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PERDÃO DE PENA
CONDIÇÃO RESOLUTIVA
INCUMPRIMENTO DO PRAZO
REVOGAÇÃO
Sumário
I – O perdão previsto no Artº 3º, da Lei nº 38º-A/2023, de 2 de Agosto, desde que verificados os necessários pressupostos, é aplicado mediante a condição resolutiva, prevista no nº 2 do seu Artº 8º, de o beneficiário pagar a indemnização ou reparação a que também tenha sido condenado. II – Como claramente se extrai dos nºs. 2 e 3 daquele normativo, a condição resolutiva de pagamento da indemnização tem de ser cumprida nos 90 dias imediatos à notificação que para o efeito for efectuada ao arguido, tendo sido opção do legislador estabelecer a impossibilidade de prorrogação de tal prazo, com o propósito, manifesto, de conferir alguma proteção aos interesses dos ofendidos dos crimes visados com o perdão da pena. III – A sujeição da concessão do perdão à condição resolutiva de pagamento ao ofendido da indemnização em que o arguido foi também condenado, dentro de certo prazo, não contende com qualquer direito, liberdade ou garantia fundamental de que o mesmo seja titular.
Texto Integral
Acordam, em conferência, os Juízes da Secção Criminal do Tribunal da Relação de Guimarães I. RELATÓRIO
1. No âmbito do Processo Comum Colectivo nº 1569/20.9PBBRG, do Juízo Central Criminal de Braga, Juiz 2, do Tribunal Judicial da Comarca de Braga, em 15/01/2025 o Mmº Juiz a quo proferiu o despacho cuja cópia consta de fls. 26/28, que ora se transcreve [1]:
“Ref. ...50 (audição do arguido AA), Ref. ...31 (promoção do Ministério Público de resolução do perdão e se determine o cumprimento da pena perdoada ao arguido AA) e Ref. ...42 (contraditório do arguido quanto à promoção do Ministério Público):
No caso concreto o arguido AA foi condenado pela prática de:
1. um crime de roubo agravado, na forma consumada, p. e p. pelos artºs 210º, nº 1 e 2, al. b), por referência ao disposto no art.º 204º, nº 2, al. f), todos do Código Penal, praticado em 20.10.2020;
2. um crime de sequestro, na forma consumada, p. e p. pelo 158º, nº 1 do CP;
3. um crime de roubo agravado, p. e p. pelos artºs 210º, nº 1 e 2, al. b), por referência ao disposto no art.º 204º, nº 2, al. e), todos do Código Penal;
4. um crime de roubo, na forma tentada, p. e p. pelo art.º 210º, nº 1, 22º e 23º, todos do Código Penal – para o qual se convola o crime de roubo agravado, na forma tentada, p. e p. pelos artºs 210º, nº 1 e 2, al. b), por referência ao disposto no art.º 204º, nº 2, als. e) e f), 22º, e 23º do CP;
5. um crime de roubo, na forma tentada, p. e p. pelo art.º 210º, nº 1, 22º e 23º, todos do Código Penal – para o qual se convola o crime de roubo agravado, na forma tentada, p. e p. pelos artºs 210º, nº 1 e 2, al. b), por referência ao disposto no art.º 204º, nº 2, al. f), 22º, e 23º do CP;
6. um crime de roubo, na forma consumada, p. e p. pelo art.º 210º, nº 1, do CP.
7. de um crime de furto, p. e p. pelo art.º 203º do CP, praticado em 3.11.2020 – para o qual se convola o crime de roubo, na forma consumada, p. e p. pelo art.º 210º, nº 1, do CP;
8. um crime de roubo agravado, na forma consumada, p. e p. pelo art.º 210º, nº 1 e 2, al. b), por referência ao art.º 204º, nº 2, al. e), todos do CP;
Em cúmulo jurídico das penas parcelares atrás referidas, condenar o mesmo arguido na pena única de seis anos de prisão.
Por despacho de 08/04/2024 (cfr. Ref. ...56), nos termos do artigo 3.º, n.ºs 1 e 4 da Lei 38-A/2023, de 02.08 foi aplicado ao condenado AA o perdão de 1 (um) ano de prisão à pena que lhe foi aplicada, passando esta pena única a ser de 5 (cinco) anos de prisão.
Tal como se exarou no despacho com a Ref. ...56, tal perdão de pena concedido foi expressamente subordinado ao cumprimento pelo arguido das condições resolutivas previstas no artigo 8.º da Lei n.º 38-A/2023, de 02/08, o qual estabelece o seguinte: “1 - O perdão a que se refere a presente lei é concedido sob condição resolutivade o beneficiário não praticar infração dolosa no ano subsequente à sua entrada em vigor, caso em que à pena aplicada à infração superveniente acresce o cumprimento da pena ou parte da pena perdoada. 2 - O perdão é concedido sob condição resolutiva de pagamento da indemnização ou reparação a que o beneficiário também tenha sido condenado. 3 - A condição referida no número anterior deve ser cumprida nos 90 dias imediatos à notificação do condenado para o efeito. 4 - Considera-se satisfeita a condição referida no n.º 2 caso o titular do direito de indemnização ou reparação não declare que não foi indemnizado ou reparado. 5 - Quando o titular do direito de indemnização ou da reparação for desconhecido, não for encontrado ou ocorrer outro motivo justificado, considera-se satisfeita a condição referida no n.º 2 se a reparação consistir no pagamento de quantia determinada e o respetivo montante for depositado à ordem do tribunal.”
O condenado e seu ilustre defensor foram notificados do mencionado despacho (cfr. Refs. ...04, ...13e ...26).
O condenado não arguiu qualquer irregularidade e/ou nulidade ou impugnação por via recursiva do teor (total ou parcial) do mencionado despacho (que inclui expressamente a menção da condição resolutiva e do prazo legal para a cumprir, sob pena de não o fazendo, ser o perdão revogado).
Após o decurso do prazo legal de 90 dias, para aferir da revogação do perdão ao arguido, foram notificados os ofendidos para informar se o arguido efetuou algum pagamento referente aos montantes de indemnização, os quais vieram aos autos dizer que o arguido não lhes pagou qualquer quantia (cfr. Refs. ...37, ...85, ...74, ...00 além de outras).
