Sumário elaborado pela relatora (artigo 663.º, n.º 7, do Código de Processo Civil):
I – Nos termos do art. 604.º, n.º 1, al. e), do Código de Processo Civil, as alegações orais, efetuadas no final do julgamento, destinam-se a apreciar as questões, de facto e de direito, que já são objeto do processo.
II – Não é, por isso, esse o lugar para a invocação de novos vícios, por tal implicar uma alteração da causa de pedir.
III – Isso aplica-se igualmente para as questões que são de conhecimento oficioso, como é o caso do abuso de direito, previsto no art. 334.º do Código Civil, uma vez que uma coisa é o conhecimento a que o tribunal se encontra oficiosamente obrigado a conhecer e outra é a sua invocação pelas partes.
IV – Tendo o tribunal entendido que não existiam factos que indicassem um comportamento abusivo por parte do Réu, não se encontrava obrigado a pronunciar-se sobre o abuso de direito.
Secção Social do Tribunal da Relação de Évora1
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Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Évora:
I – Relatório
AA2 (Autor) intentou a presente ação declarativa de condenação, emergente de contrato individual de trabalho, sob a forma de processo comum, contra BB3 (Réu), solicitando, a final, que a ação seja julgada procedente, por provada, e, em consequência, deverá:
- Ser declarada a ilicitude do despedimento do trabalhador;
- Ser condenado o empregador a pagar ao trabalhador uma indemnização que se fixa em 30 dias de retribuição base x antiguidade (38 anos), atendendo, por um lado ao valor relativamente baixo da retribuição e, por outro, ao grau de ilicitude da cessação, determinada pela inexistência de processo disciplinar, o que perfaz o valor de €32.490,00 (trinta e dois mil, quatrocentos e noventa euros);
- Ser condenado o empregador a pagar ao trabalhador todas as retribuições que este deixou de auferir desde a data do despedimento até ao trânsito em julgado da decisão;
- Ser condenado o empregador a pagar ao trabalhador a quantia de 10.000,00€ a título de compensação pelos danos não patrimoniais sofridos, acrescidos de juros de mora vencidos e vincendos à taxa legal até efetivo e integral pagamento.
Em síntese, alegou que, desde 1986, que é caseiro na propriedade do Réu, aí vivendo, tendo realizado obras no imóvel em que habita.
Mais alegou que há cerca de dois anos, por acordo, passou a exercer a sua atividade laboral a meio termo, tendo, porém, entretanto, recebido uma missiva do Réu, na qual constava que este pretendia denunciar o contrato de trabalho, com efeitos a partir de 10-06-2024, tendo, desde 21-04-2024, passado a dizer-lhe verbalmente que não o quer a trabalhar, chegando a impedir a sua presença no local.
Alegou igualmente que o comportamento do Réu, ao impedi-lo de desempenhar a sua atividade laboral, configura um despedimento sem justa causa, o qual lhe tem causado uma enorme tristeza, angústia e ansiedade, passando dias sem dormir.
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Realizada a audiência de partes, não foi possível resolver o litígio por acordo.
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O Réu apresentou contestação, solicitando, a final, a absolvição de todos os pedidos formulados pelo Autor.
Para o efeito, e em síntese, alegou que o Autor se reformou com efeitos em 11-06-2022, pelo que o contrato de trabalho sem termo se convolou em contrato de trabalho a termo certo, por períodos de seis meses, renováveis por iguais períodos, pelo que o Réu, ao enviar a denúncia do contrato a termo, em 11-01-2024, para produzir efeitos a 10-06-2024, cumpriu o aviso prévio, e agiu nos termos do art. 348.º do Código do Trabalho.
Mais alegou que, em 21-04-2024, o Réu comunicou ao Autor que, a partir desse dia, este se encontrava de férias, visto que tinha direito a 30 dias de férias, sendo que o termo do período de férias coincidiria com o termo do contrato, pelo que não deveria apresentar-se mais ao trabalho, nunca tendo o Réu falado em despedimento ou sequer sido essa a sua intenção.
