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CRIME DE HOMICÍDIO QUALIFICADO TENTADO
CRIME DE OFENSA À INTEGRIDADE FÍSICA QUALIFICADA
TIPICIDADE
ESPECIAL CENSURABILIDADE
Sumário
I - Na previsão dos tipos de crime consagrados nos arts. 132º, nº 1 e 2 e 145º, nº 1 e 2 do Código Penal, o que qualifica o crime de homicídio e o de ofensa à integridade física é o facto de o grau de culpa do agente ser maior, mais intenso, apto a gerar na sociedade uma maior rejeição ou repúdio sendo, por isso, ao nível da culpa que há de operar-se a análise da especial censurabilidade ou perversidade no cometimento do crime base. II - Está, assim, afastado o mero preenchimento de uma ou várias das alíneas do nº 2 do art.º 132º do Código Penal para automaticamente se concluir pela qualificação do crime.
Texto Integral
Acordam os juízes que compõem a Secção Criminal do Tribunal da Relação de Guimarães:
Relatório
No âmbito do processo comum colectivo nº 1917/23.0JABRG.G1 que corre termos no Tribunal Judicial da Comarca de ..., Juiz 5 da Central Criminal, em que é arguida AA, com os demais sinais nos autos, foi proferido acórdão a 12 de Dezembro de 2024, que a condenou nos seguintes termos:
«Decisão Pelo exposto, o Tribunal decide: 1.Condenar a arguida AA, pela prática de um crime de homicídio qualificado, na forma tentada, previsto e punido pelos artigos 22.º, 23.º, 131.º, 132.º, n.º 1, e n.º 2, alíneas b) e e) do Código Penal, na pena de 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão. 2.Julgar procedente o pedido de indemnização civil formulado pelo Hospital de ..., EPE, condenando o demandado a pagar àquele a quantia de € 186,77 (cento e oitenta e seis euros e setenta e sete cêntimos), acrescida de juros de mora à taxa legal de 4% desde a data da citação até efetivo e integral pagamento. 3.Arbitrar ao ofendido BB uma indemnização no montante total de € 6.000,00 (seis mil euros), condenando a arguida AA no respetivo pagamento. 4.Declarar perdidas a favor do Estado as facas apreendidas nos autos e identificadas no auto de apreensão de fls. 23, nos termos do disposto no artigo 109.º, n.º 1, do Código Penal, ordenando a sua oportuna destruição.»
Inconformada, a arguida interpôs o presente recurso pugnando pela sua absolvição, tendo para o efeito formulado as seguintes conclusões (transcrição):
«DAS CONCLUSÕES: 1 - A Recorrente discorda do douto acórdão e não pode com este conformar-se pelas seguintes razões fundamentais:
I. IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO – Artigo 412.º, n.º 3 do CPP 2 - O Tribunal formou a sua convicção a partir do teor dos documentos e relatórios juntos aos presentes autos, das declarações da ora Recorrente, do Ofendido BB, bem como das testemunhas arroladas pela acusação. 3 – No entanto, a conjugação de todos os meios de prova referidos com as mais elementares regras de experiência comum impunha decisão diversa sobre esses factos.
A. DA IMPUGNAÇÃO DA DECISÃO RELATIVA À MATÉRIA DE FACTO a) Dos concretos pontos de facto incorretamente julgados: 4 - Foram incorretamente julgados os seguintes pontos da matéria de facto julgada provada: 3, 7, 8, 10, 13, 14, 15, 16, 17, 20, 21, 22 e 23. b) Os concretos meios probatórios que impunham decisão diversa 5 – Censura se a errada apreciação da prova levada a cabo pelo Tribunal recorrido pois foram dados como provados factos quando a prova produzida impunha que os mesmos fossem julgados não provados.
Vejamos: Ponto 3 do elenco de factos provados 6 – A Recorrente, em sede de declarações prestadas em audiência de julgamento, afirmou que, no dia em causa, estava alcoolizada e sob efeito de fármacos ansiolíticos, tendo ainda reconhecido que após a morte dos seus pais começou a beber excessivamente - conforme depoimento prestado aos minutos 13:20 até 14:10 da gravação. 7 - Resultou das declarações do Ofendido que, nesse dia 30 de junho de 2023, a Recorrente, durante o almoço e a tarde, ingeriu três garrafas de vinho, assim como tomou vários comprimidos. 8 - As declarações prestadas pelo Ofendido são, na verdade, essenciais na medida em que esclareceu, de forma assertiva, a quantidade de bebidas alcoólicas e a medicação que a Recorrente tinha ingerido, nesse dia - conforme depoimento prestado aos minutos 15:50 até 16:20 da gravação. 9 - Do exposto resulta que o facto provado n.º 3 se encontra incompleto, devendo referir qual a quantidade de bebidas alcoólicas e fármacos que a Recorrente ingerira simultaneamente. 10 - Do compulso dos depoimentos suprarreferidos impõe-se decisão diversa, devendo o facto provado ter a seguinte formulação: No dia 30 de junho de 2023, durante o almoço e a tarde, a arguida foi, como habitualmente, consumindo bebidas alcoólicas, tendo ingerido três garrafas de vinho, bem como um número indeterminado de comprimidos. Ponto 7 do elenco de factos provados 11 – O Ofendido não sabe para onde foi a Recorrente após se ter ausentado da sua beira. 12- O certo é que, quando chegaram os bombeiros e a polícia, a Recorrente já se encontrava em casa. 13- Do exposto resulta que não poderia o Tribunal recorrido julgar provado que a Recorrente se tivesse ausentado da sua habitação, factualidade que não pode ser referida neste ponto 7 dos factos provados. 14 - Deveria, pois então, este facto ter sido julgado não provado. Ponto 8 do elenco de factos provados 15 – O ofendido referiu que se manteve sentado, pegou no telemóvel, chamou uma ambulância e abriu a porta aos bombeiros, tendo ainda mencionado que apresentava pouca perda de sangue – conforme depoimento prestado entre os minutos 23:00 e 29:00 da gravação. 16 - Por seu turno, a testemunha CC, agente da PSP, afirmou que a camisola do Ofendido tinha uma mancha de sangue, mas que este não estava a esvair-se em sangue e que não havia vestígios de sangue espalhados no local do crime - conforme depoimento prestado aos minutos 10:20 até 12:59 da gravação. 17 - De igual modo, a testemunha DD, bombeiro, referiu que assistiu o Ofendido, o qual tinha um ferimento no peito, tendo ainda explicado que o mesmo apresentava um ferimento ligeiro, que lhe fez um curativo, e que no local não havia poças de sangue - conforme depoimento prestado aos minutos 5:00 até 6:30 da gravação. 18 - A testemunha EE, também bombeiro, esclareceu também que foi o Ofendido quem lhes abriu a porta, e que este foi pelo seu próprio pé para a ambulância - conforme depoimento prestado aos minutos 3:20 até 7:30 da gravação. 19 - Não se alcança, pois então, como pode constar, no ponto 8 dos factos provados, que o Ofendido “tenha sido deixado à sua sorte. 20 - Do compulso dos depoimentos suprarreferidos, impõem-se decisão diversa, ou seja, o ponto 8 deve, pois então ser julgado não provado. Ponto 9 do elenco de factos provados 21 – Se não pode ser julgado provado que a Recorrente se ausentou do apartamento, também não pode ser julgado provado que a mesma aí regressou. 22 – Deste modo, deve o ponto 9 ser julgado não provado. Ponto 10 do elenco de factos provados 23- Nas declarações prestadas perante o Tribunal recorrido, o Ofendido referiu que o ferimento era ligeiro e careceu apenas de sutura, tendo tido alta sem qualquer indicação para seguimento posterior - conforme depoimento prestado aos minutos 23:00 até 29.00 da gravação. 24 - Por seu turno, a testemunha CC, agente da PSP, afirmou que a camisola do ofendido tinha uma mancha de sangue, mas que este não se estava a esvair em sangue e que não havia vestígios de sangue espalhados no local - conforme depoimento prestado aos minutos 10.50 até 11:10 da gravação. 25- De igual modo, a testemunha DD, bombeiro, referiu que assistiu o ofendido, que tinha um ferimento no peito, e que no local não havia poças de sangue - conforme depoimento prestado aos minutos 5:54 até 6:59 da gravação. 26 - A testemunha EE, bombeiro, esclareceu também que foi o Ofendido quem lhes abriu a porta, e este foi pelo seu próprio pé para a ambulância - conforme depoimento prestado aos minutos 3:25 até 3:50 da gravação. 27- Acresce que resulta do relatório de avaliação de dano corporal datado de 28/12/2024 que do evento não terá resultado perigo em concreto para vida do Examinado. 28 - Do compulso dos depoimentos acima referidos, impõem-se decisão diversa, ou seja, não poderia, pois então, ser julgado provado que o Ofendido apresentasse qualquer quadro hemorrágico, ainda mais incontrolável, pelo que deve o ponto 10 ser julgado não provado. Ponto 13 do elenco de factos provados 29 - Não resulta de nenhum elemento probatório junto aos autos e da prova produzida em audiência de julgamento, que a faca tenha ficado espetada no corpo do Ofendido, e muito menos no arco costal. 30 - Este ponto assenta exclusivamente nas declarações da testemunha FF, inspetor da PJ, em fase de inquérito, o qual referiu que se deslocou ao hospital, onde falou com o médico que viu o Ofendido. 31 - Nas palavras dessa testemunha, o referido médico terá explicado que a lesão do Ofendido se situava perto do coração, e que apenas não foi mais grave porque a lâmina bateu nas costelas, o que impediu que o golpe fosse mais fundo. 32 - O Tribunal recorrido violou o disposto no art.º 129.º, n.º 1, do CPP, o qual versa sobre o depoimento indireto. 33 – Na realidade, impõe-se concluir que o depoimento indireto apenas é admissível se a testemunha de que se ouviu dizer for chamada a depor e prestar depoimento sobre os factos em causa, o que não aconteceu no caso em apreço. 34 - O próprio Ofendido explicou que a Recorrente o picou com a faca e a voltou a tirar, num movimento rápido, no peito, na zona do seio esquerdo - conforme depoimento prestado aos minutos 27:00 até 29:59 da gravação. 35 - O relatório da perícia de avaliação do dano corporal datado de 28/12/2024 conclui designadamente que o evento não afetou a capacidade de trabalho geral e não terá resultado perigo em concreto para vida do Examinado. 36 - Do exposto resulta, pois então que o depoimento da testemunha FF não poderia ter sido valorado nessa parte. 37 - Do compulso do teor do relatório da perícia de avaliação do dano corporal datado de 28/12/2024, conjugado com o depoimento suprarreferido, impõem-se decisão diversa, ou seja, deve o ponto 13 ser julgado não provado. Ponto 14 do elenco de factos provados 38- Tivemos já, anteriormente, a oportunidade de demonstrar que muitas dessas conclusões referidas no Ponto 14 não têm reflexo na prova produzida. 39 - Analisemos cada uma das premissas: a) Relativamente às duas primeiras conclusões do ponto 14 40 - O Ofendido, nas declarações prestadas perante o Tribunal a quo, referiu que a Recorrente, no dia dos factos, durante a tarde, andava de um lado para o outro da casa, e já tinha bebido três garrafas de vinho nesse dia. 41 - Referiu que a Arguida agiu daquela forma pelo facto de ter bebido três garrafas de vinho seguidas, misturado com os calmantes que tomava - conforme depoimento prestado aos minutos 15:50 até 16:10 da gravação. 42 - O Ofendido explicou que aquela o picou com a faca e a voltou a tirar, num movimento rápido, no peito, na zona do seio esquerdo - conforme depoimento prestado aos minutos 23:00 até 29.00 da gravação. 43 – O Ofendido, através de requerimento por si apresentado em juízo, transmitiu ao Tribunal que quando a Recorrente pegou na faca, o mesmo pode ter feito um movimento em relação à faca. 44 - Afirmou ainda estar convicto de que nunca fora intenção da Recorrente magoá-lo, tendo ainda declarado que esta lhe pedira perdão, tendo demonstrado um profundo arrependimento pelo sucedido, bem como muita preocupação com o seu estado de saúde. 45 - Entendemos que poderá não se encontrar sequer preenchido o elemento subjetivo do crime. 46 - A única factualidade que pode ser dada como assente é a de que a Arguida empunhou uma faca. 47 - Esta factualidade é insuficiente para o preenchimento do elemento subjetivo, na medida em que, na acusação, não consta especificado factualmente qualquer das situações de representação previstas no artigo 14.º do Código Penal. 48 - Quando muito poder-se-á julgar provado que, ao empunhar a faca nos termos descritos, a Recorrente agiu sem o cuidado devido, sabendo, contudo, que poderia, inadvertidamente, atingir o seu companheiro, ainda que estivesse convicta de que tal não aconteceria. 49 - Do exposto decorrem duas conclusões inevitáveis: - Não é possível extrair de todo o contexto factual o elemento subjetivo tipo do crime de homicídio e necessário na configuração de uma tentativa; -Sendo o ato lesivo apenas imputável a título de negligência, não é punível a sua conduta traduzida na tentativa negligente de homicídio. Acresce que, 50- O Ofendido explicou que aquela o “picou” com a faca e a voltou a tirar, num movimento rápido, no peito, na zona do seio esquerdo. 51- Este facto não é de somenos importância, na medida em que deste facto sempre se deveria retirar que a Recorrente cessou a prática dos factos por vontade própria, não se tendo seguido atos idóneos a produzir a morte, por circunstâncias imprevisíveis que também não aconteceram. 52- Efetivamente, querendo a Recorrente matar o Ofendido (como se deu como provado), ficamos então sem saber por que razão não o fez então, não sendo suficiente a (não) explicação constante dos factos provados e ali reduzida ao enunciado linguístico estritamente conclusivo “a morte não ocorreu por circunstâncias alheias à vontade da arguida”. 53 - Assim, várias hipóteses permanecem agora em aberto: a Arguida não prosseguiu a execução do crime por se ter convencido de que o Ofendido já estaria morto ou que iria morrer seguramente? Ou não prosseguiu porque desistiu de matar? A matéria de facto do acórdão não o esclarece. 54 - Por seu turno, a testemunha CC declarou que a Recorrente se escondera num armário embutido no corredor e que estava muito alterada, verbalizando coisas sem nexo, tendo ainda relatado que a arguida exalava um forte hálito etílico e estava totalmente desorientada, tirando o vestido que vestia, e que não tinha roupa interior por baixo deste - conforme depoimento prestado aos minutos 5:30 até 7:59 e 14:00 até 15:20 gravação. 55 - Antes de ser detida, a Recorrente encontrava-se medicada com: diazepam, mirtazapina, venlafaxina, trazodona, duloxetina, alprazolam. 56 - Consta do relatório pericial psiquiátrico que a arguida padecia de anomalia psíquica, nomeadamente abuso/dependência etílica e sintomatologia depressiva. 57 - O Tribunal deu como provado que, à data dos factos, a arguida sofria dessas mesmas perturbações. 