Como o condenado não efetuou o pagamento da indemnização a que estava obrigado e não justificou o seu não pagamento – aliás, nem tentou se justificar –, procedeu-se à audição do arguido no dia 10/12/2024, sob impulso do Ministério Público (cfr. Ref. ...19).
Na diligência de audição do arguido, o mesmo mostrou total desdém sobre a necessidade de cumprimento da condição resolutiva.
Não esboçou qualquer esforço no sentido de eventualmente pagar parcialmente a condição resolutiva de pagamento da indemnização.
Em momento algum o arguido veio aos autos sequer tentar justificar o não cumprimento da mencionada condição legal.
Segundo as suas declarações o condenado não se encontra a desenvolver atividade no Estabelecimento Prisional para ganhar dinheiro para a liquidação da indemnização.
Cumpre salientar que o condenado demonstrou uma total falta de interesse nas consequências do incumprimento das condições resolutivas da concessão do perdão concedido.
O Ministério Público promoveu que se proceda à resolução do perdão e se determine o cumprimento da pena perdoada (cfr. Ref. ...31).
Notificado da promoção do Ministério Público o arguido veio então aos autos (cfr. Ref. ...42) confirmar que que não pagou a indemnização a que estava obrigado nos presentes autos no prazo estipulado pela Lei n.º 38-A/2023 de 2 de Agosto [nem fora dele, diga-se], pois encontra-se preso e sem trabalho.
O arguido alegou querer “fazer face a tais pagamentos em novo prazo a estipular nos autos, nunca inferior a 180 dias, tudo, em vista a cumprir a condição resolutiva efetivamente não cumprida”.
Tal como refere claramente o Acórdão do TRP de 25/09/2024, proc. n.º 849/18.8PWPRT-C.P1, in www.dgsi.pt, “I - A aplicação das condições previstas no art. 8º da Lei da Amnistia por ocasião das Jornadas Mundiais da Juventude (LAJMJ) opera de forma obrigatória e automática. II - A aplicação do perdão ao abrigo da referida Lei, implicitamente abarca a condição do não pagamento da quantia em que o beneficiário também tenha sido condenado no prazo fixado. III - No que concerne à revogação do perdão concedido por verificação da condição prevista no art. 8º, nº 2 não importa indagar das condições de vida do condenado a fim de se concluir se tinha ou não possibilidades de efectuar o pagamento da indemnização fixada no prazo definido. IV - Na ausência na Lei da Amnistia por ocasião das Jornadas Mundiais da Juventude (LAJMJ) de norma similar à contida no art. 5º da Lei n.º 29/99, de 12 de Maio, o prazo de 90 dias a contar da notificação não é prorrogável. V - A revogação do perdão não altera a pena, nem quanto à sua natureza, nem quanto à sua duração, nem quanto à sua execução. VI - A norma prevista no n.º2 do artigo 8.º da Lei nº 38-A/2023, segundo a qual o perdão é concedido sob condição resolutiva de pagamento da indemnização ou reparação a que o beneficiário também tenha sido condenado, não enferma de inconstitucionalidade por violação do princípio da igualdade previsto no artigo 13º da Constituição da República.”
Conforme resulta do disposto no artigo 8.º, n.ºs 2 e 3, da Lei n.º 38-A/2023 de 02/08, o prazo de 90 dias para pagamento da indemnização é perentório e não depende da aferição da capacidade financeira do arguido para proceder à respetiva indemnização.
Também não encontra suporte legal o pedido do arguido em que lhe seja fixado um prazo suplementar de 180 dias para supostamente cumprir o que a lei obriga a que seja cumprido em 90 dias. Tal como bem se refere no supra citado acórdão: “Realmente, como se pronuncia o Ex.mo Desembargador José Esteves de Brito (Notas práticas referentes à Lei n.º 38-A/20023, de 2 de Agosto, que estabelece um perdão de penas e uma amnistia de infrações por ocasião da realização em Portugal da Jornada Mundial da Juventude. Julgar online, agosto de 2023, pág. 43), na ausência na Lei da Amnistia por ocasião das Jornadas Mundiais da Juventude (LAJMJ) de norma similar à contida no art. 5º da Lei n.º 29/99, de 12 de Maio [Nas situações previstas no número anterior ou quando a situação económica do condenado e a ausência de antecedentes criminais o justifique, o juiz, oficiosamente ou a requerimento, concede novo prazo de 90 dias para a satisfação da condição referida no n.º 1.], o dito prazo de 90 dias a contar da notificação não é prorrogável. Porque, como se viu, «a amnistia e o perdão devem ser aplicados nos precisos limites dos diplomas que os concedem, sem ampliação nem restrições que nelas não venham expressas, estando vedada qualquer aplicação analógica a interpretação extensiva» [cfr. Cruz Bucho no Estudo «Amnistia e perdão (Lei nº 38-A/2023 de 2 de Agosto): Seis meses depois (elementos de estudo), pág. 36, disponível, em texto integral na página do Tribunal da Relação de Guimarães – https://www.trg].”
Igualmente o acórdão do TRG de 09/01/2024, proc. n.º 75/20.6GCGMR-K.G1, in www.dgsi.pt, refere que “A norma prevista no n.º2 do artigo 8.º da Lei nº 38-A/2023, segundo a qual o perdão é concedido sob condição resolutiva de pagamento da indemnização ou reparação a que o beneficiário também tenha sido condenado, não enferma de inconstitucionalidade por violação do principio da igualdade previsto no artigo 13º da Constituição da República”.
Pelo exposto, declara-se resolvido o perdão de 1 (um) ano de prisão anteriormente aplicado ao arguido AA e determina-se o seu cumprimento, nos termos do artigo 8.º, n.ºs 2 e 3, da Lei n.º 38-A/2023 de 02/08.
Notifique.
(...)”.
*
2. Inconformado com tal decisão, dela veio o arguido AA interpor o presente recurso, nos termos da peça processual cuja cópia consta de fls. 29/34, rematando a respectiva motivação com a formulação das seguintes conclusões e petitório (transcrição):
“1-O aqui Recorrente conforme o expressou na audição ocorrida em Tribunal no passado dia 10/12/2024, foi sempre pedindo para desenvolver actividade laboral no E.P.. 2-Em momento algum o mesmo conseguiu entrar em contacto com os ofendidos/lesados, pois que, todas as missivas no sentido de faseadamente pagar e/ou prorrogar o referido pagamento enviadas, vieram devolvidas, algo que, também veio a ocorrer com o próprio Tribunal, o qual, não viu respondida por estes (na excepção do ofendido BB), do recebimento ou não de toda e/ou quaisquer quantia entregue pelo aqui Recorrente. 3- Tal falta de resposta, também obtiveram as diligências do aqui Recorrente no sentido de pagar faseadamente e/ou prorrogar o referido pagamento. 4-Não se aceita como o Tribunal “a quo” decide resolver o perdão antes atribuído, sem ter inequívoca certeza de que da parte destes, existia disponibilidade para tal, não fosse aliás, o aqui Recorrente, ainda Recluso, tudo o que, torna todos os actos subsequentes nulos e/ou irregulares, o que por esta via se invoca.