Alegou igualmente que o Réu, a partir de 21-04-2024 e até ao termo do contrato, continuou a pagar ao Autor as suas retribuições mensais.
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Proferido despacho saneador, saneou-se o processo, fixou-se o valor da ação em €42.490,00, identificou-se o objeto do processo e os temas da prova, apreciou-se os meios de prova e designou-se a data do julgamento.
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Realizada a audiência de julgamento, foi proferida, em 13-12-2024, sentença, com o seguinte teor decisório:
Em face do exposto julgo a ação improcedente por não provada e, em consequência,
absolvo o R. do pedido.
Custas pelo A. ( cfr. art. 527º do CPC ex vi art. 1º nº 2 al. a) do CPT).
Notifique e registe.
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Inconformado com a sentença, veio o Autor interpor recurso de apelação, terminando com as seguintes conclusões:
1. Por sentença datada de 13-12-2024 o tribunal “a quo” julgou a presente ação improcedente por não provada e, em consequência, absolveu o Réu do pedido.
2. O tribunal “a quo” em sede de despacho saneador fixou os seguintes temas da prova:
“- A conduta do R. para com o A. a partir de 21 de abril de 2024;
- Consequências na saúde do A.;
- A reforma do A.;
- Conduta do R. em decorrência da mesma;”.
3. E em sede de alegações finais o Autor ora Recorrente alegou para além da existência de um despedimento ilícito, a violação do Decreto-Lei n.º 235/92, a Lei Complementar 150/2015, o erro sobre as circunstâncias e o abuso de direito.
4. Porém a única questão decidida na sentença recorrida foi se o Réu despediu ilicitamente o Autor e, na afirmativa, se o mesmo tem direito às quantias que peticionou.
5. Sendo a sentença recorrida totalmente omissa quanto aos demais temas da prova e quanto à violação do Decreto-Lei n.º 235/92, da Lei Complementar 150/2015, o erro sobre as circunstâncias e o abuso de direito, questões invocadas em sede de alegações finais.
6. Pelo que se conclui que estamos perante uma omissão de pronúncia, isto é o tribunal "a quo" deixou de decidir sobre as questões em apreço, o que faz com que estejamos perante uma causa de nulidade da sentença recorrida e a mesma deverá ser revogada por omissão de pronúncia, nos termos do disposto no artigo 615.º, n.º 1, alíneas c) e d) do Código de Processo Civil.
7. O Autor ora recorrente não se conforma com a sentença recorrida porquanto resultam incorretamente julgados e apreciados os factos dados como não provados 1 a 8.
8. Os factos dados como não provados 1 a 8 encontram-se incorrectamente julgados e mal apreciados, dado que da prova produzida nomeadamente as declarações de parte do Autor prestadas no dia 04-11-2024 gravadas na aplicação citius com início às 15:34, fim às 16:01 e com a duração de 00:26:59 e o depoimento da testemunha CC prestadas no dia 04-11-2024 gravado na aplicação citius com início às 14:49, com fim às 15:02, com a duração de 00:12:55 impunham decisão diversa da que ora se recorre.
9. Face ao supra exposto e uma vez que as declarações de parte do Autor e a prova testemunhal supra indicada impõem decisão diversa da ora recorrida deverão os factos dados como não provados 1 a 8 serem julgados como provados.
10. Da matéria de facto dada como provada resulta que no dia 21 de abril de 2024 o R. disse ao A. que a partir daquele dia entraria de férias até ao final do contrato pelo que não deveria apresentar-se mais ao trabalho e que desde aí o A. não mais trabalhou (factos dados como provados n.º 9 e 10).
11. E dos factos dados como não provados resulta que não se apurou que o R. tenha dito ao A. “Estás despedido. Não te quero mais aqui. Pode ir embora. Tens mesmo de ir. Aqui quem manda sou eu. Não te quero ver à frente dos olhos.”, na sequência de tais declarações o R. tenha impedido o A. de usar os utensílios agrícolas e tenha impedido a presença do A. na propriedade. (factos dados como não provados 4, 5 e 6).
