PENA DE MULTA
ARGUIDO EM CUMPRIMENTO DE PENA DE PRISÃO
SUBSTITUIÇÃO POR TRABALHO
Sumário


I – A substituição da pena de multa por trabalho, a que alude o artº 48º, do Código Penal, não configura uma pena principal, ou pena de substituição, como sucede com a pena de prestação de trabalho a favor da comunidade, a que se refere o artº 58º do mesmo Código, mas antes um modo de cumprimento da pena de multa, tendo lugar a requerimento do condenado, e a substituição só poderá ocorrer quando o tribunal tiver razões para concluir que esta forma de cumprimento realiza de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
II – A prestação de trabalho a favor da comunidade pressupõe, além do mais, a liberdade do arguido, não podendo, pois, ser executada se o arguido está preso.
III – O facto de o arguido se encontrar em cumprimento de pena efectiva de prisão implicaria um diluimento da execução do trabalho “intramuros”, que se confundiria com o trabalho que o próprio preso pode desenvolver em contexto prisional durante a execução da pena efectiva que cumpre.
IV - Além disso, a execução do trabalho em ambiente prisional desvirtua a finalidade do próprio instituto, já que retira o carácter de utilidade comunitária à prestação de trabalho, tornando o arguido o único beneficiário da medida.

Texto Integral


Acordam, em conferência, os Juízes da Secção Criminal do Tribunal da Relação de Guimarães

I. RELATÓRIO

1. No âmbito do Processo Comum Singular nº 188/17.1GEBRG, do Juízo Local Criminal de Braga, Juiz 3, do Tribunal Judicial da Comarca de Braga, por sentença de  28/09/2018, constante de fls. 145/159 [1], foi o arguido AA condenado pela prática, em 20/09/2017, de um crime de furto, p. e p. pelo Artº 203º, nº 1, do Código Penal, na pena de 150 (cento e cinquenta) dias de multa, à taxa diária de € 5,00 (cinco) euros, no montante global de € 750,00 (setecentos e cinquenta euros) – cfr. fls. 145/159.

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2. Tal sentença transitou em julgado em 17/06/2019.
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3. Não tendo o arguido procedido ao pagamento voluntário daquela quantia, nem requerido a sua substituição por trabalho a favor da comunidade, e não se tendo logrado identificar bens, livres de ónus e encargos, ou bens penhoráveis, revelando-se, pois, inviável a instauração de execução para pagamento da multa em dívida, em 27/11/2019 promoveu o Ministério Público, a fls. 174, a conversão da multa não paga em prisão subsidiária correspondente, nos termos do disposto no Artº 49º, nº 1, do Código Penal.
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4. Pelo despacho de 02/12/2019, foi determinada a notificação do arguido “(...) para, no prazo de 10 dias, proceder ao pagamento da pena de multa, sob pena de a mesma ser convertida em prisão subsidiária, nos termos do artigo 49º do Código Penal, podendo igualmente pronunciar-se sobre o que tiver por conveniente.”
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5. E, posteriormente, pelo despacho de 13/01/2020, exarado a fls. 176, foi aquela multa convertida em 100 dias de prisão subsidiária, nos termos do disposto no Artº 49º, nº 1, do Código Penal.
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6. Após a realização de diversas diligências tendentes a apurar o paradeiro do arguido, veio o mesmo a ser notificado desse despacho no dia 17/05/2022, através de contacto pessoal levado a cabo pela P.S.P. ... – cfr. fls. 256/257.
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7. Pelo requerimento de 20/04/2022, constante de fls. 251/252, veio o arguido requerer a substituição daquela pena de multa pela prestação de trabalho a favor da comunidade, alegando, em síntese, que estava internado e que não tinha recursos financeiros para garantir o pagamento daquela pena de multa.
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8. Sobre tal requerimento, pronunciou-se o Ministério Público em 04/05/2022 no sentido de ser notificado o arguido para alegar e provar o que tivesse por conveniente, face ao disposto no Artº 49º, nº 3, do Código Penal.
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9. Pelo despacho de 09/05/2022, exarado a fls. 253 / 253 Vº, foi decidido o seguinte:
- Quanto ao promovido pelo Ministério Público foi indeferido o promovido por se considerar que tal notificação já foi determinada no sobredito despacho datado de 02/12/2019, sem que nada tivesse sido dito/requerido, o que motivou a prolação do despacho datado de 13/01/2020, pelo que o momento para decidir da suspensão da execução da pena de prisão subsidiária já se encontrava, assim, ultrapassado;
- Quanto ao requerido pelo arguido foi indeferido, por manifesta extemporaneidade.
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10. Notificado deste último despacho, pelo requerimento de 26/05/2022, constante de fls. 260/ 261 Vº, solicitou o arguido, ao abrigo do disposto no Artº 49º, nº 3, do Código Penal, a suspensão da execução da pena de prisão subsidiária, sujeitando-se tal suspensão às condições tidas por convenientes.
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11. Porém, tal pretensão do arguido foi indeferida pelo despacho de 15/06/2022, exarado a fls. 262 / 262 Vº.
Considerando o Mmº Juiz, mais uma vez, que tal como já referido no despacho datado de 09/5/2022, o arguido fora notificado no dia 03/12/2019 para se pronunciar em face do que dispõe o Artº 49º do Código Penal, sob pena de conversão da pena de multa em prisão subsidiária, nada tendo sido dito/requerido pelo arguido ou pelo seu defensor no prazo fixado, o que motivou aquele posterior despacho de 13/01/2020, mais se concluindo aí que ao arguido resta apenas a solução de proceder ao pagamento da pena de multa, única forma de evitar o cumprimento da pena de prisão subsidiária determinado naquele despacho de 13/1/2020.
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12. Inconformado com aqueles dois despachos, datados de 09/5/2022 e de 15/06/2022, deles recorreu o arguido para este TRG, em cujo âmbito se suscitaram as seguintes questões:
- Falta de notificação do arguido para pagar a multa;
- Falta de audição prévia do arguido relativamente à promoção de conversão da pena de multa em pena de prião subsidiária;
- Extemporaneidade do recurso interposto por referência ao despacho datado de 09/05/2022;
- Tempestividade do requerimento de substituição da multa por trabalho;
- Tempestividade do requerimento de suspensão da execução da prisão subsidiária.
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13. Apreciando tal recurso, pelo acórdão deste TRG, de 22/02/2023, constante de fls. 100/117 [do Apenso A], foi decidido:
- Jugar verificada a nulidade insanável, prevista no Artº 119º, nº 1, al. c), do C.P.Penal, atinente à falta ou à incorrecta notificação do arguido para efeito de pagamento voluntário da multa;
- Anular todo o processado dos autos principais em matéria de execução da pena de multa, desde a promoção datada de 29/11/2019, incluindo os despachos judiciais recorridos, de 09/05/2022 e de 15/06/2022;
- E, consequentemente, julgar prejudicado o conhecimento das questões suscitadas no recurso.
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14. Transitado em julgado tal acórdão, e baixados os autos à 1ª instância, em 29/03/2023 promoveu o Ministério Público que, por referência à morada indicada nos ofícios de 26/05/2022, fosse o arguido notificado, por contacto pessoal via opc, para proceder ao pagamento da pena de multa em que foi aqui condenado, com a emissão das respectivas guias para pagamento.
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15. Por despacho de 31/03/2023, o Mmº Juiz, considerando que se impunha proceder à notificação do condenado, prevista no nº 2, do Artº 489º, do C.P.Penal,  determinou se procedesse conforme promovido pelo Digno Magistrado do Ministério Público.
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16. Na sequência de várias diligências tendentes à notificação do arguido, e havendo notícia de que o mesmo havia dado entrada no Estabelecimento Prisional ... no dia 16/06/2023, para cumprimento de uma pena de 1 ano de prisão, à ordem do processo 21.09.0GTVRL, do Juízo Local criminal de Vila Real, Juiz 1, pelo crime de condução sem habilitação legal, em 14/09/2023 foi solicitado àquele EP a notificação do arguido para, no prazo de 15 (quinze) dias, efetuar o pagamento da multa da sua responsabilidade, em que foi condenado por sentença de 28/09/2018, transitada em julgado em 17/06/2019, no valor de € 750,00, constando da respectiva guia a data de 02/10/2023 como limite de pagamento de tal quantia.
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17. O arguido foi pessoalmente notificado, nos aludidos termos, no dia 14/09/2023, conforme certificação que consta de fls. 290.
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18. Pelo requerimento subscrito pelo próprio, constante de fls. 291, que deu entrada nos autos no dia 29/09/2023, o arguido solicitou o seguinte (transcrição [2]):
“(...)
Venho por este meio informar que me encontro detido por falta de carta de condução, condenado a 12 meses de cadeia. Não tenho como pagar esta multa de 750,00 € porque não tenho qualquer rendimento ou apoio familiar.
E por este motivo venho umildemente pedir ao Exelenticimo Doutor Juiz que me perdoe esta multa ou então que me dei a ipótese de pagar esta contia quando estiver em liverdade e a trabalhar.
Sem mais um muito obrigado.
(...)”.
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19. Dada vista ao Ministério Público, em 09/10/2023, a fls. 297, a Exma. Procuradora da República promoveu:
- Se indeferisse o requerido, por inadmissibilidade legal;
- Se averiguasse, nas bases de dados disponíveis naquele Tribunal, bens da titularidade do condenado susceptíveis de penhora;
- Se oficiasse à AT, solicitando informação sobre se o condenado é titular de bens imóveis ou móveis sujeitos a registo.
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20. Em 11/10/2023 proferiu o Mmº Juiz o despacho que consta de fls. 298, nos seguintes termos:
I.
Veio o arguido requerer que lhe seja perdoada a pena de multa ou que lhe seja dada a possibilidade de proceder ao seu pagamento quando for libertado.
O Ministério Público pronunciou-se no sentido do indeferimento do requerido por falta de fundamento legal.