Não prescindindo, 5-Penitencia-se o Arguido/Condenado, pelo facto de tal não ter alertado os autos durante o prazo estipulado de pagamento, contudo, diga-se, até pela novidade/imprevisibilidade deste perdão de penas, que de tal não estava efetivamente consciente na sua plenitude; 6-Constam dos autos 5 ofendidos, dos quais não teve o aqui Recorrente quaisquer tipo de possibilidade de contacto, não fossem os mesmos sequer terem mandatário constituído nos autos, tudo o que, ainda mais dificultou a desejada missão. 7-Sempre pretendeu o Arguido/Condenado fazer face a tais pagamentos e, cumprir a condição resolutiva efetivamente não cumprida, para o que, e de forma a melhor agilizar tal condição, ainda conseguiu admitir (na resposta ao requerimento ao Ministério Público no sentido de resolver o perdão atribuído), fazer depósito autónomo da totalidade do valor, tudo, para que fosse o próprio Tribunal a contactar as vítimas em vista a agilizar os devidos pagamentos, do que, o Tribunal “a quo” fez total tábua rasa também na sua decisão. 8-Dada a sua situação de reclusão e, impossibilitado de “intra muros” até à presente data não ter conseguido ocupação laboral, a falta de comunicação de tal aos autos, não deve, “de per si” ser determinante para a promovida resolução, para mais quando, pelo mesmo foi demonstrada na audiência de 10/12/2024, grande vontade de tudo conseguir liquidar e, total incapacidade para contactar os ofendidos, assim como, o próprio Tribunal a quem os mesmo nada responderam. 9-No caso “sub judice”, como aqui já atrás expusemos, entende-se que as finalidades que estiveram na base do perdão de penas aplicado ainda podem ser alcançadas. 10-A decisão de que se recorre, atentou contra os princípios penais proclamados na Constituição da República Portuguesa, no Código Penal e no Código Processo Penal, concernentes à delimitação da aplicação da prisão, como medida da restrição da liberdade individual, nos casos expressamente previstos na lei, isto é, como restrição aceitável por contraposição ao dever do Estado de perseguir eficazmente o crime. 11-Não pode ser juridicamente aceitável, ser resolvido um perdão com base na falta de pagamento de alguém recluso, que não teve forma de contactar os ofendidos de forma a agilizar os pagamentos. 12-Consagra o art. 13.º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa que: “Todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei.”, fundamentando o nº 2 do mesmo artigo que “Ninguém pode ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão de situação económica (…)”, todo o explanado neste recurso, de forma clara, incorre contra a norma constitucional atrás mencionada, uma vez que, o aqui Recorrente, no presente caso, está a ser prejudicado e privado de beneficiar do perdão de um ano, também em razão da sua situação económica, não fosse ainda acrescer, a falta e impossibilidade de contactar os ofendidos para os efeitos pretendidos. 13-O Recorrente não deverá ser privado do perdão atribuído e, ser-lhe concedido um prazo adicional para pagamento das quantias fixadas a título indemnizatório, que lhe seja disponibilizados os contactos dos ofendidos para tal efeito e/ou alternativamente lhe sejam passadas guias para pagamento e/ou autorizar-se pagamento por depósito autónomo realizado junto do Tribunal “a quo”. 14-A decisão de que ser recorre, além de se apresentar contrária aos princípios e aos fundamentos legais e constitucionais expostos, constituiu uma opressão desnecessária do direito à liberdade do aqui Recorrente, pelo que, se apresenta manifestamente severa, excessiva e injusta. Pelo que, entrega o Arguido/Recorrente, confiadamente a decisão desta causa a este Venerando Tribunal, seguro que Vossas Excelências lhe farão, como vos compete, a acostumada e ponderada JUSTIÇA!”.
*
3. Na 1ª instância o Ministério Público respondeu ao recurso, pugnando pela sua improcedência, e pela manutenção, na íntegra, da decisão recorrida, terminando a Exma. Procuradora da República subscritora a sua peça processual, cuja cópia consta de fls. 36/39, com a formulação das seguintes conclusões (transcrição):
“1. Por douto despacho de 08.04.2024, nos termos do artigo 3.º, n.ºs 1 e 4 da Lei 38-A/2023, de 02.08 foi aplicado ao condenado o perdão de um ano de prisão à pena que lhe foi aplicada, passando esta pena única a ser de 5 (cinco) anos de prisão.
2. Uma vez que o condenado não efectuou o pagamento da indemnização a que estava obrigado e não justificou o seu não pagamento, procedeu-se à audição do arguido no dia 10.12.2024.
3. O arguido não justificou o motivo do não pagamento da indemnização, embora estava plenamente consciente dessa obrigação.
4. Segundo as suas declarações não encetou qualquer diligência no sentido de efectuar o pagamento parcial do montante em dívida e não se encontra a desenvolver actividade no EP para ganhar dinheiro para a sua liquidação.
5. De facto, o condenado demonstrou uma total falta de interesse nas consequências do incumprimento das condições resolutivas da concessão do perdão concedido.
6. Resulta do disposto no artigo 8.º, n.ºs 2 e 3, da Lei n.º 38-A/2023 de 02/08, o prazo de 90 dias para pagamento da indemnização é perentório e não depende da aferição da capacidade financeira do arguido para proceder à respetiva indemnização. 7.OacórdãodoTRGde09/01/2024,proc.n.º75/20.6GCGMR-K.G1,inwww.dgsi.pt,refereque“Anormaprevistanon.º2doartigo8.ºdaLeinº38-A/2023,segundoaqualoperdãoéconcedidosobcondiçãoresolutivadepagamentodaindemnizaçãooureparaçãoaqueobeneficiáriotambémtenhasidocondenado,nãoenfermadeinconstitucionalidadeporviolaçãodoprincipiodaigualdadeprevistonoartigo13ºdaConstituiçãodaRepública”.