12. Encontrando-se a matéria de facto dada como provada em manifesta contradição com a matéria de facto dada como não provada.
13. Isto é, se o Autor ora Recorrente desde o dia 21-04-2024 não mais trabalhou obviamente que foi despedido, não se compreendendo como é que o tribunal “a quo” dá como provados os factos n.º 9 e 10 e depois dá como não provados os factos n.º 4, 5 e 6.
14. O que significa que estamos claramente perante um erro de fundamentação e uma contradição insanável da decisão da matéria de facto, violando-se o disposto no artigo 607.º, n.º 4 e 5 do Código de Processo Civil, o que determina um erro no dever de fundamentação da decisão conforme estabelece o artigo 154.º do Código de Processo Civil.
15. Termos em que deverá a sentença recorrida ser declarada nula nos termos do disposto no artigo 615.º, alínea c) do Código de Processo Civil.
16. A sentença de que ora se recorre decidiu que a factualidade dada como provada não permite o tribunal “a quo” concluir que o comportamento do R. seja concludente da sua intenção de, a partir daquela data – 21 de abril de 2024 – pôr termo ao contrato e, por isso, considerando que, em decorrência do disposto no artigo 342.º n.º 1 do Código Civil, cabia ao A. fazer a prova dos factos constitutivos do direito invocado, a ação claudica.
17. Andou mal o tribunal “a quo” ao considerar que não estamos perante um despedimento verbal.
18. Não se podendo considerar que o Autor ora Recorrente tenha entrado no gozo de férias, muito pelo contrário pois indubitavelmente resulta dos presentes autos que o Réu pretendeu despedir o Autor no dia 21-04-2024.
19. Despedimento esse que em nosso entender é ilícito, desde o dia 21-04-2024 que o Réu Entidade Empregadora verbalmente tem dito ao Autor ora Recorrente que não o quer a trabalhar.
20. Ora, perante o impedimento do Réu o Autor ora Recorrente viu-se impedido de desempenhar a sua actividade laboral.
21. E a situação em apreço não consubstancia a denúncia do contrato de trabalho, mas sim um despedimento do Autor ora Recorrente que, não tendo sido precedido de processo disciplinar, se deve reputar de ilícito.
22. A comunicação da caducidade do contrato com base nesse fundamento e na data referida equivale a um despedimento sem justa causa, sendo, por isso ilícito.
23. Pelo que a sentença recorrida viola assim o disposto no artigo 338.º do Código do Trabalho.
24. Termos em que e face ao supra exposto deverá a sentença de que ora se recorre ser revogada e consequentemente deverá ser proferida outra que declare o despedimento ilícito e condene o Réu nos termos peticionados.
Nestes termos e nos melhores de direito deverá o presente recurso de apelação ser julgado procedente por provado e em consequência deverá a sentença recorrida ser revogada e consequentemente deverá o despedimento ser declarado ilícito, condenando-se o Réu nos termos peticionados, com o que se fará Justiça!
…
O Réu não apresentou contra-alegações.
…
O tribunal de 1.ª instância admitiu o recurso como de apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo. Mais se pronunciou sobre as invocadas nulidades, pugnando pela sua improcedência.
Já neste Tribunal, o recurso foi admitido nos seus exatos termos e em cumprimento do disposto no art. 87.º, n.º 3, do Código de Processo do Trabalho, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta pronunciou-se no sentido da improcedência do recurso.
Não houve respostas ao parecer.
Após os autos terem ido aos vistos, cumpre agora apreciar e decidir.
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II – Objeto do Recurso
Nos termos dos arts. 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, aplicáveis por remissão do artigo 87.º, n.º 1, do Código de Processo de Trabalho, o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões do recorrente, ressalvada a matéria de conhecimento oficioso (art. 662.º, n.º 2, do Código de Processo Civil).
No caso em apreço, as questões que importa decidir são:
1) Nulidade da sentença;
2) Impugnação da matéria de facto; e
3) Despedimento verbal e suas consequências.