Cumpre apreciar e decidir.
Inexiste fundamento legal para deferir o requerido.
Assim, indefiro o requerido.

Notifique.
*
II.
Proceda conforme promovido pela Digna Magistrada do Ministério Público.
(…)”.
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21. Inconformado com aquele despacho, dele interpôs o arguido recurso para este TRG, em cujo âmbito se suscitaram as seguintes questões:
- O Tribunal a quo não comunicou ao defensor oficioso do arguido que o mesmo estava cumprir pena de prisão à ordem de outro processo, no Estabelecimento Prisional ..., nem comunicou o envio ao ora recorrente das guias para pagamento da multa a que foi condenado nestes autos, nem o teor do requerimento apresentado pelo recorrente a 29/09/2023, pelo que verifica-se uma nulidade;
- O Tribunal a quo deveria ter aferido dos “meios alternativos de cumprimento da pena” de multa, designadamente, o deferimento do pagamento, do pagamento em prestações, da substituição da multa por trabalho a favor da comunidade.
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22. Apreciando tal recurso, por decisão sumária de 05/03/2024, constante de fls. 89/94 [do apenso B], foi declarada a nulidade do despacho recorrido, por falta de fundamentação, tendo-se determinado que os autos baixassem à 1ª instância a fim de ser suprida a referida irregularidade.
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23. Baixados os autos [recursórios] à 1ª instância, em 12/042024 o Mmº Juiz proferiu o despacho que consta de fls. 313, com o seguinte teor (transcrição):
“(…)
II.
Com o fim de habilitar este Tribunal a proferir despacho fundamentado de acordo com o decidido pelo Venerando Tribunal da Relação de Guimarães, antes de mais notifique o ilustre defensor do arguido do teor do requerimento pessoalmente subscrito pelo arguido e junto aos autos no dia 29 de setembro de 2023 (cfr. a referência eletrónica ...79) e para, no prazo de dez dias, indicar qual o fundamento legal para os dois pedidos apresentados em alternativa:
- perdão da pena de multa;
- ou pagamento da pena de multa quanto estiver em liberdade e a trabalhar.
(…)”.
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24. Em 29/04/2024 o Ilustre defensor do arguido dirigiu aos autos o seguinte requerimento (transcrição):
“(…)
AA, melhor identificado no processo em epígrafe
referenciado, no qual é Arguido,
notificado (..) para o efeito,
vem, pelo presente e muito respeitosamente, dizer o seguinte:
1 – Conforme já vertido em sede de alegações de recurso, é verdade que o arguido não está incluído no rol da Lei nº 38-A/2023, de 2 de Agosto, o que inviabiliza o referido perdão da pena de multa;
2 – E apenas se explicará pelo facto de não ser jurista;
3 – Contudo, o arguido esboça ainda uma alternativa ao perdão, referindo-se a outra forma de cumprimento que passa pelo diferimento e pelo trabalho;
4 – Referindo expressamente um pedido de pagamento diferido (para outra data ulterior);
5 – E, no caso do pagamento, é evidente que apenas lhe foi possível equacionar a liberdade a ocorrer dentro do referido prazo de um ano, e que coincide com o previsto na lei como o hiato máximo para o efeito;
6 – Por outro lado, e estando em liberdade dentro desse prazo de um ano, também prefigurou que, para fazer o pagamento, teria de o fazer com trabalho (ou “estar a trabalhar”), o que é evidente, mas não é condição essencial para o deferimento da pretensão e cumprimento da obrigação de pagamento;
7 – O que deverá ser visto com toda a amplitude e tolerância possível, mormente adequando os termos utilizados ao sentido desejado e com cabimento na lei (mesmo que se mostre indispensável notificar o arguido para qualquer esclarecimento que se considere necessário);
8 – Designadamente equacionando o pedido de cumprimento após execução da atual pena de prisão ou, nas palavras do arguido, “pagar esta conta quando estiver em liberdade” (a trabalhar ou não, por a lei não o fazer depender de tal facto);
9 – Ou, visto de outra forma, com o mencionado trabalho;
10 – Impondo-se, deste modo, a ponderação de todas as possibilidades previstas na lei e os amplos poderes de indagação conferidos ao Tribunal;
11 – Conforme já se referiu nas mencionadas alegações de recurso, na execução da pena de multa, com o regime substancialmente previsto nos artigos 47º, n.º 3, 48º e 49º, todos do CP, e adjetivamente regulamentado nos artigos 489º a 491º, todos do CPP, o legislador previu o cumprimento ou a execução dessa pena através de um regime múltiplo e com etapas sucessivas: 1ª) o pagamento voluntário através de uma única entrega no prazo de 15 dias ou no (diferente) prazo que for fixado; 2ª) o pagamento ainda voluntário mas diferido (para outra data ulterior) ou escalonado no tempo (em prestações); 3ª) substituição da pena de multa por dias de trabalho; 4ª) a cobrança coerciva, caso se mostre viável, da quantia pecuniária correspondente à pena de multa, uma vez que não esteja efetuado o seu pagamento voluntário no prazo fixado; 5ª) a conversão da multa em prisão subsidiária, se a mesma não for paga voluntária ou coercivamente;
12 – Bem ou mal, mas de forma inteligível, o arguido acionou a apreciação sobre a sua “situação económica e financeira”, e até de ausência de liberdade, que justifica o emprego do regime acima descrito, designadamente a autorização e permissão a que alude o citado artigo 47º (para o pagamento diferido da quantia que haja sido liquidada), bem como a substituição por trabalho, ademais sempre sob o conhecimento prévio das seguintes premissas: que existe impossibilidade de pagamento, e que a razão do não pagamento não lhe é imputável por estar preso;
13 – Segundo os dados disponíveis – e sem prejuízo de ser oficiada confirmação ao estabelecimento prisional e ao processo à ordem do qual cumpre pena, o que se requer –, há a certeza que o arguido está preso e a cumprir pena de um ano e, por conseguinte, impedido de proceder ao pagamento (em dinheiro e de uma só vez, ou em prestações) até findar essa pena;
14 – Por outro lado, com entrada no EP em 16/06/2023, será de presumir o fim da pena ao perfazer um ano;
15 – Ao condenado que não haja pago a multa por carência económica, devem ser permitidas outras formas de cumprimento, com a faculdade de suspender, antes da conversão em pena de prisão e mediante prova que o não pagamento lhe não é imputável, sendo notório que o arguido preenche a referida hipótese;
16 – Por razões de justiça material, impõe-se distinguir entre o condenado relapso que, podendo pagar a multa em prestações, nem sequer o requer no prazo legal, e o condenado que não pode sequer pagar a multa por carência económica;
17 – Pelo que, perante os factos evidenciados, impõe-se indagar e aferir das formas de cumprimento possíveis e permitidas pela lei;
18 – Assim sendo, das hipóteses já elencadas, resta a possibilidade do pagamento ainda voluntário, mas diferido (para data ulterior), no prazo máximo de um ano e que corresponde à data previsível de liberdade do arguido;
19 – Por outro lado, cumpre salientar que o arguido nunca pretendeu afastar a terceira hipótese elencada, ou seja, a substituição da pena de multa por dias de trabalho;
20 – De facto, o arguido nunca afastou a possibilidade de trabalho, aliás a ela fazendo referência expressa, e estando disponível para o efeito, ou seja, pagar com trabalho;
21 – Sucede que, atendendo à atual limitação da liberdade do arguido, a substituição por trabalho apenas poderia ocorrer no EP e/ou onde se mostrar possível em resultado da articulação com os Serviços envolvidos;
22 – Claro está, sem prejuízo da possibilidade de suspensão provisória prevista no nº 1, do artigo 59º, do CP (ex vi artigo 48º, n.º 2, do mesmo diploma), pelo prazo máximo de 30 meses;
23 – Sendo este o sentido e alcance que foi possível obter do arguido e, bem ou mal, terá um mínimo de correspondência com o texto que lhe foi possível elaborar mediante os conhecimentos que tem e meios que dispunha à data.
(...)”.
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25. Em 24/06/2024 o Juízo Local Criminal de Vila Real, Juiz 1, do Tribunal Judicial da Comarca de Vila Real, remeteu aos autos o expediente que consta de fls. 314/316, referente à liquidação da pena única de dois anos e dez meses de prisão efectiva aplicada ao arguido AA no âmbito do Proc. Especial Abreviado nº 21/19.0GTVRL, ali se consignando:
- Que o arguido se encontra preso à ordem daqueles autos desde 15/06/2023;
- Início da execução da pena: 15/06/2023;
- Metade da pena: 15/11/2024;
- 2/3 da pena: 19/06/2025; e
- Fim da execução da pena: 15/04/2026.
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26. Em 04/07/2024, o Mmº Juiz proferiu o despacho que consta de fls. 317, com o seguinte teor (transcrição):
“(…)
No artigo 13.º do esclarecimento apresentado pelo ilustre defensor do arguido é requerido que se oficie ao estabelecimento prisional onde o arguido se encontra detido que se confirme o processo à ordem do qual o mesmo cumpre pena e qual a data do termo da mesma.
Determinou-se que se averiguasse e informasse à ordem de que processo o arguido se encontra atualmente detido, solicitando-se a junção aos presentes autos de informação sobre a liquidação da pena e data do termo da mesma.
Apurou-se que o arguido se encontra detido à ordem do processo n.º 21/19.0GTVRL do Juízo Local Criminal de Vila Real - Juiz 1, tendo este remetido as informações solicitadas.
Assim, antes de mais e em cumprimento do princípio do contraditório, notifique o ilustre defensor do arguido do teor da informação junta aos autos no dia 24 de junho de 2024 e com a referência eletrónica ...85 para, querendo e no prazo de dez dias, pronunciar-se.
Decorrido o prazo supra referido, abra conclusão, apresentando-me o processo físico.
(…)”.
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27. Em 06/09/2024 o arguido dirigiu aos autos o requerimento que se mostra junto a fls. 318/ 320 Vº, com o seguinte teor (transcrição):
“(…)
AA, melhor identificado no processo em epígrafe referenciado, no qual é arguido,
notificado (…) para o efeito,
vem, pelo presente e muito respeitosamente, dizer o seguinte:
1 – De acordo com a informação junta aos autos, e s.m.o., resulta da douta Promoção datada de 15/01/2024, bem como o douto Despacho datado de 18/01/2024, uma “liquidação provisória” (…) da pena, ademais com notificação ao “…condenado e seu defensor para, querendo, no prazo de 5 dias, virem aos autos informar sobre qualquer outro período de privação de liberdade que haja sido suportado e aqui ainda não considerado, com indicação, em caso afirmativo, do tempo de detenção, do número do processo, da data da decisão final e do Tribunal que proferiu tal decisão..” (…) (sublinhado nosso);
2 – Assim sendo, e salvo lapso – o qual, desde já, se requer relevado –, ademais perante a concreta informação solicitada e a que foi oferecida de forma simplificada, também se desconhece a eventual tramitação ulterior, bem como o respetivo e efectivo trânsito em julgado;
3 – Pelo que, salvo melhor entendimento, e sendo de considerar a referida informação, importa esclarecer de forma rigorosa se a mesma se manteve definitivamente nos seus exatos termos, o que se requer;
4 – Contudo, e conforme resulta da referida informação eventualmente provisória:
4.1 – O início da execução da pena data de 15-06-2023;
4.2 – Atingirá a metade em 15-11-2024;
4.3 – Atingirá os 2/3 em 19-04-2025;
4.4 – O fim da execução da pena será em 15-04-2026;
5 – Pelo que será elegível para liberdade condicional, nos termos do artigo 61º e ss., do C.P., dentro de todos os prazos referidos no seu requerimento datado de 24/04/20244 (o qual, por razões de economia, se considera aqui integralmente reproduzido para todos os devidos e legais efeitos);
6 – Sendo de todo prudente aguardar, pelo menos pela metade (…) da pena a ocorrer em breve (i.e. daqui a cerca de pouco mais de dois meses), com vista à melhor decisão nestes autos, o que também se requer;
7 – Sem prejuízo de se entender aguardar pelo decurso dos 2/3 da pena (…);
8 – Em todo o caso, e s.m.o., já será evidente que nada impede que seja concedida ao arguido a possibilidade de cumprimento da pena em causa nestes autos pelas vias alternativas já expostas, mediante a ponderação de todas as possibilidades previstas na lei e os amplos poderes de indagação conferidos ao Tribunal;
9 – O que significa que devem ser permitidas ao condenado – que não haja pago a multa por carência económica – outras formas de cumprimento, com a faculdade de suspender, antes da conversão em pena de prisão e mediante prova que o não pagamento lhe não é imputável, sendo notório que o arguido preenche os referidos pressupostos;
10 – Assim sendo, das hipóteses elencadas, importa aferir da possibilidade do pagamento ainda voluntário, mas diferido (para data ulterior), no prazo máximo de um ano, visto que:
10.1 – Dentro desse hiato temporal será alcançada a metade da pena (15-11-2024);
10.2 – Dentro desse hiato temporal serão alcançados os 2/3 da pena (19-04-2025);
10.3 – E o Ministério Público, em 14/06/2024, já manifestou a sua não oposição ao pagamento da multa dentro desse prazo;
11 – Por outro lado, cumpre recordar que importa também aferir da possibilidade da substituição da pena de multa por dias de trabalho;
12 – De facto, o arguido nunca afastou a possibilidade de trabalho, aliás a ela fazendo referência expressa, e estando disponível para o efeito, ou seja, pagar com trabalho;
13 – Sucede que, atendendo à atual limitação da liberdade do arguido, a substituição por trabalho neste momento apenas poderá ocorrer no EP e/ou onde se mostrar possível em resultado da articulação com os Serviços envolvidos;
14 – Claro está, sem prejuízo da possibilidade de suspensão provisória prevista no n.º 1, do artigo 59º, do CP (ex vi artigo 48º, n.º 2, do mesmo diploma), pelo prazo máximo de 30 meses, o que também se mostra perfeitamente exequível atendendo ao suprarreferido nos pontos 4º e 10º do presente;
15 – Pelo exposto, e sem prejuízo dos demais esclarecimentos em falta:
15.1 – Deverá ser deferido o cumprimento mediante as possibilidades referidas, com clara preferência pela substituição da pena de multa por dias de trabalho (pela evidente maior facilidade e celeridade no início do cumprimento, bem como pelos claros benefícios aportados para a reinserção do arguido, mormente em ambiente prisional ou logo após a sua saída);
15.2 – Ou, caso assim não se entenda, e em alternativa, mediante o diferimento do pagamento pelo prazo de um ano;
16 – O que se reitera, e ora se requer novamente.
“(…)”.
*
28. Dada vista ao Ministério Público, em 05/11/2024 a Exma. Procuradora da República pronunciou-se nos seguintes termos:
“Ref.ª ...64: promovo se indefira o pagamento diferido da pena de multa uma vez que a mesma foi já convertida em pena de prisão subsidiária.
Quando à eventual suspensão da execução da pena de prisão subsidiária, promovo que, antes de mais, se solicite relatório à DGRSP.
(…)”.
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29. Nessa sequência, em 19/11/2024 foi proferido o despacho que consta de fls. 321/323, com o seguinte teor (transcrição):
I.
No seguimento do superiormente decidido pelo Venerando Tribunal da Relação de Guimarães e com o fim de habilitar este Tribunal a proferir despacho devidamente fundamentado, o ilustre defensor do arguido foi notificado do teor do requerimento pessoalmente subscrito pelo arguido e junto aos autos no dia 29 de setembro de 2023 (cfr. a referência eletrónica ...79) e para, no prazo de dez dias, indicar qual o fundamento legal para os dois pedidos apresentados em alternativa:
- perdão da pena de multa;
- ou pagamento da pena de multa quanto estiver em liberdade e a trabalhar.
*
Sobre o primeiro pedido apresentado pelo arguido, o seu Ilustre defensor veio então esclarecer que o arguido não está incluído no rol da Lei n.º 38-A/2023, de 2 de agosto, o que inviabiliza o requerido perdão da pena de multa, justificando-se tal pedido pessoalmente apresentado pela circunstância de o arguido não ser jurista.     
Sobre o segundo pedido apresentado pelo arguido, o seu ilustre defensor veio esclarecer que se trata de um pedido de pagamento diferido no prazo de um ano, permitindo então que em liberdade possa trabalhar, porquanto se encontra atualmente detido em cumprimento de pena de prisão.
*
Conforme requerido no artigo 13.º do esclarecimento apresentado, oficiou-se ao estabelecimento prisional onde o arguido se encontra detido no sentido de que identificasse o processo à ordem do qual o arguido cumpre pena e qual a data do termo da mesma, com a consequente junção de informação sobre a liquidação da pena e a data do termo da mesma.
*
Conforme resulta da consulta de recluso datada de 20 de junho de 2024 e da informação judicial junta aos autos no dia 24 de junho de 2024, o arguido encontra-se detido à ordem do processo especial abreviado n.º 21/19.0GTVRL do Juízo Local Criminal de Vila Real – Juiz 1, em cumprimento de uma pena única de dois anos e dez meses de prisão efetiva. Tal pena iniciou a sua execução no dia 15 de junho de 2023, atinge os 2/3 no dia 19 de abril de 2025 e tem o seu termo previsto para o dia 15 de abril de 2026.
*
Cumprido o princípio do contraditório quanto às informações supra referidas, o ilustre defensor do arguido veio pronunciar-se no sentido de que deve ser diferido o prazo de pagamento da pena de multa por um ano, bem como equacionada a substituição da pena de multa pela prestação de trabalho, requerendo em artigos intermédios que a decisão deste processo aguarde pela metade da pena (cfr. o artigo 6.º) ou pelos 2/3 da pena (artigo 7.º).          
*
O Ministério Público pronunciou-se no sentido de que deve ser indeferido o pagamento diferido da pena de multa, uma vez que a mesma já foi convertida em pena de prisão subsidiária. Mais promoveu, relativamente à eventual suspensão provisória da pena de prisão subsidiária, que se solicite antes de mais relatório à Direção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais.
*
Cumpre apreciar e decidir.

