INVERSÃO DO ÓNUS DA PROVA
PERÍODO NORMAL DE TRABALHO
TRABALHO SUPLEMENTAR
HORÁRIO DE TRABALHO
CONTRADIÇÃO
ANULAÇÃO DE SENTENÇA
Sumário

Sumário elaborado pela relatora (artigo 663.º, n.º 7, do Código de Processo Civil):
I – A inversão do ónus da prova dá-se, nos termos do art. 344.º, n.º 2, do Código Civil, quando (i) a parte contrária tiver agido culposamente, (ii) tornando impossível a prova ao onerado.

II – O que o artigo exige é a impossibilidade da prova e não uma maior dificuldade da prova.

III – Nos termos do art. 221.º, n.º 3, do Código do Trabalho, a duração do trabalho de cada turno não pode ultrapassar os limites máximos dos períodos normais de trabalho, ou seja, não pode corresponder a um período de trabalho diário superior a oito horas e a um período de trabalho semanal superior a quarenta horas.

IV – Uma vez que o trabalho suplementar se mostra incluído no horário de trabalho que a recorrida atribuiu ao recorrente, o trabalho suplementar foi realizado por determinação da recorrida e em seu benefício.

V – O trabalho efetuado que ultrapasse os limites impostos pelos arts. 221.º, n.º 3 e 203.º, n.º 1, do Código do Trabalho, é trabalho suplementar por ter sido prestado fora do horário de trabalho.

VI – Não é possível dar como provado um horário que ultrapassa o período normal diário e semanal de trabalho, imposto por lei, e, ao mesmo tempo, dar como não provado que o trabalhador efetuou trabalho suplementar.

VII – Existindo contradição entre os factos provados e os factos não provados e não sendo possível ao tribunal da relação apurar os elementos relevantes e em falta no processo, impõe-se anular a sentença nos termos do art. 662.º, n.º 2, al. c), do Código de Processo Civil.

Texto Integral

Proc. n.º 737/24.9T8EVR.E1

Secção Social do Tribunal da Relação de Évora1





Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Évora:


I – Relatório


AA2 (Autor) intentou a presente ação declarativa de condenação, emergente de contrato individual de trabalho, sob a forma de processo comum, contra “AD, Lda.”3, (Ré), solicitando, a final, que a ação seja julgada procedente por provada e, em consequência:

a) Ser reconhecido que a retribuição base mensal do Autor era, à data do despedimento, no valor de € 1.150,00 (mil, cento e cinquenta euros);

b) Ser a Ré condenada a pagar ao Autor, a quantia de € 11.885,83 (onze mil, oitocentos e oitenta e cinco euros e oitenta e três cêntimos), a título de diferenças salariais entre 2006 e 2023, que deverá ser paga acrescida de juros de mora à taxa legal civil desde a data de vencimento até ao efectivo e integral pagamento;

c) Ser a Ré condenada a pagar ao Autor, a título de trabalho suplementar determinado previamente pela Ré ao Autor e não remunerado, a quantia de € 11.341,97 (onze mil, trezentos e quarenta e um euros e noventa e sete cêntimos), acrescida de juros de mora à taxa legal civil desde a citação até ao efectivo e integral pagamento;

d) Serem declaradas nulas, por contrárias à lei, as cláusulas segunda e terceira, inseridas no documento denominado “Acordo de cessação do contrato de trabalho por denúncia do trabalhador”.

Alegou, em síntese, e no que releva para o recurso, que efetuou trabalho suplementar para a Ré, o qual nunca lhe foi pago.





Realizada a audiência de partes, não foi possível resolver o litígio por acordo.





A Ré “AD, Lda.” contestou, requerendo, a final, que:

- Deve considerar-se procedente a invocada excepção, considerando válido o acordo estabelecido entre a A e R., com as legais consequências.

– Deve ser reconhecido que o vencimento da A como de 800,00€ mensais, encontrando-se integralmente pago, tudo quanto devido, inexistindo diferenças salariais e de subsídios em dívida.