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III – Matéria de Facto
O tribunal a quo considerou provados os seguintes factos:
1. O Autor é trabalhador rural de profissão.
2. Em data não apurada de 1986 o A. foi contratado pelo pai do R. para as funções de trabalhador agrícola em propriedade do mesmo, procedendo à limpeza e tratamento agrícola da mesma.
3. Desde essa data que o A., por acordo com o pai do R., passou a habitar no imóvel implantado na propriedade.
4. Desde tal data o A. procede à limpeza e conservação da habitação, à limpeza e corte das árvore e à apanha dos frutos.
5. Em data não apurada de 2022 o A. passou à situação de reformado por velhice.
6. Na mesma altura o Autor solicitou ao Réu para passar a exercer a sua atividade laborar a meio termo.
7. Ao que o Réu anuiu.
8. Em 11 de janeiro de 2024 o A. recebeu o escrito de fls. 7 remetido pelo R. e no qual este declara “Sirvo-me do presente para denunciar o contrato de trabalho vigente entre nós, com efeitos no dia 10.06.2024.
Na verdade (…) tomámos conhecimento de que V. exa. se reformou com efeitos no dia 11.06.2022, mantendo-se V.Exa. em funções e tendo o contrato sido convolado em contrato a termo, por períodos de seis meses, renováveis por iguais períodos.
Assim o contrato em vigor caducará, por força da presente denúncia, no próximo dia 10.06.2024, data em que cessará a sua actividade, sem que haja lugar a qualquer compensação, tudo nos termos do art.348º do Código de Trabalho.
Mais, no dia 10.06.2024, deverá V.Exa, entregar, livre e devoluto de pessoas e bens, o imóvel que utiliza a título de comodato, o qual apenas se justificou pela prestação de trabalho.”
9. No dia 21 de abril de 2024 o R. disse ao A. que a partir daquele dia entraria de férias até ao final do contrato pelo que não deveria apresentar-se mais ao trabalho.
10. Desde aí o A. não mais trabalhou.
11. O R., em 30 de abril de 2024, 31 de maio de 2024 e 12 de junho de 2024, pagou ao A. a retribuição referente a tais meses.
12. Em 25 de junho de 2024 o R. comunicou à segurança social a cessação do vinculo laboral com o A. por caducidade do contrato a termo.
(Acrescentado o facto provado 13, conforme fundamentação infra)
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E considerou não provados os seguintes factos:
1. Desde 1986 o A. trate de animais domésticos e outros existentes na propriedade.
2. Desde 1986 o A. guarde o monte.
3. O A. tenha passado à situação de reforma em 11 de junho de 2022.
4. O R. tenha dito ao A. “Estás despedido. Não te quero mais aqui. Pode ir embora. Tens mesmo de ir. Aqui quem manda sou eu. Não te quero ver à frente dos olhos.”
5. Na sequência de tais declarações o R. tenha impedido o A. de usar os utensílios agrícolas.
6. E tenha impedido a presença do A. na propriedade.
7. O R. tenha dito ao A. que lhe cortava a água e a eletricidade da casa onde vive.
8. Tal comportamento cause tristeza e ansiedade ao A. passando dias sem dormir. (Alterado conforme fundamentação infra)
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IV – Enquadramento jurídico
1 – Nulidade da sentença
O recorrente considera que a sentença padece de nulidade nos termos do art. 615.º, n.º 1, als. c) e d), do Código de Processo Civil, por haver contradição entre os factos provados nºs. 9 e 10 e os factos não provados 4, 5 e 6 e por nela não ter havido decisão sobre os temas da prova invocados no despacho saneador, nem sobre a violação do DL n.º 235/92, da Lei Complementar n.º 150/2015, a existência de erro sobre as circunstâncias e de abuso de direito.
Dispõe o art. 615.º, n.º 1, als. c) e d), do Código de Processo Civil, que:
1 - É nula a sentença quando:
c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível;
d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;
Determina também o art. 608.º, n.º 2, do mesmo Diploma Legal, que:
2 - O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.
