Sumário elaborado pela relatora (artigo 663.º, n.º 7, do Código de Processo Civil):
I – Para se apurar se os factos constantes do articulado motivador do despedimento apenas se referem a factos constantes da decisão disciplinar que despediu o trabalhador é fundamental que estes factos constem da matéria dada como provada na sentença recorrida.
II – Um facto que beneficie uma das partes não pode ser confessado por essa parte.
III – Os factos constantes do articulado motivador do despedimento que não constem da decisão de despedimento do trabalhador não podem ser atendidos pelo tribunal, nos termos do art. 98.º-J, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho.
IV – A entidade empregadora deve opor-se à reintegração do recorrido no articulado motivador, sob pena de precludir tal direito.
Secção Social do Tribunal da Relação de Évora1
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Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Évora:
I – Relatório
AA2 (Autor) intentou ação especial de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento, manifestando, por via da apresentação do requerimento a que alude o artigo 98.º - C do Código de Processo do Trabalho, a sua oposição ao despedimento promovido por BB (Réu).
…
Em 19-04-2024, foi realizada a audiência de partes, não tendo sido possível resolver o litígio por acordo.
…
O Réu apresentou articulado motivador, juntando ao mesmo o procedimento disciplinar; tendo o Autor respondido, impugnando os factos e reconvindo, peticionando, a final, que seja julgado ilícito o seu despedimento e, em consequência, seja o Réu condenado a reintegrar o Autor, sem prejuízo da sua categoria profissional e antiguidade, sendo ainda condenado a pagar ao Autor as retribuições que deixou de auferir desde 09-02-2024 até ao trânsito em julgado, as quantias em falta referentes a férias não gozadas, horas extraordinárias e créditos de horas de formação, e a quantia de €1.000, 00 a título de indemnização por danos não patrimoniais.
Em resposta, o Réu requereu a improcedência da reconvenção.
…
Convidado o Autor a aperfeiçoar o seu pedido reconvencional, apresentou novo pedido reconvencional reformulado.
…
Admitida a reconvenção, veio a ser dispensada a realização da audiência prévia, proferido despacho saneador, dispensada a enunciação dos temas da prova e apreciados os meios de prova.
…
Realizado o julgamento, foi proferida sentença, em 08-12-2024, com o seguinte teor decisório:
Pelos fundamentos expostos, julgo procedente, por provada, a presente Ação Especial de Impugnação Judicial da Regularidade e Licitude do Despedimento, bem como parcialmente procedente a Reconvenção deduzida pelo Reconvinte/Trabalhador AA e, em consequência:
1. Declaro ilícito, por não existir justa causa para o efeito, o despedimento do Autor/Trabalhador AA efetuado em 5 de março de 2024 pelo Réu/Empregador BB;
2. Condeno o referido Réu/Empregador BB a reintegrar o Autor/Trabalhador AA sem prejuízo da sua categoria professional e antiguidade;
3. Condeno o mesmo Réu/Empregador a pagar ao Autor/Trabalhador a quantia, a liquidar posteriormente, referente a todas retribuições (incluindo referente a férias, subsídio de férias e de Natal), vencidas desde o dia 9 de fevereiro de 2024 (data em que foi suspenso) até ao trânsito em julgado da presente sentença, deduzidas do montante de subsídio de desemprego eventualmente atribuído - devendo neste caso a Entidade Empregadora entregar essa quantia à Segurança Social - e outras importâncias que o trabalhador não teria auferido se não fosse o despedimento;
4. Mais condeno o mesmo Reconvindo/Empregador a pagar ao Reconvinte/Trabalhador as seguintes quantias [devendo ser deduzido o valor já transferido de 1500€], indo no mais absolvido:
a. O montante global de 3.365€ (três mil trezentos e sessenta e cinco euros) a título de subsídio de férias de 2019 a 2023 não pago;
b. O montante global de 1.124,17€ (mil cento e vinte e quatro euros e dezassete cêntimos) a título de retribuição em período de lay-off simplificado não paga;
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Custas pelo Réu.
Valor: 4.489,17€ [cfr. art. 98.º-P n.º 2 do CPT]
Registe e notifique, comunicando também a presente sentença ao serviço competente do ministério responsável pela área da segurança social (Art. 75º, n.º 2 do Código de Processo do Trabalho, na redação atual).
…
Inconformado com tal sentença, o Réu veio interpor recurso, terminando com as seguintes conclusões:
A. O ora Recorrido, apresentou em 3 de abril de 2024, Formulário de Oposição à decisão de despedimento datada de 5 de março de 2024, promovido pelo Recorrente.
B. Foi realizada a audiência de partes a que se refere o artigo 98.º-F do Código de Processo do Trabalho, não tendo sido possível a conciliação.
C. O Recorrido apresentou o articulado de motivação do despedimento, a que alude o artigo 98.º-J do Código de Processo do Trabalho, sustentando os fundamentos que motivaram o despedimento e juntou cópia do Procedimento Disciplinar.
D. Com efeito, o Recorrido indica que foi admitido ao seu serviço como empregado de mesa, no estabelecimento sito na Avenida 1, em Cidade 1, cumprindo um horário de 40 horas semanais, com um vencimento igual ao salário mínimo nacional.
E. Sucede que, devido a vários comportamentos parcamente profissionais por parte do trabalhador, a relação laborar degradou-se e, ao invés de haver lugar a procedimento disciplinar, decidiram em conjunto elaborar um acordo de cessação do contrato de trabalho.
F. O Recorrido, porém, apesar de ir aceitando os valores propostos pelo Recorrente, chegando inclusive a haver transferência de valores, voltava com a palavra atrás, exigindo montantes cada vez maiores, chegando inclusive a exigir a quantia de 10.000,00€, que excedia em muito o montante inicialmente acordado.
G. O comportamento do Recorrido tornou inexigível a manutenção do vínculo laboral.
H. Notificado, o Recorrido contestou, aludindo, em suma, que em novembro de 2023, em consulta médica, foi orientado a conversar com o seu empregador para que lhe fossem atribuídas apenas as funções para as quais tinha sido contratado, uma vez que a sobrecarga de funções estavam a agravar o seu quadro de saúde mental de crises de Transtorno Misto Ansioso e Depressivo.
I. Alegou ainda em sede de contestação que, durante a gravidez da Sra. CC (que identificou sempre como sendo titular do estabelecimento) e, posterior licença de maternidade, fora-lhe atribuída a função de gerente, embora sem remuneração compatível, sendo certo que de junho a agosto de 2023 não gozou o direito ao descanso semanal, trabalhando todos os dias da semana, incluindo sábados, domingos e feriados. E desde 15 de novembro a referida senhora, diariamente, o persuadia a fazer um pedido de rescisão do contrato de trabalho, causando-lhe inúmeros abalos emocionais e constrangimentos.
J. Chegou, inclusive, a reportar a sua situação à ACT, até que, em 30 de novembro de 2023, após negociação com o Recorrente, acordaram verbalmente a cessação do contrato de trabalho, mediante a compensação de 7.000,00 € e com possibilidade de recebimento posterior do subsídio de desemprego.
K. Porém, o valor em causa, não foi transferido na totalidade, mas antes a quantia de 1.500,00 € correspondente à primeira parcela do acordo.
L. A 4 de dezembro de 2023 remeteu uma carta com o assunto “falta de pagamento de créditos laborais” e no dia seguinte foi impedido de iniciar a atividade laboral e, posteriormente, o Recorrente ordenou-lhe que entregasse a chave do alojamento em que se encontrava.
M. Após esse facto ficou de baixa médica, que se prolongou até 14 de janeiro.
N. Nesse período, foi tentado um acordo amigável com a intervenção do advogado do Recorrente e solicitou informação à ACT.