Não pode a decisão acerca dos pedidos apresentados pessoalmente pelo arguido e esclarecidos pelo seu ilustre defensor, aguardar pelo cumprimento da pena única aplicada ao mesmo no âmbito do supra identificado processo, sob pena de denegação de justiça, pelo que se indefere o requerido nos artigos 6.º e 7.º do articulado com a referência eletrónica ...72, datado de 6 de setembro de 2024.
Mais não se afigura necessário, para proferir despacho, oficiar à Direção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais, pelo que se indefere o promovido pelo Ministério Público.
*
Passando então ao conhecimento do requerimento pessoalmente subscrito pelo arguido e esclarecido pelo seu ilustre defensor, antes mais importa ponderar o primeiro pedido, no sentido de ser perdoada a pena.
Ora, no que se refere ao panorama legislativo atual, o único diploma que prevê a possibilidade de perdão de penas é a Lei n.º 38-A/2023, de 2 de agosto, a qual estabeleceu um perdão de penas e uma amnistia de infrações por ocasião da realização em Portugal da Jornada Mundial da Juventude (cfr. o artigo 1º da Lei nº 38-A/2023, de 2 de agosto).
Tal perdão de penas e amnistia entrou em vigor no 1 de setembro de 2023 (cfr. o artigo 15º da Lei nº 38-A/2023, de 2 de agosto).
Conforme decorre do artigo 2º, nº 1, da Lei nº 38-A/2023, de 2 de agosto, estão abrangidas pelo perdão de penas e amnistia as sanções penais relativas aos ilícitos praticados até às 00:00 horas de 19 de junho de 2023, por pessoas que tenham entre 16 e 30 anos de idade à data da prática do facto, nos termos definidos nos artigos 3.º e 4.º.
Ora, o arguido AA nasceu no dia ../../1976, pelo que já contava com 40 anos de idade à data da prática dos factos – 20 de setembro de 2017.
Assim, o perdão de penas aprovado pela Lei nº 38-A/2023, de 2 de agosto, não é aplicável ao arguido AA, assim se indeferindo o requerido perdão da pena por manifesta inadmissibilidade legal.
*
Quanto ao segundo pedido, o diferimento do pagamento da pena de multa para quando estiver em liberdade e a trabalhar, importa referir que o artigo 47º, nº 3, do Código Penal, refere que “sempre que a situação económica e financeira do condenado o justificar, o tribunal pode autorizar o pagamento da multa dentro de um prazo que não exceda um ano”.          
Ora, tendo em conta que o arguido se encontra atualmente detido em cumprimento de pena única de prisão com data de termo prevista para o dia 15 de abril de 2026, impõe-se a conclusão de que não se pode obviamente determinar o diferimento do pagamento da pena de multa nos termos requeridos – até à libertação e trabalhar -, porquanto a data de libertação do arguido manifestamente excede o prazo de um ano previsto na lei, pelo que se indefere esta parte do requerido.
*
Quanto à aventada possibilidade de substituição da pena de multa pela prestação de trabalho a favor da comunidade, nos termos do artigo 48º, nº 1, do Código Penal, desde logo mostra-se inexequível a prestação de trabalho a favor da comunidade, face à atual situação de reclusão do arguido, a qual igualmente não realiza de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.  
Assim, indefiro a aventada possibilidade de substituição da pena de multa por prestação de trabalho a favor da comunidade.   
*
Quanto à igualmente aventada possibilidade de suspensão da execução da pena de prisão subsidiária, antes de mais importa referir que o artigo 49º, nº 3, do Código Penal, estatui que “se o condenado provar que a razão do não pagamento da multa lhe não é imputável, pode a execução da prisão subsidiária ser suspensa, por um período de 1 a 3 anos, desde que a suspensão seja subordinada ao cumprimento de deveres ou regras de conduta de conteúdo não económico ou financeiro. Se os deveres ou as regras de conduta não forem cumpridos, executa-se a prisão subsidiária; se o forem, a pena é declarada extinta.”.          
Ora, o arguido encontra-se detido em cumprimento de pena única de prisão, sendo esse o motivo do não pagamento da pena de multa, motivo esse que é da sua responsabilidade, porquanto cometeu crimes pelos quais foi condenado numa pena detentiva da liberdade. 
Assim, é nosso entendimento que não se mostram, desde logo, preenchidos os requisitos legais de suspensão da execução da pena de prisão subsidiária.
*
Pelo exposto, indefiro a totalidade do requerimento apresentado pessoalmente pelo arguido, bem como os requerimentos constantes dos esclarecimentos apresentados pelo seu ilustre defensor.
Custas do incidente manifestamente anómalo a cargo do arguido, fixando a taxa de justiça em 01 (uma) Unidade de Conta atenta a sua manifesta improcedência.
Notifique.
*
II.
Face ao superiormente decidido no Acórdão proferido no Apenso A pelo Venerando Tribunal de Relação de Guimarães e datado de 22 de fevereiro de 2023, impõe-se agora proferir novo despacho de conversão da pena de multa em prisão subsidiária.
Por sentença já transitada em julgado foi o arguido condenado na pena de 150 (cento e cinquenta) dias de multa, a 05,00€ (cinco Euros) por dia, o que perfaz a multa global de 750,00€ (setecentos e cinquenta Euros).
O arguido não procedeu ao pagamento voluntário dessa multa.
Por outro lado, não se mostra viável a cobrança coercível.
Assim, e de harmonia com o disposto no artigo 49.º, n.º 1, do Código Penal, terá agora o arguido AA de cumprir 100 (CEM) dias de prisão subsidiária.
Nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 491.º-A, n.º 3, do Código de Processo Penal, fixo o quantitativo diário de 7,50€ (sete Euros e cinquenta Cêntimos).
Notifique, solicitando a notificação pessoal do arguido ao estabelecimento prisional onde o mesmo se encontra atualmente detido em cumprimento da pena única de prisão efetiva.
*
II.
Relativamente à referência eletrónica ...64, informe em conformidade, remetendo cópia do presente despacho.
(...)”.
*
30. Inconformado com tal decisão, dela veio o arguido AA interpor o presente recurso, nos termos da peça processual que consta de fls. 324/ 327 Vº, cuja motivação rematou com as seguintes conclusões e petitório (transcrição):
“I – Não podendo o Recorrente conformar-se com o douto Despacho datado de 19-11-20242, dele vem interpor o presente recurso quanto à matéria de facto e quanto à matéria de direito;
II – Com efeito, no seguimento do superiormente decidido pelo Venerando Tribunal da Relação de Guimarães, além do mais, oficiou-se ao estabelecimento prisional onde o Arguido se encontra detido, no sentido de identificar o processo à ordem do qual cumpre pena, bem como acerca da liquidação da pena e a data do seu termo:
III – Em primeiro lugar, resulta da informação a referência a natureza provisória;
IV – Em segundo lugar, tal como consta no douto Despacho em crise, resulta da informação junta aos autos no dia 24/06/2024 que o Arguido se encontra detido à ordem do processo n.º 21/19.0GTVRL (Juízo Local Criminal de Vila Real – Juiz 1), em cumprimento de uma pena única de dois anos e dez meses de prisão efetiva, cuja execução iniciou no dia 15/06/2023, atinge os 2/3 no dia 19/04/2025 e tem o seu termo previsto para o dia 15/04/2026;
V – Em terceiro lugar, também resulta do douto Despacho em crise que, cumprido o contraditório quanto às informações suprarreferidas, o Arguido veio pronunciar-se no sentido de que deve ser diferido o prazo de pagamento da pena de multa por um ano, bem como equacionada a substituição da pena de multa pela prestação de trabalho, e “…requerendo em artigos intermédios que a decisão deste processo aguarde pela metade da pena (cfr. o artigo 6.º) ou pelos 2/3 da pena (artigo 7.º)...”;
VI – Em quarto lugar, resulta ainda do douto Despacho em crise que “…O Ministério Público pronunciou-se no sentido de que deve ser indeferido o pagamento diferido da pena de multa, uma vez que a mesma já foi convertida em pena de prisão subsidiária. Mais promoveu, relativamente à eventual suspensão provisória da pena de prisão subsidiária, que se solicite antes de mais relatório à Direção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais…”;
VII – Nestes termos, não se compreende a conclusão de não se afigurar necessário, para proferir Despacho, oficiar à Direção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais, passando-se de imediato à Decisão, designadamente de forma a perceber a situação do Arguido, nomeadamente as condições atuais existentes (atento o hiato temporal decorrido), bem como as demais perspetivas intrínsecas como seja o comportamento enquanto recluso, as expetativas de libertação, e até a possibilidade de realização de trabalho comunitário nas referidas circunstâncias e/ou âmbito;
VIII – Do mesmo modo, e porque legalmente viável, a indicação de metade e 2/3 da pena não é inócua, não se impondo, sem mais, de facto e de direito, o cumprimento integral da pena, pelo que o “cumprimento de pena única de prisão com data de termo prevista para o dia 15 de abril de 2026”, não impõe “…a conclusão de que não se pode obviamente determinar o diferimento do pagamento da pena de multa nos termos requeridos – até à libertação…” (sublinhado nosso);
IX – Porquanto não é certo que a data de libertação do Arguido exceda o prazo de um ano previsto na lei, o que não deveria ter sido indeferido, muito menos sem ser solicitado relatório à Direção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais;
X – Do mesmo modo, quanto à aventada possibilidade de substituição da pena de multa pela prestação de trabalho a favor da comunidade, a sua exequibilidade poderia e deveria ter sido aferida pelos canais apropriados, sendo que, a sua execução, nos termos legais, realiza de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, pelo que também não deveria ter sido indeferida, sem mais;
XI – No que concerne à possibilidade de suspensão da execução da pena de prisão subsidiária, s.m.o., não se pode concluir, sem mais, que o cumprimento de pena de prisão (enquanto motivo do não pagamento da pena de multa), afasta tal possibilidade por se entender que a impossibilidade de pagamento é da responsabilidade do Arguido por ter cometido crimes pelos quais foi condenado numa pena privativa da liberdade;
XII – Salvo o devido respeito e melhor entendimento, além de implicar uma capacidade divinatória do Arguido para tudo concertar previamente de modo a colocar-se voluntariamente nesta concreta posição em momento futuro, é ainda caso para perguntar se o mesmo seria aplicável a quem, por exemplo, está desempregado e de facto não procura trabalho (ou se limita a aguardar que o centro de emprego lho encontre). Também no exemplo dado a pessoa será responsável pela sua incapacidade para os efeitos em causa, apesar de não estar privado da sua liberdade?
XIII – Em todo o caso, é manifesto que deveria ter sido solicitado o referido relatório à Direção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais, bem como confirmada a liquidação da pena em causa, que não por mera cópia e sem nota de trânsito em julgado;
XIV – Devendo revogar-se a douta Decisão em crise, e ser esta substituída por outra que dê provimento ao requerido pelo Arguido, sob pena de violação, pelo menos, dos artigos 47º a 49º, do Código Penal; e artigo 61º, n.º 1, al b), do CPP; bem como artigo 13º, e 32º, n.ºs 1, 5, 6 e 9, ambos da CRP.