Quanto à nulidade por contradição entre os fundamentos da sentença e a decisão, para que se mostre verificado o vício previsto no art. 615.º, n.º 1, al. c), do Código de Processo Civil, como resulta pacífico na nossa doutrina e jurisprudência, é necessário que os fundamentos apontem num sentido e a decisão seja tomada em sentido oposto ou, pelo menos, diferente.
Conforme resulta dos ensinamentos de Lebre de Freitas em A Acção Declarativa Comum: À Luz do Código de Processo Civil de 2013:4
(…) se na fundamentação da sentença o julgador segue determinada linha de raciocínio, apontando para determinada conclusão e, em vez de a tirar, decide noutro sentido, oposto ou divergente, a oposição é causa de nulidade da sentença. Esta oposição não se confunde com o erro na subsunção dos factos à norma jurídica, ou, muito menos, com o erro na interpretação desta: quando, embora mal, o juiz entende que dos factos apurados resulta determinada consequência jurídica e este seu entendimento é expresso na fundamentação, ou dela decorre, encontramo-nos perante o erro de julgamento e não perante oposição geradora de nulidade.
De igual modo, como bem sustentaram Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, in Manual de Processo Civil,5 esta nulidade reporta-se “à contradição real entre os fundamentos e a decisão e não às hipóteses de contradição aparente, resultantes de simples erro material, seja na fundamentação, seja na decisão. (…) Nestes casos (…), há um vício real de raciocínio do julgador (e não um simples lapsus calami do autor da sentença): a fundamentação aponta num sentido; a decisão segue caminho oposto ou, pelo menos, direcção diferente”.
Cita-se ainda a este propósito o acórdão do STJ, proferido em 30-05-2013:6
I- A contradição a que a lei impõe o efeito inquinatório da sentença como nulidade, é a oposição entre os fundamentos e a decisão – art.º 668º, nº 1, al. d) do CPC.
II- Porém, para que tal ocorra, não basta uma qualquer divergência inferida entre os factos provados e a solução jurídica, pois tal divergência pode consubstanciar um mero erro de julgamento (error in judicando) sem a gravidade de uma nulidade da sentença. Como escreve Amâncio Ferreira «a oposição entre os fundamentos e a decisão não se reconduz a uma errada subsunção dos factos à norma jurídica nem, tão pouco, a uma errada interpretação dela. Situações destas configuram-se como erro de julgamento» (A. Ferreira, Manual de Recursos em Processo Civil, 9ª edição, pg. 56).
III- A contradição entre os fundamentos e a decisão prevista na alínea c) do nº 1 do art.º 668º, ainda nas palavras do citado autor, verifica-se quando «a construção da sentença é viciosa, uma vez que os fundamentos referidos pelo Juiz conduziriam necessariamente a uma decisão de sentido oposto ou, pelo menos, de sentido diferente»
Ora, no caso em apreço, a contradição que o recorrente invoca refere-se à contradição entre os factos provados e os factos não provados, já não entre os fundamentos e a decisão. Assim, a contradição entre factos, a existir, terá de ser resolvida no âmbito da impugnação judicial dos factos ou de forma oficiosa, já não através da nulidade da sentença por contradição entre factos.
Pelo exposto, improcede, nesta parte, a pretensão do recorrente.
Quanto à nulidade por omissão de pronúncia, esta verifica-se quando o tribunal não decide uma questão que lhe tenha sido colocada, salvo se tal questão estiver prejudicada pela solução dada a outras.
Porém, não se deve confundir questões com considerações, argumentos ou razões.
Conforme bem referiu Alberto dos Reis:7
São, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer a questão de que devia conhecer-se e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzido pela parte. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão.
E, a ser assim, a sentença não padece de nulidade quando não aborda todos os fundamentos invocados pela parte para justificar determinada opção jurídica, desde que aprecie a questão jurídica invocada, apresentando a sua própria fundamentação.