O. Após negociações entre advogados chegou-se a uma proposta de acordo de 6.000,00 €, o que recusou, por ter a intenção de continuar a trabalhar.
P. Após a alta médica regressou ao trabalho, mas foi impedido de assumir funções.
Q. Com a existência de novas negociações foi proposto o valor de 7.000,00 € a título de compensação, que o Recorrido recusou, manifestando o desejo de continuar a trabalhar.
R. Porém, o Recorrente informou que já não existiam condições para manter uma relação laboral, considerando todas as queixas e acusações que tinham sido feitas junto da ACT.
S. Assim, o Recorrido propôs um acordo no valor total de 10.000,00€, mas foi recusado pelo Recorrente.
T. Em 9 de fevereiro apresentou-se no local de trabalho, mas foi impedido de trabalhar, tendo sido informado que lhe fora movido um processo disciplinar, contudo concluiu o Recorrido pela não verificação dos requisitos do despedimento com justa causa, e pugnou pela declaração de ilicitude do mesmo, sendo o Recorrente condenado a reintegrá-lo, sem prejuízo da sua categoria profissional e antiguidade, e a pagar as retribuições que deixou de auferir desde 9 de fevereiro de 2024 até ao trânsito em julgado da sentença.
U. O Recorrido ainda deduziu Reconvenção, pugnando pela condenação do Recorrente no pagamento das quantias em falta, de férias não gozadas, horas extraordinárias e créditos de horas de formação, que computou nas quantias de 2.229,33 € e 900,00 €, respetivamente, assim como o pagamento da quantia de 1.000,00 € a título de indemnização por danos não patrimoniais.
V. Notificado o Recorrente apresentou articulado de resposta, pugnando pela improcedência da reconvenção apresentada.
W. Tendo sido proferida douta Sentença em 08/12/2024, na qual o Meritíssimo Juiz a quo julgou a ação procedente, bem como parcialmente procedente a Reconvenção deduzida pelo Autor, aqui Recorrido, considerando o despedimento ilícito por inexistência de justa causa, condenando o Réu, aqui Recorrente na reintegração do mesmo, devendo liquidar os montantes a título de subsídios de férias e de Natal, e, ainda, do período de lay-off simplificado.
X. Ora,
E como já explanado, em 07 de fevereiro de 2024 foi instaurado um processo disciplinar ao Recorrido, dado os comportamentos do mesmo, e decidiram ambos que a relação laboral se degradou.
Y. Também como já referido, as partes, ao invés de prosseguir com o procedimento de despedimento, decidiram em conjunto elaborar um acordo de cessação do contrato de trabalho.
Z. Tendo, inclusive, decidido as cláusulas e montante global de compensação por créditos devidos, mormente, o pagamento do montante de 3.000,00 €.
AA. Assim, a entidade patronal transferiu metade do montante antes da redução do Acordo a Escrito, ficando a segunda metade do pagamento por pagar, uma vez que apenas iria ser paga após a assinatura do Acordo.
BB. O acordo de cessação do contrato de trabalho não foi assinado por ambos, uma vez que iria ser assinado após o empregador confirmar quais os procedimentos a seguir, contudo no processamento de salários de novembro já ficou estipulado que o trabalhador receberia o montante da compensação acordada, sempre com a garantia de que o acordo era assinado.
CC. Veja-se que o Recorrente liquidou o montante de € 1.500,00 como forma de assegurar o cumprimento do acordo!
DD. Ainda assim, o Recorrido recusou-se a assinar o acordo de cessação do contrato de trabalho, tendo solicitado um montante superior ao acordado! Mostrando má-fé da sua parte.
EE. Com efeito, e aclarando, mesmo após ter recebido 1.500,00 € no dia 1 de dezembro de 2023, que correspondia a metade do montante acordado, o Recorrido negou outorgar o acordo, pois solicitava montantes cada vez mais altos, o que era impensável dado o historial do Recorrido, bem como de acordo com o que o Recorrido teria direito a receber pela cessação do vínculo laboral,
FF. Para melhor entendimento, o Acordo para Cessação do Contrato de Trabalho iniciou-se no pagamento dos 3.000,00 € a título de compensação.
GG. Todavia, e dada a falta de outorga daquele acordo, em data não concretamente apurada, mas já após o dia 4 de dezembro de 2023, o Recorrido informou via telefónica que não aceitaria um acordo em valor inferior a 7.000,00 €.
HH. Acordo esse que foi rejeitado pelo Recorrente, uma vez que o valor era excessivo, desajustado e desproporcional.
II. Após a rejeição do pagamento do valor de 7.000,00 € o Recorrido constituiu Mandatária, a qual informa, após ter contactado o Recorrido, que este não aceitará qualquer acordo abaixo dos 4.500,00 € (6.000,00€ - 1.500,00€ já pagos).
JJ. O Recorrente, após as múltiplas visitas por parte da Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT) e GNR – tendo em todas essas visitas demonstrado amplamente de que tudo se encontrava em conformidade – aceitou pagar os 6.000,00 €, descontando os 1.500,00 € já pagos.
KK. O Recorrido junta prova documental que confirma toda a factualidade descrita pela Recorrente, ou seja, a Recorrente aceitou um Acordo no valor de 6.000,00 €, prova esta completamente desconsiderada pelo Tribunal a quo.
LL. Ainda assim, e querendo terminar a questão sub judice, o Recorrente aceitou o acordo por novo valor.
MM. Acontece que, depois da aceitação do pagamento do montante de 6.000,00 €, e tendo já os Mandatários acordado reduzir a escrito o acordo, o Recorrido, mais uma vez, aumenta de novo o valor exigido.
NN. Com efeito, após o dia 11 de dezembro de 2023, o Recorrido dá indicação à sua Ilustre Mandatária de que não aceitará um valor inferior a 7.000,00 €, o qual não foi aceite de imediato.
OO. No entretanto, é nomeada nova Ilustre Mandatária, com a qual foram encetadas conversações para a cessação do contrato e o Recorrido exige um valor de 7.000,00 € para firmar o referido acordo – veja-se, valor que excede em muito o inicialmente acordado e transferido para a conta do Recorrido, e veja-se, ainda assim os novos Mandatários chegam a Acordo pelo valor de 7.000,00€ conforme confirmado em Audiência para Tentativa de Conciliação.
PP. Tendo sido a primeira vez que se alcançou um Acordo na ordem dos 7.000,00 €, descontando-se os € 1.500,00 já pagos.
QQ. Não sendo ainda tal montante suficiente para o Recorrido, no dia 1 de fevereiro de 2024 o mesmo, numa clara situação de ameaça, coação e burla, entra em contacto com o Recorrente e exige o pagamento de 10.000,00 € para “acabar com o assunto”.
RR. O Recorrido tudo fez para alcançar um Acordo, contudo, não podia ir além dos seus limites.
SS. Ainda que o Tribunal a quo entenda que 10.000,00 € não parece excessivo, uma vez que o Recorrido elabora um Pedido Reconvencional num valor superior a 23.000,00€ com base em factos que o próprio Tribunal considerou não provados, assim se observa a perversidade com que o Recorrido atuou ao longo do processo.
TT. Ora, como explanado nas presentes Alegações, bem como na Sentença do douto Tribunal a quo, foram dados como não provados os seguintes factos – para o que aqui releva,
“(...)
2. Que, no acordo inicial para cessação do contrato de trabalho, tenha sido acordado o montante de 1.500€ a título de compensação;
3. Que o Autor se tenha recusado a assinar o acordo de cessação do contrato de trabalho, por solicitar um montante superior ao acordado;
(...)