Nestes termos, e nos melhores de direito, e sempre com o mui douto suprimento de V. Exas., deve ser dado provimento ao presente recurso e, por via dele, decidir-se conforme o supra exposto, e aqui considerado como integralmente reproduzido para todos os devidos e legais efeitos.
Fazendo-se, assim, a habitual e necessária Justiça.”.
*
31. O Ministério Público junto da 1ª instância respondeu ao recurso, nos termos constantes de fls. 329 / 335 Vº, pugnando pela sua improcedência, e pela confirmação, na íntegra, do despacho recorrido, terminando a Exma. Procuradora da República subscritora a sua peça processual com a formulação das seguintes conclusões (transcrição):

“1. Por sentença proferida a 28 de setembro de 2018, transitada em julgado a 17 de junho de 2019, foi o arguido AA condenado pela prática de um crime de furto, na pena de 150 (cento e cinquenta) dias de multa, à taxa diária de €5,00 (cinco) euros, no montante global de €750,00 (setecentos e cinquenta euros).
2. Notificado para proceder ao pagamento daquela multa, o arguido não procedeu ao pagamento de qualquer montante.
3. Por requerimentos apresentados a 20 de abril e 06 de setembro de 2024, veio o arguido requerer, entre outras coisas, a substituição da pena de multa por dias de trabalho, ou que o pagamento da pena de multa seja diferido para data ulterior, no prazo máximo de um ano, ou seja, após a sua libertação, ou no caso de a multa ser convertida em prisão subsidiária, que a execução da mesma seja suspensa, nos termos do art. 49.º, n.º 3, do Código Penal.
4. Por despacho de 19 de novembro de 2024, decidiu o Tribunal a quo, indeferiu o requerido pelo arguido, e converteu a pena de multa não paga em 100 dias de prisão subsidiária.
5. O arguido inconformado com o decidido no douto despacho, dele vem recorrer, pugnando pela sua substituição por outro que, dê provimento ao requerido pelo arguido.
6. No que diz respeito à possibilidade de substituição da multa por trabalho, salvo o devido respeito, entendemos que, estando o arguido em cumprimento de pena de prisão, falecem os pressupostos que permitem a aplicação da prestação de trabalho, pois, é incompatível a prestação de trabalho e a privação de liberdade.
7. A prestação de trabalho pressupõe que o arguido se encontre em liberdade, e que tal trabalho assuma, ainda assim, uma restrição dessa mesma liberdade ao sujeitar-se a determinadas atividades laborais impostas, pois só assim a prestação de trabalho poderá cumprir a sua finalidade.
8. Relativamente à possibilidade do pagamento diferido da pena de multa, a mesma está limitada a um diferimento no prazo máximo de um ano, e estando o arguido a cumprir pena de prisão efetiva, de dois anos e dez meses, cujo termo da pena, apenas ocorrerá a 15 de abril de 2026, tal prazo de 1 (um) anos é largamente excedido.
9. A possibilidade da liberdade condicional, a ocorrer aos 2/3 da pena, é isso mesmo, uma possibilidade, não é certo que a mesma venha a ocorrer, pois a liberdade condicional não tem aplicação automática, e o Tribunal tem de decidir com base em factos concretos, e a única certeza é que, o termo da pena de prisão, apenas ocorrerá a 15 de abril de 2026.
10. A suspensão da prisão subsidiária, nos termos do art. 49º, 3 do Código Penal, exige que o condenado prove que a razão do não pagamento da multa lhe não é imputável, o que não ocorreu no caso sub judice.
11. O arguido à data da condenação e do trânsito em julgado da sentença não estava detido, e quando notificado para proceder ao pagamento da multa nada fez, não pagou, não requereu o pagamento em prestações, ou a substituição da multa por trabalho.
12. O arguido sabia que ao cometer um novo ilícito criminal corria o risco de ir preso, facto que agravaria a sua situação e a possibilidade de pagar a multa em que havia sido condenado, mas mesmos assim desconsiderou por completo as consequências dos seus atos e colocou-se, culposamente, numa situação de impossibilidade, que lhe é totalmente imputável, pelo que não poderá a pena de prisão subsidiária ser suspensa nos termos do art. 49, nº 3 do Código Penal.
13. Ainda, quanto à questão do trânsito em julgado da sentença que homologou a liquidação de pena, atento ao período temporal que intermedia a informação solicitada (24 de junho de 2024) e a data da homologação (18 de janeiro de 2024), não há dúvidas que a mesma é definitiva.
14. Por fim, a dispensa da realização do relatório da DGRSP prende-se com a sua desnecessidade, atenta a decisão de indeferimento  da substituição da multa em dias de trabalho, do pagamento diferido da multa, e da suspensão da prisão subsidiária, pois que, a sua realização consubstanciaria a prática de um ato inútil, que ficou prejudicada, em face da decisão proferida, pelo que, bem andou o Tribunal ao dispensá-la.
Em consonância com as considerações acima expendidas, entende o Ministério Público que deverá ser negado provimento ao recurso, confirmando-se na integra o despacho recorrido.
Assim, se fará JUSTIÇA.
(...)”.
*
32. Neste Tribunal da Relação, no momento processual a que alude o Artº 416º, nº 1, do C.P.Penal, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta emitiu o douto parecer que consta de fls. 53 / 55 Vº [deste apenso recursório], pronunciando-se, também, pela improcedência do recurso, acompanhando a resposta que o Ministério Público apresentou na 1ª instância, e acrescentando pertinentes considerações jurídicas acerca das questões suscitadas.
*
33. Cumprido o disposto no Artº 417º, nº 2, do C.P.Penal, não foi apresentada qualquer resposta.
*
34. Efectuado exame preliminar, e colhidos os vistos legais, foram os autos submetidos à conferência, cumprindo, pois conhecer e decidir.
           