Por outro lado, não se pode confundir omissão de pronúncia, que se terá de entender como ausência de apreciação, com deficiente ou obscura fundamentação.
Cita-se a este propósito, o acórdão do STJ, proferido em 22-01-2015:8
(…) a nulidade por omissão de pronúncia apenas se verifica quando o tribunal deixa de apreciar questões que tinha de conhecer, mas já não quando, no entender do recorrente, as razões da decisão resultam pouco explicitadas ou não se conhecem de argumentos invocados.
Transcreve-se ainda o que consta da obra O Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, de António Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa:9
4. Acresce ainda uma frequente confusão entre nulidade da decisão e discordância quanto ao resultado, entre a falta de fundamentação e uma fundamentação insuficiente ou divergente da pretendida ou mesmo entre a omissão de pronúncia (relativamente a alguma questão ou pretensão) e a falta de resposta a algum argumento dos muitos que florescem nas alegações de recurso.
Apreciemos.
Entende o recorrente que houve omissão de pronúncia na sentença, uma vez que esta, apesar de ter enunciado no despacho saneador quatro temas da prova ((i) a conduta do Réu para com o Autor a partir de 21 de abril de 2024; (ii) as consequências na saúde do Autor; (iii) a reforma do Autor; e (iv) a conduta do Réu em decorrência da mesma), aquando da prolação da sentença apenas decidiu se o Réu despediu ilicitamente o Autor e se este tem direito às quantias que peticionou, sendo totalmente omissa quanto aos demais temas da prova.
Considera igualmente que a sentença é omissa, uma vez que não se pronunciou sobre as questões que o Autor invocou em sede de alegações finais (a violação do DL n.º 235/92, da Lei Complementar n.º 150/2015, o erro sobre as circunstâncias e o abuso de direito).
Relativamente aos temas da prova indicados no despacho saneador, a sentença pronunciou-se quanto à conduta do Réu para com o Autor a partir de 21 de abril de 2024 (factos provados 9 a 12); à reforma do Autor (facto provado 5) e à conduta do Réu na decorrência dessa reforma (factos provados 5 a 12), sendo que, ao ter considerado que o Autor não provou os factos atinentes ao invocado despedimento verbal, todas as demais questões, resultantes desta, ficaram prejudicadas, designadamente, as consequências na saúde do Autor pelo alegado despedimento verbal.
Improcede, assim, nesta parte, a invocada nulidade por omissão de pronúncia.
Quanto às questões que o Autor invocou, em sede de alegações finais, importa referir que, nos termos do art. 604.º, n.º 1, al. e), do Código de Processo Civil, as alegações orais, efetuadas no final do julgamento, destinam-se a apreciar as questões, de facto e de direito, que já são objeto do processo, pelo que não é esse o lugar para a invocação de novos vícios, por tal implicar uma alteração da causa de pedir. As alterações ao princípio da estabilidade da instância mostram-se previstas nos arts. 265.º e 588.º do Código de Processo Civil, não tendo o recorrente se socorrido de tais mecanismos. Isto aplica-se igualmente para as questões que são de conhecimento oficioso, como é o caso do abuso de direito, previsto no art. 334.º do Código Civil,10 uma vez que uma coisa é o conhecimento a que o tribunal se encontra oficiosamente obrigado a conhecer e outra é a sua invocação pelas partes.
No caso em apreço, a invocação efetuada pelo Autor relativamente à violação do DL n.º 235/92, da Lei Complementar n.º 150/2015, ao erro sobre as circunstâncias e ao abuso de direito, por se reportarem a uma alteração da causa de pedir, sem respeitar os requisitos legalmente impostos, não impunha ao tribunal a quo a sua apreciação em sede de sentença. Acresce que, por o tribunal a quo ter entendido, e bem, que não existiam factos que indicassem um comportamento abusivo por parte do Réu, também não se encontrava obrigado a pronunciar-se sobre tal abuso.
Pelo exposto, não procede também a invocada nulidade por omissão de pronúncia.