5. Que, posteriormente, em data não apurada posterior a 4 de dezembro de 2023, o Autor tenha informado via telefone que não aceitaria um acordo de valor inferior a 3000€, o que foi aceite pelo Réu para evitar mais delongas na resolução da situação;
6. Que, através de advogada constituída, o Autor tenha informado que não aceitaria qualquer acordo abaixo dos 4.500€;
(...)
14. Que logo em 30 de novembro de 2023 Autor e Réu tenham acordado verbalmente um “Acordo de Cessação do Contrato de Trabalho” no montante de 7.000€ (sete mil euros), como compensação satisfatória para ambas as partes e com possibilidade de recebimento posterior de subsídio de desemprego;
(...)”
UU. Contudo, após o Réu alegar tal acontecimento em Requerimento com referência Citius n.º 10633957, também o Autor o confessa em Contestação, conforme artigo 17, o qual se transcreve,
“No dia 30 de Novembro de 2023, no turno da manhã, após algumas negociações o com Senhor BB (BB), acordaram verbalmente um Acordo de Cessação do Contrato de Trabalho no montante de 7.000,00€ (sete mil euros), como compensação satisfatória para ambas as partes. e com a possibilidade de recebimento posterior do “Subsídio de Desemprego”.”
VV. Ainda, O douto Tribunal a quo dá como provados os seguintes factos,
“(...)
6. Tendo Autor e Réu conseguido um entendimento com vista à cessação do contrato de trabalho mediante uma compensação a pagar ao Autor de valor não concretamente apurado, o acordo não foi logo reduzido a escrito;
7. Não obstante o referido em 6, em 1 de dezemnro de 2023, o Réu transferiu para o Autor, via MBway, a quantia de 1.500€ (duas tranches de 750€) por conta da compensação acordada, além da quantia de 760€ por conta da retribuição do mês de novembro;
(...)
15. Posteriormente, foram encetadas negociações entre uma advogada constituída pelo Autor e o advogado do Réu, nas quais foram indicados valores de compensação que acabaram por não ser aceites por ambas as partes, a saber:
⎯ A quantia de 4.500€, [3.000€ acrescido do montante de 1500€ já transferido (ponto 6)] aceite pelo Réu, mas recusada pelo Autor;
⎯ A quantia de 6.000€ [4500€ acrescido do montante de 1500€ já transferido (ponto 6)] proposta pelo Autor e que e o Réu veio a recusar;
16. Em 29 de janeiro de 2024, tendo intervido nas negociações a advogada nomeada ao Autor este propôs o valor de 7.000€ a título de compensação, que o Réu recusou;”
WW. Ora, para além do Recorrente ter aceitado a proposta dos 7.000,00 € - o que não se coaduna com o alegado na referida Sentença – a Sentença do douto Tribunal a quo enferma de nulidade, constante no artigo 615.º, n.º 1, al. c).
XX. Dando ainda como provados factos que depois dá como não provados, havendo, para além do mais, confissão do Recorrido.
YY. Para além da referida nulidade, não se conforma o aqui Recorrente com a condenação na reintegração do Recorrido.
ZZ. Porquanto, não obstante toda a má-fé do Recorrido nas negociações relativas ao acordo para a cessação do contrato de trabalho, o comportamento do mesmo não se enquadram no trabalho em apresso nem em qualquer outro!
AAA. Veja-se que de acordo com a prova produzida, e em súmula, referiu a testemunha DD (ex colega do Autor e ex funcionária do Empregador), testemunho aos minutos 15:59h - 16:03h, que o Recorrido era seletivo com os clientes, atendendo somente quem lhe interessava e que presenciou uma discussão entre o Recorrido e o Sr. BB – Entidade Patronal – tendo sido necessário pedir desculpa aos clientes pois o Recorrido gritou com aquela.
BBB. Quanto à testemunha EE, cliente do restaurante do Recorrido, testemunho aos minutos 15:44h - 15:52h, aludiu ao facto de ter sido mal atendido pelo Recorrido, tendo solicitado o Livro de Reclamações e que o mesmo rejeitou, tendo, inclusive, feito queixa na G.N.R.
CCC. Já o testemunho da Sra. FF, (ex-colega do Autor e funcionária do Empregador), testemunho aos minutos 15:52h - 15:59h, referiu por seu turno, que trabalhou com o Recorrido durante cerca de 3 ou 4 meses, relatando que o mesmo se recusava a atender clientes, costumava chegar atrasado, fazia listagens das tarefas desempenhadas, tendo chegado a assistir a discussões entre Recorrido e Recorrente.
DDD. GG, irmã da Recorrente, relatou que começaram a ter problemas com o Autor no trabalho, quando o mesmo começou a chegar regularmente atrasado, fazia o que lhe apetecia, sem “querer saber”, não ouvia o patrão, passava muito tempo na casa de banho, etc. instada, referiu que o Autor ia todos os anos de férias para o Brasil, nunca tendo deixado de tirar férias, portanto, e habitava no alojamento do depoente, não pagando nada por isso. Negou que ele fizesse horas extra ou que tenha desempenhado funções de gerente. Informou ainda o douto Tribunal a quo que o ora Recorrido fazia as suas refeições no local de trabalho, considerando essas como horas extra.
EEE. Tais testemunhos demonstram que a relação existente entre Recorrente e Recorrido não se coadunam com a reintegração do Recorrido, preferindo, aliás, o Recorrente, pagar a compensação devida para que o mesmo não seja reintegrado.
FFF. Aliás, nos termos do artº 351º, nº 1 do Código do Trabalho, constitui justa causa de despedimento o comportamento culposo do trabalhador que, pela sua gravidade e consequências, torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho.
GGG. Havendo fundamentos vários para tal despedimento e não a reintegração!
HHH. Assim, não é admissível que o comportamento do Recorrido se mantenha, com um claro comportamento de provocação e chantagem promovidos de forma constante, quanto aos clientes e ao Recorrido.
III. Por fim, mas não menos importante, nos termos do art. 351.º do Código do Trabalho, constitui justa causa de despedimento o comportamento culposo do trabalhador que, pela sua gravidade e consequências, torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho [n.º 1]. Acrescentando-se, ainda, que na apreciação da justa causa, deve atender-se ao quadro de gestão da empresa, ao grau de lesão dos interesses do empregador, ao carácter das relações entre as partes ou entre o trabalhador e os seus companheiros e às demais circunstâncias que no caso sejam, relevantes [n.º 3].
JJJ. Na apreciação da gravidade de culpa e dos seus efeitos, recorrer-se-á ao entendimento de um bonus pater familiae, de um “empregador razoável”, em face das circunstâncias de cada caso concreto, acolhendo-se parâmetros e referências de objetividade e razoabilidade.
KKK. Tem sido esta a conceção largamente defendida na Jurisprudência e Doutrina.
LLL. A impossibilidade prática e imediata de subsistência da relação laboral acaba por ser o critério básico da “justa causa”, sendo necessário um juízo de probabilidade de prognose, sobre a viabilidade da relação de trabalho, para se concluir pela idoneidade ou inidoneidade desta, para prosseguir a sua função típica [neste sentido Bernardo Lobo Xavier in “Curso de Direito do Trabalho” pág. 490 e ss.].
MMM. Tal impossibilidade prática (ou inexigibilidade) significa necessariamente que a continuidade da vinculação representaria (objetivamente) uma insuportável e injusta imposição ao empregador.
NNN. Nas circunstâncias concretas, a permanência do contrato e das relações (pessoais e patrimoniais) que ele supõe seria de molde a ferir de modo desmesurado e violento a sensibilidade e a liberdade psicológica de uma pessoa normal colocada na posição do empregador [neste sentido, Monteiro Fernandes, Obra citada, pág. 561].