58 - Devia o Tribunal ter ponderado se, estando alcoolizada, medicada e com perturbação psicológica, a arguida se encontrava impossibilitada de reconhecer ou avaliar a ilicitude dos seus atos. 59 - O estado de alcoolização e perturbação psíquica não é compatível com plena capacidade de entendimento e vontade. 60- A imputabilidade diminuída, não determinando a exclusão da responsabilidade penal, pode fundar atenuação da pena, nos termos do artigo 20.º, n.º 2, do Código Penal. 61 - O consumo habitual e abundante de álcool induz alterações cognitivas e comportamentais que podem afetar gravemente a capacidade de julgamento, podendo levar à inimputabilidade ou imputabilidade diminuída. 62 - No caso concreto, a arguida agiu em estado de descompensação psíquica e “obnubilamento” intelectual, não tendo plena capacidade para avaliar a situação e agir conforme a lei. 63 – Do compulso do teor dos relatórios e do depoimento das testemunhas suprarreferidos, impõem-se decisão diversa, ou seja, resulta que a arguida, no momento dos factos, estava afetada na consciência e vontade por álcool, medicação ou patologia psiquiátrica, o que comprometeu o seu discernimento e autodeterminação. 64 - A sua capacidade de avaliar e compreender os factos esteve diminuída, ainda que não totalmente suprimida, integrando o conceito de inimputabilidade reduzida. Relativamente à terceira conclusão do ponto 14 63- A conclusão de que o ofendido apenas não faleceu por assistência médica imediata carece de suporte na prova produzida. 64 - As declarações do ofendido indicam que a arguida o picou com uma faca e retirou rapidamente a lâmina (minutos 28:00 a 29:30 da gravação). 65- A prova documental e testemunhal demonstra que o ferimento foi ligeiro, tendo o ofendido apenas necessitado de sutura, sem necessidade de acompanhamento médico posterior. 66 - O depoimento de DD (minutos 5:00 a 6:54) confirma a ausência de gravidade clínica. 67 - Assim, não se compreende como o Tribunal deu como provado que a vida do ofendido foi salva apenas pela pronta assistência médica. 68 - Do compulso do teor do relatório e dos depoimentos das testemunhas suprarreferidos, impõe-se decisão diversa, ou seja, a conclusão do ponto 14 deveria ter sido julgada como não provada. Pontos 15 e 16 do elenco de factos provados 69 - Relativamente aos pontos 15 e 16 dos factos provados, deve aplicar-se integralmente o alegado quanto ao ponto 14, devendo aqueles serem julgados como não provados. 70 - O Tribunal valorizou seletivamente as declarações do Ofendido, desconsiderando afirmações que favoreciam a Recorrente, nomeadamente: -Que pode ter feito um movimento em direção à faca; -Que está convicto de que a arguida não teve intenção de o magoar; o Que a arguida lhe pediu perdão, demonstrando arrependimento e preocupação com o seu estado. 71 - Assim, pede-se a reapreciação da prova gravada, com alteração da matéria de facto, devendo ser julgados não provados os factos 7, 8, 9, 10, 13, 14, 15 e 16. 72 - Devem ser considerados provados os seguintes: 73: -A arguida ingeriu 3 (três) garrafas de vinho e comprimidos no dia dos factos; Sofria de perturbação de consciência/vontade que afetava a sua capacidade de autodeterminação; O ofendido pode ter feito um movimento em direção à faca; O ferimento foi ligeiro e sem necessidade de tratamento subsequente; A arguida não teve intenção de ferir, pediu perdão e demonstrou arrependimento. 74 - Houve erro na apreciação da prova e desconsideração da prova favorável à arguida.
II – VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO IN DUBIO PRO REO 74 - O Tribunal formou a sua convicção com base exclusiva na prova da acusação, desconsiderando elementos relevantes, como: a) As declarações do ofendido e de testemunhas imparciais (CC, DD e EE); b) O requerimento escrito do ofendido esclarecendo mal-entendidos na sua inquirição; c) A natureza ligeira do ferimento (apenas 4 cm de profundidade e uma única perfuração). 75- O Tribunal ignorou elementos que indicavam dúvida séria e fundada quanto à intenção da arguida. 76- Deveria ter sido aplicado o princípio in dubio pro reo, concluindo-se pela não verificação dos elementos subjetivos do crime. 77 - A condenação da arguida, apesar da incerteza gerada pela prova, viola o artigo 32.º da Constituição da República Portuguesa, impondo-se a sua absolvição. III - INSUFICIÊNCIA PARA A DECISÃO DA MATÉRIA DE FACTO PROVADA (VÍCIO DO ARTIGO 410.º, n.º 2, al. a)) 78 - A convicção do Tribunal quanto ao elemento objetivo do crime baseou-se essencialmente no depoimento da testemunha FF. 79 - Tal convicção é questionável, uma vez que: Não foi inquirido o médico a quem foram atribuídas observações clínicas relevantes; -Há incongruências entre as declarações dessa testemunha e o relatório do INML. 80- O douto acórdão não explica de forma lógica e fundamentada como foi alcançada a convicção quanto aos factos, violando o dever de motivação crítica da prova. 81 - O Tribunal recorreu a prova indireta (indiciária), mas sem cumprir os requisitos necessários: Não demonstrou claramente o facto base; -Não aplicou uma regra da experiência ou da ciência de forma explícita; -Não estabeleceu ligação válida entre indício e facto a provar. 82 - A matéria de facto provada não sustenta a conclusão de que a arguida só não consumou o homicídio por ter a faca embatido no arco costal. 83 - A alegação de que a morte não ocorreu por circunstâncias alheias à vontade da arguida é uma conclusão sem base factual concreta. 84 - A decisão não esclarece se a arguida desistiu voluntariamente de matar ou se considerou já ter causado a morte. 85 - Esta omissão factual constitui um vício de insuficiência da matéria de facto, nos termos do artigo 410.º, n.º 2, alínea a) do CPP. 86- Em conclusão, a condenação por homicídio qualificado na forma tentada não é sustentável, devendo a Recorrente ser, no máximo, condenada por ofensa à integridade física qualificada. IV - DO ERRO NOTÓRIO NA APRECIAÇÃO DA PROVA (VÍCIO DO ARTIGO 410.º, n.º 2, al. c) E DO ERRO DE SUBSUNÇÃO 87 - A condenação da Recorrente não se encontra sustentada pela prova constante dos autos nem pela produzida em julgamento. 88 - Toda a prova aponta, quando muito, para a prática de um crime de ofensa à integridade física qualificada, e não de homicídio qualificado na forma tentada. 89 - O Tribunal violou o artigo 410.º, n.º 2, alínea c) do CPP, ao dar como provados os factos 7, 8, 9, 10, 13, 14, 15 e 16, sem base probatória adequada. 90- A decisão contraria a lógica da experiência comum, desconsiderando provas e relatórios que afastam a gravidade necessária para qualificar as lesões como tentativa de homicídio. 91 - O relatório de avaliação de dano corporal conclui que não se verificam consequências permanentes de gravidade relevante, excluindo os efeitos previstos no artigo 144.º do CP. 92 - As lesões não têm gravidade compatível com tentativa de homicídio e não há fundamentação que justifique a condenação nesse sentido. 93 - O Tribunal não fundamentou adequadamente a divergência face à perícia médico-legal, violando o artigo 163.º, n.ºs 1 e 2 do CPP. 94 - O ponto 14 dos factos provados carece de suporte técnico, pois a perícia afasta a existência de lesões adequadas a causar a morte. 95 - À luz das regras da experiência comum, não é razoável concluir que a Arguida tenha querido tirar a vida ao ofendido. 96 - A matéria de facto provada é insuficiente para justificar a qualificação jurídica adotada na sentença. 97 - Mesmo admitindo uma tentativa de homicídio, a prova poderia, no máximo, sustentar a existência de uma desistência voluntária, afastando a consumação do crime tentado. 98 - Nestes termos, a única qualificação jurídica adequada seria a de crime consumado de ofensa à integridade física qualificada (artigo 145.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal). V - DA PENA CONCRETA APLICADA 99 - A Recorrente apenas poderá ser condenada pelo crime de ofensa à integridade física qualificada, nos termos do artigo 145.º, n.º 1, alínea a) do Código Penal, sendo a pena de prisão fixada na mediana da moldura legal. 100 - A execução da pena deverá ser suspensa por igual período, eventualmente sujeita a regime de prova. 101 - Ainda que se mantenha, por hipótese académica, o atual enquadramento jurídico, a pena aplicada excede manifestamente a medida da culpa da Recorrente. 102 - A decisão do tribunal a quo violou os artigos 71.º e 40.º do CP, ao não adequar a pena à culpa e às exigências de prevenção, nem ponderar devidamente as circunstâncias favoráveis à Recorrente. 103 - Circunstâncias relevantes que foram ignoradas: Ausência de antecedentes criminais; -Personalidade afável e responsável (facto provado n.º 44); -Perdão do ofendido e arrependimento demonstrado; -Integração social, familiar e profissional; -Prognóstico favorável de não reincidência (facto provado n.º 25), mediante seguimento clínico e terapêutico. 104 - A pena aplicada é excessiva e não respeita os critérios de proporcionalidade legalmente exigidos. 105- Assim, mesmo mantendo-se o atual enquadramento, a pena não deverá exceder quatro anos de prisão, com suspensão da execução, sujeita a eventual regime de prova. 106- Foram violadas diversas normas legais e princípios constitucionais e internacionais, incluindo os artigos 20.º, 40.º, 70.º, 71.º, 72.º, 144.º, 145.º do CP, e os artigos 32.º, 129.º, 163.º, 410.º do CPP, assim como foram desrespeitados os princípios do in dubio pro reo, presunção de inocência, proporcionalidade, dignidade da pessoa humana e direito à liberdade, consagrados nos artigos 1.º, 18.º, 20.º, 27.º e 32.º da CRP, e no artigo 6.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem. »
O recurso foi correctamente admitido pelo Tribunal a quo, com subida imediata, nos próprios autos, e com efeito suspensivo.
O Ministério Público, na primeira instância, respondeu ao recurso, pugnando para que este seja julgado improcedente, sustentando, em síntese, que: «- De toda a prova produzida em sede de audiência e julgamento, dúvidas não restam que se encontram preenchidos todos os elementos objectivos e subjectivos do crime pelo qual a arguida foi condenada. - Não se suscitaram dúvidas no espírito do julgador de molde a obrigá-lo a lançar mão do princípio in dubio pro reo. - Relativamente à pena, ao crime imputado à arguida a moldura penal é de 2 anos, 4 meses e 24 dias a 16 anos e 8 meses; as necessidades de prevenção geral são muito elevadas, considerando o alarme social que este tipo de crime provoca, as necessidades de pacificação social e de reposição de confiança no direito. Assim sendo, entendemos que a pena de 5 anos e 6 meses de prisão é totalmente ajustada ao caso vertente, tendo sido correcta a ponderação levada a cabo pelo Tribunal a quo, sendo que a pena concreta está bem abaixo do meio da pena. Mas mesmo que se sufrague entendimento distinto e a pena aplicada ao arguido venha a ser igual ou inferior a 5 anos de prisão, no caso vertente estará arredada a aplicação da suspensão da execução da pena de prisão.»
Neste Tribunal da Relação, a Exma. Senhora Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer, no qual concluiu que o recurso merece provimento, pelos seguintes fundamentos, que se sintetizam: 1-Relativamente à invocação dos vícios decisórios previstos no art.º 410.º 2 a) e c) do CPP, a recorrente confunde a deficiência decisória em causa, assim como o erro notório de apreciação da prova, com o erro de julgamento, que igualmente imputa à decisão. Lendo o acórdão recorrido não se vislumbra qualquer deficiência para a decisão da matéria de facto provada, nem nenhum erro notório de apreciação da prova, pelo que os referidos vícios deverão ser julgados improcedentes. 2-Relativamente ao invocado erro de julgamento quanto aos factos provados sob os números 3, 7, 8, 10, 13, 14, 15, 16, 17, 20, 21, 22 e 23, deve julgar-se procedente o erro de julgamento quanto aos factos n.ºs 13 e 14 (por total inexistência de meios probatórios que confirmem o aí exarado), e parcialmente procedente a impugnação do facto provado n.º 16, devendo eliminar-se deste a expressão -“ futilmente motivada “. 3-Da alteração da factualidade provada em conjugação com o princípio in dúbio pro reo decorre não poder concluir-se que a arguida agiu com intuito de matar o ofendido, mas apenas que agiu com o intuito de o ofender corporalmente. -Deve, nestes termos, ser antes condenada pela prática de um crime de ofensa à integridade física qualificada, na forma consumada, p. e p. no art.º 145.º n.ºs 1 e 2 com referência ao art.º 132.º 2 b) do Código Penal, uma vez que ao violar os deveres de respeito e de proteção exigíveis numa relação de conjugues como a que a unia ao ofendido, atentando contra a integridade física deste, de forma inesperada e sem que este sequer pudesse reagir ao seu ataque, mostra-se comprovada a especial censurabilidade da sua actuação e o preenchimento da alínea b) do art.º 132.º n.º 2 do Código Penal. 4- Na determinação concreta da pena deverá esta fixar-se nos 3 (três) anos de prisão considerando: -O bem jurídico violado-integridade física e a zona do corpo do ofendido atingida; -A intensidade do dolo da arguida- dolo direto (art. 14.º, n.º1 do Cód. Penal); -O grau elevado das exigências de prevenção geral; -A elevada ilicitude da actuação da arguida ao usar uma faca com as características da utilizada e de modo inesperado e repentino, sem dar qualquer possibilidade de reacção ao ofendido; - E as relacionadas com a própria arguida reflectidas nos factos provados n.ºs 2, 26 a 44, nomeadamente, a sua adição de bebidas alcoólicas e medicamentos e a sua instabilidade emocional. A seu favor militam as seguintes circunstâncias: -A arguida é delinquente primária; -É tida como uma pessoa afável e educada; -Mostra-se arrependida; -As consequências das lesões sofridas pelo ofendido assumiram pequena gravidade; -Antes da reclusão, a arguida apresentava um histórico de patologia depressiva, fazendo terapêutica medicamentosa, beneficiando de acompanhamento da sua médica de família; -O perdão do ofendido; - No exterior, beneficia do apoio do companheiro/ofendido, o qual pretende reatar a relação que vinham mantendo, atribuindo a conduta da arguida ao seu problema de alcoolismo. -As medianas exigências de prevenção especial. 5-Por sua vez, a pena concreta de três anos de prisão, ponderando que a arguida tem 61 anos de idade, não possui antecedentes criminais, denotou arrependimento, e tem o perdão e apoio do ofendido, seu companheiro, deverá ser suspensa por igual período, com regime de prova, com sujeição a tratamento da adição alcoólica e medicamentosa de que padece.
