INSTRUÇÃO
INDEFERIMENTO DE DILIGÊNCIAS DE PROVA
NULIDADE DE INSUFICIÊNCIA DE INSTRUÇÃO
DECISÃO INSTRUTÓRIA
VÍCIOS DECISÓRIOS
ERRO DE JULGAMENTO
INDÍCIOS SUFICIENTES
Sumário


I. A reação à matéria de facto indiciada/não indiciada em sede de instrução só poderá ser efetuada à luz da análise dos indícios existentes/inexistentes nos autos e não dos vícios decisórios ou do erro de julgamento.
II. A reclamação é o meio legal para reagir contra o despacho de indeferimento do pedido de realização de diligências de prova em sede de instrução. Sendo o despacho que a decide irrecorrível, não pode posteriormente ser sindicado em sede de recurso da decisão instrutória.
III. Só a falta de instrução (ou de inquérito) constitui a nulidade insanável ínsita no artigo 119º, alínea d), do Código de Processo Penal, e tal situação só se verifica perante inexistência de facto ou de direito daquela fase processual o que não é de todo o que ocorre quando a fase da instrução foi aberta, nesta se procedeu ao debate instrutório e durante a mesma foram efetuadas diligências de prova, pese embora não todas aquelas que a assistente pretendia.

Texto Integral


Acordaram, em conferência, na Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães:

I- RELATÓRIO

I.1 No âmbito do processo n.º 126/22.0T9PRG, que corre termos no Tribunal Judicial da Comarca de Vila Real, Juízo Local Criminal de Peso da Régua, a 22 de novembro de 2024, foi proferida decisão instrutória, que se passa a transcrever, no que aqui releva [transcrição]:
“(…)
DESPACHO
Declara-se encerrada a instrução.

****
RELATÓRIO
O Ministério Público proferiu despacho de arquivamento contra as arguidas AA e BB, com os fundamentos expostos no despacho sob a ref. ...59, que aqui se dão por integralmente reproduzidos.
*
A assistente, na sequência da notificação do despacho proferido em 22.05.2024 (ref. ...28), do qual consta, além do mais, que «(…) uma vez que foram denunciados factos passíveis de consubstanciar a prática de um crime de injúria, ilícito de natureza particular em relação ao qual carece o Ministério Público de legitimidade para o exercício da acção penal, notifique a Assistente CC e, bem assim, a Ilustre mandatária, nos termos e para os efeitos do artigo 285.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, mencionando, que atendendo ao juízo supra expendido, não foram recolhidos indícios da prática de tal ilícito», deduziu, além do mais, acusação particular, ao abrigo do disposto no artigo 285.º do Código de Processo Penal (doravante CPP) (ref. ...07) contra as arguidas AA e BB, imputando, a cada uma, a prática «em autoria material e na forma consumada, na prática de um crime de ameaça, um crime de coação, perseguição, difamação, publicidade e calúnia, violação de domicilio ou da vida privada, introdução em lugar vedado ao público, devassa da vida privada, gravações e fotografias ilícitas, usurpação de funções e violação de domicilio por funcionário e abuso de poder, previstos e punidos pelos artigos 153° n° 1, 154° n°1, 154°A n°1 155° n°1 al. d), 190° n° 1 e 2, 191º, 192 n° 1 al. b), 358 n°1 al. b), 378° e 382°, todos do Código Penal, violando ainda o disposto no art° 26 n°1 da CRP e art° 70° e 80 ambos do CC.».
*
Não se conformando com despacho de arquivamento, veio a assistente CC, requerer a abertura de instrução, ao abrigo do disposto no artigo 287.º, n.º 1, alínea b), do CPP, com os fundamentos expostos no requerimento sob a ref. ...23, que aqui se dão por integralmente reproduzidos, alegando, em síntese, que existem indícios suficientes da prática pelas arguidas AA e BB «em concurso real e como autora material e na forma consumada cada uma delas um crime de ameaça, um crime de coação, um crime de perseguição, um crime de violação de domicilio ou da vida privada, introdução em lugar vedado ao público, devassa da vida privada, gravações e fotografias ilícitas, usurpação de funções e violação de domicilio por funcionário e abuso de poder, previstos e punidos respetivamente pelos artigos 153° n° 1, 154° n°1, 154°A n°1 155° n°1 al. d), 190° n° 1 e 2, 191°, 192 n° 1 al. b), 358 n°1 al. b), 378° e 382°, todos do Código Penal.».
Conclui, pugnando pela prolação de despacho de pronúncia.
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Não se conformando com a acusação particular, vieram as arguidas requerer a abertura de instrução (ref. ...30), ao abrigo do disposto no artigo 287.º, n.º 1, alínea a), do CPP.
Para tanto, alegam, em síntese, que a assistente não possui legitimidade para deduzir acusação por crimes de natureza semi pública e/ou pública e, no que concerne aos crimes de difamação, publicidade e calúnia (sobres os quais a assistente possui legitimidade para deduzir acusação particular), refere que não resulta da acusação particular qualquer facto menos próprio que qualquer das arguidas tenha dirigido a terceiro, referindo-se à assistente, porquanto limitaram-se a pedir informações, não a fazer imputações.
Concluem, pugnando pela prolação de despacho de não pronúncia.
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Foram declaradas abertas as instruções requeridas pelas arguidas e pela assistente, admitida a tomada de declarações à assistente e às arguidas e indeferida a demais prova requerida pelos sujeitos processuais.  
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Não se tendo vislumbrado qualquer ato instrutório cuja prática revestisse interesse para a descoberta da verdade, realizou-se o debate instrutório, o qual decorreu em conformidade com o disposto nos artigos 298.º, 301.º e 302.º, todos do Código de Processo Penal.
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O Tribunal é competente.
O Ministério Público tem legitimidade para a ação penal.

Da falta de legitimidade do assistente (ref. ...07)
As arguidas, na sequência da acusação particular deduzida pela assistente CC, requereram abertura de instrução, na qual, alegam, além do mais, que a assistente não possui legitimidade para deduzir acusação particular por crimes de natureza semi pública e/ou pública.
Compulsada a acusação particular constata-se que a assistente CC deduz acusação particular contra as arguidas pela prática dos seguintes crimes: «um crime de ameaça, um crime de coação, perseguição, difamação, publicidade e calúnia, violação de domicilio ou da vida privada, introdução em lugar vedado ao público, devassa da vida privada, gravações e fotografias ilícitas, usurpação de funções e violação de domicilio por funcionário e abuso de poder, previstos e punidos pelos artigos 153° n° 1, 154° n°1, 154°A n°1 155° n°1 al. d), 190° n° 1 e 2, 191º, 192 n° 1 al. b), 358 n°1 al. b), 378° e 382°, todos do Código Penal, violando ainda o disposto no art° 26 n°1 da CRP e art° 70° e 80 ambos do CC.».
Ora, com exceção dos crimes de difamação e de publicidade e calúnia, os demais tipos de ilícitos imputados pela assistente CC às arguidas revestem natureza semi pública e/ou pública (ameaça – artigo 153.º, n.º 2, do CP; coação – artigo 154.º do CP; perseguição – artigo 154.º-A, n.º 5, do CP; violação de domicílio ou da vida privada – artigo 190.º a 198.º do CP; introdução em lugar vedado ao público – artigo 191.º e 198.º do CP; devassa da vida privada – artigo 192.º e 198.º do CP; gravações e fotografias ilícitas – artigo 199.º, n.º 3 e 198.º do CP; usurpação de funções – 358.º do CP; violação de domicílio por funcionário – 378.º do CP; e abuso de poder – artigo 382.º do CP), o que significa que a legitimidade para a dedução de acusação a seu respeito compete exclusivamente ao Ministério Público (artigos 48.º e 49.º do CPP).
Assim, carece a assistente de legitimidade para deduzir acusação contra as arguidas pela prática dos crimes de ameaça, coação, perseguição, violação de domicílio ou da vida privada, introdução em lugar vedado ao público, devassa da vida privada, gravações e fotografias ilícitas, usurpação de funções, violação de domicílio por funcionário e de abuso de poder.
Deste modo, impõe-se, no que respeita aos referidos crimes, a prolação de despacho de pronúncia, por falta de legitimidade da assistente para deduzir acusação particular.
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Não existem nulidades, exceções ou outras questões prévias ou incidentais de que cumpra conhecer e que obstem à apreciação do mérito da causa (artigo 308.º, n.º 3, do CPP).
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A instrução é uma fase opcional do processo penal, dependente de requerimento do arguido ou do assistente, que tem como escopo a comprovação judicial da decisão de deduzir acusação ou de arquivar o inquérito, de molde a submeter ou não a causa a julgamento (artigos 286.º, n.ºs 1 e 2, e 287.º do CPP), não consubstanciando, pois, um alargamento da investigação realizada em sede de inquérito.
Concluídas as diligências instrutórias, o juiz profere despacho de pronúncia ou não pronúncia do arguido conforme, até ao encerramento da instrução, hajam sido recolhidos indícios suficientes de se terem verificado os pressupostos de que depende a aplicação ao mesmo de uma pena ou de uma medida de segurança (artigo 308.º, n.º 1, do CPP). Hodiernamente, desde que verificados os respetivos pressupostos e obtida a concordância dos sujeitos processuais, nomeadamente a do Ministério Público, é possível determinar a suspensão provisória do processo (arts. 307.º, n.º 2, e 281.º do CPP).
Como suporte da não pronúncia do arguido, para além da insuficiência de indícios necessariamente traduzida na inexistência de factos, na sua não punibilidade, na ausência de responsabilidade ou na insuficiência da prova para a pronúncia, poderão estar ainda motivos de ordem processual, ou seja, a inadmissibilidade legal do procedimento ou vício de ato processual. Já no que toca ao despacho de pronúncia, a sustentação deverá buscar-se na suficiência dos indícios.
O artigo 283.º, n.º 2, do CPP (ex vi do artigo 308.º, n.º 2, do CPP), refere que os indícios, isto é, o conjunto de provas, diretas ou indiretas, recolhidas no inquérito e na instrução, consideram-se suficientes sempre que deles resultar uma possibilidade razoável de ao arguido vir a ser aplicada, por força deles, em julgamento, uma pena ou uma medida de segurança.
Nesta medida, não se visa, na instrução, «alcançar a demonstração da realidade dos factos, antes e tão só indícios, sinais de que o crime foi eventualmente cometido por determinado arguido» (cf. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, Verbo, 3.ª Edição, 2009, p. 182. ), ou seja, deve o despacho ser de pronúncia quando o juiz se convença da maior probabilidade do cometimento do crime pelo o arguido, do que a situação oposta.
Deste modo, «a lei não exige a prova, no sentido da certeza moral da infração, bastando-se com indícios da sua prática, de onde se possa formar a convicção de que existe uma probabilidade razoável de ter sido um crime cometido pelo arguido», sendo que os indícios são suficientes «sempre que deles resultar uma probabilidade razoável de ao arguido vir a ser aplicada, por força deles, em julgamento, uma pena ou medida de segurança» (cf. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 18.06.2008, processo n.º 06P2050, disponível para consulta em www.dgsi.pt).
Desta forma, para existir uma pronúncia não se exige a certeza da existência do ilícito imputado, mas devem os factos indiciários ser suficientes e bastantes, de modo que, logicamente relacionados e conjugados, permitam formar um juízo de culpabilidade do arguido, afigurando-se mais provável a prática do crime, do que o contrário.
Ora, para aferir da existência dos referidos indícios, necessário se torna, por um lado, analisar todo o material probatório já recolhido e, por outro, atender às disposições legais que regulam os crimes em questão, para concluir se tais indícios permitem o preenchimento dos elementos do tipo legal.
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Posto isto, cumpre aplicar os referidos princípios ao caso em apreço, notando-se que o objeto da presente instrução está delimitado pelo requerimento de abertura de instrução, sem prejuízo da faculdade da alteração não substancial dos factos e da alteração da qualificação jurídica, prevista no artigo 303.º, n.ºs 1 e 5, do Código de Processo Penal.
Assim, a presente decisão instrutória tem como finalidade o apuramento, em face dos elementos de prova recolhidos no inquérito e na instrução, da verificação ou não de indícios suficientes da prática, pelas arguidas, em autoria material, dos crimes que lhe são imputados pela assistente em sede de acusação particular (aqui apenas em relação aos crimes de difamação e de publicidade e calúnia – uma vez que quanto aos demais a assistente carece de legitimidade, tal como supra  referido) e de requerimento de abertura de instrução.
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Com interesse para a decisão instrutória (quer dos factos constantes na acusação particular, quer do requerimento de abertura de instrução, ambos deduzidos pela assistente CC), inexistem factos suficientemente indiciados.
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Com interesse para a decisão instrutória, consideram-se não indiciados todos os factos constantes na acusação particular (relativos aos eventuais crimes de difamação e de publicidade e calúnia) e no requerimento de abertura de instrução (mais concretamente os pontos 17.º a 40.º, isto é, os factos de onde consta a acusação imputada pela assistente em relação às arguidas, porquanto ao demais factos ou são conclusivos (em termos factuais ou por encerrarem questões de Direito ou adjetivações), ou são irrelevantes para a decisão.
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da apreciação da suficiente indiciação
Compulsados os autos e analisada toda a prova produzida em sede de inquérito e em instrução, adiante-se, desde já, que se entende que não existem indícios suficientes da prática pelas arguidas dos crimes que lhe são imputados pela assistente, quer na acusação particular (aqui apenas e só em relação aos crimes de difamação e de publicidade e calúnia, porquanto quanto aos demais crimes imputados a assistente carece de legitimidade para deduzir acusação particular, conforme suprarreferido), quer no requerimento de abertura de instrução.
Com efeito, as arguidas AA e BB, técnicas da Segurança Social, prestaram declarações de forma escorreita, clara e precisa, esclarecendo as circunstâncias de tempo, modo e lugar, onde se deslocaram, o porquê de o terem feito, onde lograram obter a informação, objetivo da deslocação, modo como obtiveram a informação onde residia a assistente, diligências levadas a efeito quando chegaram ao local (tentaram contactar a assistente). Posteriormente, na sequência de contacto telefónico, referiram que ficou acordada a hora a que a visita ocorreria, esclareceram a que horas chegaram ao local, que aí não se encontrava a assistente CC e que após, uma vez que não conseguiram lograr contacto com aquela, identificaram-se junto do pai desta (DD) como técnicas da Segurança Social, explicando o motivo da visita e que pretendiam visualizar as condições habitacionais, ao que este anuiu quer a entrada no logradouro da habitação, quer a entrada na própria habitação.
Após a conclusão da visita, e quando já se deslocavam para as instalações da Segurança Social, visualizaram a assistente a regressar no táxi, o que fez com que regressassem à habitação de modo a falar com a assistente CC. Aí deram nota do local onde permaneceram e que a dada altura chega ao local uma patrulha da GNR.
Primariamente, cumpre salientar que o tribunal não pode olvidar, além do mais, do escopo da presente diligência, designadamente elaboração de relatórios para que o tribunal se encontre munidos de elementos que permitam tomar decisões no âmbito do processo de promoção e proteção que corre termos no Juízo de Família e Menores de Vila Real.
Acresce que, analisados todos os depoimentos, verifica-se que apenas possuem conhecimento direto dos factos que permitem a imputação da alegada conduta delituosa, a testemunha DD, a assistente CC e as arguidas, porquanto os demais depoimentos resultam, em síntese, do que lhes foi transmitido por terceiros ou, no que concerne à testemunha EE (inquirido a fls. 123 a 124), militar da Guarda Nacional Republicana, esta apenas transmite o que ocorreu aquando da sua deslocação enquanto se encontrava em exercício de funções (vide  relatório de serviço de fls. 58 a 59). Importa destacar que no relatório de serviço elaborado o que consta é que, alegadamente, havia sido denunciado que duas técnicas da Segurança Social tinham entrada na habitação sem autorização.
Ora, ao arrepio do alegado pela testemunha DD (inquirido a fls. 41 a 43), se efetivamente as arguidas se tivessem intitulado como funcionárias do Tribunal, não se descortina como é que, sendo o único que havia presenciado tal facto, não transmitiu à sua filha, a aqui assistente que, por sua vez, ligou à sua mãe, de nome FF para este ligar para a GNR, não tinha referido que eram funcionárias do Tribunal, mas sim técnicas da Segurança Social, tal como consta do relatório de serviço de fls. 58 a 59.
Ademais, cumpre referir que a arguida AA nega que em momento algum tenha apelidado a assistente de mentirosa, factualidade que apenas é referida pela própria assistente.
A assistente prestou declarações em sede de instrução que não se afiguraram credíveis e claras e que se encontram totalmente infirmadas pelas declarações prestadas pelas arguidas AA e BB.
Com efeito, veja-se a título de exemplo, apesar de a assistente ter referido que não residia na casa dos seus pais (local onde se realizou a visita), não descortina o tribunal a razão pela qual aquela, após regressar do hospital, tenha regressado para a casa dos seus pais e já não para a sua habitação. Não podemos olvidar que no decurso das suas declarações a assistente admitiu que atualmente reside num anexo da habitação dos seus pais.
Acresce referir que, resulta da ata de conferência, realizada a 12.07.2022 (vide certidão de fls. 110 a 120), que, pela técnica gestora do processo (a aqui arguida AA) foi referido que o relatório junto ao processo de promoção e proteção se encontrava desatualizado e, nessa sequência, o Ministério Público promoveu «que se notifique a Segurança Social, para com a maior brevidade possível, elabore e remeta aos autos relatório social sobre a situação da menor, agregado familiar, bem como sobre a situação do progenitor e seu agregado familiar, nomeadamente os avós paternos» - vide fls. 119 verso, o que veio a ser deferido pela Meritíssima Juiz que presidiu à diligência – vide fls. 120, o que vem corroborar a versão trazida aos autos pela arguida AA. Deste modo, teria, naturalmente, de ser elaborado relatório social da situação da menor e do seu agregado familiar.
No que concerne aos alegados registos fotográfico ou de áudio, conforme alega a testemunha DD (fls. 40 a 42), facto negando perentoriamente pelas arguidas, não merece credibilidade a versão apresentada pela testemunha DD.
Com efeito, a existirem os referidos registos áudio e fotografias, porque razão não foram os mesmos juntos aos autos no relatório elaborado pela técnica gestora e constante de fls. 74 a 75? Ademais, em regra, nos referidos relatórios não costumam ter registos fotográficos e/ou de áudio.
Importa ainda salientar que a assistente refere que era intenção das arguidas prejudicá-la. A ser assim, conforme bem salientou a Digna Magistrada do Ministério Público no despacho de arquivamento, bastaria aquelas fazer constar a impossibilidade de efetuar o relatório, por falta de colaboração com a assistente.
Porém, resulta dos autos coisa diversa, isto é, as arguidas encetaram diligências para proceder à elaboração do relatório solicitado pelo Tribunal tendo, inclusive, após terem realizado a visita e quando já regressavam para a Segurança Social, visualizado a assistente, facto que determinou que regressassem à habitação de modo a elaborarem o relatório de forma mais completa.
Cumpre aqui salientar que se afigura irrelevante o facto de as arguidas terem referido que o táxi onde seguida a assistente ser conduzido por um homem e a assistente asseverar que era por uma mulher, porquanto resulta das regras da normalidade social e da experiência comum que as pessoas não retêm todas memórias idênticas dos factos, as quais dependem desde logo da posição que ocupam relativamente aos mesmos e do que cada um avalia como mais ou menos impressivo.
Por fim, cumpre referir que também não se coaduna com as regras da experiencia comum e do bom senso que as arguidas já  após a realização da visita à habitação – que segundo as próprias foi consentida pelo pai da assistente, DD – após visualizarem aquela, tenham regressado à habitação de modo a completar o relatório.
Ora, após a leitura de toda a prova carreada para os autos (participação criminal de fls. 5 a 6; interrogatório das arguidas de fls. 21 e 24; inquirição da assistente de fls. 35 a 37; inquirição de DD, de fls. 41 a 43; inquirição de FF, de fls. 45 a 47; inquirição de GG, de fls. 49 a 50; relatório de serviço, de fls. 58 a 59; certidão de fls. 63 a 98; interrogatório da arguida AA, de fls. 108 a 110; certidão de fls. 110 a 120; inquirição de EE, de fls. 123 a 124, concatenada com as declarações prestadas pelas arguidas e pela assistente), não subsistem quaisquer dúvidas ao tribunal de que não existem indícios suficientes da prática pelas arguidas dos factos que são imputados.
Os factos relativos aos elementos subjetivos dados como não indiciados resultaram da circunstância de se dar como não indiciada a factualidade objetiva.
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da qualificação jurídico penal
Vejamos os tipos legais dos crimes imputados pela assistente às arguidas.
A assistente, na acusação particular deduzida (com exceção dos crimes de natureza semi pública e pública relativamente aos quais carece de legitimidade), imputa às arguidas, a prática, por cada, de um crime de difamação e um crime de publicidade e calúnia
A assistente, no requerimento de abertura de instrução, imputa às arguidas a prática, por cada, em concurso real, como autoras materiais, de um crime de ameaça, um crime de coação, um crime de perseguição, um crime de violação de domicilio ou da vida privada, introdução em lugar vedado ao público, devassa da vida privada, gravações e fotografias ilícitas, usurpação de funções, violação de domicilio por funcionário e abuso de poder.