OOO. Neste concreto em que deixa de existir o suporte psicológico mínimo para que uma relação de trabalho se desenvolva, assim, a Jurisprudência tem enfatizado o papel da confiança nas relações de trabalho, tendendo para a afirmação de uma forte componente fiduciária na configuração dessas relações.
PPP. Entendendo-se que existe fundamento para o despedimento do Recorrido.
Nestes termos e nos melhores de Direito que V. Exas. doutamente suprirão, deve o Recurso apresentado pelo Recorrente ser julgado totalmente procedente e em consequência revogada a decisão proferida pelo Tribunal Judicial da Comarca de Santarém, Juízo do Trabalho de Tomar – Juiz 1 e a sua substituição por outra que declare,
a) O despedimento lícito por fundamentado e, consequentemente, não se considere a reintegração do trabalhador dada a licitude do despedimento;
Caso V. Exas. assim não o entendam, e confirmem a Sentença do douto Tribunal a quo, na ilicitude do despedimento,
a) Requer-se a V. Exas, Venerandos Juízes Desembargadores do Venerando Tribunal da Relação de Évora, que seja revogada a douta Sentença na parte que condena o Recorrente na integração do Recorrido, substituindo a mesma pelo pagamento de uma compensação ao invés da reintegração.
Assim se fazendo a costumada JUSTIÇA!
…
O Autor não apresentou contra-alegações.
…
O recurso foi admitido como sendo de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo, tendo subido os presentes autos a este tribunal, onde foi dado cumprimento ao preceituado no n.º 3 do art. 87.º do Código de Processo do Trabalho, pugnando a Exma. Sra. Procuradora-Geral Adjunta no seu parecer pela improcedência do recurso.
O Réu, em resposta, reiterou o pedido de procedência do recurso.
Tendo sido mantido o recurso nos seus precisos termos e dispensados os vistos por acordo, cumpre agora apreciar e decidir.
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II – Objeto do Recurso
Nos termos dos arts. 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, aplicáveis por remissão do artigo 87.º, n.º 1, do Código de Processo de Trabalho, o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões do recorrente, ressalvada a matéria de conhecimento oficioso (art. 662.º, n.º 2, do Código de Processo Civil).
No caso em apreço, as questões que importa decidir são:
1) Nulidade da sentença;
2) Impugnação fáctica;
3) Licitude do despedimento; e
4) Substituição da reintegração do Autor pelo pagamento de uma compensação.
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III – Matéria de Facto
O tribunal da 1.ª instância deu como provados os seguintes factos:
1. O Réu BB dedica-se à restauração, sendo gerente de um estabelecimento/restaurante que gira sob o nome M - Comida Japonesa e Chinesa, sito na Avenida 1, em Cidade 1;
2. O Autor AA foi admitido ao serviço do Réu em 1 de setembro de 2018, mediante escrito particular intitulado “Contrato de trabalho sem termo”, constante de fls. 22 e seg, com o seguinte teor, além do mais que aqui se dá por reproduzido:
(…)
PRIMEIRA
O primeiro contraente admite ao seu serviço, por sua conta e sob as suas ordens e direcção, o segundo contraente para exercer as funções de Empregado de Mesa.
SEGUNDA
O presente contrato de trabalho é celebrado sem termo, com início a 1 de Setembro de 2018.
TERÇA
1. Como contrapartida do trabalho prestado, será paga ao segundo contraente a retribuição mensal ilíquida de € 580,00 (quinhentos e oitenta euros), passível de descontos legais.
2. A retribuição será paga por meio de numerário, até ao último dia de cada mês.
QUARTA
O segundo contraente prestará um horário de trabalho de 40 (quarenta) horas semanais.
QUINTA
O local da prestação de trabalho da segunda contraente é na Avenida 1, ... Cidade 1.
SEXTA
O segundo contraente terá direito a um período anual de férias retribuídas de 22 dias úteis em cada ano civil, que se vence em 1 de Janeiro, e se reporta ao trabalho prestado no ano civil anterior.
SÉTIMA
Os contraentes acordam na fixação de um período experimental de 90 dias, atendendo à alínea a), do n 9 1 do art. 9 112 9 do Código do Trabalho.0
OITAVA
O trabalhador pode avançar para a rescisão de contrato, com ou sem justa causa, mediante comunicação escrita à entidade patronal com antecedência mínima de 30 ou 60 dias, conforme tenha, respetivamente, até 2 anos ou mais de 2 anos de antiguidade na empresa.
NONA
O segundo contraente está abrangido por um seguro de acidentes de trabalho.
O presente contrato é feito em triplicado e composto por duas páginas, que vão ser assinadas por ambos os contraentes.
Cidade 1, 28 de Agosto de 2018
Primeiro Contraente
Segundo Contraente
(…)
3. O Autor exerceu as funções de empregado de mesa no estabelecimento referido em 1;
4. Auferindo uma retribuição mensal igual ao salário mínimo nacional;
5. Por razões não concretamente apuradas e concretizadas, relacionadas com o comportamento do Autor no local de trabalho desaprovado pelo Réu, este entendeu que a relação laboral não podia subsistir, pelo que antes de 29 de novembro de 2023 tentou obter com aquele um acordo para cessação do contrato de trabalho;
6. Tendo Autor e Réu conseguido um entendimento com vista à cessação do contrato de trabalho mediante uma compensação a pagar ao Autor de valor não concretamente apurado, o acordo não foi logo reduzido a escrito;
7. Não obstante o referido em 6, em 1 de dezemnro de 2023, o Réu transferiu para o Autor, via MBway, a quantia de 1.500€ (duas tranches de 750€) por conta da compensação acordada, além da quantia de 760€ por conta da retribuição do mês de novembro;
8. Com data de 29 de novembro de 2023, o Réu apresentou ao Autor a minuta de um documento intitulado “Acordo de cessação do contrato de trabalho” constante de fls. 79 a 80, que o mesmo recusou a assinar, alegando que o valor nele previsto - a quantia de 1.755,38€, a título de compensação pecuniária de natureza global, pela cessação do contrato de trabalho – não correspondia ao acordado;
9. Com data de 4 de dezembro de 2023, o Autor remeteu ao Réu a carta constante de fls. 37v e 38, com o seguinte teor, além do mais que aqui se dá por reproduzida:
(…)
Assunto: Falta de pagamento de créditos laborais.
Exmo. Senhor,
Eu, AA, maior, (…) venho, pela presente, na qualidade de trabalhador com a categoria profissional de Empregado de Mesa, que mantenho vínculo contratual de trabalho desde o dia 28/08/2018 auferindo, presentemente, uma remuneração mensal ilíquida de € 760.00 (setecentos e sessenta euros) do denominado Restaurante M que está em nome de BB, com número de identificação fiscal ... e com número de identificação da segurança social ..., com estabelecimento comercial situado na Avenida 1 na freguesia de Cidade 1, concelho de Cidade 2 e distrito de Santarém, como é de vosso conhecimento, até a presente data, V. Ex.a. não se dignou a proceder ao pagamento das seguintes importâncias:
• remuneração do direito às férias não gozadas relativos aos anos de 2019, 2020, 2021, 2022 e 2023;
• pagamento das 1.440 horas extras feitas entre o dia 28/08/2018 e 01/03/2020
• Pagamento das 704 horas extras feitas nos 22 meses entre o ano de 2022 e 2023.
• Pagamento das retribuições dos dias de feriados trabalhados entre o dia 28/08/2018 até a presente data.
• • pagamento dos 30% restantes de todas as retribuições do lay-off que ficaram a cargo da entidade empregadora, que não recebi até o presente momento.
• 40 horas de formação por ano trabalhado. até a presente data não obtive nenhuma hora de formação.