Foi cumprido o disposto no artigo 417º, nº 2 do CPP, não tendo o recorrente deduzido resposta.
Efetuado exame preliminar e colhidos os vistos legais, foram os autos submetidos à conferência.
Cumpre apreciar e decidir.
FUNDAMENTAÇÃO
Âmbito do recurso e questões a decidir
O âmbito do recurso, conforme jurisprudência assente, é delimitado pelas suas conclusões extraídas pelo recorrente da motivação apresentada, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso do tribunal, como sejam as elencadas no art. 410º, n.º 2 e 3 do CPP (cfr. artigos 402º, 403º e 412º, nº 1, todos do CPP, e Acórdão do Plenário da Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça n.º 7/95, de 19 de outubro de 1995 em www.dgsi.pt, remetendo-nos sempre, doravante, para esta última fonte citada na indicação de jurisprudência, salvo indicação diversa).
Assim, considerando o teor das conclusões do recurso interposto, a recorrente convoca as seguintes questões:
1- Aferir se o acórdão recorrido padece dos vícios decisórios previstos no art.º 410.º, nº 2, alíneas a) e c) do CPP; 2- Aferir se ocorreu erro de julgamento, nos termos do art. 412º, n.ºs 3 e 4 do CPP, relativamente aos factos provados n.ºs 3, 7, 8, 10, 13, 14, 15, 16, 17, 20, 21, 22 e 23, e ainda, se foi violado o princípio in dubio pro reo; 3- Se ocorreu erro na qualificação jurídica do crime pelo qual a recorrente foi condenada, devendo antes ser-lhe imputada a prática, na forma consumada, de um crime de ofensa à integridade física qualificada previsto e punido pelo art. 145.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal; 4- Se a pena aplicada é excessiva, devendo ser reduzida, e em todo o caso se deve sempre ser suspensa na sua execução.
As questões colocadas à apreciação deste tribunal serão apreciadas por ordem de precedência lógico-jurídica (artigo 608º, nº 1 do Código de Processo Civil, ex vi artigo 4º do de Processo Penal), cumprindo começar por aquelas que consubstanciem vícios de procedimento geradores de nulidade [que a procederem inviabilizarão o conhecimento dos restantes fundamentos de recurso], determinantes do retrocesso dos autos à fase de julgamento.
Apreciando.
Com relevo para o conhecimento do recurso, é do seguinte teor a decisão de facto do acórdão recorrido: «Com interesse para a boa decisão da causa, resultaram provados os seguintes factos: Da acusação: 1. BB e a arguida AA viveram, até à data dos factos, em condições análogas às dos cônjuges durante cerca de 13 anos, partilhando leito, mesa e habitação, esta sita na Rua ..., ... direito, em .... 2. A arguida era, à data dos factos, consumidora habitual de bebidas alcoólicas em grandes quantidades, tomando concomitantemente medicação (antidepressivos e relaxantes), o que vinha a causar discussões entre o casal. 3. No dia 30 de Junho de 2023, durante o almoço e a tarde, a arguida foi, como habitualmente, ingerindo bebidas alcoólicas. 4. Nesse dia, cerca das 18h30m, a arguida muniu-se de uma faca de ponta romba, cabo preto, com 10 cm de comprimento e lâmina em serrilha com 17cm de comprimento e dirigiu-se à sala de jantar, onde se encontrava o ofendido, e exibiu-lha. 5.De imediato o ofendido lhe disse “Pousa a faca! Pousa a faca!”. 6. O ofendido, ao verificar que a arguida não pousava a faca, logrou aproximar-se e retirar-lha da mão. 7. De imediato, a arguida lançou mão de uma outra faca que se encontrava em cima da mesa de jantar, com 22cm de comprimento, sendo 11cm de lâmina, com serrilha e pontiaguda e desferiu-lhe uma facada no lado esquerdo do peito, na parte superior do tórax, de imediato fugindo de casa através da janela da cozinha. 8. Ferido e deixado à sua sorte pela arguida, o ofendido accionou o serviço de emergência médica. 9. A arguida regressou a casa alguns minutos mais tarde, escondendo-se dentro de um armário, sem proferir palavra. 10. O ofendido foi assistido no local e transportado para o serviço de urgência do Hospital de ..., apresentando hemorragia incontrolável. 11. Como consequência directa e necessária da conduta da arguida, o ofendido sofreu dores e trauma torácico penetrante, com ferida incisa de natureza corto perfurante na região supra-mamária esquerda, tendo o orifício o comprimento aproximado de 1,5cm de comprimento e 4cm de profundidade, com cicatriz nacarada na linha mamilar acima do mamilo de 1cm de comprimento, 12. que determinou ao ofendido um período de doze dias para cura, sem afectação da capacidade de trabalho geral. 13. Apenas pelo facto de a faca ter ficado espetada no arco costal, impedindo a sua progressão, é que não ocorreu laceração do pulmão e coração do ofendido, o que, a suceder, provocaria a sua morte. 14. Ao actuar da forma descrita, a arguida agiu com o deliberado propósito de tirar a vida a BB, bem ciente de que o instrumento que utilizava, quer pela sua natureza corto-perfurante, quer pela zona do corpo procurada e atingida (nomeadamente coração e pulmões), era adequado a causar a morte do mesmo, o que quis e que apenas não logrou por razões alheias à sua vontade, atenta a assistência médica que prontamente lhe foi prestada, primeiramente no local e após no atendimento médico de urgência, único motivo pelo qual não conseguiu concretizar a sua resolução de tirar a vida ao ofendido. 15. Fê-lo com total indiferença pelos deveres de respeito e consideração àquele devidos, com quem mantém relação análoga à dos cônjuges. 16. Agiu a arguida futilmente motivada, de forma livre, deliberada e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei. Mais se provou que: 17. A arguida fala do acontecimento de forma controlada e nada ansiosa, não demonstrando empatia, evidenciando algumas características anti-sociais da sua personalidade. 18. À data dos factos a arguida sofria de abuso/dependência etílica e sintomatologia depressiva. 19. Da avaliação instrumental da arguida não decorre sintomatologia psicopatológica com significância clínica embora na observação clínica e na narrativa se sinalizem sintomas que se inscrevem nas dimensões ansiedade e obsessão/compulsão. 20. No âmbito do perfil de personalidade, da avaliação resulta a evidência de características compatíveis com perturbação de personalidade anti-social, destacando-se: Personalidade: atitude fria, impessoal e distante no contacto interpessoal, séria e reprimida, sentindo-se pouco confortável em situações nas quais frequentemente se estabelecem relações interpessoais e nas quais se manifestam emoções e sentimentos. 21. A arguida tenderá à reactividade e será propensa à instabilidade emocional, sentido uma certa falta de controlo sobre a sua vida e podendo reagir de forma contraproducente ao invés de se adaptar activamente às alternativas que lhe sejam propostas. 22. Embora não exiba um perfil de dominância, será objectiva, não sentimental e calculista; pode centrar-se tanto na utilidade e na objectividade que chegue a ignorar os sentimentos dos outros; cederá pouco à vulnerabilidade pelo que pode encontrar problemas em circunstâncias que requeiram sensibilidade.(…). Sentir-se-á confortável em situações organizadas e previsíveis e sentirá como difíceis as que não consegue prever, chegando a ser inflexível”. 23. Na narrativa da arguida identifica-se ainda a ausência de consistente sistema de suporte e de relações interpessoais sociais e de intimidade satisfatórias. Embora verbalize um sentimento de arrependimento pelo cometimento dos alegados factos, tende a minimizar os mesmos em função das efectivas consequências para a vítima e fá-lo sem aparente ressonância emocional e afectiva. Ao vindo de descrever acresce o perfil de personalidade supra exposto, destacando-se elementos como o comportamento instável e reactividade, histórico de ideação suicida, referido diagnóstico psiquiátrico de depressão e ansiedade generalizada, potenciais experiências traumáticas no percurso de vida e medo de abandono pela alegada vítima – sublinhando-se que este se constituirá o seu sistema de suporte e figura de referência no presente. 24. Ressalta ainda, no âmbito das suas crenças, uma minimização ou legitimação da violência pela preservação da privacidade familiar, legitimação da violência pela sua atribuição a causas externas, bem como tendente da legitimação da violência por conduta do parceiro. 25. A arguida possui um perfil pautado por um conjunto de características e factores que, de forma exponencial se associados ao consumo de substâncias, configuram risco da reincidência de perpretação de comportamentos anti-sociais. Carece de manter acompanhamento psiquiátrico e suporte terapêutico e psicoeducativo no que respeita aos consumos etílicos. Das condições pessoais e económicas da arguida AA 26. À data dos factos, AA vivia com o seu companheiro, ofendido nos autos, na Rua ..., em ..., .... A arguida beneficiava de pensão de viuvez no montante aproximado de 1.000 € e o companheiro usufruía de pensão de invalidez no valor de 600 €. 27. No que respeita às despesas, a arguida suporta um empréstimo à habitação no montante de 300€ e consumos de energia elétrica, de água e telecomunicações no montante aproximado de 100€. 28. O processo de socialização de AA decorreu em ..., junto dos progenitores e de dois irmãos germanos, em dinâmica familiar funcional, não obstante os problemas ligados ao álcool por parte do progenitor. 29. Iniciou percurso escolar em idade regular, tendo frequentado o 10.º ano de escolaridade, tendo abandonado a escola devido a questões familiares e económicas. 30. A arguida teve a sua primeira integração laboral aos 16 anos de idade, como operária em unidade fabril têxtil, na sua área de residência. Retrata um percurso laboral regular, maioritariamente na área das limpezas e como lojista, no ... e ..., países onde esteve emigrada cerca de 40 anos. 31. No ..., aos 23 anos estabeleceu matrimónio com o ex-cônjuge, com o qual tem dois descendentes, atualmente com 38 e 37 anos de idade. Inicialmente, o casal ficou a viver no ..., emigrando posteriormente para o ...,vindo a separar-se em 2001, quando a arguida tinha 43 anos. O relacionamento entre o ex-casal caracterizava-se como desajustado, atendendo à problemática aditiva do ex-cônjuge, com episódios de violência doméstica perpetrados por aquele. 32. Há cerca de 10 anos, conheceu o atual companheiro/ofendido, vivendo em união de facto, inicialmente no ... e desde 2019 em ..., em habitação pertencente a AA. O relacionamento com o companheiro é caracterizado como positivo, identificando pontos de conflitualidade em razão do consumo excessivo de bebidas alcoólicas por ela assumido. 33. O companheiro/ofendido nos autos carateriza aquela união como gratificante, não obstante a comunicação conflitual que, ao longo dos anos, se vinha agravando, em razão do consumo excessivo de bebidas alcoólicas realizado pela arguida. 34. No que respeita ao relacionamento da arguida com os filhos, o companheiro refere que aqueles demonstram preocupação face à situação de saúde da arguida, sensibilizando-a para tratamento à problemática alcoólica de que padece. 35. AA iniciou o consumo de bebidas alcoólicas pelos 37 anos de idade, passando a realizar aquele consumo de forma excessiva após o falecimento dos pais (o pai em 2020 e a mãe em 2023). Beneficiou de acompanhamento àquela problemática há cerca de três anos, no CRI ..., no âmbito da execução de uma suspensão provisória do processo, o qual abandonou. 36.No exterior, beneficia do apoio do companheiro/ofendido. 37. Na comunidade, não foram percecionados sentimentos de rejeição à presença da arguida, não obstante a rede vicinal conhecer as alterações de comportamento evidenciadas por AA e as situações de conflitualidade com o companheiro quando sob o efeito de bebidas alcoólicas. 38. AA regista anterior suspensão provisória do processo, imposta pelo período de dez meses, condicionada ao cumprimento de injunções, pela prática de comportamentos agressivos/violentos dirigidos à mãe e ao irmão GG. 39. AA encontra-se presa no EPFSCB desde ../../2023, à ordem do presente processo. Neste contexto, a arguida tem assumido comportamento ajustado ao normativo disciplinar vigente. 40.Beneficia de acompanhamento pelos Serviços Clínicos do EPFSCB, na especialidade de Psiquiatria. 41. Salienta o impacto que a presente reclusão acarretou, particularmente para a sua vida pessoal e familiar, nomeadamente o afastamento do companheiro/ofendido. 42.A ligação da arguida ao exterior tem sido mantida pelos contactos com o companheiro. 43. Antes da reclusão, a arguida beneficiava de acompanhamento pela sua médica de família, Dra. HH, no Centro de Saúde ..., com histórico de patologia depressiva, fazendo terapêutica medicamentosa. 44.A arguida é tida como pessoa afável e educada. Das condenações anteriores da arguida 45. A arguida não tem quaisquer condenações averbadas ao seu certificado de registo criminal. Do pedido de indemnização civil do Hospital de ..., EPE: 46. No dia 30/06/2023, o demandante prestou cuidados médicos a BB, no valor total de € 186,77. 2.3.- Factos Não Provados Não resultou provado: A. Que no dia 30/06/2023, ao fim da tarde, o ofendido BB e a arguida se envolveram em discussão, no decurso da qual esta lhe disse repetidamente “Eu mato-te!”. B. Que, nas circunstâncias referidas em 5, a arguida retorquiu “Esta faca de cortar pão nem espetava!”. C. Que, nas circunstâncias referidas em 7, a arguida disse ao ofendido “Esta já não é tão flácida, é pontiaguda!”. D. Que, nas circunstâncias referidas em 9, a arguida tenha regressado 20 minutos depois e se tenha escondido no quarto.