Vejamos os tipos legais.

Dos crimes imputados pela assistente na acusação particular:

Dispõe o artigo 180.º do Código Penal, sob a epígrafe «Difamação», que:
«1 - Quem, dirigindo-se a terceiro, imputar a outra pessoa, mesmo sob a forma de suspeita, um facto, ou formular sobre ela um juízo, ofensivos da sua honra ou consideração, ou reproduzir uma tal imputação ou juízo, é punido com pena de prisão até 6 meses ou com pena de multa até 240 dias.
2 - A conduta não é punível quando:
a) A imputação for feita para realizar interesses legítimos; e
b) O agente provar a verdade da mesma imputação ou tiver tido fundamento sério para, em boa fé, a reputar verdadeira.
3 - Sem prejuízo do disposto nas alíneas b), c) e d) do n.º 2 do artigo 31.º, o disposto no número anterior não se aplica quando se tratar da imputação de facto relativo à intimidade da vida privada e familiar.
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Por sua vez, estabelece o artigo 183.º do Código Penal, sob a epígrafe «Publicidade e Calúnia», que:
«1 - Se no caso dos crimes previstos nos artigos 180.º, 181.º e 182.º:
a) A ofensa for praticada através de meios ou em circunstâncias que facilitem a sua divulgação; ou,
b) Tratando-se da imputação de factos, se averiguar que o agente conhecia a falsidade da imputação;
as penas da difamação ou da injúria são elevadas de um terço nos seus limites mínimo e máximo.
2 - Se o crime for cometido através de meio de comunicação social, o agente é punido com pena de prisão até 2 anos ou com pena de multa não inferior a 120 dias.».
Volvendo ao caso em apreço, deram-se como não indiciados todos os factos constantes na acusação particular relativos aos crimes de difamação e de publicidade e calúnias pelo que, sem necessidade de mais considerandos, não se encontram preenchidos os elementos objetivos e subjetivos dos tipos suprarreferidos, impondo-se, nessa medida, a prolação de despacho de não pronúncia.
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Dos crimes imputados pela assistente no requerimento de abertura de instrução:
Dispõe o artigo 153.º, n.º 1, do Código Penal, sob a epígrafe «Ameaça» que, «Quem ameaçar outra pessoa com a prática de crime contra a vida, a integridade física, a liberdade pessoal, a liberdade e autodeterminação sexual ou bens patrimoniais de considerável valor, de forma adequada a provocar-lhe medo ou inquietação ou a prejudicar a sua liberdade de determinação, é punido com pena de prisão até um ano ou com pena de multa até 120 dias.».
*
Estabelece o artigo 154.º do Código Penal, sob a epígrafe «Coacção» que:
«1 - Quem, por meio de violência ou de ameaça com mal importante, constranger outra pessoa a uma acção ou omissão, ou a suportar uma actividade, é punido com pena de prisão até três anos ou com pena de multa.
2 - A tentativa é punível.
3 - O facto não é punível:
a) Se a utilização do meio para atingir o fim visado não for censurável; ou
b) Se visar evitar suicídio ou a prática de facto ilícito típico.
4 - Se o facto tiver lugar entre cônjuges, ascendentes e descendentes, adoptantes e adoptados, ou entre pessoas, de outro ou do mesmo sexo, que vivam em situação análoga à dos cônjuges, o procedimento criminal depende de queixa.».
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Nos termos do artigo 154.º-A, do Código Penal, sob a epígrafe «Perseguição»:
«1 - Quem, de modo reiterado, perseguir ou assediar outra pessoa, por qualquer meio, direta ou indiretamente, de forma adequada a provocar-lhe medo ou inquietação ou a prejudicar a sua liberdade de determinação, é punido com pena de prisão até 3 anos ou pena de multa, se pena mais grave não lhe couber por força de outra disposição legal.
2 - A tentativa é punível.
3 - Nos casos previstos no n.º 1, podem ser aplicadas ao arguido as penas acessórias de proibição de contacto com a vítima pelo período de 6 meses a 3 anos e de obrigação de frequência de programas específicos de prevenção de condutas típicas da perseguição.
4 - A pena acessória de proibição de contacto com a vítima deve incluir o afastamento da residência ou do local de trabalho desta e o seu cumprimento deve ser fiscalizado por meios técnicos de controlo à distância.
5 - O procedimento criminal depende de queixa.».
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Vaticina o artigo 190.º do Código Penal, sob a epígrafe «Violação de domicílio ou perturbação da vida privada», que:
«1 - Quem, sem consentimento, se introduzir na habitação de outra pessoa ou nela permanecer depois de intimado a retirar-se é punido com pena de prisão até um ano ou com pena de multa até 240 dias.
2 - Na mesma pena incorre quem, com intenção de perturbar a vida privada, a paz e o sossego de outra pessoa, telefonar para a sua habitação ou para o seu telemóvel.
3 - Se o crime previsto no n.º 1 for cometido de noite ou em lugar ermo, por meio de violência ou ameaça de violência, com uso de arma ou por meio de arrombamento, escalamento ou chave falsa, ou por três ou mais pessoas, o agente é punido com pena de prisão até três anos ou com pena de multa.».
*
Por sua vez, o artigo 191.º do Código Penal, sob a epígrafe «Introdução em lugar vedado ao público», refere que:
«Quem, sem consentimento ou autorização de quem de direito, entrar ou permanecer em pátios, jardins ou espaços vedados anexos a habitação, em barcos ou outros meios de transporte, em lugar vedado e destinado a serviço ou a empresa públicos, a serviço de transporte ou ao exercício de profissões ou actividades, ou em qualquer outro lugar vedado e não livremente acessível ao público, é punido com pena de prisão até 3 meses ou com pena de multa até 60 dias.».
*
Estabelece o artigo 192.º do Código Penal, sob a epígrafe «Devassa da vida privada», que:
«1 - Quem, sem consentimento e com intenção de devassar a vida privada das pessoas, designadamente a intimidade da vida familiar ou sexual:
a) Interceptar, gravar, registar, utilizar, transmitir ou divulgar conversa, comunicação telefónica, mensagens de correio electrónico ou facturação detalhada;
b) Captar, fotografar, filmar, registar ou divulgar imagem das pessoas ou de objectos ou espaços íntimos;
c) Observar ou escutar às ocultas pessoas que se encontrem em lugar privado; ou
d) Divulgar factos relativos à vida privada ou a doença grave de outra pessoa;
é punido, no caso das alíneas a) e c), com pena de prisão até 1 ano ou pena de multa até 240 dias e, no caso das alíneas b) e d), com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa.
2 - O facto previsto na alínea d) do número anterior não é punível quando for praticado como meio adequado para realizar um interesse público legítimo e relevante.».
*
De acordo com o disposto no artigo 199.º do Código Penal, sob a epígrafe «Gravações e fotografias ilícitas»:
«1 - Quem sem consentimento:
a) Gravar palavras proferidas por outra pessoa e não destinadas ao público, mesmo que lhe sejam dirigidas; ou
b) Utilizar ou permitir que se utilizem as gravações referidas na alínea anterior, mesmo que licitamente produzidas;
é punido com pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa até 240 dias.
2 - Na mesma pena incorre quem, contra vontade:
a) Fotografar ou filmar outra pessoa, mesmo em eventos em que tenha legitimamente participado; ou
b) Utilizar ou permitir que se utilizem fotografias ou filmes referidos na alínea anterior, mesmo que licitamente obtidos.
3 - É correspondentemente aplicável o disposto nos artigos 197.º e 198.º».
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Estabelece o artigo 358.º do Código Penal, sob a epígrafe «Usurpação de funções», que:
«Quem:
a) Sem para tal estar autorizado, exercer funções ou praticar actos próprios de funcionário, de comando militar ou de força de segurança pública, arrogando-se, expressa ou tacitamente, essa qualidade;
b) Exercer profissão ou praticar acto próprio de uma profissão para a qual a lei exige título ou preenchimento de certas condições, arrogando-se, expressa ou tacitamente, possuí-lo ou preenchê-las, quando o não possui ou não as preenche; ou
c) Continuar no exercício de funções públicas, depois de lhe ter sido oficialmente notificada demissão ou suspensão de funções;
é punido com pena de prisão até 2 anos ou com pena de multa até 240 dias.».
*
Nos termos do disposto no artigo 378.º do Código Penal, sob a epígrafe «Violação de domicílio por funcionário»:
«O funcionário que, abusando dos poderes inerentes às suas funções, praticar o crime previsto no n.º 1 do artigo 190.º, ou violar o domicílio profissional de quem, pela natureza da sua actividade, estiver vinculado ao dever de sigilo, é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa.».
*
Por fim, estabelece o artigo 382.º do Código Penal, sob a epígrafe «Abuso de poder», que:
«O funcionário que, fora dos casos previstos nos artigos anteriores, abusar de poderes ou violar deveres inerentes às suas funções, com intenção de obter, para si ou para terceiro, benefício ilegítimo ou causar prejuízo a outra pessoa, é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa, se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal.».
Volvendo ao caso em apreço, deram-se como não indiciados todos os factos constantes no requerimento de abertura de instrução (mais concretamente os pontos 17.º a 40.º, isto é, os factos de onde consta a acusação deduzida pela assistente contra as arguidas, pelo que, sem necessidade de mais considerandos, não se encontram preenchidos os elementos objetivos e subjetivos dos tipos de ilícitos suprarreferidos, impondo-se, nessa medida, a prolação de despacho de não pronúncia.
(…)
decisão
Pelo exposto, decide-se, ao abrigo dos artigos 307.º e 308.º do Código de Processo Penal:
No que respeita aos factos constante na acusação particular deduzida pela assistente CC:
a) Declarar que a assistente CC carece de legitimidade para deduzir acusação particular contra as arguidas pela prática dos crimes de ameaça, coação, perseguição, violação de domicílio ou da vida privada, introdução em lugar vedado ao público, devassa da vida privada, gravações e fotografias ilícitas, usurpação de funções, violação de domicílio por funcionário e de abuso de poder;
b) Não Pronunciar as arguidas AA e BB, da prática, cada uma, de um crime de difamação e de publicidade e calúnia, previstos e punidos pelos artigos 180.º e 183.º, ambos do Código Penal.
*
No que respeita aos factos constante no requerimento de abertura de instrução deduzida pela assistente CC:
a) Não Pronunciar as arguidas AA e BB, da prática, cada uma, em coautoria material e na forma consumada, de:
- um crime de ameaça, previsto e punido 153.º do Código Penal;
-um crime de coação, previsto e punido pelo artigo 154.º do Código Penal;
- um crime de perseguição, previsto e punido 154.º-A, do Código Penal;
- um crime de violação de domicílio ou perturbação da vida, previsto e punido 190.º, do Código Penal;
- um crime de introdução em lugar vedado ao público, previsto e punido 191.º, do Código Penal;
- um crime de devassa da vida privada, previsto e punido 192.º, do Código Penal;
- um crime de gravações e fotografias ilícitas, previsto e punido 199.º, do Código Penal;
- um crime de usurpação de funções, previsto e punido 358.º, do Código Penal;
- um crime de violação de domicílio por funcionário, previsto e punido 378.º, do Código Penal;
- um crime de abuso de poder, previsto e punido 382.º, do Código Penal.
*
(…)
Oportunamente, arquive.”.
(…)”.