• a compensação ou regularização à Segurança Social, pois a entidade empregadora pagou no período entre junho de 2021 a julho de 2022 como se eu estivesse a trabalhar a meio período. porém até a presente data sempre trabalhei o período inteiro.
Assim sendo, vejo-me na contingência de solicitar. a V. Ex.a a regularização imediata desta situação, no sentido de me serem pagos os créditos laborais a que tenho direito.
Com os melhores cumprimentos,
(…)
10. Em 5 de dezembro de 2023 o Réu impediu o Autor de iniciar a atividade laboral tendo-lhe remetido, via WhatsApp, uma mensagem com o teor seguinte:
(…)
Exmo Sr. AA, informamos que deverá gozar férias que tem direito, no caso 22 dias a partir da presente data. Nos próximos dias entraremos emn contacto consigo para formalizar o axcordo de revogação do contrato de trabalho por mútuo acordo.
(…)
11. Posteriormente, na sequência de resposta do Autor de que não havia acordo mútuo e perguntando por documento oficial a dizer as datas de início e término do meu direito a férias, o Réu respondeu:
(…)
Ex.mo Sr. AA, pretendendo alcançar a solução que melhor possa compatibilizer os interesses de ambas as partes. Para tal, solicitamos novamente que nos indique o nome e contacto do Vosso Advogado para que o nosso o possa contactar sobre este assunto. O Vosso período de férias decorrerá entre 6/12/2023 e 30/12/2023.
(…)
12. Na mesma altura, o Réu pediu ao Autor que lhe entregasse as chaves do quarto que o mesmo habitava, em casa daquele, ficando assim sem alojamento;
13. Tendo o Autor entrado de baixa médica, que se prolongou até 14 de janeiro de 2024, o Réu remeteu-lhe uma mensagem por WhatsApp, com o seguinte teor:
(…)
Ex.mo Sr. AA,
Venho pelo presente comunicar-lhe que, tendo estado de baixa médica entre os dias 4/12/2023 e 14/01/2024, deverá iniciar o gozo de férias referents ao ano de 2023 entre os dias 05/12/2023 e 08/02/2024.
(…)
14. Em 7 de dezembro de 2023, o ilustre mandatário do Réu remeteu ao Autor o e-mail de fls. 115, com o seguinte teor, além do mais que aqui se dá por reproduzido:
(…)
Exmo. Sr. AA,
Em resposta à vossa carta datada de 04/12/2023 venho, na qulidade de Mandatário do Sr. BB, informá-lo que, como é do seu conhecimento, é vintade das partes revogar o contratop de trabalho que os une, uma vez que fruto de diversas sitações ocorridas tornou-se inviável a manutenção do mesmo, entende o n/ constituinte que, apesar da vasta quantidade de factos suscetíveis de processo disciplinar, não pretende este avançar com o mesmo, uma vez que não beneficie nenhuma das partes, assim sendo, soliocita a n/ constituinte que o Sr. AA apresente a sua proposta de compensação pecuniária global pena cessação do contrato de trabalho que o une à entidade patronal que representamos.
(…)
15. Posteriormente, foram encetadas negociações entre uma advogada constituída pelo Autor e o advogado do Réu, nas quais foram indicados valores de compensação que acabaram por não ser aceites por ambas as partes, a saber:
• A quantia de 4.500€, [3.000€ acrescido do montante de 1500€ já transferido (ponto 6)] aceite pelo Réu, mas recusada pelo Autor;
• A quantia de 6.000€ [4500€ acrescido do montante de 1500€ já transferido (ponto 6)] proposta pelo Autor e que e o Réu veio a recusar;
16. Em 29 de janeiro de 2024, tendo intervindo nas negociações a advogada nomeada ao Autor este propôs o valor de 7.000€ a título de compensação, que o Réu recusou;
17. Após, tendo o Autor manifestado ao Réu o desejo de continuar a trabalhar, este informou que já não existiam condições para manter uma relação laboral, considerando as comunicações efetuadas por aquele à ACT;
18. Posteriormente, já em fevereiro de 2024, o Autor propôs que lhe fosse paga a quantia de 10.000€ a título de compensação pela cessação do contrato de trabalho, o que foi recusado pelo Réu.
19. Em 7 de Fevereiro de 2024, o Réu decidiu instaurar um processo disciplinar ao Autor;
20. No dia 9 de fevereiro o Autor apresentou-se no local de trabalho, mas foi impedido de trabalhar e informado que tinbha sido instaurado um processo disciplinar;
Mais se apurou que:
21. Durante a vigência do contrato, o Autor nunca recebeu formação;
22. O Réu não pagou ao Autor o valor correspondente a 30% das retribuições durante o lay-off no período da pandemia SARS COV 2, a cargo da entidade patronal, a saber:
1º período de pandemia: 13/03/2020 a 17/05/2020 (66 dias)
2º período pandemia: 15/01/2021 a 30/04/2021 (106 dias)
23. Entre 2019 e 2023, embora tenha gozado férias, o Autor não recebeu o respetivo subsídio;
24. Com a instauração do processo disciplinar e despedimento o Autor sentiu-se angustiado e vexado perante outos trabalhadores e demais pessoas com quem se relacionava diariamente, sentindo-se lesado na sua dignidade e reputação;
…
E deu como não provados os seguintes factos:
1. Que o Autor tenha entregue montantes indevidos e maltratado clientes;
2. Que, no acordo inicial para cessação do contrato de trabalho, tenha sido acordado o montante de 1.500€ a título de compensação;
3. Que o Autor se tenha recusado a assinar o acordo de cessação do contrato de trabalho, por solicitar um montante superior ao acordado;
4. Que em 4 de dezembro de 2023 o Autor tenha informado que não devolveria o montante que lhe fora pago;
5. Que, posteriormente, em data não apurada posterior a 4 de dezembro de 2023, o Autor tenha informado via telefone que não aceitaria um acordo de valor inferior a 3000€, o que foi aceite pelo Réu para evitar mais delongas na resolução da situação;
6. Que, através de advogada constituída, o Autor tenha informado que não aceitaria qualquer acordo abaixo dos 4.500€;
7. Que, em consulta médica do dia 14 de novembro de 2023, o Autor tenha sido orientado a conversar com o Réu, para que lhe fossem atribuídas apenas e tão somente as funções para as quais tinha sido contratado - empregado de mesa - por estar a ser alvo de sobrecarga de funções que estavam a agravar o seu quadro de saúde mental e crises de transtorno ansioso e depressivo;
8. Que, em 15 de novembro de 2023, no turno da noite, o Autor tenha comunicado verbalmente à Sra. CC, conhecida como HH(que sempre se intitulou como titular do estabelecimento), que pretendia exercer somente as funções para as quais tinha sido contratado;
9. Que durante a gravidez e posterior período de licença de maternidade da Sra. HH a mesma tenha atribuído ao Autor as funções de gerente do estabelecimento;
10. Que, durante os meses de junho a agosto de 2023, o Autor não tenha gozado o direito ao descanso semanal, trabalhando todos os dias da semana, incluindo sábados, domingos e feriados;
11. Que, desde 15 de novambro de 2023, a Sra. HH, diariamente e de forma verbal, tenha começado a persuadir o Autor para fazer um pedido de rescisão do contrato de trabalho, causando-lhe inúmeros abalos emocionais e constrangimentos;
12. Que o Autor tenha sido pressionado pelo Réu para ir ao serviço de Segurança Social em Fátima, para pedir esclarecimentos sobre o direito ou não de recebimento de “subsídio de desemprego”;
13. Que o Réu, de forma ríspida e opressiva, na frente de funcionários do serviço da Segurança Social, tenha insistido para que o Autor assinasse o acordo;
14. Que logo em 30 de novembro de 2023 Autor e Réu tenham acordado verbalmente um “Acordo de Cessação do Contrato de Trabalho” no montante de 7.000€ (sete mil euros), como compensação satisfatória para ambas as partes e com possibilidade de recebimento posterior de subsídio de desemprego;
15. Que o Autor não tenha gozado férias entre 2019 a 2023;
16. Que o Autor tenha feito 1.738,11 horas extra no período entre 1 de setembro de 2018 e 12 de março de 2020;
17. Que o Autor tenha feito 2.235,94 horas extra no período entre 18 de maio de 2020 e 3 de dezembro de 2023;
18. Que, durante a vigência do contrato o Autor tenha trabalhado todos os feriados 9,5 horas por dia;
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IV – Enquadramento jurídico
1 – Nulidade da sentença
Considera o recorrente que existe contradição entre os factos provados 6, 7, 15 e 16 e o facto não provado 14, a que acresce a circunstância de este facto se encontrar confessado pelo recorrido no art. 17.º da sua contestação.