II. FUNDAMENTAÇÃO

É hoje pacífico o entendimento de que o âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação, sendo apenas as questões aí sumariadas as que o tribunal de recurso tem de apreciar, sem prejuízo das de conhecimento oficioso, designadamente dos vícios indicados no Artº 410º, nº 2, do C.P.Penal  [3].

Assim sendo, no caso vertente, da leitura e análise das conclusões apresentadas pelo arguido / recorrente, são as seguintes as questões que basicamente importa apreciar:
- Saber se a pena de multa aplicada ao arguido pode ser substituída por trabalho a favor da comunidade;
- Saber se pode ser diferido o pagamento dessa mesma multa;
- Saber se pode ser suspensa na sua execução a prisão subsidiária resultante da conversão da multa não paga pelo arguido;
- Saber se havia necessidade de confirmar se a decisão que homologou a liquidação de pena já transitou em julgado; e
- Saber se havia necessidade de solicitar à DGRSP elaboração de relatório com vista à eventual suspensão provisória da pena de prisão subsidiária.
Passemos, então, à análise de tais questões.
Atentando-se, antes de mais, nas pertinentes normas legais aplicáveis.

Desde logo, no Artº 489º, do C.P.Penal, que sob a epígrafe “Prazo de pagamento”, dispõe:

“1 - A multa é paga após o trânsito em julgado da decisão que a impôs e pelo quantitativo nesta fixado, não podendo ser acrescida de quaisquer adicionais.
2 - O prazo de pagamento é de 15 dias a contar da notificação para o efeito.
3 - O disposto no número anterior não se aplica no caso de o pagamento da multa ter sido diferido ou autorizado pelo sistema de prestações.”.
Em segundo lugar, no Artº 490º, do mesmo diploma legal, que sob a epígrafe “Substituição da multa por dias de trabalho”, estatui:
“1 - O requerimento para substituição da multa por dias de trabalho é apresentado no prazo previsto nos nºs. 2 e 3 do artigo anterior, devendo o condenado indicar as habilitações profissionais e literárias, a situação profissional e familiar e o tempo disponível, bem como, se possível, mencionar alguma instituição em que pretenda prestar trabalho.
2 - O tribunal pode solicitar informações complementares aos serviços de reinserção social, nomeadamente sobre o local e horário de trabalho e a remuneração.
3 - A decisão de substituição indica o número de horas de trabalho e é comunicada ao condenado, aos serviços de reinserção social e à entidade a quem o trabalho deva ser prestado.
4 - Em caso de não substituição da multa por dias de trabalho, o prazo de pagamento é de 15 dias a contar da notificação da decisão.”.
Em terceiro lugar, no Artº 47º do Código Penal, que sob a epígrafe “Pena de multa”, dispõe:
“(...)
3 - Sempre que a situação económica e financeira do condenado o justificar, o tribunal pode autorizar o pagamento da multa dentro de um prazo que não exceda um ano, ou permitir o pagamento em prestações, não podendo a última delas ir além dos dois anos subsequentes à data do trânsito em julgado da condenação.
(...)”.
Depois, no Artº 48º do Código Penal, que sob a epígrafe “Substituição da multa por trabalho”, prescreve:
“1 - A requerimento do condenado, pode o tribunal ordenar que a pena de multa fixada seja total ou parcialmente substituída por dias de trabalho em estabelecimentos, oficinas ou obras do Estado ou de outras pessoas colectivas de direito público, ou ainda de instituições particulares de solidariedade social, quando concluir que esta forma de cumprimento realiza de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
2 - É correspondentemente aplicável o disposto nos nºs. 3 e 4 do artigo 58º e no nº 1 do artigo 59º”.
E, finalmente, no Artº 49º do mesmo diploma legal, que sob a epígrafe “Conversão da multa não paga em prisão subsidiária”, estatui:
“1 - Se a multa, que não tenha sido substituída por trabalho, não for paga voluntária ou coercivamente, é cumprida prisão subsidiária pelo tempo correspondente reduzido a dois terços, ainda que o crime não fosse punível com prisão, não se aplicando, para o efeito, o limite mínimo dos dias de prisão constante do n.º 1 do artigo 41º
2 - O condenado pode a todo o tempo evitar, total ou parcialmente, a execução da prisão subsidiária, pagando, no todo ou em parte, a multa a que foi condenado.
3 - Se o condenado provar que a razão do não pagamento da multa lhe não é imputável, pode a execução da prisão subsidiária ser suspensa, por um período de 1 a 3 anos, desde que a suspensão seja subordinada ao cumprimento de deveres ou regras de conduta de conteúdo não económico ou financeiro. Se os deveres ou as regras de conduta não forem cumpridos, executa-se a prisão subsidiária; se o forem, a pena é declarada extinta.
4 - O disposto nos nºs. 1 e 2 é correspondentemente aplicável ao caso em que o condenado culposamente não cumpra os dias de trabalho pelos quais, a seu pedido, a multa foi substituída. Se o incumprimento lhe não for imputável, é correspondentemente aplicável o disposto no número anterior.”.
Isto posto.
Como emerge do antecedente relatório, e das vastas incidências e vicissitudes processuais nele descritas, constata-se que, por sentença de 28/09/2018, transitada em julgado em 17/06/2019, foi o arguido AA condenado pela prática, em 20/09/2017, de um crime de furto, p. e p. pelo Artº 203º, nº 1, do Código Penal, na pena de 150 (cento e cinquenta) dias de multa, à taxa diária de € 5,00 (cinco) euros, no montante global de € 750,00 (setecentos e cinquenta euros).
Mais se constata que, tendo sido notificado para proceder ao pagamento daquela multa, o arguido não o fez.
Tendo, porém, dirigido aos autos, em 29/09/2023, requerimento por si subscrito, aduzindo que se encontrava detido e que, não tendo qualquer rendimento ou apoio familiar, solicitava o perdão da multa ou, em alternativa, que o pagamento da mesma fosse diferido para quando se encontrasse em liberdade e a trabalhar.
Constatando-se, também, que se apurou que o arguido se encontra actualmente a cumprir uma pena de dois anos e dez meses de prisão à ordem do processo nº 21/19.0GTVRL, do Juízo Local Criminal de Vila Real, Juiz 1, do Tribunal Judicial da Comarca de Vila Real, cuja execução se iniciou a 15/06/2023, tendo o seu termo previsto para 15/04/2026.
E que o arguido, por requerimento de 06/09/2024, solicitou a informação do trânsito em julgado da homologação da liquidação da pena, e que os autos aguardassem o cumprimento de metade da pena, sem prejuízo de entender que se devia aguardar pelo decurso dos 2/3 da pena. Mais requerendo a substituição da pena de multa por dias de trabalho, ou que o pagamento da pena de multa fosse diferido para data ulterior, no prazo máximo de um ano. E, por fim, caso a pena de multa fosse convertida em prisão subsidiária, que a execução da mesma fosse suspensa, nos termos do Artº 49º, nº 3, do Código Penal.
Sucede, porém, que estas pretensões do arguido foram indeferidas pelo tribunal a quo, nos termos do despacho de 19/11/2024, visando o presente recurso a revogação dessa decisão judicial, e a sua substituição “por outra que dê provimento” ao requerido.
Adiantando a nossa posição, cremos não merecer reparo o despacho recorrido.
Vejamos.
Pretende desde logo o arguido a substituição da multa em que foi condenado por prestação de trabalho, nos termos do Artº 48º do Código Penal.
A substituição da pena de multa por trabalho, a que alude o citado Artº 48º, do Código Penal, não configura uma pena principal, ou pena de substituição, como sucede com a pena de prestação de trabalho a favor da comunidade, a que se refere o Artº 58º do mesmo Código, mas antes um modo de cumprimento da pena de multa, tendo lugar a requerimento do condenado, e a substituição só poderá ocorrer quando o tribunal tiver razões para concluir que esta forma de cumprimento realiza de forma adequada e suficiente as finalidades da punição – cfr., neste sentido, os Exmos. Conselheiros Simas Santos e Leal-Henriques, in “Código Penal Anotado”, Vol. I, 4ª Edição, Rei dos Livros, 2014, págs. 693/694.
Trata-se de um regime pensado para situações de pequena criminalidade em que foi aplicada tão-somente uma pena de multa, como sucedeu no caso vertente.
Ora, na situação em apreço, constata-se desde logo que o arguido, no requerimento que apresentou, não deu cabal cumprimento ao estatuído no citado Artº 490º, nº 1, do C.P.Penal, pois que não indicou, para além do mais, as suas habilitações profissionais e literárias, nem a sua situação familiar.
Não obstante isso, sempre a pretendida prestação de trabalho a favor da comunidade estaria inviabilizada, como decidiu o Mmº Juiz a quo, dado encontrar-se preso, em cumprimento de pena.
Na verdade, como decidiu este TRG no acórdão de 11/07/2013, proferido no âmbito do Proc. nº 144/00.9TBPVL-B.G1, disponível in www.dgsi.pt, “(...) a prestação de trabalho a favor da comunidade pressupõe, além do mais, a liberdade do Arguido. ---
Como refere Figueiredo Dias, a pena de prestação de trabalho a favor da comunidade «surge como pena autónoma, no sentido de que a prestação de trabalho não constitui elemento do conteúdo executivo de outra pena, antes ela é, em si e por si mesma, uma pena». ---
Ela «aparece (…) como uma verdadeira pena de substituição de carácter não detentivo, destinada, ainda ela, a evitar a execução de penas de prisão de curta duração» As Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, página 371.---” [4].
Efectivamente, e na esteira das considerações expendidas pela Exma. PGA no seu douto parecer, também entendemos que “(...) o facto de o arguido se encontrar em cumprimento de pena efetiva de prisão implicaria um diluimento da execução do trabalho “intramuros”, que se confundiria com o trabalho que o próprio preso pode desenvolver em contexto prisional durante a execução da pena efetiva que cumpre.
Acresce que a execução do trabalho em ambiente prisional desvirtua a finalidade do próprio instituto já que retira o caráter de utilidade comunitária à prestação de trabalho tornando o arguido o único beneficiário da medida.
Para além disso, o legislador terá previsto esta solução para os casos em que os arguidos se encontrem em liberdade, funcionando o trabalho como uma restrição dessa liberdade por força do seu caráter forçado.
Acresce que, relegar a execução do trabalho para momento posterior e incerto desvirtuaria os efeitos preventivos da pena que, em data futura, poderiam mostrar-se desatualizados ou inadequados.
Também a sustentar este entendimento está o inciso 490.º, do Código de Processo Penal que pressupõe, para a substituição, a situação de liberdade do arguido.
Quanto à pretensa ofensa ao princípio da igualdade que decorre do art.º 13.º da Constituição da República Portuguesa dir-se-à que não se pode comparar o que é, à partida, desigual.
Na verdade, uma coisa é estar preso e outra, bem diferente, é estar em liberdade.”.
Reitera-se, pois, que a substituição da multa por trabalho é uma pena de execução em liberdade e que, como tal, não pode ser executada se o arguido está preso, como sucede no caso vertente.
Consequentemente, bem andou o tribunal a quo ao indeferir a substituição da pena de multa por trabalho, por ser legalmente inadmissível, soçobrando, pois, o recurso, quanto a este aspecto.