I.2 Recurso da decisão

Inconformada com tal decisão, dela interpôs recurso, para este Tribunal da Relação, a assistente CC, com os fundamentos expressos na respetiva motivação, da qual extraiu as seguintes conclusões [transcrição]:

 “(…)
1 – Vem o presente recurso interposto da douta Decisão Instrutória que decidiu não pronunciar as arguidas AA e BB, pela prática, em autoria material e em concurso real na forma consumada, cada uma delas de um crime de ameaça, um crime de coação, um crime de perseguição, um crime de difamação, um crime de publicidade e calúnia, um crime de violação de domicilio ou da vida privada, introdução em lugar vedado ao público, devassa da vida privada, gravações e fotografias ilícitas, usurpação de funções e violação de domicilio por funcionário e abuso de poder, previstos e punidos respetivamente pelos artigos 153° n° 1, 154° n°1, 154°A n°1 155° n°1 al. d), 180º, 183º,190° n° 1 e 2, 191°, 192 n° 1 al. b), 358 n°1 al. b), 378° e 382°, todos do Código Penal
2 - O Recurso versa a impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto e de direito – Artº 412 nºs 2 e 3e 4 C.P.P.
3- Relativamente ao reexame da matéria de facto, os pontos de facto de que a recorrente considera incorretamente julgados são todos os pontos vertidos no RAI, mormente do ponto 17 a 40 praticados pelas arguidas AA e BB contra a pessoa da ofendida e que configura o vicio do artº 410 nº 2 al. b) e c) do CPP
4 - Salvo o devido respeito que é muito, a Assistente entende que o Tribunal não decidiu bem, padecendo o despacho em crise, desde logo, da nulidade decorrente da violação do disposto nos arts. 308.º, n.º 2, e 283.º a 285º, e 286 todos do CPP.
5 – O Tribunal ao não levar a cabo nenhum dos atos de instrução que se requereu no RAI e em sede de debate, impediu a assistente de produzir prova indiciária e suplementar, ao assim decidir violou o Tribunal o disposto nos artºs 17, 286, 287 nº 1 b) e nº 2 e 290, 302 nº 2 e 308 todos do CPP. O que determina a nulidade da instrução, atento o disposto no artº 119 al. d) do CPP, o que se invoca para todos os efeitos legais.
5- A Assistente não se conforma com a consideração de que não existem indícios, da pratica pelas arguidas de todos os crimes pelos quais se requeria a sua pronuncia, isto porque os autos ao contrário da douta decisão que ora se coloca em crise, demonstram que existe, indícios suficientes da prática dos factos vertidos na participação criminal junta aos autos e no RAI e AP e que permitiam sem margem para dúvidas pronunciar as arguidas por todos os crimes que se acusou e dos crimes cuja pronuncia se requeria das arguidas, desde logo porque o Tribunal recorrido fez tábua-rasa da prova coligida em sede de inquérito e instrução, e nenhuma outra se produziu em sentido contrário, aliás o Tribunal descredibilizou o depoimento das testemunhas oculares em detrimento do das arguidas que mentiram descaradamente e a sua conduta está demonstrada no relatório social que elaborou a 3.8.2022, o que poderá consubstanciar erro notório na apreciação da prova (artº 410 nº 2 al. c) do CPP, pese embora estes se reportem a vícios de julgamento.
6- Incorreta apreciação dos depoimentos da assistente e das testemunhas arroladas pela assistente durante o inquérito mormente das testemunhas DD a fls 40 e 43, GG a fls, 49 a 50, FF a fls 45 a 47, e da assistente de fls 35 a 37, descredibilizou estes depoimentos que foram imparciais, coerentes e concisos em detrimento dos das arguidas que foram inconsistentes, imprecisos, pouco claros, e contraditórios e que conduziam à pronúncia das arguidas, tal como concluído pela a assistente no RAI e na acusação particular.
7– Incorreta apreciação dos documentos ata de 12.7.2022 a fls 110 a 120 juntos aos autos, relatório social de 3.8.2022 elaborado/assinado pela arguida AA juntos aos autos e auto de relatório de serviço de fls 58 a 59, certidão de fls 63 a 98, participação de fls 5 e 6, insertos nos autos, o que consubstancia erro notório na apreciação da prova (artº 410 nº 2 al. c) do CPP).
8 - Incorreta apreciação e consequente valorização dos depoimentos das arguidas prestados a fls 21 e 24, fls 108 a 110, onde se pode verificar que as arguidas apresentaram várias versões sem nexo e se conjugadas com a prova documental e testemunhal existente nos autos e que o Tribunal lamentavelmente descredibiliza e omite na sua fundamentação, para poder assim desvalorizar as condutas das arguidas e concluir pela inexistência de qualquer indicio por referência ao preenchimento dos elementos objetivos e subjetivos de todos os tipos legais de crime que são imputados às arguidas no RAI e na Acusação Particular, o que consubstancia erro notório na apreciação da prova (artº 410 nº 2 al. c) do CPP).
9 - Descridibilização do depoimento da assistente e das testemunhas oculares, e demais prova testemunhal produzida em confronto com a prova documental, mormente ata de 12.7.22, certidão de fls 110 a 120, relatório de serviço de fls 58 a 59, relatório social datado de 3.8.2022, e que configura Contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão (artº 410 nº 2 al. b) do CPP).
10- Incorreta apreciação e consequente desvalorização de todas as fichas de urgência de 2.7.2022 e 4.7.2022, aonde se está demonstrado as lesões que a assistente apresentava depois de ter sido agredida pelo arguido, mormente no membro superior esquerdo hematoma e equimose da face posterior lateral da extremidade do antebraço, e ligeiro edema retromaleolar externo doloroso à apalpação, contusão dorsal, conforme supra se demonstro da analise dos mesmos e das perícias médicos legais e dos depoimentos das testemunhas que supra se sindicou e para os quais nos, nos remetemos, o Tribunal é que não conseguiu ver, e acaba por concluir pela inexistência de indícios e pelo não preenchimentos dos elementos objetivos e subjetivos dos tipos legais de crime em mérito nestes autos, para não pronunciar o arguido, que configura erro notório na apreciação da prova. Artº 410 nº 2 al. a) e c) do CPP e Contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão (artº 410 nº 2 al. b) do CPP).
11- Descredibilização ou ausência de qualquer referência ao relatório social de 3.8.22, assinado pela arguida AA e que mostra a perseguição da arguida à assistente e o abuso de poder desta. Artº 410 nº 2 al. a) e c) do CPP
12 - A prova testemunhal produzida em sede de inquérito e a documental junta aos autos e que supra se elencou conjugadas estas com as regras da experiência comum permitiriam sem margem para dúvidas ao Tribunal concluir que as arguidas AA e BB praticaram cada uma delas com as suas condutas, um crime de ameaça, um crime de coação, um crime de perseguição, um crime de difamação, um crime de publicidade e calúnia, um crime de violação de domicilio ou da vida privada, um crime de introdução em local vedado ao público e um crime de devassa da vida privada, um crime de gravações e fotografias ilícitas, um crime de usurpação de funções, um crime de violação de domicilio por funcionário e um crime de abuso do poder, e pelos quais deviam ter sido pronunciadas, e que configura erro notório na apreciação da prova (artº 410 nº 2 al. c) do CPP) e Contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão (artº 410 nº 2 al. b) do CPP).
13- Ora, o princípio da livre apreciação da prova previsto no art. 127.º do CPP impõe que a prova seja apreciada segundo as regras da experiência comum, pela utilização de raciocínios indutivos e de juízos de probabilidade.
14- Acresce que o juízo de probabilidade razoável de condenação enunciado no n.º 2 do art. 283.º do CPP, aplicável pronúncia ou não pronúncia, consabidamente não equivale ao juízo de certeza exigido ao juiz de julgamento na condenação, desde logo porque a lei opta aqui pelo conceito de indícios “suficientes” e não “fortes”.
15- O significado de suficiência dos indícios deve, pois, ser interpretado de harmonia com o conceito de acusação “manifestamente infundada”, previsto no art. 311.º, n.º 2, al. a), do CPP, hipótese legal em que o juiz de julgamento pode rejeitar liminarmente a acusação, perante a evidência de que os factos nela descritos, mesmo que porventura viessem a ser provados, não preenchem qualquer tipo legal de crime – o que não é o caso dos autos.
16 - A instrução configura unicamente um momento de “controlo” da conformidade e legalidade da atividade do Ministério Público que culminou neste caso em apreço com o arquivamento por entender que nos autos estava suficientemente indiciado os factos imputados às arguidas e pelos quais se pedia a sua pronúncia no RAI e na acusação particular e que o JIC veio a descredibilizar toda a prova produzida em sede de inquérito sem mais, ou melhor com a descredibilização das testemunhas oculares sem mais em detrimento do depoimento das arguidas, quando se tivesse produzido toda a prova que lhe foi solicitada e analisado com cuidado estes depoimentos concluiria pela sua isenção e imparcialidade.
17 – A análise crítica da prova, (testemunhal e documental) conjugada com as regras da experiência comum, impunham que a matéria constante do RAI e da acusação particular fosse toda ela dada como indiciada e que supra se sindicou fosse considerada toda como suficientemente indiciada. Artº 412 nº 3 al. a) do CPP.
18 -Devendo, por isso, tal prova ser renovada em ordem a fundamentar-se a resposta que forçosamente terá que ser positiva a tal matéria. Artº 412 nº 3 al. c) do CPP 19 -A análise da prova recolhida em fase de inquérito, não foi devida e corretamente avaliada pelo Ministério Público, e por isso proferiu a decisão de arquivamento e que se devidamente analisada, só podia ter dado origem a uma decisão de pronuncia nos exatos termos do RAI e da acusação particular, afigurando-se como razoavelmente provável a futura condenação das arguidas em sede de julgamento penal pelos factos que lhe são imputados
20 - Resta, assim, concluir pela indiciação dos factos relativos aos elementos objetivos e subjetivos do crime de ameaça p. e p artº 153° n° 1, bem como pela indiciação dos factos relativos aos elementos objetivos e subjetivos do crime de coação p e p artº 154° n°1, bem como pela indiciação dos factos relativos aos elementos objetivos e subjetivos do um crime de perseguição p e p artº 154°A n°1 e 155 nº1 al. d), bem como pela indiciação dos factos relativos aos elementos objetivos e subjetivos do crime de difamação p. e p. artº 180º, bem como pela indiciação dos factos relativos aos elementos objetivos e subjetivos do crime de publicidade e calúnia p. e p. artº 183, bem como pela indiciação dos factos relativos aos elementos objetivos e subjetivos do crime de violação de domicilio ou da vida privada p e p. artº 190 nº 1 e 2, bem como pela indiciação dos factos relativos aos elementos objetivos e subjetivos do crime de introdução em lugar vedado ao público p. e p. artº 191, bem como pela indiciação dos factos relativos aos elementos objetivos e subjetivos do devassa da vida privada p. e p artº 192º nº 1 al. b), bem como pela indiciação dos factos relativos aos elementos objetivos e subjetivos do crime gravações e fotografias ilícitas p. e p artº 199 , bem como pela indiciação dos factos relativos aos elementos objetivos e subjetivos do crime de usurpação de funções p. e p. artº 358º nº 1 al. b) bem como pela indiciação dos factos relativos aos elementos objetivos e subjetivos do crime de violação de domicilio por funcionário p. e p. artº 378º, bem como pela indiciação dos factos relativos aos elementos objetivos e subjetivos do crime de abuso de poder p. e p artº 382, todos do Código Penal, praticados pelas arguidas AA e BB contra a assistente CC, sendo tais indícios suficientes da verificação dos pressupostos de aplicação às Arguidas de uma pena, pelo que se impõe-se a sua pronúncia, nos termos do art. 308º n.º 1, do CPP.
21- Face ao exposto, a decisão recorrida violou de forma manifesta o disposto no art. 153 e 154° n°1, 154°A n°1 e 155 nº1 al. d), 180º, 183, 190 nº 1 e 2, 191, 192º nº 192º nº 1 al. b), 199, 358º nº 1 al. b), 378º e 382º, todos do Código Penal, bem como o previsto nos arts. 127.º, 131, 133, 283.º, n.º 2, 308.º, n.º 1, al. a), e 308 nº1 ex vi 286 º e 311.º, n.º 2, do CPP, artº 24º e 25ºe 69º todos da CRP, razão pela qual não deve ser mantida.
Termos em que deve ser dado provimento ao recurso e, em consequência, ser a douta decisão em crise, revogada e substituída por outra que considere existir indícios suficientes, bem como pela indiciação dos factos relativos aos elementos objetivos e subjetivos de todos os tipos legais de crimes e consequentemente pronuncie as Arguidas pelos factos e crimes imputados no RAI e na acusação particular, remetendo-se o processo para julgamento.
Assim se fará a Costumada e Sã
JUSTIÇA
(…)”.

I.3 Resposta ao recurso

Admitido o recurso e efetuada a legal notificação, vieram as arguidas e o Ministério Público responder ao mesmo, pugnando pela sua improcedência, apresentando as seguintes conclusões [transcrição]:

Resposta das arguidas:
“(…)
A) Alega a recorrente a nulidade da instrução, em virtude do indeferimento de provas e meios de prova, requeridos quer no RAI quer durante o debate instrutório que, no seu entender, se afigurariam relevantes para a boa decisão.
Trata-se de uma questão prevista no art. 120 nº 2 al. d) do CPP, configurada como uma nulidade sanável e dependente de arguição. Forma e prazo de arguição é a prevista no nº 3. Não se verificou o seu cumprimento, pelo que a alegação deste tipo de nulidade apenas em recurso, é inadmissível.
B) O conteúdo recursivo assenta no seu todo naquilo que, na interpretação da recorrente resulta da prova, o valor que merece ou desmerece esta ou aquela testemunha ou conjunto de provas em confronto, sendo certo que o princípio da livre interpretação, impede desde logo a reapreciação da prova nestes moldes, porquanto, apenas e só é alegado que, do ponto de vista da recorrente, os depoimentos de certas testemunhas, a que a si interessam, deveriam merecer mais créditos que as demais. Não obstante
C) A assistente não tem legitimidade processual para, sem prévia promoção do MP, acusar como decorre do art. 69 nº 2 al b). Este tem a posição processual de colaborador do titular da ação penal e pode deduzir acusação independente, mas por estes crimes, sempre subordinada à do Ministério Público.
D) No caso, não tendo havido por parte do MP acusação prévia, como aliás bem fundamentado no douto despacho de arquivamento as razões em que se baseia tal decisão por ausência de indícios, não legitimidade a assistente legitimidade para o fazer.
E) Restando abordar a questão dos crimes particulares, pretende a recorrente que as arguidas sejam pronunciadas por um 1 crime de difamação, pp no art. 180 nº 1 do CP e 1 crime de publicidade e calúnia, pp no art. 183, nº 1 al. b) do CO, de natureza particular. A difamação, consiste numa imputação dirigida a terceiro, mesmo sob a forma de suspeita, de um facto ou na formulação de um juízo, ofensivos da sua honra ou consideração, ou reproduzir uma tal imputação ou juízo. É portanto um crime contra a honra, bom nome, reputação exigindo-se assim uma intenção, que é ser vexatório.
F) Para tal exige-se a alegação e prova indiciária. Lendo a parte das alegações intitulada “dos crimes de difamação, publicidade e calúnia” não se vislumbra que factos concretos, sejam alegados que se possam subsumir nesta norma.
Termos em que a decisão que não pronunciou as arguidas é irrepreensível e não
merecedora de qualquer censura, devendo assim o douto recurso, ser indeferido, assim
se fazendo, a costumada JUSTIÇA.
(…)”.