8. O próprio arguido afirmou, aquando da sua audição, que não efectuou qualquer contacto com os ofendidos, nem desenvolveu qualquer diligência para proceder ao pagamento parcial ou faseado do pagamento.
9. Acresce que o arguido, não conseguindo contactar os ofendidos, sempre poderia proceder ao depósito autónomo dos valores, aliás conforme referiu na resposta ao requerimento da signatária para a revogação do perdão concedido.
10. Só nessa altura é que manifestou a sua vontade de proceder ao pagamento da totalidade em dívida para evitar a revogação do perdão. No entanto, apenas manifestou essa vontade, não procedeu ao depósito de qualquer montante, ainda que parcial.
Nestes termos, julgamos que o presente recurso não merece provimento devendo ser considerado improcedente e mantida na íntegra a decisão recorrida.
Porém, Vª. Exas. como sempre, farão a costumada *
JUSTIÇA!”.
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4. A Exma. Procuradora-Geral Adjunta junto deste tribunal da Relação pronunciou-se, também, pela improcedência do recurso, acompanhando a resposta que o Ministério Público apresentou na 1ª instância, e acrescentando pertinentes considerações jurídicas acerca das questões suscitadas [cfr. fls. 43/47].
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5. Cumprido o disposto no Artº 417º, nº 2, do C.P.Penal, não foi apresentada qualquer resposta.
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6. Efectuado exame preliminar, e colhidos os vistos legais, foram os autos submetidos à conferência, cumprindo, pois, conhecer e decidir.
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II. FUNDAMENTAÇÃO
1. É hoje pacífico o entendimento de que o âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação, sendo apenas as questões aí sumariadas as que o tribunal de recurso tem de apreciar, sem prejuízo das de conhecimento oficioso, designadamente dos vícios indicados no Artº 410º, nº 2, do C.P.Penal [2].
Assim sendo, no caso vertente, as questões que o recorrente coloca a este tribunal, e que basicamente importa decidir, são as de saber se se verificam ou não os pressupostos que presidiram à declaração de resolução do perdão de um ano de prisão decretado ao abrigo do Artº 3º, n.ºs. 1 e 4, da Lei nº 38-A/2023 de 2 de Agosto, oportunamente concedido ao arguido, e bem assim se, ao decidir nos termos que constam do despacho recorrido, o tribunal a quo violou o princípio de igualdade a que alude o Artº 13º da Constituição da República Portuguesa.
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2. Porém, antes de mais, para termos uma visão exacta do que está em causa e, concomitantemente, para uma correcta apreciação do presente recurso, há que atentar nos principais actos e incidências processuais que os autos [3] nos revelam:
a) No âmbito dos presentes autos [4] [Proc. Comum Colectivo 1569/20.9PBBRG], pelo acórdão de 16/11/2021, foi o arguido AA condenado pela prática de:
- Um crime de roubo agravado, na forma consumada, p. e p. pelos Artºs. 210º, nº 1 e 2, al. b), por referência ao disposto no Artº 204º, nº 2, al. f), todos do Código Penal, na pena de 3 anos e 8 meses de prisão;
- Um crime de sequestro, na forma consumada, p. e p. pelo Artº 158º, nº 1, do Código penal, na pena de 8 meses de prisão;
- Um crime de roubo agravado, p. e p. pelos Artºs. 210º, nºs. 1 e 2, al. b), por referência ao Artº 204º, nº 2, al. e), todos do Código Penal, na pena de 3 anos e 4 meses de prisão;
- Um crime de roubo, na forma tentada, p. e p. pelos Artºs. 210º, nº 1, 22º e 23º, todos do Código Penal, na pena de 10 meses de prisão;
- Um crime de roubo, na forma tentada, p. e p. pelos Artºs. 210º, nº 1, 22º e 23º, todos do Código Penal, na pena de 10 meses de prisão;
- Um crime de roubo, na forma consumada, p. e p. pelo Artº 210º, nº 1, do Código Penal, na pena de 1 ano e 4 meses;
- Um crime de furto, p. e p. pelo Artº 203º, do Código Penal, na pena de 4 meses de prisão ;
- Um crime de roubo agravado, na forma consumada, p. e p. pelo Artº 210º, nºs. 1 e 2, al. b), por referência ao Artº 204º, nº 2, al. e), todos do Código Penal, na pena de 3 anos e 4 meses de prisão; e
- Em cúmulo jurídico das penas parcelares atrás referidas, na pena única de 6 ( seis) anos de prisão; b) Em tal acórdão foram arbitrados os seguintes montantes indemnizatórios, nos termos e ao abrigo do disposto nos Artºs. 67.º-A, nº 3, e 82º-A do C.P.Penal, e 16º, nº 2, da Lei nº 130/2015, de 4 de Setembro [Estatuto da Vítima], a pagar pelo arguido/recorrente:
- Ao ofendido BB, a quantia de € 900,00 (novecentos Euros);
- Ao ofendido CC, a quantia de € 500,00 (quinhentos Euros);
- Ao ofendido DD, a quantia de € 200,00 (duzentos Euros);
- Ao ofendido EE, a quantia de € 350,00 (trezentos e cinquenta Euros); e
- Ao ofendido FF, a quantia de € 500 € (quinhentos Euros); c) Em 16/12/2021 ocorreu o trânsito em julgado do acórdão condenatório em causa; d) Em 08/04/2024 foi proferido o seguinte despacho (transcrição): “Ref. ...28 (requerimento do arguidoAA)e Ref. ...36 (promoção do Ministério Público):
Visto.
A Lei n.º 38-A/2023, de 02 de agosto veio estabelecer um perdão de penas e uma amnistia de infrações por ocasião da realização em Portugal da Jornada Mundial da Juventude (cfr. artigo 1.º).
Este diploma legal abrange as sanções penais referentes aos ilícitos praticados até às 00h do dia 19.06.2023, por pessoas que tenham entre 16 e 30 anos de idade à data da prática do facto, “... nos termos definidos nos artigos 3.º e 4.º” (cfr. artigo 2.º, n.º 1).