2.4- Motivação da matéria de facto Nos termos do disposto no art. 124.º do C.P.P. constituem objeto da prova todos os factos juridicamente relevantes para a existência ou inexistência do crime, a punibilidade ou não punibilidade da arguida e a determinação da pena ou da medida de segurança aplicável. O princípio básico que norteia a apreciação da prova é o da sua livre apreciação tal como prescrito pelo art. 127.º, n.º 1 do C.P.P.: «Salvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é apreciada segundo as regras de experiência e a livre convicção da entidade competente». A este propósito, releva a apreciação feita pelo Cons. Armando Leandro no Ac. do STJ de 16/01/2002, Proc. nº 3649/01 - 3ª Secção, que afirma o seguinte: “O critério da livre apreciação da prova consagrado no art. 127.º, do CPP, não significa a possibilidade de apreciação puramente subjectiva, arbitrária, baseada em meras impressões ou conjecturas de difícil ou impossível objectivação, antes pressupõe uma cuidada valoração objectiva e crítica e em boa medida objetivamente motivável, em harmonia com as regras da lógica, da razão, das regras da experiência e dos conhecimentos científicos; engloba porém não só os factos probandos apreensíveis por prova directa mas também os factos indiciários, no sentido de factos que, por deduções e induções objectiváveis a partir deles, tendo por base as referidas regras, conduzem à prova indirecta daqueles outros factos, que constituem o tema da prova; tudo a partir de um processo lógico-racional que envolve porém, naturalmente, também elementos subjectivos, inevitáveis no agir e pensar humano, que importa reconhecer com honestidade e maturidade para melhor impedir que possam ser fonte de arbitrariedade e permitir actuem, pelo contrário, como instrumento de perspicácia e prudência na busca da verdade processualmente possível”. Inspirados por este mote cumpre, então, explanar os elementos probatórios nos quais se baseou o tribunal para dar como provados e não provados os factos supra elencados. Na formação da convicção, o Tribunal atendeu, desde logo, aos seguintes elementos de prova: Prova documental: -auto de fls. 5 a 10, 37 e 38 - auto de apreensão de fls. 23 - referente a uma faca de cozinha, serrinhada, com cabo de plástico em cor preto, com o comprimento total de 28 cm, sendo 17 cm de lâmina. - relatório fotográfico de fls. 26 a 29 - ferimentos sofridos pelo ofendido BB e facas, sendo uma delas a apreendida; 103 a 105 - fotografias da arguida e das facas apreendidas; 209 a 213 - referente à faca apreendida. -guia de entrega de fls. 76 - referente às duas facas apreendidas na casa da vítima e arguida. - elementos clínicos de fls. 31, 32 - episódio de urgência do ofendido no dia 30/06/2023; fls. 217 a 219 - de onde decorre que o ofendido “Apresenta ferida incisa região torácica esquerda com pequena hemorragia incontrolável.” -CRC constante dos autos. -Relatório social de 13/05/2024. Prova pericial: -relatório do IML de fls. 111 a 113 e 271 a 273 -exame de fls. 229 e 230 - referente aos vestígios retirados das facas apreendidas. -Perícia psiquiátrica datada de 17/06/2024, Ref. ...41. -Perícia relativa à personalidade datada de 22/11/2024, Ref. ...16. Elencada a prova tida em consideração pelo Tribunal na sua globalidade, importa agora analisar os meios de prova de forma mais detalhada. A arguida prestou declarações, começando por referir que no dia em causa estava alcoolizada, pois “tinha bebido muito”, contrariamente ao que declarou nas suas primeiras declarações em sede de interrogatório - validamente reproduzidas em audiência, em que disse que tinha bebido mas não estava alcoolizada, e por isso não se lembra do que aconteceu. Referiu que apenas tem memória dos “guardas entrarem em casa e a levarem para a esquadra.” Relatou que já vivia com o ofendido há cerca de 12 anos, tendo o casal vivido parte do tempo no .... A arguida assumiu que bebia diariamente, às refeições, e que depois de os pais morrerem (a mãe faleceu em Janeiro de 2023) começou a beber mais. Explicou que à data dos factos estava medicada com “Xanax”, e que tomava “2 ou 3 por dia” (contrariamente às declarações que prestou em sede de interrogatório judicial, validamente reproduzidas, em que disse que não tomava anti depressivos nem relaxantes). Relatou que o casal tinha algumas discussões, sendo que o ofendido BB deixou de beber há 4 anos. Também referiu conhecer as facas apreendidas nos autos, sendo uma delas uma “faca de cortar pão” e a outra servia para descascar fruta. Afirmou que, no dia em causa, depois do almoço começaram a discutir, e que depois “esteve a ver novelas no quarto até ao que aconteceu.” Lembra-se de estar a andar pela casa, e que o ofendido estava sentado na mesa da sala. Depois, a arguida mencionou que não se recorda do que aconteceu de seguida. Relatou que o ofendido vai visitá-la ao EP, mantem contacto com um irmão, e que deixou de beber álcool, estando a ser acompanhada em psiquiatria. A arguida negou que no dia dos factos se tenha escondido no armário, já que não cabe lá uma pessoa. Referiu ter pedido perdão ao ofendido, e que foi este quem lhe contou “que lhe tinha espetado uma faca”, no que a arguida não acreditava. Fazendo uma análise critica das declarações da arguida, refira-se que elas convenceram o Tribunal apenas na parte em que se mostraram consonantes com a matéria de facto dada como provada, pois que, nesse âmbito, foram providas de indiscutível razão de ciência, mostraram-se firmes e seguras, além de coerentes com prova produzida que o Tribunal considerou credível. A isto acresce que a maior parte dos factos admitidos pela arguida são factos que lhe são desfavoráveis e que, por isso, nenhum interesse aquela teria em admitir. Já na parte em que as declarações da arguida foram em sentido diverso da matéria de facto dada como provada, elas em nada convenceram o Tribunal. Em primeiro lugar, dado que as declarações da arguida, nessa sede, se mostraram totalmente parciais e interessadas no resultado do presente feito crime. Em segundo lugar, porque, nessa parte, as declarações da arguida foram contrariadas pelas regras da experiência comum e por outra prova que o Tribunal considerou credível. Quanto à matéria de facto dada como provada que não foi admitida pela arguida, o Tribunal tomou em consideração, além do mais, as declarações do ofendido BB, a demais prova testemunhal e os restantes meios de prova produzidos, como de seguida se irá analisar, tudo concatenado com as regras da experiência comum. Começando por analisar as declarações do ofendido BB, começa por referir-se que o mesmo prestou um depoimento comprometido com a posição processual da arguida, o que não é de estranhar tendo em conta que os mesmos mantêm a intenção de reatar a relação que tinham anteriormente à reclusão da arguida tendo, por isso, sido nítida a tentativa daquele de menorizar a gravidade dos factos praticados por esta, pese embora quanto aos factos nucleares/ fulcrais se considere que o mesmo depôs com verdade. Assim, o ofendido começou por referir que ambos bebiam álcool em excesso, porém o próprio deixou de o fazer há 3/ 4 anos. Referiu que nos tempos anteriores à data dos factos a arguida estava a beber mais, e por isso andava mais agressiva. Explicou também que comprava todos os dias pelo menos uma garrafa de vinho para o almoço “só para ela, e que às vezes não chegava”. No dia em causa, o ofendido referiu que estava sentado na mesa da sala de jantar e havia uma faca na mesa, que identificou como a de fls. 29, que usava sempre para comer às refeições e para descascar fruta. Identificou ainda a faca de fls. 28 como sendo uma “faca de pão”. Referiu que a arguida, no dia dos factos, durante a tarde, andava de um lado para o outro da casa, e já tinha bebido três garrafas de vinho nesse dia. Explicou ainda que era habitual depois do almoço haver discussão entre o casal. Contudo, no dia em causa não houve discussão (motivo pelo qual resultou não provado o facto A). Aliás, o ofendido também não confirmou que a arguida tenha proferido quaisquer expressões no decurso do confronto entre ambos, motivo pelo qual igualmente resultaram não provados os factos referidos em B e C, na ausência de qualquer outra prova nesse sentido. Numa das vezes em que deambulava pela casa, a arguida dirigiu-se a ele, pegou na faca do pão que estava em cima da mesa e mostrou-lha. O ofendido disse-lhe para pousar a faca, após o que, para evitar que a arguida o agredisse, a retirou da mão da arguida e a pousou na mesa. Após a arguida pegou na outra faca, a da fruta e, de súbito, espetou-lha. O ofendido explicou que aquela o “picou” com a faca e a voltou a tirar, num movimento rápido, no peito, na zona do seio esquerdo. O ofendido referiu que logo de seguida a arguida fugiu para a cozinha, tendo percebido depois que não estava em casa (pelo que pode ter saído por uma janela larga que existe na cozinha, e dá acesso ao exterior). Referiu que se manteve sentado, pegou no telemóvel e chamou a ambulância. Afirmou que pouco tempo depois chegaram a polícia e os bombeiros, sendo o próprio ofendido quem lhes abriu a porta. O ofendido referiu ainda que “Tinha pouco sangue”. Nessa altura a arguida já tinha voltado para casa, tendo-se escondido. Após a sua reclusão, o ofendido tem visitado a arguida todas as semanas, e quer continuar com a relação que tinha com aquela. Referiu que a arguida agiu daquela forma pelo facto de ter bebido “três garrafas de vinho seguidas”, misturado com os calmantes que tomava. Ora, atendendo ao teor das declarações do ofendido, que, não obstante a aparente ligeireza com que descreveu os factos, depôs de forma que se nos afigurou verosímil, o Tribunal não teve dúvidas de que os factos ocorreram como este os descreveu, assim dando como provada a matéria assente supra. As demais testemunhas inquiridas não presenciaram os factos, apenas podendo atestar o estado em que se encontravam o ofendido e a arguida após a sua ocorrência. A testemunha CC, agente da PSP, referiu que quando chegou ao local o ofendido já estava a ser assistido pelos bombeiros, tendo este afirmado que a companheira o tentou matar com uma faca na zona do coração. Referiu que se encontravam duas facas lado a lado em cima da mesa, estando a arguida AA escondida num armário embutido no corredor. Explicou que a arguida estava muito alterada, verbalizando coisas sem nexo, tendo, no entanto, dito que provocou um ferimento ao ofendido, mas não explicitou como o fez. Relatou ainda que a arguida exalava um forte hálito etílico e estava totalmente desorientada, tirando o vestido que vestia, e que não tinha roupa interior por baixo deste. Mencionou que apreendeu as duas facas que se encontravam no local. Confirmou ainda o teor do auto notícia de fls. 5, do auto de apreensão de fls. 23 e das fotografias fls. 26. Por fim, afirmou que a camisola do ofendido tinha uma mancha de sangue, mas que este “não se estava a esvair em sangue” e que não havia vestígios de sangue espalhados no local. Já a testemunha DD, bombeiro, referiu que assistiu o ofendido, que tinha um ferimento no peito. Explicou que o mesmo apresentava um ferimento ligeiro, que lhe fez um curativo, e que no local não havia poças de sangue.A acompanhar esta testemunha estava também o bombeiro EE, que referiu que já conhecia aquela casa, por aí terem sido chamados anteriormente por terem existido desacatos, por duas vezes. Referiu que foi a vítima que lhes abriu a porta, e que esta tinha manchas de sangue na camisola. O ofendido foi pelo seu próprio pé para a ambulância. Relatou ainda, com relevo, que enquanto estiveram a assistir o ofendido ouviu uma senhora aos gritos fechada num compartimento, não tendo visto de quem se tratava. Por fim, a testemunha FF, inspector da PJ, referiu que se deslocou ao hospital, onde falou com o médico que viu a vítima. Este último explicou que a lesão do ofendido se situava perto do coração, e que apenas não foi mais grave porque a lâmina bateu nas costelas, o que impediu que o golpe fosse mais fundo. A testemunha FF explicou ainda que a vítima estava desestabilizada e a arguida estava agressiva, embriagada e exalava hálito a álcool, confirmando que o aspeto com que encontrou esta última correspondia ao da fotografia de fls. 104. Para prova das lesões apresentadas pelo ofendido foi valorado o teor do relatório pericial do IML de fls. 111 a 113 e 271 a 273, cujo valor probatório não foi afetado por qualquer outra prova produzida nos autos. No que concerne à intenção com que a arguida atuou quanto ao imputado “homicídio na forma tentada”, “dado que o dolo pertence à vida interior de cada um e é, portanto, de natureza subjetiva, insuscetível de direta apreensão, só é possível captar a existência através de factos materiais comuns, de que o mesmo se possa concluir, entre os quais surge, com maior representação, o preenchimento dos elementos integrantes da infracção. Pode, de facto, comprovar-se a verificação do dolo por meio de presunções, ligadas ao princípio da normalidade ou da regra geral da experiência” (cf. Ac. da Relação do Porto de 23-02-1983, BMJ, n.