Resposta do Ministério Público:
“(…)
1. Da nulidade prevista no artigo 119.º, alínea d) do Código de Processo Penal: No que à instrução respeita, compete a direcção da mesma ao juiz de instrução (assistido pelos órgãos de polícia criminal), o qual decide sobre os actos que devem ser praticados em tal fase processual (arts. 288º e 289º do CPP). Portanto, os actos de instrução dependem da livre resolução do juiz.
2. Ainda assim, o poder-dever conferido ao juiz para proferir o indeferimento dos actos de instrução está balizado pelo limite do “apuramento da verdade” e pela consideração de “os actos requeridos não interessarem à instrução ou servirem apenas para protelar o andamento do processo”.
3. No caso em apreço, foram indeferidas as diligências de instrução requeridas pela assistente, tendo em vista as finalidades da própria instrução (art. 286º), dado o Mmº Juiz a quo ter considerado que, não se tratando de uma fase de investigação, mas sim de comprovação (ou não), não era de admitir a inquirição das testemunhas e da prova documental.
4. Não ocorreu a nulidade prevista no artigo 119.º, alínea d) do Código de Processo Penal, pois que, o requerimento de abertura de instrução foi admitido, foram admitidas as declarações da Assistente aquando do despacho que determinou a abertura da instrução e foi marcada data para a realização do debate com tomada de declarações às arguidas e à Assistente.
5. Apenas não foram admitidas todas as diligências solicitadas pela Assistente, sendo certo que, como supra se referiu, a lei permite que o juiz indefira a realização de todas as diligências probatórias e a junção de toda a prova do requerente da instrução, não se tratando de diligencias obrigatórias.
6. A Recorrente vem impugnar o despacho de não pronuncia proferido pelo Mmo. Juiz a quo invocando, para além do mais, os vícios constantes do artigo 410.º, n.º 2 do Código de Processo Penal.
7. Ora os vícios enunciados no nº 2, do artigo 410º, do CPP, são vícios relativos à sentença, não tendo aplicação à decisão instrutória a que se reporta o artigo 307º, do mesmo Código, pelo que, deverá improceder o recurso, nessa parte.
8. No entender da Assistente, as arguidas incorreram na prática de crime de ameaça, um crime de coação, um crime de perseguição, um crime de difamação, um crime de publicidade e calúnia um crime de violação de domicilio ou da vida privada, introdução em lugar vedado ao público, devassa da vida privada, gravações e fotografias ilícitas, usurpação de funções e violação de domicilio por funcionário e abuso de poder, previstos e punidos respetivamente pelos artigos 153° n° 1, 154° n°1, 154°A n°1 155° n°1 al. d), 180º, 183º, 190° n° 1 e 2, 191°, 192 n° 1 al. b), 358 n°1 al. b), 378° e 382°, todos do Código Penal, existindo indícios suficientes da prática de tais ilícitos, discordando do juízo efectuado no despacho de não pronuncia.
9. Dispõe o art.º 286.º, n.º 1, do Cód. Proc. Penal que “A instrução visa a comprovação judicial da decisão de deduzir acusação ou de arquivar o inquérito em ordem a submeter ou não a causa a julgamento”.
10. Fazendo apelo ao disposto no art.º 308.º, n.º 1, do Cód. Proc. Penal e tal como é referido por Paulo Pinto de Albuquerque, in Comentário do Código de Processo Penal, à luz da CRP e da CEDH, 3.ª Edição atualizada, “Nela [na instrução] pretende-se apurar a existência de indícios suficientes de se terem verificado os pressupostos de que depende a aplicação de uma pena ou medida de segurança”.
11. São indícios suficientes os vestígios, sinais, suspeitas, presunções, indicações que, logicamente relacionados e conjugados, criam a convicção que, mantendo-se em julgamento, o arguido virá a ser condenado. É o que exige o art.º 283.º, n.º 2, aplicável por força do disposto no art.º 308.º, n.º 2, do Cód. Proc. Penal, quando estipula que “Consideram-se suficientes os indícios sempre que deles resultar uma possibilidade razoável de ao arguido vir a ser aplicada, por força deles, em julgamento, uma pena ou uma medida de segurança”. Portanto os indícios são suficientes quando permitem a formação de um juízo de probabilidade sobre a culpabilidade do arguido, com a produção da convicção de que ele poderá vir a ser condenado.”
12. Volvendo ao caso concreto, decorre da decisão instrutória que a versão trazida aos autos pela assistente não se mostra corroborada por qualquer outro meio de prova testemunhal e/ou documental isento e credível.
13. Quer a prova directa, quer a prova indirecta são modos, igualmente legítimos, de chegar ao conhecimento da realidade (ou verdade) do factum probandum: pela primeira via ou método, “a perceção dá imediatamente um juízo sobre um facto principal”, ao passo que na segunda “a perceção é racionalizada numa proposição, prosseguindo silogisticamente para outra proposição, à base de regras gerais que servem de premissas maiores do silogismo, e que podem ser regras jurídicas ou máximas da experiência. A esta sequência de proposição em proposição chama-se presunção” (Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, II, 1993, 79).
14. Atendendo ao exposto, na prova indirecta o apuramento de factos que são imputados ao agente infere-se dos meios de prova sempre à luz das regras da experiência comum, estribadas na lógica, como instrumentos que medem e confrontam probabilidades.
15. Por conseguinte, consideramos que a prova produzida, apreciada conjuntamente e em concatenação, a manter-se em fase de julgamento, não é suficiente e idónea para estribar um juízo de prognose de provável condenação das arguidas.
16. Assim, face à prova colhida, andou bem o Mmo. Juiz a quo ao não pronunciar as arguidas.
17. Conclui-se, em conformidade, pelo acerto absoluto da douta decisão censurada e, concomitantemente, pela não violação de qualquer dispositivo legal, nomeadamente o preceituado nos artigos 153.º e 154.° n.°1, 154.°A n.°1 e 155 n.º1 al. d), 180.º, 183.º, 190.º n.º 1 e 2, 191.º, 192.º n.º 192.º nº 1 al. b), 199.º, 358.º n.º 1 al. b), 378.º e 382.º, todos do Código Penal, bem como o previsto nos arts. 127.º, 131.º, 133.º, 283.º, n.º 2, 308.º, n.º 1, al. a), e 308.º n.º1 ex vi 286.º e 311.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, artigo 24.º e 25.ºe 69.º todos da Constituição da República Portuguesa.

Termos em que, e nos mais que V. Excelências doutamente suprirão, não se deverá dar
provimento ao recurso interposto pela Assistente CC mantendo-se na
íntegra a decisão recorrida, assim se fazendo JUSTIÇA.”.

I.4 Parecer do Ministério Público
Remetidos os autos a este Tribunal da Relação, nesta instância a Ex.ma Procuradora-Geral Adjunta emitiu fundamentado parecer, no sentido da improcedência do recurso.

I.5. Resposta
Pese embora tenha sido dado cumprimento ao disposto no artigo 417º, n.º 2, do Código de Processo Penal, não foi apresentada resposta ao sobredito parecer.

I.6. Concluído o exame preliminar, prosseguiram os autos, após os vistos, para julgamento do recurso em conferência, nos termos do artigo 419.º do Código de Processo Penal.
Cumpre, agora, apreciar e decidir:

II- FUNDAMENTAÇÃO

II.1- Poderes de cognição do tribunal ad quem e delimitação do objeto do recurso:

Conforme decorre do disposto no n.º 1 do art.º 412.º do Código de Processo Penal, bem como da jurisprudência pacífica e constante [designadamente, do STJ[1]], são as conclusões apresentadas pelo recorrente que definem e delimitam o âmbito do recurso e, consequentemente, os poderes de cognição do Tribunal Superior, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso a que alude o artigo 410º do Código de Processo Penal[2].

Assim, face às conclusões extraídas pela recorrente da motivação do recurso interposto nestes autos, as questões a apreciar e decidir são as seguintes:

® Vícios decisórios: da contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão e do erro notório na apreciação da prova [artigo 410.º, n.ºs 1 e 2, al.s b) e c), do Código de Processo Penal], invocados expressamente, e ainda de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, ínsito na alínea a), do n.º2, do mesmo preceito legal, ainda que invocado en passant na conclusão n.º 11.
® Impugnação da matéria de facto ao abrigo do artigo 412.º, n.º 3, do Código de Processo Penal;
® Nulidade da instrução por indeferimento de diligências de prova requeridas no requerimento de abertura de instrução e no debate instrutório [artigo 119 al. d) do Código de Processo Penal];
® Nulidade da decisão recorrida decorrente da violação do disposto nos artigos 308.º, n.º 2, 283.º a 285.º e 286.º, todos do Código de Processo Penal;
® Da existência/inexistência de indícios suficientes para a prolação de despacho de pronúncia das arguidas pelos crimes vertidos no requerimento de abertura da instrução e na acusação particular.

II.2- Apreciação do recurso

Iniciaram-se os presentes autos com base na participação junta aos autos pela assistente/recorrente, dando conta de diversa factualidade que, na sua ótica, seria suscetível de responsabilizar criminalmente as arguidas/recorridas.

Mediante requerimento dirigido aos autos a 13-06-2024, veio a assistente/recorrente, no que ora releva, deduzir acusação particular contra as arguidas/recorridas, imputando, a cada uma delas, a prática, em autoria material e na forma consumada, dos seguintes crimes:
® Um crime de ameaça, previsto e punido pelo artigo 153.º, n.º 1, do Código Penal;
® Um crime de coação, previsto e punido pelo artigo 154.º, n.º 1 do Código Penal;
® Um crime de perseguição agravado, previsto e punido pelo artigo 154.º - A, n.º 1 e 155.º, n.º 1, al. d), do Código Penal;
® Um crime de difamação, previsto e punido pelo artigo 180.º, n.º 1, do Código Penal;
® Um crime de publicidade e calúnia, previsto e punido pelo artigo 183.º, n.º 1, al.s a) e b), do Código Penal;
® Um crime de violação de domicílio ou perturbação da vida privada, previsto e punido pelo artigo 190.º, n.ºs 1 e 2 do Código Penal;
® Um crime de introdução em lugar vedado ao público, previsto e punido pelo artigo 191.º do Código Penal;
® Um crime de devassa da vida privada, previsto e punido pelo artigo 192.º, n.º 1, al. b), do Código Penal;
® Um crime de gravações e fotografias ilícitas, previsto e punido pelo artigo 199.º do Código Penal;
® Um crime de usurpação de funções, previsto e punido pelo artigo 358.º, alínea b) do Código Penal [e não no indicado n.º 1 que, certamente, se deve a lapso, uma vez que tal n.º não existe];
® Um crime de violação de domicílio por funcionário, previsto e punido pelo artigo 378.º do Código Penal; e de
® Um crime de abuso de poder, previsto e punido pelo artigo 382.º do Código Penal.
 
Decorrido o respetivo inquérito, veio este a terminar com a prolação do despacho de arquivamento, proferido pelo Ministério Público, a 13-06-2024, fundamentado nos n.ºs 1 e 2 do artigo 277.º do Código de Processo Penal, abarcando, portanto, a ausência do juízo de insuficiência de indiciação, capaz de sustentar a prática de qualquer crime por parte das arguidas/recorridas, concretamente, e tendo em conta a qualificação jurídica por si efetuada, dos seguintes crimes:
® Gravações e fotografias ilícitas, previsto e punido pelo artigo 199.º, do Código Penal;
® Devassa da vida privada, previsto e punido pelo artigo 192.º do Código Penal;
® Violação de domicilio, previsto e punido pelo artigo 190.º, n.º 1, do Código Penal;
® Ameaça, previsto e punido pelo artigo 153.º do Código Penal;
® Abuso de poder, previsto e punido pelo artigo 382.º do Código Penal.
No mesmo despacho final de arquivamento do inquérito, pronunciou-se o Ministério Público no sentido de não acompanhar a acusação particular pelo crime de injúria [difamação], por falta de indiciação, e no sentido de que esta deveria ser rejeitada quanto aos demais crimes, por falta de legitimidade da assistente.

Inconformadas com a acusação particular contra si deduzida vieram as arguidas/recorridas requerer a abertura de instrução, pugnando pela sua não pronúncia.

Inconformada com a decisão de arquivamento do inquérito veio a assistente/ora recorrente requerer a abertura da fase de instrução, pugnando pela subsequente prolação de despacho de pronúncia de cada uma das arguidas/recorridas, pela prática, em autoria material, na forma consumada e em concurso real, dos seguintes crimes:
® Um crime de ameaça, previsto e punido pelo artigo 153.º, n.º 1, do Código Penal;
® Um crime de coação, previsto e punido pelo artigo 154.º, n.º 1 do Código Penal;
® Um crime de perseguição agravado, previsto e punido pelo artigo 154.º - A, n.º 1 e 155.º, n.º 1, al. d), do Código Penal;
® Um crime de violação de domicílio ou perturbação da vida privada, previsto e punido pelo artigo 190.º, n.ºs 1 e 2 do Código Penal;
® Um crime de introdução em lugar vedado ao público, previsto e punido pelo artigo 191.º do Código Penal;
® Um crime de devassa da vida privada, previsto e punido pelo artigo 192.º, n.º 1, al. b), do Código Penal;
® Um crime de gravações e fotografias ilícitas, previsto e punido pelo artigo 199.º do Código Penal;
® Um crime de usurpação de funções, previsto e punido pelo artigo 358.º, alínea b) do Código Penal;
® Um crime de violação de domicílio por funcionário, previsto e punido pelo artigo 378.º do Código Penal; e de
® Um crime de abuso de poder previsto e punido pelo artigo 382.º do Código Penal.

Foi declarada aberta a fase da instrução requerida pelas arguidas e pela assistente e foi indeferida a peticionada acareação entre as arguidas e a assistente [mediante despacho proferido a 04-10-2024]. Foi, ainda, indeferida a peticionada audição das testemunhas indicadas pela assistente no requerimento de abertura de instrução [mediante despacho proferido a 31-10-2024].

Foi realizado o debate instrutório, no âmbito do qual, analisado requerimento ali formulado pela assistente, foi novamente indeferida a inquirição das testemunhas indicadas no requerimento de abertura de instrução da assistente [que o Mm. Juiz de Instrução Criminal apreciou como reclamação do despacho anterior que havia indeferido a produção de tal meio de prova], bem como a junção de documentos que esta pretendia juntar.
Esta fase processual veio a terminar com a prolação do despacho de não pronúncia das arguidas, do qual a assistente ora recorre, pugnando para que tal decisão seja revogada e substituída por outra que considere existir indícios suficientes, bem como pela indiciação dos factos relativos aos elementos objetivos e subjetivos de todos os tipos legais de crimes e consequentemente pronuncie as arguidas pelos factos e crimes imputados no RAI e na acusação particular, remetendo-se o processo para julgamento.

Aqui chegados, efetuada esta breve resenha do percurso processual, passemos, então, a analisar as questões suscitadas no presente recurso.

Vícios decisórios ínsitos no artigo 410.º, n.º 2, al.s a), b) e c), do Código de Processo Penal] e Impugnação da matéria de facto ao abrigo do artigo 412.º do Código de Processo Penal:
Insurge-se a assistente/recorrente contra a decisão instrutória de não pronúncia proferida pelo Mm.º Juiz de Instrução Criminal, por considerar “incorretamente julgados” os pontos vertidos em 17 a 40 do requerimento de abertura de instrução.
E fá-lo invocando a existência dos vícios decisórios ínsitos no artigo 410.º do Código de Processo Penal e trazendo à colação o artigo 412.º do mesmo diploma legal.
Porém, como bem o realça a Ex.mª Procuradora-Geral Adjunta  no seu douto parecer, olvida a assistente/recorrente “que a invocação de tais vícios e tal pretensão recursória só fariam sentido se o seu alvo recursivo fosse uma sentença e não uma decisão instrutória, a qual pressupõe a existência de matéria de facto indiciada e não de matéria de facto provada, como ocorre naquela peça processual.”.
Na verdade, tratam-se de duas formas de impugnação da matéria de facto, que dizem respeito à matéria de facto provada e/ou não provada, o que inexiste numa decisão instrutória, no âmbito da qual apenas se pode concluir pela existência de matéria de facto suficientemente indiciada ou não indiciada.

Aliás, conforme resulta do artigo 410.º do Código de Processo Penal, sob a epígrafe, “Fundamentos do recurso”:
“1 - Sempre que a lei não restringir a cognição do tribunal ou os respectivos poderes, o recurso pode ter como fundamento quaisquer questões de que pudesse conhecer a decisão recorrida.
2 - Mesmo nos casos em que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito, o recurso pode ter como fundamentos, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum:
a) A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada;
(…)
c) Erro notório na apreciação da prova.
(…).”
Da análise de tal preceito legal decorre, portanto, que a decisão sobre a matéria de facto é suscetível de ser posta em causa por via da invocação dos apontados vícios previstos no artigo 410.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, devendo tais vícios resultar do texto da decisão recorrida, por si ou conjugada com as regras da experiência comum.
Ora, como é sabido, por se tratar de matéria reiteradamente tratada pelos nossos tribunais superiores, os invocados vícios decisórios, ínsitos no nº 2, do artigo 410º, do Código de Processo Penal, são vícios relativos à sentença, não à decisão instrutória[3].
Por outro lado, conforme decorre da análise de tal preceito legal, a decisão sobre a matéria de facto suscetível de ser posta em causa por via dos vícios previstos no artigo 410.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, devem resultar do texto da decisão recorrida, por si ou conjugada com as regras da experiência comum, o que exclui, para a análise da sua verificação, o recurso a quaisquer elementos externos à decisão, ainda que constantes do processo, o que é incompatível com a análise da apreciação, em sede de recurso, da assertividade, ou não, da decisão instrutória [in casu, do despacho de não pronúncia], que pressupõe/impõe, precisamente, a análise de todos os elementos de prova indiciária contidos no processo [quer na fase de inquérito, quer produzidos na fase de instrução], ou seja, pressupõe a análise da prova contida, precisamente, “fora” da decisão instrutória, com vista a aferir sobre a sua suficiência ou não com vista à prolação do despacho de pronúncia ou não pronúncia, respectivamente, pelo que a crítica à decisão sobre a existência ou inexistência dos indícios não é admissível pela invocação do vício de erro notório na apreciação da prova [dizemos nós, não é admissível pela invocação de qualquer um dos vícios decisórios ínsitos no artigo 410.º, n.º2, do Código de Processo Penal] tal como no nosso ordenamento jurídico se encontra configurado[4].
Acresce, ainda, ser este o entendimento consentâneo com a lei, pois, a verificação de qualquer dos vícios enunciados no artigo 410.º do Código de Processo Penal tem como consequência [quando não for possível decidir da causa] o “reenvio do processo para novo julgamento”, nos termos dos artigos 426º e 426º-A, do Código de Processo Penal, pressupondo, portanto, que os vícios tenham derivado de um julgamento anterior e não de diligências realizadas na fase de instrução, que culmina numa decisão instrutória revestida da forma de um despacho.
Como se pode ler no acórdão deste Tribunal da Relação de Guimarães, já citado, “residindo a razão de ser do nº2 do art. 410º do CPP na garantia da sindicância da decisão de facto, mas circunscrita ao texto da decisão recorrida, por contraponto à faculdade da impugnação ampla da matéria de facto, tal divisão concetual não encontra nenhum sentido no caso de impugnação da decisão instrutória (de pronúncia ou não pronúncia), porquanto o que está justamente em causa é a reavaliação total e ampla das provas (indiciárias)”.
Em bom rigor, a reação à matéria de facto indiciada/não indiciada em sede de instrução só poderá ser efetuada à luz da análise dos indícios existentes/inexistentes nos autos e não dos vícios decisórios ou do erro de julgamento.
Consequentemente, face aos fundamentos acabados de expor, o segmento recursivo respeitante à impugnação da matéria de facto considerada não indiciada pelo tribunal a quo à luz dos apontados vícios decisórios [artigo 410.º do Código de Processo Penal] e erro de julgamento [artigo 412.º do Código de Processo Penal] terá de improceder.