No mesmo artigo 2.º, n.º 1, da Lei em referência, estabelece-se que o perdão de penas obedecerá ao que estipula o artigo 3.º, importando convocar, no que, aqui, releva, os seus nºs1 e 4, isto é, será perdoado 1 ano de prisão a todas as penas de prisão até 8 anos (nº1), sendo que em caso de condenação em cúmulo jurídico, o perdão incide sobre a pena única (nº4).
O arguido AA nasceu no dia ../../1998.
Os factos a que respeita o Processo englobado na operação de cúmulo jurídico e referente ao crime de furto foram praticados em 03/11/2020, isto é, numa altura em que o aludido contava com mais de 16 anos de idade e ainda não tinha completado 30 anos.- o crime pelo qual foi condenado não consta das exceções descritas no artigo 7..º da citada lei.
Quanto ao crime de sequestro não é de aplicar in casu o perdão previsto na Lei n.º 38-A/2023, de 02/08, por o mesmo se encontrar excluído pela alínea a), iv) do nº 1, do artigo 7.º da referida Lei.
Quanto ao crime de roubo não é de aplicar in casu o perdão previsto na Lei n.º 38-A/2023, de 02/08, por o mesmo se encontrar excluído pela alínea g), do nº 1, do artigo 7.º da referida Lei.
Com efeito, tal como refere o acórdão do TRG datado de 20/02/2024, proc. n.º 546/21.7GAVNF.G1, in www.dgsi.pt, “Os condenados por crime de roubo p. e p. pelo artigo 210.º n.º 1 do Código Penal não beneficiam da aplicação do perdão de pena previsto na Lei n.º 38-A/2023, de 2 de Agosto, por as respectivas vítimas deverem ser consideradas pessoas especialmente vulneráveis e, por isso, o perdão se encontrar excluído pela alínea g) do nº 1 do art.º 7º da referida Lei.”
De igual modo se decidiu no acórdão do TRG datado de 20/02/2024, proc. n.º 135/22.9PBVCT.G1, in www.dgsi.pt, onde se exarou que “Os condenados por crime de roubo p. e p. pelo artigo 210.º n.º 1 do Código Penal não beneficiam da aplicação do perdão de pena previsto na Lei n.º 38-A/2023, de 2 de Agosto, por as respectivas vítimas deverem ser consideradas pessoas especialmente vulneráveis e, por isso, o perdão se encontrar excluído pela alínea g) do nº 1 do art.º 7º da referida Lei.”
Também o acórdão do TRG datado de 23/01/2024, proc. n.º 5310/19.0JAPRT-AI.G1, in www.dgsi.pt, refere que “Os condenados por crime de roubo p. e p. pelo artigo 210.º n.º 1 do Código Penal não beneficiam da aplicação do perdão de pena previsto na Lei n.º 38-A/2023 de 2 de Agosto por as respectivas vítimas deverem ser consideradas pessoas especialmente vulneráveis e, por isso, o perdão se encontrar excluído pela alínea g) do nº 1 do art.º 7º da referida Lei.”
No mesmo sentido o acórdão do TRL datado de 28/11/2023, proc. n.º 7102/18.5P8LSB-A.L1-5, in www.dgsi.pt, refere que “Está excluído do benefício do perdão previsto na Lei n.º 38-A/20023, de 2 de agosto, o crime de roubo na sua forma de consumação simples, tipificada pelo art.º 210º, nº 1 do Código Penal, por se enquadrar no círculo de crimes cujas vítimas são, sempre e independentemente da respetiva condição, idade ou proveniência, “especialmente vulneráveis” e por isso se encontrar abrangido pela alínea g) do nº 1 do art.º 7º da Lei.”
Contudo o arguido também foi condenado pela prática de um crime de furto, o qual não está excecionado pela mencionada lei.
No caso vertente a pena única em que foi condenado o arguido é inferior a 6 anos, razão pela qual, atento o disposto no indicado artigo 3º, nºs 1 e 4, haverá que perdoar 1 ano de prisão.
Nestes termos, nos termos do artigo 3.º, n.ºs 1 e 4 da Lei 38-A/2023, de 02.08 deve se aplicar ao condenado o perdão de um ano de prisão à pena que lhe foi aplicada.
Pelo exposto decido aplicar ao arguido AA o perdão de um ano de prisão previsto no artigo 3.º, n.ºs 1 e 4 da Lei n.º 38-A/2023, de 02/08, passando esta pena única a ser de 5 (cinco) anos de prisão.
Tal perdão de pena concedido é subordinado ao cumprimento pelo arguido das condições resolutivas previstas no artigo 8.º da Lei n.º 38-A/2023, de 02/08, o qual estabelece o seguinte: “1 - O perdão a que se refere a presente lei é concedido sob condição resolutiva de o beneficiário não praticar infração dolosa no ano subsequente à sua entrada em vigor, caso em que à pena aplicada à infração superveniente acresce o cumprimento da pena ou parte da pena perdoada. 2 - O perdão é concedido sob condição resolutiva de pagamento da indemnização ou reparação a que o beneficiário também tenha sido condenado. 3 - A condição referida no número anterior deve ser cumprida nos 90 dias imediatos à notificação do condenado para o efeito. 4 - Considera-se satisfeita a condição referida no n.º 2 caso o titular do direito de indemnização ou reparação não declare que não foi indemnizado ou reparado. 5 - Quando o titular do direito de indemnização ou da reparação for desconhecido, não for encontrado ou ocorrer outro motivo justificado, considera-se satisfeita a condição referida no n.º 2 se a reparação consistir no pagamento de quantia determinada e o respetivo montante for depositado à ordem do tribunal.”
Notifique de imediato.
Conforme promovido pelo Ministério Público:
- comunique de imediato ao TEP, ao EP e à DGRSP;
- após trânsito em julgado da presente decisão, abra vista ao Ministério Público para, querendo, promover o que tiver por conveniente quanto a eventual reformulação da liquidação da pena anteriormente elaborada nos autos.