- Deve considerar-se como liquidadas todas as quantias relativas ao trabalho suplementar eventualmente efectuado pelo A., tendo esse pagamento ocorrido através da indicação nos recibos de vencimento do A, de ajudas de custo.

-Deve se reconhecido que nada e devido a titulo de trabalho suplementar peticionado.

E em consequência absolver-se a R do peticionado.

Alegou, em síntese, no que ao presente recurso interessa, que o trabalho suplementar que o Autor realizou foi pago através dos recibos de ajudas de custo, impugnando as horas de trabalho suplementar apresentadas por este na petição inicial.





Dispensada a realização de audiência prévia, foi proferido despacho saneador, onde foi fixado o valor da ação em €23.227,80, dispensados a enunciação do objeto do litígio e dos temas da prova e apreciados os meios de prova.





Após realização da audiência de julgamento, foi proferida sentença em 06-11-2024, com a seguinte decisão:

Pelo exposto, decide-se:

*

A. Julgar a ação parcialmente procedente, por parcialmente provada e, em consequência:

1. Declara-se que a retribuição do autor em 05.05.2023 ascendia a 1.150€;

2. Declara-se a nulidade das cláusulas segunda e terceira do acordo formalizado pelas partes em 05.05.2023, descrito em 3. dos factos provados, e

3. Condena-se a ré no pagamento ao autor da quantia global de 11.504,55€ a título de diferenças salarial, acrescida de juros, à taxa supletiva legal prevista para obrigações civis, desde a data do vencimento de cada um dos créditos que compõem tal quantia até efetivo e integral pagamento (cf. art. 804.º, 805.º, n.º 1, n.º 2, alínea a), 806.º e 559.º do Código Civil);

B. No mais, julgar a ação improcedente e absolver a ré do peticionado;

C. Custas da ação a cargo do autor e da ré na proporção do respetivo decaimento.

*

Valor da causa: 23.227,80€

*

Registe e notifique.




Não se conformando com a sentença, veio o Autor AA interpor recurso de apelação, terminando com as seguintes conclusões:

I. Foi proferida pelo Tribunal a quo douta sentença, que julgou a acção parcialmente provada e procedente, tendo sido a Ré absolvida do pedido formulado em c) da petição inicial, quanto ao pagamento do trabalho suplementar.

II. Com efeito, o Tribunal a quo julgou como não provado o facto não provado i., ponto que o Autor considera incorrectamente julgado.

III. O Autor, em 28.º da p.i. (ponto incorrectamente julgado não provado na sentença) alegou os concretos dias em que prestou o trabalho suplementar, indicando especificadamente as horas de entrada, de saída e de intervalo de descanso; tendo inclusivamente indicado os dias em que o não prestou, por estar ausente de férias ou por doença.

IV. Resultou da matéria provada - facto provado n.º 25 -, qual o horário de trabalho efectivamente praticado pelo Autor, donde resulta que:

a) Quando o Autor praticava este horário: de 2.ª a 6.ª feira – das 8h00 às 17h30, com intervalo de almoço das 12h30 às 13h30; Sábado – das 8h às 13h, trabalhava 47h30 por semana;

b) Quando o Autor praticava este horário: 2.ª a 6.ª feira das 9h30 às 19h00, com intervalo de almoço das 13h30 às 14h30; trabalhava 42h30 por semana.

V. Foi carreada para os autos prova suficiente quer quanto ao horário de trabalho praticado, a cada semana e alternadamente, quer quanto aos dias concretos em que o mesmo foi praticado, sendo que o Autor tudo fez e requereu para que assim fosse.

VI. O Autor requereu que fosse determinado à Ré que procedesse à junção, ao abrigo do disposto no artigo 429.º, n.º 1 do CPC, dos registos de tempo de trabalho e dos registos do tempo de trabalho suplementar, conforme estabelecido no artigo 202.º e 231.º do Código do Trabalho, entre 05 de Maio de 2018 e 05 de Maio de 2023; o que o Tribunal determinou e a Ré não cumpriu.