Da invocada nulidade da instrução por indeferimento de diligências de prova requeridas no requerimento de abertura de instrução e no debate instrutório [artigo 119.º, al. d), do Código de Processo Penal]:
Defende a assistente/recorrente a existência de nulidade da instrução, ao abrigo do artigo 119.º, al. d), do Código de Processo Penal, ante o facto de o Mm.º Juiz de Instrução Criminal não ter levado a cabo nenhum dos atos de instrução que havia requerido no requerimento de abertura de instrução e no debate instrutório, assim a impedindo, na sua ótica, de produzir prova indiciária e suplementar, em violação do disposto nos artigos 17.º, 286.º, 287.º, nº 1, al. b) e nº 2, 290.º, 302.º, n.º 2 e 308.º, todos do Código de Processo Penal.
Insurge-se, portanto, em suma a assistente/recorrente contra as decisões proferidas pelo tribunal a quo que indeferiram diligências de prova por si requeridas em sede de instrução e que, na sua ótica, deviam ter sido admitidas pelo Mm.º Juiz de Instrução Criminal, por se afigurarem necessárias e indispensáveis à realização das finalidades da instrução.
Mas, como bem o menciona na sua peça recursiva, trata-se de uma questão que já foi apreciada e decidida pelo Mm.º Juiz de Instrução Criminal mediante despachos que ficaram a montanteda decisão instrutória, relativamente a um dos quais, aliás, [estamos a falar do despacho de indeferimento da prova testemunhal proferido antes do debate instrutório], a assistente/recorrente até apresentou, a respetiva reclamação [ainda que não se tenha referido expressamente a tal figura jurídica], pese embora tenha acabado por ser indeferida.
Ora, como é sabido “A instrução visa a comprovação judicial da decisão de deduzir acusação ou de arquivar o inquérito em ordem a submeter ou não a causa a julgamento.” [artigo 286.º, n.º 1, do Código de Processo Penal], ou seja, visa o controlo judicial da decisão que encerrou a investigação, sendo de carácter facultativo [artigo 286.º, n.º 2, do Código de Processo Penal], e “(…) é formada pelo conjunto dos actos de instrução que o juiz entenda dever levar a cabo e, obrigatoriamente, por um debate instrutório (…)”  [artigo 289.º, n.º 1, do Código de Processo Penal].

Por sua vez, decorre do artigo 290.º, n.º 1, do Código de Processo Penal que:
“1 - O juiz pratica todos os actos necessários à realização das finalidades referidas no n.º 1 do artigo 286.º.
(…)”
Constando, finalmente, do artigo 291º, do Código de Processo Penal que:
“1 - Os actos de instrução efectuam-se pela ordem que o juiz reputar mais conveniente para o apuramento da verdade. O juiz indefere os actos requeridos que entenda não interessarem à instrução ou servirem apenas para protelar o andamento do processo e pratica ou ordena oficiosamente aqueles que considerar úteis.
2 - Do despacho previsto no número anterior cabe apenas reclamação, sendo irrecorrível o despacho que a decidir.
3 - Os atos e diligências de prova praticados no inquérito só são repetidos no caso de não terem sido observadas as formalidades legais ou, tendo sido requeridos, quando a sua repetição se revelar indispensável à realização das finalidades da instrução.
(…).
A Lei n.º 59/98 de 25 de agosto estabeleceu a regra da irrecorribilidade do despacho de indeferimento da realização de diligências instrutórias e tal norma tem vindo a ser sindicada pelo Tribunal Constitucional, que se tem pronunciado pela não inconstitucionalidade desta irrecorribilidade, de que são exemplos os Acórdãos do TC n.ºs 371/00 e 459/00, ambos consultáveis em https://www.tribunalconstitucional.pt/tc/home.html.
In casu, a assistente/recorrente viu indeferida a realização das mencionadas diligências de prova, mediante despachos proferidos pelo Mm.º Juiz de Instrução Criminal, tendo até se insurgido contra um deles - reiterando o mesmo requerimento que foi apreciado como reclamação do seu anterior indeferimento – sendo certo que a reclamação é a única via de que dispunha para reagir contra tais despachos de indeferimento e  o despacho que a decide é irrecorrível, pelo que não pode agora, em sede de recurso da decisão instrutória, argumentar que tais diligências de prova eram necessárias e indispensáveis à realização das finalidades da instrução, e, por via disso, obter o efeito que não conseguiu pela via da dita reclamação, e muito menos invocar a existência de nulidade da instrução sustentada no facto das diligências de prova por si requeridas não terem sido realizadas, pois, como compreenderá, alcançar o pretendido desiderato, seria o mesmo que retirar o efeito útil aos preceitos legais em análise, seria um verdadeiro contorno da lei, seria deixar entrar pela janela aquilo que o legislador proibiu que entrasse pela porta.
Como vimos supra, tais normas legais determinam, de forma clara e concreta, o meio que a assistente/recorrente tinha ao seu dispor para reagir contra tal indeferimento de diligências de prova requeridas ao Mm.º Juiz de Instrução Criminal  - a reclamação -, e o despacho que a decide, como bem sabe, é irrecorrível.
Diz a assistente/recorrente que ao não ter levado a cabo nenhum dos atos de instrução requerido por si no requerimento de abertura de instrução e em sede de debate instrutório foi cometida uma nulidade da instrução, atento o disposto no artigo 119.º, al. d), do Código de Processo Penal. Porém, sem razão.
Vejamos porquê:
No processo penal, em matéria de nulidades, vigora o princípio da legalidade, segundo o qual, "a violação ou a inobservância das disposições da lei do processo penal só determina a nulidade do acto quando esta for expressamente cominada na lei" [artigo 118.°, n.°1, do Código de Processo Penal].

E, como é consabido, as nulidades dividem-se em dois grandes grupos:
® as nulidades insanáveis [previstas no artigo 119.°, do Código de Processo Penal e ainda as que como tal forem cominadas noutras disposições legais]; e
® as nulidades sanáveis, ou dependentes de arguição [previstas no artigo 120.°, do Código de Processo Penal].
In casu, a assistente/recorrente invoca a nulidade da instrução ao abrigo do artigo 119º, alínea d) do Código de Processo Penal, e o que resulta de tal disposição legal é o seguinte:
Constituem nulidades insanáveis, que devem ser oficiosamente declaradas em qualquer fase do procedimento, além das que como tal forem cominadas em outras disposições legais:
(…)
d) A falta de inquérito ou de instrução, nos casos em que a lei determinar a sua obrigatoriedade;
(…)”. [sublinhado nosso].
Ora, como é sabido, só a falta de instrução (ou de inquérito) constitui a nulidade insanável ora arguida, ínsita no apontado artigo 119º, alínea d), do Código de Processo Penal, e tal situação só se verifica perante inexistência de facto ou de direito daquela fase processual[5] o que não é de todo o que ocorre nos presentes autos, em que a fase da instrução foi aberta, na qual se procedeu ao debate instrutório e durante a qual foram efetuadas diligências de prova, pese embora não todas aquelas que a assistente/recorrente pretendia.
Ou seja, inexiste a apontada nulidade insanável ínsita no artigo 119.º, alínea d), do Código de Processo Penal.
Aliás, nem sequer seria possível equacionar a existência da nulidade prevista no artigo 120.º, n.º2, alínea d) do Código de Processo Penal [relembre-se: “A insuficiência do inquérito ou da instrução, por não terem sido praticados actos legalmente obrigatórios, e a omissão posterior de diligências que pudessem reputar-se essenciais para a descoberta da verdade”], pois as requeridas diligências em causa – audição de testemunhas e junção de documentos - que viu serem indeferidas não são actos legalmente obrigatórios.
A revisão de 2007, com a alteração da redação da alínea d) do nº 2 do artigo 120º do Código de Processo Penal consagrou o entendimento que era corrente na doutrina e na jurisprudência – o de que a insuficiência do inquérito ou da instrução só se verifica quando o acto omitido for prescrito pela lei como obrigatório – tendo em vista promover a aceleração das fases preliminares e evitar a proliferação de recursos interlocutórios.[6] Ou seja, apenas a omissão de acto que a lei prescreva como obrigatório, designadamente, a falta do interrogatório de arguido quando seja possível notificá-lo ou a não realização do debate instrutório, aquando da fase da instrução, podem consubstanciar, a nulidade de insuficiência de inquérito ou da instrução, prevista na al. d), do n.º 2, do artigo 120.º do Código de Processo Penal.
E, como é sabido, o segmento da «omissão posterior de diligências que pudessem reputar-se essenciais para a descoberta da verdade», igualmente incluído na al. d) do citado artigo 120º, do Código de Processo Penal, reporta-se à nulidade derivada da omissão de atos processuais na fase de julgamento e de recurso. Só pode ser esse o sentido do adjetivo “posterior” utilizado na sua redação[7].
Assim, as diligências em causa nos autos que, na ótica da recorrente, deveriam ter sido realizadas e não o foram não consubstanciam um meio de prova legalmente imposto, nem configuram uma omissão posterior de diligências que pudessem reputar-se essenciais para a descoberta da verdade, razão pela qual também inexiste esta nulidade prevista no artigo 120.º, n.º2, al. d), do Código de Processo Penal[8], que, diga-se, sempre se encontraria sanada, pois não consta dos autos que tenha sido arguida antes do terminus do debate instrutório, como o impõe o disposto no artigo 120.º, n.º 3, al. c), do Código de Processo Penal.
O mesmo será dizer que a assistente/recorrente, não pode, agora, com este preciso fundamento, vir por em causa a instrução, e, consequentemente, o despacho de não pronúncia, pois, como vimos, nesta sede o indeferimento da realização de diligências requeridas em instrução é insindicável.
Assim sendo, no alinhamento dos considerandos acabados de expor, só nos resta concluir pela inexistência da apontada violação dos preceitos legais invocados pela assistente/recorrente, ou, diga-se, de quaisquer outros e, consequentemente, pela improcedência da pretensão da recorrente, também, quanto ao presente segmento recursivo.
 
Da invocada nulidade da decisão recorrida decorrente da violação do disposto nos artigos 308.º, n.º 2, e 283.º a 285º e 286.º todos do Código de Processo Penal:

Invoca, ainda, a assistente/recorrente a nulidade da decisão de não pronúncia, sustentando tal nulidade na violação dos artigos 308.º, n.º 2, e 283.º a 285º e 286.º, todos do Código de Processo Penal.

E, no que ora possa relevar, o que decorre de tais disposições legais é o seguinte:
Artigo 308.º
Despacho de pronúncia ou de não pronúncia
“1 - Se, até ao encerramento da instrução, tiverem sido recolhidos indícios suficientes de se terem verificado os pressupostos de que depende a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, o juiz, por despacho, pronuncia o arguido pelos factos respectivos; caso contrário, profere despacho de não pronúncia.
2 - É correspondentemente aplicável ao despacho referido no número anterior o disposto nos n.ºs 2,3 e 4 do artigo 283.º, sem prejuízo do disposto na segunda parte do n.º 1 do artigo anterior.
(…)”.
Artigo 283.º
Acusação pelo Ministério Público
“(…)
2 - Consideram-se suficientes os indícios sempre que deles resultar uma possibilidade razoável de ao arguido vir a ser aplicada, por força deles, em julgamento, uma pena ou uma medida de segurança.
3 - A acusação contém, sob pena de nulidade:
a) As indicações tendentes à identificação do arguido;
b) A narração, ainda que sintética, dos factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, incluindo, se possível, o lugar, o tempo e a motivação da sua prática, o grau de participação que o agente neles teve e quaisquer circunstâncias relevantes para a determinação da sanção que lhe deve ser aplicada;
c) As circunstâncias relevantes para a atenuação especial da pena que deve ser aplicada ao arguido ou para a dispensa da pena em que este deve ser condenado;
d) A indicação das disposições legais aplicáveis;
e) O rol com o máximo de 20 testemunhas, com a respetiva identificação, discriminando-se as que só devam depor sobre os aspetos referidos no n.º 2 do artigo 128.º, as quais não podem exceder o número de cinco;
f) A indicação dos peritos e consultores técnicos a serem ouvidos em julgamento, com a respectiva identificação;
g) A indicação de outras provas a produzir ou a requerer;
h) A indicação do relatório social ou de informação dos serviços de reinserção social, quando o arguido seja menor, salvo quando não se mostre ainda junto e seja prescindível em função do superior interesse do menor;
i) A data e assinatura.
4 - Em caso de conexão de processos, é deduzida uma só acusação.
(…)”.
Artigo 284.º
Acusação pelo assistente
“1 - Até 10 dias após a notificação da acusação do Ministério Público, o assistente pode também deduzir acusação pelos factos acusados pelo Ministério Público, por parte deles ou por outros que não importem alteração substancial daqueles.
2 - É correspondentemente aplicável o disposto nos n.ºs 3, 7 e 8 do artigo anterior, com as seguintes modificações:
a) A acusação do assistente pode limitar-se a mera adesão à acusação do Ministério Público;
b) Só são indicadas provas a produzir ou a requerer que não constem da acusação do Ministério Público.”.
Artigo 285.º
Acusação particular
“1 - Findo o inquérito, quando o procedimento depender de acusação particular, o Ministério Público notifica o assistente para que este deduza em 10 dias, querendo, acusação particular.
2 - O Ministério Público indica, na notificação prevista no número anterior, se foram recolhidos indícios suficientes da verificação do crime e de quem foram os seus agentes.
3 - É correspondentemente aplicável à acusação particular o disposto nos n.os 3, 7 e 8 do artigo 283.º
4 - O Ministério Público pode, nos cinco dias posteriores à apresentação da acusação particular, acusar pelos mesmos factos, por parte deles ou por outros que não importem uma alteração substancial daqueles.”
Artigo 286.º
Finalidade e âmbito da instrução
“1 - A instrução visa a comprovação judicial da decisão de deduzir acusação ou de arquivar o inquérito em ordem a submeter ou não a causa a julgamento.
2 - A instrução tem carácter facultativo.
3 - Não há lugar a instrução nas formas de processo especiais.”
Ora, lendo e relendo tais preceitos legais não descortinamos de que forma se possa sustentar qualquer nulidade da decisão recorrida com base nos mesmos, sendo certo que tais preceitos legais não contemplam qualquer nulidade do despacho de não pronúncia, mas apenas da acusação/despacho de pronúncia [perante a remissão operada do artigo 308.º, n.º 2, para os n.ºs 2, 3 e 4, do artigo 283.º, do Código de Processo Penal, supra transcritos].
E, não se encontrando aqui prevista qualquer cominação de nulidade do despacho de não pronúncia, só restariam as nulidades previstas nos artigos 119.º e 120.º do Código de Processo Penal, sendo certo que desconhecemos a que nulidade se quer referir a assistente/recorrente, pois que aqui não a indica, e também não se descortina a existência de qualquer uma das nulidades insanáveis, previstas no artigo 119.º do Código de Processo Penal, que aqui importasse oficiosamente declarar.
Improcede, portanto, também, o presente segmento recursivo.