(…)”; e) Tal despacho foi notificado ao mandatário do recorrente, via CITIUS, em 10/4/2024, e ao arguido/recorrente, no Estabelecimento Prisional Regional ..., onde se encontrava recluso, em 11/4/2024; f) Por despacho de 27/06/2024 foi determinada a notificação do arguido para, no prazo de cinco dias, comprovar nos autos o pagamento total ou parcial das indemnizações em que foi condenado; g) O arguido foi notificado desse despacho em 02/07/2024, despacho esse que igualmente foi notificado ao seu ilustre mandatário, em 01/07/2924; h) Face ao silêncio do arguido, por despacho de 15/10/2024 foi ordenada a notificação dos ofendidos no sentido de informarem se o mesmo efectuou algum pagamento referente aos montantes de indemnização; i) Em 24/10/2024, o ofendido FF veio aos autos informar que nada recebera do arguido; j) Em 25/10/2024, o ofendido BB remeteu e-mail aos autos informando que nada recebera do arguido; k) Em 22/11/2024 o ofendido DD veio aos autos informar que nada recebera do arguido; l) Sob promoção do Ministério Público, foi designada data para audição do arguido, em virtude do não pagamento de qualquer dos montantes das indemnizações fixadas; m) Em 10/12/2024 procedeu-se à audição do arguido.
Nas declarações então prestadas [cuja gravação tivemos o cuidado de ouvir integralmente], como bem assinala o Mmª Juiz a quo no despacho recorrido, o arguido revelou um total desdém sobre a necessidade de cumprimento da condição resolutiva, acabando por afirmar nada ter pago aos ofendidos por falta de condições para o fazer, e que no Estabelecimento Prisional onde se encontra recluso não desenvolve qualquer actividade laboral; n) Em 16/12/2024 o Ministério Público promoveu se procedesse à resolução do perdão concedido, e se determinasse o cumprimento da pena perdoada; o) Notificado para, querendo, exercer o contraditório quanto a tal promoção, em 13/01/2025 veio o arguido apresentar a sua resposta, em cujo âmbito, para além de confirmar a falta de pagamento dos valores indemnizatórios, justificou tal omissão, alegando que:
- Foi pedindo para desenvolver actividade laboral no E.P. onde se encontra recluso, o que, até à presente data ainda não ocorreu;
- Constam dos autos cinco ofendidos, dos quais não tem qualquer tipo de possibilidade de contacto, não fossem os mesmos sequer terem mandatário constituído nos autos, tudo o que ainda mais dificulta a desejada missão;
- Pretende fazer face a tais pagamentos em novo prazo a estipular nos autos, nunca inferior a 180 dias, tudo, em vista a cumprir a condição resolutiva efectivamente não cumprida, para o que, e de forma a melhor agilizar tal condição, admite fazer depósito autónomo da totalidade do valor, tudo para que seja o próprio Tribunal a contactar as vítimas em vista a agilizar os devidos pagamentos;
- Peticiona um novo prazo de 180 dias para liquidar os valores; p) Nessa sequência, em 15/01/2025 foi proferido o despacho cuja cópia consta de fls. 26/28, supra transcrito, alvo do presente recurso por banda do arguido.
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3. Isto posto.
Tendo em conta este enquadramento fáctico/processual, há que perscrutar, então, se estão ou não verificados os pressupostos que presidiram à declaração de resolução do perdão de um ano de prisão decretado pelo despacho de 08/04/2024 ao abrigo do Artº 3º, n.ºs. 1 e 4, da Lei nº 38-A/2023 de 2 de Agosto.
E adiantando a nossa posição, cremos que se impõe uma resposta afirmativa, sendo inatacável o despacho recorrido.
Vejamos.
A Lei nº 38-A/2023, de 2 de Agosto, veio estabelecer um perdão de penas e uma amnistia de infrações por ocasião da realização em Portugal da Jornada Mundial da Juventude.
Nesse âmbito estatuindo o Artº 2º, nº 1:
“Estão abrangidas pela presente lei as sanções penais relativas aos ilícitos praticados até às 00:00 horas de 19 de junho de 2023, por pessoas que tenham entre 16 e 30 anos de idade à data da prática do facto, nos termos definidos nos artigos 3.º e 4.º”.
E o Artº 3º:
“1 - Sem prejuízo do disposto no artigo 4.º, é perdoado 1 ano de prisão a todas as penas de prisão até 8 anos.
(...)
4 - Em caso de condenação em cúmulo jurídico, o perdão incide sobre a pena única.
(...)”.
Ora, como se viu, na situação em apreço, pelo acórdão de 16/11/2021, transitado em julgado em 16/12/2021, foi o arguido AA condenado pela prática de:
- Um crime de roubo agravado, na forma consumada, p. e p. pelos Artºs. 210º, nº 1 e 2, al. b), por referência ao disposto no Artº 204º, nº 2, al. f), todos do Código Penal, na pena de 3 anos e 8 meses de prisão;
- Um crime de sequestro, na forma consumada, p. e p. pelo Artº 158º, nº 1, do Código penal, na pena de 8 meses de prisão;
- Um crime de roubo agravado, p. e p. pelos Artºs. 210º, nºs. 1 e 2, al. b), por referência ao Artº 204º, nº 2, al. e), todos do Código Penal, na pena de 3 anos e 4 meses de prisão;
- Um crime de roubo, na forma tentada, p. e p. pelos Artºs. 210º, nº 1, 22º e 23º, todos do Código Penal, na pena de 10 meses de prisão;
- Um crime de roubo, na forma tentada, p. e p. pelos Artºs. 210º, nº 1, 22º e 23º, todos do Código Penal, na pena de 10 meses de prisão;
- Um crime de roubo, na forma consumada, p. e p. pelo Artº 210º, nº 1, do Código Penal, na pena de 1 ano e 4 meses;
- Um crime de furto, p. e p. pelo Artº 203º, do Código Penal, praticado em 03/11.2020, na pena de 4 meses de prisão ;
- Um crime de roubo agravado, na forma consumada, p. e p. pelo Artº 210º, nºs. 1 e 2, al. b), por referência ao Artº 204º, nº 2, al. e), todos do Código Penal, na pena de 3 anos e 4 meses de prisão; e
- Em cúmulo jurídico das penas parcelares atrás referidas, na pena única de 6 ( seis) anos de prisão.
Constatando-se, também, que em tal acórdão foram arbitrados os seguintes montantes indemnizatórios, nos termos e ao abrigo do disposto nos Artºs. 67º-A, nº 3, e 82º-A, do C.P.Penal, e 16º, nº 2, da Lei nº 130/2015, de 4 de Setembro [Estatuto da Vítima], a pagar pelo arguido/recorrente:
- Ao ofendido BB, a quantia de € 900,00 (novecentos Euros);
- Ao ofendido CC, a quantia de € 500,00 (quinhentos Euros);
- Ao ofendido DD, a quantia de € 200,00 (duzentos Euros);
- Ao ofendido EE, a quantia de € 350,00 (trezentos e cinquenta Euros); e
- Ao ofendido FF, a quantia de € 500 € (quinhentos Euros).