º 324, p. 620). Os factos do tipo subjetivo que integram o dolo, os atos interiores ou internos, resultam frequentemente dos factos externos e, por respeitarem à vida psíquica, raramente se provam diretamente. Na ausência de confissão, em que a arguida reconhece ter sabido e querido os factos do tipo objetivo, a prova do dolo far-se-á por ilações, retiradas de indícios, e também de uma leitura de um comportamento exterior e visível do agente. Ora, face a tudo o exposto, os factos externos apurados, consubstanciados nas concretas atuações objetivas demonstradas, com base nos meios de prova referidos e com base nas regras de experiência, permitiram ao Tribunal, com consistência, presumir o facto interno e alcançar convicção positiva sobre a evidente e direta intenção da arguida de atuar daquela forma nos moldes provados (no que se reporta à sua intenção de tirar a vida ao ofendido). Com efeito, o dolo e intenção de matar, tendo a arguida negado a sua verificação, inferem-se dos aspetos objetivos em que se materializou a sua ação e do significado que os mesmos têm e revelam de acordo com as regras da experiência comum. Para essa conclusão, no caso dos autos, o Tribunal atendeu especialmente: à zona do corpo do ofendido atingida: do lado esquerdo do peito, onde se situa o coração, facto que é do conhecimento geral e básico de qualquer indivíduo; Ora, estamos perante uma zona vital do corpo, o tórax. Repare-se ainda na extensão do golpe perpetrado pela arguida na zona torácica, com cerca de 4 centímetros de profundidade. Ao instrumento utilizado, uma faca, objeto que propicia golpes profundos. Com efeito, os ferimentos causados no ofendido exigiram tratamento médico urgente, ainda que a vida do ofendido não tenha estado concretamente em risco. De tudo isto não poderá ter deixado de se aperceber a arguida. Acresce que apenas pelo facto de a faca ter ficado espetada no arco costal, impedindo a sua progressão mais na direção dos órgãos internos do ofendido, é que não ocorreu laceração do pulmão e coração deste, o que, a suceder, provocaria a sua morte. -Ao estado em que a arguida deixou a vítima no local, ausentando-se de casa logo após a prática dos factos e deixando este abandonado à sua sorte; -A arguida sabia ainda a curta distância que a separava do ofendido, assim potenciando exponencialmente a gravidade do golpe que perpetrou com a faca. Aliás, esta muniu-se, primeiro, de uma faca de ponta romba, sendo que, após o ofendido lha retirar, persistiu na sua intenção de lhe tirar a vida e aí se muniu de uma faca de serrilha e pontiaguda. Todos estes factos, devidamente perspetivados à luz das regras da normalidade, conduzeminelutavelmente à conclusão de que a arguida, ao atuar como atuou, quis efetivamente tirar a vida ao ofendido, o que apenas não ocorreu por circunstâncias alheias à sua vontade. Acresce ainda que o instrumento utilizado - uma faca de cozinha, com 22cm de comprimento, sendo 11cm de lâmina, com serrilha e pontiaguda - propicia golpes profundos. Os ferimentos causados exigiram a intervenção médica urgente para tratamento das lesões causadas ao ofendido. Nesta parte, foi ainda valorado e relevante o teor do relatório de perícia psiquiátrica datado de 17/06/2024. De acordo com o mesmo, à data dos factos a arguida tinha capacidade de avaliar a ilicitude das suas condutas e de se determinar de acordo com essa avaliação. Foi igualmente tida em conta a perícia à personalidade da arguida (datada de 22/11/2024, Ref. ...16), de onde se destaca que “A arguida tenderá à reactividade e será propensa à instabilidade emocional, sentido uma certa falta de controlo sobre a sua vida e podendo reagir de forma contraproducente ao invés de se adaptar activamente às alternativas que lhe sejam propostas.(…) A arguida possui um perfil pautado por um conjunto de características e factores que, de forma exponencial se associados ao consumo de substâncias, configuram risco da reincidência de perpretação de comportamentos anti-sociais. Carece de manter acompanhamento psiquiátrico e suporte terapêutico e psicoeduativo no que respeita aos consumos etílicos.” Ora, do teor de ambos os relatórios periciais extrai-se a conclusão de que a arguida não tinha qualquer condição psiquiátrica ou semelhante que a impedisse de compreender a gravidade dos factos que praticou. Motivo pelo qual, conjugados todos os elementos probatórios referidos, o Tribunal não teve dúvidas em dar como assentes os factos atinentes ao elemento subjetivo. Os factos relativos às condições económico-sociais da arguida resultam do respetivo relatório social constante dos autos, enquanto a ausência de antecedentes criminais resulta do CRC junto aos autos. Foram ainda tidos em conta os depoimentos das testemunhas de defesa II e JJ, amigos do ofendido e que conheciam o casal, que descreveram a arguida como pessoa afável e educada, pese embora a testemunha II ter referido que porvezes a arguida “bebia um bocadinho e ficava alterada”, já que também tomava medicamentos. Os factos dados como não provados resultam da ausência de prova bastante a seu respeito bem como da sua contradição relativamente aos factos dados como assentes. Não se respondeu à restante matéria por ser irrelevante, conclusiva ou respeitar a matéria de direito.» Mérito do recurso 1. Dos vícios decisórios previstos no art.º 410.º, nº 2, alíneas a) e c) do CPP
Defende a recorrente que o acórdão por si sindicado padece de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada porquanto, em síntese, não se mostra comprovada a conclusão que o Tribunal a quo retirou de que a arguida só não consumou o homicídio por a faca ter embatido no arco costal do ofendido (Facto provado n.º 13); e a conclusão de que a morte não ocorreu por circunstâncias alheias à vontade da arguida é uma ilação sem sustento factual concreto, que a decisão não esclareceu, constituindo esta omissão um vício de insuficiência da matéria de facto, nos termos do artigo 410.º, n.º 2, alínea a) do CPP.
E sobre o vício previsto na alínea c) do normativo supracitado alega que o Tribunal a quo não podia dar como provados os factos n.ºs 7, 8, 9, 10, 13, 14, 15, 16, e ao fazê-lo incorreu em erro notório, porquanto toda a prova aponta para a prática de um crime de ofensa à integridade física qualificada, e não de homicídio qualificado na forma tentada, o exame pericial afasta a existência de lesões adequadas a causar a morte, à luz das regras da experiência comum não é razoável concluir que a arguida tenha querido tirar a vida ao ofendido, pelo que a matéria de facto provada é insuficiente para justificar a qualificação jurídica adotada na sentença.
Vejamos.
A invocada revista alargada convoca os vícios decisórios quanto à matéria factual constante do texto da decisão recorrida e que deste texto resulte, por si só ou conjugado com as regras de experiência comum: que a matéria de facto dada como provada seja insuficiente para a decisão final (art. 410º, n.º 2, al.a) do CPP); que ocorra contradição insanável da fundamentação da decisão factual ou entre essa fundamentação e a decisão factual (al. b) do mesmo preceito); e/ou que ocorra erro notório na apreciação da prova.( al. c)).
Conforme resulta do próprio texto legal, e é pacifico na doutrina e jurisprudência, a verificação destes vícios só pode decorrer do texto da decisão recorrida, na sua globalidade, sem recurso a quaisquer elementos que lhe sejam externos, designadamente a meios de prova produzidos que constem do processo. Em face do teor do texto da decisão, apenas as regras de experiência comum podem, se necessário, servir de critério de aferição da existência, ou não, de tais vícios.
Tratam-se, assim, de vícios intrínsecos da decisão, de conhecimento oficioso, (cfr. Acórdão do STJ n.º 7/95 in DR, I-A Série, de 28-12-1995).
O primeiro dos vícios, o da insuficiência da matéria de facto para a decisão, não deve ser confundido, como é comum ocorrer, sendo disso exemplo a confusão da recorrente, com a insuficiência dos meios probatórios para dar como provado ou não provado determinado facto.
Tal vício ocorre quando, na exposição da matéria de facto exarada no texto da decisão (provada e não provada), se constata a ausência ou omissão de factos essenciais para se concluir por aquela concreta condenação ou absolvição, ou por aquela pena concreta.
Será o caso, exemplificativamente, de não constar do acervo factual o elemento objectivo ou subjectivo do específico crime imputado ao agente, (que podendo e devendo ter sido obtido e julgado provado ou não provado, é necessário para sustentar a decisão), ou o circunstancialismo concreto que motivou a escolha ou o quantum da pena concreta.
Ou, nos dizeres do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 18-07-2013, Proc. 1/05.2JFLSB.L1-3, in www.dgsi.pt:
«O vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, previsto no art. 410.º, n.º 2, alínea a), do Código de Processo Penal, consiste numa carência de factos que suportem uma decisão de direito dentro do quadro das soluções plausíveis da causa, conduzindo à impossibilidade de ser proferida uma decisão segura de direito, sobre a mesma. No fundo, é algo que falta para uma decisão de direito, seja a proferida efetivamente, seja outra, em sentido diferente, que se entenda ser a adequada ao âmbito da causa.»
(Sobre o tema, vide ainda o Prof. Germano Marques da Silva, in “Curso de Processo Penal”, edições Verbo, 2010, volume III, páginas 325 e 325; e entre outros, o decidido pelo Supremo Tribunal de Justiça no seu acórdão de 05 de Setembro de 2007, processo nº 06P4798, in wwwdgsi.pt).
Já o erro notório na apreciação da prova, conforme previsto na alínea c) do nº 2 do art. 410º do CPP, ocorre quando, do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugado com o senso comum de um homem médio ou sopesado à luz das regras de experiência comum, resulte de forma evidente, ostensiva, sem margem para dúvidas, que a prova foi erroneamente apreciada, por a factualidade aí exarada ser arbitrária, contrária à lógica, a regras científicas ou de experiência comum ou por assentar na inobservância de regras sobre o valor da prova vinculada ou das “leges artis”, e que tal fique demonstrado pelo tribunal “ad quem”. (cfr., neste sentido, o acórdão do STJ de 02 de Fevereiro de 2011, processo nº 308/08.7ECLSB.S1, em www.dgsi.pt).
Por sua vez, regras da experiência comum “são generalizações empíricas fundadas sobre aquilo que geralmente ocorre. Tem origem na observação de factos que rotineiramente se repetem e que permite a formulação de uma outra máxima (regra) que se pretende aplicável nas situações em que as circunstâncias fáticas sejam idênticas. Esta máxima faz parte do conhecimento do homem comum, relacionado com a vida em sociedade.”. (In " Curso de Processo Penal", Prof. Germano Marques da Silva Verbo, 2011, Vol. II, pág.188.)
Estamos perante o mencionado vício, como assinalado pelo acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 20-02-2023, proc. 18/19.0YUSTR-N.L1_PICRS (da mesma fonte), «quando do texto da decisão ou do encontro deste com a experiência comum resulta falha grosseira e ostensiva na análise da prova, perceptível pelo cidadão comum, denunciadora de que se deram provados factos inconciliáveis entre si ou que traduza uma apreciação manifestamente ilógica, arbitrária, de todo insustentável.»
Assinala-se, por último, que os dois vícios ora em apreciação não podem ser confundidos com a divergência entre a convicção pessoal da recorrente sobre a prova produzida em audiência e a convicção que o tribunal firmou sobre os factos, no respeito pelo princípio da livre apreciação da prova inscrito no art. 127º do CPP. Pois o que releva “é a convicção que o tribunal forme perante as provas produzidas em audiência, sendo irrelevante, no âmbito da ponderação exigida pela função do controlo ínsita na identificação dos vícios do art. 410º, nº 2 do C.P.Penal, a convicção pessoalmente formada pelo recorrente e que ele próprio alcançou sobre os factos” (Cfr. Acórdão do STJ de 2008.11.19, Proc. nº 3453/08-3 referido por Simas Santos e Leal-Henriques, in “Recursos em Processo Penal”, 9.ª ed., 2020, pág. 76).
Assentes no regime jurídico assim delimitado, e volvendo ao caso concreto dos autos verificamos, desde logo, que a recorrente, para fundamentar cada um dos vícios, socorreu-se de vários meios de prova produzidos em audiência de julgamento e da análise que fez dos mesmos, não constantes do texto da decisão.
Quer isto dizer que os apontados vícios não decorrem, “tout court”, do texto do acórdão recorrido, antes o extrapolando, o que afasta ou exclui a verificação dos vícios em causa, como vimos.
É o que decorre da sustentação da arguida quando defende que nem da prova testemunhal, nem da dos documentos clínicos, nem dos exames periciais, resulta em lado algum que a faca com que atingiu o peito do seu companheiro ficou espetada no arco costal, o que impediu a sua progressão, e só por isso é que não ocorreu laceração do pulmão e coração o que, a suceder, provocaria a sua morte.
É igualmente o que decorre da argumentação da recorrente quando fundamenta o erro notório da apreciação da prova, nomeadamente, no teor do exame pericial que segundo alega afasta a existência de lesões aptas a causar a morte, para concluir que foi erradamente dado como provado que a arguida tenha querido tirar a vida ao ofendido.
Por outro lado, mesmo que o Tribunal a quo desse por assente que a morte não ocorreu por circunstâncias alheias à vontade da arguida sem que tivesse esclarecido que circunstâncias eram essas, o que não é o caso pois tal concretização resulta dos factos provados n.ºs 13 e 14, tão pouco estaríamos perante a insuficiência prevista na alínea a) do n.º 2 do art. 410º do CPP, como defende a recorrente. É que, como se assinalou, o que constitui a insuficiência da matéria de facto para a decisão é a omissão de factos essenciais para se concluir pela concreta condenação, no caso, pela prática de um crime de homicídio na forma tentada.
O que não se confunde, tal como manifestamente o faz a recorrente, com a insuficiência dos meios probatórios para dar como provado ou não provado determinado facto.
Considerando o exposto, e ponderando, ainda, que:
-A decisão de facto contém toda a factualidade essencial para se chegar à condenação da recorrente pela prática de um crime de homicídio na forma tentada (ainda que bem ou mal apreciada pelo Tribunal recorrido, o que é questão diversa);
- E que do texto da decisão recorrida não resulta uma falha grosseira e ostensiva na análise da prova, claramente perceptível pelo cidadão comum, denunciadora de que se deram provados ou não provados factos inconciliáveis entre si ou que traduzam uma apreciação manifestamente ilógica e de todo em todo insustentável;
Só podemos concluir pela manifesta improcedência dos invocados vícios decisórios previstos no art.º 410.º , nº 2, alíneas a) e c) do CPP.