Da existência/inexistência de indícios suficientes para a prolação de despacho de pronúncia das arguidas pelos crimes imputados pela assistente/recorrente no requerimento de abertura de instrução e na acusação particular:   
Como vimos, de acordo com o artigo 308.º, n.º 1, do Código de Processo Penal «se até ao encerramento da instrução, tiverem sido recolhidos indícios suficientes de se terem verificados os pressupostos de que depende a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, o juiz, por despacho, pronuncia o arguido pelos factos respectivos; caso contrário profere despacho de não pronúncia».

Nos termos do nº2 do referido artigo é correspondentemente aplicável o disposto no artigo 283.º, n.º 2, do Código de Processo Penal e segundo este normativo legal, consideram-se suficientes os indícios sempre que deles resultar uma possibilidade razoável de ao arguido vir a ser aplicada, por força deles, em julgamento, uma pena ou uma medida de segurança.      

Ou seja, a suficiência de indícios para deduzir despacho de pronúncia deve ser aferida de acordo com a natureza preliminar da instrução, e, portanto, não tem de revestir a consistência da suficiência de provas para a condenação em julgamento.
Mas, os indícios só são suficientes quando, de acordo com um juízo objetivo, as provas já recolhidas de per si ou conjuntamente com outras, nomeadamente produzidas em sede de audiência de julgamento, possam conduzir à aplicação ao arguido de uma pena ou medida de segurança[9].

In casu, o tribunal a quo proferiu despacho de não pronúncia, indicando na decisão instrutória, a inexistência dos factos indiciados, tendo por referência os indicados na acusação particular e no requerimento de abertura de instrução, e explicou o seu raciocínio para chegar a tal conclusão, e, subsequentemente, à prolação do despacho de não pronúncia.
    
E, diga-se, fê-lo com acerto.
Na verdade, defende a assistente/recorrente que a análise da prova recolhida em fase de inquérito, não foi devida e corretamente avaliada pelo Ministério Público, e por isso proferiu a decisão de arquivamento e que se devidamente analisada, só podia ter dado origem a uma decisão de pronuncia nos exatos termos do RAI e da acusação particular, afigurando-se como razoavelmente provável a futura condenação das arguidas em sede de julgamento penal pelos factos que lhe são imputados.
Porém, sem razão.

Expliquemos porquê:

Deparada com a decisão de arquivamento do inquérito veio a assistente/ora recorrente requerer a abertura da fase de instrução, com vista a subsequente prolação de despacho de pronúncia de cada uma das arguidas/recorridas, pela prática, em autoria material, na forma consumada e em concurso real, dos seguintes crimes:
® Um crime de ameaça, previsto e punido pelo artigo 153.º, n.º 1, do Código Penal;
® Um crime de coação, previsto e punido pelo artigo 154.º, n.º 1 do Código Penal;
® Um crime de perseguição agravado, previsto e punido pelo artigo 154.º - A, n.º 1 e 155.º, n.º 1, al. d), do Código Penal;
® Um crime de violação de domicílio ou perturbação da vida privada, previsto e punido pelo artigo 190.º, n.ºs 1 e 2 do Código Penal;
® Um crime de introdução em lugar vedado ao público, previsto e punido pelo artigo 191.º do Código Penal;
® Um crime de devassa da vida privada, previsto e punido pelo artigo 192.º, n.º 1, al. b), do Código Penal;
® Um crime de gravações e fotografias ilícitas, previsto e punido pelo artigo 199.º do Código Penal;
® Um crime de usurpação de funções, previsto e punido pelo artigo 358.º, alínea b), do Código Penal;
® Um crime de violação de domicílio por funcionário, previsto e punido pelo artigo 378.º do Código Penal; e de
® Um crime de abuso de poder previsto e punido pelo artigo 382.º do Código Penal.

E, além disso, havia deduzido acusação particular contra as arguidas/recorridas pelos mesmos crimes e, ainda, pelos crimes de difamação e de publicidade e calúnia previstos e punidos, respetivamente, pelos artigos 180.º e 183.º do Código Penal.
Relembremos, então, o que se refere no despacho recorrido a respeito da apreciação da suficiência/insuficiência de indiciação [transcrição]:
“(…)
Compulsados os autos e analisada toda a prova produzida em sede de inquérito e em instrução, adiante-se, desde já, que se entende que não existem indícios suficientes da prática pelas arguidas dos crimes que lhe são imputados pela assistente, quer na acusação particular (aqui apenas e só em relação aos crimes de difamação e de publicidade e calúnia, porquanto quanto aos demais crimes imputados a assistente carece de legitimidade para deduzir acusação particular, conforme suprarreferido), quer no requerimento de abertura de instrução.
Com efeito, as arguidas AA e BB, técnicas da Segurança Social, prestaram declarações de forma escorreita, clara e precisa, esclarecendo as circunstâncias de tempo, modo e lugar, onde se deslocaram, o porquê de o terem feito, onde lograram obter a informação, objetivo da deslocação, modo como obtiveram a informação onde residia a assistente, diligências levadas a efeito quando chegaram ao local (tentaram contactar a assistente). Posteriormente, na sequência de contacto telefónico, referiram que ficou acordada a hora a que a visita ocorreria, esclareceram a que horas chegaram ao local, que aí não se encontrava a assistente CC e que após, uma vez que não conseguiram lograr contacto com aquela, identificaram-se junto do pai desta (DD) como técnicas da Segurança Social, explicando o motivo da visita e que pretendiam visualizar as condições habitacionais, ao que este anuiu quer a entrada no logradouro da habitação, quer a entrada na própria habitação.
Após a conclusão da visita, e quando já se deslocavam para as instalações da Segurança Social, visualizaram a assistente a regressar no táxi, o que fez com que regressassem à habitação de modo a falar com a assistente CC. Aí deram nota do local onde permaneceram e que a dada altura chega ao local uma patrulha da GNR.
Primariamente, cumpre salientar que o tribunal não pode olvidar, além do mais, do escopo da presente diligência, designadamente elaboração de relatórios para que o tribunal se encontre munidos de elementos que permitam tomar decisões no âmbito do processo de promoção e proteção que corre termos no Juízo de Família e Menores de Vila Real.
Acresce que, analisados todos os depoimentos, verifica-se que apenas possuem conhecimento direto dos factos que permitem a imputação da alegada conduta delituosa, a testemunha DD, a assistente CC e as arguidas, porquanto os demais depoimentos resultam, em síntese, do que lhes foi transmitido por terceiros ou, no que concerne à testemunha EE (inquirido a fls. 123 a 124), militar da Guarda Nacional Republicana, esta apenas transmite o que ocorreu aquando da sua deslocação enquanto se encontrava em exercício de funções (vide  relatório de serviço de fls. 58 a 59). Importa destacar que no relatório de serviço elaborado o que consta é que, alegadamente, havia sido denunciado que duas técnicas da Segurança Social tinham entrada na habitação sem autorização.
Ora, ao arrepio do alegado pela testemunha DD (inquirido a fls. 41 a 43), se efetivamente as arguidas se tivessem intitulado como funcionárias do Tribunal, não se descortina como é que, sendo o único que havia presenciado tal facto, não transmitiu à sua filha, a aqui assistente que, por sua vez, ligou à sua mãe, de nome FF para este ligar para a GNR, não tinha referido que eram funcionárias do Tribunal, mas sim técnicas da Segurança Social, tal como consta do relatório de serviço de fls. 58 a 59.
Ademais, cumpre referir que a arguida AA nega que em momento algum tenha apelidado a assistente de mentirosa, factualidade que apenas é referida pela própria assistente.
A assistente prestou declarações em sede de instrução que não se afiguraram credíveis e claras e que se encontram totalmente infirmadas pelas declarações prestadas pelas arguidas AA e BB.
Com efeito, veja-se a título de exemplo, apesar de a assistente ter referido que não residia na casa dos seus pais (local onde se realizou a visita), não descortina o tribunal a razão pela qual aquela, após regressar do hospital, tenha regressado para a casa dos seus pais e já não para a sua habitação. Não podemos olvidar que no decurso das suas declarações a assistente admitiu que atualmente reside num anexo da habitação dos seus pais.
Acresce referir que, resulta da ata de conferência, realizada a 12.07.2022 (vide certidão de fls. 110 a 120), que, pela técnica gestora do processo (a aqui arguida AA) foi referido que o relatório junto ao processo de promoção e proteção se encontrava desatualizado e, nessa sequência, o Ministério Público promoveu «que se notifique a Segurança Social, para com a maior brevidade possível, elabore e remeta aos autos relatório social sobre a situação da menor, agregado familiar, bem como sobre a situação do progenitor e seu agregado familiar, nomeadamente os avós paternos» - vide fls. 119 verso, o que veio a ser deferido pela Meritíssima Juiz que presidiu à diligência – vide fls. 120, o que vem corroborar a versão trazida aos autos pela arguida AA. Deste modo, teria, naturalmente, de ser elaborado relatório social da situação da menor e do seu agregado familiar.
No que concerne aos alegados registos fotográfico ou de áudio, conforme alega a testemunha DD (fls. 40 a 42), facto negando perentoriamente pelas arguidas, não merece credibilidade a versão apresentada pela testemunha DD.
Com efeito, a existirem os referidos registos áudio e fotografias, porque razão não foram os mesmos juntos aos autos no relatório elaborado pela técnica gestora e constante de fls. 74 a 75? Ademais, em regra, nos referidos relatórios não costumam ter registos fotográficos e/ou de áudio.
Importa ainda salientar que a assistente refere que era intenção das arguidas prejudicá-la. A ser assim, conforme bem salientou a Digna Magistrada do Ministério Público no despacho de arquivamento, bastaria aquelas fazer constar a impossibilidade de efetuar o relatório, por falta de colaboração com a assistente.
Porém, resulta dos autos coisa diversa, isto é, as arguidas encetaram diligências para proceder à elaboração do relatório solicitado pelo Tribunal tendo, inclusive, após terem realizado a visita e quando já regressavam para a Segurança Social, visualizado a assistente, facto que determinou que regressassem à habitação de modo a elaborarem o relatório de forma mais completa.
Cumpre aqui salientar que se afigura irrelevante o facto de as arguidas terem referido que o táxi onde seguida a assistente ser conduzido por um homem e a assistente asseverar que era por uma mulher, porquanto resulta das regras da normalidade social e da experiência comum que as pessoas não retêm todas memórias idênticas dos factos, as quais dependem desde logo da posição que ocupam relativamente aos mesmos e do que cada um avalia como mais ou menos impressivo.
Por fim, cumpre referir que também não se coaduna com as regras da experiencia comum e do bom senso que as arguidas já  após a realização da visita à habitação – que segundo as próprias foi consentida pelo pai da assistente, DD – após visualizarem aquela, tenham regressado à habitação de modo a completar o relatório.
Ora, após a leitura de toda a prova carreada para os autos (participação criminal de fls. 5 a 6; interrogatório das arguidas de fls. 21 e 24; inquirição da assistente de fls. 35 a 37; inquirição de DD, de fls. 41 a 43; inquirição de FF, de fls. 45 a 47; inquirição de GG, de fls. 49 a 50; relatório de serviço, de fls. 58 a 59; certidão de fls. 63 a 98; interrogatório da arguida AA, de fls. 108 a 110; certidão de fls. 110 a 120; inquirição de EE, de fls. 123 a 124, concatenada com as declarações prestadas pelas arguidas e pela assistente), não subsistem quaisquer dúvidas ao tribunal de que não existem indícios suficientes da prática pelas arguidas dos factos que são imputados.
Os factos relativos aos elementos subjetivos dados como não indiciados resultaram da circunstância de se dar como não indiciada a factualidade objetiva.”.
E, diga-se, decidiu bem o Mm.º Juiz de Instrução Criminal ao não pronunciar as arguidas/recorridas nos termos propugnados pela assistente/recorrente, até por obediência ao princípio in dubio pro reo, do qual, note-se, o tribunal a quo nem sequer teve a necessidade de lançar mão, ao invocar expressamente “(…) não subsistem quaisquer dúvidas ao tribunal de que não existem indícios suficientes da prática pelas arguidas dos factos que são imputados. (…)” 
Como é sabido, na fase instrutória está em causa a apreciação de todos os elementos de prova produzidos no inquérito [e, sendo o caso, também na instrução], com a subsequente integração no devido enquadramento jurídico, em ordem a aferir da sua suficiência ou não para fundamentar a sujeição de um arguido a julgamento e o tribunal a quo fez essa apreciação, tendo apreciado a existência/inexistência dela (indiciária, obviamente), segundo as regras da experiência e a sua livre convicção - artigo 127º, do Código de Processo Penal.
E, ao contrário do defendido pela assistente/recorrente, não o fez arbitrariamente, tendo explicado porque assim concluiu, fundamentação essa que foi compreendida pela assistente/recorrente, pois que sobre a mesma se insurgiu no presente recurso, numa clara demonstração de ter bem compreendido porque decidiu o tribunal a quo da forma como decidiu.
Inexiste, portanto, qualquer violação dos apontados artigos 127.º do Código de Processo Penal e 205.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa e muito menos qualquer nulidade da decisão instrutória, designadamente por falta de fundamentação, ante o exposto nos artigos 379.º, n.º 1, al. a), por remissão para o artigo 374.º, n.º 2 e 3, al. b), 308º n.º 1 e 286.º, todos do Código de Processo Penal, invocada, en passant, pela assistente/recorrente apenas na motivação recursiva, mas já não nas suas conclusões que fixam o objeto do recurso. 
Conforme afirma Figueiredo Dias “(...) os indícios só serão suficientes, e a prova bastante, quando, já em face deles, seja de considerar altamente provável a futura condenação do acusado ou quando esta seja mais provável do que a absolvição”. E acrescenta ainda: “tem pois razão Castanheira Neves quando ensina que na suficiência dos indícios está contida a mesma exigência de verdade requerida pelo julgamento final, só que a instrução preparatória (e até a contraditória) não mobiliza os mesmos elementos probatórios que estarão ao dispor do juiz na fase do julgamento, e por isso, mas só por isso, o que seria insuficiente para a sentença pode ser bastante ou suficiente para a acusação”.[10]
Sustenta Carlos Adérito Teixeira, a propósito do que entende por conceito de indícios suficientes: “liga-se o referente retrospectivo da prova indiciária coligida ao referente prospectivo da condenação, no ponto de convergência da “possibilidade razoável” desta, por força daqueles indícios e não de outros”.[11]
 Ou seja, os indícios serão “suficientes” quando justificam a realização de um julgamento e tal ocorre quando a possibilidade de condenação, em função deles, for razoável.
E, assim sendo, facilmente se compreenderá que o princípio in dubio pro reo, corolário da presunção de inocência do arguido constitucionalmente consagrada, tenha, necessariamente, de ser atendido já nas fases anteriores ao julgamento, como o é a fase da instrução.
Na verdade, no que respeita à dedução de acusação ou de pronúncia, constitui uma garantia fundamental de defesa, manifestação do princípio da presunção de inocência constitucionalmente consagrado, que ninguém seja submetido a julgamento penal senão havendo “indícios suficientes” de que praticou um crime, não podendo, portanto, a análise de tais indícios se encontrar alheada do invocado princípio in dubio pro reo.
 No desenvolvimento deste entendimento, o Tribunal Constitucional, no seu Acórdão nº 439/2002, de 23 de outubro[12], considerou que “a interpretação normativa dos artigos citados (286º nº 1, 298º e 308º nº1, do CPP) que exclui o princípio in dubio pro reo da valoração da prova que subjaz à decisão de pronúncia reduz desproporcionada e injustificadamente as garantias de defesa, nomeadamente a presunção de inocência do arguido, previstas no art. 32º nº 2, da Constituição”.[13]
Respeita-se, portanto, o princípio constitucional da presunção de inocência plasmado no artigo 32º, nº2 da Constituição da República Portuguesa, o qual deve, por isso, incidir diretamente na formulação do sobredito juízo de probabilidade.