Que, pelo despacho de despacho de 08/04/2024, em consonância com o disposto no citado Artº 3º, n.ºs. 1 e 4, da Lei 38-A/2023, de 2 de Agosto, foi aplicado ao condenado o perdão de um ano de prisão à pena que lhe fora aplicada, passando esta pena única a ser de cinco anos de prisão.
Que tal perdão de pena, como expressamente ali se consignou, ficou subordinado ao cumprimento, pelo arguido, das condições resolutivas previstas no Artº 8º, do mesmo diploma legal, segundo o qual:
“1 - O perdão a que se refere a presente lei é concedido sob condição resolutiva de o beneficiário não praticar infração dolosa no ano subsequente à sua entrada em vigor, caso em que à pena aplicada à infração superveniente acresce o cumprimento da pena ou parte da pena perdoada.
2 - O perdão é concedido sob condição resolutiva de pagamento da indemnização ou reparação a que o beneficiário também tenha sido condenado.
3 - A condição referida no número anterior deve ser cumprida nos 90 dias imediatos à notificação do condenado para o efeito.
4 - Considera-se satisfeita a condição referida no n.º 2 caso o titular do direito de indemnização ou reparação não declare que não foi indemnizado ou reparado.
5 - Quando o titular do direito de indemnização ou da reparação for desconhecido, não for encontrado ou ocorrer outro motivo justificado, considera-se satisfeita a condição referida no n.º 2 se a reparação consistir no pagamento de quantia determinada e o respetivo montante for depositado à ordem do tribunal.”.
E que o aludido despacho foi notificado ao mandatário do recorrente, via CITIUS, em 10/4/2024, e ao arguido/recorrente, no Estabelecimento Prisional Regional ..., onde se encontrava recluso, em 11/4/2024.
Ora, como claramente se extrai dos nºs. 2 e 3 daquele normativo, a condição resolutiva de pagamento da indemnização fixada no acórdão condenatório aos ofendidos BB, CC, DD, EE e FF teria de ser cumprida nos 90 dias imediatos à notificação que para o efeito foi efectuada ao arguido/recorrente, o que comprovadamente não sucedeu.
Efectivamente, o arguido não só não procedeu ao pagamento das indemnizações a que estava adstrito, como tampouco justificou as razões do seu inadimplemento, sendo certo que, ao contrário do que verbera, estava plenamente consciente daquela obrigação.
Não tendo qualquer sustentação a alegação que traz à liça, segundo a qual não conseguiu entrar em contacto com os ofendidos/lesados.
Pois, como é evidente, tendo o arguido mandatário constituído, então facilmente poderia obter nos autos as respectivas moradas, para desse modo encetar junto dos mesmos os pagamentos a que estava adstrito, e que já eram devidos – convém não esquecê-lo – desde pelo menos 16/12/2021, data em que transitou em julgado o acórdão condenatório.
Ademais, a corresponderem à realidade as alegadas dificuldades de contacto com os ofendidos [dificuldades essas que o tribunal a quo não teve, como supra se evidenciou, contrariamente, pois, ao que incorrectamente alega o arguido na conclusão 2], e estando efectivamente o arguido na disposição de proceder ao pagamento das ditas indemnizações, então bastar-lhe-ia proceder ao depósito das respectivas quantias à ordem do tribunal, como expressamente se estipula no nº 5 do citado Artº 8º da Lei nº 38-A/2023, de 2 de Agosto, possibilidade essa que, aliás, constava do despacho de 08/04/2024, que pessoalmente lhe foi notificado.
Porém, o arguido também não seguiu esse caminho, preferindo desprezar totalmente a obrigação que sobre si impendia, e que era condição para validamente poder beneficiar do perdão de um ano de prisão que lhe foi concedido.
Não tendo também base legal a pretensão do arguido no sentido de lhe ser concedido um prazo adicional para pagamento das ditas quantias.
Pois, como bem sublinha a Exma. PGA no seu douto parecer “(...) tal como considerou o Mmº Juiz, o prazo em causa da Lei n.º 38-A/2023, de 02/08 é, inequivocamente, um prazo perenptório, tendo sido opção do legislador estabelecer a impossibilidade de prorrogação do prazo da reparação indemnizatória, com o propósito, manifesto, de conferir alguma proteção aos interesses dos ofendidos dos crimes visados com o perdão da pena.
Assim é que, ao contrário do que aconteceu com outras leis de amnistia, v. g., a anterior Lei 29/99, de 12.05 que, no seu artigo 5º, nº 7 previu a possibilidade de concessão do prazo adicional de 90 dias para a satisfação da condição de reparação, o mesmo não aconteceu na Lei n.º 38-A/2023, de 02/08, não se consignando também aí qualquer critério de proporcionalidade entre o perdão e a obrigação de pagamento aos ofendidos (afectados com as penas a perdoar), não se deixando, assim, ao critério do julgador a ponderação de, por qualquer circunstância, não aplicar o perdão nas situações que reunissem os demais requisitos, além de, como referido, não se estipular, a eventalidade de diferir esse pagamento para momento posterior ao definido no n.º 3 do art.º 8.º.
Como tem sido entendido, de forma pacifica, pela doutrina e pela jurisprudência, as normas que prevêm medidas de clemência como a amnistia e o perdão, como providências de excepção que são, devem ser interpretadas e aplicadas nos seus precisos termos, sem ampliações, restrições ou interpretações, que nelas não sejam expressas.
Assim, se o legislador fez constar, propositadamente, no art.º 8 nºs 2 e 3 da Lei 38/-A/2023 de 2/8 que a condição resolutiva de pagamento da indemnização teria de ser cumprida nos 90 dias imediatos - e esta expressão é clara e elucidativa - à notificação aí prevista, não há qualquer margem de interpretação no sentido defendido pelo recorrente, ou seja, de que é possível a concessão de novo prazo para a demonstração do referido pagamento.”.
Nestas circunstâncias, bem andou o tribunal a quo em revogar o aludido perdão de um ano de prisão, por claro incumprimento, por banda do arguido, da condição prevista no Artº 8º, nºs. 2 e 3, da Lei nº 38-A/2023 de 2 de Agosto.