Estatui o art. 615.º, n.º 1, al. c), do Código de Processo Civil, que:
1 - É nula a sentença quando:
[…]
c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível;
Para que se mostre verificado o vício previsto no art. 615.º, n.º 1, al. c), do Código de Processo Civil, é necessário que os fundamentos apontem num sentido e a decisão seja tomada em sentido oposto ou, pelo menos, diferente.
Conforme resulta dos ensinamentos de Lebre de Freitas em A Acção Declarativa Comum: À Luz do Código de Processo Civil de 2013:3
(…) se na fundamentação da sentença o julgador segue determinada linha de raciocínio, apontando para determinada conclusão e, em vez de a tirar, decide noutro sentido, oposto ou divergente, a oposição é causa de nulidade da sentença. Esta oposição não se confunde com o erro na subsunção dos factos à norma jurídica, ou, muito menos, com o erro na interpretação desta: quando, embora mal, o juiz entende que dos factos apurados resulta determinada consequência jurídica e este seu entendimento é expresso na fundamentação, ou dela decorre, encontramo-nos perante o erro de julgamento e não perante oposição geradora de nulidade.
De igual modo, como bem sustentaram Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, in Manual de Processo Civil,4 esta nulidade reporta-se “à contradição real entre os fundamentos e a decisão e não às hipóteses de contradição aparente, resultantes de simples erro material, seja na fundamentação, seja na decisão. (…) Nestes casos (…), há um vício real de raciocínio do julgador (e não um simples lapsus calami do autor da sentença): a fundamentação aponta num sentido; a decisão segue caminho oposto ou, pelo menos, direcção diferente”.
Cita-se ainda a este propósito o acórdão do STJ, proferido em 30-05-2013:5
I- A contradição a que a lei impõe o efeito inquinatório da sentença como nulidade, é a oposição entre os fundamentos e a decisão – art.º 668º, nº 1, al. d) do CPC.
II- Porém, para que tal ocorra, não basta uma qualquer divergência inferida entre os factos provados e a solução jurídica, pois tal divergência pode consubstanciar um mero erro de julgamento (error in judicando) sem a gravidade de uma nulidade da sentença. Como escreve Amâncio Ferreira «a oposição entre os fundamentos e a decisão não se reconduz a uma errada subsunção dos factos à norma jurídica nem, tão pouco, a uma errada interpretação dela. Situações destas configuram-se como erro de julgamento» (A. Ferreira, Manual de Recursos em Processo Civil, 9ª edição, pg. 56).
III- A contradição entre os fundamentos e a decisão prevista na alínea c) do nº 1 do art.º 668º, ainda nas palavras do citado autor, verifica-se quando «a construção da sentença é viciosa, uma vez que os fundamentos referidos pelo Juiz conduziriam necessariamente a uma decisão de sentido oposto ou, pelo menos, de sentido diferente»
No caso em apreço, o recorrente não invoca uma contradição entre a fundamentação de facto ou de direito e a decisão, única situação para a qual se mostra prevista esta nulidade, pelo que jamais poderemos estar perante uma nulidade da sentença por contradição entre os fundamentos e a decisão.
A contradição entre factos provados e não provados, invocada pelo recorrente, a existir, sempre seria um erro de apreciação da matéria de facto, suscetível de ser sanados através do art. 662.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, ou do recurso à impugnação fáctica, nos termos do art. 640.º do mesmo Diploma Legal.
Pelo exposto, improcede a invocada nulidade da sentença por contradição entre a fundamentação de facto e a decisão.
Questão prévia
Compulsados os autos, constata-se que, apesar de estar em causa a licitude ou ilicitude do despedimento do recorrido, de que foi alvo no âmbito de um procedimento disciplinar, não consta da matéria de facto os factos que lhe foram imputados nesse procedimento, o que torna impossível a este tribunal poder reapreciar a questão em sede recursiva.
Tal circunstância traduz-se numa insuficiência da matéria de facto que poderia determinar, nos termos do art. 662.º, n.º 2, al. c), do Código de Processo Civil, a anulação da sentença proferida, a fim de que se procedesse à ampliação da matéria de facto.
Porém, como consta do processo os elementos necessários para proceder a tal ampliação fáctica, concretamente a alegação dos referidos factos nos arts. 7.º e 12.º do articulado motivador do despedimento e a sua comprovação através do procedimento disciplinar, igualmente junto aos autos, procederemos, nos termos do art. 662.º, n.º 1, do mesmo Diploma Legal, à ampliação oficiosa de tais factos.
Assim, o facto provado 19 passa a ter a seguinte redação:
19. Em 7 de Fevereiro de 2024, o Réu decidiu instaurar um processo disciplinar ao Autor, imputando-lhe na nota de culpa os seguintes factos:
1º O ora arguido, exerce funções de empregado de mesa.
2º Em 29 de novembro de 2023, o empregador, fruto de vários comportamentos, sucessivos, parcamente profissionais por parte do trabalhador, nomeadamente entrega de montante indevidos a clientes, maltratar clientes, ofendê-los, decidiram que a relação laboral se degradou e, invés de haver lugar a procedimento de despedimento, decidiram em conjunto elaborar um acordo de cessação do contrato de trabalho, tendo decidido as cláusulas e montante global de compensação por créditos devidos.
3º O acordo de cessação do contrato de trabalho não foi assinado por ambos, uma vez que iria ser assinado após o empregador confirmar quais os procedimentos a seguir, contudo no processamento de salários de novembro já ficou estipulado que o trabalhador receberia o montante da compensação acordada, sempre com a garantia de que o acordo era assinado.
4º Acontece que após o recebimento do montante, o Senhor AA se recusou a assinar o acordo de cessação do contrato de trabalho, tendo solicitado um montante superior ao acordado, já após ter recebido 1.500,00€ no dia 1 de dezembro de 2023 que correspondia ao montante acordado, recebendo dois pagamentos de 750€ no mesmo dia, referentes ao pagamento da compensação e um outro pagamento de 750€ correspondente ao pagamento de salário, de que locupletou indevidamente.
5º Acontece que no dia 4 de dezembro de 2023 o trabalhador informou que não devolveria o montante, fazendo seu o montante pago a título de compensação, quando este já saberia que não ia assinar o acordo de cessação, tendo no mesmo dia enviado uma carta à entidade patronal, com um conjunto de exigências falsas, nomeadamente no que diz respeito ao não gozo de férias, uma vez que afirma na carta que não gozou férias, tanto gozou férias que se deslocou ao seu país várias as vezes.
6º Acontece que, o Acordo para Cessação do Contrato de Trabalho iniciou-se nos 1.500,00€ a título de compensação.
7º Posteriormente, em data não concretamente apurada, mas já após o dia 4 de dezembro de 2023, o trabalhador informou via telefone que não aceitaria um Acordo em valor inferior a 3.0000,00€, tendo o mesmo sido aceite por forma a evitar mais delongas na resolução da situação.