2 – Impugnação da matéria de facto
Considera o recorrente que os factos não provados 1 a 8 deveriam ter sido dados como provados, em face das declarações de parte do Autor e do depoimento da testemunha CC.
Considera também que os factos provados 9 e 10 estão em manifesta contradição com os factos não provados 4, 5 e 6, visto que se o Autor desde 21-04-2024 não mais trabalhou é porque foi despedido.
Tendo sido dado cumprimento aos requisitos previstos no art. 640.º, nºs. 1 e 2, do Código de Processo Civil, apreciemos as questões enunciadas.
a) Contradição entre os factos provados 9 e 10 e os factos não provados 4, 5 e 6
Consta dos factos provados 9 e 10 que
9. No dia 21 de abril de 2024 o R. disse ao A. que a partir daquele dia entraria de férias até ao final do contrato pelo que não deveria apresentar-se mais ao trabalho.
10. Desde aí o A. não mais trabalhou.
Consta dos factos não provados 4, 5 e 6 que:
4. O R. tenha dito ao A. “Estás despedido. Não te quero mais aqui. Pode ir embora. Tens mesmo de ir. Aqui quem manda sou eu. Não te quero ver à frente dos olhos.”
5. Na sequência de tais declarações o R. tenha impedido o A. de usar os utensílios agrícolas.
6. E tenha impedido a presença do A. na propriedade.
Apreciemos.
Atente-se que, para além do que consta dos factos provados 9 e 10, consta igualmente provado que, em 11-01-2024, o Autor recebeu um escrito do Réu, no qual este comunicava àquele a denúncia do contrato de trabalho vigente com efeitos a partir do dia 10-06-2024 (facto provado 8).
Assim, a circunstância de o Autor, após o gozo de férias, não mais ter voltado a trabalhar para o Réu, não significa, como o Autor pretende, que houve um despedimento verbal, sendo essa a intenção do Réu, mas sim que houve uma denúncia do contrato de trabalho vigente.
Não existe, assim, qualquer contradição entre os referidos factos provados e não provados, improcedendo a invocada contradição.
b) Factos não provados 1 a 8
Consta destes factos que:
1. Desde 1986 o A. trate de animais domésticos e outros existentes na propriedade.
2. Desde 1986 o A. guarde o monte.
3. O A. tenha passado à situação de reforma em 11 de junho de 2022.
4. O R. tenha dito ao A. “Estás despedido. Não te quero mais aqui. Pode ir embora. Tens mesmo de ir. Aqui quem manda sou eu. Não te quero ver à frente dos olhos.”
5. Na sequência de tais declarações o R. tenha impedido o A. de usar os utensílios agrícolas.
6. E tenha impedido a presença do A. na propriedade.
7. O R. tenha dito ao A. que lhe cortava a água e a eletricidade da casa onde vive.
8. Tal comportamento cause tristeza e ansiedade ao A. passando dias sem dormir.
Entende o recorrente que estes factos devem ser dados como provados, em face das declarações do Autor e do depoimento da testemunha CC, mulher do Autor.
Relativamente aos factos não provados 1 e 6, nem o Autor, nem a sua esposa, a testemunha CC, falaram sobre os mesmos.
Quanto ao facto não provado 3, o Autor apenas conseguiu precisar que se reformara em 2022 e a testemunha CC nada conseguiu precisar sobre esta matéria.
Relativamente ao facto não provado 2, foi dito pela testemunha CC que o marido guardava o monte, porém, não foi apurado se tal circunstância resultava de conhecimento direto da testemunha ou de ouvir o marido falar. Assim, não se valora tal depoimento nesta matéria.
Relativamente aos factos não provados 4 e 5, apenas o Autor os confirma, não sendo de valorar o depoimento da testemunha CC nesta matéria, visto apenas resultar daquilo que o marido lhe disse. O próprio Autor confirmou que, na troca de palavras havidas entre si e o Réu, em data que não conseguiu precisar, designadamente se antes ou depois de 10-06-2024, apenas estavam os dois.