Daqui decorre que uma pessoa não deve ser sujeita a julgamento se emergir dos meios de prova produzidos até então dúvida razoável sobre se, com base nessas provas, o arguido seria aí sujeito à aplicação de uma pena[14]. Se tal dúvida ocorrer cumpre, pois, aplicar processualmente a regra in dubio pro reo.
In casu, o tribunal a quo analisou “toda a prova carreada para os autos (participação criminal de fls. 5 a 6; interrogatório das arguidas de fls. 21 e 24; inquirição da assistente de fls. 35 a 37; inquirição de DD, de fls. 41 a 43; inquirição de FF, de fls. 45 a 47; inquirição de GG, de fls. 49 a 50; relatório de serviço, de fls. 58 a 59; certidão de fls. 63 a 98; interrogatório da arguida AA, de fls. 108 a 110; certidão de fls. 110 a 120; inquirição de EE, de fls. 123 a 124, concatenada com as declarações prestadas pelas arguidas e pela assistente)” e concluiu pela inexistência de indícios suficientes da prática pelas arguidas/recorridas dos factos imputados e explicou porque assim o entendeu, de forma lógica e escorreita, ante o princípio da livre apreciação da prova, efetuado à luz das regras da experiência comum e devidamente fundamentado.
E, como bem o refere a Ex.mª Procuradora-Geral Adjunta, no seu douto parecer, “Certo é que, perante as declarações da assistente, nomeadamente, as prestadas perante si, na fase da instrução, o Mmº J. I. C., beneficiando da oralidade e imediação, não lhes atribuiu a necessária credibilidade, conferindo-a às arguidas por estas terem prestado os esclarecimentos sobre toda a factualidade de forma escorreita, clara e precisa, ao invés do que aconteceu com as prestadas pela assistente, que não foram reputadas credíveis e claras.
Nessa ponderação, o Mmº J.I.C justificou de forma pertinente e plausível, de acordo com as regras da experiência comum e normal acontecer, as razões para assim ajuizar, mostrando-se as suas conclusões sustentadas nos elementos probatórios existentes nos autos.
(…)
Na verdade, são apresentadas duas versões, antagónicas, dos acontecimentos, a das arguidas e a da assistente, sendo certo que a relatada por esta não se mostra apoiada em qualquer elemento probatório credível, v.g., quanto aos factos relacionados com a pretensa expressão ameaçadora das arguidas, as quais negam tal factualidade, além de que tal expressão não tem a necessária clareza e objectividade para permitir concluir, sem mais, como o faz a recorrente, que as arguidas tiveram a intenção de “ a ameaçar “ (…) , inexistindo, assim, indícios suficientes dos crimes de ameaça e/ou de coacção, p. e p. no art.º 153.º 1 e 154.º 1 do Código Penal. (…)”
Na verdade, acrescentamos nós, como bem o realça a Ex.ma Procuradora da República no despacho de arquivamento, as expressões alegadamente proferidas deque iria ser o melhor relatório que tinham feito na vida delas e o melhor que a assistente iria ter no processo” e que tenho pena da HH ouvir isto, isto que não ia ficar assim” são demasiado vagas e indeterminadas para que o mal anunciado possa constituir a prática de qualquer um dos crimes a que se refere o tipo objectivo de ilícito.  Por outro lado, aquelas expressões não atingem o patamar da idoneidade, por forma a serem adequadas a provocar medo ou inquietação ou a prejudicar a liberdade de determinação, na medida em que consubstanciam um eventual “mal” configurável apenas de maneira superficial, de forma difusa, imprecisa e sem conteúdo concreto.
Quanto ao facto de a queixosa referir que com as mesmas queriam as arguidas dar a entender, pela postura e expressões proferidas que queriam dizer que iriam fazer um relatório que implicasse que a sua filha lhe fosse retirada, tal não passa de uma conclusão da própria queixosa e não algo que as arguidas tivessem expressamente proferido.”, não tendo sido esse, aliás, o sentido do parecer técnico que foi vertido na Informação Social datada de 03-08-2022, subscrita pela arguida/recorrida AA, junto aos autos a fls. 71 e ss.
E pela inexistência de indícios suficientes do invocado crime de ameaças aponta, ainda, o depoimento da testemunha EE [militar da GNR que se deslocou ao local], prestado a fls. 123 e ss., do qual decorre que “… Enquanto ali esteve em nenhum momento as arguidas ameaçaram ou tiveram um comportamento desadequado com a denunciante ….”, assim contrariando a assistente/recorrente quando perante o Mm.º Juiz de Instrução Criminal referiu que quando veio a GNR a Dr.ª AA disse “A sério Sr. agente este vai ser o melhor relatório da sua vida dona CC” [cfr. minuto 10.58], dirigindo-se, portanto, diretamente à autoridade policial, que não poderia ter deixado de percecionar e registar tais dizeres, se os mesmos tivessem ocorrido.  
Quanto ao crime de usurpação de funções – por, alegadamente, as arguidas se terem intitulado funcionárias do Tribunal – nem a descrição fáctica do pai da assistente, DD, a ser atendida – e não foi - , permitiria considerar indiciado o crime p. e p. no art.º 358.º do Código Penal, na medida em que dúvidas não restam que as arguidas, no contexto descrito, apenas exerceram as funções de assistentes sociais, isto é, as funções em que se encontravam investidas, procurando apurar as circunstâncias em que vivia a menor do Processo de Promoção e Protecção n.º 1069/18.7T8VRL-D, razão da sua deslocação ao local da residência dos avós da criança, não se demonstrando que tivessem praticado quaisquer actos próprios de funcionário do Tribunal, nem, aliás, no RAI, a assistente concretiza que actos foram esses, próprios de funcionário, antes aí descrevendo a actividade das arguidas para a elaboração do relatório social, isto é, a inerente àquelas funções.
Relativamente ao eventual crime de violação de domicílio por funcionário, p. e p. no art.º 378.º do Código Penal, [e, acrescentamos nós, relativamente ao crime de violação de domicílio ou perturbação da vida privada, previsto e punido pelo artigo 190.º, n.ºs 1 e 2 do Código Penal e de introdução em lugar vedado ao público, previsto e punido pelo artigo 191.º do Código Penal] verifica-se que as arguidas negam qualquer entrada desautorizada na residência [pátios, jardins ou espaços vedados anexos a habitação], não sendo bastante, para a sua indiciação, o depoimento do pai da assistente, DD, ao qual igualmente não foi atribuído a necessária credibilidade, tanto mais que o mesmo relatou a recolha de registos fotográficos pelas arguidas, os quais nunca foram juntos ao mencionado processo, como, a existirem, em circunstâncias normais e dada a sua natural utilidade, teria acontecido.”
Acrescentamos nós que perante o Mm.º Juiz de Instrução Criminal a assistente/recorrente negou ter visto quaisquer fotos, tal como negou ter ouvido os agentes a dizer para elas apagarem alguma coisa, assim contrariando a sua própria versão dos factos quando alega no artigo 29.º do requerimento de abertura de instrução que “…um dos agentes da GNR que se deslocou ao local acabou por ordenar a arguida AA que apagasse as imagens que teria tirado …”.
E não descortinamos de que forma se possa concluir da decisão recorrida ser entendimento do Mm.º Juiz de Instrução Criminal que porque são técnicas da segurança social, já podem entrar em casa das pessoas sem autorização dos proprietários, pois como a assistente/recorrente bem sabe não foi por isso que as arguidas/recorridas não foram pronunciadas, mas sim por falta de indícios suficientes de que tenham atuado da forma que lhes é imputada.
“No que concerne aos crimes de perseguição e de abuso de poder, p. e p. nos art.ºs 154.º A e 155.º 1 d) e 382.º do Código Penal, como bem se referiu no despacho de arquivamento e no douto despacho recorrido, os elementos recolhidos apenas permitem concluir que as diligências realizadas pelas arguidas visaram tão somente a elaboração do relatório ordenado pelo Tribunal, no âmbito da usual e profissional intervenção nesse tipo de processos, não se evidenciando minimamente qualquer atitude persecutória, ou exercício abusivo das suas funções para prejudicar a assistente.”.
Na verdade, como bem se refere no despacho de arquivamento “(…) a deslocação das arguidas à residência deu-se na sequência da necessidade de elaborar um relatório para o processo de promoção e protecção referente à menor HH, filha da queixosa.”, diligência essa determinada pelo tribunal, “De acordo com a Acta de Conferência que decorreu no dia 12.07.2022, no Juízo de Família e Menores de Vila Real referente ao processo de promoção e protecção n.º 1069/18.7T8VRL-D (…)”; e FF, quando contactou o Posto da GNR referiu-se a duas Técnicas da Segurança Social e não “do tribunal”.].
De facto, analisamos tal documento e dele não podemos, de todo, retirar as conclusões vertidas em sede recursiva.