VII. A Ré não juntou os registos de tempos de trabalho, tendo resultado provado que existiam registos informáticos dos tempos de trabalho; que até já tinham sido juntos no processo n.º 2398/22.0... (do mesmo Juízo), em que a Ré foi condenada a pagar o trabalho suplementar.

VIII. E foi para se furtar ao pagamento nestes autos do trabalho suplementar, que a Ré não juntou culposamente os registos de tempo de trabalho existentes, mas antes folhas de obra, que servem de base à facturação ao cliente e não podem ser considerados registos de tempos de trabalho, uma vez que não cumprem os requisitos enunciados nos artigos 202 e 231.º do Código do Trabalho.

IX. A Ré juntou folhas de obra repetidas e que nem sequer respeitam ao período total do pedido de trabalho suplementar – o que não pode ser aceite, v. neste sentido o douto Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 16/05/2007, proferido no âmbito do processo n.º 1771/2007-4.

X. O Autor requereu o depoimento de parte da legal representante da Ré ao alegado em 28.º da petição inicial, donde resultou que o horário de trabalho efectivamente praticado acarretava sempre a prestação de trabalho suplementar pelo Autor (depoimento prestado das 9h50 às 9h58 – v. dos 54s aos 7m30s).

XI. Do depoimento das testemunhas BB (prestado entre as 10h03 e as 10h18), resultou (do 1m26s aos 5m06) que: (i) o horário efectivamente praticado excedia diária e semanalmente os limites estabelecidos; (ii) o que implicava a prestação de trabalho suplementar; (iii) o Autor e a testemunha, por terem a mesma função, prestavam trabalho em turnos diferentes, com horários diferentes e alternadamente; (iv) o Autor e a testemunha CC, com quem é casado, prestavam trabalho em turnos diferentes; (v) existia registo de tempos de trabalho, primeiro manual e depois informático.

XII. O depoimento da testemunha BB foi integralmente corroborado pela testemunha CC, quer quantos aos horários praticados, quer quanto ao trabalho suplementar prestado e, ainda, quanto à existência de registos de tempo de trabalho informáticos (v. gravação dos 3m6s aos 4m18s, do depoimento prestado entre as 10h18 e as 10h24).

XIII. O Autor juntou e requereu a junção de todos os recibos de vencimento emitidos na vigência do vínculo laboral, donde resulta os dias de ausência por férias, faltas ou dispensas, e que considerando que o trabalho suplementar era sempre prestado pela prática de horário de trabalho determinado pela Ré, permite delimitar e corroborar o alegado e especificado pelo Autor, quanto aos dias em que prestou trabalho suplementar.

XIV. Ora, face à actuação deliberada e culposa da Ré de não juntar os registos de tempo de trabalho existentes, a mesma pretendeu de forma culposa obstar à prova do Autor, devendo tal comportamento ter por consequência a inversão do ónus da prova, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 344.º do Código Civil.

XV. Impôs-se nesta sede de recurso, e face ao julgamento e à decisão proferida na 1.ª instância, requerer a junção aos autos do pedido de liquidação do pagamento do trabalho suplementar efectuado no processo n.º 2398/22.0... (cuja sentença está junta como doc. 23 da p.i.), donde resulta que o horário praticado pela testemunha CC (cônjuge do aqui Autor) era o contrário do Autor – cfr. artigo 651.º, n.º 1 in fine do CPC.

XVI. E horário praticado pela testemunha CC, com o tempo suplementar, foi aceite pela Ré, pois pagou esse trabalho suplementar ao cônjuge do Autor.

XVII. Pelo que, o horário alegado pelo Autor foi o efectivamente praticado por ordem e determinação da Ré, o que acarretou a prestação de trabalho suplementar nos termos especificadamente alegados pelo Autor, em 28.º da p.i.