Pugna também o recorrente pelo pagamento diferido da pena de multa.
Como se extrai do Artº 47º, nº 3, do Código Penal, supra transcrito, “Sempre que a situação económica e financeira do condenado o justificar, o tribunal pode autorizar o pagamento da multa dentro de um prazo que não exceda um ano, ou permitir o pagamento em prestações, não podendo a última delas ir além dos dois anos subsequentes à data do trânsito em julgado da condenação.”
Como claramente decorre desta norma lega, o pagamento integral da pena de multa pode ser diferido pelo período máximo de um ano, sempre que a situação económica e financeira do condenado o justificar.
Ora, no caso vertente, como resulta dos autos, o arguido encontra-se a cumprir uma pena única de dois anos e dez meses de prisão efetiva no Estabelecimento Prisional ..., à ordem do Processo Especial Abreviado nº 21/19.0GTVRL, do Juízo Local Criminal de Vila Real, Juiz 1, do Tribunal Judicial da Comarca de Vila Real, cuja execução se iniciou no dia 15/06/2023, com os 2/3 a correrem no dia 19/06/2025, tendo o seu termo previsto para o dia 15/04/2026.
Consequentemente, torna-se manifesto e evidente que, ocorrendo em 15/04/2025 o termo previsto para o cumprimento, pelo arguido, da referida pena de prisão, a ser deferida a sua pretensão, estaria largamente ultrapassado o prazo máximo de um ano que a lei estabelece para o diferimento do pagamento da multa, sendo certo que a possibilidade da liberdade condicional, a ocorrer aos 2/3 da pena, é isso mesmo, uma possibilidade, não sendo seguro que a mesma venha a ocorrer, tanto mais que não tem aplicação automática.
Nada há, pois, a apontar ao tribunal a quo, quando rejeitou o pagamento diferido da pena de multa em que o arguido foi condenado.
Soçobrando, assim, mais esta questão recursória.
O mesmo sucedendo quanto à preconizada suspensão da prisão subsidiária.
Tal possibilidade está prevista no Artº 49º, nº 3, do Código Penal, supra transcrito, e que ora se recorda:
“3 - Se o condenado provar que a razão do não pagamento da multa lhe não é imputável, pode a execução da prisão subsidiária ser suspensa, por um período de 1 a 3 anos, desde que a suspensão seja subordinada ao cumprimento de deveres ou regras de conduta de conteúdo não económico ou financeiro. Se os deveres ou as regras de conduta não forem cumpridos, executa-se a prisão subsidiária; se o forem, a pena é declarada extinta.”.
Como é sabido, a função político-criminal desempenhada pela prisão subsidiária não configura uma pena de substituição, tendo antes o propósito de assegurar a efectividade da pena de multa, sendo nessa medida encarada como uma sanção penal de constrangimento ao seu pagamento (cfr., neste sentido, o Prof. Figueiredo Dias, in “Direito Penal Português - As Consequências Jurídicas do Crime”, 3ª Reimpressão, Coimbra Editora, 2011, pág. 147).
Daí que, como se extrai do transcrito Artº 49º, nº 2, do Código Penal, assuma relevância o pagamento que, no todo ou em parte, o condenado venha a efectuar, permitindo-lhe a todo o tempo evitar, total ou parcialmente, a execução da prisão subsidiária.
Ora, estando tal possibilidade fora do alcance de quem se encontra numa situação de insuficiência económica impeditiva do pagamento do montante devido a título de multa, a suspensão da execução prevista no nº 3 do mesmo preceito legal vem neste contexto assegurar a observância do princípio da igualdade ínsito no Artº 13º, nº 2, da Constituição da República Portuguesa, obstando a que a falta de meios constitua fundamento para uma privação da liberdade que no caso redundaria num tratamento injustificadamente diferenciado.
Sucede, porém, que, da simples leitura do citado Artº 49º, nº 3, do Código Penal, decorre que é ao arguido que compete o ónus de comprovar que o não pagamento da multa lhe não é imputável.
Pelo que a mera alegação de uma situação de insuficiência económica e/ou de falta de rendimento, desacompanhada de qualquer prova, por si só, não pode ser relevada pelo tribunal.
Neste sentido pronunciou-se este TRG no acórdão de 19/05/2014, proferido no âmbito do Proc. n° 355/12.4GCBRG-A.G1, disponível in www.dgsi.pt, em cujo sumário se consignou:
“I – A aplicação da prisão subsidiária não está dependente da prévia instauração do processo executivo, mas apenas da avaliação da impossibilidade de se obter o pagamento coercivo.
(...)
III - É pressuposto da suspensão da execução da prisão subsidiária que o não pagamento da multa tenha ocorrido por motivo não «imputável» ao condenado (art. 49 nº 3 do CPP). Recai sobre este o dever de provar que o não pagamento da multa aconteceu por motivo que não lhe é imputável. Não é ao tribunal que incumbe, em primeira linha, tal prova.”.
Ora, na situação em apreço, constata-se que, no requerimento que apresentou nos autos, em 29/09/2023, constante de fls. 291, para além de alegar encontrar-se detido [o que correspondia à realidade], o arguido limitou-se a aduzir “(...) não ter como pagar esta multa de 750,00 € porque não tenho qualquer rendimento ou apoio familiar”, não tendo comprovado minimamente tal insuficiência económica, sendo certo que a situação de preso ou de detido, por si só, não é suficiente para satisfazer esse desiderato.
Consequentemente, não estando preenchidos os requisitos a que alude o Artº 49º, nº 3, do Código Penal, nenhuma censura há a fazer ao tribunal a quo quando decidiu indeferir a requerida suspensão da execução da pena de prisão subsidiária.
Concordando-se, ademais, com as considerações a propósito expendidas pela Exma. Procuradora da República na sua douta resposta ao recurso, e que pela sus pertinência se transcrevem:
“(...)
De facto, à data da condenação e do trânsito em julgado o arguido não estava detido, e quando notificado para proceder ao pagamento da multa não o fez voluntariamente, nem coercivamente.
Passados mais de 5 (cinco) anos, vem o arguido invocar que está detido, e que não consegue proceder ao pagamento da multa por esse motivo, pelo que tal falta de pagamento não lhe deve é imputável.
Ora, não podemos concordar com o arguido, atento o hiato temporal já decorrido, este teve várias oportunidades para cumprir, desde o trânsito em julgado da sentença, ocorrido a 17 de junho de 2019, até começar a cumprir a pena de prisão 15 de junho de 2023, decorreram 4 anos, nesse período poderia ter pedido a substituição da multa por trabalho, mas não o fez. Podia ter requerido o pagamento da multa em prestações, não o fez.
Além do mais, atento o seu certificado de registo criminal, não era a primeira vez que o arguido lidava com a justiça, o mesmo sabia e tinha consciência que ao cometer um novo ilícito criminal corria o risco de ir preso, facto que agravaria a sua situação e a possibilidade de pagar a multa em que havia sido condenado.
Mesmo assim, o arguido desconsiderou por completo as consequências dos seus atos e colocou-se, culposamente, numa situação de alegada impossibilidade, que lhe é totalmente imputável.”.
Duas observações finais para as duas últimas questões, supra elencadas, de cariz meramente secundário.
A primeira, atinente ao trânsito em julgado da decisão homologatória da liquidação de pena única de dois anos e dez meses de prisão efectiva que o arguido se encontra a cumprir à ordem do Processo Especial Abreviado nº 21/19.0GTVRL, do Juízo Local Criminal de Vila Real, Juiz 1, do Tribunal Judicial da Comarca de Vila Real.
Quanto a esse aspecto, sustenta o arguido que, pelo facto de na douta promoção da liquidação da pena se fazer menção que a mesma é “provisória”, atenta a possibilidade de o arguido vir informar os autos eventuais detenções que possam originar descontos na pena liquidada [cfr. Artº 80º, nºs. 1 e 2, do Código Penal], a mesma não transitou em julgado.
Sucede que a liquidação de pena em causa foi homologada por despacho datado de 18/01/2024, e se a mesma não tivesse já transitado em julgado, tal circunstância teria seria reportada na informação transmitida aos autos, o que não sucedeu.
Acresce que, face ao período temporal que mediou entre a informação solicitada [24/06/2024] e a data da homologação [18/01/2024], dúvidas não restam que a liquidação foi homologada, e que a mesma já transitou em julgado.
Tanto mais que o arguido, principal interessado na decisão de homologação, que se encontra preso à ordem daquele processo desde o dia 15/06/2023, não informou os autos que tenha recorrido da decisão, não havendo dúvidas, pois, que a decisão já transitou em julgado.
Relativamente à questão da (não) realização do relatório por banda da DGRSP para a decisão a proferir, cremos que a mesma ficou prejudicada pela decisão proferida de indeferimento da substituição da multa em dias de trabalho, do pagamento diferido da multa, e da suspensão da prisão subsidiária.
Pois, como é evidente, tendo o Mmº Juiz a quo entendido que não estavam verificados os pressupostos para a substituição da multa em dias de trabalho, do pagamento diferido da multa, e/ou da suspensão da prisão subsidiária, a realização de tal relatório traduzir-se-ia na prática de um acto totalmente inútil por banda do tribunal.
Pelo que, como bem nota a Exma. Procuradora da República na sua resposta, “(...) a decisão de dispensar a realização do relatório por parte da DGRSP, tendo por base a decisão de indeferimento do requerido, mostra-se acertada e correta, denotando uma eficiente gestão dos parcos recursos, e em cumprimento dos princípios da celeridade e economia processual.”.
Consequentemente, sem necessidade de outras considerações, por despiciendas, concluímos não se mostrar violada nenhuma das normas e/ou princípios legais e/ou constitucionais invocados pelo arguido e recorrente AA, nem quaisquer outros.
Pelo que, nenhuma censura nos merecendo o douto despacho recorrido, que se confirma, improcede totalmente o presente recurso.

