suspensão de execução da pena de prisão, associada à empedernida adição alcoólica, ao jogo, e à comprovada indiferença do condenado pelas decisões dos tribunais, estará certamente votada ao insucesso.
Por outro lado, é consabida a acentuada tendência para a recidiva na criminalidade relativa à violência doméstica, não parecendo o ora recorrente ser diferente, mais não seja pelo seu obstinado comportamento após o primeiro interrogatório judicial, procurando quem não devia, indo ao encontro de quem sistematicamente maltratava, enfim, fazendo sempre o que os seus descomandados impulsos lhe propunham.
Foi por isso que se escreveu na decisão recorrida:
Note-se que nem a dependência do álcool e a tentativa de tratamento da mesma foi atingida com a última condenação, o que nos permite, afastar, com a certeza que se exige, que manter a mesma consequência sancionatória para este comportamento reincidente do arguido, não permitir atingir o desiderato que a suspensão da pena de prisão pretende, ou seja, é notório que neste caso, “a simples censura do facto e a ameaça da prisão não realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”. Note-se que o próprio relatório social evidencia que “as penas anteriormente aplicadas não promoveram o efeito dissuasor e ressocializador desejado; o arguido apresenta uma “trajetória de vida” que “regista indicadores de instabilidade, mais evidenciados na vertente laboral e, nas relações familiares, associados aos consumos abusivos de álcool de longa data,…, porém pouco consistente/critico no seu discurso e na necessidade de adequar a sua conduta e estilo de vida”. Com efeito, apesar de já ter sido beneficiado com um plano de ressocialização que até teve em consideração a sua dependência de consumo de álcool, a verdade é que o arguido, apesar de todo esse “acompanhamento” e até “preocupação” por parte dos “serviços de saúde competentes” relativamente à dependência de álcool, continua a desvalorizar essa sanção criminal e mantem o mesmo comportamento criminoso junto da vítima. É, pois, indiscutível que qualquer suspensão da pena de prisão, estará votada ao insucesso, como confirma a natureza dos factos pelos quais o arguido foi agora julgado e condenado. Aliás, é nossa profunda convicção, até por causa dos factos pelos quais o arguido já foi anteriormente julgado e condenado, que existe um inequívoco elevado risco de o arguido volte a praticar agressões da mesma natureza junto da sua ainda esposa. É certo que “a prisão não resolve este tipo de situações”. Acontece que, em liberdade, o arguido desrespeitou todas as penas não privativas da liberdade de que beneficiou, com a pratica de atos criminosos da mesma natureza. É, assim, para nós indiscutível que o arguido tem incompreensíveis dificuldades em interiorizar o desvalor das suas condutas criminosas da mesma natureza daquelas em discussão nos presentes autos e pelas quais já foi condenado em pena de prisão suspensa na sua execução. Neste contexto, impõe-se conclui-se que a simples censura do facto e a ameaça da prisão não realizam, como até à presente data não realizaram (cfr. CRC junto aos autos), de forma adequada e suficiente as finalidades subjacentes à aplicação das penas: proteção dos bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade.
Nem se diga (Conclusão IX) que o regresso do condenado ao agregado de origem (vulgo, casa dos pais), constitui dado seguro e incontestável para o alinhamento comportamental com as normas, pois são também recorrentes os casos de violência contra idosos, incluindo os progenitores, sendo certo que uma pessoa adicta em relação ao álcool e ao jogo e que já praticou violência doméstica contra os próprios filhos (suma maldade), dois deles jovens adultos e o outro ainda adolescente, não estará absolutamente arredada do risco de praticar atos idênticos em relação a outras pessoas que façam parte do seu agregado, de origem ou não, pelo que não se pode dizer com toda a certeza do mundo que a situação referida é de incontornável segurança recuperadora do condenado.
E a insistente preocupação manifestada pelo recorrente nas conclusões em relação à necessidade de ficar em liberdade para poder levar a cabo o seu tratamento à dependência alcoólica (curiosamente nada diz em relação ao jogo), fica solucionada com a elementar razão de que nada impede a realização de tal tratamento em ambiente prisional, até porque em tal meio é muitíssimo difícil o acesso a bebidas alcoólicas, algo que não sucede certamente se o recorrente ficar no agregado de origem, onde poderá haver produtos desse jaez, e, caso não haja, não haverá certamente dificuldade em obtê-los nas redondezas.
A este respeito, discordamos, ainda frontalmente, do que o recorrente alegou a este respeito:
XVI) Deste modo, será também ao arguido possível continuar o seu tratamento de alcoologia, que se encontra a cumprir, pois é por demais evidente, através da leitura dos factos provados e da motivação do tribunal, que o álcool foi o fator desencadeador da conduta do arguido.
O álcool não desencadeou o comportamento, até porque há muitas pessoas que bebem, e algumas bebem até muito, e outras bebem mesmo demais, e não fazem coisas destas – uns choram, outros riem, outros dormem, varia muito; outros fazem asneiras, como o ora recorrente. Todavia, a asneira radica na pessoa e não na substância ingerida, que poderá apenas, e isso é certo, pelo seu efeito de inicial desinibição e posterior depressão neurológica, facilitar a demonstração do respetivo íntimo. Será, no máximo, como agora é moda dizer, um facilitador, mas não, isso é seguro, um “desencadeador”.
Assim sendo, não há razões para confiar no comportamento futuro do condenado. Além disso, como se referiu, são vários os bens jurídicos a carecer de proteção eficiente, algo que não se compagina com a liberdade do arguido. Diga-se, ainda, que, em regra, não é aconselhável, salvo em casos devidamente fundamentados e justificados, a concessão de duas penas de suspensão de execução da pena de prisão sucessivas e temporalmente próximas em casos de criminalidade grave, como é o que aqui se aprecia, uma vez que a recidiva criminal demonstra claramente que a liberdade teve efeitos criminógenos, não ficando, afinal, estes restringidos à reclusão, como é habitual dizer-se.
A decisão não violou, portanto, as normas invocadas pelo recorrente.
Por tudo isto, o recurso tem de improceder.
III DISPOSITIVO
Pelo exposto, acordam os juízes da Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães em julgar improcedente o recurso apresentado por AA, e, em consequência, confirmam a decisão recorrida.
Custas pelo recorrente, fixando a taxa de justiça devida em 4 UCs.