XVIII. O facto não provado i), incorrectamente julgado, deverá ser julgado provado e passar a constar do elenco de factos provados, como facto provado n.º 26.

Termos são os expostos, em que com o mui douto suprimento de Vossas Excelências, deverá a douta sentença proferida ser parcialmente revogada, no segmente decisório supra identificado (B.), de forma a ser julgado procedente por provado o pedido de pagamento formulado na petição inicial, e ser a Ré condenada a pagar ao Autor, as horas de trabalho suplementar, tal como calculados de 29.º a 39.º, da petição inicial, no total de € 11.341,97 (onze mil, trezentos e quarenta e um euros e noventa e sete cêntimos), assim se fazendo a costumada Justiça!




A Ré “AD, Lda.” não contra-alegou.





O tribunal de 1.ª instância admitiu o recurso como sendo de apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo, tendo subido os presentes autos a este tribunal, onde foi dado cumprimento ao preceituado no n.º 3 do art. 87.º do Código de Processo do Trabalho, pugnando a Exma. Sra. Procuradora-Geral Adjunta no seu parecer pela procedência do recurso.


Não houve respostas ao parecer.


Tendo sido mantido o recurso nos seus precisos termos, foram dispensados os vistos por acordo, cumprindo agora apreciar e decidir.





II – Objeto do Recurso


Nos termos dos arts. 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, aplicáveis por remissão do art. 87.º, n.º 1, do Código de Processo de Trabalho, o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões do recorrente, ressalvada a matéria de conhecimento oficioso (art. 662.º, n.º 2, do Código de Processo Civil).


No caso em apreço, a questão que importa decidir é:


1) Impugnação da matéria de facto e suas consequências.





III – Matéria de Facto


O tribunal de 1.ª instância deu como provados os seguintes factos:

1. AA foi admitido, por acordo verbal, ao serviço de AD, Lda.”, em 06 de junho de 2006, para sob a direção e interesse desta, exercer as funções de eletricista auto.

2. Em 27 de abril de 2023, o Autor apresentou comunicação de denúncia do contrato de trabalho, com o aviso prévio de 60 dias, pretendendo que o mesmo cessasse em 26 de junho de 2023.

3. Em 05/05/2023, por escrito assinado por ambas as partes, declararam autor e ré:

ACORDO DE CESSAÇÃO DE CONTRATO DE TRABALHO POR DENÚNCIA DO TRABALHADOR

Primeira

AD, Lda., Reparações de Automóveis Lda., Pessoa Coletiva na ... com sede na Rua 1, neste ato representada pelo Exma, Senhora D. DD, titular do Cartão de Cidadão na ..., válido até ...,....2028 na sua qualidade de gerente, com poderes para o acto adiante designado por

"Primeiro Contraente"

Segundo

AA residente na Rua 2, portador do Cartão de Cidadão n." ... válido até ........2028, contribuinte n,..., beneficiário da Segurança Social n." ,... com a categoria profissional atual de Eletricista Auto, designado por "Segundo Contraente",

Ambos doravante denominados, em conjunto, simplesmente como "Partes",

Considerando que:

A) O Segundo Contraente apresentou uma comunicação de denúncia do contrato de trabalho com aviso prévio.

B) Em virtude do desempenho das suas funções ao abrigo do Contrato de Trabalho, as partes acordam em prescindir desse prazo de aviso prévio.

C) Que as ferias relativas à data da cessação se consideram assim gozadas nesse período prévio de que se prescinde.

É celebrado o presente Acordo, que se rege pelos termos e cláusulas seguintes:

Cláusula Primeira

(Data de cessação)

As Partes acordam em fazer cessar o Contrato de Trabalho, com efeitos na data de assinatura do Acordo, isto é, no dia 05 de maio de 2023 (adiante, "Data de Cessação").