2- Importa, agora, aferir se ocorreu erro de julgamento, e se foi violado o princípio in dubio pro reo.
Defende a recorrente que a decisão recorrida padece de erro de julgamento quanto aos factos provados sob os n.ºs 3, 7, 8, 9, 10, 13, 14, 15, 16, 17, 20, 21, 22 e 23.
Devendo, ainda, serem aditados outros factos.
Vejamos.
A impugnação ampla do julgamento da matéria de facto conforme prevista no art. 412º, n.º 3 e 4 do CPP, funda-se na noção de erro de julgamento na apreciação da prova relativa aos factos em questão nos autos.
Ocorre quando o Tribunal considera provado um determinado facto, sem que dele tenha sido feita prova, ou quando dá como não provado um facto que, face à prova produzida, deveria ter sido considerado provado, pressupondo-se que os meios de prova produzidos não podiam conduzir à fixação da matéria de facto provada e não provada nos termos decididos.
Em regra, a avaliação da prova em primeira instância, feita de forma directa, oral e imediata, obedece a uma forma de procedimento que coloca o juiz do julgamento em melhores condições para a decisão da matéria de facto do que a avaliação feita em sede de recurso, com base na audição ou visualização do registo, meramente parcial (porque despido de expressões faciais e comportamentos físicos), de provas de produção pretérita.
Por assim ser, a reapreciação da prova em recurso não pode, nem deve equivaler a um segundo julgamento. O duplo grau de jurisdição não assegura a sujeição da acusação a dois julgamentos em tribunais diferentes, mas apenas garante que o interessado pode obter do tribunal superior a fiscalização e controlo de eventuais erros da decisão da matéria de facto, através do reexame parcial da prova, ou como correntemente se diz na nossa jurisprudência, um remédio jurídico que se destina a corrigir, cirurgicamente, erros in judiciando ou in procedendo.
É neste contexto que se impõe ao recorrente o tríplice ónus previsto no nº 3 e 4 do artigo 412º do CPP, sendo certo que não sendo ele cumprido em alguma das suas vertentes, estão os Tribunais da Relação impedidos de conhecer de facto – art. 428º do CPP.
Por outro lado, o julgamento da matéria de facto está sujeito ao princípio da livre apreciação estabelecido no artigo 127º do CPP, princípio válido para o julgamento em primeira instância como para a verificação de eventuais erros de julgamento na Relação, de acordo com o exame crítico da prova, que não deixa de estar vinculado a critérios objectivos jurídico-racionais e às regras da lógica, da ciência e da experiência comum.
O referido princípio, relativo à prova, permite ao julgador apreciar os meios de prova com base na sua livre valoração e na sua convicção pessoal, por contraste ao sistema de prova legal, onde a apreciação da prova tem lugar com base em regras legais predeterminadas.
Por assim ser, a convicção do julgador só pode ser modificada pelo tribunal de recurso quando seja obtida através de provas ilegais ou proibidas, ou contra a força probatória plena de certos meios de prova ou, então, quando afronte, de forma manifesta, as regras da experiência comum. Sendo, por isso, também irrelevante para a pretendida modificabilidade da factualidade provada que o recorrente adopte uma interpretação diferente ou contrária da do Tribunal sobre os meios de prova produzidos.
Em face do exposto, e em suma, só haverá erro de julgamento da matéria de facto, suscetível de ser modificado em sede de recurso, naquelas situações em que o recorrente consiga demonstrar que a convicção do Tribunal de primeira instância sobre a veracidade de certo facto é inadmissível (não é sustentada em dados objectivos), ou que existam outras hipóteses dadas pelas provas que imponham (e não apenas apontem) solução diferente da adoptada pelo tribunal recorrido. (cfr. a propósito, entre outros, o acórdão do STJ de 19 de maio de 2010, proc. nº 696/05.7TAVCD.S1, em www.dgsi.pt).
Analisemos, então, os concretos factos impugnados pela recorrente.
Relativamente aos factos sob os n.ºs 7, 9, 17, e 20 a 23, adianta-se desde já que a arguida não cumpre o ônus da especificação, não indicando a parte das declarações ou dos depoimentos que considera imporem decisão de facto diferente da tomada, por referência à gravação, nem procede à sua transcrição, para demonstrar o alegado erro de julgamento.
Tanto basta para concluirmos estar este Tribunal impossibilitado de conhecer de facto, quanto a esta concreta matéria, conforme imposto pelo art. 431º, b) do CPP. (sobre o tema, entre outros, o acórdão do STJ de 03-12-2009, Proc. n.º 760/04.0TAEVR.E1.S1, 5.ª, e de 26-02-2009, Proc. n.º 3270/08 - 5.ª, ambos disponíveis em www.dgsi.pt)
Improcede, pois, a impugnação, quanto aos factos provados 7, 9, 17, e 20 a 23.
Sobre o facto provado n.º 3 -No dia 30 de junho de 2023, durante o almoço e a tarde, a arguida foi, como habitualmente, ingerindo bebidas alcoólicas- a recorrente defende que deve ser aditado ao seu corpo o seguinte texto:
“tendo ingerido três garrafas de vinho, bem como um número indeterminado de comprimidos”.
Ouvido o depoimento do ofendido BB (meio de prova que a recorrente indicou e transcreveu para fundamentar o requerido) constatamos que, efectivamente, este declarou que a sua companheira “já tinha bebido três garrafas de vinho, misturado com os calmantes que tomava”.
Todavia, concordamos com o Tribunal a quo quando salienta na sua motivação que o ofendido “prestou um depoimento comprometido com a posição processual da arguida, (…) sendo nítida a tentativa de menorizar a gravidade dos factos praticados por esta, sendo disso exemplo a referência à ingestão de três garrafas de vinho.”
Na verdade, a arguida e ofendido vivem em união de facto há já 13 anos, pretendem continuar juntos quando aquela for restituída à liberdade, segundo o ofendido a sua companheira não quis tirar-lhe a vida, mostrou-se genuinamente arrependida, e pediu-lhe perdão o que ele desde logo concedeu.
Conjugando este circunstancialismo, e na ausência de outros meios de prova que confirmassem a quantidade concreta de bebidas alcoólicas ingeridas pela arguida, sendo certo que nem esta concretizou tal quantidade, estamos convictos que a afirmação do ofendido não é o bastante para se concluir, sem margem para dúvidas, que a arguida desde o almoço e até antes de desferir a facada (18.30 horas) havia ingerido três garrafas de vinho.
Todavia, quer pelo que se julgou provado nos factos 2 e 18, quer do que resulta do Relatório do exame pericial de psiquiatria forense citado pelo tribunal a quo, (entre o mais “USF ... I – KK: referência a «perturbação depressiva» (início a 24.02.2023), tendo a examinanda sido medicada com venlafaxina 75 mg/dia e lorazepam 2.5 mg/dia”), crê-se que só por manifesto lapso a decisão recorrida não fez menção à tomada de medicação pela arguida, no facto n.º 3.
Entende-se, assim, julgar parcialmente procedente a impugnação do facto n.º 3 o qual passará a ter a seguinte redacção:
3-No dia 30 de junho de 2023, durante o almoço e a tarde, a arguida foi, como habitualmente, ingerindo bebidas alcoólicas e tomou medicação, de natureza e quantidades não concretamente apuradas.
Quanto ao facto provado em 8 – “Ferido e deixado à sua sorte pela arguida, o ofendido acionou o serviço de emergência médica” - a recorrente defende que deve ser retirada a expressão “ ferido e deixado à sua sorte pela arguida”, porquanto não existem dúvidas nem o tribunal a quo pôs em causa que tenha sido o próprio ofendido a chamar a ambulância, a ir abrir a porta de casa aos bombeiros, e a deslocar-se pelo seu pé para o interior do veículo, assim como não existe prova alguma de que o ofendido tenha sofrido assinaláveis perdas de sangue, não compreendendo como se julgou provado ter o ofendido sido deixado à sua sorte .
Ora, ainda que assista razão à recorrente quanto a ter sido o ofendido a acionar os meios de socorro, a abrir a porta e a deslocar-se pelo seu pé para o interior da ambulância (o que decorre, efectivamente, da audição das declarações do ofendido e testemunhas), tal circunstancialismo não exclui o facto de a recorrente, após a agressão, não ter socorrido o ofendido, nem ter accionado qualquer tipo de socorro.
Pelo que, não se verifica quanto a este facto qualquer erro de julgamento, como invocado, devendo manter-se o mesmo inalterado.
Relativamente ao facto provado n.º 10 – O ofendido foi assistido no local e transportado para o serviço de urgência do Hospital de ..., apresentando hemorragia incontrolável -, a recorrente pretende que se retire a expressão final de «apresentando hemorragia incontrolável».
Ora, escrutinados os meios probatórios por si indicados, transcritos e individualizados, em contraposição com os indicados pelo Tribunal a quo, temos que concluir que, efectivamente, neste ponto ocorre um manifesto erro de julgamento por parte do tribunal recorrido.
Quer o ofendido, quer as testemunhas (CC, DD e EE) que o assistiram no local e o conduziram ao Hospital, em ambulância, negaram a existência de qualquer derrame de sangue significativo, menos ainda incontrolável.
Por sua vez, da prova documental indicada na decisão recorrida, e quanto a este facto, designadamente, do Relatório pericial de avaliação de dano corporal datado de 28/12/2024, não é feita menção a nenhum quadro hemorrágico, assim como não consta de nenhum elemento clínico a existência de qualquer hemorragia.
Exceção feita ao boletim de urgência do Hospital de ... datado de 30-06-2023, de onde decorre que na triagem, normalmente feita por auxiliar de enfermagem ou enfermeiro, o ofendido “Apresenta (…) pequena hemorragia incontrolável”, sendo certo que no exame médico que se seguiu não foi feita qualquer alusão à existência de uma hemorragia.
Considerando os meios de prova assim produzidos, e afigurando-se-nos manifestamente contraditória, e carecida de suporte médico, a declaração de uma “hemorragia incontrolável e pequena”, entendemos não existir suporte factual que sustente que o ofendido apresentava hemorragia incontrolável.
De onde, procede neste ponto o recurso, passando o facto provado em 10 a ter a seguinte redacção:
10-“O ofendido foi assistido no local e transportado para o serviço de urgência do Hospital de ....”
No tocante ao facto provado n.º 13- Apenas pelo facto de a faca ter ficado espetada no arco costal, impedindo a sua progressão, é que não ocorreu laceração do pulmão e coração do ofendido, o que, a suceder, provocaria a sua morte – é para nós também evidente o erro de julgamento em que incorreu o tribunal a quo.
Na verdade, quer como assinalado pela recorrente, quer como salientado pela Ex.ª. Procuradora geral adjunta neste Tribunal, a afirmação de que a faca ficou espetada no arco costal, o que impediu a sua progressão, evitando a laceração do pulmão e coração, não tem respaldo num único meio probatório produzido nos autos, nem na prova testemunhal validamente produzida, nem na documental.
A decisão recorrida ter-se-á fundado na afirmação da testemunha FF, inspetor da PJ, que declarou ter falado com o médico que viu o ofendido e que este lhe disse que a lâmina da faca bateu nas costelas, o que impediu ter atingido mortalmente o pulmão ou coração.
Na verdade, além desta alusão, por depoimento testemunhal indirecto, de que a faca terá ficado espetada no arco costal do ofendido, não existe nos autos um único meio de prova, seja testemunhal, documental ou pericial que confirme esse “facto”, sendo ainda mais grave constatar-se que de todos os documentos clínicos, exames médicos, relatórios médicos, e Relatório Pericial, todos eles apontam para o contrário do que foi julgado provado, ou seja, a faca que atingiu o ofendido não terá ficado «espetada» nem embatido no arco costal do ofendido, desde logo porque se tal tivesse ocorrido, o exame de TAC ao tórax do ofendido teria seguramente detectado tal circunstancialismo, e nada detectou, como decorre do seu resultado:
«Sem relevantes alterações mediastínicas. Nomeadamente sem coleções nem derrame pericárdico. | Ausência de derrame pleural. | Não se registam áreas de contusão ou laceração pulmonar nem se visualiza pneumotórax. | Não se detetam fraturas. | Não se registam coleções na parede torácica. (...)".
Acresce que não foi dado cumprimento ao disposto no art. º 129.º, n.º 1, do CPP, relativamente ao depoimento da testemunha FF, pelo que a sua declaração não pode ser valorada pelo Tribunal recorrido.
Concluindo, não se mostrando o facto n.º 13 sustentado nos elementos probatórios periciais, como afirmado no douto acórdão, nem em qualquer outro meio de prova, e não podendo ser valorada a afirmação produzida pela testemunha FF nos sobreditos termos, deve o facto em causa ser considerado não provado, como defendido pela recorrente.
Facto n.º 14- Ao actuar da forma descrita, a arguida agiu com o deliberado propósito de tirar a vida a BB, bem ciente de que o instrumento que utilizava, quer pela sua natureza corto-perfurante, quer pela zona do corpo procurada e atingida (nomeadamente coração e pulmões), era adequado a causar a morte do mesmo, o que quis e que apenas não logrou por razões alheias à sua vontade, atenta a assistência médica que prontamente lhe foi prestada, primeiramente no local e após no atendimento médico de urgência, único motivo pelo qual não conseguiu concretizar a sua resolução de tirar a vida ao ofendido.
A recorrente defende que este facto deve ser dado como não provado, fundamentando que o ofendido referiu expressamente que o que a motivou a espetar-lhe a faca foi o facto de ter consumido 3 garrafas de vinho e medicação, que só o “picou”, que a sua capacidade de avaliar e compreender os factos estava reduzida (pelo consumo de álcool, medicação e perturbações psiquiátricas) integrando o conceito de inimputabilidade diminuída, e que a prova documental e testemunhal (que concretizou) demonstra que o ferimento foi ligeiro, tendo o ofendido apenas necessitado de sutura, sem necessidade de acompanhamento médico posterior.
Vejamos.
Do Relatório Pericial de 28 de dezembro de 2023, sobre as concretas lesões do ofendido, destacamos a referência à data da consolidação médico-legal fixável em 12/07/2023, ou seja, 12 dias, sem afetação da capacidade de trabalho geral.