8º Após a aceitação do pagamento do valor de 3.000,00€ o trabalhador constitui Mandatária a qual informa, após ter contactado o trabalhador, que este não aceitará qualquer acordo abaixo dos 4.500,00€, sendo que a situação já se encontrava amplamente inflamada, contudo foi esse valor aceite por parte do empregador.
9º Acontece que depois da aceitação do pagamento do montante de 4.500,00€, e tendo já os Mandatários acordado reduzir a escrito o Acordo, o trabalhador, mais uma vez, aumenta o valor exigido, assim, já após o dia 11 de dezembro de 2023, o trabalhador dá indicação à sua Ilustre Mandatária de que não aceitará um valor inferior a 6.000,00€, o que não foi aceite de imediato por parte do trabalhador.
10º Ora, no entretanto, é nomeada nova Ilustre Mandatária, com a qual foram encetadas conversações para a Cessação do Contrato e, pasme-se, o trabalhador exige um valor de 7.000,00€ para assinar o Acordo, valor que excede em muito o inicialmente acordado e transferido para a conta do trabalhador.
11º Como se não fosse suficiente, no dia 1 de fevereiro de 2024 o trabalhador, numa clara situação de ameaça, coação e burla, entra em contacto com o empregador exigindo-lhe 10.000,00€ para “acabar o assunto”, ora não é admissível que o comportamento do trabalhador se mantenha, com uma clara e objetiva campanha de enriquecimento sem licitude sob pena de este manter os comportamentos inadequados de provocação e chantagem emocional promovidos de forma constante.
12º O comportamento do arguido, enquanto voluntário e consciente, é culposo.
13º Para além da enumeração exemplificativa, prevista no artigo 351.º n.º 2 do Código do Trabalho, dos comportamentos que merecem censura que tornam inexigível a manutenção do vínculo laboral, haverá que avaliar o grau de gravidade do comportamento culposo, por violação inequívoca dos deveres legais decorrentes do artigo 128.º do Código do Trabalho, nomeadamente as obrigações previstas na alínea a).
14º Face ao elencado, os comportamentos do trabalhador constituem justa causa de despedimento à luz do previsto no artigo 351.º e 128.º, ambos do Código do Trabalho, sendo essa intenção do empregador.
Acrescenta-se ainda o facto provado 19-A, com a seguinte redação:
19-A. O processo disciplinar culminou com o relatório final, no qual se deram como provados todos os factos imputados na nota de culpa ao recorrido e se lhe aplicou a sanção disciplinar de despedimento por justa causa, prevista no art. 328.º, n.º 1, al. f), do Código do Trabalho.
2 – Impugnação fáctica
Considera o recorrente que o tribunal da 1.ª instância errou ao dar como não provado o facto 14, uma vez que este havia sido confessado, sendo que este facto também se encontra em contradição com os factos provados 6, 7, 15 e 16.6
Em primeiro lugar, apreciemos a invocada contradição:
Consta dos factos provados 6, 7, 15 e 16 que:
6. Tendo Autor e Réu conseguido um entendimento com vista à cessação do contrato de trabalho mediante uma compensação a pagar ao Autor de valor não concretamente apurado, o acordo não foi logo reduzido a escrito;
7. Não obstante o referido em 6, em 1 de dezembro de 2023, o Réu transferiu para o Autor, via MBway, a quantia de 1.500€ (duas tranches de 750€) por conta da compensação acordada, além da quantia de 760€ por conta da retribuição do mês de novembro;
15. Posteriormente, foram encetadas negociações entre uma advogada constituída pelo Autor e o advogado do Réu, nas quais foram indicados valores de compensação que acabaram por não ser aceites por ambas as partes, a saber:
• A quantia de 4.500€, [3.000€ acrescido do montante de 1500€ já transferido (ponto 6)] aceite pelo Réu, mas recusada pelo Autor;
• A quantia de 6.000€ [4500€ acrescido do montante de 1500€ já transferido (ponto 6)] proposta pelo Autor e que e o Réu veio a recusar;
16. Em 29 de janeiro de 2024, tendo intervindo nas negociações a advogada nomeada ao Autor este propôs o valor de 7.000€ a título de compensação, que o Réu recusou;
Consta, ainda, do facto provado 5 que:
5. Por razões não concretamente apuradas e concretizadas, relacionadas com o comportamento do Autor no local de trabalho desaprovado pelo Réu, este entendeu que a relação laboral não podia subsistir, pelo que antes de 29 de novembro de 2023 tentou obter com aquele um acordo para cessação do contrato de trabalho;
Por sua vez, consta do facto não provado 14 que:
14. Que logo em 30 de novembro de 2023 Autor e Réu tenham acordado verbalmente um “Acordo de Cessação do Contrato de Trabalho” no montante de 7.000€ (sete mil euros), como compensação satisfatória para ambas as partes e com possibilidade de recebimento posterior de subsídio de desemprego;
Na realidade, basta ler estes factos para se concluir que não existe qualquer contradição.
Foi dado como provado que, em data anterior a 29-11-2023, o recorrente tentou obter um acordo com o recorrido com vista à cessação do contrato de trabalho, tendo, até essa data, havido um entendimento entre ambos, com vista à cessação do contrato de trabalho, mediante uma compensação, a pagar ao recorrido pelo recorrente, em valor não concretamente apurado, acordo esse que não foi reduzido a escrito. Provou-se que, em 01-12-2023, o recorrente transferiu para o recorrido a quantia de €1.500,00, por conta da compensação acordada. Provou-se também que, posteriormente a esta data, em face de desentendimentos havidos entre ambos, foram encetadas novas negociações, tendo, em 29 de janeiro de 2024, a advogada nomeada ao Autor proposto o valor de 7.000€ a título de compensação, valor esse que o recorrente recusou.
Não se deu, assim, como provado que, em 30-11-2023 (aquando do entendimento a que as partes tinham chegado nessa altura), o valor acordado para a cessação do contrato de trabalho fosse de €7.000,00, e não se deu tal facto como provado, apesar de alegado pelo recorrido, porque a versão apresentada pelo recorrente foi bastante diferente.
Essa é a razão pela qual no facto provado 6 ficou a constar que a compensação acordada, a pagar ao recorrido, foi em valor não concretamente apurado.
Não há, por isso, qualquer contradição entre os invocados factos provados e o facto não provado 14.
Relativamente à confissão, por parte do recorrido, do que consta do facto não provado 14, importa, desde logo, salientar que o facto não provado 14 foi alegado pelo recorrido, tendo o recorrente apresentado versão diferente.
Na verdade, para além de tal facto beneficiar o recorrido e não o recorrente, o que, nos termos do art. 352.º do Código Civil, sempre impediria a confissão do recorrido, importa precisar que tal facto não resultou provado porque, opondo-se ao mesmo o recorrente, o recorrido não conseguiu, segundo o tribunal da 1.ª instância, prová-lo.
Assim, improcede a impugnação fáctica requerida, mantendo-se não provado o facto 14.
3 – Licitude do despedimento
Entende o recorrente que o comportamento constante da nota de culpa demonstra que havia diversos fundamentos para proceder ao despedimento do recorrido, sendo tal despedimento, nos termos do art. 351.º do Código do Trabalho, lícito.
Estipula o art. 351.º do Código do Trabalho que:
1 - Constitui justa causa de despedimento o comportamento culposo do trabalhador que, pela sua gravidade e consequências, torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho.