Cláusula Segunda

(Compensação pecuniária global)

1. O Primeiro Contraente pagará ao Segundo Contraente todas as quantias devidas em função da cessação por denúncia do contrato de trabalho com aviso prévio.

2. Sem prejuízo do disposto na Cláusula Terceira do presente Acordo, o montante referido no número anterior será pago na Data de Cessação, por meio de transferência bancária

Cláusula Terceira

(Quitação)

Com o pagamento do montante referido no número 1 da Cláusula Segunda do Acordo, o Segundo Contraente dá por integralmente liquidados todos e quaisquer créditos emergentes do Contrato de Trabalho, vencidos à Data de Cessação ou exigíveis em virtude da mesma, de natureza laboral, previdencial ou outra, bem como créditos decorrentes de ou relacionados com quaisquer outras relações contratuais que tenham existido entre as Partes, declarando o Segundo Contraente nada mais ter a haver, quer do Primeiro Contraente, quer de qualquer outra pessoa, singular ou coletiva, com este relacionada, seja a que título for.

Cláusula Quarta

(Devolução de bens)

O Segundo Contraente devolverá ao Primeiro Contraente todos os bens pertença deste último que se encontrem em sua posse.

Cláusula Quinta

(Dever de confidencialidade)

1. Após a Data de Cessação, o Segundo Contraente obriga-se a manter estrita confidencialidade e a não usar em benefício próprio ou de terceiros, nem a revelar a estes, quaisquer informações, conhecimentos, dados ou documentos que conheceu ou a que acedeu em virtude da relação que manteve com o Primeiro Contraente.

2. O incumprimento das obrigações previstas na presente Cláusula confere à parte lesada o direito a indemnização pelos danos sofridos.

4. Em maio de 2023, o autor auferia como contrapartida pelo trabalho prestado, a retribuição mensal ilíquida de € 800,00, acrescida de subsídio de alimentação no valor mensal de € 183,04, uma verba denominada de “Bónus”, no valor de € 259,87, e outra verba denominada “Horas extra com 50%”, no valor de € 76,16 (correspondente a 11horas ao valor unitário de 6,92€.

5. Em 2006, a ré pagou ao autor mensalmente, sob a designação de “ajudas de custo”, o valor de €250,00.

6. Em 2007, a ré pagou ao autor mensalmente, sob a designação de “ajudas de custo”, o valor de €300,00.

7. Em 2008, a ré pagou ao autor mensalmente, sob a designação de “ajudas de custo e subsídio de transporte”, o valor de € 300,00.

8. Em 2009, a ré pagou ao autor mensalmente, sob a designação de “ajudas de custo e subsídio de transporte”, o valor de € 300,00.

9. Em 2010, a ré pagou ao autor mensalmente, sob a designação de “ajudas de custo” e subsídio de transporte”, o valor de € 300,00.

10. Em 2011, a ré pagou ao autor mensalmente, sob a designação de “ajudas de custo e subsídio de transporte”, o valor de € 300,00, com exceção do mês de abril em que o autor esteve dez dias de baixa, tendo recebido, sob a referida designação, a quantia de 145,64€.

11. Em 2012, a ré pagou ao autor mensalmente, sob a designação de “ajudas de custo e subsídio de transporte”, o valor de € 300,00.

12. Em 2013, a ré pagou ao autor, sob a designação de “ajudas de custo e subsídio de transporte”, nos meses de janeiro e fevereiro, o valor de 300€ e, mensalmente, nos meses subsequentes, a quantia de €285,00, com exceção:

- Do mês de abril em que o autor esteve dois dias de baixa, tendo recebido, sob a referida designação, a quantia de 259,10€ e

- Do mês de maio em que o autor esteve 8 dias de baixa e faltou um dia, tendo recebido, sob a referida designação, a quantia de 181,37€.

13. Em 2014, a ré pagou ao autor mensalmente, sob a designação de “ajudas de custo e subsídio de transporte”, o valor de € 285,00.