Pois, na verdade, o que consta da ata de conferência junta aos autos a fls. 117 e ss. é o seguinte:
“(…)
Neste momento, dada a palavra à Técnica da Segurança Social pela mesma foi dito que o relatório junto aos autos se encontra desatualizado, uma vez que a medida terá de ser reavaliada, mostrando o desejo de falar com o pai da menor e, consequentemente, requer prazo não inferior a 10 dias para elaboração de novo relatório social.
Dada a palavra à Digna Magistrada do Ministério Público, no seu uso, disse:
Em face da posição assumida pela Técnica Gestora, entende o Ministério Público que o relatório social junto aos autos não está atualizado, havendo que ponderar a melhor medida de promoção e proteção a aplicar à criança.
Promovo que se notifique a Segurança Social, para com a maior brevidade possível, elabore e remeta aos autos relatório social sobre a situação da menor, agregado familiar, bem como sobre a situação do progenitor e seu agregado familiar, nomeadamente os avós paternos.
(…)
Dada a palavra à ilustre Mandatária da progenitora, no seu uso, disse:
Tendo em conta que a Técnica da Segurança Social requereu que fosse efetuado novo relatório social, tendo em conta que já havia passado algum tempo desde a data do último e porque, também, gostaria de falar com o progenitor e sua família para melhor compreender e elaborar o referido relatório e propor a referida medida.
Nesta sequência, entende a requerida que este relatório social, deverá ser efetuado junto do progenitor, na residência do mesmo, ou seja, em ..., o qual deverá ser solicitado à Segurança Social da área da residência do pai, podendo o mesmo ser feito em articulação com a Segurança Social ....
Quanto a esse formalismo legal, a requerida não se pronuncia.
Quanto ao demais, mormente, para eventual medida a aplicar ou a sugerir, nada tem a opor.
(…)
*
Dada a palavra à Digna Magistrada do Ministério Público, no seu uso, disse:
No âmbito do Processo de Alteração das Responsabilidades Parentais já foi pedido o relatório social ao progenitor.
Tendo em conta a urgência dos presentes autos deverá a Segurança Social elaborar relatório com os dados que obtiver junto do pai e dos avós paternos da criança, podendo, ainda, articular através de contacto telefónico com todos os intervenientes necessários para a elaboração do relatório.
(…)
Após, pela Mm.ª Juiz foi proferido o seguinte:
DESPACHO
Tendo em consideração os elementos documentais entretanto juntos aos autos, afigura-se-nos pertinente proceder à elaboração de informação social atualizada, nos termos promovidos pelo Ministério Público.
No que concerne à pretendida elaboração de relatório social sobre a situação do progenitor em ..., ora peticionada pela progenitora, tendo em consideração que já foi expedida carta rogatória no âmbito do Apenso C ( alteração das responsabilidades parentais), aguardando-se a remessa da mesma devidamente cumprida, neste âmbito, terá a Segurança Social que aferir, para efeitos do presente Processo de Promoção e Proteção, da condição socioeconómica do progenitor e agregado familiar que o mesmo integra em Portugal - avós paternos
Em face do exposto, concede-se o prazo de 10 dias para junção aos autos pela Segurança Social da referida informação social atualizada.
(…)”.
Ou seja, a arguida/recorrida AA, que era a Técnica da Segurança Social que estava presente naquela diligência, não diz que quer fazer relatório social apenas quanto ao pai da menor, mas sim que mostrou desejo de falar com ele.
É uma realidade que o “impulso” para a elaboração de novo relatório social partiu da arguida/recorrida AA, mas não é menos verdade que não o fez sem autorização/determinação/decisão da Mm.ª Juíza que presidia a tal diligência, que por sua vez, determinou a sua realização perante promoção do Ministério Público.
Acresce dizer que, ao contrário do defendido pela assistente/recorrente, não foi determinado que se fizesse o relatório social apenas por referência à casa dos avós paternos ou apenas por referência às condições habitacionais da filha da assistente, mas sim nos termos promovidos pelo Ministério Público e o que este promoveu foi que se fizesse “(…) relatório social sobre a situação da menor, agregado familiar, bem como sobre a situação do progenitor e seu agregado familiar, nomeadamente os avós paternos.”.
E não se diga que, tendo as arguidas/recorridas se inteirado das condições habitacionais da menor em casa dos avós maternos se extravasou o que foi pedido, pois, como acabamos de ver, o despacho ora analisado que determinou a elaboração de novo relatório social não exclui a possibilidade da menor residir em casa dos avós maternos e, além disso, o que decorre das declarações das arguidas/recorridas é que lhes foi indicado, por locais que iam encontrando no caminho, que a casa onde a menor residia era aquela – ou seja, a dos avós maternos – sendo uma realidade incontroversa que quando ali entraram, de facto, constataram que havia um quarto com um “bercinho” e outro onde dormiam crianças, o que não foi desmentido pela assistente/recorrente, dizendo mesmo perante o Mm.º Juiz de Instrução Criminal que “tinha um quarto que tinha a cama da sua filha” e “tinha o meu onde tinha o berço” [min.15.57], embora nunca tenha admitido que na data lá vivesse.
Na verdade, não se descortina que interesse teriam as arguidas/recorridas em entrar na propriedade dos pais da assistente, sem a autorização destes.    
E não se defenda a existência de indícios suficientes de que as arguidas/recorridas se terão identificado como funcionárias do Tribunal, pois não é isso o que decorre da conjugação do depoimento da testemunha FF [mãe da assistente] prestado a fls. 45 e ss., com o depoimento da testemunha EE [militar da GNR que se deslocou ao local] e com o Relatório de serviço de fls. 58 e ss.  Na verdade, segundo a testemunha FF “as denunciadas AA e BB deslocaram-se à sua residência, sita na Rua ..., ..., ..., onde teve conhecimento da situação por meio da sua filha e daí ligou para a GNR ... para tomarem conta da ocorrência …”, e segundo o depoimento prestado a fls. 123 e ss. pela testemunha EE [militar da GNR que se deslocou ao local], “estava em serviço de patrulhamento tendo recebido uma chamada do Posto para se deslocarem a uma residência porquanto duas assistentes sociais teriam entrado na habitação sem autorização”, depoimento este consentâneo com o vertido no Relatório de serviço de fls. 58 de onde decorre que “… foi-nos comunicado para nos deslocarmos à  Rua ..., ..., ..., ..., ..., em virtude de ter ligado para o Posto, a Sr.ª II, a denunciar que duas Técnicas da Segurança Social se haviam introduzido na sua residência sem a sua autorização”.
Relativamente ao crime de devassa da vida privada imputado às arguidas/recorridas [concretamente, de sem consentimento e com intenção de devassar a vida privada das pessoas, captar, fotografar, filmar, registar ou divulgar imagem das pessoas ou de objectos ou espaços íntimos], de facto não existe qualquer indício suficiente nos autos de que tenha sido captada, fotografada, filmada registada e muito menos divulgada qualquer imagem de pessoas, objetos ou espaços íntimos.
Com efeito, como se dá conta no despacho de arquivamento, as arguidas negaram ter efetuado qualquer filmagem ou tirado fotografias do interior da residência e, de facto, não foram juntos ao processo de promoção e proteção quaisquer imagens, nem consta dos presentes autos qualquer elemento de prova que indique que tenham sido divulgadas.
Não se descortina, portanto, de que forma se possa sustentar a existência de suficiente indiciação capaz de levar à pretendida pronúncia e subsequente condenação das arguidas/recorridas em julgamento pelo apontado crime.     
E inexistindo qualquer indício de ter sido efetuado qualquer registo fotográfico ou filmagem, ante os fundamentos acabados de expender, jamais existiria a possibilidade de levar as arguidas/recorridas a julgamento pela prática do crime de gravações e fotografias ilícitas, tanto mais que tal tipologia criminal, regida pelo artigo 199.º do Código Penal, reporta-se à gravação/utilização/permissão de utilização de palavras e ao registo fotográfico ou filmagem/utilização/permissão de utilização de fotografias e filmes de pessoas,   quando segundo a própria assistente/recorrente as arguidas/recorridas teriam filmado espaços da casa e não qualquer pessoa.
De qualquer forma, sempre se dirá, tal como o refere o Mm.º Juiz de Instrução Criminal, que  com exceção dos crimes de difamação e de publicidade e calúnia, os demais tipos de ilícitos imputados pela assistente CC às arguidas revestem natureza semi-pública e/ou pública (ameaça – artigo 153.º, n.º 2, do CP; coação – artigo 154.º, do CP; perseguição – artigo 154.º-A, n.º 5, do CP; violação de domicílio ou da vida privada – artigo 190.º a 198.º do CP; introdução em lugar vedado ao público – artigo 191.º e 198.º do CP; devassa da vida privada – artigo 192.º e 198.º do CP; gravações e fotografias ilícitas – artigo 199.º, n.º 3 e 198.º do CP; usurpação de funções – 358.º do CP; violação de domicílio por funcionário – 378.º do CP; e abuso de poder – artigo 382.º do CP), o que significa que a legitimidade para a dedução de acusação a seu respeito compete exclusivamente ao Ministério Público (artigos 48.º e 49.º do CPP)”, carecendo, portanto, a assistente/recorrente de legitimidade para, por si só, deduzir acusação particular contra as arguidas/recorridas, pela prática dos apontados crimes. Inerentemente, o pretendido despacho de pronúncia, por esta via, jamais seria alcançado.
Resta, portanto, apreciar da existência/inexistência de indícios relativamente aos crimes de difamação e de publicidade e calúnia previstos e punidos, respetivamente, pelos artigos 180.º e 183.º do Código Penal.
Como é sabido, para o preenchimento dos tipos de ilícito em apreço é necessário que o agente se dirija a terceiro, imputando a outra pessoa, mesmo sob a forma de suspeita, um facto, ou formular sobre ela um juízo, ofensivos da sua honra ou consideração, ou reproduzir uma tal imputação ou juízo, sempre com o intuito de ofender na sua honra e consideração.
E, na verdade, mesmo que se encontrasse suficientemente indiciada a factualidade invocada a esse respeito [o que, atentos os considerandos supra expostos e que aqui desenvolveremos, não se verifica], não descortinamos de que forma pudesse ser capaz de consubstanciar os apontados crimes de difamação e de publicidade e calúnia.
 Veja-se, que segundo a assistente/recorrente, as arguidas terão feito “afirmações/imputações” que segundo ela são “falsas”, quer “dizendo ao companheiro da assistente que não estaria a viver com ela e que só seria apenas pai para os fazer”, quer inserindo as “afirmações/imputações” que constam do relatório social, elaborado a 03-08-2022, no âmbito do processo de promoção e proteção n.º 1069/18.7T8VRL-D que corria termos no Tribunal de Família e Menores de Vila Real.
Ora, quanto ao alegado facto de terem dito “ao companheiro da assistente que não estaria a viver com ela e que só seria apenas pai para os fazer”, para além de não constar minimamente indiciado nos autos, não tem qualquer caracter difamatório, e mesmo que se entendesse que eram suscetíveis de atingir a honra e consideração de alguém, o atingido sempre seria o companheiro da assistente e não esta.
E, no que se reporta às afirmações/imputações constantes do relatório social trazidas à colação pela assistente/recorrente, concretamente de “a progenitora continua a expor a filha a situações impróprias”, ao contrário do que afirma a recorrente, diz-se ali que situações são essas, conforme resulta do trecho que passamos a transcrever: “nomeadamente idas ao hospital sem necessidade, bem como a um ambiente onde tenta denegrir a imagem do ex-companheiro, obstaculizando os convívios entre pai e filha – conduta esta que, de resto, já havia sido anotada no Relatório Social de Avaliação Diagnóstica elaborado pela Segurança Social e já junto a estes autos”.
Acresce dizer que analisamos o mencionado Relatório Social de Avaliação Diagnóstica a que ali se faz referência, junto aos presentes autos a fls. 65 e ss., elaborado a 13-10-2021, não subscrito por nenhuma das aqui arguidas/recorridas, e, de facto, do Parecer Técnico ali inserto já constavam tais “afirmações/imputações”.
E quanto as demais “afirmações/imputações” ali vertidas, trazidas à liça no presente recurso, [a saber: “A Progenitora, segundo o relatório de medicina forense da especialidade de psicologia junto aos autos, revela ter “moderadas dificuldades em perceber os sentimentos e a perspetiva do outro; moderada sintomatologia ansiosa, queixas somáticas e pessimismo, desconfiança e hipervigilância; pensamentos intrusivos que podem interferir no seu julgamento; sobreproteção da criança (pode incluir práticas intrusivas e tentativas de conhecer todas as atividades da filha, que se considera excessivo no que toca às experiências da criança com o pai e é eventualmente agravado pela ausência de contactos mãe/filha durante os mesmos) e fraco potencial de mudança”, (…) Tais atitudes e comportamentos da progenitora colocam em causa valores fundamentais como o direito à parentalidade, dignidade e saúde emocional da HH. (…) Parece-nos que a progenitora tem vindo a desenvolver um processo de alienação parental, denegrindo a imagem do progenitor perante terceiros e diante da criança (…)]”.
insurge-se a assistente/recorrente contra as mesmas apelidando-as de imputações/afirmações falsas porquantoda presença das arguidas no local não foi dito nem que falaram do progenitor, nem que a criança estava presente, mais num relatório quanto às condições habitacionais”, parecendo a assistente/recorrente esquecer que a mencionada Informação Social não foi elaborada apenas com base na deslocação das arguidas/recorridas ao local, mas sim nas diversas Fontes e metodologias ali indicadas, relembre-se:
“- Consulta no Sistema de Informação da Segurança social (SISS);
- Consulta de peças processuais;
- Visita domiciliária a casa dos avós paternos dia 14/07/2022;
- Visita domiciliária a casa dos avós maternos, residência "provisória" da progenitora, HH e irmãos uterinos, dia 15/7/2022;
- Visita domiciliária a cas do progenitor (via on-line) dia 21/07/2022;
- Entrevista com o patrão do progenitor, Srº JJ , dia 21/07/2022, via on-line;
- Contacto telefónico e via e-mail com a Técnica Gestora do Protocolo de Rendimento de Inserção Social de ...;
- Contato telefónico com o Senhor KK (progenitor dos irmãos uterinos da HH), dia 22/07/2022;
- Entrevista na Segurança Social com o Progenitor da HH, Srº LL, dia 1 de agosto de 2022.”.
De qualquer forma, mesmo que tivesse resultado suficientemente indiciado que tais afirmações/imputações eram falsas, como o defende a assistente/recorrente [o que, de todo, não resultou] sempre claudicaria a possibilidade de levar as arguidas/recorridas a julgamento pelos apontados crimes de difamação e de publicidade e calúnia, pois inexiste qualquer elemento de prova suscetível de conduzir à conclusão de que as arguidas/recorridas tenham agido com o intuito de ofender a honra e consideração da assistente.
Aliás, diga-se, não se descortina de que forma, o recolher de informações, designadamente junto de terceiros, e o vertido no questionado relatório social [informação social] possa conduzir aos crimes que se pretende ver imputados às arguidas/recorridas e muito menos se descortina de que forma se possa sustentar que estas tenham atuado com o intuito de prejudicar a assistente/recorrente quando o que consta da Informação Social em causa é que o parecer técnico ali vertido foi no sentido de se dar imediato cumprimento ao período de férias da sua filha HH com o progenitor e restante família alargada, em ... – Ribeira ..., - durante o mês de agosto de 2022, com vista à manutenção dos laços afetivos sólidos que naturalmente existem entre o pai e a menor, e nada mais do que isso.   
Nenhuma censura merece, pois, a decisão recorrida ao considerar não suficientemente indiciados os factos do requerimento de abertura de instrução e da acusação particular deduzida nos autos pela assistente/recorrente contra as arguidas/recorridas e, nessa conformidade, concluir pela insuficiência de indícios da verificação de qualquer um dos crimes aí equacionados.
Em conclusão: da leitura e análise da fundamentação constante da decisão recorrida é possivel constatar que o Mmº Juíz de Instrução justificou cabalmente a inexistência da matéria de facto indiciária necessária à perfectibilização dos elementos objectivos e subjectivos dos crimes imputados às arguidas/recorridas pela assistente/recorrente, devendo, nessa conformidade, como decidido, concluir-se pela inexistência de probabilidade de, em audiência de julgamento, e com os elementos de prova recolhidos, as mesmas virem a ser condenadas pela sua prática.
E não se diga que o tribunal a quo não analisou todos os elementos de prova constantes dos autos e que se o tivesse feito teria chegado a conclusão diferente.
Na verdade, analisamos todos os elementos de prova vertidos nos autos, quer as declarações das arguidas/recorridas, quer as declarações da assistente/recorrente,  quer os depoimentos das testemunhas e a prova documental junta aos autos e até ouvimos, na integra, as declarações das arguidas/recorridas e as da assistente/recorrente proferidas perante o Mm.º Juiz de Instrução Criminal e, da sua análise, concatenada, não podemos deixar de constatar o acerto da decisão de não pronúncia das arguidas/recorridas.
E não se defenda que perante as alegadas contradições constantes das declarações prestados ao longo do processo pelas arguidas/recorridas o Mm.º Juiz de Instrução Criminal deveria ter considerado os factos vertidos no requerimento de abertura de instrução e na acusação particular indiciados, pois como a assistente/recorrente bem sabe o princípio in dubio pro reo impõe precisamente o contrário e, cfr. se pode ler no despacho recorrido, após a análise concatenada dos elementos de prova ali indicados, o Mm. Juiz de Instrução Criminal diz o seguinte: não subsistem quaisquer dúvidas ao tribunal de que não existem indícios suficientes da prática pelas arguidas dos factos que são imputados”.
Além disso, como a própria assistente/recorrente refere, as alegadas incongruências nos relatos das arguidas/recorridas prestados ao longo do processo reportam-se a “alguns pormenores” (sic) que de forma alguma contendem com a conclusão a que se chegou na decisão recorrida.
Veja-se, por exemplo, que é indiferente para o caso saber se a pessoa que conduzia o táxi que transportava a assistente/recorrente era um homem ou uma mulher. Na verdade, o que releva é que as arguidas/recorridas deslocaram-se, de facto, à residência dos pais da assistente/recorrente e ali mantiveram contactos com esta e nunca negaram ter entrado naquela residência, embora digam que o fizeram com a autorização do pai da assistente, o que este nega.
De qualquer forma, não se pode analisar um meio de prova de forma singular, mas sim de forma concatenada com os demais e, como temos vindo a expor, dessa análise não decorre suficientemente indiciada qualquer factualidade capaz de sustentar a pronúncia das arguidas/recorridas nos termos propugnados pela assistente/recorrente.    
Diga-se, por fim, que não podemos deixar de constatar que quer a acusação particular, quer o requerimento de abertura de instrução, assentam numa amálgama de factos, intenções, conceitos jurídicos e imputações, algumas das vezes de impossível destrinça, ali se “disparando” em todas as direções que se entendeu serem alcançáveis, descurando-se, além da figura jurídica da consunção, que cada tipologia criminal tem a sua especificidade e abarca elementos objetivos e subjetivos muito próprios e distintos dos demais.

Veja-se, por exemplo, o artigo 19.º da acusação particular [transcrição]:

“As arguidas com os vários comportamentos, quiseram ameaçar, amedrontar, enxovalhar e denegrir o bom nome e imagem da assistente e seu companheiro perante a aldeia, família desta e também perante o Tribunal ao fazerem um relatório com informação para prejudicar a filha da assistente e própria assistente, intento que conseguiram atenta a forma como o fizeram”.
Desde logo urge perguntar:
A que concreto comportamento se refere a assistente/recorrente dos “vários” que ali chama à colação?
Não sabemos. E são diversos os comportamentos que são imputados às arguidas/recorridas ao longo das mencionadas peças processuais.
Em suma, pese embora na fase de instrução não se procure uma certeza absoluta, o facto é que também não é qualquer indício que se mostra capaz de sustentar um despacho de pronúncia, mas apenas os indícios suficientes e, in casu, inexistem nos autos elementos probatórios capazes de levar à conclusão, com a segurança que esta fase processual da instrução exige, pela culpabilidade das arguidas/recorridas, apresentando-se a decisão ora impugnada acertada, até por obediência ao imperativo legal decorrente do princípio in dubio pro reo, que, ao contrário do defendido pela assistente/recorrente tem aqui inteira aplicação.
Inexiste, portanto, qualquer violação dos preceitos e princípios legais/constitucionais apontados, ou, diga-se, de quaisquer outros.
Aqui chegados, só nos resta, portanto, concluir que o recurso interposto pela assistente/recorrente terá de improceder, in totum.

III- DISPOSITIVO

Pelo exposto, acordam os Juízes da Secção Penal deste Tribunal da Relação de Guimarães em negar provimento ao recurso interposto pela assistente e, consequentemente, mantém-se o despacho recorrido de não pronúncia das arguidas, nos seus precisos termos.

Custas pela assistente/recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 4 UCS [artigo 515º, nº 1, al. b) do Código de Processo Penal e artigo 8º, nº 9, do RCP, com referência à Tabela III anexa ao mesmo].
Notifique.
Guimarães, 11 de junho de 2025
[Elaborado e revisto pela relatora - artigo 94.º, n.º 2, do Código de Processo Penal]

Os Juízes Desembargadores

Isilda Pinho [Relatora]
Bráulio Martins [1.º Adjunto]
Anabela Varizo Martins [2.ª Adjunta]


[1] Indicam-se, a título de exemplo, os Acórdãos do STJ, de 15/04/2010 e 19/05/2010, in http://www.dgsi.pt.
[2]Conhecimento oficioso que resulta da jurisprudência fixada no Acórdão do STJ n.º 7/95, de 28 de dezembro, do STJ, in DR, I Série-A, de 28/12/95.
[3] São exemplo disso, entre outros, os seguintes acórdãos:
Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, datado de 15/02/2012, Processo nº 918/10.2TAPVZ.P1;
Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, datado de 18/04/2012, Processo nº 4454/10.9TAVNG.P1;
Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, datado de 03/07/2012, Processo nº 4016/08.0TDLSB.E1;
Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, datado de 31/10/2017, Processo n.º 3335/16.7T9SNT.L1-5;
Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, datado de 03/04/2019, Processo n.º 3106/18.6T9LSB.L1-9;
Acórdão deste Tribunal da Relação de Guimarães, datado de 27/04/2020, Processo n.º 86/17.9T9PTB.G1; todos consultáveis em www.dgsi.pt.
[4] Vinício Ribeiro, Código de Processo Penal - Notas e Comentários, Coimbra Editora, 2008, pág. 909.
[5] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, datado de 11-07-2007, Processo n.º 07P1610, in www.dgsi.pt.
[6] Acórdãos do STJ, datado de 15/06/2005, Processo n.º 1556/05; datado de 07/12/2005, Processo n.º 1008/05 e de 23/05/2012, Processo n.º 687/10.6TAABSF.S1;
Acórdãos do Tribunal da Relação do Porto, datado de 11/05/2005, Processo n.º 0512294; datado de 24/05/2006, Processo n.º 0546478;
Acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa, datado de 30/11/2006, Processo n.º 10402/05 e datado de 04/01/2007, Processo n.º 8076/06,
todos consultáveis em www.dgsi.pt.
[7] Cf. Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código de Processo Penal, 2ª Edição, pág. 306.
Acórdão deste Tribunal da Relação de Guimarães, datado de 06-11-2017, Processo n.º 220/14.0GBCMN.G1, in www.dgsi.pt.
[8] Neste sentido, entre outros:
Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, datado de 25-01-2016, Processo n.º 59/12.8GDVVD.G1;
Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, datado de 02-07-2019, Processo n.º 711/18.4T9EVR.E1;
todos consultáveis em www.dgsi.pt.
[9] Neste sentido, Costa Pimenta, in Código de Processo Penal, pág. 621.
[10] Direito Processual Penal, 1º vol., Coimbra Editora, Reimpressão, 1984, pág. 133.
[11] Indícios suficientes: parâmetros de racionalidade e “instância de legitimação” (…) Revista do CEJ, 2º semestre 2004, nº 1, pág. 189.
[12] Disponível em www.tribunalconstitucional.pt.
[13] No mesmo sentido da aplicação deste princípio em qualquer fase do processo, nomeadamente no inquérito e na instrução, se perfilam, entre outros.
Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 04/01/2006, Processo nº 0513975;
Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 22/10/2008, Processo nº 0814910, ambos consultáveis em www.dgsi.pt.
[14] Veja-se Jorge Noronha Silveira, “O Conceito de Indícios Suficientes no Processo Penal Português”, in “Jornadas de Direito Processual Penal e Direitos Fundamentais”, Almedina, pp. 180-181; Raúl Soares de Veiga, “O Juiz e Instrução e a Tutela de Direitos Fundamentais”, in ob. cit., p. 216; Paulo Saragoça da Matta, “A Livre Apreciação da Prova”, in ob. cit., pp. 275-277, todos citados no Acórdão deste Tribunal da Relação de Guimarães datado de 27/04/2020, Processo 86/17.9T9PTB.G1, já mencionado supra.