E não se alegue que, ao ver resolvido um perdão com base na falta de pagamento de alguém recluso, que não teve forma de contactar os ofendidos de forma a agilizar os pagamentos, a que acresce a sua precária situação económica, o tribunal a quo violou o princípio da igualdade, previsto no Artº 13º, da Constituição da República Portuguesa.
Com efeito, para além de não estar minimamente comprovada a alegada impossibilidade de contacto do recorrente com os ofendidos, nem tampouco a alegada precária situação económica [irrelevante para o efeito], há que sublinhar que aquele diploma legal, consubstanciado na Lei nº 38-A/2023, de 2 de Agosto, reveste carácter geral e abstracto, pois que se aplica a todos os arguidos que se encontrem na situação ali descrita, ou seja, em número indeterminado, e a delimitação do respectivo âmbito de aplicação, designadamente a condição a que alude o Artº 8º, nº 2, está devidamente justificada, não se mostrando irrazoável, arbitrária e/ou violadora de qualquer princípio constitucional, maxime do princípio da igualdade, ínsito no Artº 13º da nossa lei fundamental.
Como decidiu este TRG no acórdão de 09/01/2024, proferido no âmbito do Proc. nº 75/20.6GCGMR-K.G, disponível inwww.dgsi.pt, aliás citado no despacho recorrido, (...) uma lei de amnistia que condiciona o perdão ao pagamento da indemnização em que o arguido já havia sido condenado a pagar dentro de certo período de tempo não viola a nosso ver [...] o princípio da igualdade porquanto a norma em causa visa um universo de arguidos nas mesmas condições (terem sido condenados também no pagamento de uma indemnização) e visa salvaguardar os legítimos e concorrentes interesses das vítimas.”.
Sucede que “(...) as leis de amnistia e perdão, bem como de indulto, são [...] leis excepcionais que se inserem numa prerrogativa do Estado, as chamadas leis de graça.
Como leis excepcionais que são, podem ser condicionadas pelo legislador que, procurando prosseguir em determinado momento, por ocasião, por exemplo, da vinda de um Papa a Portugal, ou em virtude das Jornadas Mundiais de Juventude, aliviar certos condenados, contudo não pode esquecer-se dos fins das penas e dos princípios do sistema penal implementado.
Ora, essa prorrogativa traduz uma benesse – uma graça – concedida ao condenado que não pode ser concretizada a qualquer custo, mas, antes, deve ser mitigada com os interesses das vítimas, bem como da política criminal vigente, mormente no que tange às exigências de prevenção especial pois, se o perdão levar a que, no futuro, o arguido entenda ser possível continuar numa vida dedicada ao crime porque, na prática, “o crime compensa” pois nem sequer teve de ressarcir o ofendido para poder beneficiar do perdão, então esse perdão não está conforme com os princípios basilares e estruturantes do sistema penal português ”.
Nesta linha de pensamento, entendemos que a sujeição da concessão do perdão à condição resolutiva de pagamento aos ofendidos da indemnização em que o arguido foi também condenado, dentro de certo prazo, não contende com qualquer direito, liberdade ou garantia fundamental de que o mesmo seja titular, não constituindo uma “opressão desnecessária” do seu direito à liberdade, como alega.
Sendo certo que, como lapidarmente afirmou o Tribunal Constitucional no acórdão nº 488/2008, de 07/10/2008 [5] - na apreciação de um caso em que estava em causa a aplicação da lei da amnistia de 1999 [Lei nº 29/99, de 12 de Maio], em cujo Artº 5º se previa uma condição resolutiva similar à ora em apreciação -, “Cabe na discricionariedade normativa do legislador ordinário eleger, quer a medida do perdão de penas – o quantum do perdão –, quer, em princípio, as espécies de crimes ou infracções a que diga respeito a pena aplicada e perdoada, quer a sujeição ou não a condições, desde que o faça de forma geral e abstracta, para todas as pessoas e situações nela enquadráveis.”.
Consequentemente, sem necessidade de outras considerações, por desnecessárias, concluímos não se mostrar violada nenhuma das normas e/ou princípios legais e/ou constitucionais invocados pelo recorrente AA, nem quaisquer outros.
Pelo que, nenhuma censura nos merecendo o douto despacho recorrido, que se confirma, improcede totalmente o presente recurso.
III. DISPOSITIVO
Por tudo o exposto, acordam os Juízes da Secção Criminal deste Tribunal da Relação de Guimarães em negar provimento ao recurso interposto pelo arguido AA, confirmando-se, consequentemente, o despacho recorrido.
Custas pelo arguido/recorrente, fixando-se em 4 (quatro) UC a taxa de justiça (Artºs. 513º e 514º do C.P.Penal, 1º, 2º, 3º, 8º, nº 9, do Reg. Custas Processuais, e Tabela III anexa ao mesmo).
(Acórdão elaborado pelo relator, e por ele integralmente revisto, com recurso a meios informáticos, contendo na primeira página as assinaturas electrónicas certificadas dos signatários – Artºs. 94º, nº 2, do C.P.Penal, e 19º, da Portaria nº 280/2013, de 26 de Agosto).
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Guimarães, 27 de Maio de 2025
Os Juízes Desembargadores:
António Teixeira (Relator)
Cristina Xavier da Fonseca (1ª Adjunta)
Anabela Varizo Martins (2ª Adjunta)
[1] Todas as transcrições a seguir efectuadas estão em conformidade com o texto original, ressalvando-se a correcção de erros ou lapsos de escrita manifestos, da formatação do texto e da ortografia utilizada, da responsabilidade do relator. [2] Cfr., neste sentido, o Prof. Germano Marques da Silva, in “Direito Processual Penal Português - Do Procedimento (Marcha do Processo) ”, Vol. 3, Universidade Católica Editora, 2015, pág. 334 e sgts., e o Acórdão de Fixação de Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça nº 7/95 de 19/10/1995, publicado no DR, Série I-A, de 28/12/1995, em interpretação que ainda hoje mantém actualidade. [3] Quer o presente Apenso recursório, quer os autos principais, aos quais tivemos acesso electronicamente. [4] Terminologia que adoptaremos doravante, quando pretendermos fazer menção ao processo principal, a fim de se evitar qualquer confusão com o processo relativo ao recurso propriamente dito. [5] Disponível inhttps://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20080488.html.