Ora, o facto de o Autor não ter conseguido precisar a data em que as alegadas expressões foram proferidas pelo Réu, mesmo a provarem-se, não permitiria que se considerasse ter havido um despedimento verbal. Na verdade, bastava que tais expressões tivessem sido proferidas após 10-06-2024 para que já não pudesse haver um despedimento, visto o contrato de trabalho, nessa altura, já ter terminado.
No entanto, a prova efetuada, quanto ao facto não provado 4, é, de qualquer modo, insuficiente.
Relativamente ao facto não provado 7, apenas a testemunha CC o refere, por o Autor lhe ter dito. Assim, não pode o mesmo ser valorado.
Por fim, quanto ao facto não provado 8, em face das declarações do Autor (que referiu ter ficado nervoso) e do depoimento da testemunha CC (que referiu que o Autor teve noites sem dormir), provou-se que a situação vivida entre o Autor e o Réu, causou àquele ansiedade, levando-o a ter insónias.
Assim, acrescenta-se ao elenco dos factos provados, o facto 13, com a seguinte redação:
13. A situação vivida entre o Autor e o Réu, causou àquele ansiedade, levando-o a ter insónias.
Por sua vez, o facto não provado 8, passa a ter a seguinte redação:
8. Tal comportamento cause tristeza ao A..
Em conclusão, a impugnação fáctica do Autor procede parcialmente e, em consequência:
a) Acrescenta-se ao elenco da matéria factual o facto provado 13 com a seguinte redação:
13. A situação vivida entre o Autor e o Réu, causou àquele ansiedade, levando-o a ter insónias.
b) O facto não provado 8 passa a ter a seguinte redação:
8. Tal comportamento cause tristeza ao A..
3 – Despedimento verbal e suas consequências
Entende o recorrente que em 21-04-2024, o Autor não entrou no gozo de férias, tendo, pelo contrário, sido verbalmente despedido, pois foi impedido de trabalhar pelo Réu.
Acontece, porém, que resultou provado que, no dia 21-04-2024, o Réu disse ao Autor que, a partir daquele dia entraria de férias até ao final do contrato, pelo que não deveria apresentar-se mais ao trabalho (facto provado 9). Assim, não é possível concluir, como o recorrente pretende, que no dia 21-04-2024 o Autor tenha sido despedido verbalmente pelo Réu, visto que entrar em gozo de férias não é o mesmo que ser despedido. Acresce que o Réu continuou a pagar ao Autor as suas retribuições até 10-06-2024, conforme confirmado por este, e nos termos dos recibos de vencimento juntos com a contestação.
Assim, concluiu-se pela improcedência, nesta parte, da pretensão do recorrente.
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V – Decisão
Pelo exposto, acordam os juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Évora em julgar o recurso improcedente, confirmando-se a sentença recorrida.
Custas pelo recorrente, sem prejuízo do apoio judiciário (art. 527.º, nºs. 1 e 2, do Código de Processo Civil).
Notifique.
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Évora, 25 de junho de 2025
Emília Ramos Costa (relatora)
Filipe Aveiro Marques
Paula do Paço
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1. Relatora: Emília Ramos Costa; 1.º Adjunto: Filipe Aveiro Marques; 2.ª Adjunta: Paula do Paço.↩︎
2. Doravante AA.↩︎
3. Doravante BB.↩︎
4. 3.ª ed., p. 333.↩︎
5. 2.ª ed., pp. 689-690.↩︎
6. No âmbito do processo n.º 660/1999.P1.S1, consultável em www.dgsi.pt.↩︎
7. In Código de Processo Civil Anotado, Vol. V, p. 143.↩︎
8. No âmbito do Proc. 24/09.2TBMDA.C2.S2, consultável em www.dgsi.pt.↩︎
9. Almedina, 2018, p.737.↩︎
10. Veja-se o acórdão do STJ proferido em 20-12-2022 no âmbito do processo n.º 8281/17.4T8LSB.L1.S1, consultável em www.dgsi.pt.↩︎