14. Em 2015, a ré pagou ao autor mensalmente, sob a designação de “ajudas de custo e subsídio de transporte”, o valor de € 285,00.

15. Em 2016, a ré pagou ao autor mensalmente, sob a designação de “ajudas de custo” e “subsídio de transporte”, o valor de € 285,00.

16. Em 2017, a ré pagou ao autor mensalmente, sob a designação de “ajudas de custo e subsídio de transporte”, o valor de € 350,00.

17. Em 2018, a ré pagou ao autor mensalmente, sob a designação de “ajudas de custo e subsídio de transporte”, o valor de € 350,00.

18. Em 2019, a ré pagou ao autor mensalmente, sob a designação de “ajudas de custo e subsídio de transporte”, o valor de € 350,00.

19. Em 2020, a ré pagou ao autor mensalmente, sob a designação de “ajudas de custo e subsídio de transporte”, o valor de € 350,00.

20. Em 2021, a ré pagou ao autor mensalmente, sob a designação de “ajudas de custo e subsídio de transporte”, o valor de € 350,00.

21. Em 2022, a ré pagou ao autor mensalmente, sob a designação de “ajudas de custo e subsídio de transporte”, o valor de € 350,00.

22. Entre janeiro de 2018 e dezembro de 2021, o valor pago pela ré ao autor sob a designação de “vencimento base” ascendia a 710€.

23. Entre janeiro de 2022 e dezembro de 2022, o valor pago pela ré ao autor sob a designação de “vencimento base” ascendia a 750€.

24. Entre janeiro de 2023 e maio de 2023, o valor pago pela ré ao autor sob a designação de “vencimento base” ascendia a 800€.

25. O horário de trabalho praticado e determinado pela ré ao autor, em regime de turnos, sempre foi o seguinte:

a) 2.ª a 6.ª feira – das 8h00 às 17h30, com intervalo de almoço das 12h30 às 13h30 e Sábado – das 8h às 13h

b) 2.ª a 6.ª feira das 9h30 às 19h00, com intervalo de almoço das 13h30 às 14h30.




E deu como não provados os seguintes factos:


i. O autor prestou trabalho suplementar do seguinte modo:

a) Ano de 2018
      Semana
Horário praticadoDias da semanaTotal de horas suplementares na semana

ii. Autor e ré acordaram que as horas extraordinárias, as despesas de deslocação e os bónus, seriam pagas com a denominação no recibo de ajudas de custo.

iii. Dependendo do número de horas de trabalho suplementar efetuado pelo trabalhador, assim era o valor do bónus mensal pago pela ré aos trabalhadores, incluindo o autor.




IV – Enquadramento jurídico


1 – Impugnação fáctica


Considera o recorrente que o facto não provado i) deve passar a provado, uma vez que há uma situação de inversão do ónus da prova, nos termos do art. 344.º, n.º 2, do Código Civil, competindo, por isso, à recorrida efetuar a sua não prova, uma vez que não juntou, deliberadamente, os registos do tempo de trabalho suplementar do recorrente, os quais possui.


Considera igualmente que se provou tal facto, em face das declarações de parte do legal representante da Ré e do depoimento das testemunhas BB e CC, sendo contraditório dar-se este facto como não provado, quando se deu como provado o facto 25.


O recorrente cumpriu os requisitos previstos no art. 640.º, nºs. 1 e 2, do Código de Processo Civil, pelo que se irá apreciar a presente impugnação fáctica.


a) Facto não provado i)


No facto não provado i) constam as horas de trabalho suplementar que o recorrente alega ter prestado para a Ré, entre a 18.ª semana de 2018 e a 18.ª semana de 2023.


Apreciemos.


Quanto à inversão do ónus da prova:


Entende o recorrente que deveria se inverter o ónus da prova, uma vez que a Ré não procedeu à junção dos registos do trabalho suplementar do recorrente, apesar de os possuir.