2 - Constituem, nomeadamente, justa causa de despedimento os seguintes comportamentos do trabalhador:
a) Desobediência ilegítima às ordens dadas por responsáveis hierarquicamente superiores;
b) Violação de direitos e garantias de trabalhadores da empresa;
c) Provocação repetida de conflitos com trabalhadores da empresa;
d) Desinteresse repetido pelo cumprimento, com a diligência devida, de obrigações inerentes ao exercício do cargo ou posto de trabalho a que está afecto;
e) Lesão de interesses patrimoniais sérios da empresa;
f) Falsas declarações relativas à justificação de faltas;
g) Faltas não justificadas ao trabalho que determinem directamente prejuízos ou riscos graves para a empresa, ou cujo número atinja, em cada ano civil, cinco seguidas ou 10 interpoladas, independentemente de prejuízo ou risco;
h) Falta culposa de observância de regras de segurança e saúde no trabalho;
i) Prática, no âmbito da empresa, de violências físicas, injúrias ou outras ofensas punidas por lei sobre trabalhador da empresa, elemento dos corpos sociais ou empregador individual não pertencente a estes, seus delegados ou representantes;
j) Sequestro ou em geral crime contra a liberdade das pessoas referidas na alínea anterior;
l) Incumprimento ou oposição ao cumprimento de decisão judicial ou administrativa;
m) Reduções anormais de produtividade.
3 - Na apreciação da justa causa, deve atender-se, no quadro de gestão da empresa, ao grau de lesão dos interesses do empregador, ao carácter das relações entre as partes ou entre o trabalhador e os seus companheiros e às demais circunstâncias que no caso sejam relevantes.
Do disposto no citado artigo resulta que a justa causa de despedimento implica a verificação cumulativa de três requisitos:
a) um comportamento culposo do trabalhador (requisito de natureza subjetiva);
b) a impossibilidade de subsistência da relação laboral (requisito de natureza objetiva);
c) a existência de um nexo de causalidade entre aquele comportamento e esta impossibilidade de subsistência da relação laboral.
Deste modo, para que se esteja perante uma justa causa de despedimento torna-se necessário, não só que tenha havido um comportamento culposo (ativo ou omissivo) por parte do trabalhador, como também que a gravidade de tal comportamento seja de tal ordem que impossibilite a subsistência da relação laboral.
Esse comportamento culposo implica a violação dos deveres a que o trabalhador se encontra sujeito, emergentes do vínculo contratual existente entre si e a entidade empregadora, designadamente dos deveres constantes do art. 128.º do Código do Trabalho, no entanto, não se basta com tal violação de deveres, tornando-se necessário, para que seja legítima a imputação da mais violenta das sanções disciplinares, que a gravidade da violação desses deveres e a culpabilidade do infrator, aferidas segundo critérios de objetividade e razoabilidade, tenham levado à quebra da relação de confiança que o empregador tinha para com aquele trabalhador, tornando impossível a subsistência de tal relação laboral, por representar a continuidade dessa relação uma injusta imposição ao empregador.7
Resulta ainda do disposto do art. 351.º, n.º 3, do Código do Trabalho que a entidade empregadora (e a entidade judiciária nas ações de impugnação da regularidade e licitude do despedimento), na apreciação da justa causa, deve atender, no quadro de gestão da empresa, ao grau de lesão dos interesses do empregador, ao carácter das relações entre as partes ou entre o trabalhador e os seus companheiros e às demais circunstâncias que no caso sejam relevantes.
Apreciemos.
No caso em apreço, o que releva não é o que constava na nota de culpa e que se deu como provado no relatório final do procedimento disciplinar, mas apenas o que desses factos se deu como provado neste processo.
Desde logo, não se provaram quaisquer factos referentes ao comportamento do recorrido para com os clientes (facto 2º da nota de culpa), sendo que da nota de culpa não consta que o recorrido chegasse atrasado, fizesse listagem das tarefas desempenhadas ou que discutisse com o recorrente, pelo que estes factos nunca poderiam ser objeto de apreciação no presente processo (art. 98.º-J, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho).
Por sua vez, quanto à negociação havida entre o recorrente e o recorrido no intuito de chegarem a acordo para a cessação do contrato de trabalho, apenas foi dado como provado que, até 29-11-2023, foi obtido acordo, não reduzido a escrito, quanto ao pagamento, do recorrente ao recorrido, de valor não concretamente apurado (facto provado 6). Mais se provou que, quando o recorrente pretendeu que o recorrido assinasse acordo reduzido a escrito e datado de 29-11-2023, no qual aceitasse que lhe fosse paga, a título de compensação, o montante de €1.755,38, este se recusou a assiná-lo, por não corresponder ao acordado (facto provado 8).
Atente-se que nem no articulado motivador o recorrente veio alegar que o valor do acordo tivesse sido de €1.755,38, afirmando, sim, que tal valor tinha sido de €3.000,00. Acresce que na nota de culpa veio alegar que o valor acordado era de €1500,00.
Provou-se, ainda, que, posteriormente, não foi obtido qualquer outro acordo entre as partes (factos provados 15, 16 e 18).
Ora, perante a factualidade provada, não se vislumbra qualquer comportamento ilícito por parte do recorrido ou qualquer atitude incorreta deste para com a sua entidade empregadora, visto que não resultou provado que o recorrido tivesse violado o único acordo obtido, tanto mais que o próprio recorrente é contraditório sobre tal valor (atenta a nota de culpa, o acordo que apresentou ao recorrido e o vertido no articulado motivador).
Importa ainda acentuar que o recorrido não se encontrava obrigado a aceitar as propostas do recorrente, não podendo configurar essa não aceitação um comportamento ilícito da sua parte.
Assim, não se tendo provado qualquer comportamento culposo do recorrido, o despedimento a que foi sujeito é ilícito, como bem o considerou a sentença recorrida.
Improcede, nesta parte, a pretensão do recorrente.
4 – Substituição da reintegração do Autor pelo pagamento de uma compensação
Considera o recorrente que as relações existentes entre o recorrente e o recorrido não se coadunam com a reintegração deste no local de trabalho, revelando-se uma impossibilidade prática e imediata de subsistência da relação laboral.
Vejamos.
No caso em apreço, cumpria ao recorrente ter requerido, no articulado motivador do despedimento, a sua oposição à reintegração do recorrido, invocando os factos e circunstâncias que fundamentavam a sua pretensão (art. 98.º-J, n.º 2, do Código de Processo do Trabalho). Não o tendo feito, precludiu esse direito.
Assim, improcede também nesta parte a pretensão do recorrente.
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V – Decisão
Pelo exposto, acordam os juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Évora em julgar o recurso improcedente, mantendo-se a sentença recorrida, sem prejuízo da alteração oficiosa efetuada nos factos provados.
Custas pelo recorrente (art. 527.º, nºs. 1 e 2, do Código de Processo Civil).
Notifique.
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Évora, 25 de junho de 2025
Emília Ramos Costa (relatora)
Mário Branco Coelho
Paula do Paço
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1. Relatora: Emília Ramos Costa; 1.º Adjunto: Mário Branco Coelho; 2.ª Adjunta: Paula do Paço.↩︎
2. Doravante AA↩︎
3. 3.ª ed., p. 333.↩︎
4. 2.ª ed., pp. 689-690.↩︎
5. No âmbito do processo n.º 660/1999.P1.S1, consultável em www.dgsi.pt.↩︎
6. Apesar de nas conclusões AAA., BBB., CCC. e DDD. o recorrente invocar alguns depoimentos de testemunhas ouvidas no julgamento, não formula, posteriormente, qualquer pedido de alteração fáctica, pelo que, sobre tais depoimentos, nada há a apreciar.↩︎
7. Veja-se o acórdão do STJ proferido em 01-03-2018 no âmbito do processo n.º 1010/16.1T8SNT.L1.S1, consultável em www.dgsi.pt.↩︎