Do evento resultou uma cicatriz de 1 cm, não desfigurante, com tendência a atenuar-se, e sem consequências permanentes.
Mais se destacando que “do evento não terá resultado perigo em concreto para a vida do Examinado.”
Dos demais documentos clínicos, em particular do Boletim de urgência e exame médico que se seguiu, destacamos que o ofendido deu entrada no hospital apresentando uma ferida corto contusa de 1,5cm, e de 4cm de profundidade, cujo tratamento se traduziu, apenas, em suturar a ferida, com indicação de alta hospitalar e de mudar o penso no Centro de Saúde.
Por sua vez, do depoimento de DD, bombeiro que assistiu o ofendido no local, decorre que foi este quem lhes foi abrir a porta da residência, seguindo pelo seu próprio pé para a ambulância, a vítima não tinha hemorragia activa, não havia bolsas de sangue e segundo o que lhe pareceu tratava-se de um ferimento ligeiro, tanto assim que se limitou a desinfetar a ferida e a colocar um penso.
Tal depoimento foi corroborado pelas testemunhas CC e EE.
Assim, em face dos apontados meios de prova, não vislumbramos como possa a assistência médica prestada no local ao ofendido, e depois a que lhe foi prestada no atendimento médico de urgência, ter impedido a morte do ofendido, sendo certo que segundo o exame pericial, como vimos, do evento nem sequer resultou perigo em concreto para a sua vida.
Procede, assim, nesta parte, a impugnação do facto provado em 14 no tocante ao apontado motivo que impediu a morte do ofendido.
Relativamente aos factos provados em 15. Fê-lo com total indiferença pelos deveres de respeito e consideração àquele devidos, com quem mantém relação análoga à dos cônjuges -, e
16. Agiu a arguida futilmente motivada, de forma livre, deliberada e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei – defende a recorrente deverem dar-se como não provados, desde logo porque actuou com imputabilidade diminuída, por força do consumo de álcool e medicação antes do evento, e atenta a sua perturbação psiquiátrica.
Todavia, afasta liminarmente tal entendimento o resultado do exame pericial psiquiátrico realizado às faculdades mentais da arguida, a seu pedido, que concluiu que apesar das sobreditas dependências, esta não tinha, à data dos factos, qualquer limitação psiquiátrica, ou semelhante, que a impedisse de compreender a gravidade dos factos que praticou e de se determinar de acordo com essa avaliação.
Nestes termos, improcede a impugnação, nesta parte, devendo manter-se inalterados os indicados factos 15 e 16, mas neste último com exceção da expressão “futilmente motivada”, que deverá ser suprimida por notoriamente conclusiva.
Do invocado erro de julgamento, importa ainda analisar a impugnada “intenção de matar da arguida” (facto 14).
O Tribunal recorrido fundamentou-a atenta a zona do corpo atingida (lado esquerdo do peito, onde se situa o coração, facto que é do conhecimento geral e básico de qualquer indivíduo);
-A lesão ter cerca de 4 centímetros de profundidade e a faca ter ficado espetada no arco costal, o que impediu a sua progressão na direcção do pulmão ou coração;
-O instrumento utilizado, uma faca, que propicia golpes profundos;
-E a arguida não padecer de nenhuma limitação que a impedisse de compreender a gravidade dos factos que praticou, conforme relatório de perícia psiquiátrica.
Contudo, a par destes elementos, retirado o facto da faca ter ficado espetada no arco costal por não provado, impõe-se igualmente ponderar que, como vimos e resulta cristalinamente dos exames médicos e periciais realizados ao ofendido, a lesão efectivamente sofrida por este “afasta qualquer cenário de especial gravidade no corte infligido porquanto, para além daquele não ter ocorrido qualquer perigo de vida, o ferimento apenas foi suturado, demandando para curar um período de 12 dias de doença, sem incapacidade para o trabalho, e apenas necessitando de tratamentos de enfermagem (mudança do penso) no Centro de Saúde, onde aquele se deslocou. Isto é, as lesões sofridas não eram adequadas a causar a morte do ofendido.” (v.g. parecer da Ex.ª Procuradora adjunta).
Por outro lado, não olvidando que até “pode não ter havido lesão corporal, não podendo haver presunção médico-legal, e ser dada como provada a intenção de matar” (v.g. o acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 22-01-2003, proc. 0240999, em www.dgsi.pt), considerando:
i. A superficialidade da lesão;
ii. A forma como foi concretizada (a recorrente, com a faca na mão, apenas picou o lado esquerdo do peito do seu companheiro);
iii. O contexto em que a lesão foi produzida (a arguida e ofendido vivem em união de facto há 13 anos, e a primeira, à data dos factos, sofria de abuso/dependência alcoólica e sintomatologia depressiva, tendo já ingerido bebidas alcoólicas e tomado medicação);
iv. e o facto de o ofendido constituir para a arguida o seu único sistema de suporte e figura de referência no presente, tendo a recorrente medo de ser abandonada pelo seu companheiro (facto provado n.º 23);
Somos de concluir não estar demonstrado que “ A arguida agiu com o deliberado propósito de tirar a vida a BB, bem ciente de que o instrumento que utilizava, quer pela sua natureza corto-perfurante, quer pela zona do corpo procurada e atingida (nomeadamente coração e pulmões), era adequado a causar a morte do mesmo, o que quis (…)”- Facto n.º 14.
Ademais se, como acima expusemos, não resultou provado que tenha sido a pronta assistência médica prestada no local, nem a prestada no atendimento médico de urgência, o motivo pelo qual a arguida não conseguiu concretizar a sua resolução de tirar a vida ao ofendido (facto 14), e se este é o seu único sistema de suporte e figura de referência, tendo aquela medo de ser abandonada por este, torna-se então incompreensível, e inexplicável, que a arguida tenha actuado com o único propósito, deliberado, de tirar a vida ao seu companheiro.
No limite, o princípio in dubio pro reo sempre afastaria a conclusão de que a arguida agiu com o intuito de matar o ofendido, podendo apenas dar-se por assente, porque desprovido de quaisquer dúvidas, que aquela agiu com o intuito de o ofender corporalmente, o que aliás é defendido pela própria em sede de recurso.
Pelo exposto, deve dar-se como não provado o facto n.º 14, e considerar-se provado, a título do elemento subjectivo do crime, que a arguida agiu com o propósito, alcançado, de ofender o corpo e saúde do seu companheiro, com quem vive em condições análogas às dos cônjuges há mais de 13 anos, agindo com total indiferença pelos deveres de respeito e consideração àquele devidos em função desse relacionamento. (cfr. factos provados n.º 1 e 15).
Ao actuar dessa forma, violando os deveres de respeito e de proteção exigíveis numa relação como a que a unia ao ofendido, atentando contra a integridade física deste, mostra-se comprovada a especial censurabilidade da sua actuação e o preenchimento da alínea b) do art.º 132.º n.º 2 do Código Penal, enquadrando o seu comportamento a prática, na forma consumada, de um crime de ofensa à integridade física qualificada, previsto e punido pelos arts.º 143º, n.º 1, e 145.º n.ºs 1 e 2 com referência ao art.º 132.º 2 b) do Código Penal.
De salientar, por fim, que na intenção de matar constante do despacho de acusação está contida a intenção de ofender corporalmente, pelo que não estamosperante uma alteração não substancial dos factos, menos ainda substancial, que importe uma prévia comunicação ou notificação nos termos previstos no n.º 1 do art. 358º do CPP. (cfr. Acórdão do STJ de 10-05-2006, proc. 06P1290, e jurisprudência aí citada em II do Sumário, em www.dgsi.pt)
Nestes termos, e atenta a decisão de facto acabada de proferir, reformula-se a factualidade provada e não provada do acórdão recorrido, nos seguintes termos (abstendo-nos de repetir o texto dos factos provados e não provados que não foram impugnados, e cujo texto se mantem inalterado):
Factos provados da acusação:
1. (…)
2. (…)
3. No dia 30 de junho de 2023, durante o almoço e a tarde, a arguida foi, como habitualmente, ingerindo bebidas alcoólicas e tomou medicação, de natureza e quantidades não concretamente apuradas.
4.(…)
5.(…)
6.(…)
7.(…)
8.(…)
9.(…)
10-“O ofendido foi assistido no local e transportado para o serviço de urgência do Hospital de ....”
11.(…)
12.(…)
13.A arguida agiu com o propósito, alcançado, de ofender o corpo e saúde do seu companheiro, com quem vive em condições análogas às dos cônjuges há mais de 13 anos, agindo com total indiferença pelos deveres de respeito e consideração àquele devidos em função desse relacionamento. (cfr. factos provados n.º 1 e 15).
15. (…)
16. Agiu a arguida de forma livre, deliberada e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.
Os factos provados sob os números 17 a 46 mantém-se inalterados, tal como fixados na decisão recorrida.
2.3- Factos Não Provados
Não resultou provado:
Os factos descritos nas alíneas A a D da decisão recorrida mantém-se inalterados, mais resultando: E-Não Provado que «Apenas pelo facto de a faca ter ficado espetada no arco costal, impedindo a sua progressão, é que não ocorreu laceração do pulmão e coração do ofendido, o que, a suceder, provocaria a sua morte» (facto 13 da decisão recorrida);
F-Não provado que «Ao actuar da forma descrita, a arguida agiu com o deliberado propósito de tirar a vida a BB, bem ciente de que o instrumento que utilizava, quer pela sua natureza corto-perfurante, quer pela zona do corpo procurada e atingida (nomeadamente coração e pulmões), era adequado a causar a morte do mesmo, o que quis e que apenas não logrou por razões alheias à sua vontade, atenta a assistência médica que prontamente lhe foi prestada, primeiramente no local e após no atendimento médico de urgência, único motivo pelo qual não conseguiu concretizar a sua resolução de tirar a vida ao ofendido (facto 14 da decisão recorrida).
Cumpre agora, em face da apontada factualidade apurada, apreciar do enquadramento jurídico da actuação da arguida.
Da qualificação Jurídica do crime de homicídio, na forma tentada, imputado à recorrente
A arguida foi condenada, além do mais, pela prática de um crime de homicídio qualificado, na forma tentada, previsto e punido pelos artigos 22.º, 23.º, 131.º, 132.º, n.º 1, e n.º 2, alíneas b) e e) do Código Penal, na pena de 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão.
Ora, considerando as alterações à matéria de facto, e em particular, não se mostrando provada a intenção de matar da recorrente (facto 14), não estando, por isso, preenchido o elemento subjectivo do crime que lhe foi imputado, impõe-se concluir que deverá ser absolvida do indicado crime de homicídio.
Todavia, resultou assente, além do mais, que:
i.A arguida e o ofendido AA viviam em condições análogas às dos cônjuges desde há cerca de 13 anos, partilhando leito, mesa e habitação;
ii.No dia 30 de Junho de 2023, durante o almoço e a tarde, a arguida foi, como habitualmente, ingerindo bebidas alcoólicas e medicação, de natureza e quantidades não apuradas.
iii.Nesse dia, cerca das 18h30m a arguida lançou mão de uma faca que se encontrava em cima da mesa de jantar, com 22cm de comprimento, sendo 11cm de lâmina, com serrilha e pontiaguda e desferiu-lhe uma facada no lado esquerdo do peito, na parte superior do tórax, de imediato fugindo de casa através da janela da cozinha.
iv.A arguida regressou a casa alguns minutos mais tarde, escondendo-se dentro de um armário, sem proferir palavra.
v.O ofendido foi assistido no local e transportado para o serviço de urgência do Hospital de ....
vi.Como consequência directa e necessária da conduta da arguida, o ofendido sofreu dores e trauma torácico penetrante, com ferida incisa de natureza corto perfurante na região supra-mamária esquerda, tendo o orifício o comprimento aproximado de 1,5cm de comprimento e 4cm de profundidade, com cicatriz nacarada na linha mamilar acima do mamilo de 1cm de comprimento.
vii. Que determinou ao ofendido um período de doze dias para cura, sem afectação da capacidade de trabalho geral.
viii. A arguida agiu com o propósito, alcançado, de ofender o corpo e saúde do seu companheiro, com quem vive em condições análogas às dos cônjuges há mais de 13 anos, agindo com total indiferença pelos deveres de respeito e consideração àquele devidos em função da relação análoga à dos cônjuges que os une.
ix. Agiu a arguida de forma livre, deliberada e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.
Ponderada, assim, a descrita actuação da arguida, entendemos que se mostram preenchidos todos os pressupostos objectivos e subjectivos de um crime de ofensa à integridade física qualificada, p. e p. no art.º 145.º n.ºs 1 e 2 com referência ao art.º 132.º 2 b) do CP.
Se não, vejamos.
Estatui o art.º 143.º, n.º 1 do CP que «quem ofender o corpo ou a saúde de outra pessoa é punido com pena de prisão até três anos ou com pena de multa.»
E o art.º 145.º n.º 1 do mesmo diploma (Ofensa à integridade física qualificada) que - «Se as ofensas à integridade física forem produzidas em circunstâncias que revelem especial censurabilidade ou perversidade do agente, este é punido:
a) Com pena de prisão até quatro anos no caso do artigo 143.º;
n.º 2 - São susceptíveis de revelar a especial censurabilidade ou perversidade do agente, entre outras, as circunstâncias previstas no n.º 2 do artigo 132.º», prevendo-se na al. b) deste último preceito que são reveladores de especial censurabilidade ou perversidade praticar o facto contra cônjuge, ex-cônjuge, pessoa de outro ou do mesmo sexo com quem o agente mantenha ou tenha mantido uma relação de namoro ou uma relação análoga a dos cônjuges, ainda que sem coabitação, ou contra progenitor de descendente comum em 1º grau.
Todavia, importa assinalar que não basta o facto de a vítima ser cônjuge ou de ter vivido com o agente em condições análogas às do cônjuge para que o crime de ofensa à integridade física seja qualificado, sendo necessário conjugar todo o circunstancialismo inerente à produção da ofensa corporal e verificar se, dessa conjugação, resulta uma especial censurabilidade ou perversidade do agente. (cfr, acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 8-11-2022, proc. 987/17.4SDLSB.L1-5; in www.dgsi.pt).