Nos termos do art. 231.º, n.º 1, do Código do Trabalho, a entidade empregadora deve ter um registo de trabalho suplementar, sob pena de contraordenação grave, atento o disposto no seu n.º 9.


Porém, o incumprimento de tal obrigação não determina, por si só, a inversão do ónus da prova. Essa inversão dá-se, nos termos do art. 344.º, n.º 2, do Código Civil, quando (i) a parte contrária tiver agido culposamente, (ii) tornando impossível a prova ao onerado.


No caso, a não apresentação pela entidade empregadora do registo do trabalho suplementar não impede o trabalhador de realizar prova da sua existência, quer por outros documentos, quer por testemunhas, quer por declarações de parte, sendo a dificuldade existente na produção desta prova idêntica à que se coloca em relação à prova da maioria dos factos alegados nas demais ações laborais. O que o artigo exige é a impossibilidade da prova e não uma maior dificuldade da prova.4 O recorrente efetuou, inclusive, prova testemunhal e de declarações de parte sobre este facto, prova essa que, porém, o tribunal a quo considerou insuficiente.


Assim, não se verificando o segundo dos requisitos, não se dá a inversão do ónus da prova quanto ao mencionado facto.


Quanto à suficiência da prova produzida


Considera o recorrente que este facto devia ter sido dado como provado, em face das declarações de parte do legal representante da Ré e do depoimento das testemunhas BB e CC, sendo contraditório dar-se este facto como não provado, quando se deu como provado o facto 25.


Consta do facto provado 25 que:

25. O horário de trabalho praticado e determinado pela ré ao autor, em regime de turnos, sempre foi o seguinte:

a) 2.ª a 6.ª feira – das 8h00 às 17h30, com intervalo de almoço das 12h30 às 13h30 e Sábado – das 8h às 13h

b) 2.ª a 6.ª feira das 9h30 às 19h00, com intervalo de almoço das 13h30 às 14h30.

Por sua vez, consta do art. 203.º, n.º 1, do Código do Trabalho, que o período normal de trabalho não pode exceder oito horas por dia e quarenta horas por semana, indicando os artigos seguintes as situações taxativas que admitem o afastamento desta regra.


Provando-se, como consta do facto provado 25, que o recorrente exercia o seu horário de trabalho por turnos rotativo, é de lhe aplicar o disposto no art. 221.º do Código do Trabalho. O n.º 3 deste artigo refere expressamente que a duração do trabalho de cada turno não pode ultrapassar os limites máximos dos períodos normais de trabalho, ou seja, não pode corresponder a um período de trabalho diário superior a oito horas e a um período de trabalho semanal superior a quarenta horas.


Porém, quanto ao primeiro turno (facto provado 25, a)), provou-se que de segunda a sexta-feira o recorrente tinha um horário de trabalho diário de oito horas e trinta minutos, ultrapassando em trinta minutos por dia o limite imposto por lei. Por sua vez, visto que trabalhava, neste turno, cinco horas ao sábado, semanalmente tinha um período normal de trabalho de quarenta e sete horas e trinta minutos, ultrapassando em sete horas e trinta minutos (07h30) o limite máximo imposto por lei.


Quanto ao segundo turno (facto provado 25, b)), provou-se que o recorrente tinha um horário de trabalho diário de oito horas e trinta minutos, ultrapassando em trinta minutos por dia o limite imposto por lei. Semanalmente tinha um período normal de trabalho de quarenta e duas horas e trinta minutos, ultrapassando em duas horas e trinta minutos (02h30) o limite máximo imposto por lei.


Assim, quanto às 07h30 semanais, do primeiro turno, por violação dos arts. 221.º, n.º 3 e 203.º, n.º 1, do Código do Trabalho, devem ser as mesmas consideradas como trabalho suplementar por ter sido prestado fora do horário de trabalho (art. 226.º, n.º 1, do Código do Trabalho); o mesmo se considerando quanto às 02h30 semanais do segundo turno.