III. DISPOSITIVO

Por tudo o exposto, acordam os Juízes da Secção Criminal deste Tribunal da Relação de Guimarães em negar provimento ao recurso interposto pelo arguido AA, confirmando o despacho recorrido.

Custas pelo arguido / recorrente, fixando-se em 4 (quatro) UC a taxa de justiça - Artºs. 513º e 514º, do C.P.Penal, e Artºs. 1º, 2º, 3º, 8º, nº 9, do Reg. Custas Processuais, e Tabela III anexa ao mesmo.

(Acórdão elaborado pelo relator, e por ele integralmente revisto, com recurso a meios informáticos, contendo na primeira página as assinaturas electrónicas certificadas dos signatários – Artºs. 94º, nº 2, do C.P.Penal, e 19º, da Portaria nº 280/2013, de 26 de Agosto).
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Guimarães, 11 de Junho de 2025

Os Juízes Desembargadores:
António Teixeira (Relator)
Isilda Pinho (1ª Adjunta)
Fátima Furtado (2ª Adjunta)


[1] Dos autos principais, solicitados à 1ª instância, para consulta, nos termos do despacho do relator, de 06/05/2025, e aos quais (bem como aos respetivos apensos), por facilidade, nos reportaremos doravante.
[2] Todas as transcrições a seguir efectuadas estão em conformidade com o texto original, ressalvando-se a correcção de erros ou lapsos de escrita manifestos, da formatação do texto e da ortografia utilizada, da responsabilidade do relator.
[3] Cfr., neste sentido, o Prof. Germano Marques da Silva, in “Direito Processual Penal Português - Do Procedimento (Marcha do Processo) ”, Vol. 3, Universidade Católica Editora, 2015, pág. 334 e sgts., e o Acórdão de Fixação de Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça nº 7/95 de 19/10/1995, publicado no DR, Série I-A, de 28/12/1995, em interpretação que ainda hoje mantém actualidade.
[4] Jurisprudência que tem eco noutras decisões de tribunais superiores, como, v.g., no acórdão da Relação de Coimbra, de 27/03/2019, proferido no âmbito do Proc. nº 75/16.0PFLRA-A.C, no acórdão da Relação do Porto, de 26/10/2017, proferido no âmbito do Proc. nº 2294/14.5JAPRT.P1, no acórdão da mesma Relação do Porto, de 19/06/2024, proferido no âmbito do Proc. nº 1011/20.5T9PNF-A.P1, todos disponíveis in www.dgsi.pt.