Conforme assinalado no acórdão do Tribunal desta Relação de 30-09-2020, proc. 645/15.4GACSC.L1-3, d, (da mesma fonte), que aqui acompanhamos, «O que interessa provar no caso do crime de ofensa à integridade física qualificada (tal como ocorre no crime de homicídio qualificado) é a existência da “especial censurabilidade ou perversidade”.
O que agrava o crime, no caso em apreço, de ofensa à integridade física, tal como no crime de homicídio, é o facto do grau de culpa do agente ser maior, mais intenso, apto a gerar na sociedade uma maior rejeição ou repúdio.
É ao nível da culpa do agente que há de operar-se a análise da qualificação, ou não, do crime base.
Não basta dizer que existe uma ou mesmo várias alíneas do nº 2 do art.º 132º do Código Penal preenchidas para automaticamente se concluir pela qualificação do crime – quer de homicídio, quer de ofensa à integridade física – sendo mister aliar ao preenchimento dessas circunstâncias a verificação de uma maior censurabilidade no comportamento do arguido.
O que interessa apurar é se os factos dados por provados são suficientes para se poder fazer um juízo de censura tal que se constate que o arguido agiu com especial censurabilidade ou perversidade quando atingiu o agente da GNR, não bastando o simples facto o arguido ter atingido um agente policial, no exercício das suas funções, nem que o tenha feito por meio particularmente perigoso.»
No caso concreto, verificamos que:
A arguida e o ofendido viviam, à data dos factos, em condições análogas às dos cônjuges desde há cerca de 13 anos;
No dia 30-06-2023, cerca das 18h30m, após ingerir bebidas alcoólicas e tomar medicação, a arguida muniu-se de uma faca de ponta romba, cabo preto, com 10 cm de comprimento e lâmina em serrilha com 17cm de comprimento e dirigiu-se à sala de jantar, onde se encontrava o ofendido, exibindo-lha;
Ao que o seu companheiro lhe disse para pousar a faca, e como não o fez, aproximou-se da arguida e retirou-lha da mão;
De imediato, a arguida lançou mão de uma outra faca que se encontrava em cima da mesa de jantar, com 22cm de comprimento, sendo 11cm de lâmina, com serrilha e pontiaguda e desferiu-lhe uma facada no lado esquerdo do peito, na parte superior do tórax, de imediato fugindo de casa através da janela da cozinha;
A arguida regressou a casa alguns minutos mais tarde, mas não prestou qualquer auxílio ao seu companheiro, nem quando lhe desferiu a facada, nem depois, quando regressou a casa;
O ofendido foi assistido no local e transportado para o serviço de urgência do Hospital de ..., apresentando como consequência directa e necessária da conduta da arguida, dores e trauma torácico, com ferida incisa de natureza corto perfurante na região supra-mamária esquerda com o orifício de 1,5cm de comprimento e 4cm de profundidade, que lhe determinou um período de doze dias para cura, sem afectação da capacidade de trabalho geral.
Para a cura da lesão, o ofendido foi assistido no Centro de Saúde da sua área de residência para mudança do penso, vindo a apresentar uma cicatriz de cerca de 1 cm na linha mamilar acima do mamilo, com tendência a desaparecer.
Deste acervo factual, destacando-se que a lesão perpetrada pela arguida no seu companheiro foi produzida com uma faca, que empunhou primeiramente outra faca, e mesmo após o ofendido lhe ter dito para a pousar, e lha ter retirado da sua mão, persistiu nesse intento voltando a pegar em outra faca, com a qual lhe desferiu um golpe em zona corporal perto do coração, e que não lhe prestou auxilio, é evidente que agiu com total indiferença pelos deveres de respeito e consideração àquele devidos em função da relação análoga à dos cônjuges que os une, mostrando-se assim demonstrado, sem margem para dúvidas, a especial censurabilidade da sua actuação e o preenchimento da alínea b) do art.º 132.º n.º 2 do Código Penal.
Conclui-se, do exposto, ter a recorrente praticado um crime de ofensa à integridade física qualificada, p. e p. no art.º 145.º n.ºs 1 e 2 com referência ao art.º 132.º 2 b) do Código Penal, ao qual corresponde, em abstracto, a pena de prisão até quatro anos.
Da medida da pena
As penas como instrumentos de prevenção geral são instrumentos político-criminais destinados a actuar (psiquicamente) sobre a globalidade dos membros da comunidade, afastando-os da prática de crimes, através das ameaças penais estatuídas pela lei, da realidade da aplicação judicial das penas e da efectividade da sua execução, desempenhando uma função (de prevenção) geral negativa.
Também tendo uma função (de prevenção) geral positiva ou de integração como forma de que o Estado se serve para manter e reforçar a confiança da comunidade na validade e na força da vigência das suas normas de tutela de bens jurídicos e, assim, no ordenamento jurídico-penal.
E como instrumento por excelência destinado a revelar, perante a comunidade, a inquebrantabilidade da ordem jurídica, pese embora todas as suas violações que tenham tido lugar. Sendo este o ponto de partida da finalidade primária das penas: o restabelecimento da paz jurídica comunitária posta em causa pelo comportamento criminal de um arguido.
O ponto de chegada da pena está nas exigências de prevenção especial, mais concretamente, da prevenção especial positiva (ressocialização do arguido) e da prevenção especial negativa (neutralização daquele tipo de conduta criminosa).
Tudo isto, sempre, sem olvidar o princípio da culpa inerente ao nosso Estado de Direito Democrático: em caso algum pode haver pena sem culpa ou acima da culpa, ou seja, a pena não pode ultrapassar a medida da culpa.
Deste modo, e perante cada caso concreto, a pena deve ser encontrada pelo Juiz dentro de uma moldura de prevenção geral positiva e negativa que são, respectivamente, o limite máximo e o limite mínimo desta “moldura” de pena – pois a natureza e o grau de ilicitude do facto impõe maior ou menor conteúdo de prevenção geral, conforme tenham provocado maior ou menor sentimento comunitário de afectação dos valores) e ponderando o nível e premência das necessidades especiais que se lhe apresentem de prevenção especial positiva e negativa que são, respectivamente, a ressocialização do arguido e a prevenção da sua reincidência, tais como as circunstâncias pessoais do agente, (a idade, a confissão, o arrependimento, os seus antecedentes criminais), ao mesmo tempo que também estas lhe transmitem indicações externas e objectivas para apreciar e avaliar a culpa do agente (sem ultrapassar a medida da culpa concreta). (cfr. Figueiredo Dias em “Direito Penal – Parte Geral”, Tomo I, 2.ª Edição, Coimbra Editora, pág. 78-85 e em “Direito Penal – Questões fundamentais – A doutrina geral do crime”, Universidade de Coimbra – Faculdade de Direito, 1996, págs. 84-121 e, entre outros, o acórdão do STJ de 16-01-2008, no processo n.º 4565/07 e o acórdão do STJ de 25/5/2016, no processo nº 101/14.8GBALD.C1.S1, ambos em www.dgsi.pt):
Delimitado por estes espartilhos, o Julgador fixará, então, o “quantum” da pena.
No caso dos autos, a pena a aplicar há-de partir da moldura abstracta de 1 mês a 4 anos de prisão ( cfr. art.ºs 41.º 1 e 145.º do CP).
Na determinação concreta da pena, deverão atender-se aos seguintes factores agravativos da responsabilidade da arguida:
-O bem jurídico violado-integridade física, e a zona do corpo atingida;
-A intensidade do dolo da arguida- dolo direto;
-O grau elevado das exigências de prevenção geral;
-A elevada ilicitude da actuação da arguida ao usar uma faca com as características da utilizada;
- A problemática de abuso/dependência alcoólica e sintomatologia depressiva de que padecia a arguida à data dos factos, e que ainda padece;
E ainda a sintomatologia psiquiátrica da arguida decorrente dos factos provados n.ºs 2, e 20 a 25, da qual resulta instabilidade emocional.
A favor da recorrente militam as seguintes circunstâncias:
-A arguida não possui antecedentes criminais, contando com 61 anos de idade;
-É tida, no seu meio, como pessoa afável e educada;
-As consequências das lesões sofridas pelo ofendido assumiram pequena gravidade;
-Antes da reclusão, a arguida apresentava um histórico de dependência alcoólica e patologia depressiva, fazendo terapêutica medicamentosa, beneficiando de acompanhamento da sua médica de família;
- Colocada em liberdade, beneficia do apoio do companheiro e ofendido, pretendendo ambos reatar a relação que vinham mantendo;
-As medianas exigências de prevenção especial.
Ponderando, assim, o indicado circunstancialismo, o desvalor da acção, e as exigências de prevenção geral e especial a salvaguardar, consideramos adequada e proporcional a aplicação à arguida de uma pena de dois anos e seis meses de prisão. Da Suspensão da execução da pena
Nos termos do art. 50º, n.º 1 do CP, “o tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a 5 anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”.
A suspensão da execução da pena como expressão do princípio de subsidiariedade da pena privativa da liberdade, corolário do art. 70º do C.P., é uma medida que reveste um «carácter pedagógico e reeducativo» (cfr Maia Gonçalves, Código Penal Português, 18.ª Edição, pág. 215) alicerçada, por um lado, numa previsão fundamentada de que o agente não praticará novos crimes e, por outro, constituindo uma oportunidade concedida àquele por forma a poder reintegrar-se na comunidade, pautando a sua vida em conformidade com os padrões ético-sociais dominantes.
As exigências de prevenção geral impor-se-ão aqui como limite, isto é, como circunstância obstativa, quando a defesa do ordenamento jurídico reclame, em última instância, a efectivação da pena de prisão.
Assim, a suspensão da execução da pena que, assim, não chega a ser cumprida, justifica-se por se entender que a simples censura do facto e a ameaça da pena bastarão para realizar as finalidades da punição, tendo por base um juízo de prognose favorável ao arguido, pressupondo que o mesmo sinta a sua condenação como uma advertência, e que não cometerá, no futuro, novos crimes.
Ou seja, a suspensão da execução da pena deverá ter na sua base uma prognose social favorável ao arguido, a esperança de que aquele sentirá a sua condenação como uma advertência e não cometerá no futuro nenhum crime.
E tal conclusão terá de se fundamentar em factos concretos que apontem, de forma clara, para uma forte probabilidade de o arguido optar por uma inflexão em termos de vida, reformulando os critérios de vontade de teor negativo e renegando a prática de actos ilícitos.
Os elementos a atender nesse juízo de prognose são, conforme resulta do preceito legal citado, a personalidade do arguido, as suas condições de vida, a conduta anterior e posterior ao crime, e as circunstâncias do facto punível.
Tal como escreve Figueiredo Dias (Direito Penal Português, parte geral, Vol. II, Lisboa, 1993, p. 342) “pressuposto material da aplicação do instituto é que o tribunal, atendendo à personalidade do agente e às circunstâncias do facto, conclua por um prognóstico favorável relativamente ao comportamento do delinquente (…)”, sendo que, “(…) na formulação do aludido prognóstico, o tribunal reporta-se ao momento da decisão, não ao momento da prática do facto (…)”.
No caso concreto dos autos, face à pena aplicada à recorrente, encontra-se verificado o requisito formal – pena não superior a 5 anos de prisão.
Por outro lado, considerando que a arguida conta com 61 anos de idade e não possui antecedentes criminais, sofre de dependência alcoólica e foi num contexto de ingestão de bebidas alcoólicas que praticou os factos, o ofendido e seu companheiro já perdoou a sua actuação pretendendo ambos retomar a vivencia em comum, o ofendido é a figura de suporte e de referência da arguida, o qual lhe prestará o apoio que for necessário, e em reclusão desde 1-07-2023 a arguida apresenta comportamento ajustado, entendemos que o crime cometido se tratou de um acto isolado, permitindo-nos formular um juízo de prognose favorável sobre a sua conduta futura, desde que seja devidamente acompanhada por um regime de prova, este com especial incidência no tratamento da adição alcoólica de que padece, e sintomatologia depressiva inerente. (art.º art.º 53.º do Código Penal).
Concluímos, assim, verificados que estão os pressupostos legais, formais e materiais, em suspender a execução da pena de dois anos e seis meses de prisão por igual período, com sujeição a regime de prova nos termos ora indicados.
Nestes termos, em síntese, julgamos o presente recurso globalmente procedente, absolvendo-se a arguida recorrente da prática de um crime de homicídio na forma tentada pelo qual vinha condenada, e condenando-se a mesma como autora material, na forma consumada, de um crime de ofensa à integridade física qualificada, p. e p. no art.º 145.º n.ºs 1 e 2 com referência ao art.º 132.º 2 b) do CP, na pena de dois anos e seis meses de prisão suspensa na sua execução por igual período, com sujeição a regime de prova com especial incidência no tratamento da adição alcoólica de que padece, e sintomatologia depressiva inerente.
Procede, assim, na sua globalidade o presente recurso. DISPOSITIVO
Face ao exposto, acordam os Juízes Desembargadores desta Secção Criminal do Tribunal da Relação de Guimarães, em:
i. Conceder parcial provimento ao recurso quanto à impugnação da decisão da matéria de facto, que passará a ter as alterações supra indicadas;
ii. E em Julgar o presente recurso parcialmente procedente, e nessa conformidade, absolver a arguida recorrente da prática de um crime de homicídio na forma tentada pelo qual vinha condenada, indo a mesma condenada como autora material, na forma consumada, de um crime de ofensa à integridade física qualificada, p. e p. no art.º 145.º n.ºs 1 e 2 com referência ao art.º 132.º 2 b) do CP, na pena de dois anos e seis meses de prisão suspensa na sua execução por igual período, com sujeição a regime de prova com especial incidência no tratamento da adição alcoólica de que padece, e sintomatologia depressiva inerente.
Não são devidas custas pela recorrente.
Notifique.
Passe de imediato mandados de libertação, e comunique à primeira instância.
Guimarães, 11 de junho de 2025
(O presente acórdão foi processado em computador pela relatora, sua primeira signatária, e integralmente revisto por si e pelos Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos – art. 94.º, n.º 2 do Código de Processo Penal - encontrando-se escrito de acordo com a antiga ortografia)