Uma vez que o trabalho suplementar se mostra incluído no horário de trabalho que a recorrida atribuiu ao recorrente, o trabalho suplementar foi realizado por determinação da recorrida e em seu benefício (art. 268.º, n.º 4, do Código do Trabalho).


E, a ser assim, não é possível concluir, como concluiu a sentença recorrida, que o recorrente não fez prova de ter efetuado trabalho suplementar para a recorrida, tendo a prova efetuada resultado quer das declarações de parte da legal representante da Ré, DD, quer do depoimento das testemunhas BB e CC.


O que não consta da matéria dada como provada e nem da matéria dada como não provada, apesar de relevante, é a periodicidade da mudança de turnos (semanal ou outra), e, provando-se esta, as datas dos primeiros e dos segundos turnos trabalhados pelo recorrente (o que a sentença considerou não se mostrar provado). Atente-se que, mesmo que não se conseguisse apurar as datas em que o recorrente fez o primeiro turno, sempre teria direito a 02h30 de trabalho suplementar semanal, durante os referidos cinco anos. Acresce que a prova dos dias de férias e das faltas do recorrente (já não os feriados por resultarem da lei), caso não resultem dos recibos de vencimento constantes dos autos, sempre competiria, nos termos do art. 342.º, n.º 2, do Código Civil, à entidade patronal.


É, assim, manifesto que o tribunal a quo não podia dar como não provado, com exceção da hora do almoço, o facto não provado i), competindo-lhe averiguar qual a regularidade de alteração dos turnos e quais os turnos realizados pelo recorrente e, caso concluísse pela impossibilidade de realização de tal prova, optar ou pela liquidação em incidente de liquidação, nos termos dos arts. 609.º, n.º 2 e 358.º, n.º 2, do Código de Processo Civil; ou pela fixação do pagamento do trabalho suplementar por aquilo que tivesse conseguido apurar (designadamente os trinta minutos diários, que correspondem a duas horas e trinta semanais).


Assim, por a decisão da matéria de facto se revelar contraditória, concretamente entre o facto provado 25 e o facto não provado i), não constando do processo todos os elementos que permitam a este tribunal decidir, anula-se a sentença recorrida, nos termos do art. 662.º, n.º 2, al. c), do Código de Processo Civil, de forma a que seja suprida tal contradição e, caso o tribunal a quo o considere necessário, a que se amplie a matéria de facto, com eventual reabertura da audiência de julgamento.








V – Decisão


Pelo exposto, acordam os juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Évora em julgar o recurso procedente e, em consequência, determina-se a anulação da sentença recorrida, nos termos do art. 662.º, n.º 2, al. c), do Código de Processo Civil, de forma a que seja suprida a contradição entre o facto provado 25 e o facto não provado i), e, caso o tribunal a quo o considere necessário, a que se amplie a matéria de facto, com eventual reabertura da audiência de julgamento.


Custas pela recorrida, apesar de não ter contestado5 (art. 527.º, nºs. 1 e 2, do Código de Processo Civil).


Notifique.



Évora, 25 de junho de 2025

Emília Ramos Costa (relatora)

Paula do Paço

Mário Branco Coelho

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1. Relatora: Emília Ramos Costa; 1.ª Adjunta: Paula do Paço; 2.º Adjunto: Mário Branco Coelho.↩︎

2. Doravante AA↩︎

3. Doravante “AD, Lda.”.↩︎

4. Vejam-se os acórdãos, do TRL de 29-05-2017 no processo n.º 3080/16.3T8MTS.P1; do TRE de 10-01-2012 no processo n.º 295/10.1TTABT.E1; e do STJ de 11-07-2012 no processo n.º 1861/09.3TTLSB.L1.S1, consultáveis em www.dgsi.pt.↩︎

5. Veja-se acórdão do TRG de 18-01-2024 no processo n.º 2440/21.2T8VCT.G1, consultável em www.dgsi.pt.↩︎